Rodrigues, R - Carta VII de Platão
Rodrigues, R - Carta VII de Platão
Rodrigues, R - Carta VII de Platão
DOUTRINAS NO ESCRITAS
Rubi Rodrigues[1]
RESUMO
Este trabalho comeou com o propsito de confirmar ou refutar as teses do professor
Terence H. Irwin[2], segundo as quais, a Carta VII no seria de autoria de Plato e nem
existiriam doutrinas no escritas embasando a filosofia registrada nos dilogos. Aps
identificar algumas razes estruturais para Plato furtar-se de registrar o essencial de sua
doutrina e examinar as justificativas apresentadas por ele na Carta VII, para no
escrever sobre os primeiros e supremos elementos da natureza, interpretou-se tais
alegaes com base no logos normativo, atualizou-se essa discusso em linguagem
moderna e culminou-se, surpreendentemente, por revelar o significado essencial de tais
doutrinas, aportando, consequentemente, uma contribuio original aos estudos
platnicos que se baseiam na plataforma proposta pelas escolas de Tbingen e de Milo.
Plato detinha no apenas uma Teoria das Formas, mas tambm dominava a estrutura
geradora de todas as formas, esta ltima, por justificadas razes, tratada, na ocasio,
exclusivamente por meio da oralidade.
Palavras-chave: Filosofia, Metafsica, Plato, Carta VII, doutrinas no escritas,
princpios supremos, Pitgoras.
ABSTRACT
This paper has begun with the proposal of confirming or refutating Prof. Terence H.
Irwins theses, claiming that Brief VII attributed to Plato is not his own, nor there exist
written doctrines basing registered philosophy in the dialogs. After identifying some
structural reasons for Plato avoiding to report the essentials of his doctrine and
examining justifications presented by him in Brief VII, to not write about primary and
supreme elements of nature, these allegations were interpreted based upon normative
logos, this discussion come to be actualized in modern language, culminating
surprisingly in the revelation of the essential significance of these doctrines, aggregating
consequently original contribution to platonic studies, that are based upon the platforms
proposed by Tbingens and Milans schools. Plato possessed not only a theory of
forms, but also dominated a generating structure of all forms; this last, for justified
reasons, treated in the occasion through orality.
Keywords: Philosophy, Metaphysics, Plato, Letter VII, doctrines not written, supreme
principles, Pythagoras.
1 INTRODUO
Plato , certamente, o filsofo ocidental mais conhecido de todos os tempos. Seu nome
no apenas aparece constantemente em conversas informais, quando o tema filosofia,
como tambm surpreende os filsofos pela sua acuidade em Metafsica, manifesta antes
mesmo de esta se estabelecer como disciplina autnoma. Alm disso, surpreende a
eruditos de todas as cincias pela atualidade dos temas que abordou e pela pertinncia
das suas posies, mesmo depois de transcorridos vinte e cinco sculos. A alegoria da
caverna, por exemplo, um retrato fidelssimo da situao social hoje vigente nas
democracias modernas, nas quais a iluso, a ignorncia e a conveniente manipulao da
informao constituem base do processo de controle social. Essa atualidade dos temas e
das posies platnicas indicam que aquele ateniense operava um referencial cognitivo
que lhe concedia acesso a estruturas essenciais do mundo, pois revelaram aspectos
comuns a culturas to distintas, como o caso da cultura cientfica moderna e da cultura
mitolgica da Grcia de ento. Somente o acesso a instncias fundamentais da
existncia explica a seduo que Plato continua exercendo at hoje. E, nesse aspecto, a
questo efetivamente relevante que emerge e se impe no consiste exatamente das
anlises particulares que Plato nos oferece sobre os muitos e diferentes temas que
tratou, mas daquilo que se encontrava na base da sua postura mental, isto , daquilo que
fundamentava o seu ponto de vista e que lhe possibilitou tanto a identificao dos temas
relevantes como a formulao de posies coerentes frente a eles, apesar da sua
diversidade e profundidade. Estamos falando, ento, precipuamente do referencial
cognitivo que instrumentalizava a mente de Plato e a tornava capaz de um pensamento
to vigoroso.
Essa focalizao do paradigma que instrumentalizava e potencializava o pensamento de
Plato, em termos prprios, chamou a ateno da chamada Escola de Tbingen (Gaiser
e Krmer), que, na dcada de sessenta do sculo passado, defendeu pela primeira vez
ser indispensvel considerar as chamadas doutrinas no escritas, para se lograr
competente interpretao do pensamento de Plato. Efetivamente, Plato, em diversas
ocasies, registra posio, defendendo tanto a prevalncia do dilogo sobre a leitura, no
estudo de filosofia, como tambm a compreenso de que alguns assuntos essenciais no
admitiam ser transmitidos por escrito e que ensejou inclusive declarao expressa de
que sobre tais assuntos ele no escreveria. A par dessas declaraes, em diversos
momentos, Plato tambm deixa questes em suspenso para serem tratadas no mbito
da oralidade ou por indicarem conhecimentos superiores que no poderiam ser tratados
com o mesmo mtodo em uso na ocasio. Alm disso, quando trata da segunda
navegao, divide o contedo abrangido em duas instncias: a primeira delas contempla
as formas de que trata a sua Teoria das Formas e a segunda, mais essencial, indicada
por Aristteles como sendo uma instncia de princpios primeiros, sobre os quais Plato
no se estende e sobre os quais se refere com muita parcimnia.
Em vista dessas circunstncias, Giovanni Reale, professor de Filosofia Antiga da
Universidade Catlica de Milo, debruou-se sobre essa questo em trabalho
monumental que produziu extenso estudo historiogrfico, de mais de seiscentas pginas,
nas quais demonstra, exausto, a pertinncia da tese da Escola de Tbingen.
Efetivamente, ao que tudo indica, as doutrinas no escritas revelam-se fundamentais
para uma interpretao competente de Plato, e a sua desconsiderao ou o seu
desconhecimento, por parte dos exegetas, explica porque at hoje no se conseguiu uma
sistematizao convincente da filosofia platnica: simplesmente porque se desconhece a
pedra fundamental sobre a qual esse edifcio se assenta. Esse trabalho, publicado,
originalmente, em Milo, em 1991, sob o ttulo Per una nuova unterpretazione di
Plato e, no Brasil, em So Paulo, pelas Edies Loyola, em 1997, com o mesmo ttulo,
revigora o interesse sobre a obra platnica e confere nova e promissora orientao aos
estudos interpretativos do genial filsofo grego.
Reale, declaradamente, limita-se a realizar um estudo historiogrfico e no entra no
mrito dessas doutrinas no escritas, embora indique as referncias que constam dos
diversos textos. Deixa, porm, claramente assentado o desafio de se efetuar o resgate
dessas doutrinas, defendendo que, em uma poca na qual a Paleontologia consegue
recuperar at a aparncia de um animal pr-histrico extinto, contando apenas com parte
de uma mandbula petrificada, deve ser tambm possvel resgatar essas doutrinas a
partir dos muitos fragmentos fossilizados que esto disponveis.
Mrio Ferreira dos Santos realizou um trabalho dessa espcie ao recuperar parte
essencial da doutrina pitagrica, em seu Pitgoras e o tema dos nmeros. De qualquer
modo, o exame da tese de Reale no deixa dvidas: a feliz parceria das escolas de Milo
e Tbingen gerou nova e promissora plataforma de estudos que potencializa finalmente,
no estertor do sculo vinte, a to almejada e requerida sistematizao do pensamento
filosfico de Plato, possibilitando virtualmente equacionar os desacertos interpretativos
que tm marcado tais esforos.
Essa nova plataforma de estudos, centrada nas doutrinas no escritas de Plato, revelase particularmente auspiciosa para o grupo das Segundas Filosficas, porque o modelo
referencial que esse grupo opera, o logos normativo, segundo nos dado entender,
configura chave interpretativa capaz de trazer luz do dia a compleio estrutural e os
principais componentes dessa doutrina. Essa convico ainda no est amparada em um
estudo sistematizado, mas se revela promissora em face da facilidade com que temos
compreendido os textos platnicos, apesar de estarmos recm nos aproximando com
mais intimidade deles e, tambm, em razo da clareza com que conseguimos perceber
os equvocos de interpretao cometidos por estudiosos da obra, justamente por estarem
desprovidos do referencial. Chegou-se ao logos normativo percorrendo um caminho
particular que apenas marginalmente incluiu Plato, de sorte que as coincidncias agora
identificadas configuram gratas surpresas. Observe-se que, no captulo 4 do Projeto em
desenvolvimento no site das Segundas Filosficas, usa-se, por economia, o Mito da
Caverna de Plato para tipificar a mentalidade hoje predominante no mundo ocidental,
justamente em face da coincidncia de perspectivas.
Coincidentemente, Reale tambm usa, na primeira parte da sua tese, as descobertas de
Thomas Kuhn para justificar a guinada metodolgica que defende necessria nos
estudos de Plato, da mesma forma que, no captulo 2 do citado Projeto, as percepes
de Kuhn so usadas para justificar um conceito de paradigma estendido ao plano geral
da civilizao. Se essas duas coincidncias apenas indicam certa aproximao entre a
abordagem que visa s doutrinas no escritas de Plato e aquela que deriva do uso do
logos normativo, o exame do contedo doutrinrio, em ambos os casos, justifica nosso
entusiasmo quando se constata que a tese do logos normativo possui a ddaca sagrada
de Pitgoras como antecedente declarado, e os textos platnicos revelam sensvel
influncia de Pitgoras nos dilogos. Essa influncia Plato no chega a esconder, mas,
salvo a meno no Filebo, tambm no declara formalmente, limitando-se a reverenciar
e admirar os antigos, que viviam mais proximamente aos deuses e que a tradio
indica tratar-se dos pitagricos. Em consequncia, parece-nos claro que o completo
desvelamento das doutrinas no escritas fatalmente vai revelar um Plato muito mais
pitagrico do que at hoje se acredita. Da, a nossa grande motivao para o estudo das
quer Dionsio, quer algum de menor ou maior importncia, que tenha escrito algo
sobre os primeiros e supremos elementos da natureza, no ouviu nem entendeu nada de
so daquilo que escreveu. Pois, de modo semelhante a mim, ele teria respeitado essas
coisas e no as teria ousado expor em desarmonia e inconvenincia.
Esse o contexto da digresso filosfica contida na Carta, e as transcries selecionadas
contemplam o essencial das afirmaes de Plato que precisam ser levadas em conta
neste trabalho. Plato estende-se, por vezes, em explicaes e consideraes adicionais,
mas tais complementos so dispensveis para os nossos propsitos, de sorte que o
transcrito contempla os argumentos usados na ocasio.
4 A TESE DE IRWIN DE QUE A CARTA VII NO DE AUTORIA DE
PLATO
Aps analisar aspectos de linguagem e de estilo bem como buscar, sem sucesso,
evidncias histricas capazes de refutar a autoria platnica da Carta, o professor Irwin
vai deter-se, mais longamente, sobre a digresso filosfica na busca de tais evidncias.
O primeiro ponto considerado nessa anlise diz respeito aos termos usados por Plato na
apresentao da sua tese de inexpressabilidade de certas questes filosficas. Quando
ele se refere a elas como coisas que levo a srio, Irwin entende, na contrapartida, que
os dilogos seriam, ento, escritos sobre assuntos que ele no leva a srio.
Na sequncia, Irwin destaca as razes pelas quais Plato no escreveu sobre assuntos
srios: [] pois no so expressveis (ou dizveis: rhton) e conclui que Plato
no diz apenas que no se pode escrever sobre assuntos srios. Diz que, de todo, no
podem ser expressveis.
Classificando de surpreendente a tese de Plato, Irwin vai analisar a digresso que, a seu
ver, interrompe a narrativa histrica, mas no se afasta dos objetivos principais da
Carta.
Antes de entrar na anlise da digresso, Irwin observa que no se encontra paralelo da
tese nos dilogos e declara sua esperana na anlise: Quando tivermos examinado a
defesa que a Carta faz da tese da inexpressabilidade, estaremos em condies de
consider-la, ou no, como platnica.
Irwin rene o primeiro momento da anlise filosfica sob o ttulo de Cognio e
realidade que, tambm no nosso entender, configura o fundo de referncia da discusso
que visa ao conhecimento da realidade. Resume, assim, a explicao platnica:
A explicao que avana distingue cinco tpicos, que refere como o primeiro, o
segundo, etc. Distingue o quinto (o cognoscvel ou conhecido: gnston e
verdadeiramente real) do quarto (conhecimento), e dos trs meios para o conhecimento:
o primeiro (o nome), o segundo (o logos) e o terceiro (a imagem) (342a-b). Plato
insiste que os primeiros quatro so todos necessrios para adquirir o conhecimento
completo (epistm) do quinto (342e), mas todos ficam aqum desse conhecimento.
A seguir, o professor Irwin coloca a questo que o perturba mais: Que tem ele em
mente, ao falar do objeto do conhecimento (o cognoscvel ou conhecido)?
Destaca o carter absolutamente universal que lhe confere Plato e registra que o
significado se assemelha aos conceitos de forma e ideias que os dilogos platnicos
encaram como entidades abstratas ou universais que, em si, so isentas da copresena de
seus opostos, estes sempre manifestos nos casos concretos.
No final, conclui que essa diviso em cinco partes visa estabelecer dois pontos: (1)
Nenhum dos primeiros quatro idntico ao quinto. (2) Nenhum deles nos d uma viso
genuna do quinto. E complementa que o segundo ponto discutvel ou no est
devidamente justificado.
Sob o ttulo As limitaes do logos Irwin vai dar destaque a fraqueza que Plato v na
linguagem em geral para expressar a realidade. Quanto ao primeiro ponto no restam
dvidas: As deficincias dos trs primeiros so fceis de perceber. O nome em si no
nos d conhecimento do quinto, porque os nomes so instveis.
Irwin declara, ainda, que A atitude de Plato em relao ao segundo mais difcil de
captar. Mais, estes quatro pretendem mostrar a qualidade (poion) de algo, no menos do
que aquilo que , devido fraqueza dos logoi.
Irwin, ento, pergunta: O que o logos? e responde Plato parece ter em mente
uma frmula definidora expressa pela linguagem: o logos de um crculo a coisa que
tem em todo lugar igual distncia entre as suas extremidades e o centro. Argumenta
que a instabilidade dos nomes se estende tambm aos logoi, porque eles so compostos
de nomes e de predicados (342b).
Com base nessa leitura, Irwin observa: [] se os logoi so instveis do modo que
Plato afirma [] deve tambm crer que, se eu traduzir uma definio correta de um
tringulo, em Francs ou Grego, expresso um logos diferente em cada lngua.
Ora, sendo essa interpretao insustentvel, dado que, nesse caso, nenhum significado
poderia ser traduzido para outra lngua, Irwin conclui: As reivindicaes platnicas
acerca da instabilidade dos nomes e frmulas verbais parecem pressupor a estabilidade
dos significados e definies.
Essa ltima sentena pode conter um problema de traduo do ingls para o portugus,
uma vez que tanto nomes e frmulas verbais, como significados e definies, pertencem
todas ao plano subjetivo (gnosiolgico e lingustico), enquanto a tese da
inexpressabilidade diz de insuficincias da linguagem frente realidade objetiva. O
professor Irwin tambm o entende assim, tanto que vai relatar o tratamento que Plato
d ao problema no Crtilo:
Contra a observao de Hermgenes sobre a mutabilidade dos nomes, Scrates observa
que as realidades nomeadas no mudam com os nomes e que algumas pessoas, que
compreendem as realidades, tm descries corretas delas (Crtilo, 385d-386e). Estas
descries so logoi, mas no so frmulas verbais: so aquilo que as frmulas verbais
expressam.
Irwin, ento, surpreende-se por Plato no ter usado a explicao presente no Crtilo
para justificar, na Carta, a instabilidade do logos. Com isso, entende que
Irwin ainda resgata a declarao de Plato (343c) de que nos tornamos facilmente
refutveis pelos sentidos quando tentamos expressar o quinto em formulaes verbais
ou imagens, no devido a erro nosso, mas inadequao dos outros quatro, e
pergunta: Por que nos deixa a investigao do quinto to abertos refutao?
Irwin declara, textualmente, que um tanto difcil ver o que ele tem em mente e
aventa que
talvez Plato queira dizer que as frmulas verbais necessariamente falham na captao
do quinto [] dado que aparentemente devemos ser capazes de captar algo da natureza.
[] O fato de as nossas tentativas de captao da essncia se acharem condensadas em
formulaes desse tipo (verbais) no prova que todas essas tentativas tenham que falhar.
Na sequncia, Irwin resgata os principais trechos nos quais Plato defende ou apresenta
a sua tese da inexpressabilidade que sintetiza de modo claro: Embora a investigao e
o raciocnio discursivo sejam necessrios para alcanar o quinto, a iluminao atingida
acha-se para l do discurso e do raciocnio: no pode ser expressa.
Irwin ainda vai comparar a Carta com o Fedro em que Plato tambm privilegia a
oralidade diante da leitura, no ensino de filosofia. Justifica, porm, afirmando que o
texto escrito no pode defender-se dos questionamentos: (275d-e) Por esta razo, um
dialtico com conhecimento das Formas do justo, belo e bom encara a sua obra escrita
como um trabalho destitudo de seriedade, uma forma de recreao (276c-277a).
Dado que os argumentos para priorizar a oralidade so distintos e que o Fedro no
afirma que essencialidades sejam inexpressveis, Irwin conclui: Tal concluso no
mostra que a Carta no autntica. Mostra apenas que ou Plato no escreveu a Carta,
ou mudou fundamentalmente de perspectiva depois de ter escrito o Fedro.
Finalmente, na considerao do valor filosfico da Carta, Irwin aceita as inadequaes
dos primeiros quatro para captar o quinto: Mas essa reivindicao relevante sobre a
mutabilidade do logos assenta um erro que Plato expe no Crtilo. O erro no apenas
srio, mas no platnico, se nos ativermos ao que nos dizem os dilogos []. E
finaliza: Consequentemente, no provvel que tenha escrito a Carta.
Cabe ainda registrar a posio que Irwin assume quanto ao ensino escrito e oral, em que
contempla a tese das doutrinas no escritas e se posiciona contrrio a ela:
Uma compreenso correta desta parte da Carta justifica uma concluso ulterior sobre
outras provas, recolhidas de Plato. Tanto o Fedro como a Carta foram usados para
sustentar duas teses: (1) os dilogos no transmitem as doutrinas fundamentais de
Plato; (2) estas doutrinas esto contidas no seu ensino oral, que conhecemos de outras
fontes.
Segundo ele:
O Fedro no apoia nenhuma dessas teses. Como vimos, no nos d razo para supormos
que o contedo de uma doutrina filosfica no possa ser expresso pela escrita. A
limitao de um texto escrito reside na sua inaptido para se defender das crticas.
A par desses aspectos que possuem impacto metodolgico mais direto, h uma srie de
outras diferenas que tambm impactam a viso de mundo vigente nos dois casos e que
podem influir de algum modo na conformao dos respectivos referenciais cognitivos.
Hoje, sabemos, por exemplo, que as estrelas nascem e morrem e que, portanto, o
Universo teve um comeo e se desenvolveu e que, em assim sendo, a perspectiva grega
de um universo eterno que apenas mudava com o devir estava equivocada. Da mesma
forma, hoje, est superada a ideia de tomo eterno e indivisvel e vimos a matria se
diluir em energia, simetria, tenses, espao vazio e, ainda, em muito mistrio. Tambm,
no se pensa mais que a Terra seja o centro do mundo e, nem mesmo, que a espcie
humana seja a obra-prima da natureza. A par dos avanos das cincias que alteraram
nosso modo de ver o mundo, temos, ainda, a mudana de sentido e significao que as
palavras experimentaram no perodo, como, por exemplo, a palavra forma, usada por
Plato, na sua Teoria das Formas, cujo significado moderno encontra-se impregnado de
sentido material, relativo aparncia visual e ao contorno da materialidade dos objetos,
quando, originalmente, a forma platnica remetia inteligncia organizativa que molda
os fenmenos e os torna aquilo que so. Enfim, se esses exemplos no esgotam o
assunto, servem, ao menos, para nos alertar das dificuldades que envolvem essa
pretenso de recuperar no apenas o que foi dito h tanto tempo, mas tambm os
pressupostos utilizados em tais afirmaes.
Embora no exaustiva, essa relao de diferenas suficiente para mostrar para quem
conhece o modelo do logos normativo que, caso Plato tivesse um paradigma
equivalente ou semelhante na cabea, tinha razes suficientes para pensar que o seu
registro fidedigno, de modo formal e escrito, era, na ocasio, invivel. Isso deve-se ao
fato de o modelo do logos normativo ser constitudo ou demandar para a sua
formalizao trs tipos de conhecimento: uma geometria de feio dimensional; uma
multiplicidade lgica, concebida como movimento existencial, e uma matemtica capaz
de contemplar mltiplos graus de infinidade; nenhum dos trs, ento, disponveis. Ora,
voc, leitor, dir: isso apenas prova que o logos normativo no podia ser concebido na
ocasio. E eu responderei: verdade, o logos normativo no podia ser concebido no
sculo V a.C., porm, dado que esse modelo formaliza uma perspectiva de padro
metafsico igual adotada por Plato, temos boas e justificadas razes para pensar que
ele operava um referencial, no mnimo, estruturalmente igual ou semelhante.
Plato recusou-se a formalizar os princpios primeiros que embasavam o seu raciocnio
possivelmente porque no conseguiu uma formalizao que fosse racional e,
logicamente, satisfatria tanto para expor a sua verdade como para evitar distores e
crticas. Antes dele, Pitgoras j havia tentado formalizar os princpios primeiros na
famosa ddaca sagrada: 1 + 2 + 3 + 4 = 10, que era a frmula sobre a qual os
pitagricos juravam. imperativo reconhecer, entretanto, que, embora Pitgoras tivesse
deixado claro que esses nmeros remetiam a leis universais, todo o seu ensino era,
tambm, tratado na oralidade e no nos legou explicaes, indicando o sentido
normativo vinculado a cada um dos nmeros. Mesmo Santos (2008), que nos concedeu
acesso ddaca e que realizou cuidadosa reconstruo da doutrina, relaciona dez leis
supostamente pitagricas, mas no as vincula
aos nmeros da equao, de sorte
que, mesmo que seja possvel tambm hierarquizar tais leis, a sua vinculao aos
nmeros seria desprovida de explicaes histricas e resultaria de inferncias modernas
baseadas em conceitos modernos. Embora, naturalmente, seja razovel supor que
Pitgoras tivesse tal conhecimento, hoje, possivelmente, teramos dificuldade para
encontrar um cientista que admita para os nmeros algum sentido alm do quantitativo.
Com isso, o que nos chega da equao de Pitgoras com segurana , principalmente, o
sentido ordenador dos nmeros, partindo da unidade, e o seu propsito de construir uma
totalidade.
Ainda vamos demonstrar, na ocasio da discusso das razes arroladas por Plato para
no escrever sobre tais coisas, que os princpios primeiros de Plato eram os mesmos,
semelhantes ou correspondentes, queles defendidos por Pitgoras. Isso significa que,
de algum modo, Plato teve acesso tradio pitagrica, o que representa um fato
relevante no diretamente registrado nos dilogos. Na Carta, porm, quando Plato
relata o seu reencontro com Don, ao chegar ao Peloponeso, no retorno da terceira
viagem, e lhe descreve o ocorrido, exortado por Don para se juntar a ele com seus
familiares e amigos e se vingarem de Dionsio. Plato, ento, se expressa assim:
Ao ouvir isso, estimulei-o a chamar os amigos, se eles quisessem, e disse: Quanto a
mim, tu, com outros, fizeste-me, quase fora, sentar-me mesa de Dionsio e
participar com ele do fogo sagrado e dos rituais [] eu no estou mais em idade de
combater com quem quer que seja []. (350a).
Essa participao, com Dionsio, do fogo sagrado e dos rituais denuncia, sem a menor
dvida, cerimnia ritualstica prpria de uma Escola de Mistrios, na qual o
conhecimento foi e transmitido segundo o merecimento e por meio de processos
iniciticos. Plato era, portanto, um iniciado, o que tambm se depreende de outras
passagens, inclusive da passagem no Mnon, em que Scrates lamenta que, em razo da
sua partida, Mnon (76e) no poderia ser iniciado. Isso significa que Plato participava
de uma Escola de Mistrios e que, muito provavelmente, era, por intermdio dessa
escola, que se preservava o conhecimento dos antigos que viviam mais prximo dos
deuses, de onde Plato retira a pedra fundamental do seu edifcio filosfico. Restam,
certamente, dvidas sobre o que era transmitido naquelas cerimnias iniciticas, embora
as explicaes da Carta que trata dos cinco modos (342a) indiquem uma pista
importante, j que isso foi tratado com Dionsio. De qualquer modo, estando presente
um processo inicitico que possivelmente tambm fazia parte da Academia, dividindo
a oralidade em partes sucessivas e complementares , completa-se o quadro de razes
para justificar a manuteno de certos conhecimentos no plano da oralidade. sabido
que as escolas de mistrios possuram sempre um conhecimento exotrico que era
livremente divulgado ao pblico em geral e um conhecimento esotrico restrito aos
iniciados, algo que, em termos, persiste at os nossos dias.
Adiante, verificaremos que existe, ainda, outro motivo poderoso para justificar a postura
de Plato sobre os princpios primeiros, mas essa constatao de que ele era um iniciado
virtualmente, um iniciado do mais alto grau , vinculado a uma tradio introduzida
no Ocidente, por Pitgoras, que, segundo consta, tambm a teria recebido oralmente,
nos templos do Egito Imperial, justifica por si s a reserva de certas informaes
essenciais para que apenas os verdadeiramente merecedores tivessem acesso a elas. No
caso de Plato, porm, entendemos que essa era uma motivao complementar de
menor importncia e que as razes principais eram, digamos, tcnicas, relativas
dificuldade de expresso e indisponibilidade de recursos conceituais suficientes e, at
mesmo, de insuficiente ou incompleta formalizao. De qualquer modo, a vinculao de
Plato a uma Escola de Mistrio e a sua familiaridade com processos iniciticos, na
medida em que estes implicam uma estratgia pedaggica muito especfica, abrem um
novo e promissor campo de pesquisa nos estudos de Plato e de sua obra.
Sem a ddaca, tudo misterioso, confuso, obscuro. Tal simboliza o perfeito e encerra
em si a essncia de todos os nmeros. Tem um nmero igual de pares e de mpares e o
Um, que par-mpar, o primeiro par, o primeiro mpar e o primeiro quadrado, o quatro.
constituda da soma dos quatro primeiros: 1 + 2 + 3 + 4 = 10.
Ora, a ddaca a tetractys das 10 leis (logi) universais, que so a revelao dos
princpios que regem todo o Universo, princpios de todas as coisas. (SANTOS, 2000,
p. 126).
No se conhece registro algum indicando o significado dos cinco nmeros que
compem a ddaca de Pitgoras, mas, sendo o caso de os dois registros mencionados
terem sido feitos por Filolau, podemos inferir que a ddaca nos oferece um
detalhamento da verso sinttica que justape ilimitado e limitante, uma vez que Filolau
identifica ambos como princpios de todas as coisas. Ora, sendo o ilimitado e absoluto
indivisvel por natureza, resta-nos entender a ddaca sagrada como sendo o
detalhamento do limitante. Assim, a equao 1 + 2 + 3 + 4 = 10 indicaria limitaes
impostas manifestao de um ser originalmente ilimitado.
Essa comparao dos dois legados de Filolau nos impressiona ao revelar a consistncia
metafsica do modelo interpretativo de Pitgoras e abre a possibilidade de correto
entendimento do que os nmeros da ddaca significam, na medida em que os
caracteriza como fatores limitantes da livre manifestao do ser. No h, porm,
nenhum registro indicando que limites eram esses ou esclarecendo o que os pitagricos
tinham em mente.
aqui que se faz necessria a contribuio do modelo do logos normativo para que se
logre avanar no esclarecimento da questo. O logos normativo constitui um modelo
referencial que vislumbra um universo dimensionalmente organizado. Esse modelo
diferencia cinco instncias que so distintas entre si e que podem perfeitamente ser
indicadas pela equao que representa a ddaca de Pitgoras. No modelo do logos
normativo, cada nmero da equao representa uma instncia existencial especfica que
contempla contedos existenciais prprios e privativos. Assim como os nmeros da
equao so cumulativos, tambm os contedos existenciais das instncias so
cumulativos, tanto em amplitude como em complexidade, de sorte que o 1 indica a
maior simplicidade e o 10 indica a maior complexidade. Nesse modelo, o nmero 1
indica a instncia mais simples da existncia relativa que comporta apenas os contedos
de uma s dimenso dos fenmenos e do mundo; o nmero 2 indica a instncia
existencial que contm os contedos de duas dimenses dos fenmenos e do mundo; o
nmero 3 indica a instncia que recepciona os contedos cuja complexidade demanda
trs dimenses; o nmero 4 indica a instncia receptora dos contedos de quatro
dimenses e o nmero 10 indica a instncia de totalidade dos fenmenos e do mundo.
Hoje, o homem ocidental enfrenta muitas dificuldades para visualizar o mundo como
sendo dimensionalmente organizado, porque aprendeu a ver o mundo em bloco, como
uma s instncia, e tem particular dificuldade de ver o todo, de vez que se formou
analtico e, como tal, voltado para as partes. Persegue o todo com o conceito de
holstico, mas ainda no sabe bem como vislumbr-lo. Os quatro primeiros,
entretanto, lhe so familiares. Quando olha pela janela, v a materialidade da natureza e
os movimentos. As folhas das rvores balanam ao vento, carros e avies deslocam-se,
pssaros voam. Qualquer um vislumbra isso com facilidade. O que aconteceria com
O quarto o saber, a inteligncia e a opinio verdadeira sobre ele. Ora, essa unidade
deve ser posta no em sons, nem em formas de corpos, mas deve ser presente nas
almas; o ser destes manifestamente diferente da natureza do prprio crculo e dos trs
elementos ditos antes.
Desses, o que mais se aproxima por parentesco e semelhana a inteligncia,
avizinhada do quinto elemento; os outros se afastam mais. (342a).
A digresso refere-se, nitidamente, a fenmenos manifestos no mundo relativo,
considerando-os, em sua compleio ontolgica comum mais essencial, o que o logos
normativo nos informa tratar-se da sua compleio existencial. O fato de existir
constitui, na perspectiva metafsica, a primeira manifestao do ser e,
consequentemente, tambm do ente que esse ser fundamenta. Antes de analisar a
digresso, cumpre observar e separar bem os trs planos que se fazem presentes quando
examinamos moderna e metafisicamente as condies de instalao e de permanncia
de um fenmeno qualquer na existncia relativa. H um plano normativo cuja expresso
mais sinttica, como j vimos, compreende o ilimitado e o limitante. Esse limitante
desdobra-se, como tambm j vimos, segundo a ddaca sagrada, no modelo pitagrico
e, segundo o logos normativo, no nosso modelo dimensional. Convm, pois, reservar
esses nomes exclusivamente para indicar os princpios normativos que regulam a
manifestao existencial dos entes. H, tambm, um plano objetivo que compreende os
sujeitos aos quais o poder normativo se vincula: o ser absoluto que possui o carter de
ilimitado e o ser relativo ou, mais precisamente, o ente que o limitante molda e institui
na condio de existente de carter limitado. H, finalmente, o plano gnosiolgico que
contempla as interpretaes que fazemos do mundo e, dentro do qual, cabe por sua vez
distinguir o entendimento que temos das coisas o que ilumina a nossa alma da
expresso que fazemos desse entendimento, usando palavras faladas ou escritas ou
usando outros meios de expresso. Portanto, para que ns, modernos, consigamos nos
comunicar e entender corretamente as coisas, impe-se contemplar a questo, separando
o normativo do objetivo, tendo em mente que o fazemos mediante um esforo
gnosiolgico de carter subjetivo que configura um terceiro plano, distinto daqueles
dois.
Em complemento e a fim de organizar completamente o contexto dessa discusso,
cumpre, ainda, ter em mente que ns, homens, que analisamos a questo estamos
situados dentro do plano relativo, na condio de entes, e que o ser absoluto situa-se em
instncia absoluta que transcende a esse plano relativo. Dado que, na condio de entes,
construdos e moldados pelo limitante, apenas dispomos de potencialidades tambm
limitadas, devemos compreender que a nossa constituio somente compreende recursos
limitados, que nos habilitam a contemplar, objetivamente, apenas o que tambm seja
limitado e que, na contrapartida, somos desprovidos de recursos capazes de considerar,
objetivamente, qualquer absoluto. Isso significa que estamos conscientes de que, toda
vez que nos referirmos ao absoluto ou instncia absoluta, estaremos usando um
elemento limitado como contraponto ou referncia necessria comunicao ou, ento,
estaremos usando uma metfora e no indicando contedos objetivos presentes ou
constituintes do absoluto. Objetivar o absoluto encontra-se, estruturalmente, fora das
possibilidades de uma mente limitada, de sorte que a prpria meno a uma instncia
absoluta, por exemplo, no significa defender a existncia de um receptculo ou lugar
que recepcione o ser absoluto, mas apenas evidenciar que o ser absoluto transcende ao
lugar geomtrico que prprio do limitante e de seus produtos. Assim, embora o
parece constituir uma mudana do plano objetivo para o plano gnosiolgico, sem aviso,
decorre, como j vimos, do fato de o grego no colocar o problema da distino entre
objetivo e subjetivo, o que no deve ser atribudo a um eventual equvoco de Plato.
No sabemos em que medida Plato entendia ou como interpretava o paradigma de
Pitgoras, mas parece claro que ele estava convicto da sua adequao como referncia
para olhar o mundo. Podemos levantar a hiptese de que Plato, virtualmente, pensasse
que o mundo objetivo se esgotava no trs e que no haveria, portanto, contedo objetivo
correspondente a quatro. Mas isso no se sustenta porque o quinto volta a contemplar,
francamente, o plano objetivo: em quinto lugar, h que pr o que em si cognoscvel e
verdadeiramente . O que, simultaneamente, em si e ao mesmo tempo tambm ,
verdadeiramente, cognoscvel a inteligncia organizativa realizada que faz com que o
fenmeno seja o que e no seja algo distinto do que . Portanto, se um, dois, trs e
cinco indicam contedos objetivos, no se justifica pensar que Plato atribua um
contedo no objetivo para o quatro, embora use a palavra conhecimento.
A mesma aparente confuso se percebe na descrio do que referido em cada nmero:
um o nome; o segundo, a definio; o terceiro, a imagem; o quarto, o saber. O quinto
apenas vai ser mencionado quando Plato estende a validade dessa explicao a
absolutamente tudo o que existe, inclusive ao bem, ao belo, aos corpos, ao fogo, gua,
alma, s aes, s paixes etc., concluindo: Pois desses, caso algum no
compreenda os quatro elementos, de um modo ou de outro, jamais ser completamente
partcipe do saber do quinto.
Adiante, Plato ainda fornece mais um dado para caracterizar o quinto, afirmando:
Cada crculo, dos que so desenhados e tomados na prtica, ou mesmo dos que so
torneados, est cheio do que contrrio ao quinto elemento.
Com isso, est invocando a sua Teoria das Formas, segundo a qual as formas participam
dos fenmenos objetivos sem se confundir com as suas materialidades, o que nos leva a
concluir que o quinto, objetivamente, constitudo da inteligncia organizativa que
organiza o ente em sua totalidade unitria e que constitui aquilo que verdadeiramente
cognoscvel. Anteriormente, j havia diferenciado o saber do quinto e alertado que, para
compreend-lo, era antes necessrio compreender os quatro primeiros.
Plato refere-se ao um, afirmando que Um o nome. Ora, nome, para ns, modernos,
o componente subjetivo da instncia. O componente objetivo o ser. Este ser,
segundo o logos normativo, um ser determinado, razo pela qual admite uma
identidade privativa que vai receber um nome no bojo de uma cultura e, virtualmente,
receber outro nome no bojo de outra. Portanto, ter conhecimento do contedo objetivo
da instncia um implica compreender o que comum a todos os seres e o que
especfico do ser particular em questo. Plato refere-se ao dois, afirmando: o
segundo, a definio. No exemplo do crculo, apresenta a definio como sendo
aquilo que mantm das extremidades ao meio igual distncia. Observe-se que Plato
localiza, na segunda instncia, aquilo que, estruturalmente, define o fenmeno. Mas
definio , tambm, subjetiva e no indica qual o componente objetivo visado. Nesse
aspecto, somente o logos normativo pode-nos ajudar. Ele define essa segunda instncia
como plano bidimensional que contempla a inteligncia organizativa potencial que o ser
vai movimentar para a realizao plena do ente em suas instncias mais complexas. A
segunda dimenso possui amplitude suficiente para comportar, na forma de inteligncia
organizativa potencial, as estruturas determinantes do ente em construo. Atualmente,
a cincia fornece-nos um exemplo claro disso com o cdigo gentico que, nos seres
vivos, determina a compleio orgnica de cada um deles. Essa inteligncia
organizativa potencial que o logos normativo localiza na segunda dimenso e foi
exemplificada com o cdigo gentico no deve ser confundida com as molculas de
DNA que guardam esse registro. Uma coisa so os meios de registros e outra a
inteligncia registrada. Os registros podem ser biolgicos, qumicos, eltricos,
magnticos etc. e se darem em molculas, clulas, papel (livros, plantas, projetos),
discos magnticos etc. Uma tentativa mais extensa de definir essa inteligncia
organizativa consta do artigo intitulado Notas sobre inteligncia organizativa,
indicado nas referncias. De todos os modos, o logos normativo define o componente
objetivo da segunda dimenso dos fenmenos como sendo inteligncia organizativa
potencial, e pensamos que o conceito de alma de Plato contempla o conjunto
compreendido pela primeira e pela segunda dimenso do logos normativo: o ser e a
inteligncia organizativa que ser ou movimentada por esse ser na construo de um
ente ou fenmeno.
Plato indica o terceiro como sendo a imagem. No exemplo do crculo, vai esclarecer
ainda que o terceiro o que desenhado e apagado, o que torneado e o que se perde.
Mas o crculo em si, o mesmo em relao com tudo isso, em nada afetado, porque
diferente deles.
Com a imagem, Plato est indicando o que entendemos hoje por materialidade dos
fenmenos. Ao falar no que torneado, no que se perde e no que no afeta a ideia de
crculo, parece claro que se refere matria ou materialidade dos fenmenos. O logos
normativo, igualmente, reconhece, na terceira dimenso dos fenmenos, a sua parcela
material que orgnica no caso dos seres vivos. Em uma cabea moderna, a percepo
da tridimensionalidade da matria afigura-se natural por influncia do sistema
cartesiano de ordenadas que estabeleceu a tridimensionalidade do espao, mas a
vinculao dessa instncia ao nmero trs, tanto por Pitgoras como por Plato, parecenos admirvel e, tambm, indicativa de que alguma racionalidade, hoje perdida,
suportava e justificava essa concepo.
O quarto para Plato o saber, a inteligncia e a opinio verdadeira sobre ele e
completa esclarecendo que essa unidade deve ser posta no em sons, nem em formas de
corpos, mas deve ser presente nas almas.
Aqui, para uma cabea moderna, Plato salta da considerao objetiva do trs para a
considerao subjetiva do quatro, situando-a no na expresso do conhecimento, mas no
entendimento que ilumina a alma, isto , na compreenso conquistada. Podemos sugerir
que Plato no indica o contedo objetivo do quarto porque Einstein ainda no tinha
declarado que o tempo era o quarto nmero, mas como justificar a relao que Plato
estabelece entre o quarto e o conhecimento? Temos meditado sobre isso e a nica
hiptese com alguma razoabilidade que nos ocorreu considerar que, na medida em que
o tempo ambienta o devir, configura, de par com a materialidade, o ambiente vital mais
evidente aos olhos orgnicos, o ambiente no qual a vida e a histria se desenrolam em
movimento. A quarta dimenso, segundo o logos normativo, contempla no s a
insero do fenmeno em um contexto determinado, mas tambm as suas relaes com
os demais fenmenos que lhe so contemporneos. Essas relaes se do e operam
segundo uma lgica dialtica que tpica dessa instncia. Dado que, no curso do devir e
ao sabor dessas relaes, o conhecimento adquirido e dada a importncia da dialtica
Ambas as citaes indicam que o quinto contempla a forma total do fenmeno, o que,
em linguagem moderna, preferimos indicar como sendo a inteligncia organizativa
presente no fenmeno que responsvel pela compleio real do fenmeno em sua
totalidade. Temos, aqui, perfeita sintonia com a teoria das ideias de Plato, segundo a
qual a forma integra os fenmenos por participao[6]. Na abordagem do quinto,
segundo o modo moderno de ver, a perspectiva de Plato volta a ser objetiva e o
elemento objetivo visado a inteligncia organizativa do fenmeno. Tratando-se,
porm, de inteligncia, avizinha-se, por parentesco, do contedo subjetivo da
conscincia, esclarecendo, dessa forma, por que conseguimos pensar o objeto e
desenvolver conhecimento sobre ele e o que do objeto conseguimos pensar: a sua forma
(Plato), ou seja, a sua inteligncia organizativa (logos normativo). Nessa soluo
epistemolgica, tambm o logos normativo concorde com Plato, com a diferena que
o logos coloca o conhecimento que ilumina a conscincia no plano gnosiolgico do
quinto e no no plano gnosiolgico do quarto, como Plato faz, pois entende que a
quinta instncia contempla a totalidade do fenmeno. Nessa, o plano objetivo contempla
a inteligncia organizativa do ente e, no caso dos homens, a conscincia humana com
sua capacidade operativa; o plano normativo contempla o movimento integrador e sua
lgica holstica, e o plano gnosiolgico contempla o conhecimento correspondente.
O que nos parece evidente, apesar das diferenas pontuais encontradas, que os trs
referenciais em pauta comungam a mesma estrutura formativa. Para bem vislumbrar
isso, vamos colocar a ddaca de Pitgoras, os cinco nmeros de Plato e o logos
normativo, cada um em uma linha de uma tabela e analisar as diferenas encontradas,
considerando os trs planos que, no incio deste ttulo, fizemos questo de separar: o
normativo, o objetivo e o gnosiolgico.
expresso subjetiva 4S comporta a histria do objeto 4O, alm das cincias que tm como
objeto as relaes dos fenmenos entre si. Finalmente, dado que entes e fenmenos so
unitrios e dado que a unidade foi perdida na instncia 2 que estabeleceu a
multiplicidade, impe-se uma instncia totalizante capaz de reestabelecer a unidade.
Da, 5N disponibilizar um movimento de padro integrativo e unificador que possibilita
a 5O constituir-se em totalidade, recuperando, assim, a unidade que o torna distinguvel
em meio a profuso de outros fenmenos, com os quais ele convive e,
circunstancialmente, partilha a existncia. Em todos os fenmenos, 5 O representa a
inteligncia organizativa efetivamente realizada que faz com que cada fenmeno seja o
que em sua totalidade e no seja algo distinto do que . Nos animais e, em particular,
na espcie humana, 5O compreende uma conscincia que, em alguma medida, permite
operar, subjetivamente, a inteligncia organizativa que molda os fenmenos e, assim,
interpretar e desenvolver conhecimento 5S sobre si e sobre o mundo que a rodeia.
Definido o plano normativo preconizado pelo logos normativo de forma dimensional,
quais garantias existem de que as cinco instncias identificadas correspondem aos cinco
nmeros de Plato e contemplam toda a extenso do limitante de Pitgoras? A
consistncia do modelo reside no fato de as cinco amplitudes indicadas ensejarem
movimentos especficos e no fato subsequente de esses movimentos determinarem os
padres de manifestao das ocorrncias objetivas correspondentes. Ora, sendo o
limitante determinante da configurao da existncia relativa, tanto no plano objetivo
como no plano subjetivo, cada uma das cinco instncias dimensionais do logos
normativo determina como se d a existncia no seu mbito, qual o padro existencial
que ali vigora, isto , o modo de ser no plano objetivo e o modo de pensar no plano
subjetivo. Nem podia ser diferente. Como seria possvel pensar em um movimento
existencial sem executar, mentalmente, o mesmo padro de movimento? Essa a razo
pela qual os gregos, com justia, entendiam que ser e pensar eram a mesma coisa. Isso
significa que N normatiza, tambm, o pensamento e que cada padro de movimento
configura uma lgica que possibilita um padro especfico de inferncia. Assim, 1N
configura a lgica transcendental; 2N, a lgica da diferena; 3N, a lgica clssica
aristotlica; 4N, a lgica dialtica; e 5N, a lgica holstica, e o modelo como um todo
assevera ser impossvel ao homem executar uma inferncia que no obedea a uma
dessas lgicas. O modelo assevera que no h, no mbito do limitante, uma instncia 6N
e nem, no mundo objetivo, uma objetividade 6O e, consequentemente, tampouco, um
pensamento 6S. Para que essa tese seja refutada, basta, portanto, apresentar uma
inferncia logicamente distinta das cinco indicadas pelo logos normativo e, enquanto
isso no ocorre, cumpre reconhecer o modelo como sendo a melhor alternativa
disponvel.
Quanto correspondncia das cinco instncias do logos normativo com as cinco
posies de Plato, a nica divergncia encontrada a sua classificao do
conhecimento como 4S, enquanto o logos normativo classifica-o como 5S e a razo disso
parece situar-se no fato de Plato, com conhecimento 4S, estar-se referindo ao
conhecimento ordinrio, analtico e comum que as pessoas em geral adquirem nas suas
experincias no devir, enquanto o conhecimento 5S privativo de iniciados que
tenham logrado dominar a totalidade. Dado que Plato tinha na cabea o modelo da
ddaca de Pitgoras, tinha uma viso precisa da totalidade, contemplando
[OO, 1O,
2O, 3O, 4O, e 5O], isto , alm do ser absoluto, contemplava tambm, o ser relativo, a
estrutura, o organismo, o tempo e a totalidade do ente, o que o instrumentalizava com
uma capacidade interpretativa que at hoje nos assombra.
Na sequncia da Carta, Plato, ainda, alerta sobre a precariedade das palavras para
designar as coisas (tendo em vista que essas mudam) e destaca a dificuldade de captar o
saber do 5O, em face da natureza defeituosa de cada um dos quatro modos de saber.
Conclui, defendendo a tese de que
certos conhecimentos no so para todos: quem no tem afinidade com o assunto no
compreender nem pela facilidade nem pela memria, pois por princpio este (o saber)
no nasce em condies adversas []. De modo que, forando cada um desses, uns
contra os outros, nomes e definies, vises e percepes, refutando com refutaes
cordiais, perguntando sem inveja e usando bem da pergunta, brilham a sabedoria e a
compreenso de cada um, tanto quanto possvel a fora humana suportar.
Essa dificuldade que Plato aponta para se compreender a inteligncia organizativa 5O
correspondente totalidade do ente admite a seguinte explicao: observe-se que, entre
4O e 5O, est presente uma transcendncia e no, simplesmente, o desdobramento de
uma instncia mais ampla. Entre 1O e 4O, cada nova instncia se soma anterior. A
equao de Pitgoras usa entre elas, justamente, o sinal de soma [1 + 2 + 3 + 4 = 10]. A
totalidade, porm, situa-se para alm da mera soma, indicando o fato amplamente
conhecido de que a totalidade maior que a soma das partes, isto , transcende a soma
das partes. Como Plato colocava o conhecimento ordinrio em 4S, entendia que passar
para 5S requeria uma transcendncia mental que apenas cada um poderia, na sua
intimidade introspectiva, realizar, sem a menor possibilidade de algum outro realiz-la
por ele. Da, a afirmao de que, aps muito esforo e insistncia, de repente, o
entendimento brilha.
Precisamos levar em conta que o homem comum vive a sua vida, colhendo os
ensinamentos propiciados por suas experincias no devir (3O + 4O), isto , no complexo
espao-temporal, ao sabor dos estmulos que afetam os seus cinco sentidos orgnicos de
percepo. Com isso, a sua conscincia 5O configura uma personalidade humana, cujo
conhecimento 4S restrito s ocorrncias objetivas e subjetivas inerentes a 3O e 4O. Esse
homem no possui a mnima condio de vislumbrar todo o conjunto existencial [OO,
1O, 2O, 3O, 4O, e 5O], algo somente acessvel ao ser 1O. Ora, enquanto a personalidade
humana, vaidosa do conhecimento forjado no devir, monopolizar o uso da razo, o ser
1O permanece adormecido no ntimo do ente, e a estrutura toda da existncia, isto , a
totalidade, permanece inacessvel. Da, as Escolas de Mistrio, com seus processos
iniciticos, objetivarem, justamente, despertar esse ser 1O, de sorte que, medida que
esse ser assuma a operao da razo, uma viso mais abrangente torne-se disponvel.
H, nos dilogos, abundantes evidncias de que Plato era um iniciado.
Finalmente, cumpre considerar que o fato de hoje podermos efetuar uma descrio
escrita e coerente desses princpios supremos no compromete as alegaes de Plato
para deixar de faz-lo ento. Hoje, podemos faz-lo em razo da evoluo conceitual
que a humanidade experimentou no perodo.
8 CRTICA DA TESE DO PROFESSOR IRWIN SOBRE A NO AUTORIA
DA CARTA VII POR PLATO
O professor Irwin inicia sua crtica surpreendendo-se com o que chamou de tese
platnica da inexpressabilidade de certas questes filosficas e, antes de entrar na
anlise da digresso, observa que no se encontra paralelo dessa tese nos dilogos,
embora conste deles meno mutabilidade dos significados das palavras.
Irwin realiza uma anlise autrquica dos cinco ordinais de Plato, percebe que o 5o, ali
chamado de cognoscvel, assemelha-se s formas universais, mas confessa no entender
o que Plato tinha em mente com cognoscvel, algo que tambm declara quanto ao 2o.
Finalmente, interpreta que a diviso em cinco partes visa estabelecer dois pontos: (1)
Nenhum dos primeiros quatro idntico ao quinto. (2) Nenhum deles nos d uma viso
genuna do quinto. Admite ser o primeiro ponto inatacvel, mas considera que o
segundo no est, devidamente, justificado e vai concentrar-se nele para refutar a
autoria platnica da Carta, embora registre que A atitude de Plato em relao ao
segundo mais difcil de captar.
Na busca de explicao, Irwin resgata a soluo que Plato d no Crtilo, quanto ao
problema da fraqueza do logos, atribuindo a Scrates responder a Hermgenes que as
realidades no mudam com os nomes e que algumas pessoas, que compreendem as
realidades, tm descries corretas delas e estranha que Plato no tenha utilizado, na
Carta, o argumento da mutabilidade dos significados das palavras. Nesse sentido das
palavras, Plato apenas afirma, na Carta, que os logos so limitados e deficientes para
expressar a realidade e, de fato, no recorre a mutabilidade das palavras, no nosso
entender, porque o caso no exigia isso.
Irwin, porm, entende que Plato faz reivindicaes acerca da instabilidade dos nomes e
das frmulas verbais para justificar que o quarto conhecimento no d viso genuna
do quinto e o faz por interpretar que Plato entende por logos uma frmula definidora,
expressa pela linguagem, isto , o contedo subjetivo XS, segundo tabela usada no ttulo
anterior. Aqui, vislumbramos um problema na argumentao do professor, tendo em
vista que, sendo o logos XS, o que seria o logoi XO? Como e onde, ento, Plato afirma
que os logoi so deficientes para expressar a realidade?
A mesma obscuridade persiste quando Irwin entende que a inexpressabilidade
implicaria a impossibilidade de tradues e conclui: As reivindicaes platnicas
acerca da instabilidade dos nomes e frmulas verbais parecem pressupor a estabilidade
dos significados e definies.
Plato, no Crtilo, diante da instabilidade dos nomes, pressupe a estabilidade da
realidade objetiva e no de significados e definies que so, tambm, componentes
subjetivos.
Irwin, ento, surpreende-se que Plato tenha esquecido a explicao presente no Crtilo
e defenda, na Carta, a instabilidade do logoi e conclui que Plato, sendo capaz de
descrever o quarto, no deu qualquer razo para acreditar que o logos
necessariamente inadequado para captar a essncia do quinto.
Com isso, Irwin chega ao mago da questo que a diferena entre o quarto e o quinto e
o faz sob o ttulo adequado de Conhecimento e realidade.
Irwin, ainda, esgrime outros questionamentos sobre as razes que levam Plato a
entender que o conhecimento do quarto seja inadequado para compreender o cinco, mas
o problema essencial j est identificado. Conforme j foi visto no ttulo anterior, Plato
coloca um conhecimento 4S na posio quatro correspondente realidade 4O que no
contempla a totalidade. Dado que Irwin no percebe a presena de uma transcendncia
entre 4O e 5O, pensa que, se o conhecimento, no quatro, corresponde realidade, ainda
que precariamente, virtual conhecimento do quinto, tambm, deve corresponder, ainda
que 4S seja o entendimento que ilumina a alma e 5O seja a inteligncia organizativa em
si.
Dado que essa leitura implica a mutabilidade do logoi realidade algo que Plato no
faria e, com base no fato de que o Fedro no afirma que essencialidades sejam
inexpressveis, Irwin conclui: Tal concluso no mostra que a Carta no autntica.
Mostra apenas que ou Plato no escreveu a Carta, ou mudou fundamentalmente de
perspectiva depois de ter escrito o Fedro.
Alm de assumir que a autoria da Carta no platnica e, com base nisso, Irwin ainda
se preocupa em denunciar a tese das doutrinas no escritas, segundo as quais os
dilogos no transmitem as doutrinas fundamentais de Plato estando estas doutrinas
contidas no seu ensino oral, que conhecemos de outras fontes. Sendo essa tese
amparada na Carta VII e no Fedro, Irwin entende que ela no se sustenta, tanto em
razo da Carta no ser de Plato quanto o Fedro, segundo ele, no lhe fornecer amparo.
Esse fato de Irwin estender a sua crtica tese das doutrinas no escritas pode estar
indicando que, talvez, consciente ou inconscientemente, tenha sido esse o seu real
propsito. O professor Irwin, que no conhecemos, poderia ter uma rejeio qualquer,
com respeito tese ou, quem sabe, sua implicao evidente ou provvel de incluir a
Metafsica ou, ento, as Escolas de Mistrio e seus valores em uma discusso acadmica
ciosa de rigor cientfico e avessa a qualquer contaminao de origem virtualmente
mstica. Se esse foi o caso, Irwin enfrenta problemas, posto que so inmeras as
menes constantes dos dilogos, indicando que Plato era um iniciado. De mais a
mais, no se pode contemplar os clssicos gregos sem considerar a cultura mitolgica
da poca e, menos ainda, reduzir o conhecimento mitolgico a meras expresses
fantasiosas desprovidas tanto de relao justificada com a realidade quanto de sabedoria
racional.
Em termos tcnicos, Irwin no percebeu a razo de Plato ao colocar o conhecimento
em 4S e nem se deu conta de que, entre o quarto e o quinto, est presente uma
transcendncia que resulta ser a nica, porm poderosa, justificativa para o
conhecimento brotar, de repente, como uma iluminao. Tudo isso encontra-se fora das
possibilidades e do alcance de uma mente cientfica forjada nas lides do devir, mas cuja
erudio decorra apenas do coletado no mbito espao-temporal (3O + 4O) da realidade.
Alis, reduzir o mbito do universo local ao complexo espao-temporal constitui erro
comum da cincia cartesiana moderna, sendo previsvel que somente a sua superao
possibilitar o competente enfrentamento das perplexidades cientficas hoje pendentes.
9 CONCLUSO
No mnimo, trs concluses podem ser retiradas do que at aqui foi visto.
Primeiramente, que no possvel entender Plato sem adotar uma perspectiva
metafsica. Plato, com a sua Teoria das Formas, com a sua segunda navegao, com a
adoo do ser de Parmnides, com suas ideias polticas, com os seus gneros supremos,
tanto quanto com a sua dada indefinida do grande e do pequeno ou com os cinco
ordinais que apresenta na Carta VII, , decididamente, metafsico, de sorte que uma
perspectiva distinta no consegue acompanhar o seu raciocnio. Com isso, o professor
Irwin, liminarmente, coloca-se em posio analtica desfavorvel para lograr um bom
resultado na sua crtica. Ao no assumir a perspectiva metafsica, o professor no
consegue perceber que a diferena que Plato invoca, separando o quarto do quinto,
nada tem a ver com a mutabilidade significativa das palavras ou com a fragilidade
expressiva do logos e, com isso levado a denunciar tanto a autoria da Carta como as
doutrinas no escritas. Com a percepo de que entre o quarto e o quinto permeia um
salto transcendental, ou seja, um movimento ou uma operao patrocinada pela lgica
transcendental nica lgica capaz de possibilitar uma intuio que , justamente, a
inferncia que surge de repente como um lampejo e, ainda, no se tendo certeza sobre
como esse entendimento se apresentava na mente de Plato, ficam completamente
superadas as razes que levaram Irwin a denunciar tanto a autoria da Carta como a tese
das doutrinas no escritas. Esse resultado, por outro lado, habilita-nos a afirmar que o
texto , segura e legitimamente, platnico e foi escrito por um iniciado que conhecia,
profundamente, a doutrina e privava da intimidade de Plato, pois conhecia detalhes
pessoais da aventura e, alm do mais, tratava-se de um pensador experiente,
suficientemente seguro para registrar, expressamente, que certos conhecimentos no
esto ao alcance de todos. Ora, tratando-se de um texto legitimamente platnico, a
questo da autoria perde relevncia e a prpria dvida sobre a autoria ou no de Plato
perde a sua razo de ser e deixa de ter sentido.
A lio mais importante, porm, resulta da constatao de que Plato usava como
paradigma cognitivo um modelo referencial que adotava a mesma estrutura de
princpios supremos que j estava presente na doutrina de Pitgoras. O ilimitado e o
limitante de Pitgoras vai aparecer com o uno e a dada em Plato, e a ddaca sagrada
(1 + 2 + 3 + 4 = 10) vai aparecer como ordinais 1o, 2o, 3o, 4o e 5o em Plato.
Observe-se que os conceitos que Plato relaciona aos cinco ordinais, respectivamente, o
nome, a definio, a imagem, o conhecimento presente na alma e a inteligncia ou
forma em si, no possuem um ndice ontolgico, gnosiolgico ou normativo comum,
fato que possui dois significados da maior importncia. De um lado, prova que
efetivamente Plato e os gregos do sculo V a.C. no se colocavam o problema de
distinguir entre objetivo e subjetivo e, de outro, prova que efetivamente os ordinais de
Plato referem-se existncia, posto que existir o nico ndice comum dessa srie de
conceitos e no se pode admitir que Plato tivesse construdo a srie sem ter, em mente,
um ndice comum. Portanto, os cinco ordinais de Plato indicam modos do existir, tanto
quanto o fazem, o limitante ou a ddaca sagrada de Pitgoras e o moderno logos
normativo. O que temos a , rigorosamente, uma e mesma teoria metafsica, apenas
expressa de trs maneiras distintas.
Szlezk j tinha percebido que o parentesco entre a perspectiva de Plato e a de
Pitgoras no se restringia a uma semelhana estrutural. No seu trabalho Plato e os
pitagricos, afirma-o, textualmente, ao examinar o captulo sobre os pitagricos da
Metafsica de Aristteles:
Dado que, no entanto, as ideias so causas para as outras coisas, ele pensava que seus
elementos seriam elementos de todas as coisas (A 6, 987b17-20). Inicialmente, isso
parece mera semelhana de estruturas: as coisas restantes (talla) so reduzidas a
10 NOTAS FINAIS
Em face dos resultados da anlise, haveria, certamente, outras consideraes a fazer
sobre as doutrinas no escritas, tal como explorar o carter cumulativo dessa estrutura
comum s trs concepes, a precedncia meramente ontolgica das quatro instncias
que antecedem a totalidade ou o carter necessariamente autorreplicante da estrutura, de
sorte que ela possa responder pela crescente complexidade da natureza, do plano
quntico ao plano csmico[8] ou, ainda, demonstrar que Plato era efetivamente um
iniciado e examinar as implicaes disso na compreenso da sua obra.
Aprendemos, porm, que esses tempos so velozes, coloca-nos diante de pouco tempo e
muitas urgncias, de modo que ficamos por aqui para que disponibilizemos o texto o
mais rpido possvel na Rede e o conhecimento possa crescer com as contribuies.
Braslia, julho/2013.
11 REFERNCIAS