Joao Augusto Lepikson
Joao Augusto Lepikson
Joao Augusto Lepikson
ESCOLA DE ADMINISTRAO
NCLEO DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO
Salvador
2010
JOO AUGUSTO PESSOA LEPIKSON
Salvador
2010
A
Meu pai e minha me por sempre terem me deixado mo as condies para meu
desenvolvimento pessoal.
AGRADECIMENTOS
Agradeo ao meu orientador, Professor Antonio Renildo, pela pacincia e, sobretudo, por
ter me auxiliado bastante no desenvolvimento de reflexes importantes deste trabalho.
A Marlene eu agradeo por ter me dado suporte e por ter me suportado nos momentos
(no raros) de mau humor, sobretudo na reta final desse percurso.
A Capes agradeo pelo apoio financeiro que permitiu que eu me dedicasse integralmente
ao mestrado.
Agradeo ao Professor Nelson Oliveira pelas longas conversas. Talvez ele no saiba, mas
foram importantes em momentos difceis do percurso de economista mestrando em
administrao.
Serei sempre grato a meus amigos do Vale pela amizade verdadeira desde que me
entendo por gente. Sou grato especialmente hoje por terem compreendido minha ausncia
em momentos que, eu sei, deveria estar mais presente.
EPGRAFE
Elogio da Dialtica
Bertolt Brecht
RESUMO
Esta dissertao tem como objetivo primeiro interpretar a manifestao mais recente da
relao lgica que liga a acumulao capitalista s crise de superacumulao e estas aos
ajustes espaciais. Para tanto, busca na lei geral da acumulao de Marx os
determinantes que estabelecem a inexorabilidade da ligao entre a acumulao e as suas
crises e em Harvey, mais especificamente em sua teoria sobre as ordenaes espao-
temporais, a forma como so conduzidas as estratgias de superao das crises por meio
dos ajustes espaciais. Para o estudo da manifestao hodierna dessa lgica, empreende-se
uma pesquisa exploratria centrada em trs pensadores-chaves do movimento do sistema
capitalista moderno que tm inspirao, em maior ou menor grau, marxiana: Harvey,
Brenner e Arrighi. Este trabalho, portanto, trata de interpretar, com base em conceitos e
categorias do materialismo histrico, o movimento que liga a acumulao da Era de
Ouro" crise estrutural de superacumulao e esta tentativa neoliberal de apresentar
alternativas para dar continuidade ao processo de acumulao capitalista. Na prtica, a
acumulao do ps-guerra, construda em um contexto de cooperao internacional,
mostrou-se excessiva e determinou a baixa sistmica das taxas de lucro. Buscando
ascender condio de potncia hegemnica e para evitar a desvalorizao do seu
prprio capital, em um contexto de Guerra Fria e de superacumulao em seu territrio,
os Estados Unidos passaram a exportar seu capital redundante, especialmente para os
territrios sob ameaa comunista, o que deu incio a um rpido processo de acumulao
especialmente na Europa ocidental e no Japo. Justamente porque no negou a lei geral
da acumulao, esse sucesso gestou as condies para a emergncia da crise de
superacumulao contempornea. Na dcada de 1970, percebeu-se que a acumulao fora
excessiva, refletida pela baixa nas taxas de lucratividade, percebeu-se a existncia de
mais capital produtivo do que a capacidade de os mercados realizarem o valor. Sob pena
de desvalorizao, fazia-se impretervel apresentar novas alternativas de escoamento
lucrativo desse capital. Eis que, em fins da dcada de 1970 e incio da dcada de 1980, os
Estados centrais apresentam o projeto neoliberal como soluo para evitar o remdio
amargo da desvalorizao. A partir da, em um contexto de grande assimetria de poder,
os Estados perifricos passam a ser impelidos a adotar uma srie de ajustes estruturais de
forma a abrir em seus territrios novas rotas de investimento para aquele capital.
Contudo, esses ajustes no determinaram propriamente a renovao das condies
necessrias circulao do capital, mas sim o que Harvey denominou acumulao por
espoliao, o que significou a penetrao do capital em novos setores e intensificao
das relaes capitalistas por meio da administrao de crises de desvalorizao. Em
paralelo, ao longo do trabalho de maneira dispersa, este trabalho mostra que, por causa da
sua origem anti-sistmica, a China esteve relativamente imune s ingerncias externas e
que, por isso, seu Estado foi capaz de estabelecer uma estratgia de insero no sistema
(ajuste espacial) relativamente autnoma.
Porque se tratar uma investigao sobre determinada realidade social concreta, o trabalho
aborda conceitos e categorias ligados ao materialismo histrico.
This dissertation aims to interpret the most recent manifestation of the logic that connects
capitalist accumulation to overaccumulation crises and these crises to spatial fixes. To do
this, the Marxian "general law of accumulation" is examined to find the foundations that
determine the inevitability of the overaccumulation crises. In Harveys theory of "spatial-
time fix", the explanations of how space ordinations (physical and social) are strategically
orchestrated to renew the conditions for the accumulation and therefore to overcome
these crises is discussed. To study the manifestation of this relationship, an exploratory
study is carried out that focuses on the work of three thinkers in the contemporary
movement of the capitalist system: Harvey, Brenner and Arrighi. Using categories and
concepts related to historical materialism, this work attempts therefore to interpret the
movement of the capitalist system, including the manifestation of this logic by
establishing relationships between the foundations and contradictions of the process
linking the rapid accumulation of the "Golden Age" to the structural crisis of
overaccumulation which started in the 1970s, and this to the neoliberal project as a
strategy to solve the crisis. The rapid growth in the postwar period occurred in a context
of strong international cooperation given by the U.S policy of global hegemony and by its
need to export its redundant capital, i.e. the capital that no longer found alternative
circulation within the country. As described in Marxs "general law of accumulation",
the post-war accumulation process nurtured the contradictions that wore the conditions
necessary for its own continuity. It brought about the systemic crisis of contemporary
overaccumulation whose most obvious symptom is the decline in profit rates based on the
existence of excess productive capacity, particularly in the manufacturing sector. At that
time, facing devaluation, they had to renew the conditions for the capital circulation. In
the late 1970s and early 1980s, the neoliberal project was presented as a solution to the
crisis. From then, in a context of great power asymmetry, peripheral states were urged to
adopt a series of structural adjustment that opened new routes for the overaccumulated
capital in the core countries. These adjustments, however, did not properly determine the
renewal of the conditions necessary for the circulation of capital, but an "accumulation by
dispossession." On the other hand, because of their anti-systemic origin, China had been
relatively immune to external interference and was therefore able to make adjustments in
a capitalist way relatively autonomously. In spite of the fact that this relative autonomy
confers peculiar characteristics to Chinese reforms in relation to other peripheral
countries, they have occurred and still occur at a very convenient moment for the system
as it represents the preparation of new space for the reproduction of capital in a phase
characterized by a scarcity of profitable investment alternatives.
1 INTRODUO.............................................................................................................. 8
6 CONCLUSES ............................................................................................................ 98
REFERNCIAS............................................................................................................ 106
8
1 INTRODUO
mercadorias, algo maior do que o investido na compra dos meios de produo e da fora
de trabalho do ciclo anterior, a mais-valia, deve necessariamente reiniciar o circuito
comprando mais fora de trabalho e mais mquinas e equipamentos no intuito de
aumentar a produo. Assim, e s assim, ocorre a reproduo ampliada do capital, a
acumulao capitalista.
Caso falte alguma dessas condies, em algum ponto esse circuito ser interrompido e o
valor do capital investido no se realizar ficando sujeito desvalorizao. Para Marx
(2008, p.745), independente da fase em que ocorre o rompimento da circulao, ele
sempre decorrente da mesma lei geral da acumulao do capital, a manifestao do
mesmo problema bsico da superacumulao inerente ao processo.
ativamente produz barreiras para o seu prprio desenvolvimento, o que significa que as
crises so endgenas ao modo capitalista de produo.
Apesar de essa tendncia crise ter se materializado diversas vezes ao longo da histria,
o capitalismo sobrevive. Segundo Harvey (2006, p.48), as crises de superacumulao
foram superadas por meio dos ajustes espaciais, ou seja, por meio da intensificao da
atividade social (penetrao em novas esferas e atividade e/ou criao de novos desejos
e novas necessidades, alm da ampliao da oferta de mo-de-obra) e/ou por meio de
expanses geogrficas (construo das condies fsicas e sociais capitalista em novo
territrio) com a fixao de algum montante do capital excedente em novo espao.
preciso, portanto, que o Estado, enquanto poder poltico territorializado detentor dos
monoplios de jurisdio1 e do uso legtimo da violncia, institua e garanta a legislao
tal e qual demandada pelo capital. Alm de legislar, o Estado assume grande parte dos
custos necessrios para a preparao fsica do territrio, arca com grande parcela da
construo da infra-estrutura necessria, inclusive, para reduzir o tempo de circulao
capital e, por conseguinte, aumentar a taxa de acumulao. Fazendo isso, logicamente, o
1
Do latim: jurisdictio que significa dizer o Direito. Segundo o dicionrio eletrnico AULETE DIGITAL:
Jurisdio: poder decorrente da soberania de um Estado, para editar leis e ministrar a justia.
11
Estado colabora para acelerar o movimento das contradies que, em algum momento,
culminar em nova crise de superacumulao.
Assim, por meio dos poderes polticos dos Estados, ou melhor, pela diferena de poder,
estabelecida uma determinada diviso internacional do trabalho que consubstancia um
padro geogrfico de trocas desiguais em favor dos Estados centrais, que, por isso,
permanecem centrais. A partir da fuso das lgicas territorial (poltica) e econmica do
poder, o que caracteriza as prticas imperialistas (HARVEY, 2005, p.36), so, pois,
estabelecidas as condies para que se mantenha determinada hierarquia do sistema
capitalista mesmo com novo arranjo da diviso internacional do trabalho em pocas de
crise de superacumulao.
porque retiram capital excedente da circulao imediata e, depois, porque inserem novo
espao com condies adequadas no circuito do capital internacional.
Ante a abissal assimetria de poder no sistema interestatal, combalidos pelas essas crises
orquestradas pelo capital financeiro e administrada pelos organismos supranacionais em
nome dos Estados centrais, restou aos pases perifricos consentir sobre o direcionamento
dos ajustes, restou-lhes adotar o projeto neoliberal como estratgia de desenvolvimento
nacional.
Desse modo, ao longo de sua evoluo, nas ltima trs dcadas, o capital teve de pr
de lado as concesses do Estado de bem-estar social, anteriormente concedidas aos
trabalhadores. preciso notar que no precisou pagar absolutamente nada na poca
que o Estado de bem-estar social comeou a existir, j que as alegadas concesses
faziam parte das dinmicas da expanso do capital despreocupada e altamente
lucrativa do ps-guerra. O insensvel esprito do neoliberalismo redefiniu a orientao
estratgica da ordem instituda, colocando em prtica polticas cada vez mais
exploradoras e repressivas, ditadas pela grosseira rotao autoritria do capital e por
sua cnica justificao ideolgica.
2
Esse processo amargo de desvalorizao e racionalizao do capital reduz a competio e recompem
as taxas de lucros. Contudo, evitado porque traz consigo um elevado custo sob a forma de falncias,
colapsos financeiros, desvalorizao forada de ativos e poupanas pessoais, inflao, crescente
concentrao do poder econmico e poltico em poucas mos, queda dos salrios reais e desemprego
(HARVEY, 2006, p.47)
3
A Nova Economia estruturava-se a partir das novas tecnologias de comunicao e de informao e de
suas respectivas indstrias (TIC). Em meados da dcada de 1990, muitos economistas apologticos
acreditavam que essa nova estrutura econmica estaria criando uma nova forma estrutural de acumulao
capitalista, na qual a riqueza no mais seria originria do trabalho manual e sim do trabalho intelectual que
teria na cincia, na tecnologia e no capital humano suas fontes geradoras. (PINTO, 2005, p. 74)
15
Enfim, este trabalho tem como objetivo analisar, com base nos preceitos tericos do
materialismo histrico, o movimento da contradies do processo de acumulao do ps-
guerra, a natureza estrutural da crise sistmica de acumulao que emergiu desse
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movimento e como as prticas imperialistas sob a alcunha do projeto neoliberal, alm das
reformas chinesas, se apresentam como soluo para a continuidade do processo de
acumulao capitalista. Mais especificamente, o trabalho busca interpretar a ligao
lgica entre esses trs momentos.
Permeia toda a pesquisa uma anlise sobre os diferentes papis exercidos pelos Estados
centrais e perifricos em perodos de crise sistmica. Em linhas gerais, busca-se entender
como os Estado centrais, com base no projeto neoliberal, impuseram aos pases
perifricos medidas para evitar que o motor da acumulao morresse sem que houvesse
uma mudana substantiva na hierarquia de poder do sistema. Sem aprofundar, porque
caberia um trabalho especfico somente para isso, aborda-se tambm a diferena da
ordenao chinesa em relao aos outros pases perifricos.
objetivo secundrio mostrar que a mudana dos objetivos dos Estados, da promoo do
pleno emprego promoo de um ambiente adequado aos negcios, respondeu s
necessidades do capital em determinado momento do desenvolvimento capitalista e, neste
sentido, espera-se colaborar para desconstruir a idia forosamente construda acerca da
neutralidade das idias neoliberais. Busca-se mostrar que a idia forosamente construda
acerca da natural superioridade das relaes de mercado respondem a um contexto
especfico em que se faz mister apresentar alternativas de investimento para o capital.
Para cumprir o proposto, o trabalho est dividido em quatro partes, alm dessa introduo
e da concluso.
O quarto captulo uma aproximao entre a abordagem terica dos primeiros captulos e
a prtica hodierna. Consiste de uma pesquisa exploratria que busca, confrontando e
articulando as idias apresentadas por Brenner, Harvey e Arrighi, evidenciar os
determinantes do longo crescimento sistmico do ps-guerra e como suas contradies
determinaram a emergncia da crise estrutural que o seguiu.
O objetivo do capitalista, mesmo ao comprar a fora de trabalho, impelido que por leis
coercitivas externas, sempre aumentar seu capital, ou seja, acumular atravs da
apropriao do valor criado pelo trabalho alheio. Como coloca Marx (2009, p.721)
Marx mostra que a acumulao expandida se inicia com a converso de uma soma de
dinheiro em meios de produo e fora de trabalho, onde tem vez a acumulao
primitiva do capital, e continua por meio da permanente repetio de um movimento
circular que se realiza sempre atravs das mesmas fases: produo, circulao, venda e
reinvestimento na compra de mais meios de produo e de fora de trabalho para reiniciar
o processo em escala ampliada.
cujo valor ultrapassa o dos seus elementos componentes, contendo, portanto, o capital
que foi desembolsado, acrescido de uma mais-valia. A seguir, essas mercadorias tm,
por sua vez, de ser lanadas na esfera da circulao. Importa vend-las, realizar seu
valor em dinheiro, e converter de novo esse dinheiro em capital, repetindo
continuamente as mesmas operaes.
exemplo, como o capital fixo s transfere seu valor enquanto consumido na produo,
por meio do desuso, perde seu valor, ou, se as mercadorias no encontrarem mercado
consumidor, no realizam seu valor (do capital adquirido pelo capitalista fora de
trabalho mais meios de produo acrescido pela mais-valia retirada dos trabalhadores) .
De uma ou outra forma, o capital desvalorizado.
Complementarmente, se o tempo que o capital necessita para percorrer todo esse circuito
for aumentado, a taxa de acumulao reduzida; o contrrio tambm verdadeiro: se a
velocidade de circulao aumenta (reduz o tempo necessrio da circulao), a taxa de
acumulao aumenta proporcionalmente. Os capitalistas se dedicam, por isso, tanto
reproduo contnua das condies necessrias quanto acelerao da circulao.
Contudo, preciso ter em conta, quanto mais rapidamente o capital circula, mais rpido
o movimento das contradies que em determinado momento irrompero em crise
estrutural. Quanto mais rpida a circulao, ou quanto maior a escala da produo,
maiores e mais desenvolvidas devero estar as condies necessrias para cada etapa da
circulao.
medida que se acumula mais capital e, pois, que mais mercadorias so produzidas,
necessariamente, para vend-las e realizar o lucro na mesma proporo, preciso que
haja um crescimento proporcional do mercado consumidor em termos quantitativos e/ou
em termos de criao de novas necessidades. Como o mercado consumidor tende a no
crescer em sincronia com o aumento da produo, a criao de novos desejos e
necessidades ganha papel importante a cumprir no modo capitalista de produo.
Em linhas gerais, na prtica, como ser discutido oportunamente, foi isso o que aconteceu
no boom econmico do ps-guerra: as altas taxas de lucro e disponibilidade de condies
bastante interessantes em alguns territrios permitiram uma taxa de acumulao que em
pouco tempo consolidou capacidades produtivas deveras eficientes que no mais
conseguiam transferir plenamente seu valor para a produo e tambm um estoque de
mercadorias que no mais conseguia realizar seu valor na venda (BRENNER, 2003).
Dessa forma, no incio da dcada de 1970, o acirramento da competio acarretou uma
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queda das taxas de lucro do setor de manufaturados e esse capital redundante ficava sob o
risco iminente da desvalorizao. Em paralelo, o prprio processo de acumulao
naqueles territrios, porque promoveu a modernizao das foras produtivas (e
proletarizao da fora de trabalho latente), significou o desgaste daquelas condies que
permitiam as altas taxas de lucro e, por conseguinte, as altas taxas de acumulao.
A dialtica interna do capitalismo faz com que os capitalistas, presos luta de classes e
coagidos pela competio intracapitalista, sejam forados a promover desenvolvimentos
tecnolgicos. Essa tendncia de mudana na composio orgnica do capital, que tende a
dispensar trabalho vivo, como sugerido, destri a possibilidade relativa acumulao
equilibrada entre a formao do mercado consumidor e a produo.
O capital sob a forma meios de produo s transfere seu valor para as mercadorias se
consumido na produo e as mercadorias s realizam seu valor, inclusive o acrescido
pelo trabalho vivo, na venda. Caso no ocorram ambos os momentos, o capital fica
sujeito desvalorizao: como moeda por meio da inflao, como mercadoria por meio
de estoques encalhados que no realizam seu valor na venda ou por causa dos preos em
queda decorrente da intensa competio ou ainda como capacidade produtiva e infra-
estruturas fsicas que no transferem seu valor para as mercadorias. De uma forma ou de
outra, nega-se o valor potencialmente criado.
Como ser visto mais adiante neste trabalho, a crise atual caracterizada
fundamentalmente por um excesso de capacidade produtiva no setor de manufaturados,
mais sujeito competio internacional, que no transfere seu valor e por um excesso de
mercadorias (manufaturados) com preos achatados pela concorrncia internacional
excessiva. Reflexo dessa condio a queda das taxas de lucro do setor, que se espalha
por todo o sistema (BRENNER, 2003).
relaes j postas sob sua gide, enfim, preciso renovar as condies para a reproduo
do capital.
Harvey (2006, p.47-8) lista os processos que, isolados ou combinados, podem criar as
condies necessrias para a renovao da acumulao: penetrao do capital em novas
esferas de atividade (por exemplo, a transformao da agricultura de subsistncia em
agricultura empresarial lucrativa); criao de novos desejos e necessidades em conjunto
com organizao do consumo especfico; crescimento populacional em ritmo condizente
com a acumulao de longo prazo e; expanso geogrfica das relaes capitalistas para
novas regies.
Alguns autores, dentre eles Lnin, Hilferding e Rosa Luxemburgo, sugerem que o
capitalismo sobreviveu s repetidas crises sempre inserindo um algo externo ao circuito
de acumulao. Harvey, especificamente em sua teoria sobre os ajustes espaciais, prope
que o capitalismo sobreviveu s crises em funo da renovao das condies para a
circulao do capital por meio de ajustes espaciais. Estes ajustes estrategicamente
planejados promovem a intensificao das relaes capitalistas j postas e/ou a insero
de um algo externo, inclusive de novos espaos territoriais antes no-capitalistas
devidamente preparados para a circulao do capital.
A dialtica interna do capitalismo, como sugerido na parte anterior deste trabalho, conduz
o sistema crises de superacumulao. Interessa agora entender como o capitalismo
sobrevive em meio a tantas e to recorrentes ameaas de rupturas do seu ciclo de
reproduo; cumpre entender como o capitalismo supera as barreiras que constantemente
so erguidas pelas suas prprias contradies evitando a desvalorizao do capital
excedente sem que haja uma alterao substantiva da hierarquia de poder do sistema.
Logicamente, quanto mais difcil o ajuste interno, o que passa pela intensificao de
relaes capitalistas, em qu, logicamente, a luta interclasses tem papel determinante,
mais importante se torna o ajuste externo, ou seja, a expanso geogrfica das relaes
capitalistas.
Para manter economicamente forte o seu territrio, o Estado precisa, primeiro, evitar a
desvalorizao do seu capital que no circula apresentando-lhes alternativas de
escoamento, alm disso, precisa impor as condies para que as rendas monopolistas das
atividades centrais em cada momento especfico do desenvolvimento capitalista
permaneam fluindo para dentro de suas fronteiras. Assim, esses ajustes e os acordos
internacionais estabelecidos nesse bojo so conformados de maneira a manter (ou
estabelecer nova) uma diviso internacional do trabalho que consubstancie o padro
geogrfico de trocas assimtricas em favor dos Estados centrais. Eis que as lgicas
econmica e territorial do poder se fundem para apresentar soluo para a continuidade
do processo de acumulao capitalista sem que se altere a hierarquia de poder do sistema,
eis que as prticas imperialistas cumprem seu papel (HARVEY, 2005, p. 32).
Como coloca Harvey (2006, p.115), a nica soluo efetiva para tais crises, na ausncia
do ajuste espacial, a desvalorizao do capital (...) e a desvalorizao da fora de
trabalho por meio de decrescentes padres reais de vida do trabalhador. O nico escape
desvalorizao do capital reside, ento, na contnua criao de novos recursos
produtivos. Disso, deduz-se um impulso dentro do capitalismo para criar o mercado
mundial, para intensificar o volume de troca, para produzir novas necessidades de novos
tipos de produtos, para implantar novos recursos produtivos em novas regies, e para
colocar toda a mo-de-obra, em todos os lugares, sob a dominao do capital. Assim,
conclui Harvey (2005, p.117), a real geografia histrica do capitalismo como produto de
tal imperativo.
A ordenao espacial apresenta soluo crise porque, no fim, insere mais um territrio
com as condies adequadas para a reproduo do capital, ou seja, aumenta o volume do
sistema e, por conseguinte, alivia a presso exercida pelo excesso de capital e, por
conseguinte, pela competio assassina. A ordenao temporal, por sua vez, trata do
tempo que decorre entre a imobilizao de capital excedente em investimentos de longo
prazo necessrios nessa preparao e o retorno desse capital circulao. Sendo assim,
em termos temporais, os ajustes espaciais colaboram com a soluo das crises porque
retiram capital excedente da circulao imediata imobilizando-o por longo perodo at
que voltem a circular.
Quando esses investimentos estiverem maduros, o capital deve necessariamente, sob pena
de desvalorizao, retornar circulao sob a forma de infra-estruturas fsicas e sociais
adequadas circulao do capital transferindo seu valor produo. Estando pronta a
ordenao, inclusive no que tange s condies sociais (existncia de mercado de
trabalho regulado, leis de proteo propriedade privada, legislao tributria, monetria
etc.), consolida-se o acrscimo de mais um espao para a reproduo do capital, aumenta-
se o volume do sistema aliviando a presso exercida pela competio intercapital.
valor para a produo futura, (ou o mercado consumidor no seja capaz de absorver essa
produo), ser desvalorizado e o crescimento chins de longo prazo estar
comprometido e, por conseguinte, a estabilidade social e a legitimidade do governo posta
prova.
Como ser melhor comentado oportunamente, o processo em cadeia que liga solues de
crises de superacumulao aos sucessivos ajustes espaciais, foi responsvel, em grande
medida, pelo deslocamento do centro mais dinmico do capitalismo para o leste asitico
do qual a ascenso econmica da China a ltima das trs etapas (a primeira foi a
reconstruo da estrutura produtiva do Japo comandada pelo capital excedente (e
Estado) dos EUA e depois a ordenao dos Tigres Asiticos pelo capital excedente
japons).
Como o capital investido em estruturas fixas transfere seu valor somente se elas forem
consumidas no processo produtivo, investimentos excessivos nestes terrenos podem
consolidar a existncia de mais capacidade do que as possibilidades de transmisso do
seu valor para as mercadorias, ficando, pois, passvel de desvalorizao por desuso.
Assim, mesmo o capital redundante em estruturas fixas podem ser estopins de crises de
desvalorizao.
preciso ter em conta que o capital superacumulado sob a forma de estruturas produtivas
ou mercadorias no se converte em capital lquido por simples vontade do capitalista. O
capital fixado na forma de, por exemplo, fbricas ou rodovias, no se torna lquido e,
portanto, mvel de uma hora para outra, sem realizar o seu valor na venda das
mercadorias produzidas. O redirecionamento do fluxo de capital de uma forma para outra
mais lquida depende fundamentalmente da capacidade mediadora das instituies do
Estado e/ou financeiras de gerar e oferecer crdito, de criar capital fictcio (ativos em
ttulos ou notas promissrias desprovidos de suporte material) que pode ser usado como
dinheiro.
Como muitas vezes o Estado assume parte considervel dos custos da ordenao fsica
por meio de endividamento, mesmo que os valores investidos no sejam plenamente
transmitidos para a produo, ficam garantidas taxas de retorno ao capital financeiro sob
a forma de pagamento dos juros da dvida pblica.
financeiras internacionais historicamente tem cumprido muito bem o papel de evitar que
isso ocorro.
Em termos prticos, os ajustes fiscais orquestrados pelo FMI e impostos aos pases
perifricos nas dcadas de 1980 e 1990, alm de abrir novas rotas para a circulao do
capital criando relaes capitalistas onde antes no existiam, foram feitos em sentido de
impor garantias para que o capital financeiro seja devidamente remunerado.
Alm disso, importa ter em mente, o endividamento gera oportunidades especulativas que
tornam o poder do Estado vulnervel s ingerncias imperialistas articuladas pelo capital
financeiro em combinao com seus poderes polticos assimtricos representados pelos
Estados e organismos supranacionais.
Aqui cabe chamar a ateno para os dois sentidos possveis de um processo de ordenao
espacial: o primeiro caracteriza a montagem de uma estrutura produtiva complementar e
subordinada estrutura dos pases centrais e o outro a estruturao de uma capacidade
que rivalizar com o capital que lhe deu origem. No primeiro caso, ordena-se um pas em
sentido de prepar-lo para receber atividades que decaram na escala de agregao de
valor da cadeia produtiva. Exemplo clssico disso a industrializao dos pases
perifricos, ou, como prefere chamar Arrighi (1997), a periferizao da atividade
industrial muscular.
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Em paralelo internalizao de tecnologia, a China mantm pesados investimentos estatais em pesquisa e
desenvolvimento e formao de pessoal especializado. Entre 1998 e 2006, os investimentos em P&D
aumentaram em mdia 21,3% ao ano, atingindo US$ 22,2 bilhes (TREVISAN, 2006, p. 96-97). Para se ter
uma idia do que isso significa, segundo Arrighi (2008, p.363), em 2002, foram formados 590 mil
estudantes em cincia e tecnologia, em 2005, segundo Fishman (2005, p. 328), seriam formados cerca de
325 mil engenheiros, cinco vezes mais do que nos EUA, e 17 milhes de estudantes em cursos superiores
ou escolas tcnicas avanadas.
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Alm disso, como sugerido, o endividamento crnico dos Estados gera oportunidades
especulativas que tornam o poder do Estado vulnervel s influncias e ingerncias
polticas do capital financeiro. Eis que, assim, construda uma ponte para que os
poderes imperialistas dos pases centrais imprimam condies especficas aos pases
perifricos de forma a apresentar-lhes possibilidades lucrativas de investimento.
Porm, preciso ter em conta que isso significa diretamente certa distribuio interna da
riqueza, o que traz discusso a correlao de foras na disputa interclasses. Assim,
quanto mais difcil a ordenao interna, mais o capital recorre s solues externas. Ou
ainda, se restar pouco espao para a intensificao das relaes capitalistas internamente,
em um contexto de grande assimetria de foras, o capital dos pases centrais tem sempre a
possibilidade de recorrer ao poder poltico do seu Estado em conjugao com a fluidez do
capital financeiro para impor ajustes alhures.
Posto que os Estados detm soberania formal sobre seus territrios, posto que papel
exclusivo do Estado regular o acesso do capital fora de trabalho e aos recursos
naturais, porque o Estado que determina a poltica fiscal e monetria e determina a
mobilidade dos capitais atravs de suas fronteiras, a expanso geogrfica como forma de
ordenao espao-temporal demanda uma soluo poltica anterior. Sob presso externa,
em um contexto de grande assimetria de poder, endividados, os Estado perifricos so
coercitivamente impelidos a implantar reformas tais que ofeream ao capital
superacumulado acesso s suas vantagens de custo e ainda garantam a repatriao dos
lucros aos capitalistas dos pases centrais.
Como j colocado, o capitalismo no floresce sob quaisquer condies, ele requer antes
que um arcabouo fsico e social adequado esteja instalado em determinado espao. O
Estado, enquanto poder poltico territorializado detentor do monoplio da jurisprudncia
e do uso legtimo da fora, tem papel determinante na formao, oferta e garantia dessas
condies necessrias. Neste sentido, alm da responsabilidade sobre a parafernlia
monetria e fiscal (modelos de taxao, polticas redistributivas, o fornecimento de bens
pblicos e o planejamento direto), o Estado age como poderoso agente econmico
legitimamente constitudo.
Alm de dar forma e garantir esses regulamentos, o Estado, ao dar forma poltica
tributria, assume papel chave na distribuio da renda social e, alm disso, tem papel
determinante na acumulao primitiva do capital, que uma acumulao que no
decorre do modo de produo capitalista, mas o seu ponto de partida (MARX, 2009,
p.827). O Estado usa seus poderes no apenas para forar a adoo de determinado
arranjo institucional e colaborar para determinada distribuio social da riqueza, mas
tambm para adquirir e privatizar ativos como a base original da acumulao do capital.
O Estado chins, desde o inicio de suas reformas no final da dcada de 1970, promove
alteraes em sua legislao tais quais esperadas de um Estado compromissado com a
acumulao capitalista. Dentre outras medidas, implantou tributao privilegiada para o
capital, especialmente para o capital estrangeiro, formou, atravs de sucessivas
privatizaes e desmonte das comunas, e regula o acesso ao mercado de trabalho, deu
respaldo legal propriedade privada, e, fazendo uso do monoplio do direito ao uso
39
J que o capital no floresce sob quaisquer condies e papel do Estado preparar social
e fisicamente o territrio, em um contexto de assimetria de foras poltico-econmico-
militar resta ao Estado perifrico consentir sobre as determinaes externas para receber
o capital superacumulado. Neste contexto, a soberania dos Estados perifricos,
emaranhados na teia dos fluxos financeiros internacionais, torna-se permevel s
ingerncias imperialistas dos pases/capitais centrais.
5 Com efeito, o conjunto da dvida da latino-americana, que monta (em 2008) menos de US$ 350 bilhes
(acumulados coletivamente pelos pases em questo, atravs de um perodo de vrias dcadas), declina em
total insignificncia se confrontado com o endividamento dos Estados Unidos tanto interno quanto
externo , que deve ser contado em trilhes de dlares, isto, em magnitudes, que simplesmente desafiam a
imaginao. (MSZAROS, 2009, p.37)
40
precedentes que aquele pas assume e no sofre qualquer tipo de interveno dos
organismos supranacionais para que proceda a um ajuste de suas contas, como aconteceu
a diversos pases perifricos e provavelmente acontecer aos PIIGS6. Isso reflexo
evidente no s da capacidade poltica e militar do Estado estadunidense, mas tambm do
peso que sua economia (e o papel do endividamento na sua dinmica) tem sobre a
economia mundial.
A histria capitalista testemunha da freqncia com que os poderes polticos dos pases
nucleares atuaram como representantes diretos do poder econmico dos seus capitalistas
para, fazendo valer a assimetria de poder no sistema mundial, impelir os Estados em
posio inferior na hierarquia mundial a adotarem ajustes adequados em seus espaos
territoriais para atender aos interesses dos capitais. Eis o cerne das prticas imperialistas
sob o capitalismo.
Como os capitalistas esto sempre em busca de vantagens monopolistas que lhes rendam
lucros extraordinrios, a expanso geogrfica se d em direo aos locais que lhes
ofeream as melhores. Como j sugerido, isso depende fundamentalmente da capacidade
de mobilizar capital lquido, da capacidade dos sistemas financeiros.
Importa ressaltar que medida que se promove a aniquilao do espao pelo tempo,
medida que os meios de transporte e comunicao comprimem as distncias
geogrficas, ou seja, que reduzem a importncia das distncias fsicas no tempo de
circulao do capital e se redefinem as escalas espaciais da acumulao, mais as
vantagens monopolistas fixadas no territrio (sistemas de inovao, sistemas de
comunicao, transporte e educao eficientes, segurana jurdica e fsica da propriedade
privada, etc.) ganham importncia na deciso de para onde vo fluir os capitais
excedentes.
Dado esse imobilismo geogrfico do capital nos pases centrais, quando esto desgastadas
as vantagens competitivas de seus produtores e seu saldo comercial deteriora, os
governos destes pases recorrem centralizao da liquidez mundial. Para Arrighi (2008),
43
Garantir a oferta de liquidez inesgotvel permite que o capital possa, sem resistncia,
explorar as melhores condies, por vezes volteis e especulativas, oferecidas em cada
momento e em qualquer lugar inclusive por meio de ordenao espao-temporal que
fundam novos espaos privilegiados para a circulao do capital. Alis, como dito, a
existncia de um sistema financeiro que permita aes imperialistas outra vantagem em
grande medida concentrada nos territrios centrais que permite que o pas lder prolongue
sua liderana (ARRIGHI, 2008).
Est formada mais uma contradio capitalista: de um lado, a constante busca por
vantagens monopolistas gera um estado de permanente movimento, do outro, as
vantagens monopolistas e foras scio-culturais inibem a migrao. A financeirizao da
economia vem para responder a essa contradio ao permitir que os capitalistas dos
pases centrais possam explorar as vantagens oferecidas em territrios perifricos.
Como o capital fixado em determinado territrio s tem seu valor transferido se utilizado
na circulao do capital (na produo ou circulao propriamente dita) em uma cada vez
mais complexa e dispersa cadeia produtiva, necessrio que as interaes espaciais
sigam o padro geogrfico fixado de seus investimentos (HARVEY, 2005, p.87). Assim,
para que o capital fixado nos territrios centrais se realize plenamente, preciso que
esteja estabelecida uma adequada diviso internacional do trabalho que corresponda a
certo padro assimtrico de trocas: nos pases centrais as atividades de alto valor
agregado e nos perifrico as atividades que pouco participam na gerao de excedente da
cadeia de mercadorias. Da que certo tipo de relao centro-periferia surge da tenso
entre concentrao e expanso geogrfica.
So, pois, logicamente, dos centros que concentram as vantagens monopolistas que
mais produzem rendas monopolistas em cada momento do capitalismo que emanam
tipicamente as prticas imperialistas e clamores por uma presena imperial do Estado.
Lnin e Hilferding estavam portanto certos em enfatizar a importante ligao interior
entre monopolizao e imperialismo (HARVEY, 2005, p.85).
Uma vez que se reconhea a relao de reciprocidade entre o poder econmico e poder
poltico, percebe-se o interesse tanto do capital quanto do Estado nesta fuso entre as
lgicas da poltica do Estado e dos processos moleculares de acumulao do capital no
espao e no tempo tpicas do imperialismo capitalista. O corolrio disso que:
Hoje, como j dito, cada vez mais essas atividades centrais so as neurais, so as
atividades relacionadas pesquisa, administrao, marketing, desenvolvimento de
materiais, bioengenharia, desenvolvimento de tecnologias, tecnologias da informao,
etc.. Enquanto, por exemplo, as montadoras automotivas se instalam nos pases
perifricos para explorar as vantagens monopolistas de custo (especialmente os baixos
salrios), as etapas de engenharia (projeto, design) e administrao central permanecem
concentradas nos pases centrais para explorar as vantagens monopolistas especficas
(mo-de-obra bem preparada, sistemas de inovao desenvolvido, redes de pesquisa).
No sem motivo, a questo dos direitos de propriedade intelectual assume o centro das
discusses na atual fase de desenvolvimento do capitalismo. uma forma de orquestrar
acordos em nvel internacional que garantam que os privilgios vinculados s tecnologias
patenteadas e leis de licenciamento sejam retidos nos territrios que foram capazes de
desenvolver as vantagens especficas, o que funo, obviamente, da histria anterior de
reteno das rendas vinculadas s atividades centrais de outrora. Assim, as economias
centrais deixam de ser economias produtoras para serem economias rentistas que
absorvem mais trabalho dos pases produtores (MSZROS, 2009).
A motivao interna inicial e autonomia do ajuste espacial chins, em lugar das presses
externas imperialistas, que confere distino ao processo chins em relao aos outros
pases perifricos e que permite ao pas ascender posio de potencial concorrente dos
pases centrais. Justamente por causa de sua origem anti-sistmica, por no ter dvidas
significativas com o capital financeiro internacional no incio de suas reformas
liberalizantes em 1979, a China no esteve na rota das prticas imperialistas dos pases
centrais na busca de solues para a crise de superacumulao do seu capital e, pois,
passou impune crise da dvida do terceiro mundo (POMAR, 2003, p.117).
Como isso de fato ocorre depende essencialmente da natureza e fora do poder poltico e
da forma dominante das alianas de classe no pas receptor, mas tambm, e
principalmente, nos pases nucleares que so os produtores e depois controladores dos
desembolsos de capitais excedentes.
politicamente muito mais fcil pilhar e degradar populaes distantes (em particular
as que so diferentes em termos raciais, tnicos ou culturais) do que enfrentar no
plano domstico o avassalador poder da classe capitalista. O lado sinistro e destrutivo
da ordenao espao-temporal como remdio para o problema da superacumulao
torna-se um elemento to crucial na geografia histrica do capitalismo quanto sua
contraparte criativa de construo de uma nova paisagem para acomodar tanto a
acumulao interminvel do capital como a acumulao interminvel do poder
poltico (HARVEY, 2005, p.113).
Nessas condies, citando Hannah Arendt, Harvey (2005, p.148) coloca: com freqncia
a burguesia tem que reconhecer que o pecado original do simples roubo, que possibilitara
a acumulao original do capital, tem eventualmente que se repetir para que o motor da
acumulao no morra de repente.
O prximo captulo, sempre com base na teoria at aqui discutida, busca justamente
examinar os determinantes da atual crise e as repostas adotadas pelos Estados centrais;
busca examinar as contradies que fizeram surgir a crise de superacumulao e como os
Estados centrais tentaram impedir que o motor da acumulao morresse com recurso s
prticas imperialistas. Em suma, busca estabelecer como as manifestaes dominantes da
realidade histrica da acumulao capitalista se apresentaram do boom crise e desta s
reaes imperialistas sob a gide do neoliberalismo, alm de tratar, sempre em paralelo, o
ajuste espacial chins.
50
As duas Guerras Mundiais cumpriram papel muito importante para a renovao das
condies para a acumulao de capital: de um lado, literalmente destruram o capital
excedente e, de outro, deixaram disposio uma grande quantidade de mo-de-obra
mobilizvel a baixo custo tanto na Europa ocidental quanto no Japo. Distante um oceano
das batalhas campais, os EUA no tiveram seu capital fixo destrudo e saram da Segunda
Guerra Mundial em posio de fora poltica e econmica para iniciar um novo ciclo
hegemnico em substituio ao ciclo britnico, inclusive eram grandes credores da
potencia hegemnica em declnio (ARRIGHI, 2008).
Se quela poca os EUA j eram lderes mundiais, ainda no eram hegemnicos. O longo
crescimento do perodo do ps-guerra aconteceu, ento, sob o manto da poltica de
afirmao da hegemonia dos Estados Unidos (ARRIGHI, 2008), sob o manto da
necessidade de se proceder a ajustes espaciais que dessem vazo ao capital que se
superacumulava naquele territrio (HARVEY, 2005) e sob o manto da primazia das
empresas verticalmente integradas dos EUA combinadas com a existncia de vantagens
de custo nos territrios combalidos pelas Guerras (BRENNER, 2003).
foram responsveis por dar incio rpida acumulao que caracterizou o que Hobsbawm
(1995, p.223) denominou a Era de ouro do capitalismo.
internos e de ordenaes espao-temporais tanto dentro como fora dos Estados Unidos.
Mas, medida que a capacidade de absoro de capitais excedente dos EUA comeou a
estagnar, no final da dcada de 1960, a superacumulao surgiu como problema e a
competio econmica se acirrou.
Segundo Arrighi (2008, p.161), o interesse do pas que procedia aos ajustes no ps-
guerra, os EUA, tem que ser interpretado sob o prisma do seu princpio organizador: a
conteno do comunismo e difuso do mundo livre sob a sua liderana hegemnica.
Sendo assim, porque o interesse estadunidense em se afirmar como potncia hegemnica
exigia antes a afirmao da superioridade do capitalismo ante o comunismo, os ajustes
espaciais promovidos tenderam a criar novos eixos de acumulao eficientes. De certa
forma, portanto, o sucesso da estratgia estadunidense estava relacionado com o sucesso
econmico e social de seus seguidores, da os EUA terem permitido, e mesmo auxiliado,
a formao de estruturas de acumulao semelhantes sua.
Os EUA tinham que agir de modo a tornar plausvel para outros a alegao de que agiam
em favor do interesse geral mesmo quando, em verdade, agiam em interesse prprio. Essa
53
Nesse contexto de afirmao de sua hegemonia, que passava pela afirmao do prprio
capitalismo ante a ameaa comunista, o governo estadunidense, ostentando o estandarte
de promotor do mundo livre, conduziu o mundo (e os ajustes espaciais alhures) de
forma estabelecer relaes internacionais cooperativas. Eis que permitiram a emergncia
de centros de acumulao eficientes e concorrentes, eis o porqu de Arrighi afirmar que a
emergncia de competidores, e, por conseguinte, da crise sistmica de superacumulao,
deve ser tratado como custo previsto da poltica de afirmao da hegemonia dos EUA.
Procedendo dessa maneira, com apoio dos liderados, os EUA conseguiriam estabelecer
sua posio hegemnica e tornaram-se o exemplo a ser seguido econmica, poltica e
culturalmente por todos aqueles que viam na tal liberdade capitalista o objetivo a ser
alcanado. Contudo, assim como sucesso da acumulao traz a crise de acumulao, o
7
Arrighi (2008, p.159), explicitamente inspirado por Gramsci, define hegemonia: o poder adicional que
advm a um grupo dominante em virtude de sua capacidade (do lder) de guiar a sociedade numa direo
que no s serve aos interesses do grupo dominante como tambm percebida pelos grupos subordinados
como a servio de interesses mais gerais (...) Se os grupos subordinados tm confiana em seus
governantes, os sistemas de dominao podem ser governados sem recurso fora. Mas se a confiana
mngua, isso no mais possvel. Do mesmo modo, pode-se dizer que a noo de hegemonia de Gramsci
consiste na inflao de poder, que decorre da capacidade dos grupos dominantes de apresentar seu
domnio como se servisse no s aos seus interesses, como tambm aos dos grupos subordinados. Quando
essa credibilidade falta ou mngua, a hegemonia se esvazia na pura dominao, transmuta-se em domnio
sem hegemonia.
54
Nessa condio, como no h mais meios de conduzir o sistema de forma a que seja
percebida uma inflao de poder coletivo, em lugar da cooperao se instaura a
competio, em lugar do apoio mtuo, entra a ditadura das pequenas decises. Enfim,
se instaura a crise de hegemonia e de superacumulao.
Sempre h uma tenso entre essas duas tendncias, porque uma diviso do trabalho e
especializao das funes mais amplas e mais profundas envolvem a cooperao
entre as unidades do sistema, ao passo que a imitao baseia-se em sua competio
mtua e a fomenta. A princpio, a imitao funciona em um contexto
predominantemente cooperativo e, portanto, age como um motor da expanso. Mas a
expanso aumenta o que Emile Durkheim chamou de volume e densidade
dinmica do sistema, isto o nmero, variedade e velocidade das transaes que
ligam as unidades entre si. Com o tempo, esse aumento do volume e da densidade
dinmica do sistema tende a intensificar a competio entre suas unidades para alm
da capacidade reguladora das instituies existentes. Quando isso acontece, a tirania
das pequenas decises leva a melhor, o poder do Estado hegemnico sofre uma
deflao e se instaura uma crise de hegemonia.
Quando a hegemonia mngua, contudo, no significa que o pas lder tenha perdido sua
capacidade de conduzir o sistema, mas apenas que sua liderana agora deve ser baseada
no mais no consentimento, mas na coero. Sem inflao dos poderes coletivos, sem
cooperao, o interesse dos agentes passa a ser aumentar suas fatias de um bolo que no
cresce. Em outras palavras, os aspectos distributivos do poder se tornam prevalecentes
em lugar dos aspectos coletivos, fica estabelecido um jogo de soma zero.
H elementos que indicam estar havendo, hoje, um processo de inflao dos poderes
coletivos sob uma outra perspectiva e de outra dimenso. Hoje, a China estabelece
relaes comerciais e polticas com alguns pases, sobretudo do leste asitico
(MEDEIROS, 2001) e, mais recentemente, com a Rssia (MEDEIROS, 2008) que
aparentemente trazem esses benefcios mtuos em lugar de uma competio por fatias de
um bolo que no cresce.
Essas relaes, inclusive, j criam uma nova diviso social do trabalho na regio,
especialmente no leste-asitico, em que as relaes de complementaridade so evidentes.
57
Parece estar havendo uma tendncia de algum tipo de integrao vertical entre as
economias do leste asitico com a China no centro do sistema (CESARIN, 2008).
Como sugerido brevemente em outra parte deste trabalho, segundo Medeiros (2008,
p.11), algumas economias da regio se beneficiam do crescimento econmico chins
devido grande escala de seu mercado interno e pelo espao que comeou a ser aberto
pela elevao recente dos salrios chineses. A progressiva elevao dos salrios na China
tem representado uma oportunidade para pases asiticos menos desenvolvidos, como,
por exemplo, o Vietnam, ampliarem sua cota no mercado internacional de manufaturas
intensivas em trabalho. Com outras palavras, Carneiro (2007, p. 36) coloca que o
dinamismo (chins) concentrado nos mercados externos vai se transferindo para os
mercados criados pelos encadeamentos da estrutura produtiva domstica
A hegemonia mundial dos EUA sempre esteve alicerada na crena das autoridades de
que a ordem mundial era a nica garantia contra o caos seguido da revoluo comunista e
que a segurana do mundo tinha que ser baseada no poder exercido por meio de sistemas
internacionais. O governo daquele pas, ento, tentou espalhar suas polticas pelo mundo
como forma de afirmao da superioridade capitalista ante o comunismo. Por isso, Burley
(apud ARRIGHI, 2008, p.162) sugere que a batalha contra o comunismo foi o princpio
organizador da hegemonia dos Estados Unidos e a causa do boom econmico do ps-
guerra.
8 As taxas de crescimento da economia mundial desaceleraram fortemente. Entre 1958-73 e 1973-82, a taxa de crescimento mundial,
em mdia anual, caiu de 5,0% para 2,8% haja vista a queda na taxa de crescimento do PIB em quase todos os pases e regies a
exemplo dos Estados Unidos (de 4,3% para 2,0%), da Alemanha (de 4,9% para 1,6%), da Frana (5,3% para 2,4%), do Japo (9,8%
para 3,5%), da Oceania (4,9% para 2,2), da frica (4,7% para 3,5) e da Amrica Latina (5,4% para 3,7%) (GONALVES, 2002, p.
111).
59
Dessa perspectiva, Arrighi identifica um duplo arrocho sobre o lucro determinado pelas
polticas de Washington durante a Guerra Fria. Primeiro, em decorrncia da disseminao
do padro de acumulao estadunidense, fez emergir um excesso de capacidade produtiva
e, pois, uma concorrncia excessiva entre os capitais internacionais, de outro lado, em
decorrncia da disseminao do Estado de bem-estar social, aumentou os custos relativos
compra da fora de trabalho e fez forte a capacidade de resistncia dos trabalhadores.
Observando esse duplo arrocho, Arrighi acrescenta (2008) a presso vertical da relao
capital-trabalho presso competitiva horizontal capital-capital defendida por Brenner
como fator determinante da baixa das taxas de lucro.
Como j comentado brevemente, a ascenso do leste asitico pode ser explicada por esse
processo em cadeia. Medeiros (2006) identifica uma reao em cadeia em trs tempos:
primeiro, o desenvolvimento a convite do Japo includo no contexto de ajuste externo
61
promovido pelos EUA deu vez rpida acumulao de capital naquele pas. Depois, com
o sucesso da acumulao japonesa, quando virou este pas tambm se tornou portador de
capital em excesso e com uma estrutura socioeconmica mais moderna e, pois, de custos
mais elevados, ele mesmo promoveu novas ordenaes em pases da regio. Com o
tempo, esses novos ordenados, os Tigres Asiticos, tornaram-se, tambm, recipientes
de capital excedente.
To grande foi essa entrada de IED na China que, mesmo com o rpido crescimento
econmico do pas com o qual contribui tambm o crescimento de empresas nacionais, a
fatia de sua capacidade manufatureira em mos do capital estrangeiro cresce
rapidamente11. Dadas as suas caractersticas sociais e vastido demogrfica e geogrfica,
essa ordenao chinesa ora se apresenta como alternativa de soluo crise de
9
Contribui para o influxo de IED uma significativa reduo das tarifas de importao e diminuio
drstica do controle estatal sobre a pauta de importao do pas que visassem ao mercado interno. As tarifas
de importao que eram, em mdia, de 44,05% caram progressivamente at atingir, em 1998, uma mdia
de 17,1% (Wan; Lu; Chen apud MONTEIRO, 2005, p. 7)
10 At 1991, o IED que entrou na China permaneceu sempre abaixo de 1% do PIB, assim, entre 1978 e 1995, o comrcio
internacional foi a principal fonte de divisas. Em 1988, foi responsvel pela entrada de 77% das divisas e por mais de 81% em 1990.
Nos anos 80, os emprstimos dos bancos e credores oficiais foram a segunda fonte de captao. S a partir de 1991 os IED assumiram
a segunda colocao e em 1993 j excediam em cinco vezes a entrada de divisas via emprstimos comerciais, em 1995, j
representava 5% do PIB chins (NAUGHTON apud MEDEIROS, 1999, p. 97). Em nmeros absolutos, em 1991, esses investimentos
contabilizavam cerca de US$ 4,4 bilhes, em 2003, j haviam sido multiplicados por mais de 12, alcanando US$ 53,5 bilhes. Entre
1980 e 2005, a China foi destino de US$ 620,3 bilhes em investimentos estrangeiros diretos, sendo que deste total US$ 556,7 bilhes
(quase 90%) entraram no pas a partir de 1992 (TREVISAN, 2006, p. 94).
11 Em 1990, o capital estrangeiro controlava apenas 2,3% da exportao de manufaturas chinesas. Em 1998 esse nmero havia
passado para 24,3% e, em 2001, por mais de 50% (HART-LANDSBERG; BURKETT, 2005, p.125)
62
Em conseqncia dos prprios acontecimentos por meio dos quais consolidou sua
posio de liderana, a economia americana encontrou dificuldades em sustentar os
altos nveis de crescimento do investimento (internamente). Sua de incio avanada
tecnologia, incorporada em grandes massas de capitais fixos empatados, sua mais
evoluda estrutura socioeconmica, manifesta no tamanho reduzido dos setores
agrcolas e de pequenos negcios e consequentemente limitado suprimento de mo-
de-obra excedente, sua posio internacional hegemnica, expresso pelas ambies
voltadas para a internacionalizao de suas corporaes multinacionais, de seus
grandes bancos e, claro, do seu Estado todos esses fatores vieram a constituir
barreiras significativas ao seu dinamismo contnuo, como constituiu a resistncia de
sua classe trabalhadora residualmente poderosa (BRENNER, 2003, p.49)
Dois motivos, portanto, inibiam o retorno do capital circulao no territrio dos EUA:
de um lado, o capital fixo redundante desencorajava a expanso da capacidade produtiva
internamente e, de outro, sua mo-de-obra relativamente mais cara, porque j
amplamente proletarizada e organizada comprimia suas taxas de retorno (BRENNER,
2003 e WALLERSTEIN, 2001).
63
Nessas condies era urgente criar novas alternativas externas de investimento, o que, no
bojo das polticas de afirmao da hegemonia, por servir tambm ao objetivo poltico de
pregar a bandeira capitalista nos territrios ameaados pelo comunismo, foi feito
atravs das ordenaes espao-temporal, principalmente no Japo e na Alemanha.
Essa poltica interna adotada poca pelos pases retardatrios, sobretudo pelo Japo e
pelos pases da Europa ocidental, apresenta semelhanas com a estratgia chinesa ps-
1978. No inicio das reformas houve efetivamente uma (maior) proteo da indstria
nascente tanto pela restrio da entrada de IDE formao de plataformas de exportao,
restrio de importaes quanto controle do cmbio e, como ainda ocorre, certa
represso das finanas para benefcio da indstria. O resultado tambm foi semelhante:
os enormes ganhos em eficincia produtiva alcanados pelas empresas dos pases de
64
Como quela poca a economia mundial como um todo crescia bastante em termos
absolutos, os produtores dos EUA podiam ceder participao de seus mercados externos
sem que isso representasse perdas em termos absolutos. Alm disso, o enorme mercado
interno dos EUA permanecia cativo aos produtores estadunidenses em conseqncia de
sua tecnologia superior, assim como do efeito dissuasivo exercido por seu capital fixo
empatado sobre os potenciais participantes em seus mercados (BRENNER, 2003, 54).
12
As taxas de produtividade da mo-de-obra dos pases centrais (PIB/trabalhador) alcanaram seus
maiores crescimentos entre 1960 e 1969. Naquele perodo ocorreu um alto crescimento nos Estados
Unidos, no Japo, na Alemanha, na Unio Europia e no G-7 de 2,5%, 8,6%, 4,3%, 5,2% e 4,8%,
respectivamente (BRENNER, 2003, p.93)
65
Mais uma vez encontram-se paralelos entre a ordenao japonesa e da Europa ocidental e
a chinesa: o atraso socioeconmico fator determinante da velocidade da acumulao
interna tambm na China. Nesse bojo merecem destaque quantidade e capacidade de
mobilizao de mo-de-obra latente, absoro de tecnologia por meio de parcerias com o
capital internacional e, por conseguinte, rpido crescimento da produtividade que mais do
que compensa o crescimento dos salrios.
Alis, deve-se ter em mente que esse boom econmico em nvel mundial se deu enquanto
os pases retardatrios, apesar de produzirem bens similares aos produzidos pelos EUA,
o faziam quase que exclusivamente para o seu mercado domstico. Depois de uma
bastante rpida acumulao de capital interna, no momento em que os produtores desses
pases passaram a rivalizar com os produtores estadunidenses, quando o mercado mundial
foi reaberto pelos prprios Estados Unidos, tenderam a duplicar, em vez de
complementar, os produtos dos titulares americanos nos mercados existentes, incitando a
redundncia, o excesso de capacidade e de produo (BRENNER, 2003, p.55).
Com uma estrutura produtiva de custos mais baixos, a insero desses pases recm
ordenados no mercado internacional concorreu para instaurar uma competio deletria
que passou a comprimir a taxa de lucro dos produtores sediados no territrio dos EUA,
que, como sugerido anteriormente, no tinham acesso quelas vantagens de custos.
13 Verificou-se um crescimento relevante do estoque de capital (economia das empresas privadas), entre 1960 e 1969, de 3,9% nos
Estados Unidos (estoque lquido), de 11,3% no Japo (estoque bruto), de 6,6% na Alemanha (estoque bruto), e de 4,8% no G-7
(estoque bruto) (BRENNER, 2003, p.93).
14 Entre 1950 e 1973, a economia mundial cresceu 4,9%, em mdia anual, recorde histrico. Tal crescimento foi puxado pela Frana e
Alemanha, na Europa, que cresceram 5,0% e 6,0%, respectivamente; pelo Japo, na sia, que cresceu 9,2%; e pelo Brasil, na Amrica
Latina, que cresceu 6,8% (GONALVES, 2002, p. 108)
66
Seja custo poltico previsto ou conseqncia da lgica econmica capitalista, o fato que
o sucesso da ordenao promovida pelo capital e amplamente apoiada pelo Estado
estadunidense, ao difundir a vigncia da lei geral da acumulao, espalhou tambm as
suas contradies. Resultado: crise sistmica estrutural de superacumulao caracterizada
por um excesso de capacidade produtiva e de produo cujo reflexo imediato foi a baixa
das taxas de lucratividades, especialmente no setor manufatureiro15.
Cumpre ressaltar: nem os gastos keynesianos, nem do peso dos salrios deu vez queda
da produtividade e nem esta queda deu vez retrao do crescimento das taxas de
lucratividade no sistema. A lgica inversa: a queda da produtividade foi antes
conseqncia da baixa lucratividade do que sua causa. A queda das taxas de crescimento
15 (O) resultado inexorvel foi uma taxa de lucro agregada em declnio no setor manufatureiro internacional que expressava o excesso
de capacidade e de produo em todo o sistema. Entre 1965 e 1973, o setor manufatureiro dos EUA experimentou uma queda de
43,5% na taxa de lucro sobre seu estoque de capital, j os setores manufatureiros das economias do G-7 juntos, representando o setor
manufatureiro internacional como um todo, experimentaram um declnio na lucratividade da ordem de 25% (BRENNER, 2003, p. 57)
67
da produtividade16 sucederam queda dos lucros, no podem ser portanto sua causa, mas
so sim sua conseqncia.
Em fins da dcada de 1960 ficava claro que a lgica da acumulao capitalista havia mais
uma vez erguido as barreiras para a sua prpria continuidade. A rpida acumulao do
perodo anterior, materializada em uma capacidade produtiva redundante no setor de
manufaturados, se mostrou excessiva e deu origem concorrncia assassina que passou
a comprimir as taxas de lucro da economia como um todo. De modo mais abrangente,
como colocado por Arrighi, o sucesso da poltica estadunidense tambm saturara o
arcabouo social internacional que continha as condies para a reproduo do capital.
Dessa forma, em substituio ao ambiente cooperativo anterior, estava armado um
ambiente competitivo e, para o que mais importa a este trabalho, estava armada a crise
sistmica de superacumulao do capital, agora em nvel ainda mais abrangente.
Mais uma vez na histria do capitalismo fazia-se imperativo, sob pena de desvalorizao
do capital redundante, renovar as condies para a acumulao capitalista que o prprio
sucesso da acumulao, com o desenvolvimento de suas contradies intrnsecas, haviam
desgastado.
16 As taxas mdias anuais de crescimento da produtividade, entre 1960 e 1973, nos Estados Unidos, no Japo, na Alemanha, Frana e
no Reino Unido, foram 2,1%, 9,2%, 5,0%, 5,0%, 2,9%, respectivamente. Estas taxas desaceleraram fortemente na dcada de 1970.
Entre 1974 e 1979, tais taxas caram para 0,3%, nos EUA, para 3,0%, nos Japo, para 2,7%, na Alemanha, para 2,8%, na Frana, e
para 1,1%, no Reino Unido (GONALVES, 2002, p. 90).
68
Em 1994 Hobsbawm (1995, p.393) escreveu: a histria dos vinte anos aps 1973 de
um mundo que perdeu suas referncias e resvalou para a instabilidade e a crise. E, no
entanto, at a dcada de 1980 no estava claro como as fundaes da Era de Ouro haviam
desmoronado irrecuperavelmente.
Mais uma vez os pases centrais recorriam s prticas imperialistas para apresentar
alternativa de continuidade ao processo de acumulao, recorriam ao poder do capital
financeiro para abrir novas rotas de acumulao sem ter que romper diretamente com a
coerncia estruturadas caracterstica de seus territrios.
72
17
A revoluo monetarista de Reagan e Thatcher em 1979-1980, que inverteu a desvalorizao do dlar
americano na dcada de 1970; o Acordo de Plaza de 1985, que retomou a desvalorizao do dlar; e o
chamado Acordo de Plaza invertido de 1995, que mais uma vez reverteu a desvalorizao do dlar
(ARRIGHI, 2008, p.117)
73
Se, por um lado, as medidas adotadas pelo governo dos EUA evitaram o remdio
amargo da crise que promoveria o enxugamento do capital redundante das linhas de
mais alto custo, de outro, os maiores gastos pblicos que vieram juntos com a poltica
monetria frouxa e a negligncia benfica com respeito taxa de cmbio trouxeram
no s a inflao como tambm sucessivos dficits recordes de conta corrente para os
EUA.
Para evitar a perda do papel internacional do dlar, o governo dos EUA adotou um novo
programa de estabilizao econmica. Em lugar da poltica monetria ultra-frouxa e da
poltica fiscal de dficits keynesianos, adotou a austeridade fiscal e um grande aperto no
crdito. A liquidez internacional antes inesgotvel secou trazendo impactos profundos e
duradouros para diversos pases que tinham mantido suas polticas desenvolvimentistas
(ordenaes espaciais capitalista) com base no endividamento externo.
Esse capital multiplicado sem limites foi escoado na forma de generosos emprstimos
para os pases do Terceiro Mundo, que tambm tentavam imitar o padro produtivo, de
consumo e mesmo o padro cultural dos Estados Unidos. Estimulados por amplas
propagandas ideolgicas, inclusive cinematogrficas, os pases subdesenvolvidos, dada a
enorme disponibilidade de liquidez, aceitavam esses emprstimos para alcanar o
padro estadunidense. O american way of life era o objetivo a ser alcanado.
Com tamanha liquidez em mos, com excesso de capital lquido, os bancos privados
empurraram emprstimos quase de graa a governos dos pases do Terceiro Mundo,
dentre eles, o Brasil. Essa transferncia do capital lquido excedente sob a forma de
emprstimos aos pases perifricos foi ponto determinante na rota de acumulao do
capital que se inaugurava, foi a ponte para a implantao do projeto espoliativo
neoliberal, a ponte para as ingerncias sobre as soberanias dos Estados perifricos.
O fcil acesso a emprstimos quase a custo zero permitia a governos de pases perifricos
receptores investir pesadamente em seus esforos de industrializao e urbanizao
estadunidense. Justamente por isso, o final da dcada de 1970 presenciou um acelerado
processo de urbanizao, o que significou a concentrao de mo-de-obra, investimentos
em infra-estruturas fsicas e sociais e a industrializao propriamente dita. Em pouco
tempo, as condies para a acumulao do capital estavam concentradas espacialmente,
estavam montadas estruturas produtivas complementares e subordinadas estadunidense.
quela poca era deveras interessante aos pases centrais exportar as atividades
musculares para explorar as vantagens de custo que haviam sido desgastadas em seus
territrios, ao mesmo tempo em que mantinham o fluxo de renda para os seus pases por
reterem as atividades cerebrais do processo produtivo. Nesse ponto vm tona as
prticas imperialistas ao estabelecer determinado padro de fluxo de rendas em favor dos
pases centrais.
Evidentemente, essa migrao de capital dos EUA teve que lutar contra algumas foras
inerciais, especialmente, a resistncia dos trabalhadores locais que ficaram, de uma hora
para outra, sem emprego18. Contudo, a capacidade de organizao dos trabalhadores j
estava bastante debilitada . Do outro lado da coerncia, mantinha-se garantido o fluxo
de renda para o interior do pas das melhores vantagens monopolistas daquela fase do
desenvolvimento capitalista.
O aperto da poltica monetria dos EUA causou uma sbita inverso do fluxo de capitais
financeiros e trouxe conseqncias devastadoras para os pases perifricos, sobretudo
18
O filme Roger and Me do diretor Michael Moore descreve a transferncia da fbrica da GM da cidade
de Flint no EUA para o Mxico para explorar as vantagens de custo, sobretudo da mo-de-obra, dando
destaque para seus impactos sociais. Segundo o diretor, em menos de um ano, 30 mil empregos foram
eliminados trazendo um efeito em cadeia devastador para a cidade.
77
De outro lado, ao mesmo tempo em que os pases do Terceiro Mundo inundados pela
liquidez mundial, a China manteve sua economia relativamente afastada desse fluxo de
capital financeiro. Assim, sem dvida externa, o aperto monetrio estadunidense do incio
da dcada de 1980 no trouxe conseqncias diretas ao pas como aconteceu aos outros
perifricos permitindo que o pas, justamente porque imune s presses do capital
financeiro internacional, promovesse uma ordenao espao-temporal capitalista de
maneira autnoma.
A elevao sbita das taxas reais de juros, como esperado, ao mesmo tempo em que
centralizou o capital financeiro no territrio estadunidense, trouxe consigo a pior
recesso desde a dcada de 1930 e comeou a causar aquele enxugamento dos meios de
produo de alto custo e baixa lucratividade no setor manufatureiro para restabelecer a
lucratividade (BRENNER, 2003, p.80). Esta foi, segundo Brenner, uma das duas nicas
vezes em que se tentou administrar o remdio amargo da crise para enxugar os meios
de produo redundantes e assim recompor a taxa de lucratividade sistmica, a outra foi
posta em prtica pelo governo Clinton no incio da dcada de 1990.
Cabe colocar que para Arrighi (2008, p.187), o recurso ao controle das finanas mundiais
sintoma evidente da perda de liderana econmica. Sem conseguir manter a
competitividade na produo, mas tendo o controle poltico da econmica mundial, a
potncia lder busca manter o equilbrio das transaes internacionais sorvendo a liquidez
internacional.
Da em diante o governo dos EUA, para evitar o remdio amargo das desvalorizaes,
comeou a orquestrar uma srie de ajustes estruturais em territrios vulnerveis aos
ataques especulativos do seu capital financeiro. Esses ajustes colocaram-se, a partir da,
como a estratgia predominante para dar continuidade acumulao. Contudo, esses
78
As crises das dvidas em pases especficos (dois teros dos membros do FMI
passaram por uma crise financeira a partir de 1980, alguns deles mais de duas vezes)
puderam ser contudo usadas para reorganizar as relaes sociais de produo internas
em cada pas em que ocorreram, de modo a favorecer a maior penetrao dos capitais
externos. Assim, regimes financeiros domsticos, mercados de produtos domsticos e
empresas domsticas florescentes foram obrigadas a abrir-se absoro por empresas
estadunidenses, japonesas e europias. Isso permitiu que os lucros baixos nas regies
nucleares fossem suplantados pela apropriao dos lucros mais altos obtidos no
exterior. Aquilo que denomino acumulao por espoliao tornou-se uma
caracterstica bem mais central no mbito do capitalismo global (com a privatizao
como um de seus elementos chaves) (HARVEY, 2005, p.61-2).
O risco iminente de insolvncia dos pases devedores, cuja face foi mostrada pela
moratria mexicana, em 1982, ps em posio bastante delicada alguns dos principais
bancos privados internacionais. Em caso de calote generalizado, haveria a desvalorizao
de todo aquele capital financeiro empurrado para os pases do Terceiro Mundo,
colocando prova no s o sistema financeiro estadunidense, mas o sistema financeiro
mundial e, por conseguinte, a economia mundial capitalista como um todo.
Foi, por isso, preciso que o FMI, representando o interesse do grande capital financeiro
que inundara os pases subdesenvolvidos, interviesse para garantir que a crise ficaria
restrita aos territrios endividados forando-os a pagar suas dvidas, ou melhor, os seus
encargos custa de sacrifcios da parcela da populao que ficaria, para tanto, privada
dos servios pblicos. Assim, as dvidas pblicas daqueles pases foram transformadas
em mecanismo de ingerncia do capital financeiro sobre o poder poltico local, passaram
a ser fonte de presso sobre os rumos das polticas econmica
Nesse contexto, sob pena de ver a torneira da liquidez internacional secar, os pases
perifricos assumiam o compromisso com os preceitos neoliberais, especialmente
79
Neste sentido, os ajustes estruturais impostos, que continham os ajustes fiscais, tinham,
ou melhor, tm como objetivo abrir novas possibilidades lucrativas para o capital
superacumulado. Em linhas bastante gerais, a ideia desses ajustes foi fazer recuar a
participao dos Estados de atividades potencialmente lucrativas para que o capital possa
ocup-las e colocar-lhes prontamente para circular em benefcio prprio.
Esses cortes nos gastos pblicos iniciados na dcada de 1980 e aprofundadas nos anos
1990 permitiram os estratgicos sucateamento e precarizao de uma srie de servios e
bens pblicos para que fosse abertos os espaos para as empresas privadas
inerentemente mais eficientes. Cumprindo ainda o papel de compor o supervit
80
primrio do setor pblico para pagamento dos encargos financeiros, empresas pblicas
potencialmente lucrativas foram decretadas deficitrias e ineficientes e prontamente
privatizadas a preos muito aqum do seu valor real.
Nesse contexto, em lugar da sade pblica universal precarizada em funo dos cortes de
gastos pblicos, entram os planos de sade privado; em lugar da educao pblica
sucateada, entram as instituies privadas de ensino; em lugar da previdncia pblica
ideologicamente (e contabilmente) combatida, os fundos de penso; em lugar da
segurana pblica posta em ineficincia, as empresas privadas de segurana, em lugar dos
servidores pblicos, as empresas de terceirizao; em lugar de empresas estatais,
empresas privadas internacionais, etc. Em lugar da circulao, assim, a espoliao
permitia que o motor da acumulao no morresse.
Nas palavras de Harvey (2005, p. 148): o que a acumulao por espoliao faz liberar
um conjunto de ativos, incluindo a fora de trabalho, a custo muito baixo (e, em alguns
casos, zero). O capital superacumulado pode apossar-se desses ativos e dar-lhes
imediatamente um uso lucrativo. Nesses termos, os capitalistas percebiam que o
pecado original do simples roubo, que possibilitara a acumulao original do capital,
tinha eventualmente que se repetir para que o motor da acumulao no morresse de
repente (ARENDT apud HARVEY, 2005, p.148)
Para que no reste ambigidade, cabe aqui estabelecer a diferena entre o conceito de
acumulao por espoliao desenvolvido por Harvey do conceito de acumulao
primitiva definido por Marx. A acumulao primitiva trata de uma acumulao que no
decorre do modo de produo capitalista, mas o seu ponto de partida (MARX, 2009,
p.827). Ocorre acumulao primitiva, por exemplo, quando se converte terra coletiva em
propriedade privada expropriando os trabalhadores dos seus meios de produo para,
concomitantemente, fazer da terra privatizada meio para a acumulao e criar contingente
de fora de trabalho desprovido dos meios de produo necessrios para sua
sobrevivncia.
Quando introduz seu conceito de acumulao por espoliao, Harvey (2005, p.121)
estabelece a diferena em relao acumulao primitiva de Marx por uma questo
81
Ou seja, a acumulao por espoliao, inserida no bojo dos ajustes estruturais impostos
aos Estados perifricos, foi, ou melhor, a alternativa a que os capitalistas recorrem para
manter em funcionamento o motor da acumulao sem ter que desvalorizar o capital
redundante para renovar as condies da circulao. Obviamente, fazem-no em
detrimento de populaes inteiras que ficam sem os servios pblicos de qualidade, sem
terras antes coletivas, e vem propriedades pblicas e coletivas serem privatizados em
favor dos capitais internacionais superacumulados.
Como sugerido, o processo em que o capital se apossa de propriedades pblicas para dar-
lhes uso lucrativo, requer uma onda anterior de desvalorizao, o que significa uma crise
de algum tipo. Em resumo, nas palavras de Harvey (2005, p.125-6):
em alguma parte do mundo, estoque que pode receber uso lucrativo da parte de
excedentes de capital a que faltam oportunidades em outros lugares.
Conclui-se, pois, que o capitalismo sobrevive no apenas por meio de uma srie de
ordenao espao-temporais que absorvem os excedentes de capitais de maneiras
produtivas e construtivas, mas tambm por meio da desvalorizao e da destruio
administradas como remdio corretivo daquilo que em geral descrito como o
descontrole fiscal dos pases que contraem emprstimos (...) como Joseph
Chamberlain descobriu, politicamente muito mais fcil pilhar e degradar populaes
distantes (em particular as que so diferentes em termos raciais, tnicos ou culturais)
do que enfrentar no plano domstico o avassalador poder da classe capitalista. O lado
sinistro e destrutivo da ordenao espao-temporal como remdio para o problema da
superacumulao torna-se um elemento to crucial na geografia histrica do
capitalismo quanto sua contraparte criativa de construo de uma nova paisagem para
acomodar tanto a acumulao interminvel do capital como a acumulao
interminvel do poder poltico. (HARVEY, 2005, p.113)
mundo afora espoliando populaes inteiras para evitar a desvalorizao dos seus
capitais.
1400
1267,6
1200
1000
800
600
400 310,9
200
149,9 93,8
0
Para efeito ilustrativo, segundo estudo de Pochmann (2003), em 2004, a carga tributria
social do governo federal brasileiro (impostos e contribuies vinculados ao gasto social)
representou 15,9% do PIB. Em 1995, esse nmero era 11,3%. Nesse intervalo de dez
anos, o gasto social passou de 10,9% para cerca de 13,5% do PIB. Ou seja, a arrecadao
social aumentou 40,7% enquanto a despesa social subiu 23,8%, possibilitando a elevao
do supervit primrio social do governo federal de 0,4% do PIB em 1995 para 2,4% do
PIB em 2004, valor que correspondeu a 33,1% dos R$ 128,3 bilhes comprometidos com
o pagamento de juros da dvida pblica naquele ano.
A carga tributria cresce para cobrir o aumento dos encargos da dvida. Trata-se de
uma constatao imediata da evoluo dos gastos pblicos em onze anos (1995 a
2005), j que somente esta rubrica Encargos Especiais - cresceu em montante e
proporcionalmente, de forma a justificar a ascenso da carga tributria. Se, por
hiptese, extirpssemos essa rubrica do oramento (44%), a carga tributria cairia dos
atuais 39% para o patamar dos 26% do PIB, percentual aceitvel para a economia
brasileira. As rubricas de cunho social (incluindo a previdenciria) e de infra-estrutura
vm declinando proporcionalmente nos ltimos onze anos e no justificam, em
nenhuma hiptese, o crescimento da carga tributria, pois no pressionam o
oramento como deveriam. Do exposto, luz da execuo do oramento, conclui-se
que o efeito que sentimos no mundo real, do peso dos tributos, tem como causa
invisvel o volume dos encargos da dvida pblica.
Deve-se atentar para o fato de que todas essas medidas espoliativas sequer arranham a
barreira interposta circulao do capital, apenas apresentam soluo para que o capital
superacumulado se aposse de ativo desvalorizado e coloque-o lucrativo por algum tempo.
Mesmo quando inseridas relaes sociais no mbito da circulao do capital ou
intensificadas relaes, isso se faz em detrimento da capacidade de consumo da
populao, ou seja, inibe a realizao dos lucros, o que aumenta as barreiras para a
circulao do capital.
Como sugerido anteriormente em outra parte deste trabalho, apesar de no ter promovido
a convergncia de renda, o acesso liquidez inesgotvel permitiu que alguns pases,
dentre eles o Brasil e o Mxico tm destaque, ingressassem lucrativamente em algumas
linhas especficas de produo sobretudo as de tecnologia j madura, ou melhor,
ultrapassadas como, por exemplo, as linhas de montagem do setor automobilstico. Com
isso, a competio internacional no setor de manufaturados foi, por mais uma via,
intensificada e o problema da capacidade redundante em determinadas indstrias
exacerbado. Transferir essa capacidade produtiva para que capitalistas internacionais no
significa que o problema da superacumulao tenha sido resolvido, a despeito de ter-se
evitado momentaneamente a desvalorizao do capital que no circula.
O subsdio demanda era sem dvida necessrio para manter o crescimento em uma
escala internacional. Mas aumentar a demanda, os gastos deficitrios e o crdito fcil
permitiu que muitos fabricantes de produtos de alto custo e baixa lucratividade, que de
87
outro modo teriam falido, continuar no negcio e manter posio que em outro caso
teriam sido finalmente ocupadas por produtores de bens de mais baixo custo e mais
alta lucratividade. Quanto a isso, os remdios auxiliaram a perpetuar o excesso de
capacidade e de produo, impedindo o rigoroso remdio do ajustamento, na verdade,
a depresso, que historicamente limpara o caminho para novas expanses.
Em 1993, liderada em assuntos financeiros por seu novo czar econmico, Robert Rubin,
a administrao Clinton, determinada a equilibrar o oramento, completou a guinada para
a austeridade monetarista iniciada mais de uma dcada antes (BRENNER, 2003, p.88).
Essa virada eliminou os dficits pblicos, fator determinante na conteno da recesso
nas dcadas anteriores.
Com acesso fcil a um crdito barato (quase de graa), as empresas da nova economia
buscaram tomar emprstimos para recomprar suas prprias aes, procederem a fuses e
aquisies e assim forar a valorizao dos seus ativos financeiros mesmo sem realizao
de lucro. Com o seu patrimnio nominal aumentado, ficou ainda mais fcil para essas
mesmas empresas tomarem mais emprstimos e manterem esse processo de valorizao.
Citando Lnin e Hilferding, Carneiro (2007) sugere que a dimenso financeira permite
escapar de modo temporrio da crise cuja manifestao crucial a superacumulao de
capital cuja expresso concreta seria o excesso de capacidade produtiva que seria
traduzida em declnio das taxas de lucro, em desacelerao da acumulao do capital. Na
etapa em questo do capitalismo histrico, a grande liquidez gerada permitiu o
surgimento de grandes empresas atravs de fuso e cartis e a unio dos capitais
industriais e bancrio (financeiro) viabilizou para poucos empresrios, a possibilidade de
produo e difuso de uma nova onda de inovao tecnolgica (POCHMANN, 2008,
p.6).
Estava montado um ciclo auto-reprodutor, uma bolha financeira que inflava rapidamente.
Nas palavras de Brenner (2003, p.21),
Esse caminho era interessante tanto para os bancos, que aumentavam sua carteira de
emprstimos inundando a indstria com mais fundos do que seria sensato investir
praticamente alimentado fora a expanso e sedimentando o excesso de capacidade
quanto para os executivos das empresas que tinham suas remuneraes ligadas
diretamente valorizao das aes das empresas que dirigiam. Sem conhecer os
fundamentos da valorizao, os acionistas tambm ficavam satisfeitos por verem o valor
nominal dos seus ativos em rpido crescimento.
A segurana dos EUA e seu domnio financeiro nos negcios do mundo estavam
garantidos. A exploso dos valores dos ativos no interior do pas e a ascenso da
nova economia erigida em torno de ganhos de produtividade supostamente fortes e
toda uma teia de empresas virtuais (dot.com) mantinham a economia estadunidense
com um crescimento rpido o bastante para arrastar o mundo na obteno de taxas
respeitveis de acumulao de capital. O consumismo, a regra de ouro da paz interna
dos EUA, sofreu uma expanso em nveis estonteantes tanto no pas como em outros
centros do capitalismo avanado. (HARVEY, 2005, p.63-4)
o mercado de aes, antecipando os lucros que poderiam ser gerados pela tecnologia
da nova economia, alimentou fora o boom ao direcionar fundos de investimento
para as melhores corporaes nos setores mais promissores que so de tecnologia,
mdia e telecomunicaes. Essas empresas foram ento capacitadas por meio de
aes com preos extremamente inflados, que indicava, ostensivamente seu potencial
de rendimento a financiar uma rpida acumulao de capital em vez de realmente
gerar lucros. Fizeram isso obtendo emprstimos colateralizados aparentemente por
seus valores estimados de mercado, ou emitindo aes.
Quando privados do impulso do efeito riqueza da rpida subida das aes com o
20
estouro da bolha Nasdaq , a economia real foi empurrada para baixo pelo imenso
excedente de instalaes fsicas, equipamentos e software produzidos durante o boom de
investimentos estimulado pela bolha. As telecomunicaes tinham respondido por uma
fatia to desproporcional do crescimento da capitalizao de mercado e da acumulao de
capital que o estouro da bolha teve reflexos por toda a economia nos ltimos anos da
expanso, e por essa razo os efeitos do colapso do setor foram imensos21.
19
A taxa de utilizao das redes de telecomunicaes girava poca em torno de 2,5-3%, a dos cabos
submarinos, 13% (BRENNER, 2003, p.22).
20
O NASDAQ: National Association of Securities Dealers Automated Quotations (Sistema Eletrnico de
Cotao da Associao Nacional de Intermedirios de Valores)
21
Ao final de 2001, o ndice Nasdaq dominado por empresas de tecnologia e de Internet, sede central da
disparada das aes, tinha decrescido em 60% de seu pico do incio de 2000. O S&P 500 era territrio de
especulao, caindo em mais de 20% de seu ponto alto. Cinco trilhes em ativos desfizeram-se como
fumaa (BRENNER, 2003, p. 315).
91
Como resposta, o FED mais uma vez facilitou o acesso e barateou ainda mais o crdito.
Seu objetivo de curto prazo, estimular o consumo para evitar a espiral descendente da
economia, foi bem sucedido. A disponibilidade de crdito barato possibilitou, durante a
recesso, que os emprstimos anuais das famlias crescessem, especialmente atravs do
refinanciamento de hipotecas.
Assim, em socorro dos capitalistas em crise, o governo estadunidense, com suas polticas
de juros baixo, crdito barato e desregulamentao financeira, contribuiu para a
permanncia de uma capacidade produtiva redundante e, pois, para a permanncia da
barreira erguida para a inaugurao de um novo ciclo econmico de crescimento
econmico sustentado.
A partir dessas polticas ocorreu o que Brenner atribui ser a principal responsvel pelo
crescimento do PIB dos EUA, e do mundo, desde o primeiro trimestre de 2001: a cadeia
causal que parte do crescimento dos emprstimos tomados pelas famlias, passa pelo
crescimento dos gastos de consumo e leva estabilizao dos estoques. Evidentemente, o
crescimento da China e sua demanda crescente tambm tm algum peso importante nesse
crescimento sistmico.
Tendo como base resgatvel apenas a primeira hipoteca dos imveis residenciais das
famlias, contando com um sistema financeiro amplamente desregulamentado, os bancos
estadunidenses multiplicaram inmeras vezes os emprstimos usando novos artifcios e
produtos financeiros. Isso, segundo Mszros (2009, p.26),
US$ 2,3 trilhoes. Nunca seria permitido a um banco privado ter um balano to
altamente alavancado, nem por isso o qualificaria para a mxima classificao de
crdito AAA. (...) Eles utilizaram o seu financiamento barato na compra de ativos de
rendimento mais alto
A base real dessa multiplicao que sustentava, com base no endividamento, o ciclo
virtuoso de crescimento econmico recente se mostrou frgil: a instabilidade das
relaes trabalhistas, a queda do poder aquisitivo das famlias e o aumento do
desemprego fez instvel todo o castelo de emprstimos financeiros. A instabilidade de
suas fundaes ficou evidente na ltima grande crise financeira que se desenrola desde
2007. To interligados esto os sistemas financeiros que a crise se espalhou por todo o
mundo, com maior ou menor intensidade.
Enfim, mais uma vez, a poltica montada pelo governo estadunidense permitiu um ciclo
de recuperao do crescimento sem superao das barreiras circulao. Ao
desregulamentar o sistema financeiro, montar um ciclo de valorizao dos ativos
financeiros descolado do desempenho dos dividendos reais e permitir um nvel de
endividamento privado sem precedentes em um contexto de grande instabilidade das
relaes trabalhistas, o governo estadunidense alimentou uma rpida e excessiva
acumulao de capital na nova economia. Assim, o que poderia ser uma alternativa de
criao de novas necessidades e, pois, fonte de crescimento e acumulao, ficava,
desde o incio, obstaculizada tambm por um excesso de capacidade produtiva instalada.
93
De acordo com Harvey (2005, p.23) a cultura consumista a regra de ouro que mantm
coesa a sociedade imigrante extraordinariamente multicultural movida por um inflexvel
individualismo competitivo dos EUA. Por isso, o estmulo ao endividamento privado em
uma poca de baixos salrios e relaes trabalhistas deveras instveis cumpre o papel de
colaborar para a manuteno da ordem interna e de legitimao do poder. Contribui
tambm para a instabilidade interna a inexistncia de um inimigo externo que
mantenha forte o sentimento nacionalista que mantm unido aquele povo individualista
ao redor de uma bandeira. Por isso, em substituio ameaa comunista, tenta-se
ardilosamente fabricar ameaas externas, agora, a ameaa terrorista/rabe para mobilizar
o nacionalismo e manter coesa uma sociedade que tem grande potencial disruptivo.
Pode-se dizer, portanto, que parte significativa do mais recente ciclo econmico de
crescimento que o mundo foi sustentado pelo endividamento pblico e privado dos EUA
e pela ordenao fsica do territrio chins, j que os investimentos em capital fixo
puxam essa economia.
Precisamente pelo fato de o FED ter conseguido expandir apenas os gastos de consumo,
os fundamentos do crescimento econmico estadunidense continuam bastante
fragilizados. Na posse de uma enorme capacidade ociosa, as corporaes do setor de
manufaturados tm pouco incentivo para investir.
Arrighi (2008) concorda com a anlise de Brenner (2003) sobre a persistncia de uma
capacidade redundante mesmo durante o ltimo ciclo econmico, contudo diverge sobre
a estratgia de reao das empresas. Enquanto Brenner sugere que as empresas da nova
economia reinvestiram o lucro financeiro da valorizao dos ativos na expanso da
capacidade instalada, para Arrighi, as empresas tenderam prioritariamente a mant-lo sob
a forma mais lquida, e no imobiliz-lo em mais capacidade fsica produtiva. Nas
palavras do prprio Arrighi (2008, p.150)
95
Esse patrimnio adquirido no est restrito aos ativos dos agentes privados
irracionalmente exuberantes que, por isso vem seus ativos desvalorizados, mas, como
discutido anteriormente, abrange espaos liberados pelos ajustes estruturais em pases
perifricos que criam mercado ao desalojar o Estado de espaos econmicos
potencialmente lucrativos e inserir relaes no circuito do capital.
Ao longo de sua evoluo, nas ltima trs dcadas, o capital teve de pr de lado as
concesses do Estado de bem-estar social, anteriormente concedidas aos
trabalhadores. preciso notar que no precisou pagar absolutamente nada na poca
que o Estado de bem-estar social comeou a existir, j que as alegadas concesses
faziam parte das dinmicas da expanso do capital despreocupada e altamente
lucrativa do ps-guerra. O insensvel esprito do neoliberalismo redefiniu a orientao
estratgica da ordem instituda, colocando em prtica polticas cada vez mais
exploradoras e repressivas, ditadas pela grosseira rotao autoritria do capital e por
sua cnica justificao ideolgica.
6 CONCLUSES
Entendida essa lgica, torna-se evidente que, a despeito de serem tomadas por
conjunturais, as diversas crises localizadas por que passou o sistema capitalista nas
ltimas dcadas, inclusive a crise da dvida do Terceiro Mundo e a mais recente crise
financeira iniciada nos EUA, so manifestaes da crise estrutural de superacumulao
resultante do processo de acumulao anterior.
Com o mesmo intuito, para entender as respostas crise em sentido de criar novas
oportunidades de investimento lucrativo, foi preciso entender como a dialtica interna da
acumulao capitalista faz imperativo ao capital expandir sua abrangncia para evitar sua
desvalorizao. Dessa forma foi estabelecida a relao lgica que liga a crise aos ajustes
espaciais com recurso s prticas imperialistas para renovar as condies para a
acumulao capitalista. Em termos concretos, conclui-se haver ligao orgnica entre o
longo boom do ps-guerra, a crise de superacumulao iniciada nos anos 1970 e entre
esta e as prticas neoliberais.
Para entender os determinantes do momento histrico em tela, foi feita uma pesquisa
exploratria em trabalhos de trs autores que discutem o assunto a partir de conceitos e
categorias ligados ao materialismo histrico: Harvey, Brenner e Arrighi. Analisando as
obras desses autores, entende-se: elas mais se integram e se complementam do que
divergem e se negam.
Sem perder de vista os aspectos polticos, Harvey defende que o capital estadunidense,
vendo escasseadas as possibilidades de investimento lucrativo no prprio territrio,
precisava, sob pena de desvalorizao, buscar novas rotas de investimento. Nesse intuito,
com amplo apoio do seu Estado, esse capital foi, de diferentes maneiras, investido na
ordenao de territrios estrangeiros em sentido de prepar-los para serem includos no
circuito de acumulao capitalista.
Enfim, o que, para Harvey, foi imperativo econmico exportar capital redundante para
evitar sua desvalorizao para Arrighi, foi parte da estratgia poltica estadunidense de
consolidao, do mundo livre (leia-se capitalismo) e, pois, de sua hegemonia no
moderno sistema mundial. Deve-se ter claro, contudo, que Harvey admite haver relao
recproca entre o poder econmico do capital e o poder poltico do Estado. Sendo assim,
evitar a desvalorizao do seu capital era imperativo tambm para que Estado
estadunidense mantivesse e pudesse expandir seu poder poltico. A recproca
verdadeira: a expanso do poder poltico tambm condio necessria para a expanso
do poder econmico de um pas, posto que garante o recurso s prticas imperialistas que
podem internalizar a cada momento especfico do desenvolvimento capitalista as rendas
monopolistas das atividades centrais.
Brenner, explorando uma vastido de dados empricos, mostra que, enquanto o comrcio
internacional esteve relativamente fechado, as indstrias estadunidenses verticalmente
integradas investiam no exterior para explorar condies que no estavam mais postas no
101
consentimento dos liderados para uma liderana baseada na coero. Submetidos a uma
enorme assimetria de poder, em posio de fraqueza, ficava difcil para os pases
perifricos negarem o sentido poltico-econmico imposto pelos pases centrais .
Em detrimento da parcela mais pobre da populao, a parcela que mais necessita dos
bens e servios pblicos, o Estado cedia espao para as relaes de mercado: no vcuo do
ensino publico, entram as entidades privadas de ensino; em lugar da previdncia pblica,
os fundos privados de penso; em lugar da segurana pblica precarizada por causa dos
cortes nos gastos sociais, empresas de segurana privada; em lugar dos servidores
pblicos, empresas de terceirizao; em lugar dos investimentos pblicos em infra-
estrutura, as parcerias pblico-privadas (com garantia de retorno mnimo ao capital), etc.
Esse processo tem uma seqncia lgica: para exportar a desvalorizao do capital (em
substituio desvalorizao do seu prprio), foram orquestrados ataques especulativos
103
que desencadearam crises localizadas. Com auxlio dos organismos supranacionais que
vieram em socorro, com destaque para o FMI, foram impostos ajustes estruturais com a
finalidade precpua de desvalorizar os ativos dos pases atacados para desalojar o Estado
de atividades potencialmente lucrativas para que o capital se apropriasse delas a preo
de banana e pudesse p-las imediatamente para circular lucrativamente. A dvida
pblica passou, assim, a ser fonte de acumulao de capital garantida pela nica poltica
responsvel e ponte para que o capital financeiro pudesse exercer presso sobre o poder
poltico.
Por isso, conclui-se: de um lado, a acumulao por espoliao determinada pelos ajustes
estruturais apresentou alternativa de investimento ao capital superacumulado e, de outro,
a precarizao das relaes trabalhistas, alm de reduzir o custo do capital, reafirmou o
pode da classe capitalista, o que confirmado pela crescente concentrao da riqueza em
favor do capital e em detrimento das rendas do trabalho desde a implantao do projeto
neoliberal.
Esse sentido espoliativo das prticas imperialistas neoliberais foi ocultado por uma
redoma ideolgica pintada com as cores da neutralidade cientifica. Com amplo respaldo
da grande mdia e de grandes centros do pensamento mundial concentrados nos pases
centrais que viam seu capital redundante na iminncia de ser desvalorizado e com a
conivncia de fraes da classe capitalista dos pases, foi construda uma imagem de
superioridade das relaes de mercado como parte estratgia para justificar
ideologicamente a mudana de objetivos do Estado: em lugar de promover o pleno
emprego e o bem-estar social, promover e garantir um adequado ambiente de negcios.
Uma via alternativa posta como soluo da crise, que no foi planejada, mas surgiu em
momento deveras conveniente, a ordenao do territrio chins iniciada em seu
processo de liberalizao economia no final da dcada de 1970. Tal como previsto na
104
No primeiro momento das reformas os capitais que migravam para o territrio chins iam
em busca, tal como fazem nos pases perifricos, de vantagens de custo, especialmente as
relativas fora de trabalho. Contudo, progressivamente, foram sendo instaladas
vantagens monopolistas de ponta no territrio chins: disponibilidade de mo-de-obra
altamente especializada (engenheiros e tcnicos, por exemplo), sistemas de pesquisa
eficientes, sistemas de inovao e desenvolvimento tecnolgico, etc. . No sem motivo,
portanto, as empresas transnacionais instalam seus centros de pesquisa e
desenvolvimento em territrio chins. Eis os fundamentos que faze com que a economia
chinesa e seu poder poltico, em processo de reforo recproco entre a ascenso do seu
poder econmico e poder poltico, passem, hoje, a desafiar estratificao da hierarquia
capitalista estabelecendo, inclusive, novas relaes de complementaridade com as
economias do leste asitico, sobretudo.
seu territrio tambm recipiente de capital redundante que precisara, sob pena de
desvalorizao, aplicar novos ajustes espaciais.
Dessa forma, conclui-se: no longo prazo, o sucesso da ordenao chinesa, que hoje
representa um flego extra ao sistema, far com que a crise de superacumulao ganhe
abrangncia e fora aumentando ainda mais o volume e a densidade do sistema e, pois,
da crise.
Fica, assim, patente que tanto a incluso do territrio chins quanto a corrida por
substituir relaes diversas por relaes de mercado no bojo das reformas neoliberais,
concorrem para reduzir as possibilidades futuras de ajustes externos capazes de evitar a
desvalorizao de um montante de capital que cresce enquanto se evita o remdio
amargo da desvalorizao. Assim,
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