GOUVÊA, F. M. Os Imigrantes Alemães em Rio Claro PDF
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FRANCA
2011
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FRANCA
2011
3
CDD – 325.10943
4
BANCA EXAMINADORA
Presidente:___________________________________________________________________
Profª. Drª. Márcia Pereira da Silva
1º Examinador:_______________________________________________________________
2º Examinador:_______________________________________________________________
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, meu primeiro Pai e meu grande Pai onipotente, por
tudo que proporcionou à minha vida, por ter me dado forças nos momentos de dificuldade, e
por ter permitido minha formação tão rica nesta universidade, um sonho que, em muitos
momentos, pareceu inalcançável.
Agradeço a minha Mãe, Maria, que intercedeu por mim a Deus, e me auxiliou no
amparo nos momentos de dificuldade, como uma verdadeira Mãe faz com uma filha que
necessita de auxílio.
Dedico um agradecimento especial aos meus pais, Edna e Samuel, que, com tanto
esforço e dedicação fizeram com que a oportunidade de estudar nesta Universidade fosse
possível, e que o mestrado tornasse um sonho palpável. Agradeço-lhes pelo apoio, espiritual,
psicológico e material, a tríade que fez com que o sonho de uma pós-graduação em uma
Universidade Pública fosse possível. Obrigada, meus queridos pais! Amo-os infinitamente!
Agradeço à minha irmã Marina, que nos momentos de dificuldade, também me deu
um suporte especial. Muito obrigada por tudo, querida irmã! Agradeço também aos amigos
Marco e Claudio, que sempre me auxiliaram para o bom andamento e finalização deste
esforço de pesquisa, contribuindo não apenas com palavras de conforto nos momentos de
dificuldade, mas também com ações diversas, das quais me lembrarei para sempre. Muito
obrigada, queridos amigos!
Dedico um agradecimento especial ao meu orientador, o Prof. Dr. José Evaldo de
Mello Doin (in memoriam), que, enquanto muitos não acreditavam que a minha pesquisa
daria frutos, o professor Evaldo depositou sua confiança em mim. Os frutos da pesquisa que
fizemos em conjunto seguem nesse texto, que tem muito do saber desse grande homem.
Obrigada, por tudo, meu orientador, meu grande amigo, e também pai, em muitos momentos!
Obrigada!
Quero dar um grande agradecimento à amiga, mestre, e por hora também mãe, a
minha orientadora Profª. Drª. Márcia Pereira da Silva, que de uma maneira ou de outra,
sempre esteve presente, desde o início da pesquisa, auxiliando-me no desenvolvimento da
minha pesquisa desde a graduação. A professora Márcia sempre acreditou no meu potencial,
e me auxiliou em todas as circunstâncias do desenrolar desta pesquisa, incluindo os momentos
de dor e de muita dificuldade. Muito obrigada, Márcia, pela presença e auxilio em todos estes
momentos!
7
(Eclesiastes 3, 1-2)
9
RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo analisar as redes sociais estabelecidas pelos
imigrantes alemães em Rio Claro no período que compreende a segunda metade do século
XIX e o início do século XX. Muitos alemães se transferiram para Rio Claro no contexto da
crise da mão-de-obra escrava e chegaram ao Brasil para a lavoura do café. Obviamente, os
mesmos queriam novas oportunidades de vida, ao mesmo tempo em que desejavam
resguardar tradições, hábitos e costumes da terra natal. Para isso, tais imigrantes
estabeleceram determinadas redes sociais, sendo, algumas destas, objetos dessa investigação,
abrangendo três esferas sociais: Igreja, Escola e Clube de Ginástica, além de perpassar
algumas questões da política local. Utilizaremos como fonte principal o Arquivo da Igreja
Luterana, com assentos de batizado e casamento e documentos sobre a fundação da Escola
Alemã, da Igreja Alemã e do Clube de Ginástica no município de Rio Claro.
ABSTRACT
This study aims to analyze social networks established by German´s immigrants in Rio Claro
in the period of the second half of the nineteenth and early twentieth century. Many Germans
have moved to Rio Claro in the context of the crisis of slave labor in Brazil and came to the
coffee plantations. Obviously, they wanted new life opportunities, and on the other hand they
wanted to protect traditions, habits and customs of their homeland. To do so, such immigrants
have established certain social networks, objects of this investigation, particularly regarding
three social spheres: church, school and club gymnastics and, in addition, this study works
upon some issues of local politics. We will use as the main source file of the Lutheran
Church, with seating christening and marriage and documents about the founding of the
German School, the Church and the German Gymnastics Club in the city during the late
nineteenth century.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................84
12
REFERÊNCIAS......................................................................................................................89
ANEXOS..................................................................................................................................96
TABELA 4 Imigrantes saídos da hospedaria dos imigrantes de São Paulo com destino a
Rio Claro, por nacionalidade e sexo (1882-1885)...........................................40
TABELA 5 Imigrantes saídos da hospedaria dos imigrantes de São Paulo com destino a
Rio Claro, por nacionalidade e sexo (1886-1900)...........................................42
TABELA 6 Imigrantes saídos da hospedaria dos imigrantes em São Paulo com destino à
Rio Claro (1901-1920).......................................................................................47
TABELA 8 Profissão dos alemães mencionados nos registros da Igreja Luterana entre
os anos de 1866 a 1875, totalizando 324 registros de batismo, casamento,
sepultamento e confirmação.............................................................................49
INTRODUÇÃO
em sua religião, seu culto, seus costumes, sua constituição e suas leis políticas em
toda a esfera de suas instituições, seus acontecimentos e seus feitos. Esta é o seu
trabalho: um povo, é isso que é uma nação! Os povos são o que são os seus feitos.
(...) A função do indivíduo é apossar-se de sua existência material, tornando-a parte
de seu caráter e de sua capacidade, fazendo com que dessa maneira ele tenha um
lugar no mundo. Ele descobre a existência do povo a que pertence como um mundo
já estabelecido, um mundo estável, a que deve adaptar-se.”4
Segue os dados do IBGE (ver TABELA 1) com relação a imigração alemã para o
Brasil no período estudado:
Décadas 1824-47 1848-72 1872-79 1880-89 1890-99 1900-09 1910-19 1920-29 1930-39 1940-49 1950-59 1960-69
Imigrantes 8.176 19.523 14.325 18.901 17.084 13.848 25.902 75.801 27.497 6.807 16.643 5.659
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
10
RAMBO, "Nacionalidade e Cidadania". In: Os Alemães no Sul do Brasil: Cultura, Etnicidade e História.
Canoas: Ed. da ULBRA, 1994, p. 43.
11
ALVES, "A Imigração Alemã para o Brasil". In: JOCHEM, & ALVES, São Pedro de Alcântara: 170 anos
depois... São Pedro de Alcântara: Coordenação dos Festejos, 1999, p. 9. Salientamos que, além dos países acima
citados havia colônias alemãs na Rússia Meridional, da Bessarábia até o Cáucaso, nas estepes siberianas, às
margens do rio Wolga e os campos da Criméia, na antiga Turquestão e o rio Amur, na fronteira chinesa(antiga
União Soviética); na Namíbia; na Argélia; no México; na Venezuela e Nova Granada(Antilhas), em
Java(Oceânia), Sumatra entre outras regiões. Além de Hamburgo e Bremen eram utilizados os portos de Roterdã
- foz dos Rios Meusa e Reno; Antuérpia - foz do Rio Escalda; Havre de Grace - no canal da Mancha, na França;
Dunquerque, também na França, além de outros. Fonte: ABRANTES, Visconde de. "Memória sobre os meios de
Promover a Colonização". In: Revista de Imigração e Colonização. Rio de Janeiro, ano II, números 2-3, 1941,
pp. 834-5.
12
NADALIN, Imigração Alemã no Brasil: Dois Problemas. In: III Colóquio de Estudos Teuto-Brasileiros.
Porto Alegre: Editora da URGS, 1980, pp. 297-303.
18
Por sua vez, o Império Áustro-Húngaro era constituído pela Áustria (grande parte de
tchecos - Boêmia e Morávia - e pelos poloneses - Galícia). Ambos os países encontravam-se
unidos pela instituição monárquica, representada por Francisco José I, ao mesmo tempo
imperador da Áustria e rei da Hungria. Cada país responsabilizava-se pela respectiva
administração interna; a fusão, entretanto, configurava-se em questões relativas a política
externa, à economia e à guerra que eram regidas por ministérios comuns.
A antiga Confederação dos Estados Alemães e o Império Áustro-Húngaro e
imediações, ao longo da história, devido aos constantes processos de coalizões e
desintegrações territoriais dos séculos XIX e XX, através da "dança das fronteiras" deram
lugar a inúmeros países. Seus emigrantes que nos séculos XIX e XX instalaram-se no Brasil
contribuíram, sobremaneira, na formação sócio-econômico-político-cultural do povo
brasileiro.
Segundo a historiografia que abarca os estudos da urbanização nas “terras do café” as
diversas cidades e regiões do interior paulista não permaneceram excluídas das
modernizações do período14, mas, ao contrário, não foram poucos os casos em que o
desenvolvimento urbano nestas pequenas localidades antecipou-se às transformações
ocorridas em algumas capitais brasileiras. Rio Claro, por exemplo, era em 1879, depois da
chegada da cultura cafeeira, a terceira cidade do país a possuir energia elétrica, ficando atrás
somente do Rio de Janeiro e de Varginha.15
Tais questões relativas ao desenvolvimento da cafeicultura em Rio Claro são
abordadas no primeiro capítulo deste trabalho. Tratamos também da participação do senador
Nicolau de Campos Vergueiro na introdução do modelo de produção cafeeira com mão-de-
obra imigrante européia e sua vinculação à modernização e à imigração na cidade de Rio
Claro, destacando a chegada da ferrovia na região e também a formação da Sociedade do
Bem Commum,16 que visava trazer melhorias à cidade.
Com a cultura do café, a paisagem urbana de Rio Claro mudou: recebeu iluminação
com lampiões e luz elétrica, as ruas e praças foram arborizadas e pavimentadas, e as chácaras
do centro desapareceram.17 O primeiro capítulo da dissertação versa sobre as correntes
14
DOIN, Franca: Tese de Livre-Docência em História, Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP.
O capitalismo bucaneiro: dívida externa, materialidade e cultura na saga do café (1889-1930)
15
FERRAZ. História do Rio Claro (A sua vida, os seus costumes e os seus homens) – 1821 – 1827 – 1922, p.
79; MAGALHÃES. Força e luz: eletricidade e modernização na República Velha, p. 122.
16
Sociedade do Bem Commum foi o nome dado a um grupo de particulares que se uniu no município de Rio
Claro no Século XIX com o intuito de realizar melhorias públicas na cidade, assunto este que será melhor
explicitado no Primeiro Capítulo deste trabalho.
17
ALMEIDA, Atlas municipal e escolar: histórico geográfico ambiental, p. 26
19
migratórias que chegaram à cidade de Rio Claro, mostrando como se deu a socialização das
mesmas na região, principalmente no cenário urbano.
Sobre a imigração em Rio Claro é lícito afirmar que as correntes de alemães e suíços
aportados na região para trabalhar nas lavouras de café foram (direta ou indiretamente)
responsáveis pela modernização agrícola e urbana, sendo que muitos deles passaram a morar
na área urbanizada da cidade. Já em 1872, os alemães representavam cerca de 50% da
população estrangeira em Rio Claro.18 A redução do número de imigrantes alemães e suíços –
devido às restrições dos respectivos governos,19 forçou muitos cafeicultores a promover a
importação de uma grande leva de imigrantes italianos de forma a evitar uma crise na
economia cafeeira. Por outro lado, também os imigrantes alemães se tornaram pequenos
proprietários de terras e produtores de café, pois conseguiram comprar propriedades já em
decadência. Assim, também alguns alemães conseguiram se inserir nesse contexto da
produção cafeeira propriamente dita, o que também é tratado neste estudo.
O segundo capítulo do trabalho traça um panorama do desenvolvimento das redes de
sociabilidade dos imigrantes alemães na região de Rio Claro. Assim, abordamos, num
primeiro momento, a adaptação dos alemães na parte urbana de Rio Claro, mostrando a sua
acomodação no local, ou seja, sua organização social. Foi nesse momento que os imigrantes
alemães fundaram e organizaram a Igreja Luterana no município, iniciativa atrelada à
Fundação da Escola Alemã na cidade. Tais questões também são abordadas no Capítulo 3
deste estudo, que trata especificamente das questões da fundação da Igreja e da Escola Alemã.
As redes de sociabilidade construídas pelos alemães em nome da socialização com o
novo espaço que habitavam foram analisadas mais profundamente nos capítulos 3 e 4, por
meio de registros de batizados e casamentos dos anos de 1866 a 1875. Essas fontes primárias
estão disponíveis, e traduzidas para o português, com os originais transcritos em alemão, na
Igreja Evangélica de Confissão Luterana de Rio Claro. Esses laços sociais são desenvolvidos
no contexto da vida privada, e, em Rio Claro, a instituição da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana mostra que essa corrente migratória constituiu, de certa forma, uma endogamia, pois
se tornou uma comunidade fechada em si mesma num primeiro momento, obviamente tendo
em vista a proteção e o fortalecimento de laços internos para posterior inserção na sociedade
rio-clarense.
A solidariedade desenvolvida pelos imigrantes pode ser distinguida entre primária e
secundária, segundo Durkeim. A solidariedade social representada é a mais elementar,
18
Gráfico presente em: Ibid., p. 34
19
“A colônia Ibicaba – a influência da colônia Ibicaba no progresso de Rio Claro”, de PEREIRA. Museu
Histórico e Pedagógico “Amador Bueno da Veiga” – Almanaque: Rio Claro Sesquicentenária, p. 89-90.
20
CAPÍTULO 1
O DESCOMPASSO DE UMA LOCALIDADE
22
Rio Claro originou-se como local de pouso e parada no caminho para o Oeste do
Brasil para aqueles que queriam alcançar as terras de Goiás em busca do ouro. Foi desse
modo que ocorreu o desbravamento dos chamados Sertões de Araraquara, a oeste da cidade
de São Paulo.20 Porém, com a decadência da mineração, desenvolveu-se, no Brasil, a
economia da agricultura baseada na produção de açúcar, que, como o ouro, também visava o
mercado externo. Foi nesse cenário que Rio Claro surgiu: um entreposto, palco de um
comércio irregular de artigos de primeira necessidade, que atendia a uma população dispersa
por uma centena de anos. “Rio Claro passou a ser visto como boca do sertão, pois logo depois
dele começava, no planalto, o que os habitantes consideravam como realmente ermo, o Sertão
de Araraquara.”21
Em 1827 São João Batista do Rio Claro foi elevado à categoria de Capela Curada,
originando-se na Sesmaria da família Pereira, único local na região para o pernoite de animais
de transporte. No final do século XVIII, a região sofreu um grande movimento de apropriação
de terras com a disputa pela concessão de Cartas de sesmarias, grande parte pertencente a
famílias influentes, estabelecidas, com suas fazendas, nas regiões de Piracicaba, Itu e
Campinas (como é o caso do senador Vergueiro, que já possuía terras na região de
Campinas).
A partir da segunda metade do século XIX, a lavoura em Rio Claro deixou de ser a da
cana-de-açúcar e passou a ser a do café; também deixou de usar o trabalho escravo, passando
a utilizar o trabalho do imigrante europeu. Os fazendeiros investiam parte do capital
acumulado nas propriedades em Itu e Campinas na produção em Rio Claro. Em 1852, por
exemplo, havia no município dez grandes engenhos de açúcar, nove estabelecimentos de café,
e também diversas instalações voltadas para esse “ramo de cultura [o café], que, principiando
um, dois e três anos atrás, prometem para o futuro breve grande exportação.”22
Em julho de 1847, Vergueiro & Companhia (empresa do senador Nicolau de Campos
Vergueiro) fundou a primeira colônia agrícola Vergueiro na fazenda de Ibicaba, localizada
nos arredores de Rio Claro; ou seja, a primeira colônia agrícola na fazenda a contratar
20
Vide BILAC. As elites políticas de Rio Claro: recrutamento e trajetória, p. 30 e 31.
21
DEAN, op. cit., p. 21.
22
FERRAZ, op. cit., p. 39.
23
a importar 1000 colonos por ano, sem contar os menores de idade. Desse montante, a Casa
Vergueiro poderia reservar 400 para si, distribuindo os restantes pelas fazendas de São Paulo.
A remuneração, nessas colônias, era baseada no resultado das colheitas, no chamado
sistema de “parceria”, criado por Vergueiro: “a remuneração era proporcional ao café obtido
pela família colona, mas o pagamento do colono dependia da venda do café no mercado”.27
Pelo contrato dos parceiros de Ibicaba, por exemplo, o colono recebia uma
extensão de cafeeiros para cultura, colheita e melhoramento; participava na
proporção da quantidade que colhesse, do trabalho de preparação do café a ser
colocado no mercado; devia replantar as clareiras que se fizessem nos cafeeiros.
Após a venda do café o fazendeiro receberia metade do lucro líquido e o colono a
outra metade. O fazendeiro permitia ao colono tirar de lugares determinados de
suas terras os produtos necessários à sua alimentação; o fazendeiro não tinha parte
nos gêneros alimentícios que o colono produzisse para o seu consumo, mas recebia
metade do preço excedente dos mesmos produtos vendidos. Quanto às dívidas
contraídas com o fazendeiro (passagem, sustento nos primeiros tempos) metade no
mínimo da renda líquida anual dos colonos seria destinada a compensá-las.28
Para a relação das colônias de Parceria, segue quadro abaixo. (ver QUADRO 1).
NOME DO ANO DE
NOME DA COLÔNIA OBSERVAÇÕES
PROPRIETÁRIO FUNDAÇÃO
Benedito Antonio de “Fundada com 90 colonos,
Boa Vista 1852
Camargo teve depois mais de 200”
Dr. José Elias Pacheco
Beri 1852 “Fundada com 90 suíços”
Jordão
“Fundada com 18 colonos,
Pe. Manoel Rosa de
Corumbataí 1853 durou pouco mais de 1
Carvalho Pinto
ano”
Ten. Cel. João Ribeiro dos “Fundada com 21
São João do Morro Grande 1853
Santos Camargo portugueses”
Domingos José da Costa “Teve cerca de 100
São José do Corumbataí 1854
Alves colonos”
Anna Joaquina Nogueira “Fundada com 80 e poucos
Boa Vista (Morro Grande) 1855
Oliveira alemães”
“Fundada com 137 alemães
Angélica Casa Vergueiro & Cia. 1855
e 8 portugueses”
Dr. José Elias Pacheco
Covetinga 1855 “Fundada com 69 alemães”
Jordão
Domingos José da Costa “Fundada com 56
Sertão de Araraquara 1855
Xavier portugueses”
“fundada com colonos
Itaúbia Inácio Xavier de Negreiros 1857
vindos de outras colônias”
Fonte: Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de São Paulo pelo Dr. Jorge Tibiriçá, Secretário de Estado dos Negócios da
Agricultura, Commércio e Obras Públicas em 4.4.1893 – Rio de Janeiro, Typ. G. Ruizinger & Filho, 1893.
27
BEIGUELMAN, 1977, op. cit., p. 63
28
Idem, p. 62
25
Além de todos esses empecilhos, a maior parte dos trabalhadores alemães e suíços
vindos da Europa somente sabia desempenhar funções citadinas (tanoeiros, vidraceiros,
alfaiates, carpinteiros e operários de fábrica), não possuindo experiência no trabalho agrícola.
Tal característica é principalmente observada na primeira leva de imigração em Rio Claro,
que trouxe para o município famílias com saber técnico da Europa Industrial, muito diferente
do possuído por aqueles que já habitavam a região.
Como destaca o escritor Italo Calvino, objeto da atenção do olhar humano a cidade é
uma realidade múltipla, apreendida segundo perspectivas várias.31 Sendo assim, pode ser
percebida, entendida e interpretada como um fenômeno mental, físico, social, econômico,
instâncias de investigação em muitas ocasiões conciliáveis. No estudo proposto, tal
interpretação se dará num cenário de um grande descompasso urbanizador.
Daniel Kidder, pastor metodista que visitou a Fazenda Ibicaba durante o seu apogeu,
revelou que se surpreendeu ao ver lá carros movendo-se sobre eixos, fabricados na própria
fazenda por suíços, pois que até então somente via em uso na localidade carros de boi de eixo
fixo.32
Por falta de agentes apropriados na Europa, para cuidarem com interesse de tal
assunto, sucederia que os colonos, em vez de serem homens aptos para a lavoura,
seriam artistas, mecânicos e até literatos, e que por tal razão ou não se sujeitam aos
trabalhos da lavoura ou permanecem mesmo nas fazendas, porém somente para
darem prejuízo aos fazendeiros, em vez de proporcionar-lhes lucros (...) 33
Em 1852, a Fazenda Ibicaba tinha 339 colonos, de maioria germânica, seguida por
portugueses, brasileiros e espanhóis. Dentre as 48 famílias germânicas, 25 delas desenvolviam
outras funções (sapateiros: 6; alfaiates: 6; pedreiros: 5; carniceiros: 2; caldeireiros: 1;
29
DAVATZ. Memórias de um colono no Brasil (1850). Tradução, prefácio e notas: HOLANDA, p. 87.
30
Ibid., p. 86
31
CALVINO. Cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
32
KIDDER. Reminiscências de viagem e permanência no Brasil: Rio de Janeiro e São Paulo. 1 ed, 1943.
33
Correio Paulistano, 10 de abril de 1874 apud BEIGUELMAN, 1977, op. cit., p. 68
26
Também nessa segunda leva migratória, nem todos os imigrantes eram agricultores;
muitos se dedicavam a atividades artesanais e/ou liberais, ocasionando novamente um grande
êxodo das fazendas, fazendo com que muitos passassem a residir na cidade de Rio Claro. Nas
próprias fazendas, os imigrantes europeus não desempenhavam somente funções agrícolas,
eram também cocheiros, pedreiros, carpinteiros, entre outros.
Os conflitos entre trabalhadores imigrantes e fazendeiros continuaram, e tal situação
repercutiu nos jornais italianos da época. Em Rio Claro, o jornal La liberta foi fundado com a
intenção de defender os direitos dos imigrantes. A mão-de-obra nacional passou a ser
36
Almanak de São João do Rio Claro para 1873/ organizado por Thomaz Carlos de Molina; publicado por
José Maria Lisboa. SP: Arquivo do Estado; Imprensa Oficial do Estado, 1981.
37
GRAHAM. Migração estrangeira e a questão da oferta de mão-de-obra no crescimento econômico
brasileiro – 1880-1930, p. 30-32.
38
DOIN, 2001, op. cit., p. 212.
28
valorizada e o jornal Diário do Rio Claro começou a publicar anúncios sobre procura de mão-
de-obra para a lavoura, tendo como preferência os nacionais, visto que a estrutura cultural dos
imigrantes acabava por afastá-los da agricultura e aproximá-los das atividades citadinas.
Em São Paulo não houve o desejo de se fazer uma política migratória de colonização
para o povoamento de terras, mas sim uma política visando a substituição do braço escravo
pelo “trabalhador livre” europeu, com o intuito de obter lucros, já que os custos operacionais
da mão-de-obra escrava não eram mais viáveis para a produção cafeeira. Porém, tais
elementos estrangeiros não se adaptaram à situação proposta no local, e acabaram
desenvolvendo atividades diferenciadas. Enfatizamos que o habitus e a cultura local não eram
vistas com bons olhos pelos imigrantes europeus, o que acabou fazendo com que eles mesmos
criassem espaços de solidariedade na sociedade rio-clarense, a fim de interagirem e se
protegerem, visto que eram considerados pelos nativos como os “estranhos” da localidade.
Assim, os alemães fundaram a Igreja Luterana, a Associação de Ginástica, a
Associação do Cemitério Alemão, a Escola Alemã, entre outras, para estabelecer laços de
sociabilidades primárias e secundárias na nova localidade em que passaram a residir e
desenvolver atividades profissionais liberais.
Em 1887, os alemães na província de São Paulo eram cerca de 15.000. Ao
abandonarem a lida nas fazendas em Rio Claro, os alemães aglutinaram-se ao lado da vila
férrea, originando a Vila Alemã. Parte dos alemães e suíços de Ibicaba foi levada por Teófilo
Otoni para o Vale do Mucuri, em Minas Gerais, mas lá também não se adaptaram à
agricultura.
Sob a influência da imigração alemã, Rio Claro conheceu o uso do trole para o
transporte, substituindo os carros de bois: houve mais rapidez nas comunicações com as
cidades vizinhas. Os alemães também atuavam em inúmeras profissões, tais como tanoeiros,
mecânicos, ferreiros, além de padeiros, estalajadeiros, carpinteiros e marceneiros; enfim,
possuíam um “saber-fazer”39 desses instrumentos modernos da área mecânica.
Em 1871, o London and Brazilian Bank adquiriu da firma Vergueiro & Cia, em
falência, a Fazenda Angélica. Em 1880 a fazenda dividida foi comercializada: a “crise do
café” já começava em Rio Claro;40 e em 1892 já existiam 16 proprietários de terras de origem
germânica, que adquiriam as fazendas em decadência, entre eles Fritz, Heiderich, Helsdorf,
Kappel, Schimidt e Drysbach. Nesse período as pequenas fazendas desmembradas, adquiridas
posteriormente por imigrantes europeus na região, produziam menos que as grandes
39
CERTEAU. A invenção do cotidiano, 2000.
40
DINIZ. 1973, op. cit., p. 64-65.
29
propriedades rurais; em média 1680 arrobas em 1892, 1784 arrobas em 1895 e 3680 arrobas
em 1898. Ou seja, os imigrantes alemães mais uma vez visam ocupar espaços na sociedade
que antes somente eram ocupados pelos originários do local.
Enfim, tais pequenas lavouras propiciaram uma certa ascensão social dos imigrantes
que se dedicaram ao café: além de desenvolverem o urbano, tais imigrantes também passaram
a ser proprietários, e não mais colonos das fazendas cafeeiras – os imigrantes não pouparam
esforços para adquirir bens e mudar de condição de vida.
Rio Claro no período de 1850 a 1890 sofreu grandes mudanças ao substituir o cultivo
da cana-de-açúcar pelo do café, e o escravo negro pelo trabalhador imigrante. Os empresários
do café se autodesignavam com uma missão civilizatória, pois além de modificar o trabalho
escravo pelo do imigrante conseguiam expandir a rede ferroviária, associavam-se na fundação
de cidades e também no desenvolvimento de melhorias urbanas, enfim, todas modificações
ditas civilizatórias.41
O local se firmou como centro urbano desenvolvido da economia cafeeira. Como
cidade, Rio Claro originou-se na doação, por fazendeiros locais, de partes de suas terras, logo
seguida da construção de uma capela.42 Antes da metade do século XIX, a cidade já havia se
consolidado economicamente, pois foram introduzidos, no local, vários melhoramentos
urbanos significativos, antes mesmo dos trilhos da ferrovia chegarem ao município.
Em 1852, Vergueiro levou para Ibicaba cerca de 80 famílias de imigrantes alemães,
como mão-de-obra para a cafeicultura. Outros fazendeiros seguiram essa iniciativa, e em
1885, formaram-se três núcleos coloniais em Rio Claro, totalizando 445 pessoas. Já em 1886,
por exemplo, a cidade foi classificada como a terceira maior produtora de café da província.
Os conflitos que ocorreram nas fazendas que faziam uso do sistema de parceria, a
exemplo do conflito em Ibicaba (Revolta de Ibicaba, ocorrida em 1857)43, acabaram por levar
ao fracasso de tal sistema, uma vez que houve uma grande insatisfação, por parte dos colonos,
no que tange às questões das duras condições do trabalho rural, da inclemência tropical, da
alimentação inadequada, da precariedade de assistência médica e espiritual.44
41
ELIAS, O processo civilizador, 1994.
42
FERRAZ, 1922, op. cit., p. 17.
43
WITTER. Ibicaba, uma experiência pioneira. São Paulo: Arquivo do Estado, 1982. Cap. IV – A Crise do
Sistema de Parceria: A revolta de 1857 e suas conseqüências, p. 39-48 e DAVATZ, 1980, op. cit., passim – A
segunda obra foi redigida por um dos mentores e enérgicos participantes da Revolta de Ibicada, Thomas Davatz.
44
Crônica “A colônia Ibicaba...”, op. cit.,, p. 89-90.
30
anos de 1860), pois, nesse período, avolumou-se a corrente migratória para o Brasil,
principalmente para São Paulo, sendo esta, em sua maioria, de origem italiana.
contraíam nas fazendas em que trabalhavam, as quais, na maioria das vezes, eram cobradas
“ilegalmente”, já que tais cobranças não constavam em seus contratos de trabalho; porém,
na prática, os aluguéis das casas dos colonos acabavam sendo cobrados pelos fazendeiros.45
Como afirma Von Tschudi, “embora o sistema implantado por Vergueiro tivesse
falhado, teve a vantagem de dar vida nova e impulsionar o progresso no triângulo formado
por Rio Claro-Campinas e Piracicaba”. Assim, ocorreu a urbanização da cidade de Rio Claro,
que somente foi possível devido à existência desses imigrantes na região: “Azevedo Marques
revela que Rio Claro muito se beneficiou com a fixação desses elementos, que, vindos de
países adiantados, levavam o progresso para onde iam”.46
A metade do século XIX marca o começo da maior migração dos povos na História.
Seus detalhes exatos mal podem ser medidos, pois as estatísticas oficiais, tais como
eram então, são falhas em capturar todos os movimentos de homens e mulheres
dentro dos países ou entre estados: o êxodo rural em direção às cidades, a migração
entre regiões e de cidade para cidade, o cruzamento de oceanos e a penetração em
zonas de fronteiras, todo este fluxo de homens e mulheres movendo-se em todas as
direções torna difícil uma especificação.47
Já em 1854, São João Batista do Rio Claro contava com 6.564 habitantes –
crescimento fruto do progresso das lavouras de cana-de-açúcar e de café. Em 1855, por
exemplo, já havia no município 65 fazendas produtoras de café. O aumento populacional do
local intensificou suas funções urbanas e, de vila, foi elevada à categoria de cidade em 1857.
Partindo dessas colocações, pode-se dizer que a difusão das concepções modernas 48
esteve presente nas cidades do café e, dentre elas, Rio Claro, que sofreu importantes
modificações no cenário urbano financiadas pelos lucros advindos da produção cafeeira e
influenciadas também pelo intenso deslocamento dos imigrantes europeus das fazendas
45
DAVATZ, 1980, op. cit., passim.
46
Crônica “A colônia Ibicaba...”, op. cit., p. 89 e 90.
47
HOBSBAWM. A era do capital: 1848-1875, 1977, p. 207.
48
“O café traz consigo os anseios da fantasmagoria do progresso e seus beneficiários estão gulosos dos símbolos
da modernidade” DOIN, 2001, op. cit., p. 213, grifo do autor
31
urbanas. Isso tudo ocorre pois mesmo uma comunidade etnicamente homogênea numa
localidade adotiva não impede, por vezes, a incorporação compulsória de valores culturais
estranhos. Diferenças, por exemplo, do meio físico não admitem a utilização, pelos
imigrantes, de uma boa parte das experiências acumuladas no país de origem. Logo,
Von Tschudi assinalou que, antes da chegada dos colonos teutos, os paulistas do
interior se limitavam ao consumo do trivial, como arroz, feijão, farinha, carne de
53
Fragmento extraído de projeto de grupo temático “A Belle Époque Caipira: modernidade e urbanização no
Mundo do Café (1852/1930)” apresentado pelo CEMUMC - Centro de Estudos da Modernidade e Urbanização
do Mundo do Café – e entregue a FAPESP em caráter de parecer, p. 18, grifo do autor
54
Ao que nos parece, a crítica contida no livro de Berman diz respeito às reflexões que, ceticamente, tomaram
conta do cenário intelectual a partir da segunda metade do século XX. Segundo Bermam, essas críticas teriam de
certa maneira provocado uma espécie de “ontologização da modernidade”, ou seja, transformado-a numa
entidade que está dissociada do homem e de sua ação. Pontuando que a modernidade é a relação dialética entre
modernização e modernismo, isto é, entre as modificações sócio-econômicas e tecnológicas e a discussão,
favorável ou não, sobre seu impacto, por parte dos homens, Bermam procura combater este ceticismo.
BERMAN. Tudo o que é sólido se desmancha no ar: a experiência da modernidade, 1998, p.15/36.
33
Em 1873 era grande o número de famílias alemãs na região que deixavam a zona
rural para se dedicarem àquelas atividades a que estavam acostumadas na Europa, como o
começaram a chegar na região de Rio Claro grandes levas de imigrantes italianos para a
região de Rio Claro, ainda não resolvida, voltou à tona, com nova carta escrita pelo senador
ao governo central.56 Tal atitude obteve resultado, e levou Estevam Cardoso de Negreiros,
subprefeito, de realizar tal obra nos arredores da “freguesia” de São João do Rio Claro. 57
Uma agremiação liberal fundada na década de 1830, intitulada Sociedade do Bem
Commum, também rendeu grandes frutos à modernização dos espaços públicos de Rio Claro.
Em 1832, na casa de Estevam Cardoso de Negreiros, nasceu a Sociedade do Bem Commum.
Tal sociedade cuidou, em primeiro lugar, da construção da Igreja Matriz Católica (entre outras
obras públicas), pois queriam garantir o vínculo da elite local com o poder religioso,58
bastante consolidado na época, e visava também promover os bons costumes e a educação da
mocidade. Enfim, tal organização queria dirigir os destinos da povoação.
Terrenos doados por Manoel Paes de Arruda foram utilizados para a construção da
Igreja Matriz Católica São João Batista e do Pátio da Matriz (Praça da Liberdade). Nessa
obra, a Sociedade acabou por implantar um sistema de ruas espanhol: foram feitos blocos
quadrados com terrenos vendidos à população, e as ruas entre os blocos foram denominadas
numericamente: Primeira Rua (atual avenida 1); Segunda Rua (atual avenida 2); Terceira Rua
(atual avenida 3); e assim por diante. Obras como o alargamento do cemitério público,
assunto discutido em sessão já em 1832, foram de autoria da Sociedade do Bem Commum.59
Essa sociedade era uma instância do poder local, já que não havia instituições oficiais,
como uma Câmara de Vereadores. Tal sociedade desapareceu em 1839. Em 1845, Rio Claro
foi elevada de freguesia a vila, o que lhe garantiu uma Câmara Municipal – os mesmo nomes
que dominaram a Sociedade do Bem Commum participaram da administração pública, entre
eles José Estanislau de Oliveira, dono da Fazenda São José; Antonio Paes de Barros (Barão
de Piracicaba), dono das Fazendas São João e Santo Antonio; e Nicolau Vergueiro,
proprietário das Fazendas Angélica e Ibicaba,60 todos os três com influências na Corte, e se
transformaram nos intermediários da população local junto aos governos estadual.
Enquanto Rio Claro almejava ter uma linha férrea, desde agosto de 1872 Campinas já
possuía estrada de ferro, ligando-a a Jundiaí e a São Paulo, construída pela Companhia
Paulista. Na década de 1870 surgiu o primeiro lance ferroviário do país, e também se iniciou
56
BERMAN, 1997, op. cit., p. 24 e 25.
57
FERRAZ, 1922, op. cit., p. 14 e 15.
58
BILAC, 2001, op. cit., p. 43.
59
Não existe, no Arquivo Municipal, o livro de atas das sessões da Sociedade do Bem Commum. Sendo assim,
tais informações foram obtidas no livro FERRAZ, 1922, op. cit., passim, em péssimo estado de conservação;
existindo, além desse exemplar, apenas uma “cópia micro filmada” pertencente à Unicamp (Universidade de
Campinas).
60
BILAC, 2001, op. cit., p. 47.
35
sua expansão. Tal rede ferroviária teve a feição e a medida das conveniências e aspirações das
localidades imediatamente interessadas e na proporção dos seus meios de ação.
Visando trazer a ferrovia para a cidade, a câmara de Rio Claro recorreu aos acionistas
da Companhia Paulista (Visconde do Rio Claro, Conde do Pinhal e Barão do Piracicaba) para
que, junto à direção da Companhia de Estradas de Ferro e junto ao governo da Província,
conseguissem trazer até Rio Claro a linha férrea. Em 1874 iniciou-se o prolongamento da
ferrovia, chegando à região em 11 de agosto de 1876 – obra idealizada pela Companhia
Paulista, que ganhou a concorrência, tendo a visita de Dom Pedro II na inauguração. Assim, a
região de Rio Claro ficou conhecida como a “ponta do trilho”. 62
Grandes garantias foram concedidas aos interesses agrícolas e gerais de todos os
que se utilizassem do novo trecho da ferrovia, que recebeu o nome de “Companhia Rio
Claro”. Em 1877, a Companhia Rio Claro estendeu-se até Araras, Leme e Pirassununga,
partindo de Cordeirópolis. Devido à chegada das estradas de ferro nas cidades interioranas
Estado, gratuitamente, os imigrantes e suas bagagens. Nos trinta e cinco anos decorridos
desde 1882 até 1917, tinha a Companhia Paulista dado passagem em seus trens a 700.765
imigrantes.
Até 1884, Rio Claro era a ponta do trilho 63, o que permitiu um maior desenvolvimento
da região, pois pôde escoar a produção cafeeira até o porto de Santos e, por outra mão,
também trouxe, mais facilmente, os imigrantes para o município. Houve a ampliação do
comércio de bens que antes não chegavam ali.
Em 1879 iniciaram-se os estudos para a construção da linha férrea Rio Claro-São
Carlos. A Empresa Barão do Pinhal & Cia, empreendimento rio-clarense, levou a ferrovia à
São Carlos (1883); à Araraquara (1885); e à Jaú (1887). A ferrovia foi vendida para uma
Companhia Inglesa, passando a se chamar “The Rio Claro São Paulo Railway Company”,
que construiu ramais de São Carlos à Santa Eudóxia e à Ribeirão Bonito, e prolongou o
tronco de Araraquara à Jaboticabal. Em 1892, a Companhia Paulista adquiriu a Companhia
Rio-Clarense, e terminou os trechos iniciados pelos ingleses, levando-a até a cidade de Jaú.
62
SANTOS. Rio Claro: uma cidade em transformação (1850-1906), 2002, passim
63
Idem, p. 108-110.
36
O grande impulso modernizador veio para o município quando este deixou de ser a
ponta do trilho e passou a ter condição de estação intermediária. Nessa nova condição, ou
seja, Rio Claro como o ponto final dos trilhos de bitola larga, a cidade passou a concentrar
todo o movimento de baldeação, que posteriormente se tornaram as oficinas da Companhia
Paulista de Estrada de Ferro e que acabaram por gerar vários postos de trabalho, os quais
foram ocupados, em sua maioria, pelos imigrantes europeus.64
Em função de tais estações ferroviárias, instalou-se na região o pessoal da manutenção
e administração das linhas férreas (Oficinas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro), o
que acabou por originar diversos bairros e vilas em Rio Claro e abriu espaço para o
desenvolvimento de atividades não agrícolas no município. Tais oficinas eram especializadas
na produção de vagões (1892), que geraram cerca de 2.000 novos empregos que, juntamente
com outras indústrias de menor porte, acabaram por gerar uma demanda de bens e serviços
diversificados, impulsionando, sobretudo, a vida urbana. Em 1914, com a chegada da bitola
larga em São Carlos, foi para lá transferida essa seção de manutenção.
A ferrovia proporcionou um maior contato entre o interior e a capital, que modernizou
o consumo, serviços e empregos; e também intensificou os contatos intramunicipais (rural-
rural e rural-urbano).
64
Idem, p. 111-150.
65
MATOS, 1974, op. cit., passim.
37
Outros avanços na urbanização da cidade de Rio Claro podem ser percebidos: a adoção
de luz elétrica para a iluminação da cidade, a partir de 15 de novembro de 1895. Também no
mesmo ano a cidade ganhou um reservatório de água; e, em 1902, o serviço de esgoto. O
gabinete de leitura (hoje a Biblioteca Pública Municipal “Lenyra Camargo Fracarolli”) foi
construído em 1876: mais uma obra modernizadora.
A Igreja Presbiteriana e a Luterana (1883) foram instauradas na cidade com o intuito de
agregar os imigrantes, que não possuíam um local para expressar sua fé. Estes eram locais de
solidariedade dos imigrantes que aqui chegavam, pois conseguiam se reunir e conservar sua
cultura na localidade, visto que não possuíam outros locais para conservarem seus costumes e
também “se protegerem” do ambiente local que não era muito hospitaleiro ao estrangeiro.
Em 15 de maio de 1863, por influência de fazendeiros de café, como o dr. José Elias
Pacheco Jordão, iniciou-se a construção de um teatro na cidade de Rio Claro. Em 20 de
janeiro de 1864, em frente ao jardim público da cidade, o Teatro São João (depois Teatro
Phenix) foi inaugurado. Muitas companhias importantes apresentaram-se no local, entre elas a
Grande Companhia de Ópera de Luiz Braga Junior e a orquestra sob a regência do maestro
Gomes Cardim. No período poucas eram as cidade interioranas que possuíam um teatro a
disposição da população naquele período (Mogi Mirim, Itu, Taubaté e Campinas, apenas).
O Teatro São João foi o primeiro da Província de São Paulo, somente posterior à
inauguração do Teatro São José, da cidade de São Paulo. Nele, apresentaram-se inúmeros
conjuntos nacionais e estrangeiros em sessões de magna importância política e social.
Assim, devido a essas modificações e investimentos na localidade de Rio Claro,
podemos perceber as grandes mudanças situacionais ocorridas na localidade, ou seja, as
modificações ocorridas na região impulsionadas pelo negócio cafeeiro mudaram os
panoramas das relações sociais no local, o que torna o estudo sobre os imigrantes europeus
que ali chegaram bastante importante para o entendimento dessa rede. Nessa nova realidade, o
imigrante (o diferente) adentra nesse ambiente, modificando as relações sociais. Essa nova
situação será melhor apresentada nos capítulos subseqüentes.
38
CAPÍTULO 2
A IMIGRAÇÃO EUROPÉIA EM RIO CLARO
A expansão cafeeira foi responsável pelo volume que acabou por assumir a imigração
internacional em direção ao Estado de São Paulo nas últimas décadas do século XIX e
primeiras décadas do século XX. No contexto de uma discussão sobre as modalidades do
39
66
Sobre as atividades e práticas inseridas pelos imigrantes no cotidiano urbano em Rio Claro utilizar-se-á as
contribuições teórico-metodológicas de: CERTEAU. de. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Trad. Ephraim
F. Alves. 10ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
67
O Catálogo as Indústrias Paulistas para o Interior do Estado de São Paulo e os Róis de Imposto de Indústria e
Profissões de Rio Claro (Prefeitura Municipal) registram, para o início do século, em Rio Claro, firmas e
empresas com nomes de proprietários que muitas vezes se repetem de forma constante, em sua maioria de
origem imigrante: Augusto Schmidt Filho, Caetano Castelano, família Timoni, Bruno Mayer, família Hofling,
família Fscher, Francisco Cartolano, viúva Júlia Meyer, Conrado Krettlis, Guilherme Leonardo Sobrinho, João
B. de Castro, Alberto Mamprin.
68
CALVINO. As cidades invisíveis. São Paulo, Companhia das letras, 12ª reimpressão, 1999, p. 150.
69
DOIN. Olhar, desejo e paixão: lazeres e prazeres nas terras do café (1864-1930). ArtCultura, Uberlândia,
Universidade Federal de Uberlândia, NEHAC, nº. 2, vol. 1, 2000, p. 46.
70
BRIOSCHI. Fazendas de criar. In: BACELLAR, C. de A. P. & BRIOSCHI, L. R. (orgs.). Na estrada do
Anhanguera: uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 1999, p. 74.
70
DEAN, 1977, op. cit. p. 98.
40
SÃO JOÃO DO
2 14 - - - - 5 23 - - 7 37
MORRO GRANDE
71
DAVATZ, 1980, op. cit., p. 17.
72
DINIZ, 1973, op. cit., p. 14.
73
Ao menos durante o início do século XX.
74
BASSANEZI, 1992, op. cit., p. 40.
75
HOLANDA. Prefácio in DAVATZ, 1980, op. cit., p. 28 e 29.
41
ANO
PROPRIEDADE PROPRIETÁRIO OBERVAÇÃO
FUNDAÇÃO
“com alemães, portugueses e
CAFEIRAL Barão de Porto Feliz 1866
brasileiros”
CAFEZAL Barão de Porto Feliz 1868 “com ex-colonos parceiros”
“com alemães, portugueses e
BOA VISTA Barão de Porto Feliz 1870
brasileiros”
SÃO JOSÉ Barão de Araraquara 1870 “com 70 colonos”
Fonte: “Observe que em 1876 havia 45 fazendas de Rio Claro que empregavam simultaneamente trabalhadores livres e escravos e que
apenas 22 não possuíam trabalhadores livres.” Dean. 1977, p. 123.
Em 1872, o primeiro Censo nacional do país contou 818 estrangeiros em Rio Claro,
que representavam 7,4% da população livre do município (ver TABELA 3). Dessa
quantidade, cerca da metade (45,2%) eram alemães; 31,3% eram portugueses; e 14,8% eram
suíços. Havia poucos italianos na região (3,1% do total dos imigrantes) e não havia imigrantes
de origem espanhola.77
76
BASSANEZI, 1992, op. cit., p. 39.
77
BASSANEZI, 1992, op. cit., p. 41
42
Por volta de 1870, estabeleceram-se muitos suíços e alemães no município, entre eles
Jorge Helmeister, Mathias Hartmann, Adão Hebling, Mathias Pott, Jacob Witzel, Nikolaus
Britsghy, Jacob Huber, João Bolliger, Fernando Hartung, Nokolaus Neubauer, os irmãos
Schlittler, Carl Thim, os irmãos Kretti, Martinho Hummel, João Eichenberger, Felix
Hoffmann, Bartli Iost, os irmãos Breternitz, Nokolaus Arnold, Samuel Blumer, Germano
Muler, João Peter Linhardt, João Reiff, os Lahr, os Baungartner, os Bruckaiser, os Thielle, os
Graner.
No final dos anos 70 e início dos anos 80 do século XIX, a imigração estrangeira com
destino às cidades produtoras de café sofreu um aumento vertiginoso devido à expansão
cafeeira e também devido ao declínio da escravidão. Logo, essa segunda fase da imigração foi
mais importante que a anterior, tanto no que tange ao volume da imigração, quanto à
composição desses imigrantes (por nacionalidade) e suas implicações. Tal impacto
populacional foi bastante percebido na economia local, e também na população em geral,
visto que deu várias características estrangeiras a Rio Claro. Porém, não é possível precisar o
número de estrangeiros que se fixaram no município no período.
Conforme Maria Silvia C. B. Bassanezi, o levantamento da Comissão Central de
Estatística para a província de São Paulo de 1886 não informa os estrangeiros em Rio Claro,
embora o faça para outros municípios. 78 Os dados de 1890 e 1900 não estão completos e,
logo, não são confiáveis. As fontes da Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo – coleção de
Livros de Matrícula de Imigrantes – registraram os imigrantes que foram da Hospedaria
diretamente em direção à Rio Claro, porém, as saídas do município de Rio Claro não estão
contabilizadas.
Tais Livros de Matrícula mostram que entre 1882 e 1885 vieram para Rio Claro 773
imigrantes, dos quais cerca de 66% eram homens, sendo que a maioria tinha idade entre 20 e
35 anos. Perto da metade desse número (52,8%) era composta de italianos; 22,1% eram
portugueses e 17,7% eram espanhóis. Os alemães, juntamente com os austríacos, somaram
apenas 8% desse total79 (ver TABELA 4).
TABELA 4 Imigrantes saídos da hospedaria dos imigrantes de São Paulo com destino a
Rio Claro, por nacionalidade e sexo (1882-1885)
78
BASSANEZI, 1992, op. cit., passim.
79
BASSANEZI, 1992, op. cit., p. 42.
43
Espanhola 85 52 137
Alemã 22 7 29
Austríaca 23 5 28
TOTAL 605 168 773
Fonte: Hospedaria dos Imigrantes – Livros de Matrícula de Imigrantes 1882-1885.
Nessa segunda leva, ao contrário dos primeiros imigrantes europeus em Rio Claro –
que tinham um caráter mais familiar – observou-se um caráter mais individual e masculino. A
grande maioria desses imigrantes foi trabalhar nas fazendas, havendo, porém, um número
razoável de estrangeiros que se dedicou aos trabalhos na ferrovia.
Em 1886, quando se consolidou a imigração subvencionada e o regime de trabalho nas
cafeiculturas, o colonato, em substituição ao sistema de parcerias80, aumentou-se muito o
volume de imigrantes para o Brasil. Houve, portanto, um incentivo à imigração de famílias
européias e não mais uma imigração predominantemente masculina e individual.
Enfim, estas são as características gerais da imigração européia para Rio Claro no
século XIX. Pode-se perceber a grande presença maciça de tais imigrantes nesse cenário, o
questões relativas à presença dos imigrantes europeus na parte urbana de Rio Claro se dará
80
Remuneração feita ao colono por meio de salário fixo. Vide WITTER, 1982, op. cit., p. 39-48.
81
BASSANEZI, 1992, op. cit., p. 42.
44
O cotidiano rio-clarense deve ser entendido como uma zona de tensão entre os tempos
anteriores (mentalidade não moderna do Brasil agricultor) e os tempos a serem construídos
pelos atores sociais, ou seja, um espaço interessante para que se faça uma análise sobre o
modo pelo qual os homens se fazem sujeitos históricos, de um modo especial segundo os
limites e as possibilidades de sua época, uma vez que os homens são “filhos de seu tempo”. É
nesse sentido, portanto, que esse levantamento foi feito, por hora também estatístico da
população estrangeira na região de Rio Claro, a fim de se articular sujeitos históricos em
locais com civilizações díspares, mas que são amarrados ao seu tempo.
Entre os anos de 1886 e 1900 saíram muitos estrangeiros da Hospedaria dos
Imigrantes com destino a Rio Claro: mais de 11.536 (ver TABELA 5). Deste total de
imigrantes, cerca de 600 pessoas chegaram em Rio Claro desacompanhadas; e os outros
pertenciam aos 2.387 núcleos familiares que na região se fixaram.82 Desse montante, cerca de
80% da população estrangeira com destino a Rio Claro era de italianos que vinham, em sua
maioria, com suas famílias,83 o que também fez crescer o número de crianças e jovens
descendentes de tais estrangeiros.
TABELA 5 Imigrantes saídos da hospedaria dos imigrantes de São Paulo com destino a
Rio Claro, por nacionalidade e sexo (1886-1900)
82
BASSANEZI, 1992, op. cit., p. 43.
83
Dados recolhidos em: Idem.
45
O Censo não possui informações acerca de Rio Claro para o ano de 1890; mas por
meio da análise de dados quantitativos sobre os municípios vizinhos (Limeira, Piracicaba, São
Carlos e Pirassununga) pode-se inferir que a população de Rio Claro fosse de
aproximadamente 4.000 estrangeiros, sendo que mais da metade eram homens. Segundo
Bessanezi, tal volume de imigrantes deve ter aumentado muito em 1900, pois a população
total do Estado de São Paulo teve um incremento da ordem de 90%.85
Segundo os dados disponíveis, em 1886, 1890 e 1900, a população de Rio Claro (que
incluía a cidade de Analândia) foi de respectivamente 20.133, 24.584 e 38.426 habitantes,
sendo que Dean calcula, em seu livro, que a entrada de imigrantes durante as duas últimas
décadas do século XIX em Rio Claro foi de aproximadamente 20.000 pessoas.86
Sobre o urbano e a vivência de seu cotidiano (caráter social de tais agentes), pode-se
pensar, por exemplo, no conceito de habitus de Bourdieu87, ou seja, os conhecimentos
incorporados por diversas formas da sociedade, as experiências, os modos de vida que passam
de uma geração a outra, mesmo quando ocorrem deslocamentos ou transformações espaciais
ao redor de um determinado grupo social. Tais questões podem ser percebidas, por exemplo,
na mudança dos “modos de vida” da população rio-clarense em geral, visto que tais
imigrantes importavam também hábitos (alimentícios – verduras, legumes; costumes –
utilização de troles; experiências urbanas diferenciadas – criação de Igrejas; escolas; etc) que
eram incorporados ao cotidiano rio-clarense.
A partir de 1904, o imigrante ascendeu na economia urbana, uma vez que o
recenseamento agrícola de 1905 não permitiu que o imigrante tivesse grandes possibilidades
de tornar-se pequeno agricultor apesar de alguns imigrantes terem conseguido adquirir tais
terras.
Assim, com experiências adquiridas na Europa industrial do século XIX, os imigrantes
instalaram-se no município de Rio Claro em meados dos séculos XIX e XX, atuando de
maneira decisiva não apenas como agentes modernizadores da localidade, mas,
principalmente, no papel de sujeitos capazes de estabelecer um feixe de “relações
internacionais” entre as demandas e expectativas da cidade/município e os interesses político-
econômicos externos.88
84
Não foram computados dados para os anos de 1893 a 1894.
85
BASSANEZI, 1992, op. cit., p. 43.
86
DEAN, 1977, op. cit., passim.
87
BOURDIEU. O poder simbólico, 1989.
88
Entenda-se aqui por “relações internacionais” toda e qualquer relação bilateral ou multilateral, seja ela na
46
exportação do café rio-clarense, na imigração européia ou nos “novos traços culturais” que a cidade ganhava
com essas intensas mudanças (choque de culturas). MARTINS. Relações Internacionais: cultura e poder.
Brasília: IBRI, 2002, passim
89
DAVIDS. Poder local: aparência e realidade, 1968, p. 56-57
90
Idem, passim.
91
DEAN, 1977, op. cit., p. 178.
47
Na edição de 14 de junho de 1911 do jornal O Alpha, havia uma coluna, Pelo Mundo,
que trazia informações sobre várias nações européias, entre elas “Turquia, França, Itália e
Hespanha”, a fim de dar notícias sobre as “nações-mães” dos imigrantes aportados e
residentes em Rio Claro. Tais notícias são uma evidência da manifestação específica do
“global” no âmbito do “local”;97 ou do “lugar”, como pensaram Milton Santos e Anthony
Giddens,98 pois articulava mundos distantes e culturas diferentes por meio de objetos técnicos
modernos (jornal). Assim, pode-se falar do lugar no âmbito mundial.
Observa-se também a existência de ao menos duas cervejarias no município, em
meados do ano de 1911, nascidas como “fruto da imigração alemã na região”, que trouxe
consigo o “saber-fazer” de tal iguaria, transformando o município de Rio Claro em um pólo
tradicional.
95
Em tal Arquivo somente existem edições do jornal O Alpha em condições de consulta a partir do ano de 1911.
Edições anteriores a essa foram deterioradas e/ou extraviadas.
96
Tais informações foram obtidas no jornal O Alpha, de 1º de julho de 1911, p. 1, que possui um exemplar
disponível para consulta no Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro.
97
GINZBURG, A micro-história e outros ensaios, 2004, passim.
98
GIDDENS, 2002, op. cit., passim.
49
“Cerveja Rio Claro. Marcas: Rio Claro – Sport – Extracto de Malte (clara, escura,
preta). Premiada com Medalha de Ouro a mais pura e a melhor para a saúde.
‘Cerveja Rio Claro’ Companhia Industrial.”
“Fabrica de Cerveja Alemã. Das cervejas nacionaes econômicas, a melhor para a
saúde, reconhecida e proclamada por todos os entendidos – Branca e Pretinha.
Fabrico a systema alemão – Adolpho Wiechman – Rio Claro – Rua 1, n. 40.”99
Em 1920 cerca de 85% dos estrangeiros tinham 25 anos ou mais, segundo dados do
Censo do mesmo ano. Tal população representava 16,6% do município. A nacionalidade
predominante nessa terceira fase da imigração para Rio Claro continuava sendo a italiana
(quase 60% dos imigrantes), enquanto portugueses e espanhóis juntos não chegavam a 30%
do total de imigrantes; e os alemães e os austríacos juntos chegavam a apenas 8% desse total.
Os homens continuavam a ser a maioria entre os imigrantes europeus.100 (ver TABELA 6 e
TABELA 7). Em 1901 Rio Claro atingiu o máximo de sua produção. O replantio do café
continuou até 1929, e ainda em 1940 havia cafeeiros em Rio Claro.101
TABELA 6 Imigrantes saídos da hospedaria dos imigrantes em São Paulo com destino à
Rio Claro (1901-1920)
“[...] é preciso lembrar que apesar da intensa mobilidade espacial que caracterizou
todo o período cafeeiro em São Paulo e independente do destino original dos
imigrantes, não restam dúvidas de que o município de Rio Claro atraiu e fixou uma
quantidade razoável dos mesmos e de seus descendentes em função da cafeicultura
propriamente dita e de seus desdobramentos no local.”102
99
Informações obtidas nas duas páginas do folhetim O Alpha de Rio Claro, edição de 2 de julho de 1911. Tal
exemplar encontra-se disponível para consulta no Arquivo Público e Historio do Município de Rio Claro.
100
BASSANEZI, 1992, op. cit., p. 44 e 45.
101
DEAN, op. cit., passim.
102
BASSANEZI, 1992, op. cit., p. 44 e 45
50
O final do século XIX e o início do século XX, como mostrou José Teixeira de
Oliveira,103 foram promissores no desenvolvimento e ampliação de Rio Claro, que recebeu
benefícios, como hospitais, instalação de luz elétrica, rede telefônica, melhorias no
atendimento de água à população, escolas, associações, jornais, entre outros; sendo todos
objetos da modernização.
O centro da cidade de Rio Claro também se industrializou, pois, além das Oficinas da
Cia Paulista, instalaram-se lá oficinas de carruagens, serrarias, olarias, fábricas de sapatos,
fornos de fundição, fábricas de produtos alimentícios, entre outros, os quais foram
empreendidos, em sua grande maioria, por imigrantes europeus que se instalaram na região.
O comércio também se expandiu bastante, possuindo casas de importação, armazéns
secos e molhados, casas de ferragens, explosivos, louças e miudezas, sendo os imigrantes os
donos de tais empreendimentos. E, na virada do século XIX para o século XX, iniciaram-se
na cidade as obras de saneamento: abastecimento de água e rede de esgoto.
Dentre os estabelecimentos advindos da presença imigrante no município,104 podemos
citar: Mercearia e carpintaria a vapor João Oehlmeyer, Oficina de funilaria Mileo, Fábrica
de calçados Vienna, Alfaiataria Cartolan, Fábrica de flores artificiais Miguel Fozato Filho,
Cabeleireira e florista Cecília Reggiani Fosatto, Doceiro Inácio da Geléia (comercializava
103
OLIVEIRA, História do café no Brasil e no mundo, 1989.
104
Dados: ALMEIDA, op. cit., p. 38-39 e FERRAZ, 1922, op. cit., p. 135-160
51
geléia de mocotó elaborada com vinho do Porto), Padaria Lotti, Modista Lavínia Colli,
Barbeiro Adriano Pinto, Correios e Telégrafos, Escola de Pintura D. Lucia S. Lima, Escola
de farmácia e odontologia de Rio Claro, Casa Castellano, Casa Farani, Collegio Minervino,
Casa Pilla, Schmidt – Meyer & Cia, Cervejaria Rio Claro, Grande Hotel Stein.
Mapeamos as profissões dos alemães encontradas nos registros da Igreja Luterana de
Rio Claro para os anos de 1866 a 1875. Em 324 registros estão mapeados os batizados,
casamentos, confirmações e óbitos dos luteranos na época. Nestes registros podemos ter um
panorama geral das profissões exercidas por estas pessoas, visto que a profissão é um dado
bastante importante em tais registros. São dadas as profissões não apenas dos nubentes, mas
também de seus pais; dos padrinhos; etc. Os descendentes alemães valorizavam a mais a
questão da profissão nos registros da Igreja Luterana, diferentemente dos católicos da mesma
época levantados nos registros da Cúria Diocesana de Piracicaba (arquivos referentes à época
da cidade de Rio claro estão armazenados neste local), onde pôde ser constatado que os
católicos somente descrevem a profissão dos noivos.
Tal constatação mostra a inserção dos alemães no local, ou seja, o papel que
desenvolveram dentro dessa nova sociedade rio-clarense. Para a doutrina luterana o trabalho
ou profissão é visto como um dever religioso e não apenas como um meio de satisfazer
determinadas necessidades, logo a sua grande importância nestes registros estudados. Os
dados recolhidos seguem abaixo (ver TABELA 8).
TABELA 8 Profissão dos alemães mencionados nos registros da Igreja Luterana entre
os anos de 1866 a 1875, totalizando 324 registros de batismo, casamento, sepultamento e
confirmação
PROFISSÃO QUANTIDADE
COLONO 51
FERREIRO 16
PROPRIETÁRIO DE FAZENDAS 13
MESTRE PADEIRO 9
LAVRADOR 5
CONSTRUTOR DE MÁQUINAS 5
CHAPELEIRO 4
DIRETOR DE COLÔNIA 3
AGRICULTOR 3
MÉDICO 2
MARCINEIRO 2
PEDREIRO 2
FARMACÊUTICO 2
RELOGEIRO 2
SAPATEIRO 1
CACHEIRO 1
TORNEIRO MECÂNICO 1
MINEIRO 1
52
SERRALHEIRO 1
OLEIRO 1
ARMADOR 1
TRABALHADOR MANUAL 1
COMERCIANTE 1
FABRICANTE DE CERVEJA 1
MESTRE LATOEIRO 1
TOTAL 130
Como pode ser percebido na tabela anterior, praticamente metade das profissões
mencionadas não estão relacionadas ao trabalho com a lavoura na zona rural, mostrando a
característica diferenciada de tal população, que visava desenvolver outros tipos de ocupação
além das relacionados com a lavoura.
Já os registros encontrados no mesmo período para os católicos da região de Rio
Claro, encontrados no arquivo da Cúria Diocesana em Piracicaba, SP, perecebe-se que não há
o relato das profissões dos pais e padrinhos dos envolvidos nos registros (ora noivos, ora
pessoas que serão batizadas, etc). Assim, pode-se perceber que a profissão tem um papel
maior e mais relevante para os luteranos, pois este plano da vida também está relacionado
com a religião profetizada e o desenvolvimento da fé. Enfim, é característica dos luteranos
uma maior preocupação com essas questões quando comparada aos católicos.
Enfim, as características da migração para Rio Claro possuem, de certa maneira, as
características desenhadas para as áreas cafeeiras em geral. Os italianos chegaram ao
município em maior quantidade (principalmente nas segunda e terceira fases da emigração
para Rio Claro), e dirigiram-se à lavoura do café atraídos pelo subsídio à viagem, e pelos
grandes incentivos à emigração familiar e ao trabalho sob o regime de colonato, que propunha
o pagamento de salários fixos aos trabalhadores da lavoura.105
Embora houvesse uma preferência pela migração familiar, também havia espaço
(menor) para a migração individual. Tais indivíduos acabavam por executar tarefas
complementares à lavoura (transporte, secagem e beneficiamento do café) e também aquelas
que eram necessárias para o bom funcionamento da propriedade (serraria, selaria, etc).
Muitos italianos instalaram-se, desde a sua chegada, na parte urbana do município, e
executaram atividades artesanais ou manufatureiras e comerciais. Outros, depois de certo
tempo na lavoura cafeeira, dirigiram-se ao centro urbano. Alguns imigrantes queriam adquirir
terras, e se tornarem os donos de seus próprios negócios agrícolas: “o interesse e/ou as crises
105
Classificação essa de minha autoria, visto que acredito poder dividir o fluxo migratório na região de Rio
Claro em três grandes fases/períodos.
53
Enfim, como pôde ser percebido nas colocações anteriores deste capítulo, o auge da
economia cafeeira na região se deu nas décadas de 1880 e 1890, seguido de expressivo
impulso urbano. A cidade adentrou o século XX já com características urbanas modernas em
sua infra-estrutura, nos seus serviços de assistência pública e, especialmente, na iniciativa
particular, sendo tudo isto impulsionado pela grande presença imigrante na localidade.
109
Idem.
55
CAPÍTULO 3
DESENVOLVIMENTO DA SOCIABILIDADE DOS IMIGRANTES ALEMÃES EM
RIO CLARO
110
HEFLINGER JUNIOR. Ibicaba: o berço da imigração européia de cunho particular, 2007.
111
BESSANEZI, (et al). Atlas da imigração internacional em São Paulo 1850-1950, 2008.
56
colonos nas fazendas Paraíso e São Lourenço (Piracicaba); outros foram encaminhados para
as fazendas Ibicaba, Angélica, Itaúna, Boa Vista, São Gerônimo (região de Cordeirópolis e
Rio Claro); para a fazenda Cresciumal (perto de Limeira) e para a fazenda Sete Quedas (perto
de Campinas).
As epidemias de varíola (1884 e 1889) e de febre amarela (1892, 1893 e 1896),
causaram a morte de imigrantes. Há registros de que, de dezembro de 1892 até fevereiro de
1893, foram sepultados 30 mortos da comunidade alemã.
Os imigrantes, na região, também não tiveram assistência institucional religiosa por
parte da Igreja da Alemanha. Tanto nas colônias como nas cidades de Campinas, Limeira e
Rio Claro, eles contaram apenas com visitas esporádicas do Reverendo Francis Joseph
Christopher Schneider, nascido na Alemanha e naturalizado cidadão americano. Foi ele o
terceiro missionário presbiteriano a vir para o Brasil para trabalhar com os imigrantes
alemães, tendo chegado ao Rio de Janeiro em 7 de dezembro de 1861. No final de janeiro de
1862, seguiu para o interior paulista, visitando colonos alemães e suíços. Fixou residência em
Rio Claro, onde permaneceu até março de 1863, pregando aos domingos nas colônias já
citadas.112
Em virtude do contexto religioso brasileiro dominado pelo catolicismo, muitos não
permaneceram fiéis à fé evangélica, e acabaram se tornando católicos. Muitos foram
batizados e se casaram na Igreja Católica.
Independentemente de sua origem urbana ou rural, os imigrantes que chegaram em
Rio Claro souberam “visualizar” as lacunas existentes nas frentes de trabalho e as ocuparam,
proporcionando-lhes a oportunidade de se inserir numa economia de mercado que passava a
ganhar impulso, além de lhes fornecer o sustento diário.
tal carta anunciou que o magistrado de Rio Claro já havia deferido um requerimento no qual
foi solicitada a doação de um lote de terreno adequado para a construção de tal cemitério.
Assim, quarenta e quatro pessoas, entre estas inclusive alguns católicos,
comprometeram-se a contribuir com dinheiro para a construção do cemitério. Foi eleita uma
comissão de seis pessoas que assumiu a referida construção. A sua inauguração aconteceu na
manhã do dia 12 de julho de 1865, com a participação do Reverendo Francis J. C. Schneider,
numa solenidade que reuniu um bom número de protestantes da cidade e arredores, e também
católicos alemães e brasileiros. No dia 24 de março de 1866 foi sepultado Ulrich Müller, um
colono pobre da fazendo Angélica; e alguns meses depois, no dia 12 de agosto, foi sepultado
Johannes Kapretz, morador de Rio Claro. De 1866 a 1875 Eduard Bohn foi responsável pela
admistração do cemitério. O cemitério é localizado na Avenida 23, número 721, em Rio
Claro, e ocupa uma área de aproximadamente 10.000 metros quadrados.113
Enfim, já nessa movimentação em prol da formação de um cemitério somente para os
evangélicos alemães percebe-se que houve um grande esforço por parte dos alemães em
manter unida a comunidade alemã, e se fazer presente perante a uma realidade que não
favorecia o estrangeiro. Essa era também uma estratégia de permanência nesse contexto
dominado pelo catolicismo. Boris Fausto coloca que “a autopercepção do imigrante como
outro e a visão etnocêntrica do nacional sobre ele contribuíram para reforçar laços de grupo e
laços familiares, pelo menos em uma primeira fase” 114.
No final de 1866, Eduard Bohn tomou para sai as funções de um ministro religioso
evangélico em Rio Claro e em outras cidades da região (Piracicaba, Campinas, Pirassununga e
Araras). Não se sabe se ele se sentiu impelido para o cargo ou se os alemães solicitaram que
ele assumisse a função de “pastor”. A segunda hipótese é mais provável, pois na época,
bastava o abaixo assinado de um determinado número de pessoas para a Secretaria do
Governo, em São Paulo, dar poderes a uma pessoa para realizar casamentos legalmente
válidos e, de um modo geral, desempenhar todas as funções de um ministro religioso.
Utilizamos, assim, os registros realizados por Eduard Bohn durante seu encargo como
Pastor da Comunidade Evangélica de Rio Claro, iniciado em 27 de outubro de 1866, e
terminado em 25 de julho de 1875, contendo cento e dezenove páginas manuscritas e
traduzidas para o português. Os demais registros da Igreja estão em péssimas condições de
consulta, visto que estão deteriorando e não foram traduzidos para o português.
113
KRÜGER; KAPPEL; BEIG; op. cit., passim
114
FAUSTO. Imigração: Cortes e Continuidades. In: NOVAIS, Fernando A. (coord.). SHWARCZ, (org.).
História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Vol. 4, p. 27.
58
Tais registros (casamento, batizado e morte) são de extrema utilidade para a pesquisa,
visto que dão um panomara geral da sociedade alemã evangélica da época, mostrando como
se formavam no âmbito privado (familiar), com os casamentos, apadrinhamentos e demais
questões envolvidas. Logo, no sentido de permanência dos laços culturais e costumes
alemães, criaram-se laços de sociabilidade importantes para a sobrevivência desses imigrantes
em um cenário não favorável ao diferente (alemães).
Alguns anos depois, já em 1868, a Missão Estrangeira da Basiléia (Basel Mission –
Suíça), enviou para o Brasil Johann Jakob Zink, jovem missionário destacado para atender as
famílias alemãs instaladas na colônia Senador Queiroz, estabelecida na fazenda São Jerônimo,
em Limeira. Ele percorreu diversas cidades do interior do Estado de São Paulo com o intuito
de reunir luteranos, seus correligionários. Naquela época, chegou a celebrar alguns cultos em
Rio Claro, principalmente na zona rural perto do Rio Cabeça. Depois foi morar perto de
Campinas.
Nesse período, para que os alemães da região pudessem ter uma assistência religiosa
mais efetiva e contínua, o Pastor Johann J. Zink solicitou à Missão Estrangeira da Basiléia
que enviasse um pastor ao Brasil. Em outubro de 1874 chegou ao Brasil o Pastor Friedrich
Müller, tendo fixado residência no Bairro dos Pires, próximo de Limeira, onde viveu durante
44 anos até o dia de seu falecimento em 2 de dezembro de 1918. Visitou Rio Claro pela
primeira vez no dia 28 de agosto de 1875, e como Eduard Bohn havia se demitido da função
de ministro religioso em 25 de julho de 1875, o referido pastor atuou como seu substituto por
dois anos.115
Assim, os cultos passaram a ser mais regulares, no templo da Igreja Presbiteriana, ou
em casas particulares. O referido pastor residiu na cidade de São Paulo por três anos, de 1875
a 1877, com o propósito de formar uma Comunidade, o que não se concretizou.
Desencorajado pelo insucesso e pela dificuldade de manter financeiramente sua família,
resolveu regressar a Alemanha. Para tanto, fez contato com a Missão de Basiléia, a qual lhe
prometeu financiar a viagem de regresso e ajudá-lo a encontrar uma comunidade para
trabalhar como pastor. Isto só não se concretizou porque o Reverendo Schneider, da Igreja
Presbiteriana, convidou-o para vir para Rio Claro a fim de colaborar com os presbiterianos,
atendendo também os alemães. Ele aceitou o convite e transferiu sua residência para Rio
Claro, no ano de 1877. Depois de cinco anos de colaboração com os pastores presbiterianos,
passou a se dedicar exclusivamente aos imigrantes evangélicos que freqüentavam sua casa
para os cultos em língua alemã.
115
TRIMER. Lições de vida: histórias do Koelle. São Carlos: Riani Costa, 1994.
59
No ano de 1882 o Pastor Johann J. Zink, por sua vez, preocupado com a educação dos
filhos dos colonos e a permanência dos valores e da cultura alemã na localidade, reuniu
esforços para a fundação de uma Escola – a “Deutsche Schule” (Escola Alemã). O primeiro
professor contratado para a Escola foi Adam Zink, irmão do Pastor Zink, tecelão de profissão,
que permaneceu em Rio Claro por alguns meses e por motivos de saúde retornou à Alemanha.
Em seu lugar foi contratado Hildebrand, que interrompeu suas atividades alguns meses
depois.
Tal fundação da Escola e da Instituição Religiosa se deu em todas as localidades de
povoação alemã do Brasil, conforme Emíllo Willems, pois, em primeiro lugar, as aldeias
prussianas da primeira metade do século XIX compartilham das feições semiprimitivas de
inúmeras “folk-cultures”: são comunidades muito coesas, relativamente auto-suficientes e
dificilmente permeáveis a influências estranhas. A organização social é familial e estritamente
116
local, a mentalidade é tradicionalista. E todas essas características também podem ser
observadas nas estratégias de sobrevivência dos alemães em Rio Claro.
Ao saírem da Alemanha, os habitantes de lá estavam vivendo um grande processo de
mudança, passando de uma vida extremamente campesina para uma mais urbanizada; ou seja,
abandonam uma cultura em plena mudança e, em grande parte, por causa dessa mudança.
Assim, cada leva representa uma fase dessa transformação; o próprio campo se industrializa, e
jovens buscam diferentes oportunidades de vida nas cidades. Elementos como a escola, a
família e a religião eram tratados como essenciais na formação das comunidades alemãs por
todo o Brasil. Tais elementos eram organizados de forma a “proteger” a cultura alemã na
localidade e também com o intuito de formarem uma massa homogênea capaz de lutar por
seus direitos e por mais status na localidade que chegam.
Por fim, em virtude das inúmeras atividades de Johann J. Zink como pastor que, por
esse motivo, não conseguia dar maior atenção à Escola, ele entrou em contato com a
Alemanha e solicitou o envio de um professor para ensinar os conterrâneos de língua alemã.
O professor Theodor Albert Koelle interessou-se pela proposta; com dezenove anos de idade
veio ao Brasil e iniciou seu trabalho como professor da Escola Alemã, no dia 3 de dezembro
de 1883.
116
WILLEMS. A aculturação dos alemães no Brsil: estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus
descendentes no Brasil, 1980
60
A princípio, como havia necessidade de espaço para ministrar as aulas, foi construída
uma sala anexa à Igreja, e à medida que os recursos permitiram, outras salas foram agregadas.
A escola e a Igreja sempre estiveram intimamente relacionadas, como já mencionado
anteriormente, formando o que podemos chamar de redes sociais da imigração. As redes
sociais na migração inseridas na produção econômica e vida social são estratégias de
sobrevivência e de sustentabilidade dos envolvidos no processo migratório, como o ocorrido
em Rio Claro. Há hábitos tradicionais dos indivíduos que podem identificá-los na composição
desse determinado grupo (Comunidade Alemã).117A Igreja e a Escola Alemã acabam por
formar tal rede, evidenciando a situação de criação e conservação de vínculos entre os
imigrantes alemães, a fim de fortalecer esse grupo dentro de um ambiente que repudia o
diferente.
Com o tempo, a Comunidade Evangélica Alemã se consolidou (1883) e foi aprovado
seu primeiro Estatuto, cujo teor, traduzido do original em alemão, foi transcrito, como a
seguir:
à noite. A Santa Ceia será distribuída pelo menos duas vezes ao ano, poderá,
porém, a pedido, ser oferecida 3 ou 4 vezes.”118
118
KRÜGER; KAPPEL; BEIG; 125 anos de história da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de
Rio Claro – Estado de São Paulo (1883-2008), 2008, p. 22-23
119
Idem.
62
Sino maior: “Que cada um se sinta chamado pela palavra de Deus. Deus nos chama
diariamente, com ou sem os sons dos sinos”.
Sino médio: “Ó terra, terra, terra. Ouvi a Palavra do Senhor”.
Sino menor: “Espírito Verdade, em nós vem habitar”.122
123
KRÜGER; KAPPEL; BEIG. 125 anos de história da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de
Rio Claro – Estado de São Paulo (1883-2008).
124
Informações contidas nos registros de batismo, casamento e confirmações da Igreja Luterana de Rio Claro.
64
Hessen Dorstadt 1
Jachlingen (Cant Shuffhausen, Suiça) 1
Unterschvartzgirtein (Gran Principado de Baden) 1
Holstein 1
Cant Zurich 1
Colônia Ibicaba 1
A cidade de Rio Claro crescia, e, como já dito anteriormente, o pastor Zink fixou
residência em Rio Claro no final da rua General Osório, esquina com a rua Itororó,
praticamente fora da cidade (afastado das 600 casas do município), e logo em frente da sua
casa havia a construção da adiantada Igreja de Confissão Luterana (1883). Quando ele chegou
em Rio Claro seis anos antes, a comunidade contava apenas com visitas esporádicas de
125
WILLEMS, op. cit., p. 354.
126
Idem, passim.
66
Claro não funcionavam como na Europa. Os alunos faltavam demais – muitos moravam em
sítios na região, e como tinham que ir a cavalo, quando chovia não se arriscavam a enfrentar a
lama das trilhas; outros tinham que ajudar os pais e desapareciam nas épocas da colheita e
plantio. Enviava relatório anual aos pais solicitando que os filhos freqüentassem mais a
escola, o que, na maioria dos casos, não surtia o efeito desejado.
Quando o pastor Zink estava em viagem para atender às comunidades vizinhas, era da
responsabilidade de Theodor Koelle ler um sermão deixado pronto pelo pastor, como maneira
de dar continuidade aos serviços religiosos. Ao professor Koelle também cabia dar as aulas da
escola dominical, que ficava a seu encargo. Ele se preocupava com o fato de o pastor Zink ser
um missionário e não um pastor alocado àquela comunidade, que já possuíam um templo
religioso desde 1884, apesar do mesmo possuir as duas diagonais na cruz e também a
proibição da existência de campanários das igrejas não-católicas, pois não havia liberdade de
culto no país até a Proclamação da República, conforme já mencionamos.128
Em 1889, o pastor Zink casou sua própria filha Julie com Theodor, e algum tempo
depois Zink voltava a Campinas, de onde prosseguiria seu trabalho missionário. Os dois
começavam a empreender a idéia de fazer um internato. Porém, a febre amarela fez com que o
professor fechasse a escola por alguns meses. Na ausência de um pastor na cidade, como já
mencionado anteriormente, Theodor Koelle sentia-se responsável por seus alunos e também
por todos os outros membros da comunidade, pois era ele a pessoa mais preparada para levar
a orientação espiritual para os demais.
Nessa época de surtos de febre amarela (1896), Theodor confortava as famílias, com
visitas e preces. Ele mesmo sofreu com febre amarela, recuperando-se sem seqüelas, e
também sua filha. Após esse surto de doenças, Theodor decidiu seguir seus estudos
teológicos.
Após a Proclamação da República, já em 1900, foi possível inaugurar uma torre na
Igreja Luterana; ou seja, a partir de então começaram a ter realmente permissão para existir de
fato como Igreja Luterana. Além disso também foram retiradas as duas traves diagonais da
cruz do templo luterano, situação de imposição antes da instauração da República.
A formação da escola alemã em Rio Claro teve como intuito principal fortalecer a
tradição e a memória na região, para não perder a característica identitária deste grupo na
localidade. Logo tal instiruição foi formada com a intenção de fortalecer os vínculos sociais
entre os descendentes dos imigrantes. Assim, este espaço também deve ser entendido como
128
TRIMER, R, Op. Cit.
68
um local de sociabilidade, de laços sociais que são criados entre os participantes, com o
intuito maior de não perder a memória européia.
Já nas comunidades aldeãs da Europa – pequenas sociedades isoladas do tipo folk – a
escola transmitia justamente aquela parte da cultura que ligava a aldeia à sociedade nacional.
O conhecimento da escrita era indispensável como meio de comunicação na sociedade mais
ampla. A aprendizagem da Geografia e da História proporcionava não somente elementos de
compreensão racional da sociedade da Alemanha em formação, mas era destinada também a
criar vínculos emocionais. Fundir a multiplicidade das comunidades locais em uma única
sociedade nacional era também a intenção das escolas alemãs, embora outras instituições
corroborassem para os ideais de unificação .129
De qualquer maneira, o mestre-escola na Alemanha agia como emissário da sociedade
mais ampla, representando-lhe a autoridade, juntamente com certos funcionários
administrativos e o ministro protestante. A vinda do professor não dependia da iniciativa da
população local e esta não tinha influência sobre a sua atuação profissional controlada como
era pelas autoridades escolares superiores.
É óbvio que nas comunidades rurais teuto-brasileiras a função da escola não podia
deixar de ser profundamente diversa. Precisamente aqueles conhecimentos, cuja transmissão
era destinada, no país de origem, a articular a comunidade local à sociedade nacional,
representavam aqui valores estritamente locais ou regionais que segregavam as comunidades
teuto-brasileiras em vez de associá-las à sociedade nacional. O velho tipo de escola isolada,
mantida e controlada pelos próprios colonos, desempenhava a função de perpetuar a cultura
local, contrariamente à escola alemã, cujas funções permaneceram estranhas à cultura local.
Lacmann, por exemplo, observou no início do século XX que, em certas “escolas
alemãs” rio-grandenses visitadas por ele, “a nova geração já conversava em português.”130
Porém, a função de separar (segregar) da escola alemã continuava mesmo quando as demais
condições de vivência do ambiente já estavam mudando. Esse fenômeno somente pode ser
interpretado como tentativa empreendida pela geração velha, talvez apoiada pela Igreja
Evangélica, de perpetuar a cultura tradicional contra as tendências de mudança que se faziam
sentir no mundo mental dos jovens.
Modificações estruturais da sociedade teuto-brasileira (formação de classes,
urbanização e industrialização), contribuíram para alterar a função das suas escolas que
passaram a ser, em proporção crescente, meios de articulação com a sociedade nacional. Nas
129
WILLEMS. A aculturação dos alemães no Brsil: estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus
descendentes no Brasil, 1980
130
LACMANN, op. cit., p. 157.
69
escolas católicas, a mudança ocorreu mais cedo e de maneira muito mais completa do que nas
escolas evangélicas.
Ao lado de outras diferenças que distinguiam a escola teuto-brasileira em confronto
com a escola alemã, convém assinalar mais uma. Devido à rarefação demográfica da zona de
colonização teuto-brasileira e o conseqüente isolamento dos sítios, a escola atraía muito mais
as crianças do que na Alemanha. Daí deriva a função inversa da escola: do ponto de vista da
criança a escola é, no país de origem, um obstáculo à liberdade de manifestação da
sociabilidade infantil. No Brasil a escola é uma das poucas oportunidades de reunir-se a
outras crianças e de fugir, em parte, ao controle da geração adulta. 131
Através da escola teuto-brasileira inúmeras vezes se fizeram tentativas de perpetuar a
lealdade dos colonos com relação a determinados valores da cultura originária. Numa cartilha,
em alemão, encontramos o seguinte trecho:
Nossa Pátria.
Nossa Pátria é o Brasil. Somos brasileiros porque nascemos no Brasil. A maioria dos
habitantes fala a língua portuguesa. Esta é a língua do país. Esta língua devemos e
queremos aprender. Mas a nossa língua materna é o alemão, pois esta língua
aprendemos dos nossos pais alemães. Nunca devemos esquecer a língua alemã como
sendo a herança dos nossos pais; ela é uma língua maravilhosa. Não devemos
envergonhar-nos dessa língua e da nossa ascendência germânica. Nossa pátria, o
Brasil, é um belo e rico país. Devemos amá-lo de todo o coração.132
Diversa era a situação no meio urbano com grande número de imigrantes e uma vida
intelectual baseada em relações diretas com o país de origem. Aí a escola dispunha de
recursos mais eficientes para manter viva a lealdade aos valores tradicionais. Mas não se deve
esquecer que foi justamente o meio urbano com suas solicitações constantes e cada vez mais
insinuantes que acelerava a assimilação e, portanto, a perda dos valores tradicionais.
Não havia conflito enquanto as tentativas de implantar lealdades duplas eram toleradas
e a freqüência das escolas teuto-brasileiras não acarretava oposição. À medida que a oposição
se fazia sentir, que se exigia do indivíduo, com sanções cada vez mais drásticas, que se
"definisse", que fosse brasileiro ou alemão, a maioria das escolas teuto-brasileiras se
tornavam fatores de marginalização cultural e de conflitos pessoais.
Enfim, foi neste constraste de igual e/ou diferente, tanto na constituição da Igreja
Luterana quanto da Escola Alemã, ambas atreladas ao mesmo contexto, é que se deu a
inserção dos imigrantes alemães na sociedade rio-clarense. Ora diferenciando-se e ora
igualando-se ao diferente que já residia na localidade, o imigrante criou seus círculos socias,
visando assim criar também espaços de poder. Fortalecendo sua cultura, ou seja, agindo
enquanto uma endogamia (exemplos: Escola e Igreja Alemãs), conseguiu se fortalecer
enquanto grupo social perante à sociedade rio-clarense, que não abria espaço para a
integração destes. O estudo deste tipo de sociabilidade criada pelos imigrantes alemães
continua no capítulo seguinte.
CAPÍTULO 4
OUTRAS ESFERAS SOCIAIS DE PARTICIPAÇÃO DOS ALEMÃES EM RIO
CLARO
Nissen, secretário, lavrado a presente ata. Rio Claro, 6 de janeiro de 1919. Seguem-
se as assinaturas dos fundadores: Reynaldo Meyer, Frederido Nissen, Jorge Fray,
Frederico Thienemann, João Rattky, Donato Marcucci, Ernesto Eigenheer Filho,
Antonio Eichenberger Sobrinho, Godofredo Moga, Oscar Meyer, Ramon Marba,
Ernesto Walter, Ewaldo Meyer, Gustavo Stein, Willy Meyer, Emilio Fischer, Bruno
Francisco Meyer, Manoel A. Hoffmann e Camillo Cazzaniga.”132
Na ata do mês de maio foram discutidas outras questões, como a proposta do Sr.
Presidente Reynaldo Meyer, de aceitar pessoas do sexo feminino como sócias em condições
diferenciadas, tendo entrada franca em todas as festividades realizadas pelo clube. As
mensalidades para essa modalidade foram de meia, que é de $500. Na mesma reunião foram
decididas que haveria 4 festividades durante o ano, dois bailes e dois piqueniques. Na mesma
reunião Gustavo Stein propôs que os sócios que quisessem dançar nos bailes pagariam a
importância de 1$000 e aqueles que apenas fossem para apreciar nada pagariam. O uniforme
do clube ficou estabelecido em maio: calças brancas, faixas pretas, meias pretas e gravatas
borboletas pretas.
Na ata de 23 de julho de 1919 foi aceito como sócio o Sr. Augusto Schmidt, de
nacionalidade austríaca, segundo o documento do clube, casado, com 45 anos de idade,
industrial, residente a Av. 3 entre as Ruas 1 e 2, tendo como observação a seguinte escrita
entre parêntesis “pai do nosso ex-prefeito”. Aos 22 de outubro de 1919, segundo a mesma
publicação, foi aceito como sócio do Grupo Ginástico Rooclarense o jovem Sr. Augusto
Schmidt Filho, brasileiro, solteiro, com 14 anos de idade, residente a Av. 3 nº 1, tendo como
proponente os Srs. Reynaldo Meyer e Frederico Nissen, mostrando, mais uma vez, que as
relações de amizade e de alguma maneira “apadrinhamento” entre os descendentes alemães
também se fazem presente na formação do Clube Ginástico Rioclarense.
No ano de 1921, com o grande aumento no número de associados, a sociedade pôde
adquirir, no mês de outubro, um terreno para a sua sede própria, segundo os registros
existentes no próprio clube. Tal terreno foi adquirido pela quantia de 4:000$000, com a
metragem de 15 por 46 metros, situado à avenida 4 entre as ruas 4 e 5.
Além de difundir a cultura física, a sociedade promovia muitos bailes. As chamadas
“partidas dançantes”, realizadas nos salões da Sociedade Italiana, eram sempre abertas por
uma “polinesa” ao som da marcha “two-step 6 de janeiro”, composta especialmente por
Paschoal Gullo. A animação era entregue à Orquestra “Variedades” que, tendo a frente o
maestro Fábio Marasca, reunia os melhores músicos da época. Piqueniques, segundo jornais
analisados nos arquivos do Clube Ginástico Rioclarense, também eram frequentes, e estes
132
Arquivo do Clube Ginástico Rioclarense.
73
eram organizados pelo Clube, e eram realizados aos domingos, principalmente na Usina da
Central Elétrica. Como de costume, eram realizados dois bailes e dois piqueniques anuais.
O clube teve grande desenvolvimento graças ao convívio e entrelaçamento com
sociedades congêneres, como a “Deutscher Turverein” e a “Turnerehaft von 1890” de São
Paulo e a “Deutsche Turnergruppe” de Campinas, o que mostra a sociabilidade desenvolvida
entre os descendentes de alemães do estado de São Paulo. Durante muitos anos estas
sociedades estiveram presentes com grandes caravanas em todas as comemorações do
Ginástico, participando não somente de espetáculos de ginástica, mas também de bailes.
Os bailes carnavalescos eram promovidos desde a fundação do clube, mas somente em
1925 marcou sua presença nas ruas. Naquele ano, o Ginástico, cuja comissão carnavalesca era
composta por Willy Meyer, Jodate David e Oscar Meyer, participou do corso com quatro
carros alegóricos: “Quiosque Japonês”, “Princesa d´Oeste”, “Carro dos Moços Ginásticos” e
“Moinho de Vento”, sendo este último classificado em primeiro lugar.133
Em 1927, a diretoria do clube, procurando obter melhores instalações, adquiriu por
55:000$000 o antigo prédio da Santa Casa, localizado na esquina da rua 2 com avenida 3,
desfazendo-se então do terreno da avenida 4. O prédio totalmente reformado foi entregue aos
associados em 26 de janeiro de 1929. Agora com sede própria, o Clube Ginástico passou a ser
a liderança nos festejos carnavalescos em Rio Claro. A década de 30 foi marcada por uma
série de memoráveis carnavais, nos quais se destacam as artísticas decorações de Carlos
Hedler e os grandiosos blocos organizados por Lola Walter. Em 1959, o presidente Otávio
Pagni lança a Festa da Cerveja, o que caracteriza ainda mais a ligação entre a colonização
alemã e a fundação do clube. Tal promoção passou a ser uma atração turística na cidade, visto
que foi a primeira festa do gênero no interior e a segunda do Brasil. Em 1965, o clube volta a
prestigiar as atividades esportivas, formando equipes masculinas e femininas.
Enfim, as condições para a fundação do clube pela família Meyer eram bastante
humildes, e localizaram-se num terreno de propriedade do dr. José Vasconcelos de Almeida
Prado Junior, que era deputado esstadual pelo 8º Distrito e foi eleito senador estadual. Depois,
o Grupo Ginástico transferiu-se para o tererno da Avenida 4 entre Ruas 4 e 5, onde depois foi
construída a residência do sr. João Augusto Alves Meira. Por volta de 1928 a Santa Casa
mudou-se para o seu novo prédio. O Ginástico resolveu comprar as instalações da Santa Casa,
e iniciaram-se as reformas.
133
Informações contidas em jornal comemorativo de aniversário de 50 anos do clube de ginástica, disponível no
arquio do próprio clube, na cidade de Rio Claro.
74
Além da parte edificada, o dr. Ruy Ladislau comprou o restante do terreno, sendo que
tal transação teve apenas um voto desfavorável, o do sr. Leopoldo Meyer. Isto ocorreu pois,
segundo jornal arquivado no clube Ginástico Rioclarense, Leopoldo comprou por 200 contos
de réis os terrenos que estavam sendo adquiridos pelo dr. Ruy Ladislau. Após essa transação o
próprio senhor Leopoldo vendeu os terrenos ao Grupo Ginástico por 50 contos, com
facilidades.134
A partir de então o Grupo Ginástico passou por sucessivas reformas, mas não se
desvinculou das atividades de ginástica, em que o instrutor era George Fray, apposentado da
Companhia Paulista de Estrada de Ferro.
José Romão Pereira Junior, participante efetivo da grande diretoria, exercia o cargo de
gerente do Banco Mercantil, de forma que eram mais facilitadas as operações de crédito para
o clube. Coube à iniciativa de Romão as sucessivas e grandes reformas que modernizaram o
prédio.
Segundo publicação de 1952 nos arquivos do Grupo Ginástico Rioclarense, “destaca-
se que o Grupo Ginástico Rioclarense se integrou logo na sociedade, sempre se apresentando
com a mais convincente formação moral.” A partir desses relatos anteriores podemos perceber
a importância da Fundação do Clube de Ginástica para a Integração dos imigrantes alemães e
seus descendentes na sociedade local. Além dos laços socias primários, formados entre os
familiares, podemos perecebr que são feitos laços secundários dentro dessa associação. A
Solidariedade Orgânica (ou secundária), segundo Durkheim, é fruto das diferenças sociais, já
que são essas diferenças que unem os indivíduos pela necessidade de troca de serviços e pela
sua interdependência. Os membros da sociedade em que predomina a Solidariedade Orgânica
estão unidos em virtude da divisão do trabalho social, como no caso da Fundação do Clube de
Ginástica, onde cada um possui uma função na sua constituição e funcionamento.
Sobre o urbano, podemos pensar em, por exemplo, no conceito de habitus135; ou seja,
os conhecimentos incorporados por diversas formas da sociedade, as experiências, os modos
de vida que passam de uma geração a outra, mesmo quando ocorrem deslocamentos ou
transformações espaciais ao redor de um determinado grupo social. Isto pode ser nitidamente
percebido com relação ao grupo de imigrantes alemães na região de Rio Claro, que trouxe
consigo a Igreja Luterana, os conceitos de Escola Alemã e também a cultura da Educação
Física (Clube de Ginástica), que também é um espaço de lazer.
Tais questões relativas ao habitus podem ser percebidas, por exemplo, na mudança dos
134
Informações contidas em jornal comemorativo de aniversário de 50 anos do clube de ginástica, disponível no
arquio do próprio clube, na cidade de Rio Claro.
135
BOURDIEU. O poder simbólico, 1989.
75
“modos de vida” da população rio-clarense em geral, visto que tais imigrantes importavam
também hábitos (alimentícios – verduras, legumes; costumes – utilização de troles;
experiências urbanas diferenciadas – criação de Igrejas; escolas; etc) que eram incorporados
paulatinamente ao cotidiano rio-clarense.
4.2 Participação política dos alemães em Rio Claro (séculos XIX e XX)
136
Os coronéis faziam e desfaziam tudo: escolhiam cabos importantes, gente com mando para as mesas
eleitorais, dividiam a cidade, e o resultados das eleições era o que eles queriam. DAVIDS, 1968, op. cit., p. 42.
137
RODRIGUES. Estruturas de classes e poder político local nas cidades médias paulistas. São Carlos:
Núcleo de Documentação, UFSCAR, s/d, relatório de pesquisa, 1991
76
pois os chefes da Cia. Paulista de Estradas de Ferro eram ligados a Joaquim Salles.
Em 1906, os movimentos grevistas afloraram com maior intensidade, o que levou à
elaboração de uma política com caráter mais conciliatório, ou seja, apoiando os movimentos
operários. Segundo Davids142, o coronelismo, em 1906, pretendia dominar os movimentos
antagônicos à estrutura oligárquica do município.
Assim, Marcello Schmidt apoiou o movimento, atravessando, inclusive, as medidas
conciliatórias do governo estadual, conseguidas via Joaquim Salles, seu adversário político e
deputado estadual. Enfim, percebe-se que as greves políticas tornaram-se objeto de luta entre
os coronéis Schmidt (Partido Republicano Histórico) e Salles (Partido Republicano Paulista)
em Rio Claro, ambos pertencentes a facções opostas do Partido Republicano.143
A partir de 1904, o novo chefe político, o Coronel Marcello Schmidt, pertencia a uma
família imigrante de classe média do Rio de Janeiro, que se aliou à oligarquia local por meio
dos laços de casamento. É preciso lembrar a importância das relações de parentesco e amizade
nas respostas dadas pelos imigrantes às oportunidades que se lhe apresentaram. Assim,
retoma-se o conceito de homem cordial144, que leva em conta as “relações de simpatia” que
tanto marcaram o homem brasileiro, fazendo com que baseasse suas relações sociais na
afetividade e no desrespeito aos códigos de impessoalidade que regem as organizações
burocráticas (como o Estado) e a posição e/ou função exercida pelo individuo.
Tais relações pessoais facilitavam o acesso a determinadas oportunidades se tal
relação de simpatia já existisse, excluindo, portanto, a população estrangeira na região de Rio
Claro, visto que tal contingente populacional não fazia parte desses laços previamente
estabelecidos. O coronel Schmidt, descendente de imigrante alemão, favoreceu-se dessa
“cordialidade” ao se casar com a filha de um fazendeiro da oligarquia local; ou seja, apesar de
ser descendente de imigrante, conseguiu chegar ao poder em virtude dos laços de família.
Segundo Rodrigues145, em sete cidades do complexo cafeeiro parece ter havido uma
ascensão significativa de imigrantes ao cargo de vereador, embora não se verifique o mesmo
para o cargo de prefeito. Até 1930, a ocupação destes cargos era quase exclusivamente feita
pelas famílias tradicionais da cidade ou da região. 146
142
DAVIDS, 1968, op. cit., p. 58
143
DAVIDS, 1968, op. cit., passim
144
HOLANDA, S. B. op. cit., 1995, passim
145
RODRIGUES. Estruturas de classes e poder político local nas cidades médias paulistas. São Carlos:
Núcleo de Documentação, UFSCAR, s/d, relatório de pesquisa, 1991
146
Rio Claro Sesquicentenária. Rio Claro: Museu Histórico e Pedagógico “Amador Bueno da Veiga”, 1978, In:
BILAC, 2001, op. cit., p. 89 e 90; e BILAC, 2001, op. cit., p. 91
79
Assim, dos onze prefeitos do período, quatro (36%) eram fazendeiros de expressão na
cidade e região, quatro funcionários públicos (36%) e três profissionais liberais (27%). Em
81
Também os dados acima mostram que a maior parte dos políticos de Rio Claro possuía
nível médio-alto em suas ocupações. O coronelismo é, portanto, “a forma assumida pelo
mandonismo local a partir da proclamação da República”, e a figura do coronel, normalmente
com origem de nível médio-alto, aparecia, ao imigrante, como seu ponto de apoio.148
Nós saímos de Jaboticabal, da fazenda do coronel [...] chegamos em Rio Claro que
você nem pode imaginar: sujos, cansados, não falávamos uma palavra de português.
Só meu pai que falava um pouco. Precisamos do trabalho, procuramos algum
patrício (alemão) e o coronel Marcello Schmidt, que era político em Rio Claro,
conseguiu emprego na metalúrgica. Lá a gente trabalhava bastante, mas dava prá
viver. Foi um alívio, nós estávamos acostumados a uma vida boa na Alemanha, o
que encontramos aqui, de começo, Deus me livre.149
A importância dos grupos oligárquicos se deu pelo relativo fracasso dos grupos
emergentes (classes médias e grupos de empresários vinculados às indústrias) que, apesar da
importância econômica, a partir de 1930, não conseguiram fazer das classes emergentes o
centro decisivo da atividade econômica. Ou seja, a decadência da cultura cafeeira em Rio
Claro levou à decadência também dos fazendeiros e à formação de uma classe média, que
147
Dados recolhidos de: BILAC, 2001, op. cit., p. 92
148
QUEIRÓZ. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. São Paulo: Alfa-Omega, p.
160.
149
Apud DAVIDS, 1968, op. cit., p. 84, nota 74
82
deveria ser integrada ao poder antes que se tornasse uma força contrária. Os fazendeiros não
conseguiam, por exemplo, excluir as novas camadas sociais ascendentes. Segundo Dean:
[...] herdeira do município foi a classe média urbana, constituída de uns poucos
antigos colonos e, na maioria, de imigrantes que na Europa tinham vivido em
cidades e tinham chegado com uma ocupação, um capital e relações familiares. [...]
Casaram-se com as filhas dos fazendeiros falidos e, depois, casaram-se entre si. À
medida que prosperavam e compravam lotes e casas na cidade, sítios suburbanos e,
finalmente, as fazendas repartidas, ao mesmo tempo o poder econômico e político da
capital do Estado penetravam mais a fundo no município.150
Fez-se necessária uma manobra de adaptação diante dos novos rumos, papel este
exercido por Schmidt, sendo ele próprio filho de imigrante. Schmidt fez com que as
composições no poder político fossem possíveis, reforçando, por mais um tempo, o status quo
do município, excluindo os marginalizados e controlando os mais radicais (os grevistas).
A partir das informações supracitadas, observa-se que havia uma certa mobilidade
social no período estudado, visto que a corrida pelo lucro e pelo poder (político e/ou
econômico) atingia a todos que aportassem na cidade, sejam os donos das fazendas de café,
sejam os imigrantes que na região se instalavam e que possuíam um “espírito empreendedor”,
a exemplo do imigrante Schimidt, que conseguiu entrar na política de poder local devido a seu
poder econômico aliado aos seus laços de sociabilidade.
Enfim, a comunidade de imigrantes alemães em Rio Claro, aos poucos, passou a
buscar a reconstrução do modo de vida da terra de origem visando transmitir às novas
gerações os seus sistemas de idéias, sentimentos, hábitos, crenças religiosas, as tradições
nacionais e as opiniões coletivas, empreendendo um "amplo projeto educacional". Dessa
forma, a escola, o lar, a igreja, a imprensa, os grupos de governo e as associações diversas
atuaram como agentes promotores da educação de maneira formal e não-formal, intencional e
não-intencional. A influência formativa/educativa se realizava, portanto, em uma pluralidade
de direções e se expressava em uma diversidade de modos. Nesse panorama, as sociedades
alemãs, fundadas em Rio Claro no século XIX, se destacaram na função de transmitir e
preservar a herança cultural da terra de origem.151
150
DEAN, 1977, op. cit., p. 182
151
NOBRE. Colégio Koelle: um marco na história da educação em Rio Claro (1883-1933). Rio Claro:
UNESP, 1998
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
153
CARLEIAL. Redes sociais entre imigrantes. Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos
Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu – MG – Brasil, de 20 – 24 de Setembro de 2004.
86
cultura híbrida que pode ser chamada de teuto-brasileira, embora contenha inúmeras soluções
originais: respostas a necessidades novas que não puderam ser satisfeitas com o equipamento
tradicional dos imigrantes. Apesar do isolamento, ou pelo menos tentativa de isolamento, das
grandes comunidades homogêneas, houve hibridação cultural; ou seja, inúmeros elementos da
cultura brasileira foram integrados à nova configuração do status do imigrante que nascia.
Somente com a urbanização e a densidade demográfica crescente, houve o
aparecimento de artífices entre os imigrantes, que introduziram novas técnicas (como na parte
de ferramentaria, na construção de carros de boi, etc), e fundaram também pequenas
indústrias. E quanto a acumulação de riquezas nota-se, já nessa época, uma diferença evidente
entre os imigrantes protestantes e os católicos do local, questão essa não abordada neste
estudo, que poderá ser objeto de futuros estudos, visto que o empreendedorismo foi maior
entre os imigrantes alemães (luteranos) do que os outros imigrantes europeus (católicos).
O processo migratório, de modo geral, envolveu certas relações de interesse, entre
aqueles que chegam e os outros residentes no lugar. Trata-se de redes de determinado tipo de
sociabilidade, de reciprocidade, que resignificam as ações sociais, reterritorializam os grupos
sociais, rearrajam as parcerias, na passagem ou permanência do imigrante no lugar de destino,
integrando-o, adaptando-o ou re-definindo sua situação. Algumas são nitidamente políticas,
outras comerciais, poucas são as promovidas pelo governo, existindo, também, as religiosas.
154
alemães em Rio Claro. Nesse período, o grupo de imigrantes alemães em Rio Claro pode ser
considerado uma endogamia, pois apenas cria laços e associações, de maneira geral, entre si,
fechando-se, de certa forma, para outras associações “multi-étnicas” de Rio Claro.
Enfim, este estudo visou tratar, portanto, das redes de sociabilidade entre os imigrantes
alemães, promovidas por eles mesmos para seus pares, a fim de conservar a cultura alemã no
local, entre outras finalidades. A forma como estas conexões tomam consistência basearam-se
em estruturas e sistemas governamentais ou da sociedade civil, que, de uma maneira ou de
outra, dificultam a colocação desses imigrantes em determinadas esferas sociais. Suas
motivações estão calcadas em interesses políticos, econômicos, religiosos ou por laços de
parentesco, vizinhança, ou de amizade. Objetivou-se, assim, verificar os espaços vivenciados
pelos imigrantes alemães em Rio Claro, suas estratégias de sobrevivência e de ascensão social
na localidade, temas estes que podem ser melhor aprofundados em pesquisas subseqüentes.
88
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