Do Conto Ao Microconto - Entre A Tradição e A Modernidade
Do Conto Ao Microconto - Entre A Tradição e A Modernidade
Do Conto Ao Microconto - Entre A Tradição e A Modernidade
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Docontoaomicroconto:
entreatradioeamodernidade*
RoselyCostaSilvaGomes1
UniversidadeEstadualdoSudoestedaBahia(UESB,Campusde
Jequi)
Resumo:
Buscasecomopresenteestudorefletirsobreaformanarrativadomicroconto,apartir
dastesesdeRicardoPiglia,JulioCortzar,taloCalvino,EdgarAlanPoe,dentreoutros
tericos, tentando evidenciar traos que a aproximam da forma do conto, bem como
elementos diferenciadores. Nesse intuito, nos interrogamos: em que medida as teses
produzidasparaocontopoderiamcontribuirparaacompreensodaformamicroconto?
Napassagemdocontoaomicroconto,quaistraosresistem,quaissemodificam?
Palavraschave:microconto;prticadiscursiva;memria.
Abstract:
InthisstudyweproposetoreflectonflashfictionbasedonthesesfromRicardoPiglia,
JulioCortzar,ItaloCalvino,EdgarAlanPoe,amongothertheorists,tryingtohighlight
featuresthatapproximateflashfictiontoshortstoriesaswellasdifferentiatingelements.
To that end, we ask ourselves: to what extent can theses produced for short stories
contributetoanunderstandingofflashfiction?Inthepassagefromshortstorytoflash
fiction,whichtraitsresist,whichthreadsaremodified?
Keywords:flashfiction;discursivepractice;memory.
Resum:
Danscettetude,nousnousproposonsderflchirsurlamicrofictionapartirdesthses
deRicardoPiglia,JulioCortzar,ItaloCalvino,EdgarAlanPoe,entreautresthoriciens,
enessayantdemettreenvidencedescaractristiquesquiserapprochentdelaformedu
conteainsiquedeslmentsdediffrenciation.cettefin,nousnousdemandons:dans
quellemesurelesthsesproduitespourlecontepourraientcontribuerunemeilleure
comprhensiondelamicrofiction?Pendantlepassage ducontelamicrofictionquels
traitssontconservs?Quelleslignessonttransformes?
Motscl:Microfiction;pratiquediscursive;mmoire.
Introduo
Adefiniodasformasnarrativasumaquestocontroversae
que remonta de longnqua e milenar histria. Tal dificuldade reside
nas transformaes por que passaram essas formas ao longo dos
tempos, seja em relao s fontes das quais se originaram, seja em
relaosuaextenso.Nopresenteestudo,buscaremosrefletirsobre
umtipodenarrativaquetentaaeconomiamximaderecursospara
obter tambm o mximo de expressividade, o que resulta num
impacto instantneo sobre o leitor (Paulino 2001:137). Tratase do
microconto, forma narrativa cuja emergncia data do despontar do
sculoXXI.Porsuaformaconcisaebreve,essamodalidadenarrativa
tem colocado dificuldades quanto sua definio, haja vista a
possibilidade de se confundir com tantas outras modalidades de
microtextos. Por conseguinte, compreendemos com Spalding
(2008:52)queprecisoanalisarmostaistextosnoemsuaextenso,
mas em sua forma e contedo para compreendermos seu
funcionamento. Assim, numa tentativa de contribuir para a
compreenso dessa forma narrativa, que nos parece muito peculiar
dessenossomomentocontemporneo,oqualprimapelavelocidade,
pela conciso, que desenvolvemos esta proposta. Sem pretender
aqui entrar no mrito das discusses acerca da definio do conto,
objetivamos refletir sobre a forma narrativa do microconto, a partir
das teses de Ricardo Piglia, Julio Cortzar, talo Calvino, Edgar Alan
Poe, dentre outros tericos, buscando evidenciar traos que a
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aproximamdaformadoconto,bemcomoelementosdiferenciadores.
Noalimentamosaideiadeproduzirconstataesconclusivassobrea
questo,masapenas,maneiradopoeta,aproveitarosfiosquejse
tecem, cruzar com outros e lanlos queles que se interessem em
apanharessegritoedarcontinuidadeaestateiatnuequeorasevai
tecendo.Pensamosqueapenasreunindoograndemosaicodeideias
queseformamemtornodessatemticaqueconseguiremoschegar
aumentendimentomaisconsistentedessaformanarrativa.Sabemos
daprecariedadedessetipodeanliseporcontadoquefoiselecionado
como objeto, j que o processo de criao, embora consideremos
como um processo regrado, no se encontra engessado em leis de
produo e o trabalho artstico quase sempre se empenha por
transporasbarreirasimpostasmesmopelocampoartstico.Impese,
nesse sentido, a cincia de que as tentativas de se buscar um
elementocomumaoscontos[etambmaosmicrocontos]paraalm
do simples contar histrias [...] tendem tambm a se desdobrar [...]
em quase tantos quantos so os contos que se contam. O que faz
tambm, de cada conto, um caso... terico. (Gotlib 1985:83). Nesse
sentidonosinterrogamos:emquemedidaastesesproduzidasparao
contopoderiamcontribuirparaacompreensodaformamicroconto?
Napassagemdocontoaomicroconto,quaistraosresistem,quaisse
modificam?
No que diz respeito ao levantamento da fortuna crtica de
ambas as formas, tambm buscaremos referncias nos estudos j
desenvolvidos no Brasil a respeito dessa temtica. Embora seja
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Revista Investigaes
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2 A utilizao dessa terminologia ser mantida dada a inexistncia de outra que nos permita identificar estas
microformas. Segundo alguns estudiosos, a teoria literria ainda no reconhece o microconto como um gnero
literrio parte.
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literria,que,sobcertosaspectos,sofreutransformaessignificativas
comoadventodotelgrafo,dotelefone,docinema,dordioedaTV.
Isso nos induz a constatar que a produo artstica tambm se
encontra submetida a questes de ordem prtica a exemplo das
exigncias impostas pelas mdias onde circularo ou com as quais
estaro interagindo. A crescente necessidade de condensao traz
implicaes gerais s formas consagradas pela tradio, impondo o
desenvolvimento de novas competncias no mbito da
produo/recepo artstica. Evidenciase assim a importncia de se
olhar para essas novas produes considerandose seus modos de
transmisso e suas redes de comunicao, porque, conforme
Maingueneau (2006:213), as mediaes materiais no vm
acrescentarse ao texto como circunstncias contingentes, mas em
vezdissointervmnaprpriaconstituiodesuamensagem..
A temtica da extenso do conto foi tratada por Poe em sua
FilosofiadaComposioeparecenostocarnesseaspectoquepoderia
vir a compor a memria discursiva da prtica de produo de
microcontos:Sealgumaobraliterrialongademaisparaserlidade
uma assentada, devemos resignarnos a dispensar o efeito
imensamente importante que se deriva da unidade de impresso,
pois, se se requerem duas assentadas, os negcios do mundo
interferem e tudo o que se parea com totalidade imediatamente
destrudo.(912913).
Na segunda resenha escrita por Poe sobre Twicetold tales, de
NathanaelHawthorne,esseaspectojhaviasidotematizado:
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Osinteressesdomundoqueintervmduranteaspausasda
leitura modificam, desviam, anulam, em maior ou menor
grau,asimpressesdolivro.Porm,asimplesdetenoda
leitura por si s seria suficiente para destruir a verdadeira
unidade.Nocontobreve,noentanto,oautorpodelevara
caboatotalidadedesuainteno,sejaelaqualfor.Durante
ahoradeleitura,aalmadoleitorestnasmosdoescritor.
Nohinflunciasexternasouextrnsecas,produzidaspelo
cansaooupelainterrupo.3
SenosculoXIXainterfernciadosassuntosdomundonoprocesso
deleiturajseconstituaumproblema,nosdiasatuaisessaquesto
tende a se potencializar, instituindo novas formas narrativas, que se
configuramcomometforadavelocidadecomquecirculamosseres,
asmensagens,osobjetos,ostextosnassociedadescontemporneas.
(Cury et al. 2001:138). Assim, nos tempos cada vez mais
congestionados que nos esperam, a necessidade de literatura dever
focalizarse na mxima concentrao da poesia e do pensamento.
(Calvino1994:64).
Essas micronarrativas impem novas relaes entre leitor e
texto, exigem novas habilidades para lidar com esses textos, que
podem ser traduzidas nas palavras de Zavala: El reconocimiento de
estas formas de escritura requiere estrategias de interpretacin ms
flexiblesquelastradicionales,esdecir,estrategiasqueestnabiertas
a incorporar las contingncias de cada contexto de interpretacin.
(Zavala2006:38).Omicrocontoabaixonosparecesinalizarparaessa
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singularexperincianarrativa,demarcandoaindaopapeldoleitorno
processocriador:
PSICONTODLICO
Penalngua.
LSD?
.
Eoleitor?
DlheofiodeAriadne
RicardoCorona
Da anlise do microconto de Corona extramos, por inferncia,
aspectos que norteiam as instncias de produo e recepo dos
microcontos. Essa constatao justificase por concebermos com
Maingueneau(2006:66)que
O discurso literrio propriamente dito [...] busca absorver
no mais profundo de sua exposio, suas prprias
estruturastericas,prontoaoperarcomelasobliquamente
numnvelestruturalouareinscrevlasficticiamentecomo
seuprpriocontedo.,pois,nasformasliterriasquese
tem de tornar manifesto o pensamento que a literatura
produz.
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Sobreessesaspectos,advertese,ainda,quenessarelaocomo
leitor da contemporaneidade, o escritor no pode deixar de
consideraratemporalidade,demarcadapelasimpressesdeurgncia
e instantaneidade, como um aspecto interveniente no processo
produtivo.Omicrocontodeve,portanto,seranalisado,sobaticada
abreviaocomunicativaimpostapelosmeioscibernticos.(Martins
2011:275).Eaindacomo
Fruto da acelerao dos tempos modernos, de um novo
contexto de leitura fundado pela fragmentao do prprio
tempo dedicado palavra impressa com a exploso dos
multimeios, da impossibilidade de totalizao ficcional da
vida (crise do romance), do rescaldo das vanguardas
modernistas em especial a surrealista no universo
hispanoamericano, dapressae da escassezdos tempos
dedicados leitura, do esgotamento das formas
tradicionais, especialmente do romance, ou fruto das
possibilidades inditas que os escritores vm descobrindo
quando postos frente conciso extrema da forma...
(Gonzaga2007:10)
Outro aspecto relacionado s condies histricas de
emergncia toca naquilo que Costa Pinto (2004:83) denomina a
urbanizao do imaginrio da literatura brasileira e que poderia ser
traduzido nas palavras de Cury (2007:9): A fico brasileira da
contemporaneidadetemsuasrazesnosolourbano,nocontextoatual
dopascujafeiopredominantementeruralfoisubstitudapelavida
agitada e violenta que caracteriza suas grandes metrpoles. As
produesculturaiscontemporneasinsistem,pois,naencenaodo
espaourbano..Aindaconformeamesmaautoraoespaodacidade
assume feio performtica, exibido em cenas rpidas, sketches que
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rompemcomformasenunciativasconsagradas,deslocandotcnicase
gnerosnarrativos,soboolhardenarradorestambmelescondenados
aoseumovimentovertiginoso.(Cury2007:9,Grifosnossos).
Ao analisar o ltimo perodo do enunciado acima, em negrito,
destacamos as transformaes provocadas por essa relao com o
urbano na experincia narrativa e que nos encaminha a um aspecto
queseencontraintimamenteligadoprticadeproduoliterria:a
constituio subjetiva, aqui compreendida como uma construo
histricaqueproduzsujeitossingulares.Tratasedeumaspectoque
no pode ser desmerecido por se encontrar implicado no
funcionamento da produo artstica, por incidir no exerccio da
funoautor.
Conforme Foucault (2006:279), a funoautor constituda
historicamente. Ela no se exerce uniformemente e da mesma
maneira em todas as pocas. definida por uma srie de operaes
especficasecomplexas.Issoindicaquenointeriordoprpriocampo
literrio, num processo ininterrupto, definemse e redefinemse
regras que regulam esse exerccio e que permitem ao sujeito
constituirseenquantoautor.Posioquesedemarcatantoporuma
espcie de sujeio s normas que regulam o exerccio da funo
autor no perodo, quanto pela ruptura considerada como a
transgresso s condies definidas em uma dada conjuntura para o
exerccio da funoautor. No se trata de um processo de
apropriaodatcnica,masdaconstituiodeumasubjetividadeque
respondepelaprticadeproduodecadaobraemcadamomento.
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Docontoaomicroconto
Nombitodasformasnarrativasquetmdespertadointeresse
de estudiosos em todos os perodos destacamos o conto. Sua
produo deve ser reconhecida como uma prtica que acompanha a
humanidade desde tempos imemorveis. Fixar uma data que
identifiqueasuaorigempodenosobrigararemontaraonascimento
do prprio homem o que se traduz numa tarefa rdua e quase
impossvel. Atravessando milnios de histria, chega
contemporaneidade na sua forma mais condensada: o microconto.
Constitudo, por vezes, por umas poucas palavras, sua denominao
implica numa relao de similaridade com a forma do conto. A
anteposio do prefixo micro indica a condensao da forma sem
perdadeseustraosidentitrios.Istoposto,acreditamosserpossvel
traarumaidentidadeprpriaaessanovaformaapartirdarecenso
dos traos que a compe em seu nvel macro. Contudo, alertase
desde j que a tarefa de aprisionar o conto nos limites de uma
definio,noscontornosdeumconjuntodetraosdeveservistacom
grande suspeita ou, no mnimo, com a humildade de no se estar
diante de uma constatao conclusiva. Ao olharmos para essa forma
narrativa,devemosteremcontatratarsedeumgneroesquivonos
seusmltiploseantagnicosaspectos[...]tosecretoevoltadopara
simesmo,caracoldalinguagem,irmomisteriosodapoesiaemoutra
dimenso do tempo literrio. (Cortzar 1993:149). Isso indica que
quanto mais se reflete sobre essas produes novos traados vo
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(Cortzar,1993:153).Essasignificaonoalgointrnsecotemtica
selecionada. A potencializao das temticas mais prosaicas s ser
possvelserelacionadasnoesdeintensidadeetenso,quedizem
respeito ao tratamento literrio da temtica, a forma pela qual o
contista, em face do tema, o ataca e situa verbal e estilisticamente,
estruturao em forma de conto, projetandoo em ltimo termo em
direoaalgoqueexcedeoprprioconto.(Cortzar1993:156).Sobre
esse aspecto, Cortzar destacar como qualidade para um grande
conto,capazdeproduzirnoleitoracomooqueseapoderoudoseu
autor no momento da produo, o desenvolvimento de um estilo
baseadonaintensidadeenatenso:umestilonoqualoselementos
formaiseexpressivosseajustem,semamenorconcesso,ndoledo
tema,lhedemaformavisual,aauditivamaispenetranteeoriginal,o
tornem nico, inesquecvel, o fixem para sempre no seu tempo, no
seu ambiente e no seu sentido primordial. (Cortzar 1993:157). A
intensidade,consistindonaeliminaodetodasasideiasousituaes
intermdias, nas palavras do autor; a tenso concebida como uma
intensidade que se exerce na maneira pela qual o autor nos vai
aproximandolentamentedoqueconta.(Cortzar1993:158).
Os traos acima identificados por Cortzar aproximamse de
um dos aspectos considerados por Calvino, em suas Seis propostas
para o prximo milnio, como um dos valores que deveriam ser
preservadopelaliteraturanodecursodessenovomilnio:aexatido,
a qual envolve: um projeto de obra bem definido e calculado; a
evocao de imagens ntidas, incisivas, memorveis;[...] uma
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tomadeassaltoapartirdoenunciado.Aformacompostadogerndio
tem sido alvo de crtica, segundo alguns linguistas, no apenas pelo
modo indiscriminado como tem sido utilizado por aqueles
profissionais,maspelosefeitosdesentidoqueproduz.Quasesempre,
encontrase,nessescontextos,relacionadasaaescontnuasfuturas
que acabam por no ocorrer: vou estar desligando, vou estar
solicitando o seu reembolso, vou estar enviando... O resgate desse
efeitonointeriordanarrativadenunciaumatoconsentidoporparte
dasupostavtima.Oudealgumquecompartilhacomela(asuposta
vtima)doseuinfortnio.Magistralmentecalculada,aexpressoum
conviteaoexercciodaimaginao;umlabirintocomsadasdiversas
quesedescortina diantedoleitor,a quemcabedecidir qualo rumo
desejaseguir:apersonagemqueameaafazeradennciatemmesmo
intenso de fazla? Tratase da pessoa abusada ou de uma terceira
pessoaquetomouconhecimentodofato?Porqueaceitouacondio
de assdio at aquele momento ou tendo conhecimento no o
denunciou antes? A quem interessaria o segredo? Por que avisa que
realizar a denncia? Tratase de uma chantagem com intuito de
extorquiralgumbenefcio?Paraquemserfeitaadenncia?
O adiamento do ato reforado pela expresso ainda, que
produz um efeito de modalizao da ao, atenuando o seu carter
primeiro de defesa, transformando o enunciador de vtima em
cmplice. O ritmo que o conjunto das expresses empresta ao
enunciado contribui para denunciar essa transformao. A forma
imperativaseriaamaisadequadaaoefeitodedenncia,oquerefora
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Dizquemeama.
Amaiscaro.
BetoVilla
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Embora construdo a partir de dois enunciados apenas, sem ttulo e
semgrandesdescries,omicrocontopermitenosresgataracenade
enunciao:tratasedeumdilogoenvolvendoumasituaontima,
ondeumdosinterlocutorespagaparaseramado.Nohrefernciaa
sexo, prostituio, entretanto, certos ndices apresentveis no texto
nosremetemaumacenaemqueumsujeitoofereceumserviopor
um valor e algum compra esse servio. Considerandose que o
servio pelo qual se paga no se refere a um objeto material, que
legitimaria uma cena entre um comprador e um vendedor, num
sentido mais habitual, inferese que estamos diante de uma cena
construdaapartirdeumdilogoentreum(a)profissionaldosexoe
seu/sua cliente no momento em que o servio estava sendo
prestado. Outras possibilidades poderiam ser a identificadas, tais
comoassugeridasporSpalding(2008:66)
Nofaltar,ainda,quemrelacioneodilogoaumcasalde
namorados recentes, sendo a resposta dela uma
ambigidade irnica e reveladora do carter da mulher,
enquanto evidentemente muitas mulheres podem inverter
a ordem com que temos lidado at aqui e imaginado uma
clientelidandocomummichouumamulherlidandocom
seunovoaffair.
No que diz respeito primeira tese de Pglia, importa
destacarmos que aquilo que no conto de Poe se mostra a partir de
ndices localizveis na superfcie do texto, no microconto de Beto
Villa s pode ser verificado em termos de sugesto: aquilo que se
materializa no primeiro plano da narrativa a histria de um
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emocionaleoutrodecarterextremamenteprticoachavequed
acessoaumlabirintodepossibilidades.
Contudo,considerandosetodasaspossibilidadessugestivasdo
texto, no podemos deixar de mencionar o posicionamento de
Rodrigues (2011:251) a respeito dessa primeira tese aplicada ao
microconto, a qual julgamos mais apropriada para este caso: No
microconto no h uma histria evidente e uma segunda histria,
secretajamaisfragmento,hnomicrocontooencontrodediversas
histrias, oumicrocontonoh..Essetrao podesertomadocomo
uma regularidade para este tipo de produo, conforme podemos
observarnomicrocontoabaixodeautoriadeDanielGalera:
Boteiumasungaparaapavorar.
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algunsestudiososdocampo,podemosdizerqueunidadedeimpresso
etotalidadeconstituemse,ainda,emefeitosquesedeveperseguirna
produo de microcontos, os quais podem/devem ser lidos num
piscar de olhos, graas manuteno desses traos. E se pensarmos
nas condies histricas de emergncia dessas formas, no podemos
descartarapersecuodessesefeitos.
Esse aspecto configurase tambm como uma regularidade na
produo de microcontos, conforme podemos atestar abaixo nas
palavrasdeMartins(2011:281282):
No discurso do microconto o importante estabelecer
apenasumncleosignificativo,ouseja,noimportaquem
a personagem, se homem ou mulher, se h espao
delimitadooudemasiadoaberto,seeradiaounoite:o
leitorquecompletaascenas.Humjogosilenciosoentrea
ocultaototalearevelaoparcial.
Apossibilidadedeconstituiodehistriasdiversasapartirde
umnicofragmentofacultadaporaquiloquetambmseapresenta
como uma regularidade na produo de microcontos, conforme
mencionado acima: a omisso de traos definidores dos seus
enunciadores. Uma maior ou menor abertura para desdobramentos
decorrer da seleo dos termos mais apropriados ao efeito que se
pretendealcanar.
Em suas Novas teses sobre o conto, Pglia discorrer sobre o
final,sobreaconclusoeodesfechodeumconto.Anoodeespera
edetensorumoaofinalsecreto(enico)tomadocomoopontode
partida para as suas reflexes, que tambm se norteiam pelos
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seguintesquestionamentos:oquequerdizerterminarumaobra?De
quem depende decidir que uma histria est terminada? (Pglia
2004:100). Para Pglia, os finais so formas de encontrar sentido na
experincia. [...] O final pe em primeiro plano os problemas da
expectativa e nos defronta com a presena de quem espera o relato.
Nosetratadealgumexternohistria[...]masdeumafiguraque
fazpartedatrama.(Pglia2004:100).
Como poderamos aplicar essas reflexes acerca do princpio e
dofimnumaformatocondensada?Ospostuladosacima,pensadosa
partir de formas menos concisas do conto, poderiam ser aplicados
anlisedosmicrocontos?
Tentandoumpossvelentrecruzamentoentreateseenunciada
e o microconto de Beto Villa, arriscamos uma questo: quem a
figuraquecompeessatramaequeaseencontraaesperadorelato?
Quaisasexpectativasqueofinalpeemevidncia?
A resposta primeira questo remetenos figura do primeiro
enunciador, algum com um alto grau de carncia afetiva. No
sabemossehomemoumulher;nohevidnciasnotextoqueaponte
paraessadefinio.Oquepodeindicarumaestratgiadoautorpara
universalizar/generalizar o problema. Quantos tipos poderiam ser
apontados na atualidade, aptos a preencher tal funo: o(a) velho(a)
milionrio(a)quesecasacoma(o)alpinistasocial;amulherdemeia
idade, solitria, abandonada, que contrata os servios do garoto de
programa;omaridocujamulherinteresseiraeftilnoseconstrange
emestourartodososseuscartesdecrdito...Todosunidosporum
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nocultivaoquenopodeserabreviado..Arespeitodessareflexo,
Benjamin complementar que o homem conseguiu abreviar at a
narrativa.
O fenmeno da brevidade na literatura identificado por
tericosdomicrocontocomoumdeseustraosmaisinequvocos
tematizado por Montandon (2007:17), em artigo intitulado
Minimalismeetformebrevedanslecriturecontemporaine.Assinala
esse autor que a brevidade como elemento de uma potica aparece
comamodernidade:Labrivet,dfinieparEdgarAllanPoedansLe
PrincipepotiqueetGensedunpomeetrepriseparBaudelaire,me
sembleapparatrecommetantlesymptmedelaconsciencemme
de la modernit (avant mme la postmodernit.). Destaca que o
tratamento do tema apresenta problemas de definio, no fazendo
sentido associarmos a ideia de brevidade a um texto curto, j que
existemlongosromancesformadosdecaptuloscurtos.Tambmno
considera adequado o tratamento da brevidade pela perspectiva da
conciso, trao que segundo o autor pode ser identificado em
romancescommilharesdepginas.Entranhadanaprpriagnesedo
literrio e da autorreflexividade que caracterstica de sua
modernidade,abrevidade,segundooautor,constituisedemltiplos
estatutos e funes diversas: ela poderia ser vista como marca de
temporalidade, de efemeridade; como sintoma de caducidade e
sentimento de uma finitude depois que a morte de Deus foi
proclamada.Montandonapresentaaaindacomoformadesuicdio:
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Danscesenslabrivetestunmodedepenser(etdenon
agir),impliquantderenoncerauxgrandeschanescausales,
pour vaguer dans la microcausalit, le minimalisme,
linfime et labime, car le bref dans sa concision ouvre des
vertiges, car ce quil ne dit pas, ce quil laisse de ct ne
cessederemueretdesagiter,lcrituredunonditouvrant
desperspectivesinfinies.(Montandon2007:18)
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Revista Investigaes
sereia,oconviteparaummergulhoemguasmaisdistantesnossoa
como armadilha. Mas tambm nos coloca em estado de alerta para
novas trilhas a serem percorridas rumo, qui, a uma genealogia do
microconto.
Emrespostaaindagaoquenosmotivounessepercurso,resta
nos apenas a afirmao com que Beckett conclui seu romance
LInnommable:
Ilfautcontinuer,jenepeuxpascontinuer,jevaisdonccontinuer,
ilfautdiredesmotstantquilyena.
Consideraesfinais
O estudo que realizamos pretendeu tecer reflexes sobre esta
forma breve, o microconto, cujas exigncias de condensao e
expressividadeparecemoperarcomoumaforacentrpetaqueatudo
comprime, sem, contudo, destruir nada do que j compunha a
matria.Buscamosfazerumcontrapontoentreasmodalidadesmacro
e micro do conto, focalizando o seu funcionamento, onde reside a
nossoveradistinoentreasformas.Estaanlise,quesevoltoupara
o levantamento das condies de sua produo e de recepo, as
condies histricas que definem essa prtica, revelounos certas
peculiaridadesemrelaoaocontotradicional.
Constatamosqueaextensonosecolocacomoobstculopara
a satisfao do que os estudiosos do conto consideram como
prerrogativas para que uma narrativa seja considerada enquanto tal.
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movimentosdocampoemcadaperododahistria.Umaformacomo
essa no emerge ao acaso, mas nos permite compreender a relao
que a produo literria mantm com a histria, com o real. Sem
necessariamentenosfalardahistria,elanospermiteinferirsobreos
movimentos da histria. Alm disso, conformamonos com Gotlib
(1985:63)paraquemprecisodesconfiardasdefiniesautoritrias,
que, como toda proposta dogmtica, tendem a ser desmentidas pela
prpria variedade dos objetos que tentam to rigorosamente
definir....
O carter transgressivo da literatura no lhe permite um
aprisionamentoporcondicionantessejamelesdequeordemfor,pois
como bem destaca Calvino: a funo da literatura a comunicao
entre o que diverso pelo fato de ser diverso, no embotando mas
exaltando a diferena, segundo a vocao prpria da linguagem
escrita.(1994:58).
Contratodaformadehomogeneizao,aliteraturapulsacomo
a prpria vida. Do confronto entre as formas macro e micro
deduzimosporfim,arespeitodomicroconto,queasuamanifestao
podeserassociadaaumgritoqueemergenaeradavelocidadesobo
fragmentodeumeco.
Refernciabibliogrfica
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