Coletanea Sob A Luz Do Sol v2509
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A poltica econmica do governo Dilma: a volta
do experimentalismo
Mrio Mesquita
A poltica econmica sob Dilma acabou sendo uma resultante de foras, com diveras agncias
atuando com diagnsticos distintos, e prioridades variadas, que em determinado momento
foram ganhando ou perdendo terreno no embate das ideias. Este diagnstico vale para
qualquer governo, mas tornou-se mais relevante na gesto Rousseff, cujas polticas tenderam
a ser mais cambiantes do que costumava ser o caso sob seus dois predecessores imediatos.
Nos ltimos anos pareceu prevalecer, assim como no segundo mandato do ex-Presidente Lula,
uma heterogeneidade de vises sobre o funcionamento da economia e o escopo e
possibilidades da poltica econmica. E, assim como no governo anterior, pode-se afirmar que
uma viso mais convencional e circunspecta sobre a poltica econmica se concentrou no
Banco Central (BC), ao passo que o Ministrio da Fazenda (MF) e outras partes do setor
pblico, como o BNDES, adotaram uma viso mais heterodoxa.
Mas a inovao sob Rousseff foi uma tendncia ao hiper-ativismo, em parte resultante do
contexto global, em parte de um certo estilo gerencial. Com isso, aspectos da poltica
macroeconmica foram sendo alterados com alta frequncia, como exemplificam as sucessivas
mudanas nas regras para fluxos de capitais estrangeiros, bem como no regime tributrio
aplicado a certos setores, sem que as autoridades tenham exibido muita preocupao sobre os
efeitos que tais mudanas poderiam ter sobre o grau de incerteza e o ambiente de negcios
prevalecente na economia.
Alm dessa tendncia ao ativismo excessivo, uma linha dominante da poltica econmica sob
Rousseff foi um certo ceticismo em relao ao mercado e a preferncia pela interveno
estatal, cujo exemplo maior, no mbito da macroeconomia, foi provavelmente o tratamento
dado taxa de cmbio.
A primeira fase do governo, de janeiro a julho de 2011, foi de continuidade, com mudanas
limitadas em relao s polticas praticadas em anos anteriores. Tais mudanas concentraram-
se na rea de poltica monetria e cambial, e foram parciais. O BC, visando promover a
convergncia da inflao (que terminara 2010 em 5,9%) para a meta, retomou em janeiro de
2011 o processo de aperto monetrio que havia interrompido em meados do ano anterior,
quando das primeiras manifestaes da crise europeia, com uma elevao da taxa bsica de
juros (Selic) para 11,25% aa.
1
Esse trabalho voltado para as polticas fiscal, monetria e cambial. Polticas setoriais sero objeto de outros
captulos.
3
conteno da demanda agregada por intermdio do canal de crdito.2 O texto refere-se ao
conjunto de medidas prudenciais anunciadas no incio de dezembro de 2010, que visava conter
a expanso do crdito, para mitigar riscos sistmicos, mas cujos efeitos macroeconmicos
contracionistas ainda seriam sentidos. Ao longo do primeiro semestre de 2011 novas medidas
restritivas foram adotadas: aumento da alquota do imposto sobre operaes financeiras (IOF)
sobre o crdito ao consumidor e regras mais rgidas para o parcelamento de faturas de cartes
de crdito.
A poltica fiscal foi ajustada, e, depois de ter sido francamente pr-cclica em 2010, ano de
eleies gerais, voltou a uma postura contracionista a julgar pelo impulso demanda
agregada, o programa fiscal de 2011 foi o mais austero desde 2003.3
A partir de agosto de 2011, teve incio aquilo que alguns comentaristas econmicos e polticos
descreveriam como a virada do governo Dilma, com uma abrupta reverso de curso da
poltica monetria, que passou a ser relaxada, com o amparo inicial de uma poltica fiscal ainda
restritiva.4 A inflexo da poltica monetria foi uma das decises mais controversas tomadas
pelo Copom desde sua criao, tanto pelo carter indito (a primeira mudana de direo entre
duas reunies consecutivas), quanto pelas condies iniciais (inflao corrente e esperada
bem distantes do centro da meta).
2
Notas da reunio do Copom de janeiro de 2011, pargrafo 26.
3
O supervit estrutural ajustado para receitas extraordinrias e o ciclo, o impulso fiscal a diferena entre o
supervit estrutural de um ano e o anterior.
4
A Selic havia sido elevada em 1,75p.p. para 12,5%a.a., e na reunio de agosto do mesmo ano, o ciclo foi
interrompido com a taxa sendo reduzida em 0.5p.p..
5
Considere-se, por exemplo, trecho do discurso presidencial de sete de setembro de 2012: mbro de 2012:
fundamentos da nossa polscurso presidencial de sete de setembro de 2012: mbro de 2012:dana estrutural que tem,
como sustentao, uma taxa de juros baixa, o cmbio competitivo e a reduo da carga tributria. Estamos
conseguindo, por exemplo, uma marcha indita de reduo constante e vigorosa nos juros, que fez a Selic baixar para
cerca de 2% ao ano, em termos reais. E fez a taxa de juros de longo prazo cair para menos de 1% ao ano, tambm em
termos reais.
4
tenha aumentado o tradicional questionamento da misso da autoridade monetria, que resulta
de um contexto institucional inadequado - falta de autonomia legal do BC.
A inflexo de poltica implementada pelo Copom na reunio de agosto de 2011 foi baseada na
viso de que a lenta e frgil recuperao das economias maduras teria impacto contracionista
importante sobre a economia brasileira, o que iria por si s aumentar o hiato de produto e,
assim, contribuir para promover a convergncia da inflao para a meta. Especificamente,
segundo o comunicado da reunio: Reavaliando o cenrio internacional, o Copom considera
que houve substancial deteriorao, consubstanciada, por exemplo, em redues
generalizadas e de grande magnitude nas projees de crescimento para os principais blocos
econmicos (...) O Comit entende que a complexidade que cerca o ambiente internacional
contribuir para intensificar e acelerar o processo em curso de moderao da atividade
domstica, que j se manifesta, por exemplo, no recuo das projees para o crescimento da
economia brasileira (...) Nesse contexto, o Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os
efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, um ajuste moderado no nvel da taxa
bsica consistente com o cenrio de convergncia da inflao para a meta em 2012.6
Vale notar que o resultado do experimento de 2011 contrasta com o do ciclo de flexibilizao
de 2009, este sim consistente com a convergncia da inflao para a meta. Considerando-se
as condies iniciais, essa diferena de resultados no surpreendente. Para comear, havia
bem menos ociosidade na economia em 2011: a taxa de desemprego com ajuste sazonal
encontrava-se em 6,0% em agosto de 2011, ante 8,5% em janeiro de 2009, ao passo em que a
taxa de utilizao da capacidade, tambm ajustada para fatores sazonais, atingia 83,6%, ante
78,4% em 2009. Por sua vez, as expectativas de inflao 12 meses frente encontravam-se
em 4.7% em janeiro de 2009 e 5,5% em 2011. Com essas condies iniciais, o ciclo que teve
incio em agosto de 2011 s poderia ter sido consistente com a desinflao continuada da
economia caso, os outros fatores permanecendo constantes, o choque externo fosse mais
intenso do que se seguiu quebra da Lehman Brothers, e no apenas uma frao do mesmo,
como parecia acreditar o BC.
Mesmo assim, a necessidade de se ajustar a Selic, revertendo o ciclo anterior, foi se tornando
mais clara ao longo do segundo semestre de 2012. O prprio Banco Central comeou a alertar
para tal situao no comunicado da reunio de janeiro de 2013, reforou a sinalizao na
reunio seguinte e finalmente comeou a elevar a Selic a partir de abril, em processo ainda no
concludo.
6
Comunicado da reunio do Copom de 31 de agosto de 2011.
5
Uma forma natural de se avaliar o resultado da poltica monetria, sob o regime de metas, a
capacidade de ancorar as expectativas de inflao. Sob esse critrio, fica claro um
enfraquecimento da ancoragem das expectativas a partir de 2011.7
Fonte: Banco Central do Brasil; Brasil Plural; * O gap a diferena entre inflao e meta.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que, a partir da correo de rumo encetada desde abril de
2013, a poltica monetria vem retornando s prticas mais usuais do regime de metas para a
inflao, com melhorias na comunicao e ganhos de credibilidade para o BC, a poltica fiscal
tornou-se mais expansiva (Tabela 1) e a poltica cambial, mais intervencionista.
De fato, aps um perodo (entre meados de 2011 e igual perodo de 2013) de intervenes
moderadas no mercado cambial e apesar do compromisso retrico com o regime de cmbio
flutuante o BC anunciou em agosto de 2013 um programa contnuo de oferta de hedge
cambial, por meio de intervenes dirias. O programa foi anunciado sob o efeito da tenso
detonada nos mercados pela perspectiva de reduo dos estmulos monetrios nos EUA (o
chamado tapering), e veio a ser estendido at (pelo menos) o final de junho de 2014.
Tanto a natureza (swaps em vez de swaps reversos, o que equivale a venda de dlares a
termo) quanto a frequncia da interveno sofreram alteraes no perodo mais recente, em
contraste com o perodo em que a nfase da atuao do BC era no aumento de seus ativos
externos. A posio comprada em moeda estrangeira do setor pblico, constituda at 2013,
7
Tabela 2. Note-se que considerando expectativas mdias, em vez daquelas para o final de perodo, resultados muito
semelhantes tabela so obtidos.
6
segue sendo expressiva, algo como $257 bi, mas no ilimitada, e caiu um pouco em relao
ao mximo de $265 bi, atingido em 2012.
Aps o incio da crise financeira global, um grande nmero de pases utilizou polticas
monetrias e fiscais frouxas, em reao ao choque recessivo, e o Brasil no foi exceo. Em
relao poltica fiscal, o resultado primrio como proporo do PIB caiu de uma mdia 3,4%,
de 2002 a 2008, para 2,4% nos anos posteriores crise; e projees consensuais indicam uma
deteriorao adicional em 2014 - de fato, nos ltimos doze meses findos em maro de 2014, o
supervit primrio foi de apenas 1,7%. Desta forma, o dficit nominal como proporo do PIB,
que chegou a alcanar 1,4% em outubro de 2008, reverteu sua trajetria declinante e fechou
2013 em 3,3%. Uma estimativa do supervit estrutural, que ajusta o resultado fiscal ao ciclo
econmico, confirma, com uma pausa em 2011, a trajetria expansionista das finanas
pblicas no perodo posterior crise.
O fato que nos ltimos anos o gasto pblico primrio entrou em trajetria de forte expanso,
saltando de 16% do PIB em 2008 para 19% em 2013. Note-se que, mesmo considerando os
subsdios do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), os investimentos do governo federal
ficaram praticamente estagnados nos ltimos trs anos, representando 1,3% do PIB. Para
agravar o problema dos gastos crescentes, o crescimento fraco e o ambicioso programa de
desoneraes tm minado a capacidade de arrecadao do governo. As desoneraes
totalizaram quase R$ 80 bi em 2013 e devem ultrapassar R$ 90 bi em 2014. Sendo assim, para
alcanar metas j reduzidas de supervit primrio, o governo optou por recorrer a receitas
atpicas, alm de operaes contbeis.
7
2. Interpretaes
Desde o mximo em 1999, quando chegou a 45% aa, a taxa Selic entrou em uma trajetria
geral de queda, e atingiu o patamar mnimo de 7,25% no terceiro trimestre de 2012. A despeito
da tendncia geral de queda, ocorreram ciclos de alta dos juros como quando da crise de
8
Dornbusch e Edwards (1991) apresentam o tratamento clssico do tema.
9
Barbosa e Souza (2010).
8
confiana deflagrada pela iminncia da eleio do ex-Presidente Lula em 2003, em 2004-2005,
2008, 2010-2011 e no momento atual.
Essa trajetria de logo prazo de reduo dos juros levou muitos a acreditar que o Brasil estaria
gradualmente se deslocando para um novo bom equilbrio em que seria possvel conviver
com juros menores sem que a inflao sasse do controle, e tinha inspirao, ao menos parcial,
em Blanchard (2004).
Blanchard (2004) props um modelo de equilbrio duplo para a economia brasileira em que,
quando na vizinhana do equilbrio bom, o aumento da taxa de juros real faz a dvida pblica
nacional mais atraente, e leva a uma apreciao do cmbio, favorecendo, atravs de
mecanismos clssicos, a queda da inflao. Se, no entanto, com o aumento da taxa de juros
real, tambm aumenta a probabilidade de default da dvida pblica, o efeito pode ser o de
tornar esta dvida menos atraente, e levar a uma depreciao real do cmbio, com efeitos
deletrios para o controle da inflao. Pastore (2014) testa esse modelo, sem encontrar apoio
emprico para o mesmo. Mas naturalmente, como salientado por Lara Resende (2011), a
possibilidade de que a prpria poltica de juros altos provoque a necessidade de juros altos, em
um movimento de retroalimentao, teve tradicionalmente grande apelo ideolgico esquerda.
Ocorre que a tese de equilbrios mltiplos no chegou a ser propriamente testada durante o
governo Dilma, o que ocorreu de fato foi que a queda da taxa de juros (2011-2012) conviveu
com a deteriorao das contas pblicas (na tica dos decrescentes supervits primrios e
crescentes dficits nominais), contribuindo para a situao desconfortvel em termos de
presses inflacionrias em que nos encontramos hoje.
Isso sugere que a interpretao do prprio conceito de equilbrios mltiplos adotada pelo
governo pode ter sido distinta da desenvolvida por Blanchard (2004). De fato, aparentemente a
crena dominante era que a economia estava em um equilbrio ruim com taxa de juros alta e
real apreciado por razes institucionais e ou de histerese, e que a migrao para um novo
equilbrio, com taxa de juros mais baixa, cmbio depreciado e taxa de inflao na meta,
ocorreria em funo de maior vontade poltica, desde que a nova configurao fosse mantida
por tempo suficiente, para que os agentes se acostumassem com os novos preos relativos - a
fraqueza da economia mundial e a contribuio desinflacionria do setor externo eram vistos
como fatores que comprariam tempo para essa transio.
9
3. Tpicos especiais
Durante o governo Dilma, piorou o trade-off entre inflao e desemprego: temos testemunhado
crescimento abaixo do que acreditvamos ser o potencial para a economia brasileira
convivendo com elevadas taxas de inflao.
Fonte: IBGE
A meta para inflao no Brasil, de 4,5% ao ano com banda de tolerncia de 2 pontos
percentuais para baixo ou para cima, elevada em comparao com outras economias na
regio que tambm adotam o sistema de metas. Por exemplo, no Chile, Mxico e Colmbia, a
meta de 3% com tolerncia de 1 ponto percentual. Ainda assim, o Brasil tem encontrado
dificuldade para fazer com que a inflao se localize prximo da meta. De fato, 2013 foi o
quarto ano seguido em que a inflao se encontrou acima da meta. Nesses quatro anos (2010-
2013), a inflao anual mdia se encontrou em 6,0%. As bandas em volta da meta da inflao
servem para que choques possam ser acomodados. O fato de a inflao se posicionar
sistematicamente acima da meta sinaliza que o governo poderia estar trabalhando com uma
meta informal superior oficial estudos economtricos sobre a funo de reao do banco
central apontam para uma meta implcita ligeiramente inferior a 6,5%.10
Com a meta de facto superior oficial, sobra pouca margem para que choques altistas no
levem ao rompimento do limite superior da banda de tolerncia. Para impedir que tais choques
levassem ao rompimento do limite superior da banda de tolerncia da meta de inflao, e
ajudar a consolidar o novo ambiente de taxas de juros menores, ao longo de 2013 o governo
lanou mo de uma srie de medidas para conter o avano dos preos tais medidas se
dividem em 2 grupos, com sobreposies: desoneraes tarifrias e controle artificial de preos
sobre os quais o poder pblico tem ingerncia (preos administrados).
10
Pastore (2014)
10
dificuldades atuais do setor de energia, bem como a persistncia dos patamares historicamente
muito baixos de desemprego, sugerem que estas ltimas iniciativas podem ter ocasionado
sinais de preos relativos contraproducentes.
- estimamos que, somadas, essas medidas podaram cerca de 1,7 ponto percentual do IPCA
acumulado em 12 meses, o que levaria a inflao quase 8%.
A experincia brasileira e internacional ensina que represamento de preos pode ter efeitos de
curto prazo, mas tem custos significativos a mdio prazo. No caso brasileiro, essas polticas
tm afetado fortemente as finanas da Petrobras, criado uma espcie de peso problem para a
formao de expectativas de inflao, dificultando a convergncia para a meta, alm de
apresentar custos fiscais para as diferentes esferas de governo o subsdio ao consumo de
energia eltrica, por exemplo, custou R$9,8 bilhes em 2013 e deve custar pelo menos R$21
bilhes esse ano, ou seja, cerca de 84% do gasto programado com o programa Bolsa Famlia.
Alm da forte inflexo da poltica fiscal convencional, observou-se nos ltimos anos uma
importante expanso da poltica parafiscal, por meio do crdito dos bancos pblicos. Em 2007,
os bancos pblicos eram responsveis por 34% do crdito no pas; este percentual foi
crescendo at superar o market share dos bancos privados no ano passado. Tal expanso s
foi possvel graas a forte capitalizao realizada nos ltimos os emprstimos para bancos
pblicos aumentaram de 0,4% do PIB em 2007 para 9,7% do PIB no final de 2013. O BNDES
responde pela maior parte desses emprstimos (88%), totalizando R$ 413 bi.
11
Grfico 4: Participao dos bancos pblicos e privados no total de emprstimos
Alm dos problemas citados cima, a mais sria consequncia das polticas adotadas no ps-
crise foi a eroso da credibilidade institucional. Desde 2009, so permitidos abatimentos na
meta de supervit primrio para investimentos do Programa de Acelerao do Crescimento; em
2013 e 2014, as desoneraes tributrias tambm foram deduzidas da meta oficial. Alm disso,
o governo aprovou uma medida que desobriga a Unio de compensar a frustrao dos
governos regionais. Sendo assim, criou-se uma meta de supervit primrio de difcil
interpretao e pouco restritiva. Em 2013, por exemplo, a meta inicial, de acordo com a PLDO,
era de 3,1% do PIB e o resultado final foi de apenas 1,9%. Para 2014 a meta de 1,9% do
PIB, mas o consenso entre os economistas consultados pelo BC encontra-se em 1,5%.
Manobras contbeis, isto , operaes financeiras entre entes pblicos com objetivo aparente
de gerar receitas primrias, vm sendo feitas desde 2009, quando a Unio vendeu ao BNDES
o direito que o governo tinha de receber dividendos da Eletrobrs e, desta forma, pde
aumentar a receita primria em R$ 3,5 bi. Outra manobra contbil utilizando bancos pblicos foi
feita em 2010 na capitalizao da Petrobrs, quando o Tesouro e o BNDES participaram do
aumento de capital da estatal, que teve de pagar R$ 74,8 bi (valor da venda de 5 bilhes de
barris de petrleo a Petrobrs). Como o Tesouro utilizou apenas R$ 42,9 bi para participar do
aumento de capital, os R$ 31,9 bi restantes foram contabilizados como receita extraordinria,
contribuindo para o resultado primrio do ano. J em 2012, uma triangulao envolvendo o
Fundo Soberano, o BNDES e a Caixa Econmica Federal renderam R$ 15,8 bi aos cofres
pblicos. A principal operao, no valor de R$ 8,8 bi, envolveu a compra de aes da Petrobrs
que estavam no Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilizao (onde estavam aplicados os
recursos do Fundo Soberano) pelo BNDES, paga com ttulos pblicos que foram monetizados
pelo Tesouro.BNDES e Caixa tambm anteciparam dividendos Unio no valor de R$ 7,0 bi.
Em 2013, o governo aprovou uma medida provisria que permitiria o mesmo tipo de operao
em relao a recebveis da usina de Itaipu o montante seria utilizado para subsidiar a
reduo na energia eltrica. Com a repercusso negativa no mercado, a operao foi
cancelada e o governo decidiu bancar a Conta de Desenvolvimento Energtico com despesas
primrias.
Tambm no menu das operaes contbeis, devemos citar a postergao de despesas atravs
da conta restos a pagar. De 2013 para 2014, os restos a pagar alcanaram um montante
recorde de R$ 218 bi. A suspeita foi corroborada com os dados de janeiro de 2014, que
mostraram uma acelerao forte tanto nas transferncias para Estados e Municpios como nas
despesas totais. Em suma, alm da deteriorao observada nas polticas fiscal e parafiscal, as
medidas acima contriburam para a perda de credibilidade nos resultados e metas divulgados.
4. Bibliografia e referncias
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So Paulo: Fundao Perseu Abramo e Editora Boitempo, Outubro de 2010.
Blanchard, O.J. (2004), "Fiscal Dominance and Inflation Targeting: Lessons from Brazil," NBER Working
Paper no. 10389, maro de 2004.
Dornbusch, R. e Sebastian Edwards (1991), "Macroeconomic Populism in Latin America," NBER Working
Paper no. 2986, maro de 1991.
Lisboa, M.B. (1998), "A Misria da Crtica Heterodoxa Primeira Parte: Sobre as Crticas," Textos para
Discusso 324, FGV/EPGE Escola Brasileira de Economia e Finanas.
Missio, F. & Jos Luis Oreiro & Frederico G. Jayme Jr (2010), "Cmbio, crescimento e heterogeneidade
produtiva num modelo keynesiano-estruturalista," Textos para Discusso Cedeplar-UFMG td413,
Cedeplar, Universidade Federal de Minas Gerais.
Oreiro, J.L. (2006), "Economia Ps-keynesiana: origem, programa de pesquisa, questes resolvidas e
desenvolvimentos futuros," Anais do XXXVI Encontro Nacional de Economia [Proceedings of the 36th
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Psgraduao em Economia [Brazilian Association of Graduate Programs in Economics].
http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20413.pdf
http://www.ie.ufrj.br/moeda/pdfs/acumulacao_de_capital_equilibrios_multiplos.pdf
http://joseluisoreiro.com.br/site/link/77a9e640cee1a8e9af7693ef5ec7d7166a1a3282.pdf
http://cemacro.fgv.br/sites/cemacro.fgv.br/files/Jos%20Luis%20Oreiro.pdf
Crtica ortodoxa:
http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/rec/REC%201/REC_1.2_01_A_miseria_da_critica_heter
odoxa_primeira_parte_sobre_as_criticas.pdf
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Dornbusch, R. e Sebastian Edwards, Macroeconomic Populism in Latin America, NBER Working Paper
no. 2986, maro de 1991.
14
Desacelerao recente da economia
Fernando de Holanda Barbosa Filho e Samuel Pessoa
A economia brasileira uma economia de baixo crescimento. Tem sido assim desde os anos
80. Por alguns anos durante o governo Lula pareceu que a sociedade tinha encontrado o
caminho para um crescimento mais robusto. A forte desacelerao da economia no ltimo
trinio sugere que voltamos ao ritmo de crescimento baixo na casa de 2% ao ano que tem nos
mantido na armadilha da renda mdia desde a dcada de 80.
Este artigo tem dois objetivos. Primeiro caracterizar pala tica da oferta a natureza do processo
de crescimento da economia brasileira desde 1982 e a natureza da desacelerao recente da
economia. Segundo, discutir em que medida a desacelerao da economia pode ser atribuda
alterao do regime de poltica econmica que houve a partir de 2009 e de forma mais
intensa a partir de 2011.
Para tal argumenta-se que o padro das polticas pbicas adotadas nos ltimos anos
resultante de duas foras independentes. A primeira, estrutural, o padro de escolha social
da populao. O equilbrio poltico em nossa sociedade requer crescimento contnuo do gasto
pblico a taxas superiores taxa de crescimento do produto. O aumento do gasto ocorre em
transferncias pblicas a indivduos nas diversas rubricas do gasto social e dos seguros sociais
em geral. Em certa medida o processo de escolha social em parte responsvel pelo equilbrio
de baixo crescimento.
A segunda fora determinante do padro de poltica pblica adotado nos ltimos anos a forte
alterao que houve nas polticas macroeconmicas e microeconmicas. Parte da
desacelerao recente pode ser atribuda alterao do regime de poltica econmica adotado
a partir de 2009. A alterao no ocorreu em funo de haver na sociedade forte apoio por este
curso de poltica econmica. As polticas foram adotadas por que os policy makers do
momento acreditam que estas so as polticas mais adequadas para acelerar o crescimento.
Podem, portanto, serem revertidas.
O trabalho est organizado em trs sees alm desta rpida introduo. Na prxima seo
apresentam-se os fatos estilizados com relao ao crescimento da economia brasileira desde
1982 at 2013. A terceira seo elabora a alterao que houve no regime de poltica
econmica a partir de 2009 enquanto que a quarta seo apresenta o argumento que associa a
economia poltica com o baixo crescimento. Segue a concluso.
A partir do cruzamento da PME com a PNAD possvel construir uma srie mensal de horas
trabalhadas para a economia brasileira. A PNAD apresenta uma fotografia anual para o
mercado de trabalho referente ao ms de setembro em todo o territrio nacional. A PME
reporta dados mensais para as principais regies metropolitanas do pas. Como ambas as
15
pesquisas so conduzidas para o ms de setembro e dado que possvel restringir a PNAD s
regies metropolitanas da PME possvel, com algumas hipteses, construir uma srie mensal
de horas trabalhadas no Brasil. Utiliza-se a PME para obter-se o comportamento cclico intra-
anual do emprego do trabalho e a PNAD para obter as variaes interanuais a partir dos meses
de setembro de dois anos consecutivos.11
Capital em
PIB PTF Horas
uso
11
Para o ano de 2013 ainda no temos disponvel a PNAD. Consideramos que a taxa de crescimento da PO em 2013
foi de 1,2% em relao a 2012, mesma taxa de crescimento de 2012 ante 2011. Os dados da PNAD contnua sugerem
que esta suposio est correta. As taxas de crescimento internanuais de 2013 foram 1,6%, 1,1%, 1,2% e 1,7%
respectivamente para os 1, 2, 3 e 4 trimestres,
16
Tabela 2: Decomposio da taxa de crescimento da produtividade total dos fatores (PTF)
Produtividade Produtividade
PTF
do Trabalho do Capital
A taxa de crescimento da PTF nos oito anos de FHC e no trinio de Dilma cresceu em ritmo
muito fraco de 0,2% ao ano para FHC e 0% ao ano para Dilma. No entanto h uma diferena
entre os dois subperodos. Nos oito anos de FHC tanto a produtividade do trabalho quanto a
produtividade do capital tiveram desempenho medocre. Nos trs anos de Dilma a
produtividade do trabalho cresceu 1,4% ao ano, contribuindo com 0,8 ponto percentual para o
crescimento da PTF, enquanto que a produtividade do capital despencou taxa de -1,6% ao
ano, contribuindo com -0,7 ponto percentual para o crescimento da PTF. Ver a decomposio
de crescimento da PTF na tabela 2.
Produtividade
PIB PO Jornada
do Trabalho
Como vimos a acelerao de crescimento do perodo FHC para o perodo Lula foi um
fenmeno de produtividade. Mais acentuado na produtividade do trabalho, cuja taxa de
crescimento elevou-se de 0,4% ao ano para 2,1% do que na produtividade do capital, cuja taxa
de crescimento elevou-se de 0% ao ano para 0,9%.
Produtividade
PIB Capital Utilizao
do Capital
Finalmente a queda recente da taxa de crescimento das horas trabalhadas foi fruto de queda
da taxa de crescimento da PO e da jornada. Ou seja, o trinio Dilma assistiu a uma queda
profunda da produtividade do capital e da taxa de crescimento do emprego do fator de
produo trabalho. Sendo que a reduo da taxa de crescimento do emprego do fator de
produo trabalho ocorreu em ambas as margens, a extensiva e a intensiva. A tabela 5 detalha
a evoluo do emprego do fator trabalho e sua decomposio ao longo dos diversos perodos
entre margem extensiva, a taxa de crescimento da populao ocupada, e intensiva, a taxa de
crescimento do jornada de trabalho. Pouco mais de 94% da fortssima queda de 1,2 pontos
percentuais na taxa de crescimento das horas trabalhadas que houve entre a octaetride de
Lula e o trinio de Dilma deveu-se menor velocidade de crescimento da populao ocupada.
Horas PO Jornada
A tabela 6 documenta que nos anos FHC e Lula houve relativa desacelerao da taxa de
crescimento do estoque de capital, que cresceu a taxas pouco menores de 2,5% ao ano,
enquanto que no trinio de Dilma a taxa de crescimento do estoque de capital foi de 3,8% ao
ano a maior nos quatro subperodos. Em que pese as conhecidas carncias de capital fsico o
estoque de capital no foi o gargalo que explica a piora de desempenho da economia
brasileira. Com vimos o problema esteve com a produtividade do capital. Uma possvel
conjectura que o enorme intervencionismo do setor pblico que se iniciou de forma mais
pesada em 2009 tenha reduzido muito a produtividade incremental do capital em funo,
provavelmente de m alocao do recurso.
18
Tabela 6: Decomposio da taxa de crescimento do capital em uso
Capital em
Capital Utilizao
uso
Finalmente, como destacado na ltima coluna da tabela 7, houve no ltimo trinio ainda
pequena queda da taxa de desemprego, de sorte que a elevao da taxa de crescimento da
taxa de emprego contribuiu para que a taxa de crescimento da PO fosse maior no ltimo
trinio.
As pessoas que defendem o regime de poltica econmica adotado a partir de 2009 alegam
que a desacelerao do crescimento da economia brasileira deve-se essencialmente crise
internacional. A perspectiva comparada permite que olhemos a experincia brasileira luz da
experincia de economias com as quais compartilhamos uma histria comum.
A tabela 8 apresenta a taxa de crescimento do produto real das economias com mais de 1
milho de habitantes da AL e Caribe para os mesmos subperodos considerados nas
decomposies de crescimento. Adicionalmente nas primeiras duas linhas da tabela
reportamos respectivamente a taxa de crescimento da economia mundial e a taxa de
crescimento do grupo Amrica Latina e Caribe.
20
Tabela 8: Crescimento mdio do produto real das economias da Amrica Latina e Caribe (com
exceo das economias com menos de 1 milho de habitantes). A quinta coluna apresenta a diferenas
(em pontos de percentagem x100) das taxas de crescimento entre os dois ltimos subperodos para um
mesmo pas. A sexta coluna apresenta a diferena das diferenas para cada economia com base na
desacelerao mdia do grupo formado pelos pases da Amrica Latina e Caribe, segunda linha da
tabela.
Taxas mdias de crescimento para o perodo DIF DIF-DIF Tamanho
1982-1994 1995-2002 2003-2010 2011-2014 D(Dilma-Lula) relativo da
desacelera-
% % % % pontos pontos o*
Economia mundial 3,4 3,4 3,9 3,4 -54
Amrica Latina 2,5 2,2 4,1 3,5 -66
Argentina 2,4 -0,8 7,6 5,0 -262 -196 X
Bolvia 1,7 3,3 4,3 5,7 143 209
Brasil 2,5 2,3 4,0 2,0 -201 -135
Chile 5,9 4,6 4,4 5,1 73 139
Colmbia 4,0 1,7 4,6 5,0 46 112
Costa Rica 4,9 4,1 5,0 4,4 -57 9
Repblica Dominicana 3,2 5,9 5,7 4,2 -152 -86
Equador 2,6 2,0 4,1 5,7 158 224
El Salvador 3,2 3,2 1,8 1,9 6 73
Guatemala 2,2 3,6 3,4 3,6 17 83
Haiti -1,7 2,6 0,3 4,2 394 460
Honduras 3,1 3,2 4,4 3,4 -93 -27
Jamaica 2,6 0,4 0,5 0,5 -7 59
Mxico 2,2 2,3 2,3 3,0 68 134
Nicargua -1,1 4,3 3,3 4,9 163 229
Panam 2,1 4,0 7,6 9,9 229 295
Paraguai 3,1 1,0 4,4 5,2 77 143
Peru 0,3 3,3 6,5 6,1 -40 26
Trinidade e Tobago -2,4 6,8 5,6 0,1 -548 -482 X
Uruguai 3,1 -0,3 5,3 4,9 -44 22
Venezuela 1,4 0,2 4,7 3,6 -112 -46
DIF c/ mundo (pontos) -91 -111 9 -137
DIF c/ AL (pontos) -5 12 -9 -144
*X se a perda de desempenho relativamente mdia da amrica latina foi maior do que a brasileira.
21
do que a nossa. Ser que h alguma caracterstica especfica de nossa economia que
justifique impacto muito mais intenso da desacelerao mundial sobre o Brasil do que sobre os
demais pases da AL?
Tabela 9: Grau de abertura das economias latino americanas. Primeira coluna: soma da exportao
com importao como proporo do PIB. Segunda coluna: resduo de uma regresso do grau de abertura
dada pela coluna anterior em diversas variveis que explicam-no. Terceira coluna: indicador de Edmar
Bacha: diferena entre o ranque da participao do pas no comrcio internacional e sua participao no
PIB mundial. Dados referentes a 2011.
(X+M)/Y (X+M)/Y com controles Indicador de Bacha
Argentina ARG 0,41 -0,41 -14
Bolvia BOL 0,83 0,02 19
Brasil BRA 0,25 -0,52 -14
Chile CHL 0,72 -0,12 1
Colmbia COL 0,39 -0,36 -20
Costa Rica CRI 0,79 -0,41 16
Repblica Dominicana DOM 0,60 -0,58 3
Equador ECU 0,66 -0,23 0
El Salvador SLV 0,75 -0,63 7
Guatemala GTM 0,65 -0,31 4
Haiti HTI 0,69 -0,38 21
Honduras HND 1,16 0,24 24
Jamaica JAM 0,85 - -
Mxico MEX 0,64 0,02 -3
Nicargua NIC 0,98 0,10 23
Panam PAN 1,41 0,28 23
Paraguai PRY 0,97 0,14 23
Peru PER 0,53 -0,27 -8
Trinidade e Tobago TTO 0,92 - -
Uruguai URY 0,55 -0,44 4
Venezuela VEN 0,50 -0,30 -8
A tabela 9 apresenta diversas medidas de grau de abertura das economias latino americanas.
Na primeira coluna encontra-se a medida padro de grau de abertura dada pela corrente total
de comrcio em valor como proporo do produto. Somos de longe a economia mais fechada
da regio. A corrente de comrcio brasileira da ordem de 25% do PIB. O segundo pas mais
fechado, Colmbia, exporta e importa 39% do PIB.
A terceira coluna apresenta o indicador sugerido por Edmar Bacha: diferena entre o ranque da
participao do pas no comrcio internacional e o ranque de sua participao no PIB mundial.
Por este critrio somente a Colmbia na Amrica Latina e Caribe, mais fechada do que o
Brasil.
Por qualquer critrio a economia brasileira bem mais fechada do que a media da regio e,
portanto, no deveria ter sentido tanto a desacelerao da economia mundial. Todos estes
fatos sugerem que a forte desacelerao deve ter tido motivao majoritariamente domstica.
22
A desacelerao foi externa? Perda de termos de troca. Outro argumento comum que os
termos de troca de Dilma teriam sido inferiores aos observados no perodo Lula. A crise
internacional teria impacto importante reduzindo nossos termos de troca e, portanto,
comprometendo nossa capacidade de importar.
A figura 1 apresenta a evoluo dos termos de troca (TT) para o Brasil desde janeiro de 1995
at maro de 2014. Em que pese a queda recente os valores dos termos de troca ainda se
encontram maiores do que os observados desde 1995.
Concluso. A piora de desempenho entre os oitos anos de Lula e o trinio de Dilma deveu-se
queda da taxa de crescimento da produtividade total dos fatores, bem maior na produtividade
do capital do que do trabalho, e na queda da taxa de crescimento das horas trabalhadas, bem
maior na margem extensiva do que intensiva.
A reduo do crescimento de nossa economia foi pouco mais de trs vezes a reduo do
crescimento da economia mundial e pouco menos de trs vezes da reduo do crescimento
das economias da Amrica latina e Caribe (que inclui o Brasil). Ou seja, nossa piora de
desempenho um fenmeno localizado em nossa economia. Na regio somente Argentina,
Repblica Dominicana e Trindade e Tobago apresentaram quedas de desempenho mais
acentuadas.
Por outro lado, o fato de sermos uma das economias mais fechadas da regio e de os termos
de troca apresentar valores mais elevados do que os observados nos governos anteriores,
sugere que a causa da desacelerao mais interna do que externa.
Dado que este foi um perodo no qual a taxa de crescimento dos salrios reais esteve sempre
positiva e em nveis elevados e acima da taxa de crescimento da produtividade, a reduo da
23
gerao de renda deve ter ocorrido nos lucros. A queda dos lucros deve explicar, por outro
lado, a reduo na taxa de poupana e, portanto, a piora do dficit externo. Todas estas
questes sero mais bem compreendidas quando no final de 2014 ou incio de 2015 tivermos a
divulgao das novas contas nacionais anuais com a abertura da gerao de renda pelos
setores institucionais. De qualquer forma a interpretao de queda da gerao de lucros
compatvel com a fortssima queda que obtivemos da produtividade do capital.
O ano de 2009 marca forte inflexo na poltica econmica do governo Lula. Aps o perodo
Palocci, de forte continuidade com a poltica econmica do governo anterior, o ministro Guido
Mantega enxergou na sada da crise de setembro de 2008 a oportunidade de implantar um
novo regime de poltica econmica.
No papel do Estado estabelecer quais setores devem ser priorizados e quais no devem.
Muito menos papel do Estado interferir no processo de formao dos preos da economia
que devem ser determinados pelo mercado.
Finalmente papel do Estado prover os seguros bsicos. No Brasil, em funo da escolha que
a sociedade fez em 1988, papel do Estado construir e gerir uma extensa rede de proteo
social, que abarca a oferta universal e integral de sade, a universalizao da educao bsica
(fundamental e secundria), previdncia, e diversos seguros contra riscos naturais em
economias de mercado. O seguro desemprego, o programa bolsa famlia, que um seguro
extrema pobreza, auxlio doena e aposentadoria por invalidez, o abono salarial e os benefcios
da lei orgnica da assistncia social (LOAS), entre outros.
A lista do pargrafo acima documenta de forma cristalina que a alterao do regime de poltica
econmica que houve em 2009 restringiu-se interface do Estado com a atividade econmica.
Com relao rea social h grande continuidade. As diferenas que h devem-se ao
processo natural de construo dos seguros e ao amadurecimento da sociedade e do Estado
impossvel implantar o programa bolsa famlia sem a construo de um cadastro abrangente
24
e, principalmente, melhoria da situao oramentria do Estado, consequencia do longo
processo de construo institucional e ajuste macroeconmico que houve a partir dos anos 90.
Ou seja, a virada na poltica econmica em 2009 no se refere poltica social. Nesta, como
argumentamos acima, houve continuidade. O grupo que passou a liderar a formulao da
poltica econmica e regulatria a partir de 2009, no qual Dilma Roussef exercia papel de
liderana, entende que o processo de desenvolvimento econmico tem que ser liderado e
direcionado pelo Estado. Em funo deste entendimento as seguintes alteraes na poltica
econmica foram implantadas:
4. Controle de preos para tentar conter a inflao. Isso visvel, por exemplo, nos
combustveis e na poltica de desonerao tributria, alm das tarifas de eletricidade;
5. Adotar teorias heterodoxas com relao ao processo de formao dos juros reais na
economia brasileira (equilbrio mltiplo e/ou que o impacto do juro sobre a atividade
depende da variao deste e no do nvel) e, em funo deste entendimento, baixar
na marra a taxa bsica de juros;
10. Uso dos bancos pblicos de forma muito arriscada com vistas a baixar na marra o
spread bancrio;
Evidentemente, alm da ideologia grupos da sociedade pressionaram para que este pacote, ou
itens dele, fossem adotados. A economia poltica tambm justifica a alterao de rumo. No
entanto, entendemos que o principal motor na virada da poltica econmica em 2009 foi a
particular interpretao que este grupo tem do processo de desenvolvimento econmico.
Para ilustrar o leitor, til exemplificar com o caso coreano. A Coria em 1960 apresentava
renda inferior brasileira. Hoje apresenta uma renda per capita trs vezes a nossa. Distintas
vises de mundo produziro distintas narrativas sobre os fatores determinantes do sucesso
coreano. A interpretao liberal, no sentido europeu do termo, enfatizar a qualidade do
sistema educacional, os estmulos para as elevadas taxas de poupana, uma poltica de forte
estmulo exportao, alm da Coria sempre ter tido uma poltica macroeconmica
25
responsvel. Segundo esta leitura o crescimento elevado conseqncia natural destas
caractersticas.
No entanto, como a primeira seo mostrou, houve aparentemente forte queda da renda do
capital no trinio da Dilma. O mais interessante que apesar da queda da renda do capital a
taxa de investimento no se reduziu. O confronto do fato estilizado na primeira seo de forte
queda da produtividade do capital com a lista do pacote de poltica econmica compatvel
com a leitura de queda da eficincia alocativa do capital. Por outro lado, a queda da eficincia
alocativa do capital e a queda da rentabilidade do capital sem que a taxa de investimento
apresente queda substantiva, consistente com a poltica deliberada de subsidiar
pesadamente o investimento.
Como acreditamos que o pacote de poltica econmica adotado em 2009 no foi fruto de uma
forte constituency da sociedade pensamos que ele ser questionado no processo eleitoral de
26
2014. H claros sinais de esgotamento. A inflao elevou-se e o crescimento reduziu-se. No
mais possvel continuar a reduzir os juros na marra, no d para continuar a controlar o preo
da gasolina e a tarifa de energia eltrica, h sinais iniciais de que o processo de forar os
bancos pblicos a baixarem na marra os spreads bancrios tem gerado aumento de
inadimplncia, no possvel aceitar nveis mais elevados de inflao, no possvel reduzir o
supervit primrio ainda mais, no possvel piorar ainda mais o dficit de transaes
correntes, a enorme expanso da dvida bruta no permite a continuidade da expanso do
balano do BNDES, etc. Para qualquer direo que se olhe um limite foi ou est muito prximo
de ser atingido.
O mesmo, aparentemente no ocorrer ainda em 2014 com o contrato social mais amplo
vigente desde a redemocratizao. A prxima seo elabora este tema.
A tabela 10 construda pelo economista do Ipea de Braslia, Mansueto Almeida Jr., fornece um
filme vvido da evoluo de nosso contrato social desde 1999. A coluna da direita documenta
que desde 1999 at 2013 o gasto no financeiro da Unio elevou-se em 4,5 pontos percentuais
do PIB. Esta elevao ocorreu em um momento que o PIB real cresceu 54%. A penltima linha
da tabela apresenta a variao em pontos percentuais (p.p.) do PIB de cada rubrica e a ltima
linha apresenta o peso de cada rubrica na variao total de 4,5 p.p. do PIB no perodo
considerado de 15 anos.
27
Tabela 10: Evoluo do gasto pblico no financeiro da Unio excluindo transferncia para
Estados e Municpios (% do PIB).
CUSTEIO CUSTEIO SAUDE CUSTEIO GASTOS INVEST. sem
PESSOAL INSS SUBSDIOS TOTAL
ADMINISTRATIVO E EDUC. SOCIAIS MCMV
Fonte: Mansueto Almeida Jr. A partir dos dados primrios da Secretaria do Tesouro Nacional.
A moral da histria que a maior fora que pressionou a elevao do gasto da Unio nos
ltimos quinze anos foram os critrios de elegibilidade aposentadoria, aos benefcios de risco
tais como penso por morte, e por invalidez, seguro desemprego e auxlio doena, e
programas de transferncia de renda como os benefcios da LOAS, RMV, abono salarial, e o
programa bolsa famlia. Desempenha papel central na elevao do gasto com todos estes
programas, alm dos critrios de elegibilidade, a poltica de valorizao do salrio mnimo, que
indexa a maior parte dos benefcios.
28
houvesse uma reviso mais profunda do contrato social seria necessrio que o processo
eleitoral tratasse deste tema de forma aberta e objetiva. No nos parece que este ser o caso.
No entanto h uma ressalva importante s afirmaes dos ltimos dois pargrafos. H uma
rubrica que tem crescido muito no atual governo que no parece estar associado ao contrato
social da redemocratizao. A rubrica subsdios cresceu entre 2010 e 2013 0,6 p.p..
Ou seja, se verdade que h grande espao para melhora fiscal simplesmente revertendo as
aes referentes ao ensaio nacional desenvolvimentista (ver a longa lista de medidas na
segunda seo), o desequilbrio estrutural do contrato social est e estar conosco pelos
prximos anos.
Nossa impresso que a sociedade no est madura ainda para discutir com profundidade
ajustes no contrato social. por este motivo que cremos que a sada ser por novas rodadas
de elevao da carga tributria. A campanha eleitoral ser centrada nas medidas do ensaio
nacional desenvolvimentista. Elas sero em parte revertidas com a reeleio de Dilma e
fortemente revertidas se houver transio poltica.
Dado que caminhamos para elevao de carga tributria quais sero as bases tributrias
empregadas? Creio que h quatro bases tributrias que podem ser exploradas. Imposto sobre
herana, imposto sobre exportao de bens primrios, reedio da CPMF e tentar novamente
elevar a carga tributria sobre a PJ uniprofissional. Em 2004 o ministro Palocci editou a MP 232
que acabou no prosperando no Congresso Nacional.
Nossa anlise no otimista com relao s perspectivas de crescimento nos prximos anos.
Se por um lado a reverso das medidas referentes ao ensaio nacional desenvolvimentista
aumentaro a eficincia da economia, novas rodadas de crescimento da carga tributria em
uma economia emergente lder de carga tributria elevada reduzir o estmulo acumulao
de capital em geral. Reformas mais profundas do contrato social requerero um desejo muito
forte por parte da sociedade em acelerar o crescimento. Este no tem sido o caso nas ltimas
dcadas. A agenda da sociedade tem sido a equidade e no o crescimento.
possvel que ao longo do tempo se forme uma constituency mais favorvel ao crescimento.
Penso que os filhos da nova classe C tero este perfil. No entanto me parece que esta escolha
ficar para 2018 e no para 2014.
29
Concluso
O artigo argumenta que a forte elevao da carga tributria e do gasto pblico que houve nos
ltimos anos deve-se a um contrato social que prioriza a queda da desigualdade em vez do
crescimento econmico. A maior evidncia emprica que a elevao do gasto pblico uma
constante no perodo em seguida estabilizao da economia e, adicionalmente, que o gasto
pblico elevou-se nas rubricas que envolvem transferncia de recursos a indivduos. Ou seja,
construmos em seguida redemocratizao um estado transferidor de recursos entre
indivduos.
Introduziu-se a partir de 2009 uma nova agenda que, segundo nosso entender, no tem
suporte na sociedade, mas foi adotada em funo da particular leitura do processo de
desenvolvimento econmico do grupo de pessoas prximas formulao da poltica
econmica. Esta agenda aumentou muito o papel do Estado na regulao da natureza do
processo de desenvolvimento econmico.
Neste trabalho defendemos o ponto de vista de que a forte piora no desempenho da economia
brasileira no trinio da Dilma deve-se aos impactos da piora no marco institucional sobre a taxa
de crescimento da produtividade total dos fatores. Com documentamos na primeira parte do
trabalho a queda da taxa de crescimento do produto deveu-se, em grande medida, queda da
taxa de crescimento da PTF.
30
Aprimorando a poltica econmica
Daniel Luiz Gleizer
1. Introduo
Sabemos, tambm, que baixas taxas de inflao geram um ambiente mais propcio ao
crescimento da produtividade, dado que expandem o grau de previsibilidade de que dispe os
agentes econmicos e, como consequncia, ampliam seu horizonte de planejamento e
investimento. Ademais, a estabilidade preserva o poder de compra dos salrios e dos demais
rendimentos, contribuindo para a preservao do bem estar. Assim, apesar de no ser uma
condio suficiente para garantir o crescimento rpido e sustentado, a estabilidade
macroeconmica , certamente, uma condio necessria.
A experincia brasileira emblemtica dos danos causados pela sua ausncia. O processo
inflacionrio, debelado em 1994, depois anos de desordem, teve implicaes negativas
profundas e abrangentes. A economia no podia prosperar em um ambiente caracterizado por
total incapacidade preditiva. Empresas e indivduos perderam a habilidade de planejar suas
vidas privadas. O investimento social de mdio e longo prazo extinguiu-se, assim como a
credibilidade das polticas pblicas.
Este trabalho apresenta um conjunto de diretrizes de politica econmica que buscam aprimorar
a forma como estas so implementadas. Estes princpios encontram aplicao tanto no
contexto macroeconmico, quanto no mbito microeconmico. Eles resultam da combinao
dos desenvolvimentos tericos que se consolidaram nas ultimas dcadas, com as lies da
experincia histrica.
31
2. Princpios de Politica Econmica
Dado o seu poder de cobrar impostos, conceder subsdios, elevar ou reduzir suas despesas,
determinar as taxas de juros, regular atividades, etc., a atuao do governo de grande
importncia na definio das condies econmicas atuais e futuras. Como os agentes
econmicos sabem disto, as suas expectativas quanto ao comportamento futuro do governo
assumem uma importncia crucial.
Mas esses procedimentos j no so prtica comum. Seu abandono deve-se ao fato de que a
rigidez das regras torna-se contraproducente quando ocorrem mudanas importantes na
economia em questo ou no ambiente internacional. Por exemplo, no contexto da poltica
monetria, tanto a adoo de metas para a oferta de moeda, quanto a utilizao de regimes
cambiais rgidos, colapsaram diante de mudanas imprevisveis na economia. No primeiro caso
devido ao impacto da inovao financeira, da transformao estrutural da economia e dos
choques de oferta. No segundo devido a mudanas profundas no cenrio internacional.
12
Foi no contexto da discusso sobre a poltica monetria que a discusso sobre o problema da inconsistncia
temporal foi inicialmente analisado (Kydland and Prescott, 1977).
32
Mas se a necessidade de preservar a discricionariedade para lidar com as transformaes
inerentes ao processo econmico era to importante e bvia, o que explica o enorme fascnio
exercido pelas regras rgidas? A resposta que os governos no buscavam apenas
simplicidade ou automaticidade. Eles estavam perseguindo algo mais. Este algo mais era a
credibilidade. Isto , o grau de confiana do pblico em seus anncios e intenes declaradas.
Para que uma politica seja crvel necessrio que a sociedade esteja convencida de que as
autoridades tm, no presente, incentivos para buscar alcanar no futuro os objetivos que dizem
hoje querer atingir no futuro. No caso da poltica monetria, o Banco Central precisa mostrar
que tem incentivos para perseguir uma inflao baixa. Para tanto no basta fazer declaraes
bem-intencionadas. Os agentes econmicos no se contentam apenas com promessas do tipo
nada mais de surtos inflacionrios daqui para frente. Eles desconfiam destas declaraes,
pois sabem que o Banco Central pode ter objetivos conflitantes.
Diante das duvidas com que se defrontam, os agentes econmicos buscam verificar duas
condies. A primeira se as autoridades tm, de fato, o incentivo para buscar atingir o
objetivo declarado. A segunda, derivada da dificuldade de certificarem-se de que sua anlise
dos incentivos est correta, verificar se os desenvolvimentos econmicos confirmam as
intenes anunciadas. Para isto tratam de acompanhar da melhor forma possvel a conjuntura
e os indicadores econmicos relevantes. com esta postura desconfiada dos agentes
econmicos que as autoridades se defrontam no dia a dia.
Vimos que a adoo de regras rgidas para lidar com o problema foi, frequentemente, mal
sucedida. Mas a lio dessas experincias no que se deve abandonar a busca por
credibilidade. A lio que preciso adquirir credibilidade e, simultaneamente, manter algum
grau de flexibilidade ou discricionariedade para fazer frente s mudanas e choques que
fatalmente ocorrero. Deve-se buscar uma forma de atuao intermediria, onde o grau de
discricionariedade das autoridades no nem nulo nem ilimitado.
Para se atingir este meio termo preciso desenvolver processos decisrios e arcabouos
institucionais que reforcem compromissos de longo prazo e que sejam amparados por
condutas transparentes, capazes de dirimir suspeitas e conferir credibilidade ao Governo.
33
reconhecidos e enfrentados prontamente, ao invs de serem postergados e/ou mascarados.
Quanto mais os arranjos institucionais puderem demonstrar que as politicas esto
genuinamente buscando alcanar os objetivos declarados, maior a propenso dos agentes
econmicos a crer que as decises que porventura tenham que ser tomadas so iniciativas que
visam manuteno de politicas saudveis.
O terceiro princpio complementa o segundo exigindo que o governo seja transparente quanto
aos seus objetivos e quanto s razes das suas decises e condutas. Para isto ele deve
divulgar informaes, dados e avaliaes de suas polticas de forma sistemtica e rotineira.
Esta conduta reduz o temor do pblico de que o governo possa estar desviando de seus
compromissos e reduz a propenso dos agentes econmicos de nutrir suspeitas quanto s
suas intenes. Com isto as autoridades ganham flexibilidade para reagir a crises reais e para
construir consensos e angariar apoio no caso da tomada de decises difceis e medidas duras.
2. 1 Politica Monetria
Existem muitas maneiras pelas quais os Bancos Centrais podem conduzir a poltica monetria.
Vrios regimes monetrios, entendidos como a forma de atuao da autoridade monetria e o
sistema cambial subjacente, foram adotados ao longo do tempo no Brasil e no resto do mundo.
No possvel estabelecer um modelo nico adequado a todas as circunstncias. possvel,
porm, avaliar a adequao de um regime a um dado contexto, estudando as experincias
concretas nas quais sucessos ou fracassos ocorreram. As vantagens e desvantagens de
regimes totalmente discricionrios e totalmente rgidos foram mencionadas anteriormente. O
caso intermedirio, onde h discricionariedade limitada, o regime de metas para a inflao.
Neste regime o Banco Central tem como obrigao, definida em lei, a conduo de uma politica
monetria compatvel com a manuteno da estabilidade de preos, tal como definida pelas
metas de inflao definidas pelo governo. Assim, atravs de uma mudana institucional o
Governo est comprometido com uma politica monetria que objetiva manter a inflao baixa,
em linha com os princpios 1 e 2.
A formulao das metas de inflao, usualmente com uma banda de tolerncia ou com um
horizonte de atingimento dilatado no tempo deixa claro que o Banco Central possui poder
discricionrio e margem de manobra para absorver, de forma inteligente, choques inesperados.
No se trata de flexibilidade para fazer qualquer coisa ou em qualquer medida, mas de
13
O Reino Unido e a Austrlia fornecem exemplos da utilizao de princpios semelhantes para nortear as politicas
microeconmicas. Veja-se Microeconomic Reform in Britain: Delivering Opportunities for all, HM Treasury, 2004 e
Why have a Productivity Commission? Gary Banks, Productivity Commission, 1998.
34
conceder margem de manobra atuao da autoridade monetria, sem abrir mo de seu
compromisso de longo prazo com a estabilidade de preos, tal como definida pelas metas de
inflao.
Mas ser que essa restrio suficiente para tornar a poltica monetria crvel? A resposta
no. Afinal, por que deveramos acreditar que o Banco Central utilizar seu poder discricionrio
de forma limitada apenas porque ele nos diz que agir dessa forma? preciso avanar mais e
introduzir procedimentos e mecanismos que confiram credibilidade s declaraes do Banco
Central.
Para ser crvel necessrio, mas no suficiente, que o Banco Central esclarea sua forma de
atuao, explicite seus objetivos e persiga polticas monetrias adequadas manuteno da
estabilidade. preciso, tambm, que esta seja a percepo do pblico. O mecanismo que
auxilia o pblico a avaliar se o Banco Central vem perseguindo polticas adequadas a seus
objetivos a transparncia, tal como preconizado no princpio 3.
O Banco Central deve divulgar informaes, dados e avaliaes de suas polticas e medidas de
forma sistemtica e rotineira. Desse modo ele reduz sua possibilidade de manipular o fluxo de
informaes e reduz a propenso dos agentes econmicos a nutrir suspeitas quanto s suas
intenes. Ao trabalhar com transparncia o Banco Central eleva o custo de estratgias
oportunistas, reduzindo sua atratividade. A transparncia permite um enorme avano na
direo da compatibilizao da discrio limitada com credibilidade. Entretanto, ela no resolve
totalmente o problema. Os cnicos diriam que quanto mais o Banco Central faz para persuadir o
pblico de que ele confivel, mais ele tem a ganhar no curto prazo ao no cumprir suas
promessas.
Desde a implantao desse sistema no Brasil em 1999, o Banco Central do Brasil tem como
obrigao, estabelecida em decreto, a conduo de uma poltica monetria compatvel com a
manuteno da estabilidade de preos. Essa definida pelas metas de inflao multianuais
estabelecidas pelo governo. Mas a formulao de intervalos para estas metas deixa claro que o
Banco Central possui poder discricionrio para absorver, suavemente, choques de oferta.
Assim, atravs de uma mudana institucional, o governo afirmou seu compromisso de longo
prazo com a estabilidade, estabeleceu que esse o mandato do Banco Central e buscou
preservar algum grau de discricionariedade.
O sistema de carta aberta fundamental por trs razes. Primeiro, ele deixa claro que o Banco
Central e o governo esto comprometidos com uma poltica de baixa inflao ao longo do
35
tempo. Segundo, ele constitui-se em um mecanismo de prestao de contas e
responsabilizao que pode, inclusive, levar substituio da diretoria do Banco Central.
Terceiro, reconhecendo a amplitude arbitrria do intervalo de tolerncia, a carta aberta permite
ao Banco Central, sob o escrutnio da sociedade, lidar com choques de oferta intensos e
inesperados, sem impor sociedade sacrifcios desnecessrios. Assim, o sistema est
alinhado com os procedimentos antes mencionados: a estabilidade preservada atravs de
um regime que concede ao Banco Central discricionariedade limitada; a manuteno de
polticas de longo prazo adequadas garantida atravs de compromissos plurianuais; a
transparncia e a institucionalizao do sistema amparam a credibilidade da poltica monetria.
H vrios tipos de crticas, de natureza tcnica, ao regime de metas para a inflao tal como
implantado no Brasil. Por exemplo, discute-se para que valor a inflao domstica deveria
convergir e qual a velocidade tima desse processo. Questiona-se se a meta de inflao
deveria continuar a ser definida em termos do IPCA "cheio", ou se deveria ser estabelecida a
partir de um indicador do ncleo da inflao. Propem-se amplitudes diferentes para a banda
de tolerncia. Avaliam-se se as metas devem ser definidas para o ano calendrio ou se devem
ser estabelecidas para os 12 meses futuros, e como operacionalizar essa segunda opo, etc.
possvel que haja mudanas desta natureza que aprimorem o sistema. No este o espao
para discuti-las.
Entretanto, h duas questes substantivas que merecem meno. A primeira quanto meta
de inflao a ser almejada. A meta, entendida como o centro da banda, deve possibilitar a
convergncia da inflao brasileira inflao internacional ao longo do tempo. No isto que
temos observado. O centro da meta permanece fixo h anos, bem acima da taxa internacional,
e so recorrentes as referncias ao limite superior da banda como sendo a prpria meta,
gerando grande confuso e desancorando as expectativas. necessrio que se retome o
processo de desinflao. Uma trajetria possvel seria estabelecer uma trajetria de reduo
da meta em 0,25% ao ano, at 3%.
Hoje convivemos no Brasil com um Banco Central sem independncia legal e com um regime
de metas estabelecido por decreto. O resultado a permanncia das dvidas quanto
continuidade de uma poltica monetria comprometida com a estabilidade de preos. Essa
fragilidade fica patente em um contexto eleitoral, onde prosperam as dvidas quanto s
diretrizes futuras da poltica econmica. Sua eliminao representaria um enorme avano no
processo aprimoramento das polticas pblicas no pas.
A aplicao dos princpios descritos no campo da poltica fiscal encontra desafios especficos.
Os estudos dos aspectos fiscais da poltica macroeconmica costumam trabalhar com a
hiptese de um Estado unitrio ignorando, desta forma, as complicaes do federalismo fiscal.
Mas o fato que a prtica da politica fiscal no centralizada, como nas abstraes tericas e
36
como no caso da politica monetria, mas sim distribuda entre os diversos entes da federao.
Ademais, diferentemente da politica monetria cujo foco primrio na estabilizao, a politica
fiscal deve possuir uma um horizonte mais dilatado, visando o mdio e o longo prazo.
1) A regra de ouro, pela qual o governo s pode endividar-se para financiar gastos de
investimento ao longo do ciclo econmico;
Estas regras eram complementadas por uma anlise mais abrangente e profunda dos
indicadores de sustentabilidade fiscal de longo prazo, na forma de um relatrio sobre o
assunto, o Governments Long-Term Public Finance Report. Este relatrio contm uma analise
de longo-prazo da poltica fiscal, inclusive de mudanas projetadas na economia, tais como a
transio demogrfica. Este conjunto de elementos, em linha com o primeiro princpio, buscava
assegurar e demonstrar o compromisso com objetivos de longo prazo saudveis.
O esforo de transparncia era reforado por relatrios prospectivos com projees fiscais para
os prximos cinco anos. Estes incluam estimativas dos principais agregados fiscais, ajustados
para o ciclo econmico, acompanhados por estimativas do hiato do produto e das hipteses
utilizadas no seu clculo. Estes agregados deveriam ser contrastados com os requeridos pelas
regras de investimento e dvida mencionados acima.
14
Veja-se Ed Balls: Stability, Growth and UK Fiscal Policy, Discussion Papers in Economics No. 2004/03, University of
York.
37
Este arcabouo foi reforado em 2011 com o estabelecimento do Escritrio para a
Responsabilidade Oramentaria (Office for Budget Responsibility, OBR15). Trata-se de um
organismo independente, uma espcie de conselho fiscal, que tem como objetivo produzir
analises e projees tcnicas, apartidrias, das finanas do setor publico. Organismos
semelhantes existem na Holanda, desde 1945, Dinamarca, 1963, nos Estados Unidos desde
1974 e na Blgica desde 1989. Desde a criao do OBR vrios pases anunciaram a criao
de rgos independentes com as mesmas atribuies. Hoje eles existem em cerca de 30
pases e, apesar de apresentarem diferenas importantes em termos de sua constituio e
funcionamento, refletindo o quadro institucional no qual se inserem, partilham da premissa
bsica de que fundamental desenvolver mecanismos independentes de acompanhamento
das finanas publicas.
A ideia ganhou forca entre economistas e governos durante os anos 1990, refletindo o desejo
de reproduzir, dentro do possvel, no mbito da politica fiscal, o sucesso das experincias com
bancos centrais independentes. O impulso foi reforado com a exploso dos dficits e dvidas
pblicas na crise financeira recente. O argumento conceitual bsico a noo de que os
governos esto sujeitos a um vis deficitrio e a pr-ciclicalidade na sua conduo da
politica fiscal16. Isto significa que tendem a incorrer em dficits excessivos quando a economia
est crescendo. Tendem, tambm, a avaliar que os choques que impactam a economia so
temporrios, e usam a poltica fiscal para sustentar a demanda agregada no curto-prazo, at
que a realidade demonstre que o choque visto como temporrio era, de fato, permanente e
requeria um ajuste. Ademais, o estabelecimento dos conselhos fiscais parte do
reconhecimento de que muito difcil para o pblico acompanhar e projetar adequadamente a
evoluo das contas pblicas, e busca sanar este problema de forma independente.
No Brasil alguns passos importantes foram dados na direo de maior clareza na conduo da
politica oramentaria e no estabelecimento da responsabilidade fiscal. A Lei de
Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, busca aumentar o controle e a transparncia dos
gastos pblicos, alm de impor limites ao endividamento. A Lei determina o estabelecimento de
metas fiscais trienais, com o objetivo de introduzir o planejamento de longo prazo na gesto
fiscal.
Mas seu sucesso foi apenas parcial. Na ausncia de metas e controles para fomentar o
investimento pblico, a meta de gerao de supervits primrios capazes de estabilizar a
dvida lquida do setor pblico no foi capaz de controlar o crescimento do gasto pblico, nem
de aprimorar a sua estrutura. A despesa continuou a crescer rapidamente em termos reais e,
diante disto, foi preciso aumentar a receita para assegurar que as metas anuais de supervits
primrios fossem cumpridas.
15
Para uma descrio de suas atribuies veja-se http://budgetresponsibility.org.uk/about-the-obr/what-we-do/. Para
uma anlise de sua governana e para o memorando de entendimento com os rgos governamentais veja-se
http://budgetresponsibility.org.uk/independence/working-with-government/.
16
Para uma anlise das possveis causas do vis deficitrio na politica fiscal e do papel dos conselhos fiscais ver Lars
Calmfors e Simon Wren-Lewis: What Should Fiscal Councils do? disponvel em
http://www.finanspolitiskaradet.se/download/18.3b8af0c112ec0f3879380005563/whatshouldfiscalcouncilsdo.pdf
38
tributao, reduo do investimento pblico, ambos prejudiciais ao crescimento da economia,
gerando um circulo vicioso. Com o tempo a meta de supervit primrio foi revista para baixo e
medidas artificiais para manter a dvida lquida sob controle foram tomadas. O resultado foi a
elevao da dvida bruta, mesmo depois de descontadas destas as reservas internacionais.
Assim como uma inflao em alta em um momento de desacelerao econmica limita a
margem de manobra do Banco Central, uma dvida pblica cuja sustentabilidade
questionvel reduz, ou at mesmo reverte, a eficcia de uma politica fiscal expansionista para
fomentar o crescimento. A falta de confiana na sustentabilidade das finanas pblicas gera
reaes defensivas por parte dos agentes econmicos, que ajustam seus gastos e sua
poupana, reduzindo ou anulando os efeitos esperados das politicas utilizadas.
A situao das finanas pblicas do pas 17 exige mudanas de fundo. preciso conter a taxa
de crescimento dos gastos e das receitas, assim como melhorar sua composio. Maior
aderncia aos princpios acima mencionados, reforados por um conselho fiscal independente,
facilitaria a tarefa de aprimorar a politica fiscal no Brasil.
3. Concluso
Este trabalho argumentou que um arcabouo de poltica econmica adequado deve basear-se
em na conciliao entre um regime de regras rgidas e um regime baseado em
discricionariedade total. Este modelo intermedirio, chamado de regime de discricionariedade
limitada (constrained discretion), prescreve a utilizao de regras nas situaes de
normalidade, mas com flexibilidade suficiente para mitigar os efeitos de choques inesperados e
de mudanas estruturais. Para assegurar a compatibilizao desta flexibilidade com a
preservao da credibilidade necessrio que as polticas sejam genuinamente saudveis no
longo prazo, que sejam percebidas como tal, que sejam amparadas por transparncia e por
arranjos institucionais que estabeleam seus objetivos e as punies dos responsveis no caso
de desvios. Para tanto, trs princpios de poltica econmica foram enunciados: (1) O princpio
da estabilidade atravs de discricionariedade limitada; (2) O princpio da credibilidade atravs
17
Veja-se a anlise de Joaquim Levy neste trabalho.
39
do pr-comprometimento com polticas de longo prazo saudveis; e (3) O princpio da
credibilidade atravs da transparncia.
Estes princpios podem ser utilizados para amparar a politica monetria e a poltica fiscal. No
caso da poltica monetria eles so a base do regime de metas para a inflao. O trabalho
argumenta que o regime de metas para a inflao no Brasil precisa ser reforado com a
independncia legal do Banco Central e precisa assegurar a convergncia da inflao brasileira
para a internacional. Para tanto sugere a reduo da meta de inflao em 25bp por ano, at o
atingimento de uma taxa anual de 3%. A utilizao destes mesmos princpios no caso da
poltica fiscal recomenda a criao de um Conselho de Avalio Fiscal independente, nos
moldes do CBO Americano ou do OBR ingls. O mandato deste orgo independente seria a
disponibilizao de estudos e projees sobre a politica fiscal, baseados na mesma informao
disponvel para o governo, para auxiliar na preparao dos oramentos e para a avalio da
aderncia da politica fiscal em curso aos objetivos declarados pelas autoridades, assim como
s regras fiscais em vigor.
40
Demografia, reformas e bonana externa
Affonso Pastore e Maria Cristina Pinotti
A restrio demogrfica
Entre 1960 e 1980, a populao brasileira cresceu a uma taxa mdia anual de 2,6%. Em 2010
a taxa caiu para 1,3%, e segundo as projees do IBGE entre 2010 e 2030 a taxa de
crescimento populacional dever cair ainda mais, para 0,6% ao ano. As projees de Bonelli e
Fontes (2013) indicam que a partir de 2048 a populao brasileira j estar em uma trajetria
de queda. Tomando a decomposio da populao em 3 grupos: o primeiro de 0 at 14 anos; o
segundo de 15 a 59 anos, que compe a populao em idade ativa18; e o terceiro com 60 anos
ou mais, verifica-se que o bnus demogrfico praticamente j se encerrou. Entre 1980 e 2010 a
populao em idade ativa passou de 56% para 64% do total, crescendo marginalmente para
65% at 2020, e declinando da em diante (tabela 1).
No passado o crescimento da populao em idade ativa teve uma contribuio elevada para o
crescimento do PIB, mas agora sua contribuio muito pequena. Porm, alm da
contribuio direta do crescimento populacional, h uma contribuio indireta, que vem das
mudanas estruturais na economia. No comeo da dcada de 60 a parcela da populao
18
Com o aumento da vida mdia, um nmero crescente de pessoas com mais de 60 anos esto ativas e no so
consideradas em idade ativa. Por outro lado, os jovens esto entrando no mercado de trabalho mais tarde. No h
estudos, no caso brasileiro, que mea estes efeitos, mas supomos que no alterem as principais concluses do nosso
trabalho.
41
residente em reas rurais era ligeiramente superior a 50% (53% em 1962), em 2010 essa
parcela foi de apenas 16%. Isso reflete a queda da participao da agricultura no PIB, e o
consequente aumento da participao dos setores urbanos: a indstria e principalmente o setor
de servios. Qual a importncia deste fenmeno?
Em 1976 o prmio Nobel de economia foi dado ao professor Arthur Lewis, que entre suas
contribuies analisou como ocorre o crescimento em uma economia com dois setores: um
setor com produtividade do trabalho baixa, o chamado setor tradicional, e outro com
produtividade alta, chamado por ele de setor moderno. A abundncia de mo de obra a
caracterstica do setor tradicional, que devido a isso paga taxas de salrio prximas do nvel de
subsistncia. Em uma economia com estas caractersticas h um exrcito industrial de
reserva localizado no setor tradicional a agricultura - que pode, diante de estmulos
adequados, se deslocar para os setores urbanos, onde a produtividade mdia da mo de obra
mais elevada. Em uma primeira fase o deslocamento ocorre da agricultura para a indstria, e
mais tarde o crescimento mais intenso ocorre no setor de servios. Devido produtividade da
mo de obra mais elevada nos setores urbanos, tal mudana estrutural produz um forte
aumento na produtividade mdia da mo de obra, que enquanto ocorre, torna-se uma
importante fonte de crescimento econmico.
Qual foi a importncia quantitativa desse fenmeno no Brasil ao longo da histria? Ferreira e
Veloso (2012) procuraram medi-lo. Os dados mostram que em 1950 mais de 60% da
populao empregada estava na agricultura, com 20% da populao empregada no setor de
servios, e 18% na indstria. J em 2013 o setor de servios absorvia mais de 60% da
populao empregada, com 20% na agricultura e aproximadamente os mesmos 18% na
indstria. Os dados de Ferreira e Veloso mostram que ao longo de todo o perodo, a
produtividade do trabalho na agricultura foi bem mais baixa que na indstria e servios. Por
exemplo, em 1950 a produtividade agrcola correspondia a somente 15% da produtividade na
indstria e 12% da observada no setor de servios. Entre 1950 e 1980, a relao entre a
produtividade da agricultura e de servios (mas no o diferencial de produtividade entre esses
dois setores) se manteve relativamente estvel, dado que os setores cresceram a taxas
semelhantes (2,7% a.a.), enquanto o setor industrial cresceu a uma taxa superior (4,1% a.a.).
Diante do elevado diferencial de produtividade claro que uma simples alterao estrutural
levaria a um aumento da produtividade mdia na economia como um todo. Os resultados dos
clculos esto reproduzidos no grfico 1, sendo fcil ver que se no fosse a transformao
estrutural o crescimento da produtividade mdia da mo de obra teria sido bem menor.
400
350
300
250
200
150
100
1950 1952 1954 1956 1958 1960 1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004
Fonte: Timmer e de Vries (2009), com clculos de Ferreira e Veloso: Obs: 1950=100.
42
Note-se, contudo, que h dois perodos distintos. O distanciamento entre as duas sries no
grfico 1 crescente at os anos oitenta, quando o fenmeno da alterao estrutural foi
importante, estreitando-se da em diante, quando ele comea a desaparecer. Nos anos
cinquenta e sessenta a acelerada substituio de importaes acentuou a transformao
estrutural da economia, estimulando a urbanizao e o aumento da populao empregada na
indstria. Como veremos em seguida, as reformas do PAEG tambm permitiram uma
acelerao no crescimento da produtividade que se beneficiou do prosseguimento das
mudanas estruturais.
Com a queda da taxa de crescimento populacional, com o final do bnus demogrfico e com o
esgotamento das transformaes estruturais, o pas se encontra diante do desafio de produzir
reformas que elevem a produtividade. O caminho do crescimento nos prximos anos passa por
polticas que levem ao aumento da produtividade. Na concesso do prmio Nobel de 1976 j
havia uma indicao do caminho a seguir. O prmio Nobel no foi dado, naquele ano, apenas a
Arthur Lewis. O outro ganhador foi Theodore Schultz, que no campo da teoria do
desenvolvimento econmico apontou a importncia dos investimentos em capital humano
como gerador de aumentos na produtividade. Investir em educao e realizar reformas que
elevem a produtividade total dos fatores so as rotas para o crescimento econmico. Para
crescer, daqui para frente, o Brasil ter que buscar o caminho do aumento da produtividade,
que se inicia pelos investimentos em educao, mas que deve ocorrer juntamente com regras
estveis que produzam estmulos ao setor privado premiando os que buscam os lucros, e no
os rent seekers, e limitando as intervenes do Estado no domnio econmico s aes que
deem o adequado estmulo para que o setor privado invista em reas nas quais os retornos
sociais divergem dos retornos privados.
10.0
7.5
5.0
2.5
0.0
% ao ano
-2.5
-5.0
50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 00 05 10
O crescimento mais elevado do primeiro perodo veio no somente de uma maior contribuio
do crescimento da PTF, como tambm de taxas de investimento mais elevadas. Porm, apesar
das taxas mais baixas de investimento no perodo mais recente, ocorreu uma fase de elevao
transitria da produtividade total dos fatores. Ela retomou uma trajetria de crescimento entre
44
1992 e 1996, sendo interrompida da at 2002, quando retoma um crescimento mais acelerado
(grfico 3), no qual chegou, embora por um perodo muito curto, a levar a uma taxa de
crescimento do PIB potencial prxima de 4% ao ano.
62
60
ndice
58
56
54
52
92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12
A partir de meados de 2011, o governo Dilma reagiu ao prolongamento da crise externa com
uma importante virada de rumo, passando a desconstruir parte das reformas implantadas
pelos governos anteriores. A primeira vtima foi o trip macroeconmico, substitudo por uma
nova matriz, que visava desvalorizar o cmbio, reduzir a taxa de juros e controlar a inflao
administrando preos relevantes (energia, combustveis, etc). O crescimento seria obtido
atravs de incentivos demanda, que provocariam o crescimento da oferta atravs do esprito
animal dos empresrios. Na contramo das reformas, a interveno do estado na economia
aumentou significativamente atravs de: incentivos fiscais e creditcios a setores escolhidos;
intervenes no mercado de cmbio (aumento de IOF sobre entrada de capitais); forte
aumento da participao dos bancos pblicos no total de emprstimos; perda de transparecia
nas contas pblicas; interferncia na poltica de preos da Petrobras, reduzindo a sua
capacidade de investir e produzir e impondo prejuzos aos detentores de aes; desmonte e
aparelhamento das agncias reguladoras e da mquina do estado em geral; etc. Esta guinada
na conduo da economia resultou, entre outras coisas, no aumento da desconfiana de
empresrios e investidores, reduzindo a disposio de investir.
45
Grfico 4: absoro total domstica e PIB dados trimestrais a preos constantes
480
440
PIB (preos de 2000)
Absoro Domstica (preos de 2000)
R$ bilhes
400
360
320
280
Quando a absoro cresce acima do PIB ou, o que exatamente a mesma coisa, quando os
investimentos se elevam acima das poupanas domsticas, ocorre um aumento das
importaes lquidas, que se materializa em mudanas no saldo nas contas correntes. Pases
que no tm poupanas domsticas suficientes, como o caso brasileiro, tm que financiar o
excesso dos investimentos sobre as poupanas domsticas absorvendo poupanas externas
na forma de importaes lquidas, ou seja, fazendo dficits nas contas correntes. Se isto ou
no possvel algo que depende da existncia de fluxos de capitais que permitam financiar o
dficit resultante nas contas correntes.
Mas esta no a nica fonte de bonana externa. A outra representada pelos ganhos de
relaes de troca. Se os preos em dlares das exportaes se elevarem relativamente aos
preos em dlares das importaes, ser possvel produzir, para o mesmo excesso da
absoro em relao ao PIB (o mesmo excesso dos investimentos em relao s poupanas
domsticas) medidos a preos constantes, menores importaes lquidas medidas a preos
correntes, ou seja, um menor dficit nas contas correntes.
180
preos das exportaes
ndice CRB de preos de commodities
160
140
120
100
80
60
40
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010
160 1.2
correlao= -0,116 correlao= 0,841
140 1.1
120 1.0
100 0.9
80 0.8
60 0.7
40 0.6
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010
Que reflexos estes ganhos de relaes de troca geraram no Brasil? Uma avaliao pode ser
obtida com os dados contidos no grfico 7. Nele apresentamos trs sries superpostas. A
primeira delas so as taxas de investimento medidas a preos constantes do ano 2000,
medidas na escala da direita. Tivemos taxas to baixas quanto 14% ou 15% do PIB nos anos
da crise de confiana na transio do governo FHC para Lula, em 2002/2003, e taxas to altas
como 19% e 20% do PIB, entre 2010 e 2013. As outras duas so as sries representativas das
importaes lquidas. A srie azul mais escura das importaes lquidas medidas a preos
constantes do ano 2000, e a srie azul mais clara a das importaes lquidas medidas a
preos correntes. A diferena entre as duas vem das relaes de troca. Tomemos o ano de
2010, quando o aumento da taxa de investimentos (o aumento forte da absoro em relao ao
PIB) levou a um aumento das importaes lquidas. As importaes lquidas a preos
constantes (sem a contribuio dos ganhos de relaes de troca) elevaram-se em 5 pontos
porcentuais do PIB (de 1% do PIB para 6% do PIB), mas as importaes lquidas medidas a
47
preos correntes tiveram uma elevao muito menor que foi, incidentalmente, o aumento
aproximado do dficit ocorrido nas contas correntes.
% PIB
Exportaes Lquidas (preos 2000) (E)
Exportaes Lquidas (preos correntes) (E)
4 FBCF (preos 2000) (D) 20
% PIB
2 19
0 18
-2 17
-4 16
-6 15
-8 14
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A outra faceta da bonana externa, como foi visto acima, so os fluxos de capitais. As sries no
grfico 8 contam um pouco desta histria dos ingressos financeiros. Os ingressos mais
intensos se iniciam em torno de 2005, quando j havia sido restabelecida a confiana que
havia cado na crise da transio de FHC para Lula. Entre 2005 e 2007 ocorreu um forte
aumento dos ingressos, que foi acompanhado da intensificao das compras do Banco Central
no mercado vista, levando a forte acumulao de reservas. O aumento das reservas foi uma
importante condio para que o Brasil fosse promovido ao grau de investimento, e a reduo
de riscos passou a estimular ainda mais os ingressos. A crise de 2008 produziu um curto
perodo de sadas, com uma pequena reduo das reservas, que voltaram a se acumular at o
final de 2011. Claramente nos anos de ingressos de capitais elevados teria sido possvel elevar
os dficits em contas correntes ainda que os ganhos de relaes de troca fossem menores.
48
Grfico 8: fluxos financeiros e compras e vendas do Banco Central no mercado vista de cmbio
20
Saldo Total das Operaes de Cmbio Contratado
Compras de US$ pelo BC ( Vista)
15
US$ bilhes
10
-5
*dados at 24/01
-10
04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14
Ocorre que recentemente estes dois impulsos os ganhos de relaes de troca e os fluxos de
capitais - se encerraram. No h mais ganhos de relaes de troca, e sim perdas; e no h
mais ingressos de capitais na mesma intensidade anterior. O Brasil no conta mais com a
bonana externa. Sem os ganhos de relaes de troca, os aumentos na taxa de investimento
tendem a produzir elevaes maiores nas importaes lquidas, e sem os vigorosos ingressos
de capitais no h como financiar os dficits resultantes nas contas correntes. Este , em
grande parte, o problema que vem sendo enfrentado pela economia brasileira atualmente.
Nos ltimos tempos o mundo mudou. No vivemos mais uma recesso ou um crescimento
muito baixo nos pases industrializados, que esto voltando a crescer, e os pases emergentes
que abusaram, nos anos imediatamente posteriores crise de 2008, de polticas fiscais
expansionistas e polticas monetrias excessivamente acomodativas, levando a dficits
elevados nas contas correntes, esto enfrentando as consequncias dessas aes. Um dos
emergentes em desacelerao a China, que encerrou o perodo de elevaes dos preos de
commodities que, no caso brasileiro, estava por trs dos ganhos de relaes de troca. Com
isso os pases emergentes em geral, e o Brasil em particular, tm que aderir a uma poltica
fiscal mais austera para reduzir a absoro relativamente ao produto (elevar as poupanas
domsticas relativamente aos investimentos). No caso brasileiro isto, junto com a
depreciao do cmbio real, que leva a uma reduo no dficit em contas correntes, mas para
que os preos relativos entre bens tradables e non-tradables se alterem levando a esse
resultado, a poltica monetria tem que dissipar os efeitos inflacionrios secundrios da
depreciao cambial, reduzindo os salrios reais em termos de preos de bens tradables, e
ancorando as expectativas, o que exige o necessrio grau de austeridade monetria.
A curto prazo o pas tem que produzir um ajuste, que custoso. A prazo mais longo tem que
estimular ingressos de capitais geradores de um passivo externo lquido em reais e no em
dlares, o que significa atrair investimentos estrangeiros e portflio de renda varivel. Isto
requer estmulos.
Queremos finalizar colocando mais uma evidncia puramente emprica atestando a importncia
dos preos de commodities sobre a economia brasileira. Ela dada comparando as taxas
anuais em final de trimestre de variao do ndice CRB de preos internacionais de
commodities com as taxas anuais em final de trimestre do PIB brasileiro. As duas sries esto
no grfico 9. A correlao positiva entre as duas sries muito clara. No fcil identificar os
canais de transmisso a partir dos quais essa correlao se materializa, mas h uma
precedncia temporal dos preos de commodities para o PIB no Brasil. No se pode rejeitar a
hiptese de que h uma causalidade fluindo dos preos de commodities (transitando em parte
atravs das relaes de troca) e o crescimento do PIB. A fase de desacelerao seguida de
queda dos preos de commodities entre 1994 e 1998 ocorreu paralelamente desacelerao
49
do crescimento do PIB; a acelerao do crescimento do PIB entre 2002 e 2008 est associada
acelerao no crescimento dos preos de commodities; e tanto a queda ocorrida em 2008,
quanto a forte recuperao do PIB em 2010 esto associadas a movimentos na mesma direo
dos preos de commodities.
CRB
1.08 PIB 1.3
1.06 1.2
1.04 1.1
1.02 1.0
1.00 0.9
0.98 0.8
0.96 0.7
96 98 00 02 04 06 08 10 12
Concluso
Bibliografia
Bonelli, R. e Fontes, J. (2013), Desafios Brasileiros no Longo Prazo. Textos para discusso, IBRE, 2013.
Veloso, F.; Villela, A. e Giambiagi, F. Determinantes do Milagre Econmico Brasileiro (1968-1973): Uma
Anlise Emprica. Revista Brasileira de Economia 62 (2), pp. 221-246, 2008.
50
Robustez fiscal e qualidade do gasto como
ferramentas para o crescimento
Joaquim Vieira Ferreira Levy
Introduo
1
A justificativa conceitual do PPI era que o gasto com um projeto no criaria risco solvncia do setor pblico se o
aumento do PIB potencial e da base fiscal esperados pela sua implemtao superasse esse gasto, cf. Projeto Piloto
de Investimentos, Relatrio de Progresso n. 1, Casa Civil, MPOG e MF (2005),
http://www3.tesouro.gov.br/ppp/downloads/projeto_piloto.pdf.; Relatrio Anual PPI-2005, MPOG (2005)
http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/spi/programas_projeto/PPI/060100_PRP_PPI_relAnual.p
df.; Relatrio Anual PPI-2006, MPOG (2007), http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload
/Arquivos/spi/PPA/publicacoes_antigas/PPI/PPI_rel_anual_2006.pdf
2
Desafios da Infraestrutura e Expanso dos Investimentos: 2011/2014, in Informaes Fipe, N 372 Setembro /
2011, Antonio Lanzana e Luiz Martins Lopes.
51
das estradas federais. A baixa participao da construo residencial decorre tambm do
legado fiscal do BNH na esteira do desequilbrio macroeconmico dos anos 1980, e das
deficincias nas garantias aos emprstimos existentes at o comeo dos anos 2000.
FBKF (Ex-construo)
18
16,0
Investimento Ex- construo
sia, frica e Europa
% PIB Amricas 30
FBKF (Construo)
Investimento em construo % PIB
16 Amricas sia, frica e Amricas
AsiaOceania
Oceania 25,3 Asia Oceania Europa Amricas
Europa Oceania Europa
13,7 25
14 13,5
12,8
12,0 12,2 Brasil
12 18,8
20 18,6
9,9 Mdia Mundial = 9.4
10 16,0
Mdia Mundial = 12.5
8,2 15 13,7
7,8 13,6
8 12,6 12,4
6,8 10,6
10,0
10
6
7,4
4
5
Taiwan
Brasil
Peru
Bolvia
EUA
Arglia
Letnia
Chile
China
Ir
Filipinas
Grcia
ustria
Dinamarca
Indonsia
Turquia
Eslovnia
Romnia
Irlanda
Itlia
Blgica
Uruguai
Jordnia
Frana
Noruega
Marrocos
Japo
Chipre
Espanha
Rssia
Malta
Coria do Sul
ndia
Hungria
Mxico
frica do Sul
Islndia
Eslovquia
Polnia
Holanda
Canad
Colmbia
Litunia
Venezuela
Portugal
Alemanha
Singapura
Repblica Tcheca
Finlndia
Estnia
Luxemburgo
Argentina
Nova Zelndia
0
Israel
Ir
Grcia
Taiwan
Rssia
Frana
Brasil
Marrocos
Itlia
Japo
Blgica
Malta
Irlanda
Chipre
Peru
Uruguai
Repblica Tcheca
Litunia
Noruega
Mxico
Canad
Portugal
Islndia
Bolvia
EUA
Argentina
Venezuela
Arglia
Eslovquia
Hungria
Alemanha
Holanda
Dinamarca
Polnia
Chile
Colmbia
Estnia
ustria
Luxemburgo
China
Singapura
Turquia
Filipinas
Letnia
Jordnia
Eslovnia
Romnia
Nova Zelndia
Indonsia
Espanha
Coria do Sul
frica do Sul
Brasil
A solidez fiscal crucial para o Brasil enfrentar o novo ambiente global, em que os
pases desenvolvidos comeam a se recuperar. Ela j era importante para aproveitarmos
a poca de bonana comparativa entre 2009 e 2012, e ser ainda mais importante com a
subida dos juros internacionais. Assinale-se que o prmio de risco da dvida pblica brasileira
estacionou naquele perodo e vem subindo desde ento, como se v pelo diferencial entre o
retorno exigido das NTN-B com prazo mdio de 10 anos e aqueles de papis equivalentes
dos EUA.
3
A PNAD 2011 indica que a proporo de domiclios com rede coletora de esgoto subiu de 59,1% para 62,6% entre
2009 e 2011o que exigiria pelo menos uma dcada para chegar a 80%, se mantido o ritmo.
52
Diferencial de juros Brasil-EUA
20 (NTN-B 10y - Tip 10y)
18
16
14
12
10
8
6
4
2
jun/01
jun/02
jun/03
jun/04
jun/05
jun/06
jun/07
jun/08
jun/09
jun/10
jun/11
jun/12
Abordam-se aqui trs aspectos da solidez fiscal. Primeiramente, discute-se o papel
informacional das metas fiscais e da evoluo da dvida, como indicadores da
sustentabilidade fiscal e determinantes dos custos de financiamento do investimento. A
seguir, discutem-se o crescimento do gasto pblico, notadamente o gasto dito social e
obrigatrio, e suas implicaes para o tamanho e complexidade da carga tributria e seus
efeitos sobre o apetite de investir do setor privado. Finalmente, discutem-se algumas
estratgias para melhorar a qualidade do gasto, inclusive social, e mecanismos de controle de
riscos nessa rea, fatores relevantes em qualquer estratgia que procure dar rumo ao gasto
pblico, inclusive o corrente.
til avaliar a direo da poltica fiscal recente. Se foi adequado usar o espao fiscal que
havia sido acumulado nos anos anteriores para executar uma poltica anticclica em 2009,
erodir a solidez fiscal em um cenrio de persistente baixo crescimento tende a ser uma
estratgia perigosa.4 Em 2009, o Brasil encontrou-se em uma situao nica: o pas no
havia gasto os benefcios do boom das exportaes, a vigorosa resposta monetria e fiscal
das economias desenvolvidas crise financeira evitou a atrao macia de capital para l, e
a persistncia do crescimento da China sustentou o preo das matrias primas. Assim, na
esteira de vrios anos de slido supervit primrio e acumulao de reservas internacionais,
foi possvel seguir uma poltica anticclica sem que a solvncia fiscal ou externa fosse
questionada. Tal resposta a uma situao de curto prazo se distingue do uso agressivo de
recursos fiscais para enfrentar de maneira tpica problemas estruturais. Usar ferramentas
fiscais para aumentar a competitividade de alguns setores da economia ou no combate
inflao tende a criar custos permanentes para ganhos fugazes.
4
Durante a Grande Depresso a poltica fiscal do Brasil foi conservadora, mesmo considerando a queima dos
estoques de caf para sustentao do seu preo.
53
contbeis a partir de 2012, prtica infelizmente coincidente com o fim do ciclo de relaxamento
monetrio.
A mudana de foco da dvida lquida para dvida bruta oportuna, e uma trajetria de
queda para esta dvida como proporo do PIB melhoraria o rating soberano, perodo de
reconhecimento dos passivos herdados de outras pocas (esqueletos) e sua absoro pela
Unio nos anos 1990. No obstante, desde 2002 o Banco Central vem divulgando a dvida
bruta. Em anos recentes, o principal fator de divergncia entre divida bruta e lquida passou a
ser a ampliao das reservas internacionais (R$ 0,8 trilho) e do crdito aos bancos pblicos
(R$ 0,5 trilho desde 2006). Esses ativos, mesmo os que so lquidos, como as reservas
internacionais, no devem ser liquidados a no ser em uma grave emergncia; alm disso, a
taxa de retorno deles, incluindo os emprstimos aos bancos pblicos, mais baixa que o
custo de captao da Unio. Ambas consideraes iluminam as dificuldades de manter-se o
foco na dvida lquida, apesar do valor intrnsico dos ativos descontados da dvida bruta.
Assinale-se que a adoo de uma trajetria para a dvida bruta em relao ao PIB poderia dar
conforto a decises estratgicas do governo, permitindo, por exemplo, determinar de forma
transparente o espao compatvel para aportes de capital a instituies financeiras pblicas,
exoneraes de impostos e outras medidas fiscais julgadas necessrias. A visibilidade de
mdio prazo proporcionada por essa abordagem seria valiosa para a melhora da nota da
dvida soberana (rating), na medida em que as metas fossem cumpridas, permitindo subir da
atual nota BBB+ para a nota A, com inmeros benefcios ao investimento, facilitando a
transio duradoura para juros domsticos menores.5
A expanso segura das Parcerias Pblico PrivadasPPP tambm seria favorecida pelo
foco na trajetria da dvida bruta do setor pblico. Uma das grandes diferenas da lei das
5
Mantm-se o rating da verso original do texto, no obstante a demoo feita por uma das agncias.
54
PPP do Brasil e vrias experincias internacionais, especialmente na Europa, a
contabilidade adotada para os compromissos assumidos pelo governo. Enquanto em muitos
pases as PPP foram uma maneira de financiar o investimento sem impacto imediato evidente
nas contas pblicas (off balance sheet), no Brasil houve o cuidado de explicitar esse impacto,
contabilizando o fluxo de contrapartidas contratadas.6 Em particular, a lei federal previa que
as garantias dadas pelo governo seriam respaldadas por ativos financeiros identificados em
um fundo garantidor, e no apenas pelo aumento do passivo geral da Unio. 7 Essa prtica
era coerente com o foco na dvida lquida. Ela mais eficaz do que a simples inscrio da
garantia ou contrapartida na dvida do governoou na lista dos passivos contingentes.
Porm, com as alteraes feitas na lei das PPP em anos recentes, incluindo a ampliao do
limite de comprometimento dos governos estaduais e municipais com contrapartidas (que
passou de 1% para 5% da receita corrente lquida), fica clara a necessidade de refletir esses
compromissos na dvida bruta dos entes e consolidada a nvel nacional, especialmente na
esteira da autorizao do aumento do endividamento de vrios estados.
6
Lei 11.079 de 2004 e suas alteraes.
7
Essa previso foi sendo modificada: a MP n 513 de 2010 eliminou a vedao de concesso de garantia cujo valor
presente lquido superasse o ativo total do FGP Fundo Garantidor das PPP, enquanto a MP n 575 de agosto de
2012 estabeleceu que o FGP poder prestar garantia mediante contratao de instrumentos disponveis em mercado
(e.g., proporcionado por bancos pblicos),
8
Um exemplo bem vvido dessa situao foi o da exigncia de contratos de compra de energia para o financiamento
das termoeltricas nos fins da dcada de 1990. A maior parte dos candidatos no conseguiu apresentar esses
contratos (PPP), no podendo construir as trmicas. Apesar do atraso da resultante talvez ter contribudo para a
falta de energia eltrica em 2001, ele permitiu que se evitasse a construo de muitas trmicas inviveis e estimulou
a reforma do marco regulatrio com a criao do mecanismo de compra de capacidade plenamente inserido no
marco dos leiles de energia.
9
Essa possibilidade se tornou particularmente eficaz aps a abertura do mercado de resseguros pela Lei
Complementar n. 126, que permite a diversificao de grandes riscos no mercado internacional.
10
A MP 564 de abril de 2012 no s criou uma nova empresa pblica voltada a gerir as garantias dadas pela Unio e
autorizada a ter quadro prprio e ser patrocinadora de plano de prvidncia para seus futuros funcionrios, mas
autorizou o governo a emitir mais de R$ 10 bilhes em dvida para lastrear fundos de garantia antes lastreados por
aes de empresas pblica, liberando estes ativos para a capitalizao de e outras empresas, sem necessariamente
impacto formal no supervit primrio. A devida contabilizao de garantias dadas pela Unio dever tambm fazer
parte do clculo da trajetria da dvida bruta. 10 Lei 11.079 de 2004 e suas alteraes.
10
Essa previso foi sendo modificada: a MP n 513 de 2010 eliminou a vedao de concesso de garantia cujo valor
presente lquido superasse o ativo total do FGP Fundo Garantidor das PPP, enquanto a MP n 575 de agosto de
2012 estabeleceu que o FGP poder prestar garantia mediante contratao de instrumentos disponveis em mercado
(e.g., proporcionado por bancos pblicos),
55
Dinmica da dvida bruta e espao fiscal 1/
Aps um pico em 2002, por conta da forte presena de papis indexados ao dlar, a relao
dvida bruta do setor pblico consolidado/PIB do Brasil vem declinando gradualmente, tendo
passado para menos de 70% em anos recentes. No obstante a melhora, refletida inclusive no
rating soberano do pas, essa relao ainda bem mais alta no Brasil do que na maior parte
dos pases emergentes.
90
Dvida Bruta/PIB (%)
80
70
60
50
40
30
20
10
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Brasil Chile Colmbia
Malsia Mxico Peru
frica do Sul Tailndia Turquia
Fonte: FMI
A reduo dessa relao abaixo de 50% facilitaria a promoo da dvida soberana pelas
agncias classificadoras de risco, para A, podendo chegar ao fim de alguns anos a AA, se a
economia crescer de maneira balanceada e o sistema financeiro se mantiver robusto. A clareza
fiscal ajudaria a diminuir o custo de financiamento da dvida, o qual ainda se mantm bem
acima de 10% nominais, no obstante a Selic ter chegado a 7,25% em 2012.
Considerando um crescimento do PIB de 4%, inflao prxima de 5%, uma Selic neutra
prxima a 8%, e a composio provvel da dvida pblica no que concerne papis pr-fixados,
verifica-se que a dvida bruta/PIB cairia abaixo de 45% at 2012, se fosse mantido o supervit
primrio de 3,1% do PIB, equivalente ao que vinha sendo perseguido pelo governo at
recentemente (sem truques fiscais). Por outro lado, bastaria um supervit primrio de 2,1% do
PIB para, nessas condies, a dvida cair abaixo de 50% do PIB em 2018.
10
Um exemplo bem vvido dessa situao foi o da exigncia de contratos de compra de energia para o financiamento
das termoeltricas nos fins da dcada de 1990. A maior parte dos candidatos no conseguiu apresentar esses
contratos (PPP), no podendo construir as trmicas. Apesar do atraso da resultante talvez ter contribudo para a
falta de energia eltrica em 2001, ele permitiu que se evitasse a construo de muitas trmicas inviveis e estimulou
a reforma do marco regulatrio com a criao do mecanismo de compra de capacidade plenamente inserido no
marco dos leiles de energia.
10
Essa possibilidade se tornou particularmente eficaz aps a abertura do mercado de resseguros pela Lei
Complementar n. 126, que permite a diversificao de grandes riscos no mercado internacional.
10
A MP 564 de abril de 2012 no s criou uma nova empresa pblica voltada a gerir as garantias dadas pela Unio e
autorizada a ter quadro prprio e ser patrocinadora de plano de prvidncia para seus futuros funcionrios, mas
autorizou o governo a emitir mais de R$ 10 bilhes em dvida para lastrear fundos de garantia antes lastreados por
aes de empresas pblica, liberando estes ativos para a capitalizao de e outras empresas, sem necessariamente
impacto formal no supervit primrio. A devida contabilizao
56
Brasil - Dvida Bruta (%PIB)
65.0
60.9
60.0 58.5
55.0
53.4
50.0 49.7
47.2
45.0
43.5
40.0
11
O Brasil mantm uma cooperao intensa com a OCDE h mais de dez anos, e a instituio j manifestou
inmeras vezes seu interesse de ter o pas como membro, o que pode ser alcanado sem a necessidade de ajustes
repentinos nas polticas pblicas, inclusive de comrcio e investimento externo.
57
incluindo para estudantes (FIES) e moradia (Minha Casa Minha Vida), apesar de parte do
subsdio embutido nesses programas serem explicitados no gastos correntes do governo.
Verifica-se, ainda que o gasto do governo federal corresponde a menos da metade do gasto
pblico total, com a despesa com funcionalismo nos Estados sendo significativa, e
decorrente da proviso de servios de segurana, sade e educaao entre outros, alm
do investimento pblico, que maior a nvel subnacional que a nvel federal.
Bolsa
Seg Desemprego Abono Loas INSS Familia
2003 4.994 7.861 1.631 19.155 3.600
2008 6.843 14.852 2.810 22.435 10.600
2012 7.804 21.352 3.683 25.596 13.800
2012/2008 114% 144% 131% 114% 130%
2012/2003 156% 272% 226% 134% 383%
2012/2008 a.a. 3,3% 9,5% 7,0% 3,4% 6,8%
58
Brasil um dos pases que mais gasta com aposentadorias no mundo (mais de 10% do
PIB). Terceiro, os governos subnacionais, dependentes de transferncias constitucionais e
do ICMSalvo de significativa eroso por conta da concorrncia por investimentos privados
entre as unidades federativastm crescentes responsabilidades no que tange segurana
pblica e outros servios pblicos bsicos, inclundo-se a infraestrutura para a educao
secundria. A moderao da atual dinmica do gastoem particular transferncias e
subsdios, inclusive a empresasno uma tarefa simples, mas ser essencial para
aumentar a taxa de crescimento sustentvel da economia e evitar a asfixia tributria. Essa
presso aponta para a importncia de se revitalizar o processo oramentrio como local de
explicitao de escolhascom clara definio das fontes de receitas para novas propostas
de gasto, ou compenses atravs de cortes de outras despesas. A Lei de Responsabilidade
Fiscal j proporciona mecanismos para tanto, que podem ser usados de forma mais ampla e,
nas instncias que se mostrarem necessrias, serem ampliados com vistas a manter-se a
solvncia pblica sem aumentos da carga tributria.
A carga tributria do Brasil, que se aproxima de 40% do PIB, est entre as mais altas
nos pases em desenvolvimento. Com isso, ela um elemento contra a nossa capacidade
de concorrer com outros pases em desenvolvimentoe mesmo com pases desenvolvidos.
De fato a carga tributria brasileira j est em nvel prximo ao dos pases desenvolvidos da
Euopra Ocidental, onde o estado de bem estar social teve maior expresso, e bem mais
alta do que em vrios pases desenvolvidos, especialmente Japo e os pases de tradio
anglo sax. Nesses pases, parte importante do sistema previdencirio tem financiamento
privado, ao invs do sistema de repartio (INSS) vigente no Brasil e na maioria dos pases
europeus, o que alivia a responsabilidade do governo. Por outro lado, observa-se que o
fenmeno de aumento de carga tributria concomitante com o aumento de despesas de
transferncia tem ocorrido em alguns dos nossos vizinhos menos alinhados com a economia
de mercado.
O alto nvel da carga tributria brasileira se traduz em grande peso dos impostos sobre
o consumo. A maior incidncia dos tributos no Brasil se d sobre a cesta de consumo,
onerada tanto pelos impostos federais quanto estaduais e municipais (ICMS, IPI, ISS e PIS-
COFINS). Essa incidncia muito maior do que na maioria dos pases, inclusive
desenvolvidos, e tem efeitos negativos sobre a distribuio de renda. O efeito distributivo da
tributao sobre o consumoainda que contrabalanceado pelas transferncias pblicasno
pode ser desconsiderado e indica seus limites. Esses limites so ainda mais fortes porque
por razes de facilidade de arrecadao, os tributos sobre consumo esto concentados na
comunicao e energia, o que tem importante efeito distorcivo. Alm disso, como o ICMS a
59
base da receita dos Estados, a guerra fiscal tem causado grandes distores alocativas e a
atrofia de inmeras atividades, prejudicando a diversificao da economia e a balana
comercial (o Brasil exporta matria prima in natura porque frequentemente seu
beneficiamento gera impostos que no so devolvidos no momento da exportao).
A alta carga tributria leva tambm a uma grande quantidade de obrigaes acessrias
para garantirem a arrecadao, prejudicando a competitividade do pas. Essas
obrigaes oneram a economia, colocando o Brasil, segundo algumas estatsticas, como o
pas em que as empresas mais gastam tempo atendendo os requisitos para pagar seus
impostos, 2600 horas ao ano, ou 10 vezes mais do que a maioria dos pases relevantes (i.e.,
1000% da mediana em amostras como as publicadas por consultorias internacionais). A
reviso das exigncias do imposto de renda-CSLL sobre o lucro real deve ser acompanhada
pela reforma e unificao do ICMS. A harmonizao do ICMS reduziria enormemente o nus
sobre as empresas, e pode ser alcanada se houver liderana do governo. De fato, o tema,
apesar de espinhoso, avanou nos ltimos 15 anos, especialmente porque a tentativa de
utilizar benefcios fiscais a nveis estaduais esgotou-se, implicando que a atual sistemtica de
uma alta alquota na origem tornou-se muito menos interessante com alternativas a polticas
federais de desenvolvimento. Infelizmente perdeu-se uma grande oportunidade no atual
governo para avaar nessa negociao utilizando o fato de que se discutia ao mesmo tempo
o uso das receitas de royalties de petrleo e daquelas compartilhadas pelo governo federal
(Fundo de Participao dos Estados), e da disponibilidade dos recursos da chamada lei
Kandir, na medida em que a reduo das alquotas na origem eliminariam a necessidade de
compensao aos estados exportadores pelo no ressarcimento dos crditos tributrios
contra elos antecedentes da cadeia de produo em outros estados. Esse uma reforma,
que pela sua importncia, continuar primordial, alm de ser vivel porque intrinsicamente
geradora de valor em prazos relativamente curtos. Esse esforo de simplificao da
tributao ter ainda mais sucesso se for acompanhado de parcimnia no uso de
instrumentos tributrios (desoneraes, crditos, etc.) no s para compensar insuficincias
60
de polticas de desenvolvimento, mas especialmente como forma de perseguir objetivos de
curto prazo, incluindo o estmulo demanda interna. De fato, quanto mais excesses se
criam, mais complexa se torna a legislao, aumentando tambm as distores entre setores
e agentes em geral, nem sempre com resultado positivos identificveis.
Em suma, a situao fiscal exige novas estratgias para compatibilizar uma dinmica
benigna da dvida pblica com a moderao da carga tributria e a complexidade que
ela trs. A presso sobre a arrecadao, com suas consequencias negativas para o
crescimento, e as vantagens de se estabelecer uma perspectiva de queda para a dvida
pblica como proporo do PIB indicam os limites que a despesa pblica poder ter frente.
Explicitar uma trajetria, especialmente para o gasto corrente, tem, portanto mritos.
Ainda que essa explicitao tenha sido rejeitada na dcada passada, pela avaliao dentro
do governo de envolver uma abordagem tosca, ela teria, no mnimo, valor indicativo
importante e poderia ser uma pea crucial para que o foco do governo e de suas agncias
possa passar do aumento continuado da carga tributriaisto da arrecadaopara uma
tributao mais voltada para objetivos de crescimento econnomico e equidade. A moderao
na despesa, necessria para dar credibilidade a qualquer trajetria indicada, exigir um
tremendo esforo tambm para tornar o gasto mais eficiente, de forma a se alcanarem os
objetivos desejados de crescimento e proteo social de forma sustentvel. Ser
indispensvel e urgente focar, assim, na qualidade e efetividade do gasto pblico. A medida
da efetividade e eficincia deve cobrir todos os programas de governo. Uma regra poucas
vezes utilizadas na anlise das polticas pblicas a de medir no s o que foi alcanado
com determinado programa, mas tambm o que foi sacrificado para financi-lo. Esse
sacrifcio inclui no s outros programas com tanto ou mais mrito, mas o que deixou de ser
feito pelo setor privado, por exemplo porque os impostos ou a burocracia que no foi
combatida tornaram invivel atividades que poderiam ter impacto positivo na gerao e
difuso da riqueza nacional. Essa agenda o desenvolvimento natural, mas indispensvel,
para a plena realizao dos objetivos e princpios da Responsabilidade Fiscal, que mostraram
seu valor ltima dcada e meia.
61
A nova fronteira fiscal: a qualidade e monitoramento do gasto pblico
A qualidade do gasto nas chamadas aes finalsticas da Unio, isto , nos servios
oferecidos sociedade ainda um desafio, cujo enfrentamento ajudaria a aumentar a
confiana dos investidores e eleitores. Vencer esse desafio ajudaria o pas acrescer de
maneira equilibrada e, dada a mesma carga fiscal (ou sua reduo, aumentando a renda
disponvel do setor privado), proporcionar mais recursos para o investimento pblico. Suas
implicaes para o efetivo exerccio da cidadania tambm so extensas. Na rea da sade,
por exemplo, apesar da expanso dos planos privados ter diminudo a presso sobre o
sistema pblico, so poucas as notcias de melhora significativa e sustentada de indicadores
de qualidade e resultado.12 Fica a sociedade, portanto, em dvida sobre a efetividade da
obrigao constitucional de dispndio com essas aes, e a justificativa para a rigidez que ela
traz para o oramento em todas as esferas de governo. Em muitos outros setores, a
elaborao e divulgao de indicadores de resultados das polticas pblicas, inclusive de
transferncia de renda, tambm ainda so inadequadas.
Alm disso, apesar do sucesso dos planos plurianuais PPAs em disciplinar a poltica
fiscal, o investimento pblico ainda carece de melhor planejamento e priorizao, que
facilite sua execuo e a anlise de seus resultados. Apesar de alguns projetos anunciados
recentemente responderem a demandas estabelecidas h dcadas, uma srie de decises
no so bvias: porque criar um terminal de minrio em Ilhus ao invs de concentrar o fluxo
ferrovirio para a baia de Todos os Santos, que j tem uma infra-estrutura e est no mesmo
estado? Porque asfaltar a BR 163 ate Santarem ao invs de direcionar o fluxo de soja para a
ferrovia Norte Sul, onde a mata est menos preservada e j foram investidos bilhes,
especialmente se parte do fluxo sair pelo Par? Como essas, h inmeras questes, inclusive
qual a prioridade para licitao e entre os 20 trechos selecionados em 2012, e a poltica de
preo do futuro uso dessa malha e todo o modelo da malha ferroviria. Tem havido pouca
discusso sobre esses temas, no obstante seus impactos sobre investidores, contribuintes e
a sociedade em geral.
A apresentao dos gastos pblicos sociedade tambm ganharia se fosse dada maior
ateno relao entre custos e benefcios dos projetos e programas. No que tange
aos investimentos, no h, por exemplo, ainda anlise governamental sistemtica dos
benefcios trazidos pelos mais de R$ 30 bilhes aplicados pelo Ministrio dos Transportes nos
12
No se deve desmerecer o aumento paulatino do nmero de intervenes complexas na rede do SUS e a
expanso do fornecimento de medicamentos, mas h pouca informaes sobre melhora dos indicadores de sade e
o Indice de Desempenho do SUS (IDSUS) d apenas informaes do acesso ao sistema.
13
O PAC se traduz em mltiplas declinaes, com o PAC da sade tendo entre seus objetivos a diversificao da
produo farmacutica no Brasil; recentemente, o IPEA sugeriu que o PAC inclusse aes que promovessem a
melhora das condies de trabalho na construo civil.
14
Por exemplo, http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/divulgacao-do-balanco ou http://www.brasil.gov.br/pac/pac-2/pac-
2-relatorio-5.
62
ltimos anos em 2011. Apenas, sabe-se que a Confederao Nacional de Transporte CNT
identifica que 37% da malha federal estariam em condies timas ou boas em 2012, contra
33,1% em 2009 e 25,8% em 2007 (nas rodovias privatizadas essa proporo se manteve
entre 75% e 80% em todo o perodo). Consideraes anlogas sobre o uso dos emprstimos
e recursos do OGU para o saneamento e outros investimentos pblicos indicam a
necessidade de se priorizar a medio da qualidade e efetividade do gasto, como vem sendo
sugerido pela OCDE h quase dez anos. 15 A divulgao dessas mtricas pode ser poderoso
instrumento na formao de expectativa dos investidores nessas e em outras reas, assim
como hoje a divulgao de indicadores de qualidade sobre o resultado fiscal e a inflao
facilitam a tomada de deciso no setor privado.
15
Blndal et all., 2003 Budgeting in Brazil, in OECD Journal of Budegeting, Vol. 3, N.1 um dos primeiros exemplos,
confirmado por avaliaes sucessivas da OCDE.
16
OCDE, Avaliao da Integridade no Brasil da OCDE: a gesto de riscos para uma daministrao pblica mais
trnasparente e tica2011;
63
reforar o pacto federativo e estimular a competio construtiva entre Estados.17 Essa
abertura j presente, por exemplo, no princpio na Lei das PPP, que reconhece o valor de
projetos oferecidos pelo setor privado, aproveitando de maneira institucional seu
conhecimento e sensibilidade.
A deficincia de investimentos tem causas fiscais, inclusive via presso dos juros. A
responsabilidade fiscal continua, portanto, essencial para o crescimento econmico do Brasil
e seria fortalecida pela enunciao clara da estratgia econmica do governo que evite
surpresas e desconfianas, indispensvel para no alienar investidores, contribuintes e
cidados. A adoo de uma meta para a trajetria da dvida bruta do setor pblico como
proporo do PIB, que servisse para a derivao explcita das metas fiscais, inclusive de
supervit primrio, mas podendo incluir uma trajetria para o gasto pblico, notadamente o
corrente, seria um primeiro passo nessa direo, fortalecendo as relaes com o setor
produtivo.
17
Na Sade, a Unio aproveitou o modelo das Unidades de Pronto Atendimento-UPA desenvolvido no RJ, mas os
exemplos desse tipo so poucos.
64
ERP-entreprise resource planning-sistemas integrados de gesto nas empresas). Essa
estrutura incorpora ainda de maneira integral a verificao da conformidade legal, durante a
execuo do gasto, reduzindo o custo de implementao e monitoramento deste, e
permitindo que a auditoria pblica foque mais na efetividade das aes. Acompanhada de
maior ateno anlise das polticas pblicas, traria ainda ganhos de eficincia ao dispndio
direto e transferncias.
Uma estratgia para encapsular aes como as alinhavadas acima poderia incluir ainda uma
reavaliao do interesse do Brasil se tornar membro pleno da OCDE, em condies
adequadas ao pas. Tal orientao poderia abrir novos reservatrios de poupana de longo
prazo e custos reduzidos, facilitando a gesto fiscal e o investimento privado.
65
Propostas para melhorar a qualidade do sistema
tributrio
Bernard Appy
Uma das caractersticas do sistema tributrio brasileiro a pssima qualidade dos impostos e
contribuies cobrados da populao e das empresas. Por conta destes defeitos, a estrutura
tributria brasileira induz a uma organizao ineficiente da economia, prejudica os
investimentos e as exportaes e tributa desigualmente os iguais, seja do ponto de vista
vertical (pois contribuintes com a mesma renda so tratados diferentemente dependendo de
sua forma de constituio), seja do ponto de vista horizontal (na medida em que se
estabelecem tratamentos tributrios distintos entre diferentes setores de atividade).
Neste contexto, essencial fazer mudanas profundas na estrutura tributria brasileira. Estas
mudanas devem ter como objetivo um sistema tributrio que seja mais simples, mais
equnime e mais transparente, favorecendo o crescimento e, na medida do possvel, uma
melhor distribuio de renda.
Embora uma reforma completa do sistema tributrio brasileiro seja necessria, esta pode ser
realizada em diversas etapas. O essencial que todas as mudanas sejam feitas tendo
objetivos claramente definidos. Em particular, importante evitar que as mudanas na
estrutura tributria sejam utilizadas como instrumento para resolver problemas conjunturais,
pois alteraes precipitadas no sistema tributrio tendem a agravar ainda mais as distores
atualmente existentes.
A literatura internacional recomenda que a tributao dos bens e servios seja feita atravs
de um nico tributo incidente sobre uma base ampla em termos de setores e categorias de
contribuintes, de preferncia um imposto sobre o valor agregado (IVA). No Brasil h quatro
tributos que incidem sobre bens e servios (ICMS, IPI, ISS e PIS/Cofins), nenhum deles
alcanando todos os setores e todas as categorias de contribuintes (como pessoas jurdicas e
fsicas).
Todos estes quatro tributos apresentam srias deficincias, que induzem a uma organizao
ineficiente da estrutura produtiva, alm de gerar elevados contenciosos. A seguir apresentam-
se algumas sugestes de aperfeioamento da estrutura destes quatro tributos. Algumas so
de natureza geral, aplicando-se a mais de um tributo, e outras so especficas. De modo
66
geral, as sugestes apresentadas tm como referncia as melhores prticas internacionais na
estruturao de IVAs.
e) Num horizonte de longo prazo, buscar criar condies para reduzir o nmero de
tributos incidentes sobre bens e servios e harmonizar a legislao destes tributos.
Idealmente, o IPI (que um imposto incompatvel com a moderna tributao do valor
agregado) deveria ser extinto e o ISS incorporado ao ICMS, preservando-se, via
transferncias, as receitas dos municpios. Adicionalmente dever-se-ia buscar a
harmonizao da legislao do ICMS com a do PIS/Cofins. Estas mudanas so
politicamente complexas, mas preciso, no mnimo, iniciar uma discusso sobre seus custos
e benefcios.
Uma das reaes elevada carga tributria no Brasil foi a criao de regimes diferenciados
de tributao para micro e pequenas empresas (MPEs). Embora uma menor tributao das
empresas de menor porte seja necessria inclusive porque estas esto mais sujeitas
concorrncia de empreendimentos informais , o modelo adotado no Brasil para desonerar as
MPEs gera srias distores e dificulta o crescimento das empresas.
67
H hoje no Brasil uma multiplicidade de regimes tributrios. Alm do regime normal de lucro
real (adotado pelas grandes empresas) h o regime de lucro presumido (para empresas com
receita anual at R$ 72 milhes), o SIMPLES (receita at R$ 3,6 milhes), no qual h seis
tabelas diferentes e pelo menos trs regimes tributrios distintos, e o regime de
microempreendedor individual (MEI receita at R$ 60 mil/ano).
Como explicado no incio deste texto, a complexidade do sistema tributrio brasileiro contribui
para um elevado grau de litgio entre os contribuintes e o Fisco. Embora a simplificao do
sistema tributrio certamente contribua para reduzir o nvel de litgio sobre matrias
tributrias, sugere-se que, adicionalmente, seja criada uma agenda de trabalho especfica
com o objetivo de reduzir o contencioso tributrio no Brasil.
Esta agenda, a ser discutida entre o Governo e as empresas, deveria considerar propostas
que contribuam para reduzir o grau de divergncia de interpretao sobre matrias tributrias,
bem como para agilizar a tramitao de litgios na esfera administrativa e, eventualmente,
viabilizar a transao e a conciliao na esfera judicial ou administrativa entre o Fisco e os
contribuintes. Idealmente deveria se reduzir o grau de detalhamento de matrias tributrias na
Constituio Federal, pois o excessivo detalhamento destas matrias na Constituio d
margem a um a questionamentos sobre matrias tributrias cuja interpretao deveria ser
pacfica.
68
Medidas para elevar a contribuio do trabalho
ao crescimento econmico e melhorar a
competitividade
Aurlio Bicalho e Ilan Goldfajn
1. Introduo
Nos ltimos tempos, houve crescimento muito baixo da produtividade, fato que se mantido por
um perodo prolongado traz desequilbrios. A perda de competitividade da economia brasileira
e a necessidade de ajuste das contas externas trazem desafios futuros importantes.
Nossas estimativas mostram que uma depreciao da taxa de cmbio real leva reduo dos
salrios reais. As estimativas reforam a importncia dos ganhos de produtividade na soluo
deste desequilbrio. Para evitar a perda de renda real no perodo em que h depreciao da
taxa de cmbio para melhorar a competitividade, a produtividade precisa crescer. Um ajuste
de forma suave, com medidas que produzam efetivamente ganhos de produtividade,
contribuiriam para corrigir desequilbrios nas contas externas minimizando o impacto no
padro de vida das famlias.
Postergar esse ajuste pode levar a uma correo forte da taxa de cmbio, o que elevaria a
inflao, diminuiria o crescimento econmico e causaria uma reduo mais intensa e
instantnea do poder de compra da populao. As consequncias seriam negativas para a
distribuio de renda e na capacidade de gerar mais avanos sociais no mdio prazo.
A taxa de desemprego teve uma reduo significativa nos ltimos anos. Em outubro de 2003,
a taxa de desemprego (em 6 regies metropolitanas medida pela Pesquisa Mensal de
Emprego/IBGE) chegou a 13,2%. A partir deste perodo, iniciou-se uma trajetria de queda
consistente, at alcanar um patamar prximo a 5,0% nos ltimos meses de 2013 18. Essa
18
Dados com ajuste sazonal.
69
queda da taxa de desemprego refletiu um perodo de crescimento da populao ocupada
acima do crescimento da fora de trabalho (PEA). Entre 2004 e 2013, a populao ocupada
cresceu, em mdia, 2,2% ao ano, enquanto a Populao Economicamente Ativa avanou
1,5% ao ano. Portanto, o crescimento econmico do perodo absorveu mo de obra a um
ritmo superior quele de entrada de pessoas no mercado de trabalho.
12
11
10
4
dez/03
jun/04
dez/04
jun/05
dez/05
jun/06
dez/06
jun/07
dez/07
jun/08
dez/08
jun/09
dez/09
jun/10
dez/10
jun/11
dez/11
jun/12
dez/12
jun/13
dez/13
Grfico 2: Taxa de crescimento da populao ocupada e da PEA.
Pop. ocupada
3.5%
PEA
3.0%
2.5%
2.0%
1.5%
1.0%
0.5%
0.0%
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
70
Grfico 3: Formalizao do mercado de trabalho
Formalizao crescente
58 % da Pop. Ocupada com carteira assinada
56
54
52
50
48
46
44
42
40 mar/02
mar/03
mar/04
mar/05
mar/06
mar/07
mar/08
mar/09
mar/10
mar/11
mar/12
mar/13
O aumento do emprego e da formalizao so identificados 19 como fatores de suma
importncia para os avanos sociais e de melhoria da distribuio de renda dos ltimos anos.
Portanto, polticas que gerem maior crescimento econmico, emprego e renda no longo prazo
devem ser implementadas em detrimento de estmulos apenas de curta durao que causam
desequilbrios que podem colocar em riscos os ganhos de renda dos ltimos anos.
A forte expanso do mercado de trabalho na ltima dcada foi possvel, em grande parte, pela
existncia de ociosidade de mo de obra. Havia pessoas disponveis para trabalhar em
abundncia o que permitiu o emprego crescer a taxas elevadas durante o ciclo recente de
expanso econmica. Contudo, com a taxa de desemprego em nveis historicamente baixos,
esse processo mostra sinais de esgotamento. De fato, comeam a surgir restries
expanso da economia advindas das condies do mercado de trabalho.
19
Veja Barros, R., Carvalho, M., Franco, S. e Mendona, R. (2010) Determinantes da Queda na Desigualdade de
Renda no Brasil, Texto para Discusso n. 1460, IPEA., e avaliao da Secretaria de Assuntos Estratgicos do
Governo Federal em http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2014/05/trabalho-e-o-fator-que-mais-contribui-
para-a-queda-das-desigualdades.
20
Dados de 2012.
21
Hanushek, E. e Woessmann, L. (2009), Schooling, cognitive skills, and the Latin American growth puzzle, Working
Paper, NBER.
71
Considerar essas restries na formulao da poltica econmica importante para se evitar
que os desequilbrios produzidos por elas causem, a mdio prazo, reverses no crescimento
da renda e na melhoria de sua distribuio.
Duas restries que se destacam so: (i) desacelerao da oferta de trabalho, devido
principalmente demografia e (ii) aumento dos salrios reais acima da produtividade e perda
de competitividade.
Nesse perodo em que a demanda por trabalho cresceu a taxas elevadas, a oferta
desacelerou. Nos primeiros 5 anos da ltima dcada (2004-2008), a Populao
Economicamente Ativa (PEA) cresceu 1,7% ao ano, em mdia, enquanto na ltima metade da
dcada esse avano foi de 1,3% ao ano, em mdia22.
De fato, h uma desacelerao da fora de trabalho com origem, em grande parte, nas
transformaes demogrficas. H uma reduo do ritmo de crescimento da populao: de
1,2% ao ano (2004-2008) para 1,0% ao ano (2009-2013). Mas h uma desacelerao ainda
mais rpida na faixa etria de 20 a 59 anos, grupo que forma grande parte da fora de
trabalho. Nesse grupo, a taxa de crescimento passou de 2,0% ao ano (2004-2008), em mdia,
para 1,4% ao ano (2009-2013), na mdia do perodo.
O crescimento da fora de trabalho j tem contribudo menos para a expanso do PIB e esse
ser um desafio ainda maior nos prximos anos. Entre 2004 e 2008 a contribuio da fora de
trabalho para o crescimento do PIB foi de 1,0 p.p. ao ano, em mdia 24. Essa contribuio
passou para cerca de 0,8 p.p. entre 2008 e 2013. Para os prximos anos, dada a dinmica
populacional, essa contribuio dever cair para prximo de 0,6%. Alm disso, tem o efeito do
envelhecimento da populao sobre a poupana, que pode reduzir a acumulao de capital. A
produtividade tambm tende a ser menor nessa faixa etria. Logo, todos esses elementos em
conjunto podem limitar de forma relevante a capacidade de crescimento da economia.
22
Dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME/IBGE).
23
Projees do IBGE.
24
Clculos a partir de uma funo de produo Cobb-Douglas.
72
3.2 A perda de competitividade
Outra caracterstica marcante do mercado de trabalho nessa ltima dcada foi o vultoso
crescimento do salrio real mdio. A forte expanso do emprego ao mesmo tempo em que a
PEA crescia a taxas mais baixas pressionou os salrios e custos de produo, especialmente
em setores intensivos em mo de obra. Os elevados reajustes do salrio mnimo no perodo
tambm contriburam para a expanso da renda mdia do trabalho.
Entre 2004 e 2013, o salrio real mdio cresceu 2,6% ao ano, em mdia. No entanto, o
produto por trabalhador25 avanou 1,4% ao ano. Essa diferena entre crescimento dos
salrios e da produtividade, durante algum tempo, fez parte de uma recuperao dos salrios
reais aps a queda decorrente do choque no cmbio e do aumento da inflao em 2002 e
2003. Porm, esse persistente descolamento entre a taxa de crescimento dos salrios e da
produtividade, e a apreciao do cmbio, levaram a um aumento significativo do custo unitrio
do trabalho em dlares e reduo da competitividade da economia brasileira.
4%
3%
2%
1%
0%
-1%
-2%
Produtividade trabalho
Crescim ento salrio real m dio
-3%
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
A perda de competitividade da economia brasileira pode ser vista na comparao com outros
pases. Entre 2002 e 2012, por exemplo, o custo do trabalho em dlares por hora trabalhada
na indstria subiu 263% no Brasil, enquanto que na Coria do Sul o aumento foi de 102% e
no Mxico de 14%26. Esse resultado no seria um problema se a produtividade tivesse
crescido significativamente mais no Brasil neste perodo. No entanto, para a economia como
um todo, os indicadores de produto por hora trabalhada mostram um aumento acumulado de
11% no Brasil, de 53,6% na Coria do Sul e de 9,6% 27 no Mxico. Portanto, os salrios em
dlares por hora trabalhada na indstria provavelmente cresceram significativamente mais do
25
Uma melhor medida seria o produto por horas trabalhadas.
26
Dados do BLS.
27
Dados do Conference Board.
73
que a produtividade, como os dados para a economia como um todo sugerem. Logo,
bastante evidente a perda de competitividade ocorrida nos ltimos anos.
verdade que parte dessa alta representou uma recuperao da grande reduo dos salrios
em dlares produzida pela depreciao do cmbio, aumento da inflao e recesso
econmica entre 2002 e 2003. Mas, medida que a produtividade no acompanhou o ritmo
de aumento dos salrios, o Brasil ficou mais caro para se produzir e menos competitivo em
relao a alguns de seus competidores no mercado internacional.
Esse quadro, portanto, leva necessidade de ajustes. Uma parte do ajuste passa por uma
taxa de cmbio real mais depreciada. O cmbio real mais depreciado reduz nossos salrios
em dlares, melhorando nossa competitividade, e diminui o preo das nossas exportaes no
mercado internacional. Porm, no livre de custos um ajuste da taxa de cmbio real. Existe
um trade-off entre competitividade e padro de vida, entre depreciar a taxa de cmbio real e
manter os ganhos salariais observados nos ltimos anos.
= + + + .
Na equao acima, W o salrio real mdio, E a taxa de cmbio real (aumento significa
apreciao do cmbio) e G a produtividade do trabalho. Os coeficientes do modelo so a, b e
c, que vo ser estimados a partir dos dados disponveis. Pela teoria, espera-se b,c > 0.
Nessa estimativa, utilizamos dados de srie de tempo trimestrais de 1991 a 2013 apenas para
a economia brasileira29. Uma outra estimativa foi feita com dados em painel de salrio real,
produtividade e taxa de cmbio real para 31 pases, no perodo de 1997 a 2012. Como
mostram os resultados das estimativas na tabela a seguir, tanto no modelo em srie de tempo
quanto no modelo em painel, h evidncias de que depreciaes (apreciaes) da taxa de
cmbio reduzem (aumentam) o salrio real mdio assim como ganhos de produtividade
elevam os salrios mdios30.
Collins, S. e Park, W. (1989), Exchange Rates, Wages, and Productivity, NBER. Volume Title: Developing Country
28
Debt and Economic Performance, Volume 3: Country Studies - Indonesia, Korea, Philippines, Turkey
29
Os dados de salrio real mdio so da PME/IBGE e utilizam informaes da PME nova e antiga. Os dados de taxa
de cmbio real efetiva tm como fonte o Banco Central do Brasil. O dado de produtividade um clculo de produto
por trabalhador a partir da razo do PIB com a populao ocupada estimada a partir da PME nova e antiga. Os dados
foram dessazonalizados.
30
No painel, os dados de salrios reais utilizados nas estimativas so do BLS - hourly compensation costs in
manufacturing. Esses dados incluem as despesas com salrios, seguridade social e impostos. Os dados so em
moeda corrente do pas e foram deflacionados pelo IPC de cada pas (dados do FMI). Os dados de taxa de cmbio
real efetiva esto disponveis no link: http://www.bruegel.org/publications/publication-detail/publication/716-real-
effective-exchange-rates-for-178-countries-a-new-database/. Utilizamos como medida de produtividade os dados de
74
Tabela 1: Estimativa em srie de tempo e painel
Mtodo: OLS OLS OLS
Amostra: 1991:1 2013:4 1991:2 2013:4 1998-2012
Perodos: 15
Cross-sections: 31
Observaes: 92 91 465
Variable dependente: LOG(SALARIO_REAL) DLOG(SALARIO_REAL) DLOG(SALARIO_REAL)
Coeficiente
C 1.20 0.00 0.01
(0.78) (1.08) (6.89)*
LOG(CAMBIO_REAL) 0.27
(3.01)*
LOG(PRODUTIVIDADE) 0.81
(2.67)*
DLOG(CAMBIO_REAL) 0.12 0.09
(2.53)** (4.16)*
DLOG(PRODUTIVIDADE) 0.14 0.14
(0.53)** (2.35)**
Especificao dos efeitos
Cross-section fixed (dummy
variables)
Para evitar a queda dos salrios reais a produtividade precisa crescer mais. Esse o principal
mecanismo para neutralizar o efeito desse ajuste no poder de compra das famlias e acelerar
os ganhos de competividade. Ganhos de produtividade no s elevariam a competitividade,
como aumentariam a taxa de crescimento do produto, corrigindo os desequilbrios gerados
pela perda de competitividade dos ltimos anos sem impor grandes custos sociedade. A
Coria do Sul conseguiu entre 1982 e 1986 depreciar a taxa de cmbio e ao mesmo tempo
sustentar ganhos elevados de salrios reais. Isso s foi possvel com ganhos elevados de
produtividade.
PIB por hora trabalhada calculado pelo The Conference Board e disponvel no link: http://www.conference-
board.org/data/economydatabase/.
75
4.1. Polticas de estmulos imigrao.
Proposta:
Outro caminho para aumentar a oferta de trabalho, pelos menos por alguns anos, elevar a
taxa de participao. A taxa de participao no Brasil baixa. Medidas que estimulem o
retorno de pessoas para a fora de trabalho poderiam contribuir para suavizar o declnio da
contribuio do trabalho para o crescimento decorrente do menor aumento da populao. As
mulheres e os mais velhos poderiam ser estimulados a entrar ou a voltar ao mercado de
trabalho.
Propostas:
31
Dados citados em reportagem da Folha de So Paulo. link:
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/05/1280061-brasil-vai-simplificar-visto-de-trabalho-para-
estrangeiros.shtml
32
Os dados so dos Censos Demogrficos (IBGE) e consideram os estrangeiros e os naturalizados.
Dados das Naes Unidas (UNdata) e do artigo de Orrenius e Zavodny (2013) Immigrants in the U.S. Labor
33
76
4.3. Aumento da produtividade do trabalho.
Propostas:
77
Governana das Polticas Pblicas
Marcos de Barros Lisboa34
1 Introduo
Parte desses instrumentos de rentismo tem origem nas formas usuais de persuaso
dos grupos de interesse. Lisboa e Latif (2013) enfatizam, porm, o papel igualmente relevante
da ideologia e das opes polticas, que, no caso do projeto nacional-desenvolvimentista,
passa pelo desenvolvimento de setores produtivos pouco competitivos ou mesmo at ento
inexistentes. Isso significa que a poltica pblica pode, inclusive, criar os grupos de interesse,
ao invs apenas do caso de rentismo, em que a poltica decorrente da presso dos grupos
de interesse. Por essa razo, Lisboa e Latif (2013) utilizam o termo rentismo
institucionalizado.
34
Vice-Presidente do Insper.
78
A concesso de benefcios setoriais a grupos selecionados, no entanto, pode resultar
no prejuzo da maioria em decorrncia do seu custo fiscal e das distores econmicas,
resultando em baixo crescimento econmico. As caractersticas especficas do nosso
processo poltico permitem a satisfao das demandas localizadas sem a contrapartida da
avaliao do seu impacto agregado sobre o bem estar da sociedade. Concede-se no varejo
aos grupos especficos, e a conta total dos benefcios distribudos implica custos difusos sobre
o restante da sociedade. A democratizao dos privilgios, como denomina Marcos Mendes,
teve como contrapartida, nos ltimos anos, o baixo crescimento econmico.
Este artigo tem por objetivo propor um conjunto de princpios e reformas com o
objetivo de garantir maior transparncia e eficincia para a poltica pblica e os seus impactos
sociais.
79
Esses conflitos devem ser enfrentados com procedimentos bem definidos e critrios
transparentes, qualquer que seja o peso relativo a ser concedido a cada uma das opes. Os
mandatos das agncias devem ser precisamente delimitados, e reduzida a sobreposio de
atribuies que hoje caracteriza diversas reas. As solues para infraestrutura, e seus
diversos impactos e custos de oportunidade, devem ser considerados de forma integrada,
permitindo decises colegiadas e resultando em maior previsibilidade e transparncia das
decises de investimento.
Dessa forma, este texto prope discutir princpios gerais para a governana das
polticas pblicas, as regras e procedimentos que balizam as deliberaes do executivo, e os
mecanismos de controle e avaliao de resultados. Nossa tradio normativa enfatiza o
controle dos procedimentos adotados, sendo bastante detalhista em muitos casos as etapas a
serem observadas, alm de abrangente sobre as responsabilidades em caso de
descumprimento.
A parte final deste texto, prope uma agenda de reviso da governana das polticas
pblicas: melhor definio das competncias das diversas instancias do executivo, como das
agencias reguladoras, maior nfase na gesto e avaliao dos resultados obtidos, com a
reviso e ampliao das aladas colegiadas dos gestores pblicos, do que pelo cumprimento
de processos, frequentemente ineficientes. Alm disso, a nfase em resultados permitiria
simplificar e harmonizar o complexo ambiente institucional que caracteriza a poltica pblica
no Brasil.
Ao invs de uma agenda especfica sobre qual o conjunto de polticas pblicas que
deveriam ser adotadas, este texto enfatiza os processos para conduzi-las, avalia-las e
reforma-las. Sobretudo, enfatiza a necessidade de maior transparncia e avaliao de
resultados, com regras para o acesso aos microdados por pesquisadores independentes,
fortalecendo o contraditrio informado nas deliberaes democrticas, e contribuindo para a
maior qualidade da poltica pblica.
80
Receita tributria total (em% do PIB), 2012
Brasil 37.2
Argentina 40.3
Chile 23.9
China 22.6
ndia 19.1
Israel 38.9
Coreia 23.3
Mxico 23.6
Turquia 34.7
Fonte: FMI
81
Uma agenda tributria deveria incluir os seguintes aspectos:
Os impostos que teoricamente seriam sobre valor adicionado no Brasil (como ICMS,
PIS e parte da PIS e COFINS) adotam o critrio de crdito fsico (que permite deduzir apenas
os impostos diretamente vinculados ao processo produtivo) ao invs do regime financeiro.
Esse critrio gera diversas disputas sobre quais os insumos so efetivamente necessrios ao
processo produtivo, adicionando uma insegurana jurdica desnecessria para o clculo dos
impostos devidos. O mecanismo usual na maioria dos pases para o clculo do IVA permite a
deduo do imposto embutido na compra de todas as despesas incorridas pelas empresas.
82
A precisa delimitao dos custos diretamente requeridos para a produo e as demais
despesas da empresa so pouco precisos gerando incerteza, arbitragem por parte do setor
privado e ausncia de critrios claros por parte do controle pblico. Quais os itens que so
diretamente requeridos pelo processo produtivo? Do uniforme dos funcionrios, s despesas
com energia ou com demais insumos utilizados na gesto do negcio, a insegurana
decorrente dos critrios adotados resulta na complexidade dos recursos alocados aos
procedimentos contbeis e jurdicos assim como colabora para o contencioso jurdico que
onera a gesto dos negcios e reduz a produtividade do setor produtivo.
A proteo social aos grupos de baixa renda pode ser melhor enfrentada com a
ampliao das transferncias diretas de recursos ao invs de mecanismos ineficientes que
discriminam itens especficos de consumo, como transporte e bens culturais. Estes ltimos
alimentam a poltica, mas no o bem estar social, ao conceder menores recursos do que os
que seriam direcionados por outros mecanismos de transferncia, e implicar a imposio de
intermedirios privados, que cobram pela prestao do servio.
35
Esse tema requer maior detalhamento na discusso ampla sobre reforma tributria.
83
Alm disso, existe um conjunto de obrigaes trabalhistas que significam gastos para
as empresas, mas que so distribudos de forma indireta e ineficiente aos trabalhadores,
como os diversos vales, em que os gastos das empresas so maiores do que os valores
recebidos pelos trabalhadores pela necessidade de intermedirios privados para realizar as
transferncias, mas que acabam se beneficiando de isenes de usuais contribuies
trabalhistas.
Existem tributos sobre o trabalho que no passam pelo oramento pblico, como o
Sistema S e o FGTS. O Sistema S corresponde a 0,3% do PIB transferidos diretamente a
agncias privadas que oferecem um grande conjunto de servios cuja avaliao de resultados
carece, no entanto, de avaliao transparente do seu custo de oportunidade. Caso a
sociedade julgue necessrio a manuteno dessa poupana compulsria, poderia se
conceder maior liberdade ao trabalhador na aplicao dos recursos, tanto do destino dos
recursos quanto da instituio responsvel pela sua gesto, que teriam liberdade para
oferecer maiores taxas de juros aos poupadores.
84
adoo de polticas industriais. Essa agenda apenas procura disciplinar a sua forma de
interveno e o seu processo de deliberao.
Lisboa, Menezes-Filho e Schor (2010) estimam que a abertura comercial dos anos
1990 teve um impacto positivo sobre a produtividade das empresas ao permitir o acesso a
insumos e bens de capital mais eficientes.
85
diretamente afetados pela poltica pblica, mobilizando-se tanto para aumentar os recursos
recebidos quanto para opor-se a sua retirada. Para o restante da sociedade, no entanto, cada
caso particular de concesso de benefcios tende a ser relativamente insignificante, no
gerando incentivo para a discusso transparente e ampla sobre o seu mrito. Alguns, poucos,
se mobilizam pela manuteno dos benefcios sem a oposio da maioria, que ignora seus
impactos difusos.
86
produtivas, e reduzir a sua produtividade. Alm disso, a mediao pelo oramento pblico
garante a maior transparncia aos benefcios concedidos e permite a deliberao democrtica
dos recursos.
Para reduzir o risco de captura por parte dos grupos beneficiados pelas polticas de
interveno, devem ser existir regras e procedimentos que garantam transparncia similar
obtida por solues de mercado assim como a avaliao independente da poltica pblica
discricionria. Metas transparentes dos custos e benefcios esperados pela poltica e a
disponibilizao dos dados referentes aos impactos difusos da interveno permitiriam a
reavaliao peridica dessas polticas, subordinadas ao debate democrtico amplo, que
87
incorporem todos as suas consequncias econmico e sociais, sem privilegiar unicamente os
grupos imediatamente beneficiados.
88
Sobretudo, a inadequao da governana leva a decises socialmente ineficientes,
inclusive sobre o meio ambiente. Casos so decididos com base em solues especficas
sem a anlise da sua repercusso geral. A indefinio das aladas das agncias pblicas e a
criminalizao das decises administrativas amplia a morosidade ineficiente das decises
pblicas.
89
A repetio dessas dificuldades em diversos projetos nos ltimos anos, tornando-as
previsveis, passou a ser incorporada pelos participantes dos processos de licitao,
resultando na reduo da oferta e no aumento dos custos, e preos, dos servios de
infraestrutura, prejudicando toda a sociedade.
Projetos executivos bem detalhados, por outro lado, permitiriam melhor identificar
seus impactos, auxiliando a negociao dos conflitos por meio do poder pblico antes das
licitaes.
Ao invs disso, deveria haver previsibilidade sobre o que necessrio para a eventual
aprovao dos investimentos, assim como sobre as aladas das decises colegiadas dos
servidores pblicos, que deveriam ser questionadas apenas se descumprissem seus
mandatos democraticamente estabelecidos.
90
7 Referncias
91
Transformando a vida dos mais pobres
Naercio Menezes Filho
1. Introduo
A agenda social evoluiu muito no Brasil nos ltimos 20 anos. No passado tinha-se a ideia de
que para melhorar a vida dos mais pobres era apenas necessrio formar elites esclarecidas,
que formulariam polticas econmicas corretas que, por sua vez, ajudariam a reduzir a
pobreza indiretamente atravs do crescimento econmico. Hoje em dia est mais
sedimentada a ideia de que as crianas nascidas em famlias mais pobres deveriam ter
condies iniciais parecidas com as nascidas em famlias mais ricas, para poderem exercer
livremente suas escolhas e tambm contribuir para o crescimento e desenvolvimento do
pas, atravs de um mercado competitivo.
Mas, como a sociedade pode dar condies iniciais iguais para todos? Fornecendo servios
de sade e educao de qualidade para que as pessoas possam atingir um nvel de capital
humano no incio da vida adulta que os permita competir em igualdade de condies no
mercado de trabalho, independentemente de sua condio social. O objetivo de fazer com
que as crianas nascidas em famlias pobres consigam sair da pobreza no longo prazo por
seus prprios meios. O sucesso pleno do programa bolsa famlia ocorrer quando ele no for
mais necessrio.
Assim, sugerimos nesse documento duas propostas para continuar a transformar a vida das
famlias mais pobres. A primeira visa melhorar a qualidade da educao, sugerindo um
programa em que o governo federal incentiva os estados e municpios a adotarem prticas
eficazes para melhorar o aprendizado nas escolas pblicas. A segunda visa aprofundar os
programas Bolsa-Famlia e Sade na Famlia para lidar como desenvolvimento infantil,
92
dado que o aprendizado das crianas pode ser muito afetado pelo que ocorre nos primeiros
anos de vida. Vamos a elas.
Porm, a qualidade da educao tem melhorado pouco e muito lentamente, com avanos
concentrados no 5 ano. Resultados do PISA 2012, por exemplo, mostram que 67% dos
nossos alunos ainda tm desempenho sofrvel em matemtica e somente 1% consegue
aplicar modelos a situaes complexas. Estamos 103 pontos atrs de mdia da OCDE (cada
40 pontos equivale a um ano a mais de estudo). Os estudantes paulistas fizeram 414 pontos,
200 pontos a menos que Xangai, o equivalente a cinco anos de estudo para a mesma idade.
Mesmo se considerarmos apenas os alunos cujos pais tm nvel superior, os alunos de
Xangai esto 219 pontos acima dos brasileiros. Alm disso, h uma diferena muito grande
entre qualidade das escolas pblicas e privadas, o que refora desigualdade de renda.
Assim, o foco tem que ser em melhorar a qualidade da educao. Como melhor-la?
O aprendizado dos alunos nas escolas pblicas muito baixo por vrios motivos. Em
primeiro lugar, os alunos muitas vezes j chegam escola com srias deficincias no seu
desenvolvimento cognitivo e no-cognitivo (ver proposta 2 abaixo). O background familiar
(nvel socioeconmico das famlias) muito importante para o desempenho dos alunos,
explicando cerca de do seu desempenho em testes padronizados. Mas, melhorar o
background familiar leva tempo e no parece ser suficiente no caso brasileiro (ver resultados
do Pisa para os brasileiros filhos de pais mais escolarizados).
Com relao aos professores, nosso principal problema que o ensino de graduao em
grande parte das faculdades de pedagogia fraco, terico e com pouca nfase na prtica em
sala de aula. No h um currculo nico mostrando o que cada professor deve ensinar em
cada srie. Os diretores das escolas muitas vezes so escolhidos por critrios polticos e
costumam ficar pouco tempo nas escolas, especialmente nas piores escolas.
93
educao e seu desempenho mediano. O Brasil gasta menos por aluno do que os pases
da OCDE porque seu PIB per capita menor. Alm disso, Brasil gasta muito com ensino
superior e pouco com ensino bsico. Finalmente, o Brasil perde muitos recursos com a alta
taxa de repetncia que persiste no nosso sistema educacional. Assim, se no mudarmos o
modo como os recursos educacionais so gastos no sistema, mais recursos no levaro a
um aumento de qualidade.
que trata a LC 87/1996 Lei Kandir que trata a LC 87/1996 Lei Kandir
Mortis e Doao
ITR Imposto sobre a Propriedade
Territorial
Rural
94
Alm desses recursos, sempre que um estado no atinge o valor mnimo por aluno, fixado
todos os anos pelo governo federal para o Brasil todo, o governo federal faz a
complementao. Os estados que recebem verbas da Unio para o FUNDEB so: Alagoas,
Amazonas, Bahia, Cear, Maranho, Par, Paraba e Piau.
A partir de 2010, o valor mnimo gasto por aluno em todo o Brasil passou a ser fixado de
forma que o governo federal contribua com 10% do total arrecadado pelos demais entes
federados. Assim, sempre que a arrecadao total dos estados e municpios aumenta, o
montante destinado ao FUNDEB tambm aumenta e o montante a ser gasto pelo governo
(10% do total do FUNDEB) tambm. Desses 10% a serem gastos pelo governo federal, 90%
deve ser distribudo com base no nmero de alunos em cada municpio para garantia do
gasto mnimo por aluno estabelecido nacionalmente. Alm disso, at 10% (ou seja, 1% da
complementao da unio) pode ser distribudo para programas direcionados para melhoria
da qualidade da educao bsica. A tabela 2 apresenta as estimativas de arrecadao total
do FUNDEB por ano, assim como o aporte de recursos do governo federal para o Fundo.
Fonte: http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/fundeb-dados-estatisticos
*Valores previstos
95
Tabela 3: Valor do gasto mnimo por aluno e piso salarial do magistrio
*ltimos valores previstos pelo MEC. O valor de 2014 no foi utilizado, pois entraria apenas no clculo do piso de
2015)
Assim, caso a arrecadao do municpio cresa menos do que a mdia nacional (que
determina o aumento do gasto mnimo por aluno), esse municpio ter que aumentar a
parcela de recursos destinados ao pagamento de professores para que possa cumprir o piso
salarial. Alm disso, caso as receitas de impostos realizadas sejam menores do que as
previstas, a variao do piso ser superior variao das receitas, como aconteceu em
2013, por exemplo (ver tabela 3). Assim, de acordo com dados da PNAD, mais de 15% dos
professores do ensino bsico com formao superior recebiam uma remunerao horria
inferior ao piso salarial do magistrio em 2012.
Exemplo
Suponhamos que esse municpio possua uma relao arrecadao/aluno igual mdia
estadual e, portanto, receba do FUNDEB o mesmo valor repassado (50 milhes). Alm disso,
vamos supor que 60% dos gastos com educao (45 milhes) sejam destinados folha salarial
de professores e que, por simplificao, todos recebem o piso salarial do magistrio. Agora,
suponha que todas as arrecadaes municipais tenham aumentado 5%, assim como a mdia
estadual, enquanto a arrecadao nacional do FUNDEB e o piso salarial subiram 20%.
Nesse caso, no ano seguinte, o municpio dever investir 78,75 milhes em educao e enviar
52,5 milhes ao FUNDEB, que retornariam ao municpio. No entanto, a folha salarial total
passar para 54 milhes, representando 68,5% dos gastos com educao. Em outras palavras,
o gasto com folha de pagamento aumentaria 8,5 pontos percentuais.
96
A tabela 4 mostra as arrecadaes estimadas para os anos de 2011 e 2012. Enquanto o
crescimento mdio nacional do FUNDEB foi de 21%, o crescimento observado para estado
do Mato Grosso foi de apenas 3,4%. Por outro lado, a estimativa de aumento da arrecadao
foi de 63,7% pra o Rio Grande do Sul, o que gerou um alvio na relao folha de
pagamento/gastos totais.
A tabela 5 mostra que os salrios nominais (sem ajuste pelo custo de vida estadual) variam
muito entre os estados da federao. Isso ocorre tanto pelas diferenas de receitas de
impostos entre os municpios como pelo fato do piso ser definido nacionalmente.
Tabela 5: Salrio mdio dos professores por Unidade da Federao - PNAD 2012
UF Sal. Mdio
Rondnia 1.813,80
Maranho 1.319,24
Cear 1.427,90
Bahia 1.599,56
So Paulo 2.071,39
Gois 2.017,03
Brasil 1.796,05
97
Atualmente o gasto direto com educao equivale a 5,3% do PIB, ou seja, R$ 219 bilhes,
em valores de 2011. Desse total, 85% so gastos com educao bsica, o que significa que
cada aluno do Ensino bsico recebe um investimento mdio de R$ 4,27 mil (ver tabela 6),
equivalente a 20% do nosso PIB per capita. Pases da OCDE gastam em mdia 26% do
seu PIB per capita com Educao bsica. A Coreia gasta 30%; o Chile 18%; e o Mxico
15%.
Tabela 6 - Investimento direto por aluno (reais de 2011) e como Porcentagem do PIB
Ensino Bsico Todos os nveis
Ano
Valor por % do Valor por
aluno (R$) PIB aluno (R$) % do PIB
O ensino superior apropria 15% dos gastos pblicos em educao (R$ 38 bilhes em 2011) e
aproximadamente 50% dos gastos federais (25 bilhes em 2011), mas tem apenas 3% do
total de alunos. Assim, enquanto o ensino fundamental gasta 20% do PIB per capita por
aluno, o ensino superior gasta 100%. Poderamos argumentar que os gastos com educao
superior incluem os gastos com pesquisas, mas em nenhum pas do mundo essa
discrepncia de gastos entre o ensino bsico e o superior to grande. Na mdia da OCDE,
o gasto por aluno no ensino superior somente duas vezes maior do que no ensino bsico,
na Coreia pouco mais de uma vez e meia e nos EUA, maior gerador de pesquisas no
planeta, chega a trs vezes. Sem contar que muitos dos alunos que hoje frequentam o
Ensino superior pblico teriam condies de pagar mensalidades, o que no ocorre no
Ensino bsico.
Dos 252 bilhes gastos com educao em 2011, as despesas do governo federal atingiram
aproximadamente 50 bilhes, cerca de 38 bilhes correspondentes aos 18% da arrecadao
federal estabelecidos pela constituio e 12 bilhes da contribuio social do salrio-
educao. O restante do investimento em educao refere-se aos 25% das arrecadaes de
estados e municpios. O governo federal gastou cerca de R$6 bilhes em 2012 com ensino
profissional e tcnico. No existem avaliaes de impacto desses programas nem anlise
custo/benefcio.
Simulaes indicam que com a virada demogrfica, se o PIB crescer a uma mdia de 3%
ao ano, o gasto por aluno da educao bsica passaria para 24% do PIB per capita em 2020
e 29% em 2030, atingindo o nvel da Coreia do Sul. Se, alm da virada demogrfica, os
gastos com Educao aumentassem para 8% do PIB, as despesas por aluno aumentariam
para R$ 9 mil j em 2020, atingindo 33% do PIB per capita daquele ano, maiores do que em
todos os pases da OCDE. Nesse caso, os gastos com Educao bsica passariam de R$
390 bilhes, j em 2020.
Em setembro de 2013, foi sancionada a lei que destina 75 por cento dos royalties do petrleo
para educao. A nova lei se aplica aos poos com declarao de comercialidade posterior a
98
dezembro de 2013. Alm disso, ficou estabelecido que 50 por cento do Fundo Social do Pr-
Sal deve ser investido em educao. Pelos clculos do consultor Paulo Csar Ribeiro Lima,
da Consultoria de Recursos Minerais, Hdricos e Energticos da Cmara dos Deputados, os
recursos do pr-sal destinados educao chegariam a casa dos 130 bilhes em 10 anos.
Dessa maneira, a expectativa de receita do pr-sal destinada educao em 10 anos no
representaria um grande acrscimo nos recursos destinados educao.
(iii) Eficincia na aplicao dos recursos: relao entre nota no IDEB e gastos
(iv) Porcentagem de escolas com pelo menos 6 horas efetivas de aula por dia
3.1 Introduo
Reduzir diferenas nessas habilidades entre crianas nascidas em famlias pobres e ricas
fundamental para reduzir desigualdades futuras. Polticas pblicas que interfiram
positivamente no processo de formao de habilidades nas crianas em famlias mais
vulnerveis tendem a ter retorno elevado para a sociedade, ao diminuir os gastos futuros
com repetncia, crime, programas de qualificao profissional, gastos com sade, etc..
99
Quanto mais cedo for feito o investimento em polticas pblicas para reduzir essas
diferenas, maior o retorno econmico para a sociedade.
Evidncias cientficas recentes (disseminadas por Jack Shonkoff do Centre for Developing
Child de Harvard) mostram que experincias de estresse grave e repetidas podem ser
incorporadas ao crebro em desenvolvimento da criana, podendo levar a problemas de
aprendizado e de sade no longo prazo, como depresso, ansiedade e alcoolismo, por
exemplo. Isso especialmente grave se as situaes de estresse ocorrem durante o perodo
de gravidez ou durante os primeiros anos de vida da criana.
3.2 Evidncias
J o programa sade da famlia tem como objetivo prestar atendimento com aes de
promoo da sade, preveno, recuperao, reabilitao de doenas, utilizando equipes
multiprofissionais atendendo em unidades bsicas de sade ou mesmo nos domiclios. O
atendimento prestado pelos profissionais das equipes de Sade da Famlia (mdicos,
enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitrios de sade, dentistas e
auxiliares de consultrio dentrio). Essas equipes so responsveis pelo acompanhamento
100
de um nmero definido de famlias, que esto localizadas em uma rea geogrfica
delimitada, e promovem aes de preveno, recuperao, reabilitao de doenas e
manuteno da sade. O trabalho direto com as pessoas de cada regio facilita o
atendimento e o acompanhamento das famlias na comunidade. Avaliaes de impacto do
programa sade da famlia mostram que ele foi efetivo em diminuir a mortalidade infantil, por
exemplo.
101
Poltica urbana: contribuio para Sob a Luz
do Sol Uma Agenda Para o Brasil
Philip Yang
O planeta cada vez mais planeta urbano, um planeta de cidades, com cada vez mais gente
morando em reas urbanas. Em 2050, teremos seis bilhes de pessoas morando em cidades
e a populao urbana dever ser de algo entre 75% e 80% da populao total, de acordo
com a ONU. natural portanto que, nos ltimos anos, o desenvolvimento urbano emergiu e
se consolidou como tema global, da mesma forma que a temtica do meio ambiente ganhou
os foros mundiais a partir da dcada de 70.
A importncia econmica das cidades clara: 85% do que se produz no Brasil vem das
cidades. Em uma conta simples, temos algo como 15% do PIB gerado em reas no
urbanas: 5% do setor agropecurio, 5% do setor do petrleo, mais 2% da explorao mineral
e mais 3% da gerao de utilities (gerao de eletricidade e produo de gua). Mesmo as
industrias rurais, como agricultura ou a explorao de petrleo, so dependentes dos
servios e instituies localizadas em cidades, tornando as cidades ncleos gravitacionais
para todos os aspectos da economia.
Dado portanto que as cidades, como unidade territorial, poltica e administrativa, so centrais
para o futuro do Pas, parece vlido afirmar que precisamos formular e executar polticas
urbanas, entendidas como polticas especficas para a escala das cidades, que possuam
uma logica distinta das polticas setoriais.
102
competio em escala planetria - so aquelas que oferecem as melhores condies de vida
e de trabalho. Constituem portanto objeto especfico de uma agenda para o Brasil.
Se aceitamos que uma poltica urbana est na ordem do dia, resta pois definir o seu objeto.
As mazelas urbanas so mltiplas envolvem questes de mobilidade, moradia, eficincia,
inovao, sade, educao e a tendncia natural seria a de conceber polticas setoriais
voltadas a cada um desses tpicos.
103
2.1 No plano territorial, fundamental instaurar polticas de reorganizao espacial que
combatam o espraiamento urbano. A ocupao do solo urbano definida pelas seguintes
foras principais:
No Brasil, as trs foras acima atuaram de forma assincrnica e conflitiva. Nos ltimos cem
anos, a atividade industrial nas cidades nasceu, atingiu seu apogeu e declinou, os marcos
regulatrios no prepararam (sequer acompanharam) essa dramtica transio
industrial/ps-industrial, e as foras do mercado imobilirio/fundirio atuam numa escala
menor do que a lgica espacial urbana/metropolitana requer, fazendo que a prpria
capacidade de gerao de valor no mbito imobilirio seja subtima.
Essa grande assimetria espacial entre oferta de moradia e emprego est na raiz da crise de
mobilidade que assola todas as grandes cidades do Brasil. Nas metrpoles brasileiras, esse
movimento pendular casa-trabalho faz com que horas e horas sejam perdidas no trnsito,
com consequncias para a qualidade de vida, para a produtividade do trabalho e para a
eficincia geral do tecido urbano.
Nesse contexto, a melhor poltica urbana aquela que contribui para a reduo do nmero
de viagens, pela via do encurtamento da distncia entre casa e trabalho. No jargo do
urbanismo, trata-se de promover a cidade compacta, espaos urbanos adensados de uso
misto, que combinam e concentram moradia, emprego, comrcio, servios e lazer, onde a
proximidade entre as principais funes urbanas diminui a dependncia do uso de carros e
da rede de transportes de alta capacidade.
104
centrais, acabam levando os seus beneficirios para regies cada vez mais perifricas,
contribuindo assim para um padro de urbanizao irracional e insustentvel.
Em outras palavras, o MCMV oferece um teto ao cidado, mas subtrai-lhe todos os demais
atributos da cidade e da cidadania. O investimento em habitao revela-se na realidade um
investimento negativo em mobilidade, segurana, educao e sade. Uma poltica urbana
consistente deve ter como pilar a alocao consciente dos recursos do MCMV para projetos
que:
105
Integrar para crescer: o Brasil na economia
mundial
Edmar Bacha1
Introduo2
A economia brasileira est enferma. isso que nos dizem os pibinhos, a inflao alta e a
desindustrializao. So sintomas da baixa produtividade do pas que tem a ver, entre outros
fatores, com o atraso tecnolgico, a escala reduzida e a falta de especializao que
caracterizam nossas empresas de um modo geral. Essas caractersticas so o resultado do
isolamento econmico a que o pas se imps em relao ao comrcio internacional com
exportaes de apenas 12,5% do PIB que representam menos do que 1,3% do total mundial
em 2012. Medido pelo PIB o Brasil responde por 3,3% do total do mundo um nmero 2,5
vezes maior do que sua participao nas exportaes mundiais 3. Agora que um brasileiro vai
dirigir a Organizao Mundial do Comrcio, boa hora de reavaliar essa poltica de
isolamento e promover uma maior integrao do pas ao comrcio internacional.
No final da dcada passada o Brasil parecia haver entrado numa fase de crescimento
sustentado com inflao sob controle. Era o que sugeria tanto a trajetria favorvel da
economia desde 2004 como sua rpida superao da crise mundial de 2008-09. Entretanto,
os pibinhos e a alta inflao a partir de 2011 nos indicam que a euforia econmica do perodo
2004-2010 teve carter temporrio, sendo explicada por fatores de natureza cclica que se
teriam esgotado em 2011.
De fato, entre 2004 e 2011 o pas foi beneficiado por uma bonana externa de dimenses
talvez nicas em nossa experincia histrica. Essa bonana, de quase 10% do PIB, foi
gerada por uma exploso dos preos das commodities que exportamos e por um
extraordinrio influxo de capitais estrangeiros 4. Ela no somente gestou mas tambm
financiou um enorme aumento da demanda interna, incluindo uma maior taxa de
investimento, que gerou maior crescimento do PIB. Esse crescimento pde se manifestar
sem presses inflacionrias devido apreciao do cmbio e macia incorporao de mo
de obra ao processo produtivo.
1
Edmar Bacha fundador e diretor do Instituto de Estudos de Poltica Econmica/Casa das Garas.
2
Preparado para o Frum Nacional (Sesso Especial), Brasil: Estratgia de Desenvolvimento Industrial
com Maior Insero Internacional e Fortalecimento da Competitividade. Rio de Janeiro: BNDES, 18-19
de setembro de 2013. Sem responsabiliz-los pelos resultados, agradeo os comentrios de Albert
Fishlow, Alkimar Moura, Andr Lara Resende, Jos Tavares, Pedro Mota Veiga, Regis Bonelli, Renato
Bauman, Roberto Zagha, Ricardo Bielschowsky, Samuel Pessoa, Sandra Rios, Yoshiaki Nakano e
participantes em seminrios na Rede Gazeta/Instituto Brasileiro de Executivos de Finanas do Esprito
Santo, Instituto Brasileiro de Economia da Fundao Getlio Vargas, Sindicato dos Metalrgicos de
Santo Andr e Mau, Diretoria da Votorantim S.A., Fundao Joo Pinheiro, Instituto Rio Branco e
FIESP.
3
Exportaes de bens e servios e PIB em dlares correntes. Os dados para o Brasil so das contas
trimestrais do IBGE. Os dados para o mundo so do FMI, disponveis em:
http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2013/01/weodata/download.aspx.
4
Para uma anlise desse fenmeno, ver E. Bacha (2013).
106
funo do maior risco do cenrio internacional. A disponibilidade de mo de obra diminuiu e o
cmbio se depreciou. Voltaram, ento, os pibinhos e a alta inflao.
Menor presena no debate sobre a doena brasileira tem tido um fator de igual ou maior
importncia do que os anteriores, a saber, a reduzidssima participao do comrcio exterior
na atividade econmica do pas. Trata-se, como veremos abaixo, de uma questo de
natureza quantitativa, pois nesse quesito o Brasil um ponto fora da curva em relao aos
demais pases do mundo tanto quanto ou mais do que na taxa de investimento, na carga
tributria ou na qualificao da mo de obra.
5
Fonte: IBGE, Contas Nacionais Trimestrais, Tabela 8.
6
Cf. C. Fritschtak (2013).
7
Cf. G. L. Amaral et al. (2013).
8
Ver OECD Programme for International Student Assessment (PISA). PISA 2009 Rankings. Em:
http://www.oecd.org/pisa/46643496.pdf.
107
requisitos para o desenvolvimento a se alinharem com uma nova realidade 9. Nesse contexto,
Hirschman cunhou o termo exportabilidade para caracterizar como um processo de
industrializao poderia levar um pas subdesenvolvido para um estgio mais alto de
crescimento. Nada de errado com substituir importaes, props ele, desde que atravs
dessa substituio o pas consiga desenvolver novas fontes de exportao. O Brasil deu o
primeiro passo, e constituiu uma forte indstria de transformao a partir da substituio de
importaes. Mas no deu o segundo passo, pois a indstria brasileira produz apenas para o
mercado interno e no se integrou s cadeias internacionais de valor.
O 7 maior exportador do mundo foi a Coreia do Sul, cujo PIB ocupou a 13 posio no
ranking mundial. Ou seja, pases ricos ou bem-sucedidos na transio para o primeiro mundo
so simultaneamente grandes exportadores. O que no acontece com o Brasil. Semelhante
ao Brasil, com um PIB grande mas exportaes pequenas, somente est a ndia (11. maior
PIB do mundo e 21. maior exportador) -- um pas pobre que est a duras penas tentando
transitar para a classe mdia. A objeo poderia ser feita que, apesar de os EUA serem um
grande exportador, suas exportaes de bens e servios respondem por apenas 13,6% do
PIB americano, um nmero pouco maior do que o do Brasil11. Mas o PIB dos EUA representa
praticamente do PIB mundial e quase sete vezes maior do que o do Brasil.
Alm disso, os EUA operam na fronteira da tecnologia mundial, o que est longe de
acontecer com o Brasil. Quadro igualmente desalentador do ponto de vista da integrao
brasileira no comrcio mundial se revela quando olhamos os valores das importaes. Nos
dados do Banco Mundial para 2012, a parcela das importaes de bens e servios no PIB do
Brasil de apenas 13%, o menor valor entre todos 176 pases para os quais o banco tem
dados12. Na Coreia do Sul, a parcela das importaes no PIB 54%. Na Alemanha, 45%. Na
China, 27%. Mesmo os EUA com sua economia gigantesca importa 18% do PIB, quase 40%
a mais do que o Brasil.
A concluso que vivemos num dos pases mais fechados ao comrcio exterior no mundo.
algo paradoxal, pois, ao mesmo tempo, somos um mercado muito atraente para o
investimento direto das multinacionais. Conforme o World Investment Report de 2013 da
UNCTAD13, o Brasil ocupa a quarta posio no ranking de destinos preferenciais do
9
Cf. A. O. Hirschman (1958).
10
Cf. Central Intelligence Agency, The World FactBook. PIB em dlares correntes. Disponvel em:
https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/br.html. Nos dados da
Organizao Mundial do Comrcio, que excluem a Comunidade Europeia, Hong Kong e Taiwan, em
2011 o Brasil ocupava a 22. posio na exportao de mercadorias e a 31. posio na exportao de
servios. Cf.:
http://stat.wto.org/CountryProfile/WSDBCountryPFView.aspx?Language=E&Country=BR.
11
Dados para 2012. Cf.: http://www.bea.gov/national/index.htm#gdp.
12
Cf. The World Bank, Data/Imports of Goods and Services (%GDP). Disponvel em:
http://data.worldbank.org/indicator/NE.IMP.GNFS.ZS.
13
Disponvel em: http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2013_en.pdf. Cf. Figure 2, p. xiv.
108
investimento estrangeiro direto, ficando atrs apenas dos Estados Unidos, China e Hong
Kong. A explicao que as multinacionais vm aqui para explorar o mercado interno
protegido e no para integrar o pas s suas cadeias produtivas mundiais, como ocorre com
suas subsidirias nos pases asiticos. O paradoxo ocorre porque temos uma conta de
capital aberta ao fluxo de investimento, mas uma conta corrente fechada ao fluxo de
comrcio. Como Harry Johnson nos alertou h tempos, essa uma receita certa para o que
Jagdish Bhagwati denominou de crescimento empobrecedor 14. As multinacionais lucram ao
investir no pas, mas o resto da economia definha, ao deslocar para a substituio protegida
de importaes recursos locais que poderiam ser empregados com maior eficincia em
atividades exportadoras.
Imperativo da integrao
A explicao para essa associao entre comrcio e riqueza est em que, para passar da
condio de pas pobre para a renda mdia, no h necessidade de muito comrcio, desde
que o mercado interno tenha uma dimenso relativamente grande, como o caso do Brasil.
Atravs da substituio de importaes, possvel atrair do campo para a cidade a
populao predominantemente subempregada na agropecuria. O crescimento da
produtividade agregada que esse deslocamento populacional propicia suficiente para
elevar a renda nos estgios iniciais do desenvolvimento, conforme diagnosticado na anlise
clssica de Arthur Lewis sobre o crescimento com oferta ilimitada de mo de obra. A partir do
esgotamento desse manancial de mo de obra, entretanto, ganhos adicionais de
produtividade, que levem da renda mdia para a renda elevada, dependem de empresas
com escala, especializao e tecnologia que somente podem ser obtidos atravs da
integrao do pas ao comrcio internacional. Embora o Brasil seja um pas relativamente
grande, ele representa apenas 3,3% do PIB mundial e est longe da fronteira tecnolgica
mundial.
Na dcada de 1960, a renda per capita da Coreia do Sul era inferior do Brasil. Sua
estratgia de industrializao, entretanto, baseou-se na promoo de exportaes, enquanto
que o Brasil persistiu na substituio de importaes. Em 1970, as exportaes de bens e
servios da Coreia do Sul representavam 15% do PIB, enquanto que no Brasil essa relao
era pouco menos da metade disso, ou 7% do PIB. Cinquenta anos depois, em 2012, o
coeficiente de exportaes da Coreia do Sul havia se tornado 3,9 vezes maior do que em
14
Para um modelo-sntese dessa literatura, ver R. Brecher e C. F. Diaz-Alejandro (1977).
15
Poderia objetar-se que a Noruega j era um pas relativamente desenvolvido no final da dcada de
1960, mas foi a descoberta do petrleo nas costas norueguesas em 1969 que fez com que ela
deixasse de ser o mais pobre dos pases nrdicos para se tornar um dos pases mais ricos do mundo
hoje em dia.
109
1970, situando-se em 58,5% do PIB. Enquanto isso, o coeficiente de exportaes do Brasil
foi de 12,5% do PIB em 2012, apenas 1,8 vez maior do que em 1970. Visto de outro modo, a
Coreia do Sul hoje um pas desenvolvido, com um PIB per capita de US$32.800 e uma
corrente de comrcio (exportaes mais importaes de bens e servios) superior ao valor
de seu PIB, enquanto que o Brasil continua sendo um pas de renda mdia, com um PIB per
capita de US$12.100 e uma corrente de comrcio inferior a de seu PIB16. No h dvida
de que o extraordinrio potencial exportador da Coreia do Sul est associado sua
excelente infraestrutura, ao avano tecnolgico de suas empresas lderes e qualidade de
sua educao. Mas tudo isso teria sido difcil seno impossvel de colocar em p no fora a
deciso do governo coreano, j na dcada de 1960, mas especialmente aps o primeiro
choque do petrleo em 1973, de dar exportabilidade a seu processo de industrializao.
Esse o desafio que o Brasil enfrenta. Para ultrapassar a armadilha da renda mdia
imperativo que deixe de ser um dos pases mais fechados do mundo ao comrcio
internacional. Urge definir uma estratgia de integrao competitiva das empresas aqui
localizadas s cadeias mundiais de valor. Essa estratgia no objetiva que o pas passe a
ser uma plataforma exportadora, pois o Brasil muito grande para isso. Mesmo no caso de
sucesso extraordinrio de um programa de integrao, em que a participao das
exportaes no PIB dobre de seu valor atual, atingindo 25% do PIB, ainda assim as
exportaes representariam apenas 1/5 da demanda agregada no pas e os outros 4/5
continuariam a provir da demanda interna17.
16
Os dados das relaes de comrcio do Brasil so do IBGE, Sistema de Contas Nacionais e Contas
Nacionais Trimestrais. Os dados das relaes de comrcio da Coria do Sul so do Bank of
Korea/Economic Statistics System: http://www.bok.or.kr/eng/engMain.action. Os dados de PIB per
capita (em PPP) so da Word FactBook da CIA.
17
A partir da identidade contbil entre oferta e demanda agregadas: Y + M = A + X (onde Y o PIB, M
as importaes, A a demanda interna e X as exportaes), se X=0,25*Y e M=X, ento X/(A+X) = 0,20.
110
Elementos de um programa de integrao
18
Sobre essas trs frentes de crescimento, veja-se Ricardo Bielschowsky (2012).
19
A indstria do cinema nacional est entre as frentes abertas pela emergncia da nova classe mdia.
Para sua expanso, Luiz Carlos Barreto em entrevista a O Globo abraa o conceito da
exportabilidade: O aprisionamento dos filmes brasileiros ao mercado interno uma armadilha
para nossa indstria. Temos, apesar de toda a burocracia no setor audiovisual, potencial para
exportar nossos filmes, diante da forte demanda estrangeira acerca da cultura brasileira.. Cf.
Modelo de exportao: Flores no exterior, O Globo, 30.8.2013, Segundo Caderno, p. 2.
20
As informaes sobre os APCs foram retiradas de IEDI (2013).
21
Para uma apresentao, ver: OECD, The Transatlantic Trade And Investment Partnership: Why Does
It Matter? Em: http://www.oecd.org/regreform/facilitation/TTIP.pdf.
111
O programa de integrao aqui sugerido tem trs pilares: reforma fiscal, substituio de
tarifas por cmbio e acordos comerciais, a serem implantados de forma progressiva ao longo
de alguns anos.
Reforma fiscal. O objetivo da reforma fiscal, o primeiro pilar do programa, seria permitir uma
simplificao e reduo da carga tributria sobre as empresas, sem que isso implique um
aumento da dvida pblica. Parece atrativa uma frmula adotada por Israel em 2010: fixar um
limite superior para o crescimento dos gastos pblicos igual metade do crescimento
potencial do PIB, estimado como sendo aquele observado nos ltimos dez anos22. No caso
brasileiro, isso quer dizer um crescimento dos gastos pblicos em termos reais de 1,5 por
cento ao ano. Para reduzir o espao de manobra para contabilidades criativas que
subestimem os aumentos dos gastos (atravs de oramentos paralelos, por exemplo), essa
meta seria suplementada por limites tambm para o crescimento da dvida pblica bruta. O
detalhamento desse pilar seria feito a partir de um estudo sobre os diversos componentes do
gasto pblico e sobre as reformas necessrias para manter sua expanso sob controle.
O primeiro pilar contribuiria para diminuir o custo Brasil, que o principal problema com que
se defrontam as empresas brasileiras para enfrentar a concorrncia internacional. O segundo
maior problema o cmbio.
Troca da tarifa por cmbio. Esse o tema do segundo pilar da proposta, a saber, a
substituio da proteo tarifria contra as importaes por uma proteo cambial. Trata-se
de anunciar uma reduo substancial, a ser implantada de forma progressiva, das tarifas s
importaes, dos requisitos de contedo nacional, das preferncias para compras
governamentais, das amarras aduaneiras e porturias, e das especificaes tcnicas de
produtos distintas daquelas adotadas internacionalmente. Entre as medidas facilitadoras do
comrcio, est a autorizao para que todos interessados possam utilizar o Despacho
Aduaneiro Expresso/Linha Azul, adotado pela Receita Federal para agilizar os trmites
relacionados s operaes de comrcio exterior. Trata-se de um procedimento especial que
atualmente beneficia apenas algumas grandes empresas. Como os impostos importao
estaro, com a implantao do programa, deixando de ser importantes na arrecadao
federal, de esperar que a Receita concorde em reduzir substancialmente as exigncias que
ela hoje impe para habilitar empresas a usar a Linha Azul23.
Ainda na categoria das medidas facilitadoras do comrcio deve incluir-se uma substancial
melhoria da infraestrutura porturia e de transportes, atravs de concesses e parcerias
pblico-privadas. Como demonstram estudos recentes do Banco Interamericano de
Desenvolvimento, redues plausveis nos custos dos transportes podem trazer aumentos
expressivos da exportao do pas24.
22
Cf.: http://www.financeisrael.mof.gov.il/financeisrael/Docs/En/publications/fiscalRule.pdf
23 Kume et al. (2011) documentam a forte relao da evaso de impostos de importao com os nveis
tarifrios.
24 Ver: Moreira Mesquita, M. et al. (2008) e (2013).
112
Esse o pilar central do plano, pois ele que, dando acesso a insumos modernos,
possibilitar a integrao da indstria brasileira ao comrcio internacional, semelhana do
que hoje ocorre com a Embraer. Haver ganhos tecnolgicos, de escala e de especializao.
Certamente haver perdedores, assim como ganhadores. O Brasil (como os EUA ainda hoje)
continuar a ser um grande exportador de commodities, mas dificilmente macrossetores
inteiros se beneficiaro ou se vero prejudicados pela abertura. certo que os instrumentos
de proteo que sero diminudos ou eliminados parecem ser hoje mais importantes para a
indstria de transformao do que para a agricultura ou a minerao. Entretanto, a indstria
ser a principal beneficiada da reduo de impostos, j que a atividade primria
relativamente menos taxada. Alm disso, na margem da expanso do comrcio, a indstria
de transformao se beneficiar de economias de escala e de especializao que no esto
presentes na agricultura, pois essa opera sob um regime de custos crescentes, ao ocupar
terras menos produtivas ou mais distantes. Tambm, embora de forma seletiva, a indstria
ser a maior beneficiada do acesso a insumos importados mais baratos e de melhor
qualidade.
relevante neste contexto notar que o comrcio internacional de hoje em dia, especialmente
para pases grandes e diversificados como o Brasil, no se baseia em especializaes
macrossetoriais como no famoso exemplo de David Ricardo, em que Portugal se
especializava em vinhos e a Inglaterra em tecidos. O comrcio moderno das cadeias
mundiais de valor predominantemente intrassetorial e no entre setores;
proeminentemente intrafirmas e no entre firmas; e majoritariamente intraprodutos (em
insumos ou componentes) e no entre produtos (em bens finais)25. O princpio das vantagens
comparativas continua vlido nas cadeias mundiais de valor, mas necessita ser interpretado
em termos de estgios, atividades e tarefas e no de produtos ou de indstrias 26. por isso
tambm que se pode antecipar que a abertura comercial dever resultar em pouca mudana
do ponto de vista dos bens finais produzidos ou do tamanho relativo dos grandes setores de
atividade. A importncia desse ponto genrico deriva do fato de ele implicar que no dever
haver grandes deslocamentos na estrutura produtiva do pas, ou seja, de que pequena a
distncia, em termos geogrficos, de produtos e de processos, que empresas e
trabalhadores devero percorrer para adaptar-se a uma maior integrao ao comrcio
internacional.
Uma ideia da relao entre a reduo das tarifas e a desvalorizao requerida do cmbio
pode ser obtida a partir da aplicao de uma frmula desenvolvida em Bacha e Taylor
(1971). Considere-se a balana comercial de um pas pequeno, em que os valores absolutos
das elasticidades-preo da oferta das exportaes e da demanda das importaes so
iguais. Nesse caso, a partir de uma posio inicial de equilbrio, fcil mostrar que uma
25Para uma anlise econmica magistral dos novos padres de comrcio, ver Helpman (2011).
26
Para uma anlise recente do impacto das cadeias globais de valor no comrcio internacional, ver
OECD (2013).
113
reduo da tarifa em x% precisaria ser compensada por uma desvalorizao do cmbio de
(x/2)% para manter o equilbrio da balana comercial, ou seja, a desvalorizao requerida
igual metade da reduo da tarifa. A razo que a reduo da tarifa aumenta apenas as
importaes, enquanto que a desvalorizao do cmbio reduz as importaes mas tambm
aumenta as exportaes. O exerccio de equilbrio parcial, e supe que tudo mais
permanea constante, inclusive a conta de capital do balano de pagamentos, portanto, no
substitui a aplicao de um modelo mais complexo para a economia como um todo, do tipo
que o Banco Central usa em suas simulaes de poltica.
No simples o desenho de um mecanismo para a troca proposta das tarifas por cmbio,
especialmente por causa da volatilidade da conta de capital e de sua importncia na
determinao da taxa de cmbio. possvel imaginar solues para esse dilema, conforme
se discute no apndice, mas por hora cabe apenas ressaltar a importncia da troca das
tarifas pelo cmbio. Quando o programa for implantado se far a escolha entre as
alternativas possveis, pois ela depender de uma srie de fatores conjunturais, tais como a
situao da conta corrente, o ponto de partida da taxa de cmbio, a distncia entre a taxa de
inflao e o centro da meta, e as perspectivas sobre os fluxos de capital.
importante ter em conta que o programa de integrao aqui sugerido unilateral, portanto,
no est condicionado realizao de acordos comerciais. Entretanto, na definio do
sequenciamento da abertura, certamente haver espao para faz-la em primeiro lugar em
relao aos pases que se proponham a assinar acordos comerciais com o Brasil. A abertura
em relao aos demais pases ficaria mais para o fim do processo. Isso dever ser estmulo
suficiente para induzir nossos parceiros comerciais a logo firmarem esses acordos, para
terem acesso mais rpido ao mercado interno brasileiro. No se pode perder de vista que a
troca das tarifas pelo cmbio uma vantagem em si para o Brasil. Os ganhos comerciais que
vierem dos acordos sero adicionais queles propiciados por essa poltica de dinamizao
do crescimento econmico brasileiro.
Concluses
Este texto desenvolveu quatro pontos em defesa de uma maior integrao do Brasil ao
comrcio internacional. O primeiro que o Brasil encontra-se h mais de trinta anos preso na
armadilha da renda mdia, incapaz de desenvolver um modelo de crescimento baseado na
produtividade e no apenas na transferncia de mo de obra de atividades menos produtivas
para atividades mais produtivas. O segundo ponto que, entre os fatores responsveis por
esse mau desempenho, sobressai o isolamento do pas em relao ao comrcio
internacional, com exportaes de apenas 12,5% do PIB, que no representam mais do que
1,3% do comrcio mundial. O terceiro ponto que os pases que conseguiram no ps-guerra
superar a armadilha de renda mdia e se tornaram plenamente desenvolvidos so poucos,
mas todos o fizeram com uma forte integrao com a economia internacional, atravs de
exportaes industriais, de servios ou de commodities. Graas a sua economia grande e
diversificada, o Brasil tem a possibilidade de desenvolver um processo de integrao
incorporando esses trs setores de atividade. O quarto ponto consiste dos elementos de um
114
programa de integrao, o qual deve ser gradativo e pranunciado. Ele precisa contar com
amplo apoio poltico e social para sua implantao. Esse apoio poderia ser obtido a partir da
evidncia que o protecionismo claramente no vem conseguindo desenvolver o pas e que
mesmo as maiores e mais avanadas comunidades no mundo, como a Unio Europeia e os
EUA, esto buscando uma maior integrao entre suas respectivas economias. O programa
proposto teria trs pilares: reforma fiscal para simplificar e reduzir os impostos s atividades
produtivas; reduo progressiva das tarifas e outras medidas protecionistas tendo como
contrapartida um cmbio mais desvalorizado; e realizao de acordos comerciais bilaterais,
regionais e multilaterais.
Apndice
No h um consenso sobre o mecanismo ideal para a troca proposta no texto das tarifas por
cmbio. De um lado, esto economistas, mais confiantes na racionalidade dos mercados e
descrentes da eficcia de controles de capitais, para quem, desde que haja flutuao livre, o
cmbio saber encontrar seu nvel de equilbrio. Bastaria, portanto, reduzir a proteo
tarifria que o cmbio se ajustaria automaticamente. De outro lado, esto economistas
descrentes da racionalidade dos mercados financeiros e mais preocupados com os efeitos
nocivos de uma flutuao excessiva do cmbio sobre as decises empresariais quanto a
investimentos de longo prazo. Esses economistas defenderiam a adoo de uma taxa de
cmbio fixa mais desvalorizada, associada a controles severos sobre os movimentos de
capitais.
Minha preferncia por um meio termo entre essas duas posies, envolvendo, em primeiro
lugar, uma anlise, com os modelos disponveis no Banco Central, sobre qual seria a taxa de
cmbio que equilibraria a balana de pagamentos em conta corrente na ausncia das
medidas protecionistas que vo ser eliminadas. Essa seria a taxa de cmbio de referncia
para a definio de uma banda implcita de variao cambial por parte do Banco Central. Nos
anos iniciais, a banda seria mais estreita, mas ela seria progressivamente ampliada ao longo
do tempo, retornando-se plena flutuao nos anos finais do programa. Os limites da banda
orientariam o Banco Central em suas intervenes no mercado, comprando ou vendendo
reservas internacionais. Tais intervenes seriam acompanhadas pelas medidas
macroprudenciais que parecerem pertinentes ao Banco Central, para compensar os
exageros, seja de otimismo, seja de pessimismo, por parte dos agentes financeiros no
mercado de cmbio. Dadas as incertezas envolvidas numa mudana estrutural da magnitude
daquela aqui proposta, tanto a taxa de referncia como a banda em torno dela seriam
informao privilegiada do Banco Central que delas daria notcia somente pelo padro de
suas intervenes no mercado de cmbio.
27
Na linha do regime cambial proposto por Yoshiaki Nakano (2009).
115
referncia (como, por exemplo, liberalizando a sada de capitais). Nesse caso, no haveria
retardamento no programa de liberao comercial. A proposta de tornar assimtrica a ao
do Banco Central no mercado cambial parte da constatao que melhor usar o cmbio do
que controles para lidar com fugas de capitais. Controles temporrios, por outro lado, podem
ajudar a deter influxos excessivos de capital. A vantagem da proposta alternativa apressar
o processo de liberalizao comercial. Sua desvantagem complicar talvez em demasia as
regras do jogo, tornando as interaes entre as autoridades do governo e os agentes
econmicos mais complexas e sujeitas a manipulao.
Referncias
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