Lógica Capítulo 1 - Desiderio Murcho
Lógica Capítulo 1 - Desiderio Murcho
Lógica Capítulo 1 - Desiderio Murcho
Introduo lgica
Neste
captulo,
vamos
compreender
a
importncia
da
lgica
e
alguns
dos
conceitos
cen-
trais
desta
disciplina.
Alm
disso,
vamos
fazer
mais
duas
coisas.
Primeiro,
vamos
apren-
der
a
estudar
com
cuidado
um
texto
rigoroso
e
complexo,
ainda
que
redigido
com
m-
xima
clareza;
segundo,
vamos
aprender
vrios
instrumentos
tericos
importantes
para
qualquer
actividade
cognitiva,
incluindo
a
filosofia.
Este
segundo
aspecto
muito
importante,
pois
repetir
ideias
cujo
entendimento
menos
do
que
minimamente
adequado
no
um
exerccio
particularmente
proveito-
so.
Neste
captulo,
ao
invs
de
as
ideias
serem
apresentadas
dogmaticamente,
so
cui-
dadosamente
explicadas,
considerando-se
alternativas
e
explicando
que
razes
h
para
no
as
aceitar;
e
o
leitor
convidado
a
levantar
objeces
e
pensar
em
alternativas.
Pro-
pe-se
assim
uma
leitura
activa
deste
texto,
para
que
o
leitor
exercite
as
suas
capacida-
des
crticas,
que
o
estudo
da
lgica
visa
desenvolver.
1.
A
importncia
da
lgica
Para
compreender
a
importncia
da
lgica
temos
de
compreender
primeiro
a
importn-
cia
do
raciocnio.
Isto
porque
o
objecto
de
estudo
da
lgica
o
raciocnio.
Contudo,
no
estudamos
nesta
disciplina
todos
os
aspectos
do
raciocnio;
estudamos
apenas
aqueles
aspectos
relevantes
para
a
sua
correco.
Isto
significa
que
no
estudamos
os
aspectos
que
fazem
um
raciocnio
ser
inspirador,
por
exemplo,
ou
ter
impacto
histrico.
Evidentemente,
mesmo
sem
sabermos
ainda
com
rigor
o
que
o
raciocnio,
pa-
rece
bvio
que
se
trata
de
algo
que
todos
fazemos.
O
que
menos
bvio
que
racioci-
namos
muitssimo
mais
do
parece.
Por
exemplo,
sem
raciocinar
no
poderamos
saber
quando
os
dinossauros
se
extinguiram,
pois
no
podemos
viajar
no
tempo
para
ir
l
ver;
sempre
que
no
podemos
saber
de
algo
directamente,
raciocinamos
para
o
saber.
Os
cientistas
concluem
que
os
dinossauros
se
extinguiram
h
cerca
de
65
milhes
de
anos
observando
vrios
indcios
que
persistem
nos
nossos
dias
e
raciocinando
a
partir
deles;
as
outras
pessoas
concluem
que
os
dinossauros
se
extinguiram
raciocinando
aproxima-
damente
como
se
segue:
os
especialistas
na
rea
afirmam
que
os
dinossauros
se
extin-
guiram
65
milhes
de
anos;
no
tenho
razo
para
pensar
que
eles
esto
a
mentir
ou
que
esto
enganados;
logo,
os
dinossauros
extinguiram-se
realmente
h
65
milhes
de
21/10/2013
4
anos.
Este
um
raciocnio
comum,
to
comum
que
tem
um
nome:
argumento
de
auto-
ridade.1
Contudo,
precisamente
por
ser
comum,
fazemo-lo
sem
nos
darmos
conta
de
que
estamos
raciocinando.
Mesmo
aqueles
conhecimentos
cientficos
que
talvez
parea
que
so
obtidos
de
maneira
directa
raramente
o
so.
Por
exemplo,
saber
qual
a
composio
qumica
da
gua
no
uma
questo
de
observar
a
gua
pelo
microscpio.
Em
primeiro
lugar,
por-
que
consideramos
que
toda
a
gua
H2O
e,
como
evidente,
nunca
observmos
toda
a
gua:
apenas
observmos
algumas
amostras
de
gua
e
conclumos
que
toda
a
gua
como
aquelas
amostras.
Em
segundo
lugar,
saber
que
uma
dada
amostra
de
gua
H2O
no
uma
questo
de
observar
pelo
microscpio,
mas
antes
de
fazer
vrias
experincias
cientficas
complexas,
com
base
nas
quais
conclumos
ento
que
aquelas
amostras
de
gua
so
H2O;
ora,
concluir
o
que
fazemos
quando
raciocinamos.
Acresce
que
no
apenas
na
cincia
que
temos
de
raciocinar
para
ir
alm
de
um
conhecimento
muito
elementar
e
superficial
do
aqui-e-agora.
Tambm
na
vida
comum
o
fazemos:
por
exemplo,
quando
marcamos
um
encontro
com
um
amigo
que
nos
disse
que
estaria
entrada
do
cinema
ou
junto
do
restaurante,
conclumos
que
ele
est
junto
do
restaurante
quando
chegamos
ao
cinema
e
no
o
vemos
l.
Uma
maneira
mais
dramtica
de
compreender
a
importncia
do
raciocnio
per-
guntar
o
que
saberamos
ns
agora
se
exclussemos
tudo
o
que
sabemos
por
meio
do
raciocnio.
Saberamos
o
que
fizemos
ontem?
No,
porque
para
o
saber
temos
pressupor
que
a
memria
do
que
fizemos
ontem
no
uma
iluso,
e
s
com
base
neste
pressupos-
to
conclumos
que
fizemos
ontem
o
que
nos
lembramos
de
ter
feito.
Se
a
nossa
memria
for
falsa,
como
acontece
personagem
Rachel
do
filme
Blade
Runner
(1982),
ou
se
nada
concluirmos
com
base
nas
nossas
memrias,
ficamos
sem
saber
o
que
fizemos
ontem.
Em
todos
estes
casos,
evidente
que
por
vezes
nos
enganamos
ao
raciocinar.
Ca-
so
nunca
nos
enganssemos
ao
raciocinar,
talvez
o
estudo
da
lgica
no
fosse
to
impor-
tante.
No
que
o
nico
papel
da
lgica
seja
ajudar-nos
a
raciocinar
melhor;
outro
dos
seus
papis
pura
e
simplesmente
satisfazer
a
curiosidade
intelectual
que
sentimos
com
respeito
a
vrios
fenmenos
lgicos.
Apesar
disso,
a
lgica
tem
tambm
o
papel
de
ajudar-nos
a
raciocinar
melhor.
um
pouco
como
acontece
com
a
fsica:
estudamo-la
porque
queremos
satisfazer
a
nossa
curiosidade
intelectual
com
respeito
a
fenmenos
como
a
gravidade
ou
a
velocidade,
mas
o
domnio
da
fsica
ajuda-nos
tambm
a
fazer
pontes
melhores.
1
Nem
todos
os
argumentos
de
autoridade
so
maus,
como
veremos
no
Captulo
12.
21/10/2013
5
Estas
consideraes
so
suficientes
para
ter
conscincia
da
importncia
do
raci-
ocnio
e,
consequentemente,
da
lgica.
Contudo,
por
que
razo
haveria
a
lgica
de
ser
importante
para
fazer
filosofia?
Exerccios
1. Por
que
razo
a
lgica
importante?
2. Por
que
razo
o
raciocnio
importante?
3. No
precisamos
da
lgica
porque
todos
raciocinamos
perfeitamente
bem
sem
saber
lgica.
Concorda?
Porqu?
2.
Filosofia
e
raciocnio
A
histria
da
filosofia
de
tal
modo
plural
que
quase
qualquer
concepo
desta
rea
de
estudos,
por
mais
extravagante
que
seja,
encontra
expresso
em
algum
autor.
Na
hist-
ria
da
filosofia
europeia,
remontando
antiguidade
grega,
encontramos
uma
concepo
estritamente
cognitiva
de
filosofia
que
est
longe
de
ser
extravagante
ou
minoritria
e
esta
concepo
que
ser
aqui
brevemente
explicitada.
a
tradio
a
que
pertencem
fil-
sofos
como
Plato
e
Aristteles,
Agostinho
e
Anselmo,
Toms
de
Aquino
e
Guilherme
de
Ockham,
Locke
e
Hume,
Descartes,
Leibniz
e
Kant,
Frege
e
Russell,
Quine,
Kripke,
Nagel
e
tantos
outros
filsofos
dos
sculos
XX
e
XXI.
Esta
tradio
filosfica
caracteriza-se
por
ser
mais
parecida
com
o
que
muitas
pessoas
imaginam
vagamente
que
a
cincia
do
que
com
o
que
pensam
que
a
filosofia.
Isto
porque,
nesta
concepo,
a
filosofia
no
uma
actividade
espiritual
no
sentido
ms-
tico,
religioso
ou
para-religioso,
no
uma
actividade
potica
nem
literria,
est
longe
de
ser
parecida
s
hoje
chamadas
humanidades
e
mesmo
quando
trata
de
temas
como
o
sentido
da
vida
f-lo
de
um
modo
estritamente
cognitivo.
Uma
maneira
esclarecedora
de
compreender
a
diferena
em
causa
entender
o
que
tinham
em
mente
os
filsofos
da
antiguidade
clssica
grega,
como
Plato
e
Aristte-
les,
quando
entendiam
que
a
filosofia
era
uma
forma
de
vida.2
Afirmar
que
a
filosofia
uma
forma
de
vida,
ou
que
inclui
uma
atitude
existencial,
digamos,
hoje
em
dia
quase
invariavelmente
enganador
porque
o
sentido
em
que
esses
filsofos
da
antiguidade
clssica
entendiam
a
vida
filosfica
no
tem
qualquer
relao
com
o
que
as
pessoas
ten-
dem
hoje
a
associar
a
essa
expresso.
O
que
os
filsofos
da
antiguidade
grega
entendiam
como
uma
vida
filosfica
era
uma
vida
inequivocamente
comprometida
com
o
raciocnio
e
a
teorizao
intensos
e
au-
2
As
ideias
aqui
veiculadas
devem
muito
a
Cooper
2012.
21/10/2013
6
tnomos
sobre
todos
os
assuntos,
com
a
explicitao
cuidadosa
das
ideias
e
das
cone-
xes
entre
elas,
das
razes
que
as
sustentam
e
das
objeces
que
enfrentam.
Por
outras
palavras,
escolher
a
filosofia
como
forma
de
vida,
deste
ponto
de
vista,
escolher
viver
segundo
as
mais
rigorosas
exigncias
de
exame
cuidadoso
de
todas
as
ideias,
sem
apelar
a
pretensas
verdades,
nomeadamente
tradicionais,
que
se
furtam
discusso.
Trata-se,
pois,
de
um
ideal
que
se
ope
a
qualquer
tipo
de
vida
monstica,
mstica,
religiosa
ou
potica
que
se
caracterize
mais
pelo
sentir
do
que
pelo
pensar
e
que
vise
sobretudo
o
conforto
espiritual
em
detrimento
da
verdade.
O
ideal
original
de
vida
filosfica
muito
mais
parecido
com
o
que
hoje
consideraramos
uma
atitude
cientfica:
a
rejeio
de
to-
das
as
ideias
que
no
resistam
ao
que
Kant
chamava
o
tribunal
da
razo,
e
a
convico
de
que
s
as
ideias
que
passam
tal
crivo
so
dignas
de
encontrar
aceitao
em
seres
humanos
que
assumam
plenamente
a
sua
racionalidade,
rejeitando
a
heteronomia
que
consiste
em
ser
escravo
das
ideias
do
nosso
tempo
e
da
nossa
sociedade,
das
autorida-
des
religiosas
ou
polticas,
de
ideias
comuns
reconfortantes
mas
mal
examinadas,
de
modos
de
vida
tradicionais
a
favor
dos
quais
nenhuma
boa
justificao
se
conhece.
Entendida
deste
modo,
a
filosofia
uma
actividade
sobretudo
cognitiva,
ainda
que
aborde
temas
como
o
sentido
da
vida,
que
muitas
pessoas
associam
a
uma
conversa
edificante,
de
carcter
religioso
ou
potico.
Ora,
quando
se
trata
de
actividades
princi-
palmente
cognitivas,
duas
das
nossas
preocupaes
principais
evitar
o
erro
e
a
iluso,
e
desenvolver
mtodos
de
estudo
adequados
ao
que
queremos
estudar.
Ao
invs,
quan-
do
se
trata
no
de
actividades
principalmente
cognitivas,
mas
antes
sobretudo
existen-
ciais,
no
sentido
potico
ou
para-religioso
do
termo,
no
h
qualquer
preocupao
com
o
erro
e
a
iluso,
pois
tudo
o
que
interessa
aceitar
ideias
que
nos
faam
sentir
bem,
sendo
irrelevante
que
sejam
falsas
ou
ilusrias,
ou
at
destitudas
de
sentido:
a
nica
coisa
que
conta
o
seu
poder
inspirador.
Porque
a
filosofia,
entendida
deste
modo,
uma
actividade
sobretudo
cognitiva,
damos
muita
ateno
ao
raciocnio
que
inevitavelmente
desenvolvemos
no
exame
dos
temas
filosficos.
Queremos
explicitar
cuidadosamente
o
nosso
raciocnio
porque
que-
remos
evitar
erros;
ora,
os
erros
de
raciocnio
em
filosofia
so
mais
perigosos
do
que
noutras
reas
de
estudo:
em
matemtica
usamos
instrumentos
prprios
desta
rea
e,
nas
disciplinas
empricas,
ou
usamos
a
matemtica
ou
o
raciocnio
exigido
,
alm
de
muito
simples,
continuamente
confrontado
com
a
prpria
experincia.
Em
filosofia,
pelo
contrrio,
se
nos
enganarmos
ao
raciocinar,
este
no
um
erro
matemtico
nem
ser
um
erro
que
ir
colidir
com
a
experincia.
Por
isso,
a
nica
maneira
que
temos
de
evitar
21/10/2013
7
o
erro
no
raciocnio
filosfico
explicit-lo
muito
cuidadosamente
e
desenvolver
ins-
trumentos
lgicos
adequados.
Contudo,
a
lgica
irrelevante
se
tivermos
outras
concepes
da
filosofia.
Quan-
do
o
nosso
objectivo
ao
estudar
filosofia
apenas
apreciar
o
que
as
autoridades
do
pas-
sado
pensavam,
ou
encontrar
conforto
potico
ou
espiritual
nas
palavras
dos
filsofos,
ou
ganhar
um
vocabulrio
com
autoridade
acadmica
para
veicular
exactamente
as
mesmas
ideias
polticas
que
j
tnhamos,
a
lgica
no
s
desnecessria
como
at
talvez
seja
contraproducente,
pois
arriscamo-nos
a
descobrir
que
temos
uma
vida
cognitiva
boal,
que
os
filsofos
da
antiguidade
considerariam
menos
que
digna
de
um
ser
huma-
no:
uma
vida
no-examinada,
que
no
vale
a
pena
ser
vivida.
Em
concluso,
a
lgica
tem
um
papel
central
na
filosofia
quando
esta
entendida
como
uma
actividade
sobretudo
cognitiva
o
que
inclui
a
concepo
da
antiguidade
clssica
da
filosofia
como
forma
de
vida
porque
nesse
caso
queremos
explicitar
e
examinar
rigorosamente
o
nosso
raciocnio
para
minimizar
tanto
quanto
possvel
o
er-
ro.
Exerccios
1. Por
que
razo
a
lgica
importante
na
filosofia
quando
esta
entendida
como
uma
activi-
dade
sobretudo
cognitiva?
3.
O
que
o
raciocnio?
No
consensual
que
todo
o
raciocnio
seja
discursivo.
Na
antiguidade
clssica,
por
exemplo,
matemticos
como
Euclides
recorriam
constantemente
a
um
tipo
de
raciocnio
diagramtico
a
que
hoje
damos
bastante
menos
importncia,
e
que
relativamente
pou-
co
estudado
em
lgica.3
Por
outro
lado,
tambm
no
bvio
que
o
raciocnio
no-
discursivo
no
seja
redutvel
ao
discursivo.
De
qualquer
modo,
para
simplificar
o
nosso
estudo,
estipulemos
que,
sempre
que
falarmos
de
raciocnio,
temos
em
mente
o
discur-
sivo.
Eis
uma
definio
rigorosa
de
raciocnio
discursivo:
3
Veja-se
Netz
&
Noel
2007
para
uma
apresentao
popular
de
alguns
aspectos
do
raciocnio
dia-
gramtico
de
Arquimedes
e
Shin,
Lemon
&
Mumma
2013
para
uma
discusso
filosfica
da
natureza
do
raciocnio
diagramtico.
21/10/2013
8
Eis
um
exemplo
muitssimo
simples
de
raciocnio:
A
vida
no
tem
sentido
porque
daqui
a
um
milho
de
anos
estaremos
todos
mortos.
Neste
caso,
visa-se
sustentar
a
proposi-
o
de
que
a
vida
no
tem
sentido
com
base
na
proposio
de
que
daqui
a
um
milho
de
anos
estaremos
todos
mortos.
A
proposio
que
visamos
sustentar
a
concluso;
a
pro-
posio
que
usamos
para
sustentar
a
concluso
a
premissa
ou
premissas.
A
pergunta
central
que
nos
interessa
em
lgica
muito
simples:
ser
esse
racio-
cnio
correcto?
O
que
fazemos
em
lgica
desenvolver
vrios
instrumentos
rigorosos
que
nos
permitem
responder
melhor
a
esta
pergunta.
Para
comear
a
estudar
esses
ins-
trumentos,
precisamos
de
comear
por
ter
uma
compreenso
profunda
da
definio
de
raciocnio,
dando
ateno
a
seis
elementos
importantes
nela
presentes.
Por
exemplo,
uma
vez
que
todas
as
pessoas
que
esto
em
Portugal
esto
na
Europa,
es-
tar
naquele
pas
uma
condio
suficiente
para
estar
na
Europa,
e
estar
neste
continen-
te
uma
condio
necessria
para
estar
em
Portugal.
E
porque
nem
todas
as
pessoas
que
esto
na
Europa
esto
em
Portugal,
estar
nesse
continente
no
uma
condio
sufi-
ciente
para
estar
em
Portugal,
nem
estar
neste
pas
uma
condio
necessria
para
es-
tar
na
Europa.
As
condies
necessrias
no
tm
qualquer
relao
relevante
com
as
verdades
necessrias;
este
ltimo
conceito
s
ser
adequadamente
esclarecido
a
partir
do
Captu-
4
Note-se,
contudo,
que
nem
todas
as
definies
adequadas
so
explcitas.
Tambm
h
definies
implcitas:
apontar
para
o
cu
azul
e
para
vrias
outras
coisas
azuis
uma
maneira
de
definir
implicita-
mente
a
cor
azul.
5
s
condies
necessrias
chama-se
tambm
condio
sine
qua
non.
21/10/2013
9
lo
7.
Apesar
de
estar
em
Portugal
ser
uma
condio
necessria
para
estar
em
Lisboa,
por
exemplo,
no
necessrio
que
seja
uma
condio
necessria,
porque
Lisboa
poderia
ter
sido
uma
cidade
espanhola,
por
exemplo.
A
expresso
se
e
s
se
usada
em
definies
e
quer
dizer
o
mesmo,
neste
con-
texto,
do
que
o
das
definies:
o
seu
papel
precisamente
introduzir
condies
ne-
cessrias
e
suficientes.
Assim,
as
definies
O
ser
humano
um
animal
racional
e
Al-
go
um
ser
humano
se
e
s
se
for
um
animal
racional
so
meras
variaes
verbais.
Ao
que
queremos
definir
chama-se
definiendum,
sendo
o
definiens
o
que
usamos
para
o
definir.
No
exemplo
acima,
o
definiendum
ser
humano
e
o
definiens
animal
racional.
Examinar
a
correco
de
uma
definio
perguntar
se
h
algo
que
pertena
ao
definiendum
mas
no
ao
definiens,
ou
vice-versa.
Assim,
a
definio
ilustrativa
acima
estar
errada
se
houver
seres
humanos
que
no
sejam
animais
racionais,
ou
se
houver
animais
racionais
que
no
sejam
seres
humanos.
Do
mesmo
modo,
a
nossa
definio
de
raciocnio
estar
errada
caso
existam
raciocnios
que
no
tenham
as
caractersticas
ex-
plicitadas,
ou
proposies
com
as
caractersticas
apontadas
que
no
sejam
raciocnios.
Quando
somos
incapazes
de
apresentar
definies
explcitas
adequadas,
j
um
avano
cognitivo
se
conseguirmos
apresentar
pelo
menos
condies
necessrias
(ou
su-
ficientes);
e
tambm
um
avano
cognitivo
saber
que
vrias
definies
inicialmente
promissoras
se
revelam
afinal
inadequadas.
Exerccios
1. Considere
o
seguinte
raciocnio:
A
arte
no
pode
ser
definida
porque
pura
emoo.
a. O
que
significa
aqui
a
palavra
?
b. Em
que
condies
falso
que
a
arte
pura
emoo?
2. Explique,
dando
exemplos
adequados
originais,
o
que
so
condies
necessrias
e
condies
suficientes.
3. Qual
o
papel
da
expresso
F
se
e
s
se
G?
4. Em
que
condies
verdadeiro
que
F
se
e
s
se
G?
3.2.
Proposies
Considere-se
as
frases
Ea
o
autor
de
Os
Maias
e
Ea
is
the
author
of
The
Maias.
Es-
tamos
perante
duas
frases
e
no
uma
s,
at
porque
esto
em
lnguas
diferentes.
Contu-
do,
ambas
exprimem
o
mesmo.
a
isso
que
ambas
exprimem
que
se
chama
proposi-
o.
Assim,
uma
definio
adequada
de
proposio
a
seguinte:
21/10/2013
10
Uma
frase
a
unidade
mnima
de
significado
capaz
de
exprimir
uma
ordem,
uma
per-
gunta,
um
desejo
ou
uma
assero;
fazer
uma
assero
afirmar
algo.
Assim,
corpos
amarelos
no
uma
frase,
nem
se
estiver
calor,
pois
em
nenhum
dos
casos
temos
uma
ordem,
pergunta,
expresso
de
desejo
ou
assero.
J
Est
calor
uma
frase,
as-
sim
como
H
corpos
amarelos,
precisamente
porque
em
ambos
os
casos
temos
uma
assero.
Contudo,
nem
Est
calor
nem
H
corpos
amarelos
so
proposies;
antes
exprimem
proposies.6
O
conceito
de
proposio
polmico,
em
filosofia,
em
parte
porque
se
trata
de
uma
entidade
abstracta
e
o
prprio
conceito
de
entidade
abstracta
no
isento
de
dificuldades.
Segundo
uma
caracterizao
comum,
uma
entidade
abstracta
se
e
s
se
no
tiver
localizao
espcio-temporal.7
Assim,
ao
passo
que
as
frases
so
entidades
concretas
precisamente
porque
esto
localizadas
no
espao
e
no
tempo,
as
proposies
so
entidades
abstractas
porque
no
o
esto.
Nenhuma
proposio
uma
frase
porque
nenhuma
entidade
abstracta
uma
en-
tidade
concreta.
A
relao
existente
entre
as
frases
e
as
proposies
a
de
expresso:
algumas
frases
exprimem
proposies;
estas
so
o
contedo
daquelas.
Uma
frase
profe-
rida
,
entre
outras
coisas,
um
som,
que
ocorre
num
dado
momento
do
tempo;
uma
fra-
se
escrita
,
entre
outras
coisas,
um
conjunto
de
traos
num
papel,
quadro
ou
outra
su-
perfcie.
As
frases
so,
pois,
entidades
fsicas;
algumas
destas
entidades
fsicas
expri-
mem
proposies;
outras
exprimem
ordens,
perguntas
ou
desejos.
E
algumas
so
parti-
cularmente
enganadoras
porque
tm
a
estrutura
gramatical
de
asseres,
mas
no
ex-
primem
qualquer
proposio.
Um
desses
casos
o
muito
citado
exemplo
de
Chomsky
1957:
As
ideias
verdes
incolores
dormem
furiosamente.
Apesar
de
a
estrutura
grama-
tical
ser
semelhante
a
As
mulheres
portuguesas
inteligentes
cantam
alegremente,
aquela
frase
no
exprime
uma
proposio
porque
no
exprime
qualquer
ideia
verdadei-
6
O
uso
das
aspas
segue
aqui
a
conveno
habitual:
usamo-las
para
mencionar
palavras,
distin-
guindo
o
uso
da
meno.
Por
exemplo,
Bach
tem
quatro
letras,
pois
estamos
mencionando
a
palavra
Bach,
ao
invs
de
a
usar;
mas
Bach
era
um
msico
superlativo,
pois
aqui
estamos
usando
a
palavra
Bach,
em
vez
de
a
mencionar.
E,
claro,
Bach
no
um
msico
superlativo,
porque
nenhuma
palavra
um
msico;
e
Bach
no
tem
quatro
letras,
porque
nenhuma
pessoa
tem
letras.
Alm
de
servir
para
distin-
guir
o
uso
das
palavras
da
sua
meno,
as
aspas
servem
tambm
para
citar
palavras
alheias,
e
para
indicar
distanciamento:
uma
pessoa
que
discorde
de
um
dado
termo
ou
de
um
conceito,
usa-o
entre
aspas
para
indicar
a
sua
desconfiana
ou
distanciamento.
No
devemos
confundir
estes
trs
usos
das
aspas,
e
deve-
mos
saber
claramente
de
qual
deles
se
trata,
a
cada
momento.
7
Que
algo
nesta
definio
no
parece
razovel
v-se
quando
pensamos
que,
segundo
ela,
o
pr-
prio
espao
seria
uma
entidade
abstracta,
precisamente
porque
no
est
localizado
no
espao
nem
pre-
sumivelmente
no
tempo.
O
que
teria
a
consequncia
surpreendente
de
nos
fazer
a
todos
viver
numa
enti-
dade
abstracta,
ainda
que
ns
mesmos
sejamos
concretos.
21/10/2013
11
ra
ou
falsa,
ao
passo
que
esta
exprime.
Uma
frase
absurda
se
e
s
se
for
gramatical-
mente
assertiva
mas
no
exprimir
qualquer
proposio.
Ter
valor
de
verdade
ser
verdadeiro
ou
falso;
pela
definio
acima,
s
as
propo-
sies
tm
valor
de
verdade
porque
s
elas
so
verdadeiras
ou
falsas.
Deste
ponto
de
vista,
que
no
consensual,
as
proposies
so
os
portadores
primrios
de
valor
de
verdade,
ou
seja,
s
as
proposies
tm,
a
rigor,
valor
de
verdade.
Quando
parece
que
as
frases
tm
valor
de
verdade,
isso
acontece
apenas
porque
exprimem
proposies
que
tm
valor
de
verdade.
Assim,
a
frase
Ea
era
portugus
uma
entidade
fsica
que,
em
si,
no
verdadeira
nem
falsa;
s
verdadeira
derivadamente,
na
medida
em
que
ex-
prime
a
proposio
de
que
Ea
era
portugus,
proposio
esta
que
primariamente
verdadeira.
A
vantagem
deste
conceito
de
proposio
um
pouco
como
outros
conceitos
abstractos
tringulo,
por
exemplo.
Quando
provamos
uma
verdade
geomtrica
sim-
ples
sobre
tringulos,
mais
fcil
falar
como
se
houvesse
um
tringulo
abstracto
que
tivesse
tais
propriedades,
apesar
de,
na
verdade,
estarmos
a
afirmar
que
qualquer
tri-
ngulo
efectivamente
existente
ter
tais
propriedades.
defensvel
que
esta
maneira
de
falar
no
nos
obriga
a
aceitar
a
existncia
de
um
tringulo
abstracto.
Do
mesmo
modo,
iremos
falar
de
proposies
sem
pressupor
que
se
trata
de
algo
mais
do
que
uma
ma-
neira
cmoda
de
falar.8
O
conceito
de
proposio
permite
explicar
facilmente
alguns
fenmenos
simples,
como
a
ambiguidade
e
a
sinonmia.
Uma
frase
como
Ea
viu
a
Maria
com
os
binculos
ambgua
se
e
s
se
exprime
mais
de
uma
proposio;
neste
caso,
tanto
exprime
a
pro-
posio
de
que
Ea
viu
a
Maria
atravs
dos
binculos,
como
exprime
a
proposio
de
que
quando
a
viu
ela
estava
na
posse
dos
binculos.
Por
outro
lado,
duas
frases
so
si-
nnimas
se
e
s
se
exprimem
a
mesma
proposio.
Considerar
que
tanto
a
premissa
ou
premissas
de
um
raciocnio
como
a
conclu-
so
so
proposies
exclui
raciocnios
aparentes
como
o
seguinte:
Est
frio;
por
isso,
fecha
a
janela.
Neste
caso,
parece
que
estamos
perante
um
raciocnio;
contudo,
a
con-
cluso
uma
ordem
e
por
isso
no
exprime
uma
proposio.
Perante
esta
dificuldade,
temos
duas
alternativas:
aceitar
que
os
raciocnios
sejam
por
vezes
constitudos
por
fra-
ses
que
no
exprimem
proposies;
ou
mostrar
que
em
casos
como
o
anterior
s
h
ra-
8
defensvel
que
s
as
crenas
so
primariamente
verdadeiras
ou
falsas,
tendo
as
frases
profe-
ridas
por
quem
tem
crenas
valor
de
verdade
secundariamente.
Deste
ponto
de
vista,
as
proposies
so
fantasias
filosficas
que
s
imaginariamente
tm
valor
de
verdade,
exactamente
com
os
supostos
tringu-
los
abstractos.
Chama-se
nominalismo
a
uma
famlia
de
posies
filosficas
que
tm
em
comum
o
pro-
jecto
terico
de
eliminar,
tanto
quanto
possvel,
entidades
consideradas
suspeitas,
nomeadamente
por
serem
abstractas.
21/10/2013
12
ciocnio
porque
h
uma
proposio
associada
concluso,
apesar
de
esta
ser
literalmen-
te
uma
ordem.
A
primeira
alternativa
enfrenta
uma
objeco
relevante:
como
veremos,
uma
das
coisas
que
visamos
ao
raciocinar
a
validade,
e
esta
uma
relao
entre
valores
de
ver-
dade.
Ora,
dado
que
uma
ordem
no
tem
valor
de
verdade,
nenhum
raciocnio
que
con-
tenha
uma
ordem
vlido,
o
que
parece
contrariar
o
propsito
do
raciocnio.
Talvez
se
consiga
responder
adequadamente
a
esta
dificuldade.
A
segunda
alternativa
considera
que
a
frase
fecha
a
janela,
apesar
de
ser
lite-
ralmente
uma
ordem,
est
associada
a
uma
assero
como
uma
boa
ideia
que
feches
a
janela
ou
deves
fechar
a
janela.
Deste
modo,
mesmo
que
um
raciocnio
inclua
superfi-
cialmente
ordens
ou
outras
frases
que
no
exprimem
proposies,
a
ideia
que
essas
frases
esto
associadas
a
asseres.
Seja
como
for,
as
lgicas
que
iremos
estudar
lidam
exclusivamente
com
o
racio-
cnio
proposicional.
Assim,
se
acaso
existe
raciocnio
no-proposicional,
este
no
ser
abrangido
no
nosso
estudo.
Exerccios
1. D
um
exemplo
de
duas
frases
que
exprimam
a
mesma
proposio.
2. D
um
exemplo
de
uma
frase
que
exprima
mais
de
uma
proposio.
3. O
que
significa
dizer
que
as
frases
so
entidades
concretas,
ao
passo
que
as
proposies
so
entidades
abstractas?
4. Haver
realmente
raciocnio
no-proposicional?
Porqu?
21/10/2013
13
que
a
vida
absurda
com
base
na
mesma
proposio,
circularmente,
para
que
se
trate
de
um
raciocnio,
ainda
que
particularmente
mau.
Exerccios
1. Considere
a
seguinte
definio:
Um
raciocnio
um
conjunto
de
pelo
menos
duas
proposi-
es
em
que
uma
delas
se
sustenta
nas
outras.
Que
objeces
h
a
esta
definio?
2. Considere
as
proposies
expressas
pelas
seguintes
frases
e
discuta
se
estamos
perante
ra-
ciocnios
ou
no,
explicando
porqu:
9
Alguns
desses
pormenores
so
apresentados
em
Murcho
2010.
Hazlett
2010
disputa
a
factivi-
dade do verbo conhecer. No confundir a factividade com a facticidade: veja-se Murcho 2008.
21/10/2013
14
a. O
Nada
no
pode
existir.
O
Nada
a
manifestao
do
que
no
existe,
e
o
que
no
existe
no
pode
manifestar-se.
b. A
arte
indizvel.
um
salto
no
vazio
da
existncia
pura.
Um
arremedo
do
gnio
que
se
faz
coisa.
c. Se
o
mundo
exterior
percepo
no
existisse,
onde
existiriam
os
seres
humanos?
d. J
Plato
dizia
que
a
alma
imortal.
3.6.
Circularidade
Talvez
seja
algo
desencorajador
descobrir
que
a
definio
dada
de
raciocnio
circular
(mas
ilustrativo
da
dificuldade
de
teorizar
rigorosamente).
circular
porque
usa
o
conceito
de
sustentar
uma
proposio
e
dificilmente
quem
no
sabe
o
que
um
racioc-
nio
sabe
o
que
fazer
tal
coisa.
Apesar
da
circularidade,
usmos
o
conceito
por
duas
razes.
Primeiro,
porque
no
se
v
que
outro
conceito
no-circular
adequado
poderia
ter
sido
usado.
Estabelecer,
concluir,
provar
ou
demonstrar
so
to
circulares
quan-
to
sustentar
(e
h
um
conceito
lgico
de
demonstrao
que
se
aplica
exclusivamente
a
raciocnios
correctos,
o
que
tornaria
a
definio
errada).
Justificar
um
candidato
melhor,
e
razovel
us-lo,
mas
duvidoso
que
num
raciocnio
se
vise
literalmente
justificar
uma
proposio
com
base
noutras,
porque
duvidoso
que
uma
proposio
seja
o
gnero
de
entidade
literalmente
susceptvel
de
jus-
tificao.
A
justificao
um
conceito
epistmico,
que
diz
respeito
a
agentes
cognitivos,
como
pessoas,
e
parece
literalmente
aplicvel
apenas
a
crenas10
e
no
a
proposies.
Quando
uma
pessoa
usa
um
raciocnio
para
justificar
uma
crena,
o
raciocnio
literal
no
,
por
exemplo,
Fernando
Pessoa
no
era
solteiro
porque
era
casado,
mas
antes
Creio
que
Fernando
Pessoa
no
era
solteiro
porque
creio
que
no
era
casado:
a
sim-
ples
verdade
da
premissa
de
um
raciocnio
e
a
simples
existncia
desse
raciocnio
inerte
no
que
respeita
justificao
da
crena
de
uma
pessoa,
a
menos
que
essa
pessoa
acredite
na
premissa
do
raciocnio
e
raciocine.
A
segunda
razo
que
as
pessoas
j
tm,
de
facto,
uma
concepo
vaga
de
racio-
cnio
e
tambm
de
sustentar
ou
defender
ideias.
Assim,
apesar
de
circular,
a
definio
esclarecedora
porque
usa
conceitos
que
as
pessoas
j
conhecem
vagamente
mas
articu-
la-os
de
um
modo
rigoroso
e
informativo.
10
Popularmente,
usa-se
o
termo
crena
como
sinnimo
de
crena
religiosa,
mas
no
o
faze-
mos
em
filosofia,
entendendo-se
que
uma
crena
qualquer
representao
verdadeira
ou
falsa
que
al-
gum
faz
da
realidade,
pelo
que
tanto
h
crenas
religiosas
como
cientficas,
matemticas
e
quotidianas.
21/10/2013
15
A
circularidade
por
vezes
inevitvel,
e
nem
sempre
viciosa.
Quando
a
circula-
ridade
alarga
a
nossa
compreenso
e
introduz
rigor,
como
no
caso
da
nossa
definio
de
raciocnio,
virtuosa
e
no
viciosa.
Exerccios
1. Explique
por
que
razo
a
definio
dada
de
raciocnio
circular.
2. Explique
em
que
caso
a
circularidade
de
uma
definio
no
viciosa.
4.
Argumento
e
persuaso
Uma
inferncia
o
mesmo
do
que
um
raciocnio;
acontece
apenas
que
a
palavra
me-
nos
comum.
comum
usar
o
termo
argumento
igualmente
como
sinnimo
de
racio-
cnio
e
inferncia;
contudo,
esclarecedor
distinguir
argumento
de
raciocnio.
Deste
ponto
de
vista,
os
argumentos
acrescentam
uma
componente
importante
aos
racioc-
nios,
de
modo
que
todos
os
argumentos
so
raciocnios,
mas
nem
todos
os
raciocnios
so
argumentos.
Uma
definio
razovel
de
argumento
a
seguinte:
21/10/2013
16
irracional.
Porm,
nem
toda
a
publicidade
assim:
publicitar
um
produto
pelo
que
re-
almente
,
e
persuadir
quem
j
queria
algo
nessa
linha,
nem
sempre
um
caso
de
per-
suaso
irracional.
Na
persuaso
irracional
tudo
o
que
conta
o
resultado
final:
a
persuaso
da
ou-
tra
pessoa.
Grande
parte
do
debate
poltico
precisamente
assim:
as
pessoas
argumen-
tam
entre
si,
mas
no
querem
saber
se
os
argumentos
so
realmente
bons
ou
no,
pois
tudo
o
que
conta
a
persuaso
dos
outros.
Em
contraste,
quando
usamos
a
argumenta-
o
como
um
instrumento
da
descoberta
e
compreenso
das
coisas,
o
que
nos
interessa
no
a
persuaso
a
todo
o
custo
da
outra
pessoa,
mas
apenas
o
trabalho
colaborativo
de
procurar
boas
razes
a
favor
ou
contra
uma
dada
ideia.
Quando
entendemos
a
argumen-
tao
deste
modo,
um
dos
mais
importantes
instrumentos
de
descoberta
e
compreen-
so
das
coisas.
Exerccios
1. Explique
a
diferena
entre
a
persuaso
racional
e
a
irracional.
2. Concorda
com
a
diferena
estabelecida
entre
raciocnio
e
argumento?
Porqu?
5.
Indicadores
e
entimemas
Nem
todos
os
textos
so
sobretudo
inferenciais;
muitos
textos
so
sobretudo
informati-
vos,
ou
poticos,
ou
confessionais.
Por
outro
lado,
mesmo
num
texto
sobretudo
inferen-
cial
nem
tudo
so
inferncias:
h
tambm
explicaes,
descries
e
esclarecimentos,
en-
tre
outras
coisas.
Isto
significa
que
precisamos
de
saber
encontrar
inferncias
nos
textos
(e
tambm
quando
as
pessoas
falam).
Uma
maneira
de
ver
se
um
texto
tem
inferncias
procurar
indicadores
de
con-
cluso.
Os
indicadores
de
concluso
so
expresses
da
lngua
portuguesa
que
indicam
que
a
proposio
seguinte
uma
concluso.
As
proposies
anteriores
por
vezes
so
as
premissas,
mas
nem
sempre.
Eis
alguns
desses
indicadores
de
concluso:
Logo,
Por-
tanto,
Consequentemente,
Por
isso,
Por
conseguinte,
Implica
que,
Da
que,
Segue-se
que,
Infere-se
que,
Como
tal.
Depois
de
encontrar
a
concluso
ou
as
concluses
de
um
texto
mais
fcil
encon-
trar
as
premissas.
Estas
so
tambm
por
vezes
acompanhadas
de
indicadores
de
pre-
missa,
que
assinalam
a
ocorrncia
posterior
de
uma
premissa:
Porque,
Pois,
Da-
do
que,
Visto
que,
Devido
a,
A
razo
que,
Admitindo
que,
Sabendo-se
que,
Supondo
que,
J
que.
21/10/2013
17
Eis
um
exemplo
de
um
texto
filosfico
no
qual
o
indicador
de
concluso
usado
de
um
modo
que
nos
permite
ver
com
muita
clareza
a
estrutura
do
raciocnio:
Se
aquilo
mais
grandioso
do
que
o
qual
nada
pode
ser
pensado
existisse
apenas
no
entendimento,
este
mesmo
ser
mais
grandioso
do
que
o
qual
nada
pode
ser
pensado
seria
algo
mais
grandioso
do
que
o
qual
algo
pode
ser
pensado.
Mas
isto
obviamente
impossvel.
Logo,
no
h
qualquer
dvida
de
que
aquilo
mais
grandioso
do
que
o
qual
nada
pode
ser
pensado
existe
tanto
no
entendimento
como
na
realidade.
(Anselmo
Proslogion
2)
Premissa
1:
Se
aquilo
mais
grandioso
do
que
o
qual
nada
pode
ser
pensado
exis-
tisse
apenas
no
entendimento,
este
mesmo
ser
mais
grandioso
do
que
o
qual
na-
da
pode
ser
pensado
seria
algo
mais
grandioso
do
que
o
qual
algo
pode
ser
pen-
sado.
Premissa
2:
falso
que
o
ser
mais
grandioso
do
que
o
qual
nada
possa
ser
pen-
sado
seja
algo
mais
grandioso
do
que
o
qual
algo
possa
ser
pensado.
Concluso:
O
ser
mais
grandioso
do
que
o
qual
nada
pode
ser
pensado
no
existe
apenas
no
entendimento.
O
ser
mais
grandioso
do
que
o
qual
nada
pode
ser
pensado
,
do
ponto
de
vista
de
An-
selmo,
Deus.
Este
o
famoso
argumento
de
Anselmo
a
favor
da
existncia
de
Deus,
a
que
sculos
depois
Kant
chamou
argumento
ontolgico.
Eis
agora
um
raciocnio
cuja
estrutura
bastante
menos
bvia:
Quer
Deus
impedir
o
mal
mas
no
pode?
Ento
impotente.
Pode
mas
no
quer?
Ento
malvolo.
Quer
e
pode?
De
onde
vem
ento
o
mal?
(Hume
1779:
Parte
X)11
11
Este
texto
atribudo
por
Hume
a
Epicuro,
mas
da
autoria
de
Lactncio,
que
o
atribui
(talvez
21/10/2013
18
Se
Deus
existe,
ou
impotente
para
impedir
o
mal
ou
malvolo.
Contudo,
Deus
no
impotente
nem
malvolo.
Logo,
Deus
no
existe.
Estes
dois
exemplos
ilustram
a
importncia
de
saber
lgica.
Primeiro,
porque
sem
saber
lgica
dificilmente
se
consegue
explicitar
e
reconstruir
os
raciocnios
presentes
nos
tex-
tos.
Apesar
de
a
explicitao
e
reconstruo
do
pensamento
de
Anselmo
ser
fcil
(menos
fcil
a
discusso
da
primeira
premissa),
no
caso
de
Hume
est
longe
de
ser
fcil.
Segundo,
note-se
que
os
dois
raciocnios
tm
concluses
opostas:
o
primeiro
conclui
que
Deus
existe,
o
segundo
que
no
existe.
Presumindo
que
duas
concluses
opostas
no
podem
ser
ambas
verdadeiras,
contramos
a
dvida
cognitiva
de
explicar
qual
dos
dois
raciocnios
tem
algo
de
errado.
Este
um
aspecto
em
que
o
compromisso
com
uma
vida
filosfica
faz
uma
grande
diferena:
sem
esse
compromisso,
uma
pessoa
v
o
conflito
de
concluses
como
uma
licena
para
escolher
a
que
lhe
agrada
s
porque
lhe
agrada,
ao
passo
que
quem
aceita
o
compromisso
de
uma
vida
filosfica
considera
que
a
sua
resposta
ao
conflito
de
concluses
tem
de
se
apoiar
nas
suas
prprias
razes,
que
devem
ser
maximamente
slidas
e
rigorosas,
coisa
que
no
possvel
fazer
adequa-
damente
sem
saber
lgica.
Quando
raciocinamos,
nem
sempre
explicitamos
todas
as
premissas;
quando
isso
acontece,
estamos
perante
um
entimema.
Por
exemplo,
O
Carlos
est
em
Paris
porque
no
est
em
Lisboa
um
raciocnio
que
no
explicita
uma
premissa
bvia:
Quem
est
em
Lisboa,
no
est
em
Paris.
Contudo,
nem
sempre
fcil
ver
que
premissa
oculta
de-
vemos
acrescentar
a
um
raciocnio.
Uma
pessoa
que
defenda
que
a
droga
deve
ser
proi-
bida
porque
faz
mal
sade
poder
no
aceitar
a
premissa
de
que
tudo
o
que
faz
mal
sade
deve
ser
proibido,
pois
nesse
caso
teria
de
aceitar
a
proibio
de
estilos
de
vida
radicalmente
sedentrios.
Exerccios
1. Identifique
as
premissas
e
as
concluses
dos
seguintes
raciocnios,
reescrevendo-os
de
ma-
neira
explcita:
a. Dado
que
tanto
os
homens
como
as
mulheres
contribuem
de
igual
modo
para
a
soci-
edade,
no
deve
haver
qualquer
discriminao
entre
os
sexos.
b. Nunca
devemos
faltar
ao
prometido.
Se
faltarmos
ao
prometido,
depois
ningum
confia
em
ns.
E
nesse
caso
teremos
muitos
problemas.
c. Se
no
houvesse
vida
alm
da
morte,
a
vida
no
faria
sentido.
Dado
que
a
vida
faz
sentido,
tem
de
haver
vida
alm
da
morte.
d. A
prova
de
que
eu
no
posso
ser
uma
iluso
o
prprio
facto
de
eu
estar
agora
a
pensar.
21/10/2013
19
e. Claro
que
Deus
existe!
Ainda
se
a
vida
no
fizesse
sentido,
eu
poderia
admitir
que
Deus
no
existe.
Mas
s
um
tolo
poder
pensar
que
a
vida
no
faz
sentido,
como
evidente.
f. Como
pode
algum
imaginar
sequer
que
h
responsabilidade
moral?
A
responsabili-
dade
moral
no
passa
de
uma
fico
dos
filsofos
e
juzes!
Na
verdade,
est
tudo
de-
terminado.
E
como
tudo
est
determinado,
a
responsabilidade
moral
no
possvel.
Mas
mesmo
que
nem
tudo
estivesse
determinado,
como
seria
possvel
a
responsabi-
lidade
moral?
Mesmo
neste
caso,
a
responsabilidade
moral
seria
uma
iluso.
2. Tente
explicitar
as
premissas
ocultas
dos
seguintes
raciocnios:
a. A
droga
devia
ser
proibida
porque
provoca
a
morte.
b. A
homossexualidade
deve
ser
permitida
porque
natural.
c. A
vida
no
tem
sentido
porque
no
fim
acabamos
todos
por
morrer.
d. Se
Deus
no
existisse,
a
vida
no
faria
sentido.
Portanto,
Deus
existe.
e. Se
a
msica
bela,
arte.
Logo,
arte.
6.
Validade
H
trs
critrios
importantes
para
avaliar
os
raciocnios
quanto
sua
correco.
O
pri-
meiro
deles
a
validade;
os
mtodos
maximamente
rigorosos
que
iremos
desenvolver
dizem
respeito
apenas
a
este
conceito.
Por
isso,
temos
de
ter
uma
compreenso
muito
segura
da
validade.
A
primeira
coisa
a
dizer
sobre
o
conceito
lgico
e
filosfico
de
validade
que
no
devemos
confundi-lo
com
os
conceitos
comuns
associados
mesma
palavra.
Comum-
mente,
dizer
que
uma
ideia
vlida,
por
exemplo,
dizer
que
tem
valor,
de
aplaudir,
ou
interessante,
ou
tem
aplicao;
outras
vezes,
dizemos
tambm
que
uma
teoria
cien-
tfica
vlida,
querendo
dizer
que
verdadeira,
mas
de
algum
modo
sentimos
que
menos
ingnuo
ou
mais
chique
dizer
que
vlida;
finalmente,
usa-se
esse
termo
para
falar
das
teorias
cientficas
porque
sabemos
que
estas
tm
supostamente
a
caractersti-
ca
de
ser
empiricamente
validadas,
o
que
faz
pensar
que
em
vez
de
serem
verdadeiras
so
vlidas.
Em
lgica,
o
conceito
de
validade
no
tem
qualquer
relao
relevante
com
os
usos
do
termo
ilustrados
no
pargrafo
anterior.
Pelo
contrrio,
trata-se
de
um
conceito
muito
rigoroso,
explicitamente
definido
como
se
segue:
Eis
um
exemplo
muito
bvio
de
uma
validade
dedutiva:
Alguns
filsofos
so
gregos;
logo,
alguns
gregos
so
filsofos.
No
muito
difcil
ver
que
no
h
qualquer
maneira
de
a
premissa
ser
verdadeira
e
a
concluso
falsa.
por
isso
que
este
raciocnio
deduti-
vamente
vlido.
21/10/2013
20
O
primeiro
aspecto
a
notar
que
no
definimos
a
validade
em
geral,
mas
antes
a
validade
dedutiva,
que
um
dos
dois
tipos
de
validade.
O
outro
tipo
de
validade
a
in-
dutiva,
que
ser
apresentado
e
discutido
na
seco
10
deste
captulo.
O
segundo
aspecto
a
notar
que,
uma
vez
mais,
estamos
perante
uma
definio
rigorosa,
em
termos
de
condies
necessrias
e
suficientes.
A
definio
acima
ser
posta
em
causa
no
Captulo
10.
Para
j,
contudo,
temos
de
compreend-la
cuidadosamente
e
compar-la
com
outras
maneiras
de
tentar
exprimi-la
mas
que,
ou
so
menos
compreensveis,
ou
so
enganadoras
ou
esto
erradas.
Exerccios
1. D
um
exemplo
de
um
raciocnio
obviamente
invlido
com
premissa
e
concluso
verdadeira,
e
explique
por
que
razo
invlido.
2. D
um
exemplo
de
um
raciocnio
obviamente
vlido
com
concluso
falsa,
e
explique
por
que
razo
vlido.
3. Complete
a
tabela
seguinte
com
a
palavra
invlido,
se
for
isso
que
se
infere
correctamente
da
definio
de
validade
dedutiva,
ou
indeterminado,
se
nada
se
infere
correctamente
da
mesma
definio:
21/10/2013
21
Concluso
verdadeira
Concluso
falsa
Premissas
verdadeiras
Premissas
falsas
dequado.
21/10/2013
22
os
automveis
tm
cor
e
as
peas
que
os
constituem
tambm.
Por
isso,
por
que
razo
no
h
proposies
vlidas,
tal
como
h
raciocnios
vlidos?
No
h
proposies
vlidas
porque
a
validade
uma
caracterstica
da
relao
en-
tre
proposies;
diz
respeito
exclusivamente
a
essa
relao,
e
no
s
proposies
em
si.
Quando
duas
proposies
esto
relacionadas
de
tal
modo
que
impossvel
uma
delas
ser
verdadeira
e
a
outra
falsa,
temos
os
ingredientes
necessrios
para
a
validade;
sem
essa
relao
especial
no
h
validade.
A
validade
diz
respeito
a
um
tipo
de
relao
que
as
proposies
tm
entre
si,
e
no
s
proposies
em
si.
Por
outro
lado,
nenhum
raciocnio
verdadeiro
nem
falso.
Concluir
que
um
raci-
ocnio
verdadeiro
porque
composto
de
proposies
verdadeiras
cometer
um
erro
simtrico
ao
anterior:
a
falcia
da
composio.
Cometemos
a
falcia
da
composio
quando
do
facto
de
as
partes
de
um
todo
terem
uma
dada
caracterstica
conclumos
que
o
todo
tambm
as
tem.
Trata-se
de
uma
falcia
porque
nem
sempre
isso
acontece,
ainda
que
acontea
por
vezes:
os
tijolos
que
compem
uma
casa
tm
quarenta
centmetros,
mas
a
casa
no
tem
quarenta
centmetros.
No
se
conclui
correctamente,
pois,
que
um
raciocnio
verdadeiro
s
porque
constitudo
por
proposies
verdadeiras.
Uma
vez
mais,
contudo,
por
que
razo
no
h
raciocnios
verdadeiros?
Porque
os
raciocnios
no
so
asseres.
A
frase
Newton
viveu
em
Londres
uma
assero,
mas
o
raciocnio
Newton
viveu
em
Londres,
logo
viveu
na
Inglaterra
no
uma
assero:
antes
visa
sustentar
a
concluso
com
base
na
premissa.
Exerccios
1. Distinga
rigorosamente
a
validade
da
verdade.
2. H
raciocnios
verdadeiros
porque
estes
so
constitudos
por
proposies
e
estas
so
ver-
dadeiras.
Explique
o
que
est
errado
neste
raciocnio.
3. Explique
por
que
razo
no
se
infere
correctamente
do
facto
de
um
raciocnio
ser
invlido
que
a
sua
concluso
falsa.
21/10/2013
23
6.4.
Concluso
contida
das
premissas
Ser
que
nos
raciocnios
dedutivos
vlidos
as
concluses
esto
contidas
nas
premissas?
Se
o
estivessem,
que
sentido
de
estar
contido
seria
esse?
Literalmente,
um
carro
est
contido
numa
garagem
quando
est
dentro
da
garagem.
Evidentemente,
a
concluso
de
um
raciocnio
no
est
contida
nas
premissas
do
mesmo
modo.
Talvez
se
trate
ento
da
ideia
de
que
nada
de
novo
h
na
concluso
que
no
esteja
j
afirmado
nas
premissas:
no
raciocnio
Alguns
lisboetas
visitam
Paris,
logo
alguns
visitantes
de
Paris
so
lisboetas
a
concluso
est
contida
na
premissa
no
sentido
em
que
se
limita
a
inverter
os
termos
lisboetas
e
Paris.
Isto
poder
fazer
ento
pensar
que
isso
que
caracteriza
a
validade
dedutiva:
a
concluso
seria
uma
mera
variao
verbal
das
premissas,
digamos,
e
seria
isso
que
teramos
em
mente
com
a
ideia
de
a
concluso
estar
contida
nas
premissas.
Porm,
esta
ideia
falsa
porque
h
raciocnios
cuja
concluso
est
contida
nas
premissas,
nesse
sentido
de
estar
contido,
mas
que
no
so
dedutivamente
vlidos,
como
o
caso
de
Todos
os
filsofos
so
seres
humanos,
logo
todos
os
seres
humanos
so
filsofos.
Isto
mostra
que
no
verdade
que
se
num
raciocnio
a
concluso
estiver
contida
nas
premissas,
esse
raciocnio
dedutivamente
vlido.
Por
outro
lado,
h
raciocnios
dedutivamente
vlidos
em
que
a
concluso
no
es-
t
contida
nas
premissas:
Se
Ea
tivesse
nascido
em
Paris,
seria
francs;
mas
ele
no
era
francs;
logo,
no
nasceu
em
Paris.
Este
raciocnio
obviamente
vlido,
mas
a
con-
cluso
no
est
contida
em
qualquer
uma
das
premissas.
O
mesmo
acontece
no
racioc-
nio
seguinte:
Hegel,
Kant
e
Frege
so
alemes;
logo,
h
pelo
menos
trs
alemes.
Neste
caso,
o
raciocnio
dedutivamente
vlido,
mas
a
concluso
no
parece
contida
na
pre-
missa.13
Uma
maneira
de
responder
a
estas
objeces
mudar
o
entendimento
do
que
significa
dizer
que
as
concluses
dos
raciocnios
dedutivamente
vlidos
esto
contidas
nas
premissas,
afirmando
ento
que
queremos
dizer
que
as
premissas
implicam
a
con-
cluso.
Todavia,
isso
limita-se
a
tornar
esta
definio
equivalente
definio
que
usa
o
conceito
de
implicao,
que
iremos
agora
discutir.
6.5.
Implicao
Considere-se
a
seguinte
definio:
Um
raciocnio
dedutivamente
vlido
se
e
s
se
as
premissas
implicam
a
concluso.
Esta
definio
est
correcta
e
equivalente
nossa,
mas
enganadora
se
no
explicarmos
depois
o
conceito
de
implicao.
O
que
isso
de
as
premissas
implicarem
a
concluso?
A
definio
correcta
a
seguinte:
13
Esta
objeco
semelhante
de
Russell
1912:
138.
21/10/2013
24
Uma
proposio
implica
outra
se
e
s
se
impossvel
que
a
primeira
seja
verdadeira
e
a
segunda
falsa.
Como
se
v,
esta
definio
alternativa
acaba
por
nos
obrigar
a
usar
a
ideia
de
que
na
va-
lidade
dedutiva
h
uma
impossibilidade
que
diz
respeito
relao
entre
proposies.
21/10/2013
25
pressupe
falsamente
que
a
lgica
trata
de
estabelecer
verdades
necessrias,
vtima
tal-
vez
de
uma
definio
errada
que
comete
o
deslize
da
modalidade.
Segundo,
porque
mesmo
que
isso
acontecesse,
a
lgica
continuaria
a
ser
relevante
na
filosofia
porque
grande
parte
das
proposies
filosficas
que
desejamos
esclarecer
e
discutir
so
neces-
sariamente
verdadeiras,
se
forem
verdadeiras.
Por
exemplo,
se
for
imoral
maltratar
as
pessoas
por
prazer,
ser
necessariamente
imoral
maltrat-las:
no
haver
circunstncia
alguma
em
que
ser
moral
maltratar
pessoas
por
prazer.
21/10/2013
26
Para
corrigir
a
definio
seria
necessrio
dizer
que
um
raciocnio
dedutivamen-
te
vlido
se
e
s
se
necessariamente
preserva
a
verdade,
explicando-se
ento
que
a
ver-
dade
necessariamente
preservada
quando
impossvel
que
as
premissas
sejam
ver-
dadeiras
e
a
concluso
falsa
o
que
nos
conduz
nossa
definio
original.
7.
Validades
vcuas
A
validade
uma
condio
necessria
para
que
tenhamos
um
bom
raciocnio,
mas
no
suficiente.
O
caso
das
validades
vcuas
torna
isso
particularmente
bvio.
Considere-se
o
raciocnio
seguinte:
A
vida
tem
sentido;
logo,
a
vida
tem
sentido.
No
,
obviamente,
um
raciocnio
particularmente
recomendvel;
contudo,
segundo
a
nossa
definio,
um
raciocnio
dedutivamente
vlido
porque
impossvel
ter
premissa
verdadeira
e
conclu-
so
falsa.
Considere-se
agora
o
seguinte
raciocnio:
2
+
2
=
5;
logo,
Deus
existe.
bvio
que
tambm
este
um
raciocnio
dedutivamente
vlido,
uma
vez
que
no
h
maneira
de
a
premissa
ser
verdadeira
e
a
concluso
falsa
mas
isso
apenas
porque
no
h
ma-
neira
de
premissa
ser
verdadeira.
Tambm
este
raciocnio
pssimo,
apesar
de
deduti-
vamente
vlido.
O
terceiro
tipo
de
validades
dedutivas
vcuas
exemplificado
pelo
seguinte
raci-
ocnio:
Descartes
era
francs;
logo,
2
+
2
=
4.
Tambm
neste
caso
se
trata
de
uma
vali-
dade
dedutiva,
segundo
a
nossa
definio,
porque
impossvel
que
a
premissa
seja
ver-
dadeira
e
a
concluso
falsa
mas
isso
apenas
porque
no
h
maneira
de
concluso
ser
falsa.
Tambm
este
raciocnio
pssimo,
apesar
de
dedutivamente
vlido.
Temos
assim
trs
tipos
de
validades
dedutivas
vcuas:
quando
a
concluso
igual
a
pelo
menos
uma
das
premissas,
quando
as
premissas
no
podem
ser
verdadeiras
ou
quando
a
concluso
no
pode
ser
falsa.
Perante
estes
casos,
uma
sada
alterar
a
definio
de
validade
dedutiva.
Outra
sada
aceitar
que
h
validades
dedutivas
vcuas,
e
insistir
que
isso
no
tem
assim
tan-
ta
relevncia
porque
tambm
h
validades
dedutivas
que
no
so
vcuas.
Esta
ltima
sada
ser
adoptada
por
ns,
e
a
mais
comum.
Exerccios
1. O
que
so
validades
dedutivas
vcuas?
Explique
e
recorra
a
exemplos
originais.
2. Que
tipos
de
validades
dedutivas
vcuas
existem?
Recorra
a
exemplos
originais.
3. Formule
e
discuta
maneiras
de
mudar
a
definio
de
validade
dedutiva
de
modo
a
excluir
as
validades
dedutivas
vcuas.
21/10/2013
27
8.
Solidez
e
raciocnios
em
cadeia
Mesmo
que
alteremos
a
definio
de
validade
dedutiva
de
um
modo
que
exclua
as
vali-
dades
vcuas,
a
validade
continuar
a
ser
apenas
uma
condio
necessria,
mas
no
su-
ficiente
do
raciocnio
correcto.
Pois
considere-se
o
seguinte
raciocnio:
Se
Ea
no
era
um
ser
humano,
escreveu
Os
Maias;
contudo,
ele
no
escreveu
tal
obra;
logo,
era
um
ser
humano.
A
concluso
verdadeira,
e
o
raciocnio
dedutivamente
vlido.
Contudo,
mesmo
assim
um
mau
raciocnio,
pois
parte
de
premissas
falsas.
Neste
caso,
a
concluso
verdadeira;
mas
se
raciocinarmos
com
premissas
falsas,
a
validade
dedutiva
no
ga-
rante
a
verdade
da
concluso.
Precisamos,
pois,
de
raciocinar
com
premissas
verdadei-
ras,
ou
pelo
menos
plausveis
(ou
seja,
que
nos
paream
verdadeiras):
21/10/2013
28
SC.
E
tu
dirs
que
falar
e
usar
palavras
a
mesma
coisa?
ALC.
Claro.
SC.
Mas
quem
usa
e
o
que
ele
usa
so
coisas
diferentes,
no?
ALC.
Que
queres
dizer?
SC.
Por
exemplo,
no
verdade
que
um
sapateiro
usa
diversas
ferramentas?
ALC.
Sim.
SC.
E
quem
faz
os
cortes
e
usa
as
ferramentas
muito
diferente
daquilo
que
se
usa
ao
fazer
os
cortes,
no?
ALC.
Claro.
SC.
E,
do
mesmo
modo,
o
que
o
harpista
usa
ao
tocar
harpa
ser
diferente
do
prprio
harpista?
ALC.
Sim.
SC.
Pois
bem!
Era
isto
que
eu
perguntava
h
pouco:
se
quem
usa
e
o
que
ele
usa
so
sempre,
na
tua
opinio,
duas
coisas
diferentes.
ALC.
So
coisas
diferentes.
SC.
Que
dizer
ento
do
sapateiro?
Ele
faz
cortes
s
com
as
ferramentas,
ou
tambm
com
as
mos?
ALC.
Tambm
com
as
mos.
SC.
Portanto,
ele
usa
tambm
as
mos?
ALC.
Sim.
SC.
E
ele
usa
tambm
os
olhos,
ao
fazer
sapatos?
ALC.
Sim.
SC.
E
j
admitimos
que
quem
usa
e
o
que
ele
usa
so
coisas
diferentes?
ALC.
Sim.
SC.
Ento
o
sapateiro
e
o
harpista
so
diferentes
das
mos
e
olhos
que
eles
usam
no
seu
trabalho?
ALC.
Evidentemente.
SC.
E
o
homem
usa
tambm
todo
o
seu
corpo?
ALC.
Sem
dvida.
SC.
E
ns
dissemos
que
quem
usa
e
o
que
ele
usa
so
coisas
diferentes?
ALC.
Sim.
SC.
Ento
o
homem
diferente
do
seu
prprio
corpo?
ALC.
Parece
que
sim.
Plato,
Alcibades
I,
129b-129e14
Plato
apresenta
neste
excerto
razes
a
favor
de
uma
ideia
central:
a
ideia
de
que
o
ho-
mem
(passe
a
linguagem
sexista)
diferente
do
seu
prprio
corpo
talvez
porque
,
fundamentalmente,
uma
alma.
Esta
ideia
a
concluso
principal
do
texto
e
a
primeira
coisa
que
temos
de
saber
reconhecer.
Uma
vez
identificada
a
concluso
central
desta
passagem,
torna-se
mais
fcil
en-
contrar
os
raciocnios
que
a
sustentam.
Scrates
d-nos
vrios
exemplos
em
que
quem
usa
e
o
que
usado
so
diferentes,
sendo
esta
a
chave
para
compreender
o
raciocnio.
14
Apesar
de
muitssimo
usado
na
antiguidade
clssica
como
introduo
filosofia,
por
razes
evidentes,
este
dilogo
hoje
em
dia
menos
conhecido
porque
no
sc.
XVIII
Schleiermacher
ps
a
sua
au-
tenticidade
em
causa;
hoje
em
dia,
contudo,
muitos
eruditos
consideram-no
uma
obra
genuna
de
Plato.
21/10/2013
29
Assim,
o
raciocnio
principal
do
texto
apenas
este:
Quem
usa
uma
coisa
diferente
do
que
usado;
o
homem
usa
o
seu
prprio
corpo;
logo,
o
homem
diferente
do
seu
cor-
po.
Como
acontece
com
qualquer
raciocnio,
as
duas
primeiras
perguntas
relevantes
dizem
respeito
sua
validade
e
verdade
ou
plausibilidade
das
suas
premissas.
No
que
respeita
validade,
a
lgica
que
iremos
aprender
ser
suficiente
para
a
provar
e
esse
o
seu
papel
principal:
determinar
se
um
raciocnio
vlido
ou
no.
Se
um
raciocnio
no
for
vlido,
irrelevante
discutir
se
as
premissas
so
verdadeiras
ou
no
porque
num
ra-
ciocnio
invlido
as
premissas,
ainda
que
sejam
verdadeiras,
no
impedem
a
concluso
de
ser
falsa.
Quanto
verdade
ou
plausibilidade
das
premissas,
o
prprio
Scrates
que
faz
a
sua
defesa,
usando
dois
raciocnios
complementares.
O
primeiro
raciocnio
este:
Os
sapateiros
so
diferentes
das
ferramentas
que
usam;
os
harpistas
tambm;
logo,
quem
usa
uma
coisa
diferente
do
que
usado.
Este
raciocnio,
como
se
v,
tem
como
con-
cluso
a
primeira
premissa
do
raciocnio
principal.
O
segundo
raciocnio
secundrio
vi-
sa
sustentar
a
segunda
premissa
do
raciocnio
principal
e
este:
O
sapateiro
usa
as
mos
e
os
olhos
para
fazer
sapatos;
logo,
o
homem
usa
o
seu
prprio
corpo.
Como
neste
exemplo,
o
raciocnio
que
encontramos
nos
textos
geralmente
composto
de
raciocnios
elementares
ligados
em
cadeia,
tal
como
uma
casa
composta
por
tijolos
ligados
entre
si.
A
lgica
oferece-nos
instrumentos
rigorosos
para
examinar
cuidadosamente
estes
raciocnios
elementares.
Exerccios
1. Haver
raciocnios
slidos
com
concluso
falsa?
Porqu?
2. A
validade
irrelevante
porque
se
as
premissas
forem
falsas,
a
concluso
no
garantida-
mente
verdadeira.
Concorda?
Porqu?
3. A
validade
irrelevante
porque
nunca
podemos
saber
se
as
premissas
so
verdadeiras.
Concorda?
Porqu?
9.
Circularidade
e
cogncia
Considere-se
o
seguinte
exemplo
de
Plantinga
1974:
Ou
Deus
existe
ou
7
+
5
=
14;
fal-
so
que
7
+
5
=
14;
logo,
Deus
existe.
Este
raciocnio
vlido
porque
no
h
maneira
de
as
premissas
serem
verdadeiras
e
a
concluso
falsa.
Alm
disso,
a
primeira
premissa
verdadeira
porque
quando
afirmamos
algo
como
Ou
era
Kant
ou
era
Hume
que
era
alemo,
a
proposio
expressa
verdadeira
desde
que
uma
das
alternativas
seja
ver-
dadeira.
Quanto
segunda
premissa,
obviamente
verdadeira.
Consequentemente,
este
21/10/2013
30
um
raciocnio
slido.
Todavia,
est
longe
de
ser
um
raciocnio
adequado
para
susten-
tar
a
ideia
de
que
Deus
existe.
Porqu?
Porque
nem
todas
as
premissas
so
mais
plausveis
do
que
a
concluso.
A
segun-
da
premissa
bastante
mais
plausvel
do
que
a
concluso,
evidentemente;
mas
a
pri-
meira
no
o
.
A
primeira
premissa
s
verdadeira
caso
Deus
exista,
e
isso
precisa-
mente
o
que
a
concluso
afirma.
Isto
significa
que
o
raciocnio
circular:
uma
petio
de
princpio
ou
petitio
principii.
Um
raciocnio
uma
petio
de
princpio
se
e
s
se
pelo
menos
uma
das
premissas
no
mais
plausvel
do
que
a
concluso.
Para
ser
cogente,
um
raciocnio
tem
de
no
ser
uma
petio
de
princpio,
alm
de
ser
slido:
A
ideia
que
um
raciocnio
que
no
colhe
no
cogente,
havendo
trs
critrios
diferen-
tes
que
explicam
a
falta
de
cogncia:
no
ser
vlido,
no
ter
premissas
verdadeiras
ou
no
ter
premissas
mais
plausveis
do
que
a
concluso.
Uma
proposio
tanto
mais
plausvel
quanto
mais
parece
provavelmente
ver-
dadeira
a
uma
pessoa.
Isto
significa
que
em
alguns
casos
pessoas
diferentes
atribuem
diferentes
graus
de
plausibilidade
mesma
proposio.
Por
exemplo,
uma
pessoa
cien-
tificamente
informada
do
sc.
XXI
atribui
elevada
plausibilidade
proposio
de
que
a
Terra
se
move,
mas
uma
pessoa
do
sc.
V
a.C.
talvez
considere
que
essa
proposio
implausvel.
Isto
significa
que
um
raciocnio
no
ser
persuasivo
a
menos
que
parta
exclusi-
vamente
de
premissas
que
o
destinatrio
da
persuaso
considere
plausveis
ou
mais
plausveis
do
que
a
concluso.
Argumentar
circularmente
usar
pelo
menos
uma
pre-
missa
que
o
nosso
interlocutor
no
aceita
ou
considera
implausvel
porque
rejeita
a
concluso;
este
tipo
de
argumentao
no
racionalmente
persuasivo,
por
mais
que
os
raciocnios
sejam
vlidos.
A
exigncia
de
premissas
plausveis
ou
mais
plausveis
do
que
a
concluso
talvez
parea
redundante,
no
seguinte
sentido:
quando
um
raciocnio
slido,
por
definio,
tem
premissas
verdadeiras;
se
estas
so
verdadeiras
por
que
razo
temos
de
pedir
que,
alm
disso,
sejam
plausveis?
Porque
a
verdade
no
transparente;
as
pessoas
no
so
omniscientes
e
isso
significa
que
perante
uma
proposio
verdadeira
no
incomum
pensarem
erradamente
que
falsa.
Ora,
seria
irracional
uma
pessoa
aceitar
um
racioc-
nio
que,
apesar
de
slido,
tem
premissas
que
ela,
por
estar
enganada,
considera
que
so
falsas
ou
implausveis.
Para
ser
racional
da
parte
de
uma
pessoa
aceitar
um
raciocnio,
21/10/2013
31
ela
tem
de
considerar
que
as
premissas
so
verdadeiras;
no
basta
que
as
premissas
se-
jam
verdadeiras.
A
exigncia
de
premissas
mais
plausveis
do
que
a
concluso
aplica-se
argu-
mentao,
para
que
seja
racionalmente
persuasiva;
aplica-se
tambm
ao
raciocnio
indi-
vidual
quando
o
nosso
objectivo
descobrir
a
concluso
com
base
nas
premissas.
Con-
tudo,
no
se
aplica
tal
exigncia
quando
se
trata
de
raciocnios
explicativos.
Um
raciocnio
explicativo
quando
o
seu
objectivo
explicar
por
que
razo
uma
dada
proposio
que
j
consideramos
verdadeira
verdadeira.
Por
exemplo:
A
gua
ferve
a
cem
graus
Celcius,
ao
nvel
do
mar;
a
gua
na
chaleira
atingiu
a
temperatura
de
cem
graus,
e
estamos
ao
nvel
do
mar;
logo,
est
a
ferver.
Que
a
gua
da
chaleira
est
a
ferver
muito
mais
plausvel,
pois
podemos
v-lo
directamente,
do
que
o
facto
de
estar
a
cem
graus;
e
que
a
gua
ferve
a
cem
graus
Celcius
ainda
menos
plausvel,
pois
trata-
se
de
um
facto
cientfico
que
no
pode
ser
directamente
observado.
Assim,
este
racioc-
nio
tem
uma
concluso
muitssimo
mais
plausvel
do
que
qualquer
das
suas
premissas.
Contudo,
trata-se
de
um
bom
raciocnio
explicativo.
Assim,
a
exigncia
de
premissas
mais
plausveis
do
que
a
concluso
aplica-se
apenas
a
raciocnios
de
descoberta,
ou
a
argumentos,
mas
no
a
raciocnios
explicativos.
Estes
ltimos
no
precisam
de
ter
premissas
mais
plausveis
do
que
a
concluso
para
serem
cogentes.
Uma
vez
adequadamente
compreendidas
as
trs
condies
que
tornam
cogente
um
raciocnio
de
descoberta,
torna-se
mais
fcil
compreender
o
que
uma
falcia:
Isto
significa
que,
no
caso
dos
raciocnios
de
descoberta
e
dos
argumentos,
h
trs
tipos
gerais
de
falcias.
Alguns
raciocnios
so
falaciosos
porque
parecem
vlidos
mas
no
so;
o
caso
da
falcia
da
afirmao
da
consequente
e
da
negao
da
antecedente.
Outros
raciocnios
so
falaciosos
porque
parecem
ter
premissas
verdadeiras,
mas
no
tm:
o
caso
da
falcia
do
falso
dilema,
como
Ou
se
ama
ou
se
odeia
os
filmes
de
Kubrick;
dado
que
Verdi
no
os
ama,
odeia-os.
Este
raciocnio
falacioso
porque
se
baseia
numa
disjuno
falsa
que
primeira
vista
talvez
parea
verdadeira.
A
disjuno
falsa
porque
no
esgota
todas
as
possibilidades,
dado
que
uma
pessoa
pode
ser
indife-
rente
aos
filmes
de
Kubrick,
de
modo
que
nem
os
ama
nem
os
odeia.
Finalmente,
outros
raciocnios
(de
descoberta)
so
falaciosos
porque
parecem
ter
premissas
mais
plausveis
do
que
a
concluso,
mas
no
tm,
como
Uma
vez
que
a
vida
sagrada,
o
aborto
obviamente
imoral.
Este
raciocnio
falacioso
se
nos
der
a
21/10/2013
32
iluso
de
se
apoiar
numa
premissa
mais
plausveis
do
que
a
concluso,
coisa
que
de
fac-
to
no
faz
afinal,
to
implausvel
que
a
vida
seja
sagrada
que
muitas
pessoas
rejei-
tam
tal
ideia,
nomeadamente
porque
no
so
religiosas;
e
mesmo
as
pessoas
religiosas
que
comem
carne
de
vaca,
por
exemplo,
certamente
no
consideram
que
a
vida
das
va-
cas
sagrada.
Como
deveria
ser
evidente,
no
basta
um
raciocnio
parecer
vlido,
por
exemplo,
para
ser
falacioso
pois
muitos
raciocnios
realmente
vlidos
tambm
parecem
vli-
dos.
preciso
que,
alm
de
parecer
vlido,
o
raciocnio
no
o
seja
de
facto,
para
que
seja
falacioso
quanto
validade.
E
o
mesmo
acontece
com
respeito
verdade
das
premissas
e
maior
plausibilidade
destas
relativamente
concluso.
No
Captulo
12
voltaremos
a
estudar
as
falcias;
para
j,
basta
ver
que
so
parti-
cularmente
perigosas
precisamente
porque
parecem
raciocnios
cogentes
apesar
de
no
o
serem.
Exerccios
1. Considere
o
seguinte
raciocnio:
Os
animais
no
tm
direitos
porque
no
tm
deveres.
a. Explicite
a
premissa
suprimida.
b. O
raciocnio
reconstrudo
cogente?
Porqu?
2. Haver
raciocnios
cogentes
com
concluso
falsa?
Porqu?
3. Explique
o
que
h
de
errado
nas
seguintes
definies
de
falcia:
a. Um
raciocnio
falacioso
se
e
s
se
no
cogente.
b. Um
raciocnio
falacioso
se
e
s
se
parece
cogente.
21/10/2013
33
O
que
distingue
a
validade
dedutiva
da
indutiva?
A
primeira
e
mais
importante
diferena
que
na
validade
indutiva,
como
vimos,
no
impossvel15
que
as
premissas
sejam
verdadeiras
e
a
concluso
falsa;
apenas
improvvel.
Isto
significa
que
no
racio-
cnio
indutivo
h
um
elemento
de
risco
que
no
existe
no
raciocnio
dedutivo:
h
sem-
pre
a
possibilidade
de
a
concluso
ser
falsa,
apesar
de
todas
as
premissas
serem
verda-
deiras
e
de
o
raciocnio
ser
vlido.
A
segunda
diferena
entre
a
validade
dedutiva
e
a
indutiva
que
a
primeira
discreta
e
a
segunda
contnua.
O
que
isto
significa
que
no
primeiro
caso
os
raciocnios
ou
so
vlidos
ou
no,
sem
que
existam
graus
de
validade:
no
h
raciocnios
dedutivos
mais
vlidos
do
que
outros.
No
caso
indutivo,
contudo,
precisamente
isso
que
aconte-
ce:
alguns
raciocnios
indutivos
so
mais
vlidos
do
que
outros,
porque
mais
improv-
vel
que
tenham
premissas
verdadeiras
e
concluso
falsa.
A
terceira
diferena
importante
que
a
validade
dedutiva
monotnica,
mas
a
indutiva
no
o
.
Um
raciocnio
vlido
monotnico
se
e
s
se
for
impossvel
acrescen-
tar
premissas
que
cancelem
a
validade;
e
no
monotnico
se
for
possvel
fazer
tal
coi-
sa.
Por
exemplo,
considere-se
o
raciocnio
dedutivo
vlido
seguinte:
No
h
justia
sem
igualdade;
em
Portugal
no
h
igualdade;
logo,
no
h
justia.
No
h
maneira
alguma
de
acrescentar
premissas
de
modo
a
cancelar
a
validade;
o
raciocnio
vlido
e
nada
se
pode
fazer
contra
isso:
tudo
o
que
podemos
fazer
encontrar
razes
para
pensar
que
pelo
menos
uma
das
premissas
falsa,
implausvel
ou
menos
implausvel
do
que
a
con-
cluso,
mas
nada
disso
anula
a
validade
do
raciocnio
(apenas
anula
a
sua
cogncia).
Compare-se
com
o
raciocnio
indutivo
vlido
sobre
os
corvos
que
j
usmos
co-
mo
exemplo;
neste
caso,
acrescentar
a
premissa
At
hoje
s
observmos
dois
corvos
e
sabemos
que
existem
milhes
deles
anula
a
validade
que
o
raciocnio
eventualmente
tinha:
agora
no
improvvel
que
as
premissas
sejam
verdadeiras
e
a
concluso
falsa.16
Finalmente,
no
que
respeita
a
alguns
tipos
de
deduo,
dispomos
de
instrumen-
tos
maximamente
rigorosos,
o
que
no
acontece
no
caso
da
induo.
Isto
significa
que,
no
caso
de
alguns
tipos
de
deduo,
sabemos
distinguir
com
completo
rigor
os
racioc-
nios
vlidos
dos
invlidos
e
explicar
por
que
so
vlidos
ou
invlidos,
o
que
no
aconte-
ce
no
caso
da
induo.
A
rea
de
estudos
que
tem
por
objecto
alguns
tipos
de
deduo
a
lgica
formal,
cujo
estudo
constitui
a
quase
totalidade
deste
livro.
15
O
sentido
de
impossibilidade
aqui
em
causa
s
poder
ser
completamente
esclarecido
quando
termo validade para os raciocnios dedutivos, preferindo falar de fora no caso dos indutivos.
21/10/2013
34
A
razo
pela
qual
no
h
definies
adequadas
de
raciocnio
indutivo
ou
deduti-
vo,
mas
apenas
de
validade
dedutiva
ou
indutiva,
que
num
raciocnio
dedutivo
invli-
do
no
impossvel
que
as
premissas
sejam
verdadeiras
e
a
concluso
falsa,
e
por
vezes
nem
improvvel;
s
no
caso
de
raciocnios
dedutivos
e
indutivos
vlidos
h
diferenas
relevantes.
Dizemos
que
um
raciocnio
dedutivo
invlido
dedutivo
porque
vemos
que
se
visava
nesse
raciocnio
a
validade
dedutiva,
apesar
de
se
ter
fracassado;
e
o
mesmo
acontece
no
caso
indutivo.
No
verdade
que
a
diferena
entre
a
deduo
e
a
induo
seja
o
imaginado
fac-
to
de
no
primeiro
caso
se
partir
do
geral
para
o
particular,
sendo
que
no
segundo
se
par-
te
do
particular
para
o
geral.
Isto
porque
algumas
dedues
partem
do
particular
e
con-
cluem
o
particular
(como
Algumas
ideias
filosficas
so
difceis;
logo,
algumas
ideias
difceis
so
filosficas),
outras
partem
do
geral
e
concluem
o
geral
(como
A
felicidade
uma
condio
necessria
de
uma
existncia
com
sentido;
logo,
uma
existncia
com
sen-
tido
uma
condio
suficiente
da
felicidade).17
Alm
disso,
algumas
indues
partem
do
mais
geral
e
concluem
o
menos
geral,
como
o
caso
de
Todos
os
corvos
observados
at
hoje
so
pretos;
logo,
o
prximo
corvo
que
observarmos
ser
preto.
Exerccios
1. Explique
o
que
h
de
errado
na
seguinte
definio
de
induo:
Um
raciocnio
indutivo
se
e
s
se
no
impossvel
mas
improvvel
que
tenha
premissas
verdadeiras
e
concluso
fal-
sa.
2. Haver
raciocnios
indutivos
vlidos
com
concluso
falsa,
apesar
de
ter
premissas
verdadei-
ras?
Porqu?
3. O
que
significa
dizer
que
o
raciocnio
indutivo
no
monotnico?
D
exemplos
esclarecedo-
res
originais.
4. O
que
significa
dizer
que
o
raciocnio
indutivo
contnuo
e
no
discreto?
5. O
que
significa
dizer
que
no
raciocnio
indutivo
h
sempre
um
elemento
de
risco
que
no
existe
no
dedutivo?
17
E
h
at
dedues
que
partem
do
particular
e
concluem
o
geral
(como
Algumas
divindades
so
21/10/2013
35
11.
Tipos
de
raciocnio
Formal
Dedutivo
Semntico
e
conceptual
Raciocnio
Generalizao
e
previso
Argmento
de
Indutivo
autoridade
e
por
analogia
Abdutivo
S
no
Captulo
12
iremos
explorar
os
raciocnios
indutivos;
a
lgica
formal,
que
iremos
estudar
do
Captulo
2
ao
11,
ocupa-se
exclusivamente
do
raciocnio
dedutivo
formal.
Saber
exactamente
que
raciocnio
esse
a
primeira
tarefa
do
prximo
captulo.
Estudo
complementar
Um
dos
melhores
livros
sobre
lgica
formal,
mas
que
no
visa
ensin-la
em
pormenor,
Priest
2000.
Murcho
2003
tambm
poder
ser
proveitoso.
Santos
2012
uma
apresen-
tao
informativa
e
rigorosa
de
aspectos
centrais
da
lgica
formal.
Na
seco
de
Lgica
da
Crtica
(criticanarede.com)
esto
disponveis
vrios
artigos
elementares
informati-
vos,
sobre
vrios
aspectos
da
lgica,
formal
e
informal.
Weston
1992
e
Epstein
&
Carni-
elli
2009
exemplificam
algumas
das
aplicaes
da
lgica
informal
no
trabalho
de
avalia-
o
de
raciocnios.
Branquinho,
Murcho
&
Gomes
2006
uma
obra
de
consulta
informa-
tiva,
que
abrange
vrios
aspectos
da
lgica
formal
e
informal,
alm
de
reas
adjacentes.
Kenny
2007-2008
hoje
a
histria
da
filosofia
mais
adequada,
e
oferece
em
cada
um
dos
seus
volumes
um
captulo
sobre
a
lgica
do
respectivo
perodo
histrico
(a
nica
excepo,
claro,
o
perodo
moderno
por
razes
que
explico
em
Murcho
2012).
War-
burton
2007
um
pequeno
dicionrio
escolar
informativo
de
lgica
informal.
Kneale
&
Kneale
1962
ainda
hoje
uma
fonte
importante
de
informao
histrica
sobre
a
lgica.
21/10/2013 36