Sociologia
Sociologia
Sociologia
Ricardo Bento
Graa ndias Cordeiro
Lgia Ferro
Isabel Silva Cruz
Ins Cardoso
Vanessa Marcos
Paula Batista
Amndio Graa
Mnica Santos
Bruna de Farias
Mari Cleise Sandalowski
Carolina Pimentel Corra
Departamento de Sociologia
| FACULDADE DE LETRAS DA
UNIVERSIDADE DO PORTO
UNIVERSIDADE DO PORTO
FA C U L D A D E D E L E T R A S
DOI: 10.21747/0872-3419/soc32
OS ARTIGOS SO DA EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES.
OS ARTIGOS FORAM SUBMETIDOS A PEER REVIEW.
SUMRIO
EDITORIAL ................................................................................................................
ARTIGOS
Carreiras e circuitos de msicos brasileiros: uma explorao etnogrfica no Bairro
Alto, Lisboa
Ricardo Bento, Graa ndias Cordeiro, Lgia Ferro ................................
11
33
61
83
99
125
147
RECENSO
Recenso da obra de FREIRE, Andr (Org.), (2015), O Futuro da Representao
Poltica Democrtica, Lisboa, Nova Vega.
Carolina Pimentel Corra ..........................................................................
167
175
177
181
EDITORIAL
DOI: 10.21747/0872-3419/soc32edit
ARTIGOS
BENTO, Ricardo; CORDEIRO, Graas Dias; FERRO, Lgia (2016), Carreiras e circuitos de msicos brasileiros: uma
explorao etnogrfica no Bairro Alto, Lisboa, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
Vol. XXXII, pp. 11 - 31 DOI: 10.21747/0872-3419/soc32a1
Lgia Ferro
Resumo
Partindo de uma pesquisa etnogrfica sobre o mundo da msica popular brasileira (MPB) em lugares do
Bairro Alto em Lisboa, este artigo coloca discusso o modo como os percursos trilhados pelos artistas
imigrantes de origem brasileira com objetivos de realizao artstica e de reconhecimento pblico, se
desenham a par e passo com uma intensa sociabilidade coletiva entre pares, onde o trabalho e o lazer se
misturam. A partir das noes de circuito e carreira analisaremos a relao entre um percurso de mobilidade
espacial e de mobilidade social, assim como a relao entre a constituio de cenas musicais em diferentes
escalas citadinas e artsticas.
Palavras-chave: carreiras artsticas; circuitos urbanos; msicos brasileiros no Bairro Alto.
Careers and Brazilian musicians circuits: an ethnographic exploration in Bairro Alto, Lisbon
Abstract
Starting from an ethnographic research on the Brazilian popular music world in some of Bairro Altos
places (Lisbon) this article discuss how the paths pinched by the Brazilian immigrant artists in search
of artistic fulfillment and of public recognition are constructed side by side with an intensive sociability
between peers, where work and leisure mix together. From the notions of circuit and career, we shall
analyze the relationship between paths of spatial mobility and social mobility, as well as the relationship
between the constitution of musical scenes in different urban and artistic scales.
Keywords: artistic careers; urban circuits; Brazilian musicians in Bairro Alto.
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BENTO, Ricardo; CORDEIRO, Graas Dias; FERRO, Lgia (2016), Carreiras e circuitos de msicos brasileiros: uma
explorao etnogrfica no Bairro Alto, Lisboa, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
Vol. XXXII, pp. 11 - 31
Carrires et circuits de musiciens brsiliens: une exploration ethnographique au Bairro Alto, Lisbonne
Rsum
A partir dune recherche ethnographique sur le monde de la musique populaire brsilienne certains lieux
du Bairro Alto (Lisbonne) cet article discute la faon dont les chemins des artistes immigrants brsiliens
cherchent laccomplissement artistique et la reconnaissance publique, cte cte avec une intense
sociabilit, o travail et loisir se mlangent. Le rapport entre les chemins de la mobilit spatiale et la
mobilit sociale est analys laide des notions circuit et de carrire, ainsi que la relation entre la formation
des scnes musicales dans des diffrentes chelles urbaines et artistiques.
Mots-cls: carrires artistiques; circuits urbains; musiciens brsiliens Bairro Alto.
Carreras y circuitos de msicos brasileos: una exploracin etnogrfica en el Bairro Alto, Lisboa
Resumen
A partir de una investigacin etnogrfica sobre el mundo brasileo de msica popular en algunos lugares
de Bairro Alto (Lisboa) este artculo discute cmo se construyen los caminos de los artistas inmigrantes
brasileos en busca de plenitud artstica y de reconocimiento pblico, junto con una sociabilidad intensa
entre pares, donde el trabajo y el ocio se mezclan. A partir de las nociones de circuito y la carrera, vamos a
analizar la relacin entre las trayectorias de movilidad espacial y la movilidad social, as como la relacin
entre la formacin de las escenas musicales en diferentes escalas urbanas y artsticas.
Palabras clave: carreras artsticas; circuitos urbanos, msicos brasileos en Bairro Alto.
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BENTO, Ricardo; CORDEIRO, Graas Dias; FERRO, Lgia (2016), Carreiras e circuitos de msicos brasileiros: uma
explorao etnogrfica no Bairro Alto, Lisboa, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
Vol. XXXII, pp. 11 - 31
A presente pesquisa faz parte de uma investigao mais abrangente sobre os recursos, as condies,
as trajetrias biogrficas, os estilos de vida, as sociabilidades e os circuitos urbanos de imigrantes de
pases terceiros Unio Europeia que vm trabalhar em Portugal no campo artstico : O trabalho da
arte e a arte do trabalho: circuitos criativos de formao e integrao laboral de imigrantes em Portugal
projeto coordenado por Lgia Ferro e Otvio Raposo, CIES-IUL/ACM/CE. Agradecemos aos artistas que
partilharam as suas histrias connosco, aos colegas da equipa deste projeto de investigao com quem
discutimos dados e dvidas de pesquisa e a Otvio Raposo que atuou como elemento facilitador da entrada
no terreno da pesquisa.
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Artcasa e ArtePura.
De dia, o movimento e visibilidade dos bares noturnos d lugar a outro tipo de comrcio e instituies:
lojas de moda e atelier, a Galeria Z dos Bois (ZDB) com seus eventos culturais, cuja entrada principal
feita pela Rua da Barroca, a Galeria das Salgadeiras, o Talho da Atalaia ao lado do bar A Capela, uma
mercearia, uma loja de ferragens ao lado do Arroz Doce, uma casa de molduras, um arteso, um Hostel
situado em frente ao mercado prximo de uma escola primria.
A rua, como recorte emprico, tem sido usada em vrios etnografias urbanas. Veja-se Graa Cordeiro
(1997); Cristiana Bastos (2001); Graa Cordeiro e Frderic Vidal (org) (2008); Lgia Ferro (2011) e (2015);
e, para o Bairro Alto, Heitor Frgoli Jr. (2013).
A pesquisa etnogrfica foi mais intensamente desenvolvida de forma sistemtica por Ricardo Bento,
bolseiro de investigao do projeto, ao longo de quatro meses; Graa Cordeiro e Lgia Ferro orientaram
este trabalho, com algumas incurses no terreno e discusses peridicas que foram dando forma ao texto
escrito em colaborao.
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Legenda: Marcelo, Ccero e Beto (da esquerda para a direita) em concerto na associao Artcasa.
Fotografia: Ricardo Bento
Nome fictcio.
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desenvolve composies para a sua carreira a solo. Vive numa rea central da cidade
de Lisboa. Costuma ir a p para os concertos que apresenta regularmente em dois
bares no Bairro Alto: no Taco Grande numa roda de samba, ao domingo e no Arroz
Doce, segunda-feira. Alm destes lugares percorre outras salas nacionais, como o
teatro A Barraca, em Santos, o Chapit, na Costa do Castelo, o B.Leza7 e festivais
internacionais de forr que acontecem na Europa, para alm de j ter ido ao Brasil
atuar. Quando toca no Arroz Doce aparecem frequentemente uma dezena de amigos
e conhecidos que vo acompanhando o seu trabalho. Neste bar em particular, Ccero
interpreta um reportrio ligado tradio musical brasileira que se dirige sobretudo a
turistas, estudantes estrangeiros e alguns portugueses.
Legenda: ltimo dia do Espalhafato com Kuaqua, Muleca, Rapha Soares e Abidula
(da esquerda para a direita)
Fotografia: Ricardo Bento
No Espalhafato: Abidula
A Toca do Espalhafato, ou simplesmente o Espalhafato como era conhecido,
antes de encerrar portas em Maro de 2015, encontrava-se muito degradado, com
falta de isolamentos nas paredes, buracos no teto, portas e janelas estragadas, tendo
O B.Leza tem sido ao longo do tempo um lugar mpar nas cenas musicais cabo-verdianas e africanas que
tm acontecido em Lisboa, como refere Csar Monteiro, 2011.
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dias de mais agitao ver muitos dos clientes na rua a conviverem, enquanto l dentro
os acordes do cavaquinho de Dinho animam a casa e a dana.
Legenda: Dinho e o irmo Rapha momentos antes de um concerto dedicado ao samba no Margans
Fotografia: Ricardo Bento
Dinho Zamorano canta e toca cavaquinho numa banda onde a figura central,
com o irmo mais novo, Rapha. As suas origens de Olinda, Pernambuco aparecem no
sotaque quente e nasalado dos seus trinta e sete anos de idade, quando canta as letras
sensuais e provocadoras de um forr. Concluiu o ensino secundrio enquanto fazia
as suas experimentaes musicais e trabalhava para ajudar os pais. Quando chegou
a Portugal, em 2001 com vinte e trs anos veio ter com a irm que tocava msica
eletrnica e comeou a trabalhar na construo civil. Em simultneo, juntava-se com
outros msicos em rodas de samba e outros eventos musicais para adquirir mais
experincia e contatos. Aps ter sido forado a sair do pas, adquiriu nacionalidade
espanhola, pelas suas razes familiares e regressou novamente a Portugal. Hoje,
casado com uma portuguesa, de quem tem trs filhos, vive em Benfica. Podemos
encontr-lo a tocar regularmente no Bairro Alto, no Margans, durante a semana e nas
docas de Alcntara, no Havana, ao Domingo. Atualmente, tem-se dedicado a um novo
trabalho que vai editar em breve.
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Abidula, Dinho, Kuaqua, Ccero e muitos outros msicos e amigos fazem parte
de uma pequena rede de afinidades que se encontram, frequentemente, no Estdio.
um pequeno lugar que fica numa rua estreita a dez minutos a p do Bairro Alto.
As portas velhas de alumnio mais parecem dar acesso a um velho armazm e no
existe sinaltica que singularize o que ali se desenrola. Este estdio informal combina
um conjunto de sociabilidades criativas ligadas msica e a outras afinidades
pessoais. Nesse lugar estes msicos mostram as suas composies, os improvisos, ou
descansam e falam dos seus quotidianos. possvel assistir a encontros entre msicos
diferentes como o caso de Adrix, um msico de origem cabo-verdiana, que nunca
frequentou a escola formal para aprender msica erudita, e Leonardo, um professor
brasileiro de guitarra e aluno de mestrado em teoria musical e composio. Numa das
noites, ambos entraram simultaneamente num dilogo entre diferentes linguagens e
melodias, criando contrastes e empatias entre guitarra e voz.
Alguns dos msicos que por ali passam acabam por conseguir trabalho por
revelarem as suas capacidades ao grupo de pares. Podemos mencionar o caso de Jeff,
um guitarrista que chegou somente h uns meses a Lisboa, e com o qual o Kuaqua
formou um trio para atuarem em circuitos culturalmente prestigiantes, tal como um
concerto na associao da Casa Comunitria, situada na Mouraria. Neste Estdio
no incomum ouvir falar de ideias que aparecem entre acordes soltos e linhas
da percusso, de msicos convidando msicos para se entreajudarem em projetos
embrionrios. Exemplos que evidenciam uma preocupao com o prestgio pessoal,
a construo de uma carreira como msico, procurando algo mais do que apenas o
exerccio de capacidades adquiridas.
Por todos estes motivos o Estdio surge como um lugar do circuito destes
msicos onde se conjugam relaes entre diferentes gneros musicais, origens culturais
e estratgias de ao. Desempenha, tambm, um papel importante ao assegurar a
criao de uma rede de sociabilidades de msicos que reescreve continuamente os
sentidos de permanncia que normalmente os bairros histricos e os centros urbanos
tm, introduzindo novos contedos culturais e sociais que contagiam as prticas e as
representaes, numa espcie de palimpsesto urbano. O tempo de lazer como forma
de participao plena na sociedade e a qualidade desses momentos de convvio e
trabalho coletivo repercute-se de uma forma singular na prpria atividade artstica dos
msicos quando estes procuram experincias de realizao pessoal que, normalmente,
esto dissociadas das atividades profissionais quotidianas, solicitando uma descoberta
de si e dos outros.
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Embora no seja referido explicitamente neste artigo, a experincia de alguns msicos que tocam nas ruas
de Lisboa fez parte desta pesquisa.
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Seja nos bares de porta aberta, seja nas ruas e praas circundantes do Bairro
Alto, a msica brasileira representada como uma riqueza deste bairro que sem ela
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ficar menos atrativo. Alguns dos msicos entrevistados referem o impacto da msica
tocada ao vivo como um elemento de dinamismo social, econmico e cultural e de
como se torna importante existirem lugares onde isso possa acontecer.
Pr mim a msica me fez encontrar vrios caminhos. Mesmo da letra, da poesia, da espiritualidade,
sabe? At coisas que aprendi fora da msica, foi a msica que me deu. (Ccero, 23 Abril 2015)
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O que quero mesmo agora gravar esse cd com quatro ou cinco temas que so temas que sejam
meus e saber que p o cara t ouvindo o meu trabalho uma coisa minha, no t tocando igual
ao fulano, eu que t tocando.
(Kuaqua, 6 de Maro de 2015)
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suas capacidades, os seus reportrios e os seus temas perante uma audincia que os
quer ver ao vivo. A potencialidade da msica brasileira para circular e ser recebida
em diferentes partes do mundo um recurso que permite construir repertrios que
se integram em festivais nacionais e internacionais, como o caso dos festivais de
forr que existem na Alemanha, Inglaterra, Espanha, Frana ou Itlia, apenas para
mencionar alguns.
A observao de circuitos artsticos urbanos permitiu perceber como as
carreiras se vo construindo, neste dilogo entre a vida local e as deslocaes
territoriais. A interseo entre os conceitos de circuito e carreira revelou ligaes entre
as formas de deslocao territorial, nas suas vrias escalas micro-local, citadina e
internacional, e os percursos de mobilidade social, pessoal e artstica que ajudam
a olhar de modo integrado cidade e imigrao. A anlise desta interseo uma das
estratgias analticas potencialmente frtil para melhor compreendermos o sentido e o
significado das experincias destes msicos.
O acompanhamento dos circuitos por onde estes msicos se movem espacialmente
pela cidade mostrou, assim, as estratgias cooperativas, as decises pessoais e as
situaes atravs das quais se incorporam na vida local, projetando as suas aspiraes
em mltiplas dimenses. As atuaes em bares, restaurantes, associaes, teatros,
salas de concertos, praas e ruas como forma de insero laboral, e simultaneamente,
o processo impulsionador para atuar em instncias mais consagradas coexistem com
a participao em diversas prxis comunitrias. Seja no mbito da realizao de
projetos mais pessoais ou profissionais, seja na expanso de novas relaes sociais e
institucionais que modificam os cenrios da vida urbana desses lugares.
Contudo, quando intersetamos a noo de carreira com a de circuito, entendida
como um percurso de mobilidade social que nem sempre linear, conectando
dimenses territoriais e a fluidez da experincia urbana, caracterstico da irregularidade
de quem trabalha por projetos, contrariamente a quem est integrado em estruturas
do meio artstico mais estabilizadas, verificamos que h uma ausncia de lugares de
consagrao dentro do circuito. Esta uma lacuna sentida pelos prprios que dificulta
a rotina de um trabalho mais prestigiado e que pode levar ao prprio abandono da
atividade, tendo em conta que so os circuitos que mantm as aspiraes de uma
carreira artstica que se desenrola numa sucesso intermitente de situaes e projetos.
Efetivamente, as criaes sadas desta rede de afinidades associada s prticas musicais
deparam-se com obstculos na hierarquia organizacional da cidade. Neste sentido,
como se a cena de msica brasileira local tivesse uma fragilidade intrnseca, uma vez
que os lugares de maior consagrao so usados sobretudo pelos artistas brasileiros de
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renome, deixando de fora os msicos que produzem localmente, muito embora alguns
deles o consigam fazer internacionalmente.
Paradoxalmente, Lisboa oferece oportunidades de desenvolvimento do
trabalho artstico, sendo valorizados vrios aspetos, incluindo a segurana que sentem
na vida quotidiana da cidade, para alm de ser vista como uma porta de entrada
para os mercados de trabalho mais amplos do espao europeu. A liberdade de poder
transitar pela cidade sem receio de uma violncia fortuita, ou estar na copresena
de uma desigualdade social constante que impe uma tenso de insegurana e
vigilncia permanentes, surge como dimenso fundamental da cidadania10. As redes
de parentesco, vizinhana e amizade em que se inserem estes msicos imigrantes
operam como formas de apoio, trazendo benefcios recprocos como contatos de
trabalho e de residncia.
Embora estes msicos imigrantes faam parte da imigrao brasileira
mais recente, designada como laboral por ser menos qualificada relativamente
anterior vaga imigratria podem ser categorizados como imigrantes laborais
profissionalmente qualificados. Assim, a simultaneidade de formas de integrao
laboral local atravs de um exerccio profissional relativamente incerto, leva-nos a
concordar com Amanda Guerreiro sobre a ambiguidade de estatuto que estes msicos
imigrantes tm como migrantes, entre a procura de melhores condies de vida e
sucesso artstico (Guerreiro, 2012). Nesse caminho interligam-se sociabilidades
criativas e reconfiguraes culturais, contraditrias, conflituantes, convergentes
ou sobrepostas, que ajudam a explorar melhor as dimenses de fronteira entre os
fenmenos migratrios atuais e as inscries locais da expressividade relativas ao
trabalho da arte. As redes de sociabilidade em que estes msicos se inserem e os seus
recursos materiais e imateriais favorecem a mediao entre mundos (Velho, 2010),
dando acesso a circuitos musicais que diversificam as suas relaes e prticas.
Estas experimentaes so dirigidas a pblicos vastos, desde a rua a salas
de concertos mais prestigiadas, ultrapassando as suas prprias comunidades de
partida. Podemos, pois, afirmar que estas formas de expresso artstica, interligadas
por fluxos de migrao territorialmente estruturados em redes de sociabilidade
locais, provocam recursividades culturais que decompem esteretipos, negoceiam
fronteiras e constroem pontes, dilogos, confrontos e combinaes entre expresses
musicais imigrantes (Vanspauwen, 2013) produzindo uma cena musical vernacular
10
Angela Torresan (2012) refere o estranhamento de muitos brasileiros pertencentes classe mdia
em relao ao seu pas como um dos motivos para iniciarem percursos migratrios, sentindo que as suas
aspiraes sociais e os seus direitos de cidadania no seriam cumpridos durante o seu perodo de vida.
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emergente (Sieber, 2002: 179) na cidade de Lisboa. Esta apenas uma das pistas
enunciada neste artigo, potencialmente promissora, nomeadamente no que se refere
ao modo como estas prticas musicais so informal e institucionalmente enquadradas
contribuindo para que Lisboa seja um lugar de criao artstica singular.
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CRUZ, Isabel Silva (2016), Consumo sustentvel e ambiente: o papel do Estado e das polticas pblicas na inculcao
de disposies ambientalistas, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII,
pp. 33 - 60 DOI: 10.21747/0872-3419/soc32a2
Resumo
Os efeitos nefastos do consumo sobre o ambiente trouxeram para a agenda poltica as questes do consumo
sustentvel. Neste artigo propomo-nos realizar uma anlise retrospetiva da centralidade que as questes
do consumo sustentvel e do ambiente assumiram para os diversos governos portugueses, de 1976 at
2015. Ancorados nas perspetivas tericas do crescimento (growth) e do decrescimento (degrowth) e
da sua relao com o conceito de consumo sustentvel, e recorrendo anlise documental, discutiremos
quer a relao entre o ambiente e a economia, quer a eficcia das estratgias privilegiadas pelos diferentes
governos constitucionais com vista inculcao de disposies ambientalistas.
Palavras-chave: consumo sustentvel; ambiente; polticas pblicas.
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CRUZ, Isabel Silva (2016), Consumo sustentvel e ambiente: o papel do Estado e das polticas pblicas na inculcao
de disposies ambientalistas, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII,
pp. 33 - 60
Introduo
O consumo sustentvel e o seu impacto no ambiente adquiriram visibilidade
nas modernas sociedades de consumo. Estas sociedades so caracterizadas pela
crescente proximidade entre o centro comercial e a lixeira (Bauman, 2008), decorrente
da insaciabilidade do desejo, visvel atravs da procura constante de novos bens, os
objetos de desejo (Slater, 2001; Barbosa, 2008) e fomentada pela curta durao de
vida dos bens, a obsolescncia programada (Latouche, 2011), que constitui um outro
trao destas sociedades. A insaciabilidade resulta de um processo histrico que inclui
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transformaes que remontam ao sc. XVI e atingem o apogeu no sc. XVIII. Ela
constitui a base conceptual do problema econmico e corresponde ao pressuposto
central da economia, designadamente a existncia de recursos limitados face a
aspiraes ilimitadas. A insaciabilidade interpretada quer como consequncia da
sofisticao e personalizao dos desejos e necessidades e/ou da vontade individual
de progresso econmico e social, quer como exigncia do sistema capitalista para
a sua prpria sobrevivncia. O crescimento exponencial dos bens disponveis para
consumo e a obsolescncia crescente dos mesmos correspondem a duas estratgias
para alcanar este objetivo. Assim, a ideia que emerge deste pressuposto que quanto
mais o indivduo consumir, em termos econmicos, melhor. Contudo, a relao entre
consumo e bem-estar para alm de no explicar a complexidade das motivaes do
consumidor, ela no linear. Vrios autores defendem que a procura de bem-estar
constitui uma tarefa difcil com repercusses nefastas ao nvel do meio ambiente
e do bem-estar psicolgico e social dos indivduos (Bauman, 2008; Kasser, 2002;
Illich,1977). Neste contexto, o conceito de consumo sustentvel ganha fora ao
defender o desenvolvimento da habilidade de viver melhor consumindo menos e,
simultaneamente, reduzindo o impacto no meio ambiente (Jackson, 2005).
A emergncia de novas prticas de consumo caracterizadas por uma crescente
preocupao com as questes ambientais, em particular com a pegada ecolgica
e a finitude dos recursos naturais, e pela ideia de que o bem-estar pessoal e social
possvel consumindo menos, uma realidade incontornvel. Assim, analisar
a relao entre estas novas prticas de consumo e a questo ambiental constitui
um dos objetivos deste artigo. O vetor central da anlise que iremos desenvolver,
corresponde ao papel do Estado e das polticas pblicas, em Portugal, na inculcao
de disposies ambientalistas (Cruz, 2013) e, consequentemente, na mudana das
prticas de consumo em prticas de consumo sustentvel, de 1976 a 2015.
A abordagem terico-metodolgica centra-se nas perspetivas tericas do
crescimento (growth) e do decrescimento (degrowth) e da sua relao com o
conceito de consumo sustentvel e baseia-se na anlise documental. Assim, a partir
do programa dos diversos Governos Constitucionais realizaremos uma anlise da
centralidade que as questes do consumo sustentvel e do ambiente assumiram para os
diversos governos portugueses, no perodo entre 1976 e 2015. As estratgias e as aes
privilegiadas na inculcao de disposies ambientalistas e, consequentemente, na
mudana das prticas de consumo em prticas de consumo sustentvel sero, tambm,
objeto de anlise.
O artigo est estruturado em quatro partes. O prximo ponto (2) dedicado
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a um dos objetivos a alcanar por este Governo. As medidas a concretizar para alcanar
estes objetivos visam a consolidao do gs natural enquanto elemento estruturante
do sistema energtico; a diversificao das fontes de fornecimento (terminal de gs
natural liquefeito, nova central electroprodutora de ciclo combinado); a promoo
da reorganizao empresarial dos operadores energticos (EDP, Galp-Petrogal/GDP/
Transgs) atravs da liberalizao dos mercados e da regulao independente (Entidade
Reguladora do Setor Eltrico, Entidade Reguladora do Gs Natural) e dos processos de
privatizao em curso; e o incremento das energias renovveis e da utilizao racional
de energia com recurso a incentivos financeiros e fiscais.
A liberalizao e a abertura dos mercados energticos constituiem um dos
objetivos da poltica de energia para o XV Governo Constitucional (2002-2004).
Os eixos estratgicos da atuao do governo centram-se na alterao do quadro
estrutural do setor; na reorganizao da oferta energtica; na promoo dos recursos
endgenos para a diminuio da dependncia externa no setor e na minimizao do
impacto no ambiente. Entre as medidas prioritrias para alcanar estes objetivos
salientamos a regulao dos setores do gs e dos combustveis no que se refere aos
preos, concorrncia, qualidade e segurana; concretizao do Mercado Ibrico
da Eletricidade sem colocar em causa os interesses nacionais; reapreciao da ideia
de concentrao energtica no petrleo, no gs natural e na eletricidade; estimular o
desenvolvimento das energias renovveis (elica, solar, mini-hdricas e das mars);
incentivar as polticas de diminuio da intensidade energtica do produto rumo ao
desenvolvimento sustentvel e estimular o consumo de energias mais eficientes em
termos ambientais. O XVI Governo Constitucional (2004-2005) d continuidade
poltica de liberalizao do setor energtico desenvolvida pelo anterior governo, em
torno dos mesmos eixos e atravs das mesmas medidas.
A abertura do setor da energia considerada fundamental pelo XVII Governo
Constitucional (2005-2009) para aumentar a capacidade competitiva dos operadores
no setor e para responder s convenincias dos consumidores (individuais e coletivos).
Contudo, o papel do Estado no deve substituir-se ao mercado nem agir no domnio
dos agentes empresariais mas antes garantir direitos no acesso (segurana, regulao
do mercado), na utilizao dos recursos (licenciamentos) e na diversificao das
fontes energticas (energias renovveis) com vista a reduzir a fatura energtica e a
dependncia face ao exterior e, simultaneamente, salvaguardar o patrimnio ambiental
para as geraes futuras, honrando os compromissos assumidos internacionalmente
(protocolo de Quioto). Para este governo a poltica de ambiente e ordenamento
do territrio ocupa um lugar central na estratgia para o desenvolvimento do Pas.
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o impacto que o sector da energia tem ao nvel do ambiente. Para garantir o direito
ao Ambiente e qualidade de vida, os diversos Governos Constitucionais definem
polticas e medidas de poltica para o setor energtico que se diferenciam pelo modo
como os mesmos perspetivam o papel do Estado na sua relao com a economia,
como priorizam e avaliam o impacto que o setor energtico tem sobre o ambiente e
o desenvolvimento sustentvel e as estratgias que privilegiam para a mudana de
comportamentos (individuais e coletivos).
Para os Governos que defendem um papel mais ativo e interventivo na sua
relao com a economia (Mercado Regulamentado), as polticas energticas centramse na promoo de estudos (I&D), no investimento em energias renovveis, nos
direitos dos consumidores, na regulao das atividades das empresas e na reduo do
impacto ambiental. A regulao que exercem visa a atividade das empresas e a garantia
dos direitos dos consumidores. Em suma, privilegiam o ambiente em detrimento do
crescimento econmico.
Para os Governos que defendem um papel menos interventivo na sua relao
com o mercado e uma liberalizao dos mercados (Mercado Livre), as polticas
energticas centram-se na diminuio da fatura energtica, independentemente
do impacto deste setor no ambiente (carvo quando o preo do petrleo aumenta;
investimento em energias renovveis depende da relao entre o custo do investimento
e o valor acrescentado). A regulao que exercem visa o mercado e favorece a
atividade das empresas e o desenvolvimento da sua competitividade. Em suma, o
lugar do ambiente secundarizado em favor do crescimento econmico.
A informao e a formao correspondem s estratgias privilegiadas por
todos os governos para a mudana de comportamentos. A diferena reside no foco nos
indivduos e/ou nas empresas e associaes, de acordo com a conceo prevalecente
do funcionamento do mercado (Regulamentado ou Livre) e do papel do Estado (mais
ou menos interventivo). Em qualquer dos casos o consumidor perspetivado como
indivduo livre e racional nas suas escolhas e que procura sempre maximizar o seu
bem-estar. Neste sentido, o ato do consumo puramente individual e as decises
de compra so condicionadas pela informao disponvel. esta crena que confere
centralidade educao na mudana dos comportamentos. Contudo, os estudos
empricos comprovam a ineficcia destas estratgias e apontam, por um lado, o hiato
entre os valores e a prtica (ator plural) e, por outro, o condicionamento que o contexto
(econmico, social, cultural) exerce sobre as prticas como fatores explicativos para
este fracasso (John et al., 2016; Cruz e Katz-Gerro, 2016; Warde, 2014).
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este novo sistema institucional, jurdico e financeiro da gesto dos recursos hdricos
na nova Lei da gua. No domnio da qualidade do ambiente nova legislao ser
submetida a aprovao relativa ao Sistema de Licenciamento, aos Estudos e Impacto
Ambiental, a Organismos Reconhecidos para a rea do Ambiente e ao Risco de
Acidentes Industriais Graves. Definir uma Estratgia Nacional de Conservao da
Natureza, em articulao com orientaes comunitrias, a Lei-Quadro e a Rede de
Informao e Educao Ambiental para as reas Protegidas, e desenvolver programas
e projetos de formao e informao para os cidados correspondem a outras reas de
interveno privilegiadas. Continuar a promover um desenvolvimento harmonioso e
ecologicamente equilibrado conciliando o crescimento econmico com a defesa dos
valores naturais e ambientais corresponde, para o XII Governo Constitucional (19911995), ao eixo central para o desenvolvimento sustentado e a garantia de uma maior
qualidade de vida para os portugueses. Aperfeioar a legislao na rea do ambiente
de modo a facilitar o acesso justia por cidados e organizaes no-governamentais
ONG, criar novos organismos (Instituto Nacional da gua) e regulamentao (Lei
da gua, Cdigo de Usos da gua), responsabilizar os utentes dos recursos naturais
pela sua utilizao e gesto (princpio do utilizador-pagador e do poluidor-pagador) de
modo a preservar os sistemas naturais e a assegurar um fundo para o financiamento com
vista melhoria dos recursos e da sua utilizao, so outros exemplos de continuidade
das polticas iniciadas pelo X Governo Constitucional. Finalmente importa salientar
que a Agenda 21 (1992) e a Agenda 21 Local, que tm como objetivo a difuso de
um novo padro de desenvolvimento que conjugue proteo ambiental, justia social,
eficincia econmica e trabalho em parceria (autoridades locais e comunidades),
surgiram durante o mandato do XII Governo Constitucional.
O XIII Governo Constitucional (1995-1999) define como um dos seus
principais objetivos conferir ao ambiente o estatuto de vector essencial, integrante e
indispensvel de qualquer estratgia de desenvolvimento de mdio/longo prazo e, em
consonncia, altera a designao do organismo que tutela esta rea para Ministrio do
Ambiente. As polticas esto orientadas para a preservao e a defesa do patrimnio
natural do Pas de modo a assegurar nveis de qualidade de vida dignos para os
cidados residentes em qualquer parte do territrio nacional, e no esquecendo
que a questo ambiental se encontra associada s questes do consumo e da defesa
dos direitos dos consumidores. Entre as estratgias para alcanar estes objetivos
destacamos: a integrao do ambiente no conceito de cidadania e a consequente
abertura participao dos cidados nas decises; a incluso de uma nova cultura
ambiental em todos os nveis do sistema educativo e o estreitamento dos laos
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81 DOI: 10.21747/0872-3419/soc32a3
Resumo
luz do debate terico-emprico sobre a instrumentalizao do voluntariado e a precarizao do
mercado de trabalho problematizamos, neste artigo, a gesto de recursos humanos em Organizaes No
Governamentais de Cooperao para o Desenvolvimento (ONGD), em termos da sua maior ou menor
orientao para a profissionalizao, enquanto estratgia de eficincia e eficcia organizacional. A partir dos
dados de um inqurito por questionrio aplicado a 23 ONGD portuguesas intencionalmente selecionadas,
apresentamos uma caracterizao geral dos seus recursos humanos assalariados e voluntrios, bem como
uma anlise interpretativa das prticas de gesto de recursos humanos.
Palavras-chave: gesto de recursos humanos; ONGD; profissionalizao.
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o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
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Introduo
O sector da economia social assume crescentemente um papel central na
proviso do bem-estar social, atendendo diversidade de bens e de servios prestados,
ao volume de emprego gerado, entre outros fatores. No obstante a importncia e o
progressivo reconhecimento poltico, no domnio nacional e europeu, deste sector de
atividade na criao de emprego (Almeida, 2011), importa refletir sobre os contornos
da gesto de recursos humanos (GRH) nas organizaes da economia social (OES)
portuguesas.
Com efeito, Delicado, Almeida e Ferro (2002) estabeleceram, no seu estudo,
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o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
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uma correlao entre o baixo oramento anual das organizaes do terceiro sector1
portugus e o maior recurso ao voluntariado. Logo, os recursos (in)disponveis tm
uma implicao direta na escala de procura (maior ou menor) de trabalho voluntrio
(Chambel e Amaro, 2012), possivelmente contribuindo para uma instrumentalizao
do mesmo. Se o voluntariado tende a assumir uma soluo de alternativa quer para as
OES, que acedem a recursos humanos (RH) sem custo, quer para os indivduos que
ainda no iniciaram a vida ativa ou que se encontram em situao de desemprego,
no estaremos perante uma lgica, por um lado, de gesto utilitarista do trabalho
voluntrio e, por outro, de promoo da precarizao laboral?
No seguimento desta linha de raciocnio procuramos, no presente artigo,
discutir a GRH assalariados e voluntrios nas OES, em concreto nas Organizaes
No Governamentais de Cooperao para o Desenvolvimento (ONGD) portuguesas,
enquanto objeto emprico do projeto de investigao2 realizado. No mbito deste
estudo e sob um quadro terico-analtico ecltico, mobilizado para dar conta da
realidade emprica, problematizamos a GRH assalariados e voluntrios nas ONGD
portuguesas em termos da maior ou menor orientao para a profissionalizao. Este
exerccio contemplou o recurso a dados empricos recolhidos atravs de um inqurito
por questionrio aplicado, em 2011, a 23 ONGD intencionalmente selecionadas.3
De salientar que assumimos a GRH como um indicador para a tipificao de perfis
de profissionalizao das ONGD portuguesas, porm assente numa forte componente
interpretativa. A anlise efetuada permitiu identificar tendncias da GRH assalariados e
voluntrios para a profissionalizao, cuja descrio apresentamos neste artigo.
1. A gesto de recursos humanos: algumas perspetivas terico-analticas
Uma gesto efetiva de organizaes no lucrativas decorre, em parte, de
uma GRH (Ridder e McCandless, 2010) profissionalizada e, portanto, assente em
Atenda-se que ao longo do presente artigo respeitamos a terminologia usada pelos autores mobilizados.
Embora reconhecendo as diferenas entre conceitos, consideramos que o debate terico-conceptual mais
alargado em torno do sector da economia social extrapola os objetivos deste artigo.
Este inqurito foi realizado no mbito do projeto Empreendedorismo Social em Portugal: as polticas, as
organizaes e as prticas de educao/formao, liderado pelo Instituto de Sociologia da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto (ISFLUP), em parceria com a A3S - Associao para o Empreendedorismo
Social e a Sustentabilidade do Terceiro Setor e com o Dinmia/CET do Instituto Universitrio de Lisboa, e
financiado pela FCT (PTDC/CS-SOC/100186/2008).
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o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
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Mantivemos a designao original por considerarmos que a traduo lhe retirava sentido.
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o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
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o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
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No mbito deste debate importa salientar que a GRH nas OES foi abordada
desde sempre a partir de matrizes tericas e ferramentas empricas provenientes do
sector privado lucrativo. Por conseguinte, as lgicas de funcionamento do segundo
ditaram os moldes de gesto dos primeiros (Serapioni et al., 2013). Acresce que o
voluntariado , frequentemente, estudado luz dos modelos terico-empricos da GRH
assalariados, contudo devem evitar-se interpretaes padronizadas, dado que possuem
racionais de funcionamento substancialmente diferentes (Cnaan e Cascio, 1998). Esta
problemtica agudiza-se face dificuldade em demarcar conceptualmente o campo do
voluntariado5 e sua materializao num conjunto de atividades dbias, marcadas por
fatores conjunturais e culturais (Paine, Hill e Rochester, 2010), o que se repercute no
debate ambguo sobre a relao entre o trabalho voluntrio e a precarizao laboral.
Por um lado, o recurso ao trabalho voluntrio pode traduzir-se, para algumas
OES, na obteno de mo-de-obra no remunerada numa vertente de substituio de
RH assalariados e, portanto, promotora da precarizao do mercado de trabalho. Por
outro, o trabalho voluntrio passvel de constituir um processo de aquisio e de
desenvolvimento de competncias profissionais, representando um primeiro espao
de transio ao mercado de trabalho para jovens qualificados e que se encontram sem
emprego (Alonso, 2000, citado por Coelho e Aquino, 2009: 282).
Considerando que tradicionalmente apenas as motivaes heterocentradas
(orientadas para o interesse social e perpassadas pelo princpio do altrusmo e da
solidariedade) se associavam ao exerccio do voluntariado, atualmente relativamente
consensual a sua combinao com motivaes autocentradas (geradoras de um
benefcio prprio) (Salas, 2009). Uma revisitao terica sobre a temtica permite
concluir, precisamente, a ausncia de dissociao entre as motivaes altrustas e
egostas (Serapioni et al., 2013). neste quadro que emerge um dos desafios do
voluntariado, designadamente a relao entre a aquisio e o reconhecimento legal
de competncias formais e informais a partir do exerccio de trabalho voluntrio e a
empregabilidade.6
Note-se que o Manual on the Measurement of Volunteer Work publicado pela OIT (2011) introduz uma
definio internacionalmente aprovada do voluntariado, ancorada em cinco elementos centrais, a saber: i)
representa uma forma de trabalho (distinta do trabalho remunerado e de uma atividade lazer) que resulta
na produo de bens e/ou proviso de servios, com valor para os beneficirios e com peso nas economias
nacionais; ii) corresponde a atividades sem remunerao ou qualquer compensao financeira ou em gnero
(no inclui a questo do reembolso); iii) exercida de livre vontade; iv) engloba voluntariado direto
(informal) e voluntariado sob enquadramento organizacional; v) no inclui o apoio na esfera domstica/
familiar (Bosioc, Fonovi e Salamon, 2012).
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
Fonte: Autora, a partir das propostas de Vidal et al. (2007) e Salas (2009).
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
Note-se que definimos dezembro de 2010 como o horizonte temporal de referncia para as questes que
o exigiam.
10
Esta seleo intencional decorreu de um conjunto de critrios, a saber: i) registo no, ento, Instituto
Portugus de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), entidade que confere o estatuto jurdico de ONGD
s organizaes que o requerem; ii) representao pela instituio de cpula - a Plataforma Portuguesa
das ONGD; iii) obteno de cofinanciamento entre 2008 e 2010 pelo ento IPAD, no mbito das
Linhas de Financiamento de Projetos de Cooperao para o Desenvolvimento e/ou de Educao para o
Desenvolvimento; iv) cotao de projetos das ONGD na Bolsa de Valores Sociais. O primeiro critrio
remete para um tipo de subfamlia de organizaes que integram o amplo sector da economia social em
Portugal e que constituiu o foco analtico do estudo e os restantes assumimos como indicativos de uma
orientao para a profissionalizao.
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
Almeida e Ferro, 2002), e regular, ou seja, levado a cabo numa base constante, no
mnimo mensalmente (Delicado, Almeida e Ferro, 2002).
Quadro 1
Identificao dos indicadores intermdios de profissionalizao
relativos dimenso analtica da GRH11
Indicadores intermdios
Recrutamento de RH locais
GRH assalariados
Responsabilidade pela GRH assalariados
Perfil de Profissionalizao
Elevado
O1, O14, O20
% em linha
Moderado
Baixo
O2, O3, O6, O8,
O5, O7, O9,
O11, O13, O15, O12, O17, O19,
O16, O18, O22
O21, O23
3
10
8
13,0
43,5
34,8
Ausente
O4, O10
Total
23
8,7
100,0
11
70
MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
A definio destes quatro escales correspondentes aos quatro perfis de
profissionalizao tipificados permitiu-nos, num segundo momento, distribuir as 23
ONGD pelos mesmos em termos da sua GRH (Quadro 2).
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
Quadro 3
Distribuio dos trabalhadores na sede e delegaes segundo o regime de horrio de trabalho, o
sexo e o vnculo contratual
Sede
Tipo de vnculo
contratual
TI
M
Prestao de servios
por avena
Estgio curricular
Estgio profissional
Contrato empregoinsero
Contrato a termo certo
Contrato sem termo
Contrato de prestao
de servios de
trabalhadores
independentes
Total
Delegaes nacionais
TP
TI
F
TP
F
Delegaes
internacionais
TI
TP
M
F
M
F
Total
16
1
9
0
15
0
1
2
0
0
1
1
14
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
4
40
10
29
12
32
43
70
0
3
2
13
3
27
8
91
0
2
3
1
10
0
22
0
0
0
0
0
103
239
28
54
70 172
20
42 130
11
24
485
72
MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
Ferramentas de GRH
Anlise e descrio de funes
Avaliao de desempenho
Reunio de confronto sobre a avaliao
do desempenho
Definio de plano de desenvolvimento
profissional
Diagnstico de necessidades de formao
Procedimentos de recrutamento e seleo
Plano de integrao e acompanhamento
na organizao
Plano de formao
Reunies peridicas de balano e troca de
informao
Gesto de carreiras
Desvinculao/ Gesto de sadas
Tcnicos
superiores
N
%
16
76,2
8
38,1
Profissionais
qualificados
N
%
14
73,7
7
36,8
Indiferenciados
N
9
5
%
56,3
31,3
38,1
10
52,6
37,5
23,8
21,1
12,5
11
14
52,4
66,7
11
14
57,9
73,7
8
10
50,0
62,5
42,9
36,8
25,0
10
47,6
42,1
31,3
19
90,5
16
84,2
56,3
2
3
9,5
14,3
2
3
10,5
15,8
1
1
6,3
6,3
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
Este cenrio pode evidenciar o efeito pernicioso, apontado por Anheier (2005),
em torno da influncia do financiamento na estabilidade dos RH numa organizao
no lucrativa. Por um lado, passvel de refletir a instabilidade financeira das ONGD
analisadas e, portanto, a dificuldade em apostar na implementao de uma estratgia
gestionria de longo-prazo, por outro a ausncia de uma GRH estratgica aventa
uma maior rotatividade dos mesmos e a perda de capital humano, social, cultural e,
possivelmente, tambm financeiro.
Nesta linha de pensamento, o recrutamento, a motivao e a reteno de RH
qualificados nestas organizaes requer a promoo de uma GRH promotora de
compensaes competitivas (Akingbola, 2006). Trata-se de relevar as recompensas
intrnsecas e recompensas extrnsecas (Mathis e Jackson, 2011). A este respeito,
apuramos que 81,8% (18) de um total de 22 ONGD13 no provisionam complementos
de remunerao, 9,1% (2) das organizaes aplicam recompensas extrnsecas indiretas
e recompensas intrnsecas, 4,5% (1) provisionam recompensas extrnsecas diretas e
indiretas e 4,5% (1) implementam recompensas intrnsecas.
precisamente neste contexto que argumentamos a existncia de uma linha
tnue entre a misso social como elemento motivacional para trabalhar no sector
da economia social e, por contraponto, como justificativa para os baixos salrios
promovendo um cenrio de precarizao laboral. Na tentativa de contribuir para
este debate no domnio nacional, e ainda que a ttulo indicativo, estimamos o quadro
salarial (salrio ilquido mdio) para os diferentes grupos funcionais remunerados
definidos no estudo e a diferena salarial entre homens e mulheres.
Quadro 5
Mdia salarial entre homens e mulheres, segundo o grupo funcional
Grupo funcional
RH
Em 51 casos, 76,5%
(39) eram mulheres
Em 84 casos, 81,0%
(68) eram mulheres
Em 61 casos, 75,4%
(46) eram mulheres
Em 17 casos, 82,4%
(14) eram mulheres
Em 8 casos, 87,5% (7)
eram mulheres
Mdia salarial
H
M
Diferena
salarial mdia
1.892,83
1.420,78
472,05
1.234,88
1.097,58
137,30
863,50
801,00
62,50
900,00
866,38
33,62
900,00
700,00
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o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
Atenda-se que os nveis de escolaridade dos voluntrios de uma das ONGD distribuam-se pelo ensino
superior, habilitaes inferiores ou equivalentes ao 9 ano de escolaridade e entre o 9 e o 12 ano.
14
15
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
Quadro 6
Distribuio do nmero de voluntrios pela sede e delegaes, segundo o sexo
N de voluntrios
Sede
Delegaes nacionais
Delegaes internacionais
Total
Homens
N
101
518
9
628
%
16,1
82,5
1,4
100,0
Mulheres
%
231
24,0
713
74,1
18
1,9
962
100,0
Total
N
332
1231
27
1590
%
20,9
77,4
1,7
100,0
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
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Reconhecimento
Desvinculao
Sim
N
No
%
71,4
7
3
N
2
%
28,6
100,0
42,9
0
4
0,0
57,1
4
6
6
4
57,1
85,7
85,7
57,1
3
1
1
3
42,9
14,3
14,3
42,9
5
6
4
71,4
85,7
57,1
2
1
3
28,6
14,3
42,9
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o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
Notas conclusivas
Este artigo pretende contribuir para o debate terico-emprico acerca da relao
entre a instrumentalizao do voluntariado e a precarizao do mercado de trabalho, a
partir da caracterizao dos RH assalariados e voluntrios das ONGD portuguesas e da
configurao das suas prticas gestionrias. Neste sentido, os dados apurados sugerem
que os trabalhadores assalariados das ONGD analisadas so: i) maioritariamente do
sexo feminino; ii) encontram-se vinculados sobretudo a um contrato sem termo e a um
regime integral de horrio de trabalho, os quais evidenciam uma relativa estabilidade
laboral; iii) apresentam uma desigualdade de vencimentos entre homens e mulheres,
cuja diferena salarial se determinou mais ou menos acentuada dependendo do grupo
funcional, mas quase sempre favorvel aos homens.
No obstante a subjetividade de sentido(s) atribuda ao voluntariado e,
por conseguinte, a ambiguidade do seu exerccio, assumimos as modalidades de
voluntariado formal e de execuo na anlise efetuada. Neste mbito, apuramos que a
maioria das ONGD portuguesas inquiridas possui voluntrios, os quais apresentam, em
linha com os resultados de outros estudos realizados no domnio nacional e europeu,
um perfil jovem, feminizado e escolarizado, ao nvel do ensino superior. Acresce a
prevalncia do trabalho voluntrio de baixa intensidade, sendo que este parece assumir
uma natureza ocasional na sede e nas delegaes nacionais, contrastando com o cariz
regular que se evidencia nas delegaes internacionais, possivelmente justificado pela
condio intrnseca ao voluntariado internacional, em concreto o facto de envolver,
desde logo, um maior compromisso temporal.
Em termos das prticas de GRH das 23 ONGD nacionais inquiridas atenda-se
que a maioria revela um perfil moderado de profissionalizao, com uma orientao para
o escalo abaixo. Este cenrio evidencia que as organizaes analisadas tendem, por
um lado, a promover uma gesto descentralizada dos RH assalariados, o recrutamento
de RH remunerados locais, bem como a presena de voluntrios. Por outro, registam
um grau moderado e baixo de profissionalizao na definio e implementao de
ferramentas de GRH assalariados e voluntrios, respetivamente, porventura devido aos
custos necessrios para investir numa GRH profissionalizada e cujo desinvestimento
poder incitar, por sua vez, desmotivao e rotatividade destes atores.
De facto, no que diz respeito gesto dos trabalhadores assalariados, as
ONGD estudadas definem e implementam ferramentas associadas s etapas iniciais
de um processo gestionrio, traduzindo uma gesto de curto-prazo e, por isso,
condicionadora da motivao, da satisfao e da reteno destes RH. A gesto dos
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MARCOS, Vanessa (2016), A gesto de recursos humanos nas Organizaes No Governamentais de Cooperao para
o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
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o Desenvolvimento portuguesas: uma anlise interpretativa exploratria, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 61 - 81
81
MOCETO, Cristina Cunha (2016), Modles de reprsentation sur la parentalit sociale du point de vue de
jeunes portugais, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 83 - 97
DOI: 10.21747/0872-3419/soc32a4
Rsum
Grandir dans une famille recompose est devenue une exprience de plus en plus commune face lvolution
des familles modernes. Ltude se concentre sur comment les jeunes reprsentent les figures parentales
sociales. Lauteur a administr un questionnaire auprs de 477 jeunes (entre 14 et 18 ans) et vivant dans
une diversit de configuration familiale. Les principaux rsultats indiquent ne pas avoir de diffrences
significatives dans les reprsentations sur le beau-pre et la belle-mre. Cependant, ils sont dcrits comme
un autre diffrent. Par contre, quand associs aux rles parentaux et au mode de coexistence, le beau-pre
et la belle-mre sont qualifis comme des membres plus proches.
Mots-cls: reprsentation sociale; jeunes; recomposition familiale.
83
MOCETO, Cristina Cunha (2016), Modles de reprsentation sur la parentalit sociale du point de vue de jeunes
portugais, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 83 - 97
Introduction
La curiosit sur les familles recomposes classes comme un groupe domestique
diffrent nest pas un phnomne nouveau comme le montre la littrature. Sa croissance
quantitative et sa signification culturelle ne peuvent pas tre ngliges par la communaut
scientifique, en particulier, par la sociologie. En effet, il ny a aucun doute que les
familles recomposes sont structurellement diffrentes des autres modles de famille
et, par consquent, elles devraient fonctionner diffremment. Avec les changements du
comportement des couples par la rduction de lesprance de vie de lunion en raison de
laugmentation des divorces et des changements dans le paysage dmographique de la
famille des annes 1960, le modle familial dominant jusqualors considr traditionnel,
intact ou nuclaire, cde la place, la fin du XXe sicle, une pluralit de modles qui,
84
MOCETO, Cristina Cunha (2016), Modles de reprsentation sur la parentalit sociale du point de vue de jeunes
portugais, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 83 - 97
leur tour, ont gnr de nouvelles questions sociologiques sur la famille. De nombreux
sociologues ont dfini une diversit de typologies rpondant la dynamique familiale,
mais toujours par rfrence un cadre idologique inscrit dans la famille conjugale
nuclaire (Bawin-Legros, 1988; Torres, 2001).
Compte tenu du fait que la plupart des tudes provenant dAmrique et de
lEurope sont ralises considrant les reprsentations du couple recompose et
ancre dans lidologie de la famille nuclaire et de quelques tudes auprs denfants
et de jeunes de familles recomposes prsentant une diversit et complexit sur la
dfinition du groupe familial (Ritala-Koskinem, 1997 ; Saint-Jacques et Drapeau,
2008), la recherche que nous avons ralise considre plutt la reprsentation des
jeunes sur la recomposition1. Cette recherche montre deux attitudes de rflexion de
lindividu/jeune non seulement comme acteur dans le contexte o il vit mais aussi en
tant qutre pensant capable de rflchir sur lautre.
La recherche a eu comme but de mettre en vidence la pertinence sur la faon
comme les jeunes interprtent le monde dans la famille recompose, un modle
familial en croissance actuellement. Lintention a t de caractriser les regards
juvniles provenant de diffrentes structures familiales considrant la description de
lorganisation dune recomposition familiale et de comprendre comment ils peroivent
la construction relationnelle en tant que beau-fils et les nouveaux membres en tant que
beau-pre et/ou belle-mre.
Dans le cadre de notre recherche, les questions-cls qui nous ont permis
de concevoir un dispositif de travail furent: Comment les jeunes reprsentent la
recomposition familiale, en particulier les relations entre un beau-fils et le beaupre ou la belle-mre ainsi que lexercice des rles parentaux? Comment se ralise
ladaptation entre les membres de la famille recompose?
1. Approche mthodologique
laide dune mthodologie quantitative base sur un chantillon de 477
jeunes portugais, ayant entre 14 et 18 ans, indpendamment du modle de famille
dorigine, frquentant soit lcole publique soit lcole prive, nous nous sommes
intresses tudier leurs reprsentations face la recomposition familiale partir
Cet article prsente les rsultats dune partie de la thse de doctorat en Sociologie (UP) intitule
Representaes e vivncias de jovens face recomposio familiar par lauteur sous la direction
scientifique du Professeur Isabel Dias (FLUP) et du soutien de la Fondation pour la Science et la Technologie
(FCT).
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MOCETO, Cristina Cunha (2016), Modles de reprsentation sur la parentalit sociale du point de vue de jeunes
portugais, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 83 - 97
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MOCETO, Cristina Cunha (2016), Modles de reprsentation sur la parentalit sociale du point de vue de jeunes
portugais, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 83 - 97
Les dbats autour de la notion de parentalit semblent tre lune des zones les
plus difficiles pour les familles soit sur le plan psychologique, juridique ou social.
Cest un terme associ au rle parental et trs rpandu dans la socit en gnral et la
communaut scientifique (Bornstein, 2008).
La parentalit est une tape du processus familial et volue mesure que la vie
de famille est consolide. Cependant, tous les pays europens ne dfinissent pas de la
mme faon le concept de la parentalit2.
La production littraire rvle que cest surtout quand il sagit de divorce ou
de sparation et de la recomposition de la famille que le concept de la parentalit
atteint un plus fort niveau de fragilit. Cela est d, dune part, au fait que les couples
divorcs ne remplissent pas toujours leurs responsabilits parentales et, dautre part,
a lincapacit du beau-pre ou la belle-mre dexercer lautorit parentale sur leurs
beaux-enfants (sauf dans les cas dadoption). Juridiquement, les beaux-parents et les
beaux-enfants ne disposent pas en ce moment de droits ou de devoirs les uns sur les
autres (Langouet, 1998).
Ainsi, le discours sur la parentalit apparait en raison de linexactitude des
configurations familiales, en particulier, des familles recomposes. Comme suggre
Martin (2003 : 8) si lon parle de la parentalit aujourdhui, cest essentiellement parce
que la fonction, le rle, la place et les pratiques des parents posent problmes. Cette
proccupation autour de la capacit des parents sacquitter de leurs responsabilits
parentales est prise en charge par la reconnaissance du nouveau statut de lenfant3.
Malgr les fragilits du modle traditionnel de la famille envers ses nouvelles formes,
cest un modle qui a une influence sur lexercice de la parentalit dans diverses
configurations familiales (familles monoparentales, homoparentales, conjugales)
et, en particulier, dans les familles recomposes. A vrai dire, les nouvelles ralits
familiales supposent une nouvelle conception de la famille et de la parentalit.
Ces nouvelles conceptions proviennent de lquation de diffrents agents dans
la dimension relationnelle familiale ce qui inclut non seulement les parents biologiques
(spars), mais aussi les nouveaux membres (beau-pre, belle-mre, et peut-tre lun
de ces enfants). Selon Hill (1995 cit. par Cadolle, 2001: 193), Les liens relationnels,
les liens de corsidence ou bien les deux peuvent intervenir pour dfinir la Fille.
Ce rapport entre parent biologique et parent sociale suppose donc une
tension entre le sang et la volont (Martin, 2003: 10). Ceci, invitablement affaiblit
En anglais, il y a deux mots diffrents: Parenthood e Parenting. En franais, nous avons Parent e
Parentalit (Daly, 2007).
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Au Portugal, le terme famille recompose est connu par la dsignation ncleo familiar reconstitudo.
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cohabitant et 43,9% mari quand en 2001 ctait linverse (55,7% de mari et 44,3%
cohabitant). La mme situation se vrifie lle de Madre en 2011 quand nous avions
58,2% de couple recompose cohabitant et une diminution de couple mari (41,8%)
comparativement avec 2001 (53,1% mari et 46,9% cohabitant).
La description de lvolution de ce modle familial dans la socit portugaise
(Continent et les les Aores et Madeira), selon le type de relation conjugale, suggre
quaprs un divorce ou une sparation, les hommes et les femmes prfrent vivre
une union conjugale sans formalisation, ce qui se traduit dans une indication des
changements de comportement. Sur la rpartition gographique de cette configuration
familiale, en particulier sur le continent, il est intressant dexaminer des diffrences
qui marquent les rgions entre 2001 et 2011. En gnral, il y a une plus forte proportion
de familles recomposes dans le sud (Lisbonne, Alentejo et Algarve). Au nord du
Portugal, en 2011, il ny a pas de grande diffrence entre les couples cohabitant et
mari. Par contre, en 2001, les donnes montrent une plus haute proportion de couple
recompose mari.
4. Modles de reprsentations sur la recomposition familiale
Compte tenu de notre intrt sur la place attribue au beau-pre et la bellemre dans le contexte familial selon les jeunes de notre tude, nous avons ralis une
Analyse des Correspondances Multiples (ACM). Nous avons voulu tablir si limage
socialement construite sur la figure du beau-pre et de la belle-mre a une influence
relle sur la reprsentation de la recomposition familiale.
Illustration 1: Profils de reprsentations sur la recomposition familiale
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Dans le modle de famille traditionnel, lexercice de certaines fonctions a t socialement dtermin par
le genre. A vrai dire, aux femmes sont attribues les responsabilits envers les enfants, lorganisation de la
maison et la dimension affectif alors que le rle masculin est associ surtout la dimension instrumental (le
responsable du bien-tre conomique).
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profisses reguladas, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 99 - 123
DOI: 10.21747/0872-3419/soc32a5
Mnica Santos
Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
Resumo
Este artigo procura compreender a insero profissional dos licenciados em direito enquanto processo
moldado, por um lado, pela expanso do ensino superior portugus e a persistncia das desigualdades
sociais no acesso e na distribuio pelos seus susbsistemas e faculdades e, por outro, pelos mecanismos de
ingresso s profisses reguladas, em particular a advocacia. O estudo debrua-se sobre uma amostra de 565
licenciados que concluram a formao em direito entre os anos letivos de 2002/2003 e 2006/2007, e cujo
ttulo acadmico foi obtido numa das seis universidades pblicas e privadas da regio Norte.
Palavras-chave: insero profissional; diplomados; profisses; Direito.
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1. Introduo
O presente texto1 tem como principal objetivo analisar o processo de insero
profissional de licenciados em direito, procurando compreend-lo enquanto resultado,
por um lado, da expanso e caratersticas do ensino superior portugus, mormente o
crescimento do subsistema privado e a persistncia das desigualdades sociais no acesso
e na distribuio pelos seus subsistemas e faculdades e, por outro, enquanto momento
pautado pela formao profissional obrigatria ao ingresso s profisses associadas ao
direito, em particular, as profisses reguladas, como a magistratura e a advocacia.
Este artigo desenvolvido a partir de uma bolsa de doutoramento, financiada pela Fundao para a Cincia
e Tecnologia (FCT), intitulada: As trajectrias profissionais dos licenciados em Direito: anlise dos tipos
de percursos e identidades sociais e profissionais (SFRH/BD/75312/2010).
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Para maior informao sobre e a composio do universo e da amostra por faculdade, ver Santos, 2015.
A amostra foi recolhida atravs de amostragem intencional e por isso no representativa, salvaguardandose desde logo que as concluses retiradas no mbito deste trabalho cingem-se amostra recolhida, no
podendo ser generalizveis ao universo.
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Embora a demografia contribua para uma queda generalizada dos inscritos no ensino superior, esta
reduo tem que ver com o nmero, aqui no contabilizado, dos matriculados em formao ps graduada
(e que conhecem um aumento substancial na sequncia do Processo de Bolonha).
No ano letivo de 2006/2007 surgem os primeiros diplomados em cursos organizados de acordo com o
Processo de Bolonha (DGEEC-MEC).
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Grfico 1
Evoluo de matriculados e licenciados em direito
25000
25000
Total de matriculados
Total de matriculados
20000
20000
Total licenciados
Total licenciados
15000
15000
10000
10000
5000
5000
2012/13
2011/12
2010/11
2009/10
2008/09
2007/08
2006/07
2005/06
2004/05
2003/04
2002/03
2001/02
2000/01
1999/00
1998/99
1997/98
1996/97
0
1995/96
Fonte: INE, Estatsticas da Educao; Caetano, 2003; DGEEC-MEC (incluem-se aqui os licenciados e, a partir de
2006/2007, o 1 ciclo)
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
% Matriculadas
2012/13
2011/12
2010/11
2009/10
2008/09
2007/08
2006/07
2005/06
2004/05
2003/04
2002/03
2001/02
2000/01
1999/00
1998/99
1997/98
1996/97
1995/96
% Licenciadas
Fonte: DGEEC-MEC
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Privado
Pblico
1990/91
1991/92
1992/93
1993/94
1994/95
1995/96
1996/97
1997/98
1998/99
1999/00
2000/01
2001/02
2002/03
2003/04
2004/05
2005/06
2006/07
2007/08
2008/09
2009/10
2010/11
2011/12
2012/13
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
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reas de formao (Alves, 2003; Duru-Bellat, 2005a; Teichler, 2009; Alves, 2008).
Estas diferenciaes internas representam a hierarquizao simblica e social dos
subsistemas, instituies, cursos e fileiras de ensino (Alves, 2003; Bourdieu, 2010:
73; Balsa et al, 2001; Duru-Bellat, 2005b; Gellert, 1997; Hansen, 1997; Passeron,
1979; Teichler, 2009), configurando lgicas de abertura e fechamento condizentes
com o pronunciado duplo padro de recrutamento de classe (Machado et al, 2003: 5864): a universidade palco de dinmicas de reproduo social e concomitantemente
de mobilidade social (quer total quer consubstanciadas em trajetrias estacionrias
com promoo escolar), constituindo o capital cultural e escolar de origem a maior
vantagem para o acesso (Machado et al, 2003; Martins, Mauritti e Costa, 2005 in
Tavares, 2013:100).
Sobre a formao acadmica do direito em particular, Mauritti (2002 e 2003)
advoga a persistncia de um relativo elitismo da rea, embora menos flagrante
comparativamente com outros cursos: 68% dos alunos de direito provm das categorias
dos empresrios, dirigentes e profisses liberais (EDL) e dos profissionais tcnicos e
de enquadramento (PTE) (valor que, embora elevado, distancia-se dos 85,5% entre
os estudantes das cincias mdicas). Da mesma forma, Alves (2009), ao caracterizar
os licenciados sados entre 1994-1998 e 1999-2003 da Universidade de Lisboa, diznos que a rea do direito representa o terceiro grupo, a seguir s cincias da sade
e cincias da vida, onde mais representativo o peso dos pais com ensino mdio e
superior7 e dos grupos mais favorecidos em termos econmicos e sociais (grande e
mdia burguesia). Chaves (2010: 105-106) destaca, entre os jovens advogados de
Lisboa, a maior proporo de pais licenciados, rondando os 44%, e o peso conjunto
dos EDL e os PTE que representam 69,9% dos pais e 46,8% das mes.
Vejamos agora como esto distribudas as provenincias classistas dos
licenciados inquiridos no mbito do nosso estudo. Antes, importa referir que a
amostra composta por 565 licenciados8, maioritariamente mulheres (62,8%), com
idade mdia de 32 anos, advindos, na maioria, das universidades privadas (60,2%)9.
Adotando o indicador socioprofissional familiar de classe (Costa, 1999;
Machado et al, 2003), registamos o peso das duas primeiras categorias, dos
Empresrios, dirigentes e profissionais liberais (EDL) e dos Profissionais tcnicos e
No contexto alemo, o trabalho de Gellert (1997: 196), demonstra a sobrerepresentao, nos cursos de
direito (cerca de 40%) e medicina (cerca de 45%), das famlias mais capitalizadas em termos de habilitaes
escolares.
Inclumos aqui a Universidade Catlica embora se ressalve a sua especificidade institucional, criada ao
abrigo da Concordata entre o Estado portugus e a Santa S (Decreto-Lei n 128/90; Decreto-Lei n 307/71).
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%
40,3
27,9
6,1
11,8
7,0
2,5
4,5
100,0
516
Me
4,1
23,2
21,5
21,2
30,0
100,0
557
4,3
23,9
20,7
19,5
31,6
100,0
560
10
A categoria EDL apresenta maior heterogeneidade em termos de habilitaes escolares, fator a que no
alheia a reconhecida exiguidade de habilitaes dos empresrios portugueses (situados no primeiro grupo
da CPP, dos Representantes do poder legislativo e de rgos executivos, dirigentes, diretores e gestores
executivos).
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13
Em Portugal, a Lei n. 2/2013, de 10 de janeiro estabelece o regime jurdico de criao, organizao e
funcionamento das associaes pblicas profissionais.
O Regulamento Nacional de Estgio - Deliberao n. 1898 - A/2007 estabelece uma durao de 30 meses
para os candidatos abrangidos pelo Processo de Bolonha.
14
15
Ver Lei n. 80/2001; Regulamento n. 42 A/2002 -Regime Geral de Formao; Lei n. 15/2005 (Estatuto
da Ordem dos Advogados); Lei n. 52/2005; Regulamento Nacional de Estgio - Deliberao n. 1898 A/2007; Deliberao n. 3333-A/2009. Dada a complexidade e detalhe do nmero de alteraes na evoluo
da regulamentao do estgio profissional, registamos aquelas que consideramos como principais. Esta
descrio portanto sumria e convida leitura das alteraes aos regulamentos.
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Quadro 3
Durao e tipo de avaliao do estgio profissional de acesso
Ordem dos Advogados
Durao
Lei n. 52/2005; Lei n. Fase inicial: 6 meses;
15/2005
Fase complementar: 18
meses
Total: 24 meses
Deliberao n 3333A/2009
Avaliao
Fase inicial: prova de aferio (trs testes escritos);
Fase complementar: exame final de avaliao e
agregao (composto por uma prova escrita e uma
prova oral)
Exame nacional, composto por prova escrita, de
acesso ao estgio, para licenciados pelo Processo de
Bolonha
16
O Acrdo n. 3/2011 do Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade das normas que
instituram este exame.
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por via de concurso pblico composto pelos seguintes mtodos de seleo: provas
de conhecimento (das quais fazem parte uma fase escrita, com trs provas, e uma
fase oral), avaliao curricular17 e exame psicolgico de seleo. Aps a aprovao
cumulativa destas trs fases de seleo, acede-se formao inicial que, por sua vez,
inclui o curso de formao terico-prtica de dois ciclos (com durao total de 24
meses) e o estgio de ingresso (18 meses). Os auditores de justia, estatuto atribudo
aos que ingressam no curso de formao, auferem uma bolsa de formao. Entre
os objetivos gerais deste curso (com as componentes formativa geral; formativa
de especialidade; componente profissional; rea de investigao aplicada) destacase o desenvolvimento de qualidades e a aquisio de competncias tcnicas para
o exerccio de funes. A avaliao desta fase realizada por via de provas de
conhecimento (componente formativo-geral e especialidade) e avaliao contnua na
componente profissional. O segundo ciclo, desenvolvido j em contexto de tribunal,
visa assegurar a consolidao das exigncias deontolgicas inerentes ao exerccio
de cada magistratura e compreenso dos respetivos direitos e deveres estatutrios
(art. 49 da Lei n.2/2008). Nesta fase, a avaliao feita de forma contnua pelo
coordenador, sob orientao do diretor adjunto. O estgio respeita a aplicao prtica
dos conhecimentos adquiridos ao longo do curso.
As principais alteraes do ingresso magistratura dizem respeito
implementao do Processo de Bolonha (art. 5 da Lei n. 2/2008), nomeadamente
a exigncia da titularidade do grau de mestre ou doutor e o aumento da durao da
formao inicial a ttulo de exemplo, a Lei 16/98 previa uma durao de 22 meses
na primeira fase e de 10 meses para o estgio18.
3.1. O estgio profissional obrigatrio para o acesso s profisses reguladas
Precede assim ao mercado de trabalho, para os licenciados que pretendem
prosseguir pelas profisses clssicas do direito, a frequncia obrigatria dos estgios
profissionais. Esta uma particularidade do acesso s profisses reguladas e que
vem conferir nuances especficas ao conceito de insero profissional. A formao
profissional caracteriza-se por um perodo longo, variando consideravelmente o grau
H nuances na realizao das provas de conhecimento e na avaliao curricular de acordo com a via de
ingresso: geral e por via da experincia profissional (Lei n. 2/2008).
17
18
Ver Lei n. 2/2008, art. 5; Lei n. 16/98 de 8 de Abril (entre as condies de acesso exigia-se a concluso
da licenciatura em direito h pelo menos 2 anos); Lei n. 3/2000, de 20 Maro (previa-se o regime excecional
de nomeao de juzes); Lei n. 16/98 de 8 de Abril.
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profisses reguladas, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 99 - 123
19
Os restantes estgios profissionais ficam aqum dos valores registados na advocacia: a ttulo
exemplificativo, 4,6% dos inquiridos frequentaram ou terminaram o estgio para solicitador/agente de
execuo e 3,4% frequentaram ou finalizaram o Centro de Estudo Judicirios (CEJ).
20
Dos 19 magistrados/auditores de justia, 12 j tinham realizado a formao na Ordem dos Advogados;
dos 26 licenciados a frequentar ou que concluram o estgio para agente de execuo, 15 concluram o
estgio profissional na advocacia.
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profisses reguladas, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 99 - 123
Quadro 4
Situao relativa frequncia ou realizao dos estgios profissionais obrigatrios das ordens
profissionais ou da formao inicial de magistrados no Centro de Estudos Judicirios (CEJ)21 (%)
A frequentar
Ordem dos Advogados
Cmara dos Solicitadores/Agentes de execuo
Ordem dos Notrios
Centro de Estudos Judicirios
5,8
1,8
1,1
49
Inscrio ativa
73,1
2,8
0,4
2,3
444
Inscrio
suspensa
8,5
48
21
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profisses reguladas, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 99 - 123
para quem acaba o curso em direito, pelo menos no ano em que terminei, era uma deciso
naturalssima, 97% dos meus colegas foram todos. Muitos estavam como eu, acabavam e no
sabiam bem depois qual ia ser o rumo que iam seguir e nesse perodo, em que no se sabe bem
qual esse rumo, preferem estar no escritrio de advocacia a aprender e a ver como que as coisas
funcionam mesmo na vida real e no mercado de trabalho (ent 4)
23
No exclui, em alguns casos, o uso de candidaturas espontneas, nomeadamente para sociedades de
advogados, sem efeito.
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profisses reguladas, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 99 - 123
118
12,9
4,1
1,1
1,4
0,9
58,0
4,3
4,5
12,9
100,0
559
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Concluses
A insero profissional um processo moldado e enformado por um
conjunto vasto de condicionantes estruturais e conjunturais, por instituies e atores
que imprimem modos e tempos distintos entrada do mercado de trabalho. Ela
indissocivel, por um lado, dos contextos, caractersticas e alteraes sentidas no
ensino superior e, por outro, das reestruturaes do mercado de trabalho. Vimos
como o curso de direito foi permevel s tendncias da expanso do ensino superior
portugus, em particular no crescimento do ensino privado, embora mantendo um
relativo fechamento social e manifestando as lgicas de hierarquizao simblica dos
diferentes subsistemas e faculdades (patente na distribuio das diferentes classes
sociais quer no curso em concreto quer nas faculdades).
Esta hierarquizao social estende-se posteriormente aos modos de insero:
os diplomados da Universidade Catlica do Porto e das universidades pblicas
apresentam maior vantagem no acesso a um estgio profissional remunerado.
As prprias origens sociais estruturam a insero: as mais capitalizadas, escolar e
socioeconomicamente, apresentam maiores possibilidades de aceder a estes mesmos
estgios.
H que destacar, contudo, que as modalidades e os tempos de acesso
apresentam igualmente particularidades que resultam dos mecanismos de acesso s
profisses reguladas. A esmagadora maioria dos inquiridos envereda para o estgio
profissional na advocacia, estgio longo e, por norma, no remunerado. A anlise
documental aos regulamentos de acesso a este estgio demonstrou como, ao longo
da dcada de 2000, tiveram lugar um conjunto de mudanas nos mecanismos de
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ingresso, tais como a extenso da sua durao, aumento do nmero de exames e dos
momentos de avaliao, constrangendo o processo de insero, desde logo, devido ao
prolongamento no tempo e ao investimento substancial dada a sua no remunerao.
Por ltimo, gostaramos de chamar a ateno para algumas das limitaes dos estudos
da insero profissional, que embora no tivssemos tido oportunidade de abordar
aqui, importa lembrar para a anlise da entrada no mercado de trabalho dos jovens: em
primeiro lugar, a dissociao entre as percees e discursos dos entrevistados sobre o
que estar inserido, nomeadamente, a dispensa da suposta estabilidade profissional,
avaliada frequentemente pelo tipo de vnculo laboral (Vernires, 1997), e a premissa
desta estabilidade, decretada pelos estudos para identificar o fim da insero. Desta
forma, parece existir uma inconsistncia entre, por um lado, a difuso das formas
flexveis de trabalho e, por outro, o pressuposto terico da estabilidade profissional para
o fim da insero, o que remete uma fatia destes jovens a uma eterna fase de insero.
Mas esta dissociao no se limita aos discursos dos entrevistados, o pressuposto da
estabilidade no se coaduna igualmente com a realidade dos trabalhadores por conta
prpria ou independentes, em especfico dos advogados em exerccio individual.
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Educao Fsica em contexto de prtica supervisionada, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, Vol. XXXII, pp. 125 - 145 DOI: 10.21747/0872-3419/soc32a6
Paula Batista
Amndio Graa
Resumo
Este estudo pretende captar o olhar interno de uma professora cooperante sobre a dinmica da comunidade
de prtica na reconstruo da identidade profissional de trs estagirios de Educao Fsica. Os
autodilogos registados em dirio de bordo evidenciaram que a relao professora cooperante-estagirios
requer alternncia entre proximidade e distncia, facilitando a conquista de uma autonomia crescente; e
que a reconstruo do conhecimento prtico integra as biografias individuais, o conhecimento construdo
na formao e as experincias prticas.
Palavras-chave: identidade transformadora; comunidade de prtica; narrativas do self.
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CARDOSO, Ins; BATISTA, Paula; GRAA, Amndio (2016), Narrativas acerca da formao de professores de
Educao Fsica em contexto de prtica supervisionada, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, Vol. XXXII, pp. 125 - 145
Introduo
As teorias da identidade profissional deixaram de a ver como essncia nica,
inaltervel (eg. Akkerman e Meijer, 2011; Beauchamp e Thomas, 2009; Beijaard
et al., 2004). No que respeita a identidade do professor, como sugere Gee (2001),
no h resposta nica para se ser reconhecido como um certo tipo de professor
num determinado contexto. A identidade do professor mltipla, fluida, evolutiva,
instvel, relacional e, da, fortemente influenciada pelos contextos socioculturais.
Compreende transformaes pessoais e profissionais (Beauchamp e Thomas, 2009)
que, partilhadas em grupos de afinidade (Gee, 2001), promovem sentimentos de
pertena (Wenger, 1998) e conduzem (re)construo da identidade profissional
(IP) individual e coletiva (Owens et al., 2010). Efetivamente, a agregao de pessoas
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Educao Fsica em contexto de prtica supervisionada, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do
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Educao Fsica em contexto de prtica supervisionada, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, Vol. XXXII, pp. 125 - 145
dizem ter tomado. No entanto, por escassez de pesquisa que, segundo Dinkelman
(2011: 318), the standards that most inform what teacher educators actually do in
their work with pre-service teachers tend to be largely internal and private.
O presente estudo visa compreender a (re)construo da IP dos estagirios de
um ncleo de estgio, atravs do olhar interno da PC, simultaneamente investigadora
neste processo. A anlise dos autodilogos pretende responder s questes: a) quais
as preocupaes de atuao da PC como facilitadora do processo de formao dos
estagirios? b) que transformaes foram notadas nos estagirios em resultado das
dinmicas estabelecidas na CdP?
1. A identidade do professor e a importncia de se aprender a ser prtico
reflexivo em Comunidade de Prtica
A (re)configurao da identidade do professor condicionada pelo contexto
social onde nasce, cresce e se desenvolve (Clandinin et al., 2009), pela diversidade das
experincias vividas (Flores e Day, 2006). Tratando-se de um processo simultaneamente
biogrfico e relacional, de reapropriao crtica das experincias vividas ao longo
da vida (Dubar, 1997), a identidade do professor resulta da construo de um modo
particular de se sentir professor, ao mesmo tempo que atribui sentido ao seu dia a
dia. A complexidade de todo este trajeto exige do professor uma participao ativa,
alicerada em processos motivacionais de autoeficcia e de autoestima (Stets e Burke,
2000) que, por sua vez, requer um significativo investimento pessoal. Beijaard, Verloop
e Vermunt (2000: 750) referem que: Teachers perceptions of their own professional
identity affect their efficacy and professional development as well as their ability and
willingness to cope with educational change and to implement innovations in their own
teaching practice. Depreende-se que, para uma melhor compreenso da identidade
docente, ser necessrio analisar as variaes dos contextos de trabalho, atentando nos
autodilogos dos professores (Enyedy et al., 2006; Sfard e Prusak, 2005) e observando
a relao dialtica estabelecida entre a estrutura e a agncia (Giddens, 1997; Macphail
e Tannehill, 2012). Com efeito, os contextos de trabalho apresentam dinmicas muito
prprias, estreitamente relacionadas com a cultura institucional, cuja evoluo est
dependente da capacidade de agenciamento dos seus intervenientes e da maior ou
menor resistncia que lhes oferecida pela instituio, enquanto estrutura. Se a cultura
escolar influencia o comportamento dos professores, a capacidade de agenciamento
dos professores, por sua vez, desafia essa mesma cultura, abrindo perspetivas para a
sua transformao. Nesta relao de poder, entre a cultura instituda e a capacidade
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Educao Fsica em contexto de prtica supervisionada, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do
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Educao Fsica em contexto de prtica supervisionada, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do
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e olhar para diante, e dar conta de que nunca definitivo aquilo que vemos numa
e noutra direo. Os acontecimentos futuros, sempre diferentes dos que ocorreram
no passado, atualizam e modificam as histrias que contamos e fazem com que as
concees do sujeito se alteram, o que compatvel com a ideia de aprendizagem.
2. Metodologia
A compreenso da influncia dos contextos de estgio na reconstruo da
identidade profissional dos estagirios pode ser acedida atravs da reinterpretao de
narrativas e da sua forte componente emocional (Clandinin et al., 2006; Enyedy et al.,
2006; Sfard e Prusak, 2005; Zembylas, 2003).
Atendendo ao propsito e abordagem concetual do presente estudo, as
narrativas escritas sob a forma de dirio de bordo por uma PC (simultaneamente
investigadora deste estudo) foram utilizadas no processo de desvelar as transformaes
ocorridas nos estagirios, bem como as aes da PC que tero contribudo para essas
mesmas transformaes.
Os dados recolhidos foram submetidos a uma anlise de contedo. Nas palavras
de Gibson e Brown (2009: 39): the narratives through which people produce
accounts of themselves, their lives and their actions are important for understanding
social life itself. Hall e Chambers (2012) argumentam que a anlise das narrativas
trata tanto de coisas escritas, como de aes e modos de ser, pelo que nunca
neutra ou ingnua. Neste estudo, a anlise da narrativa assenta em trs pressupostos
fundamentais: a) a narrativa ao; b) a ao estruturalmente organizada; e c) a
narrativa cria e mantm a realidade intersubjetiva (Perkyl e Ruusuvuori, 2011).
2.1. Participantes
O grupo de participantes constitudo por uma PC e trs estagirios pertencentes
a um mesmo ncleo de estgio de Educao Fsica (EF) que, em conjunto com a
orientadora da faculdade, se constituram como uma CdP (Lave e Wenger, 1991;
Wenger, 1998). Os estagirios aceitaram as condies do consentimento informado
com salvaguarda da participao voluntria, da confidencialidade e anonimato, com
uso de pseudnimos.
A PC contava com vinte e um anos de servio no ensino pblico e reunia uma
experincia de orientao de estgio de nove anos repartidos por duas instituies
distintas, uma pblica e uma privada. A sua atitude tem-se pautado por uma constante
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Educao Fsica em contexto de prtica supervisionada, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do
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preocupao com a sua formao, na procura de responder aos desafios que a profisso
lhe coloca, designadamente na funo de orientao que lhe proporcionou excelentes
oportunidades de reflexo acerca do seu papel na formao de futuros professores.
Os estagirios, do gnero masculino, concluram a licenciatura em duas instituies
distintas, situao que em nada comprometeu o esprito de unio e de entreajuda que foi
crescendo e se fortaleceu nas relaes de autenticidade que se estabeleceram entre si e
entre eles e a PC. O Pedro e o Jorge licenciaram-se numa instituio pblica. O Pedro
revelou-se confiante, frontal, assertivo com os alunos e colaborante com os colegas
de estgio. Alguns dos desafios colocados pelo estgio foram a criao da incerteza,
o abandono da zona de conforto e a exposio crtica. O Jorge revelou falta de
confiana em si prprio e medo de mostrar as suas fragilidades, o que o levou a procurar
sistematicamente a informao de que necessitava junto da PC. Os principais desafios
colocados pelo estgio foram o ganho de confiana, o aprofundamento da capacidade
reflexiva, a capacidade de tomar decises e a conquista de autonomia.
O Henrique licenciou-se numa instituio privada, revelou falta de confiana
e reduzida capacidade argumentativa. O estgio desafiou-o a usar de frontalidade, a
interiorizar os diferentes pontos de vista, a evoluir em termos de capacidade reflexiva
e a mostrar-se mais confiante perante os alunos.
As dificuldades decorrentes de ser simultaneamente investigadora e participante
na CdP foram enfrentadas atravs dum exerccio de objetivao e uma atitude de
vigilncia crtica (Bardin, 2004), tendo em conta os objetivos do estudo e o quadro
terico da investigao.
2.2. O dirio de bordo da professora cooperante
O material para anlise provm do dirio de bordo da PC, onde so narradas
as histrias vivenciadas no seu dia-a-dia durante a sua participao na CdP, onde se
incluem: a sua perceo face evoluo dos estagirios, no s no que diz respeito
dimenso cognitiva, mas sobretudo no que se refere dimenso relacional e emocional;
as decises que tomou tendo em conta a sua perceo e o seu conhecimento prtico; o
seu dilema face ao equilbrio que pretendeu criar entre a facilitao e o desafio; a sua
preocupao com a integrao do conhecimento produzido na escola e na faculdade;
e a sua perceo acerca das transformaes de cada estagirio.
A viso privilegiada da posio de PC permite investigadora aceder a um nvel
mais ntimo e aprofundado da experincia de estgio e reinterpretar as histrias dos
participantes de forma mais contextualizada e mais holstica. Sparkes (2000) destaca
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Porto, Vol. XXXII, pp. 125 - 145
vontade dos estagirios, nem sem a sua interao com o meio (Callero, 2003),
facilitada pela PC e pela orientadora da faculdade numa articulao crescente entre
a instituio superior e a escola. De facto, ambas as instituies tm congregado
esforos no sentido de dar maior consistncia formao de novos profissionais no
campo da EF. O testemunho pessoal de Reina (2013: 87) acerca da sua experincia
como ex-PC retrata a referida articulao: Esta ponte estabelecida entre a faculdade
e as escolas foi muito enriquecedora para todos. Constituiu um desafio pessoal, pois
levou-me a uma atitude de inconformismo, de atualizao permanente, de inquietao
e responsabilidade, contribuindo para me tornar uma professora muito mais reflexiva,
que passou a olhar para a questo do ensino da EF de uma forma mais organizada,
planificada e inovadora. Quando se renem esforos no sentido de alcanar objetivos
comuns, as possibilidades de co-construo do conhecimento prtico tornam-se mais
evidentes, traduzindo-se na reconfigurao da IP. No entanto, e segundo Clandinin e
colegas (2009), os espaos de formao apenas se constituiro como espaos abertos
transformao se permitirem que formadores e formandos reinterpretem as suas
histrias e pensem narrativamente. Desta forma, tornar-se- mais fcil entender o
contexto de prtica como um espao de aprendizagem cujas histrias se encontram
em permanente mudana, ideia compatvel com o carter dinmico e evolutivo da
prpria identidade.
Concluses
A formao de professores encontra terreno frtil para a construo da
identidade profissional em contextos reais de exerccio da funo docente que
promovam relaes autnticas entre os membros da CdP, que resultem em interaes
positivas envoltas em afinidades emocionais.
O respeito pelos diferentes ritmos evolutivos exige que se faa uma gesto
criteriosa das medidas de scaffolding e de fading, de aumento e diminuio de apoio
instrucional, que pode ir da concretizao prtica de conceitos exemplificados nas
aulas da PC, suspenso do apoio preparao da prtica letiva, quando a PC sentir
que os estagirios se esto a acomodar a esse suporte.
O equilbrio entre proximidade e distncia na gesto do apoio emocional
estabelece-se na tenso entre a vontade de facilitar a vida aos estagirios e a necessidade
de os desafiar a sarem da zona de conforto e a correrem os riscos necessrios para
tomarem decises perante o (in)esperado. O jogo emocional que a PC dever
controlar e desenvolver: controlar, ao preocupar-se com o sucesso da experincia
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Educao Fsica em contexto de prtica supervisionada, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do
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Educao Fsica em contexto de prtica supervisionada, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, Vol. XXXII, pp. 125 - 145
Agradecimentos
Estudo elaborado no mbito do projeto de investigao O papel do estgio profissional
na (re)construo da Identidade Profissional no contexto da Educao Fsica, financiado pela
Fundao para a Cincia e Tecnologia (PTDC/DES/115922/2009).
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FARIAS, Bruna; SANDALOWSKI, Mari Cleise (2016), A Cincia Biomdica e o Processo Civilizador, Sociologia,
Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 147 - 163
DOI: 10.21747/0872-3419/soc32a7
A Cincia Biomdica
e o Processo Civilizador
Bruna de Farias
Resumo
Este artigo tem por objetivo compreender as prticas biomdicas, a partir de uma anlise da cincia,
sobretudo centrada na dicotomia fato e valor. Portanto, o texto diz respeito a uma problematizao da
ideia de neutralidade, enquanto preceito cientfico, frente s questes valorativas que a cincia biomdica
produz na sociedade. Para isso, fora incorporada a ideia de processo civilizador de Norbert Elias, como
ferramenta analtica para compreender a paradoxal normatividade que a cincia exerce sobre os individuos.
Palavras-chave: cincia; prticas biomdicas; dicotomia fato/valor.
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Introduo
Este artigo tem por objetivo estabelecer uma anlise sociolgica acerca de
questes que versam sobre a cincia, o tecnicismo e as questes de valores que
permeiam as prticas e o discurso cientfico. Em um primeiro momento realizada
uma reflexo sobre a contribuio de autores da sociologia e filosofia, como Weber,
Putnam, Lacey e Luz, acerca da dicotomia fato/valor e da suposta neutralidade da
cincia. Posteriormente, explorada a idia do processo civilizador, proposta por
Norbert Elias. Utilizado, neste artigo, como uma ferramenta analtica, tal enunciado
pretende compreender como a biomedicina, atravs do uso da cincia, normatiza o
cotidiano dos indivduos. Deste modo, para alm de um debate terico em torno da
cincia, sua neutralidade, valores que a compem, o texto elenca situaes concretas
de como essa dicotomia pode ser vista, ou pensada, na prtica, a partir de exemplos
empricos situados na histria recente.
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Por mais que muitas vezes tenha ela o prprio como obejto de estudo, como o caso das cincias da sade.
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entendimento). Com efeito, nada pode ser conhecido sem as condies pertencentes
a esta maquinaria humana, tal como constituida. Portanto, quando conhecemos
algo, isso se tornou possvel porque houve uma sinergia entre mente e mundo, na
qual o conhecedor de forma alguma passivo, de modo que apenas receba contedos
deste mundo (Kant, 2006 [1798]).
Weber (1994 [1973]) postula a necessidade da neutralidade axiolgica e parece
acreditar na possibilidade de distinguir fato e valor na prtica cientfica. Ao apresentar
inmeras razes para que se desenvolva a tarefa cientfica, assume a impossibilidade
de as cincias responderem s questes de valores, que remetem aos sentidos das
coisas e do fenmeno humano. A cincia uma fora secularizada que atua em um
mundo desencantado, marcado pela perda de significado e liberdade (apud Freitag,
1992: 98). Portanto, a valorao dos fatos, como justos, injustos, bons ou ruins no
deve ser tarefa do cientista, mas do filsofo ou do poltico.
De maneira generalista, pode-se dizer que frequentemente as distines de fato
e valor so tambm apresentadas quanto objetividade e subjetividade. Pascal ao
fazer as primeiras distines de disciplinas pertencentes cincia e moral afirma
que o segundo mbito, qual seja, da moralidade, deve fazer meno ao princpio
da autoridade, coisa que na cincia que estuda o mundo emprico (a cincia de
fato) no pode ser mais admitida, pois ela no tem mais carter personalista, mas
uma ao feita na coletividade. Dada a nossa miservel finitude, adverte que a
cincia enquanto produtora, ou desveladora de verdades necessrias e at mesmo
conhecimento apoddico, no pode ser constituda de subjetividade, mas de aes que
transcendem o cientista e que vo sempre se aperfeioando (Mariconda, 2006). esse
aspecto de aperfeioamento que Weber (1993 [1917/1919]) qualificou como a tarefa
dinamizada e para sempre incabada do cientista.
Contudo, num contexto mais contemporneo, temos correntes oriundas da
filosofia fenomenolgica, que se dividem posteriormente em teorias pragmticas e
que discordam da dicotomia apresentada por Weber (1994 [1973]). Exemplos destas
abordagens podem ser identificadas em Latour (2000), Hug Lacey (2008) e Hilary
Putnam (1992).
Putnam (1992) se coloca frente s questes de valores na cincia de forma
radicalmente contrria posio de Weber (1993 [1917/1919]). Prope um raciocnio
analtico sobre a constituio das cincias e a partir dele conclui ser a cincia permeada
por valores, os quais se confundem com os fatos na atividade cientfica; sendo assim, a
separao torna-se impossvel, apesar de na maioria dos casos ser aceita por toda uma
tradio filosfica e pelo prprio senso comum.
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modo, essa ideia de movimento prev uma atitude diferente diante da fragmentao
dos saberes, diante da especializao que isola, extrai e abstrai o objeto de estudo sem
torn-lo ao contexto no qual pertence.
Num exerccio de recompor o todo, Luz (1989) defende que as (bio)medicinas
so disciplinas biossociais, e no naturais exclusivamente. H de se considerar que,
na histria da medicina, existiram teorias mdico-sociais que acreditavam estar nas
condies sociais (de uma sociedade capitalista), tais como fome, misria, sofrimento,
a causa das enfermidades. Porm, no atravs dessas correntes que a autora defende
sua ideia de ser a medicina (ou a biomedicina) uma cincia biossocial, mas por
produzir um discurso natural sobre uma realidade social: o corpo do homem, seu
sofrimento, sua morte, atravs da doena (Luz, 1989: 94).
destacada, no desenvolvimento da medicina, sua passagem de uma arte de
curar para uma cincia da doena. Esse dado se deve pelo fato de a racionalidade
cientfica ser cada vez mais marcada pela objetividade, que passa a ser uma prerrogativa
no fazer cientfico animado pela razo. Nota-se que o objeto, por excelncia, das
biomedicinas (tanto a medicina quanto as cincias que diante do seu desenvolvimento
passam a cada vez mais prestar um servio s cincias mdicas, tais como a qumica,
a fsica, a biologia) passa a ser a doena, a morbidez substancializada. Esse ser tem um
lcus especfico, e a objetividade, prpria das biomedicinas, reduz o corpo humano a
algo como uma sede das enfermidades.
Destarte, categorias como a vida passam a ser consideradas entidades metafsicas
e, portanto, irrelevantes ao conhecimento. Outro trao da cincia objetivante a ser
destacado, dentro das biomedicinas, o conceito de sade que determinado como
a ausncia de patologias. Gadamer contribui para pensarmos o conceito de sade
quando adverte que sade no algo do qual temos conscincia, no nos acompanha
de forma preocupante como a doena. No algo que nos advirta ou convide ao
contnuo autorretratamento. Ela pertence ao milagre do autoesquecimento (Gadamer,
2006: 36).
Segundo Madel Luz (1989), o desenvolvimento da biomedicina, enquanto
cincia das doenas, est calcado em duas categorias prioritariamente: a patologia e a
normalidade, que so, por excelncia, biossociais.
A morte, sendo incorporada em um discurso naturalizado, exclusivamente,
passa a ser compreendida, cada vez mais, como um fracasso relativo ao esforo
humano (da cincia), e no como um caminho natural. As enfermidades passam
a ser explicadas como uma metfora de invaso, algo que entra no organismo e
estabelece um estado de batalha: ou se vence ou vencido. Desse modo, o contgio
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muito lentamente, pois esse processo dura sculos, tal autocontrole passa do plano
consciente para o inconsciente, adquirindo um carter de segunda natureza de modo
que as inclinaes instintivas, as paixes passam a ser paulatinamente sublimadas.
primeira vista, o que move as primeiras mudanas de atitudes em pequenos
crculos so os incentivos a sentimentos como o despertar de vergonha, pudor e medo,
porque, enquanto sentimentos, revelam polidez e delicadeza, sendo estes ltimos
valores da nobreza. Porm, mais adiante, com a presena crescente dos conhecimentos
cientficos na vida do Ocidente, idias como as de higiene passam a ser mobilizadas
para justificar tais modos (como o de no comer com as mos, por exemplo). Contudo,
Elias (1994 [1939]) adverte que, nos manuais cujas regras foram retiradas, no feita
nenhuma meno a esse tipo de cuidado. Isto , cuidados de cunho mdico-higinico
no parecem ser os motivadores de tais mudanas de condutas, como os hbitos
mesa, os hbitos com relao s necessidades naturais. Desse modo, possvel
imaginar, novamente, o conhecimento cientfico como parte de um processo que
tenta racionalizar um modo de viver em detrimento de outros no legitimados por um
conjunto predominante da sociedade.
Na histria da medicina brasileira tivemos movimentos que podem ser
ilustrativos para abordarmos as questes propostas. Pode-se dizer que o movimento
higienista, que marcou parte do sculo XIX e XX, tinha como prerrogativa um valor,
a saber, a sade. Os integrantes do movimento entenderam que muitas causas das
doenas se davam a partir de fatores sociais, tais como ms condies de saneamento,
higiene, alimentao, entre outros fatores. Esses fatores, por sua vez, so incorporados
pela teoria mdica e passam a orientar a sua prtica (Mastromauro, 2010).
Nesta perspectiva de anlise, destacamos o intervencionismo social cuja
compreenso prev que, a partir de dados sociais, possvel intervir na vida privada
da populao. Desta forma, no s h imperativos que se referem a modos de comer,
lavar-se, mas h a imposio de formas de agregao social, moradia, entre outras
variadas formas de intervir na vida privada dos indivduos. Junto a esse movimento
higienista-sanitarista existiu, em alguns grupos, uma relao ntima com idias
eugnicas, as quais marcaram o incio do sculo XX. Tais idias eugnicas, que viam
na raa determinaes de comportamentos, disposies morais e fsicas, serviram
tambm a alguns pesquisadores higienistas como justificativas para orientar rituais
sociais como casamento, com o intuito de reproduzir geraes mais aptas.
Tal exemplo pode ser encontrado na histria da medicina higienista do Brasil,
pas que era percebido, durante um determinado perodo histrico, como um lugar
onde viviam indivduos menos aptos, em virtude da raa ou ento da m adaptao
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dos imigrantes ao clima. Essa idia, como explica Gois Junior (2003) repercutia nas
representaes da prpria populao brasileira, cuja forma de vida era alterada pelos
modos civilizados e civilizadores europeus.
Figura 1: Educadora sanitria orientando mes
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Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 147 - 163
Pensa-se que teramos vrios exemplos que poderiam colocar a cincia como
pea-chave de um processo intervencionista, normativo. Cita-se, como exemplo, a
epidemia da AIDS, na dcada de oitenta, do sculo XX. Ora, esse mal das ltimas
dcadas fez com que criassem ainda mais estigmas sobre indivduos homossexuais,
bem como tornou central a abordagem sobre a sexualidade em vrias esferas da
sociedade. A partir desse evento, o sexo passa a esconder outro elemento alvo de
pudor, repugnncia e vergonha, que agora viral, qual seja, o HIV. Esse cenrio
epidmico propicia uma nova espcie de processo, que aqui denominamos civilizador,
nos valendo do trabalho de Elias, pois entendemos que esse cenrio conduz a uma
alterao no comportamento sexual dos indivduos e suas relaes, que vo alm do
sexo, dado o estigma da doena e de seu portador. Sabe-se que um dos males do
HIV a prpria doena em curso, mas h outros, como o preconceito, as relaes
interpessoais no trabalho, na escola, na vida cotidiana do portador, que por sua vez
perpassam as relaes sexuais.
Com efeito, vale ressaltar os diferentes estgios de individualizao dentro de um
processo civilizador. Nesse processo surge a conscincia do corpo, do sujeito individual
que est no mundo, mostrando um modo de conscincia que se reflete no modo de
pensar (este corpo sou eu, meu) e agir (domnio deste corpo). H de se pensar que
esse tipo de conscincia fora obtida h pouco tempo (Elias, 1994 [1939]). Destarte,
sobre o controle e autocontrole deste corpo que esta abordagem se torna importante.
As questes sobre as quais discorremos ao longo do texto permitem uma
reflexo sobre a interveno que a cincia, enquanto instituio (que est em uma
esfera maior, em termos de estrutura), pode exercer sobre os indivduos, no domnio
de suas vidas privadas. Talvez, com um pouco de cautela, poderamos indicar que h,
no carter prescritivo das biomedicinas, um carter tambm civilizatrio, visto que os
indivduos internalizam os preceitos cientficos. Desse modo, ao internalizarem tais
preceitos, os indivduos os estabelecem como norma de ao. Como consequncia,
os modos de alimentao, higiene, relacionamento e mesmo de relaes sexuais so
adequados de forma mais racionalizada e civilizada, em conformidade com aquilo
que socialmente compreendido como civilizado e desejvel, modos esses que hoje
encontram na cincia uma autoridade legitimadora para prescrever as boas maneiras.
Consideraes finais
O que foi possvel realizar no presente artigo, frente s preocupaes tericas
inicialmente estabelecidas, consistiu em estabelecer, primeiramente, uma discusso
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acerca da cincia, a partir de autores que a tomaram como objeto de estudo. Desse
modo, buscou-se analisar a cincia atravs de um aspecto especfico a ela condizente,
a saber, as questes de fato e valor que a envolvem como centro de debate em teorias
epistemolgicas, a neutralidade da cincia, bem como sua legitimidade enquanto
produtora (ou reveladora) de verdades.
Diante dessa discusso de cunho mais terico e epistmico, foi possvel
discorrer, um pouco, em torno de como essas questes podem ser vistas em um universo
prtico. Dito de outro modo, as categorias de neutralidade e a suposta separao entre
fatos e valores foram problematizadas, a partir da anlise de contextos histricos
concretos, nos quais a cincia impunha-se sobre a vida cotidiana dos indivduos,
orientando modos de bem-viver, exercendo um papel para alm daquele que prev
enunciar conhecimentos, mas o de prescrever comportamentos.
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Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 147 - 163
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RECENSO
CORRA, Carolina Pimentel (2016), Recenso da obra de Andr Freire (org.), (2015), O Futuro da Representao
Poltica Democrtica, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 167 - 172
DOI: 10.21747/0872-3419/soc32a8
RECENSO
FREIRE, Andr (Org.), (2015), O Futuro da Representao Poltica Democrtica,
Lisboa, Nova Vega.
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CORRA, Carolina Pimentel (2016), Recenso da obra de Andr Freire (org.), (2015), O Futuro da Representao
Poltica Democrtica, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 167 - 172
anos e, ainda, em abordar diferentes modelos e vises sobre estas democracias antes de
refletir sobre a crise da representao democrtica e os possveis futuros desta forma de
governo. Depois de oferecer um panorama terico capaz de situar o leitor em relao
temtica em causa, o autor ressalta que existe uma crise da democracia representativa e
apresenta quatro cenrios para o futuro deste regime, sendo que o mais provvel entre
estes o da contnua desvalorizao dos mecanismos de delegao poltica atravs
das eleies nacionais (pg.53) e da crescente delegao de poderes para autoridades
supranacionais, sem que isto se d em nveis consistentes de democratizao. Esta
situao resulta, assim, numa partilha de poder entre autoridades nacionais eleitas e
instituies e organizaes no eleitas. Mas, mais do que apresentar o caminho mais
provvel, Freire discorre sobre o cenrio mais desejvel e, dessa forma, sugere uma
alternativa que, realmente, se mostra como uma opo mais democrtica perceber
a Unio Europeia como uma entidade federal capaz de partilhar o poder e, ao mesmo
tempo, restaurar os poderes das autoridades eleitas face ao poder das instituies
no-maioritrias e face as presses da globalizao e da europeizao que esto a
comprimir a democracia (pg.57).
Redigido por Cristina Leston-Bandeira e Tiago Tibrcio, o captulo 2 talvez
seja o mais otimista da obra. Os autores destacam que o parlamento assume uma
posio importante na democracia representativa, pois espelha a variedade da
sociedade e dos seus respetivos interesses. Consequentemente, a crise nas democracias
ocidentais tambm atingiu o parlamento. No entanto, o texto trata do surgimento de
uma mudana, capaz de tornar esta instituio mais inclusiva e prxima dos cidados.
O parlamento se tem esforado por assumir um papel mediador entre a sociedade e o
governo. Junto a isto, uma cidadania mais ativa parece surgir, mesmo que por meios
informais, como a internet. Assim, a representao parlamentar encontra-se, segundo
os autores, a meio de uma transio entre dois paradigmas: o da representao como
delegao e o da representao como uma relao (pg.88).
O captulo 3, de Marco Lisi, reflete a respeito de como atuam e se posicionam
os partidos polticos no contexto da atual democracia representativa. O fato que
existe, segundo Lisi, uma crise dos partidos enquanto atores que estimulam a
participao (pg. 95), algo que acaba por criar um distanciamento por parte dos
cidados. O quadro que se apresenta, para o autor, um fenmeno transversal
que afeta as diferentes democracias contemporneas. Entretanto, a dificuldade dos
partidos em conseguirem cumprir o papel de intermediar e representar os cidados
perante as instituies democrticas vista como uma oportunidade dos partidos se
transformarem e, at mesmo, de se reinventarem frente a tal crise de legitimidade.
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Importa destacar que a mudana pode, e deve, comear a partir da abertura dos
processos de deciso, do fortalecimento na implementao de consultas pblicas e
da utilizao de instrumentos de democracia direta. Com efeito, este captulo conduz
o leitor a perceber que j existe uma forte tendncia para esta maior inclusividade
no mbito europeu. Porm, o caminho que os partidos precisam de percorrer a fim
de (re)estabelecer laos identitrios junto sociedade civil ainda bastante longo.
Para Lisi torna-se necessrio valorizar o contributo de cada indivduo, de cada filiado,
dentro do partido e, alm disso, diversificar as formas de participao. Trata-se de um
momento em que os partidos precisam de refletir sobre reformas internas, visto que
os cidados necessitam de atores que saibam interpretar os anseios e as preocupaes
da sociedade e que falem diretamente aos indivduos (pg.112). preciso, portanto,
reforar a ideia de representao e criar novas identidades antes que tal condio
passe a influenciar no apenas a estabilidade do sistema partidrio, mas tambm o
apoio ao prprio regime democrtico.
Resultado da parceria entre os autores Elsio Estanque, Hermes Augusto Costa
e Manuel Carvalho da Silva, o captulo 4 discorre sobre a urgente necessidade de se
fortalecer a importncia do trabalho e do sindicalismo no contexto atual, de modo
que, j nas primeiras pginas, possvel perceber o posicionamento dos autores,
para os quais a representao coletiva dos trabalhadores nas relaes laborais,
assim como a existncia e a efetividade das convenes e normas da Organizao
Internacional do Trabalho [] no podem ser dispensados (pg.121). Esta defesa do
movimento sindical justifica-se, justamente, em funo do recuo que este est a sofrer
escala internacional. Diversos fatores culminaram nesta crise do sindicalismo
(pg.123), podendo-se destacar: a desagregao de interesses em redor da classe
trabalhadora; o domnio da economia financeira sobre a economia real; as dificuldades
no desenvolvimento de um trabalho sindical de base bem estruturado e a crise de
representatividade sindical. Nota-se, de fato, que o sindicalismo v-se desafiado a
renovar-se. nesse sentido que os autores apontam questionamentos a respeito da
autonomia e da internacionalizao sindical. O sindicalismo de movimento social,
tambm chamado de novo sindicalismo social, por exemplo, como sublinham os
autores, pode contribuir para essa possvel renovao do sindicalismo no sculo
XXI. O cerne desta questo compreender que o trabalho e os seus direitos so
parte indispensvel de um processo de desenvolvimento econmico e poltico numa
sociedade democrtica (pg. 136). Isto posto, cabe aos sindicatos a difcil tarefa
de acomodarem-se s mudanas nos contextos polticos, sociais e institucionais e
buscarem uma revitalizao.
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Poltica Democrtica, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXXII, pp. 167 - 172
cenrio seriam: criar uma Unio Federal com instituies supranacionais, o que,
para Fernandes, no plausvel que ocorra nos prximos tempos, desde logo pela
notria ausncia do necessrio acordo poltico da generalidade dos estados membros
(pg.173); ou, ento, seguir a lgica atual, ao aprofundar e legitimar a construo
de um modelo tecnocrtico, o que, na opinio do autor, algo muito insatisfatrio
do ponto de vista democrtico. O fato que j existe um modelo a ser construdo e
este apresenta fortes ameaas representao democrtica. por isso que o autor, de
modo bastante coerente, reala a importncia de se encontrar um modelo que fortalea
os laos e a identidade da Unio Europeia, mas no limite nem subsuma liberdades
poltico-ideolgicas dos estados membros e imponha um desenho (neo)liberal como
a nica alternativa vivel.
O captulo 7, escrito por Emmanouil Tsatsanis, o ltimo captulo da obra
e, possivelmente, foi escolhido de modo estratgico para concluir o debate trazido
pelo livro, visto que este autor se dedica a perceber as implicaes da globalizao
nas atuais formas de governo, especialmente na democracia. Nota-se, neste contexto,
a existncia de um paradoxo, pois ao mesmo tempo que a globalizao promove a
democracia no que concerne a meios econmicos, culturais e polticos, ela tambm
dificulta a ao dos atores polticos a efetuarem mudanas significativas dentro de seus
prprios pases, o que, por conseguinte, torna os cidados cada vez mais descrentes no
sistema poltico. Assim, o posicionamento do autor vai tornando-se claro no decorrer
do texto uma preocupao com a atual conjuntura que se coloca no plano mundial
das democracias. Cabe salientar que esta parte do livro aborda o futuro da governao
democrtica tanto em regimes consolidados do Ocidente, como nos que se encontram
fora deste espao territorial (como o capitalismo autoritrio da China e a democraciailiberal da Rssia). Tsatsanis acredita que a democracia representativa realmente
est em crise e admite que haja algum perigo do modelo ser substitudo por outro,
mesmo que as possveis alternativas paream ser um tanto ou quanto inviveis e/ou
impopulares. A tendncia apontada pelo autor, e, de fato, certamente a mais provvel,
que a democracia representativa continuar a existir por inrcia e como padro
(pg.197), mesmo que venha associada crescente insatisfao dos cidados.
Ao folhear as ltimas pginas da obra, um primeiro comentrio que se pode
tecer que temtica abordada muito desafiadora, pois suporta um vasto campo
terico e conceitual, o que, consequentemente, pode suscitar diversos questionamentos
e apontar para diferentes agendas de pesquisas atuais e futuras. Entretanto, possvel
que o objetivo do livro tenha sido mesmo este: fazer com que o leitor reflita, e se
questione, sobre a realidade da atual representao poltica democrtica. De modo
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mais especfico, nota-se que o livro possui um fio condutor coerente que perpassa
os diferentes captulos e assinala uma particularidade importante da obra reunir
diferentes esferas de uma mesma temtica, somar num nico trabalho a opinio de
diversos autores sem perder o foco central ao qual se destina a reflexo. seguro afirmar
a existncia de uma complementaridade entre os diferentes captulos e que, apesar de
alguns se posicionarem de forma mais otimista do que outros, todos vislumbram um
horizonte necessrio de transformaes. Observa-se, de fato, uma crise da democracia
representativa e dos diferentes domnios que com ela se relacionam, sejam eles os
partidos, o parlamento, os movimentos sociais ou outros e, neste contexto, preciso
que estas esferas, junto ao modelo de governo, busquem renovar-se e adaptar-se a uma
nova realidade que se forma, aproveitando os possveis bices da conjuntura para se
reinventar ou, pelo menos, repensar as suas estratgias.
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ESTATUTO EDITORIAL
SUMRIOS DOS NMEROS ANTERIORES
NORMAS PARA APRESENTAO E PUBLICAO
ESTATUTO EDITORIAL
A Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
da responsabilidade do Departamento de Sociologia, iniciou a sua edio em 1991,
na sequncia da criao da Licenciatura em Sociologia, em 1985, e do Instituto de
Sociologia, trs anos depois.
Na qualidade de revista cientfica, tem como objetivo principal a divulgao
de trabalhos de natureza sociolgica que primam pela qualidade e pela relevncia,
em termos tericos e empricos. , igualmente, um espao que inclui os contributos
provenientes de outras reas disciplinares das cincias sociais. Prossegue uma
linha editorial alicerada na diversidade terica e metodolgica, no confronto vivo
e enriquecedor de perspetivas, no sentido de contribuir para o avano e para a
sedimentao em particular do conhecimento sociolgico.
A Revista aceita trabalhos de diversa natureza artigos, recenses, notas
de investigao e ensaios bibliogrficos e em vrias lnguas como o portugus,
francs, ingls e espanhol, o que visa alcanar um amplo campo de difuso e de
internacionalizao. Os trabalhos so avaliados por especialistas em regime de duplo
anonimato. Publica-se semestralmente e com um nmero temtico todos os anos.
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acordo com a seguinte apresentao: Lima, 2005; Lima (2005); Lima (2005: 35);
Lima et al. (2004).
16. Nas notas de rodap devem utilizar-se apenas nmeros. A numerao das notas
deve ser contnua do princpio ao fim do texto.
17. Nos artigos, sugere-se a utilizao de, no mximo, dois nveis de titulao, com
numerao rabe.
18. As citaes devem ser apresentadas em portugus, nos casos em que o texto
original esteja nesta lngua, e entre aspas. Os vocbulos noutras lnguas, que no a
portuguesa, devem ser formatados em itlico.
19. Apenas as referncias citadas ou mencionadas ao longo do texto devero ser
includas na bibliografia final. As referncias bibliogrficas devem obedecer s
seguintes orientaes:
a) Livro com um autor: LUHMANN, Niklas (1990), Essays on self-reference,
New York, Columbia University Press.
b) Livro com mais de um autor: BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas (2004),
A construo social da realidade: um livro sobre sociologia do conhecimento,
Lisboa, Dinalivro.
c) Livro com mais de quatro autores: RUHRBERG etal. (2010), Arte do Sculo
XX, London, Taschen.
d) Captulo em livro: GOFFMAN, Erving (1999), A ordem da interao, in
Yves Winkin (org.), Os momentos e seus homens, Lisboa, Relgio d gua, pp.
99-107.
e) Artigo em publicao peridica: FERNANDES, Antnio Teixeira (1991),
Formas e mecanismos de excluso social, Sociologia, Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, vol. I, pp. 9-66.
f) Artigo em publicao peridica online: FERNANDES, Antnio Teixeira
(1991), Formas e mecanismos de excluso social, Sociologia, Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, vol. I, pp. 9-66, [Consult. a
15.07.2014]. Disponvel em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo3031.
pdf>
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I S S N: 0872 - 3419