Publicidade Contraintuitiva
Publicidade Contraintuitiva
Publicidade Contraintuitiva
A propaganda contraintuitiva
como proposta para atualização
dos estereótipos
Francisco Leite1
Leandro Leonardo Batista2
1
Mestrando em Ciências da Comunicação (USP). Bolsista CAPES e membro do GPEC –
Grupo de Pesquisa de Efeitos da Comunicação (ECA/USP). E-mail: fcoleite@usp.br.
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Professor doutor da Escola de Comunicações e Artes (USP). Coordenador Geral do GEPC –
Grupo de Pesquisa de Efeitos da Comunicação. E-mail: leleba@usp.br.
Vol.3 • nº1 • Junho, 2009 • www.ppgcomufjf.bem-vindo.net/lumina 1
Revista do Programa de Pós-graduação em Comunicação
Universidade Federal de Juiz de Fora / UFJF
ISSN 1981- 4070
Lumina
Introdução
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Neste trabalho os termos publicidade e propaganda são utilizados conforme o olhar
contemporâneo de Marcélia Lupetti que orienta que “hoje, os conceitos de publicidade e
propaganda fundiram-se. Se considerarmos o mundo capitalista, verificaremos que a
propaganda e a publicidade são meios de tornar conhecidos um produto, um serviço, uma
marca, uma empresa” (2000).
A propaganda contraintuitiva
A propaganda contraintuitiva surge como uma tendência e também como uma
diferenciada proposta de visibilidade do campo publicitário às minorias sociais. Ela
pode ser compreendida como uma “tentativa deliberada de romper com os antigos
estereótipos com a produção que se pode denominar de cartazes contra-intuitivos 4”
(FRY, 2003).
A intenção é promover uma releitura dos conteúdos estereotípicos inscritos a
esses grupos estigmatizados, colaborando assim para a atualização, supressão e até
mesmo a diluição cognitiva desses conteúdos.
Em outros termos, a publicidade contraintuitiva pelas “inovações” abordadas
em seu discurso pautadas em contextos e situações mais favoráveis às minorias pode
com seu estímulo preparar a estrutura do lembrar (memória) dos indivíduos
receptores de sua mensagem para captar, assimilar e armazenar novas informações a
respeito do grupo/ indivíduo alvo de conteúdo estereotípico negativo tratado na
narrativa publicitária.
O pensamento de Fenker e Schütze (2009) contribui com o exposto acima,
pois esses autores ensinam, baseados em resultados de suas pesquisas cognitivas, que
um contexto com grande valor de inovação aumenta consideravelmente a capacidade
retentiva da memória. Eles pontuam ainda que a novidade pode estimular o
aprendizado e a memória. Dessa forma, pode-se entender que a novidade é tratada
por esses pesquisadores como uma ferramenta para estruturação mais eficiente de
um processo de (re)aprendizado. A proposta da propaganda contraintuitiva imbrica-
se neste sentido, pois apresenta representantes de grupos minoritários em
“outros/novos” cenários e situações de prestígio para promover novo aprendizado
para novas associações. É nesse entendimento que o termo inovação deve ser
compreendido neste trabalho.
O discurso publicitário contraintuitivo deve ser entendido para além de uma
mensagem pautada pelo suporte do politicamente correto, pois a propaganda
contraintuitiva avança na questão do apenas conter (inserir) um representante de um
grupo minoritário em sua estrutura narrativa. Nela o indivíduo alvo de estereótipos e
preconceito social é apresentado no patamar de protagonista e/ou destaque do
enredo publicitário, em posições que antes eram restritas e possibilitadas apenas a
determinados perfis sociais hegemônicos. Outro ponto que a propaganda contra-
4
Fry exemplifica suas observações ao descrever alguns cartazes publicitários contraintuitivos
produzidos na década de 1990.
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Leituras adicionais para aprofundamento sobre os estudos dos processos automáticos e
controlados podem ser encontradas nas obras ”Psicologia Social dos Estereótipos”, de Marcos
E. Pereira ou “Psicologia Cognitiva”, de Robert J. Sternberg (vide referências bibliográficas).
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hoje como consumidores exigentes de poder aquisitivo considerável e sem indisposição para
comprar os melhores e mais conceituados produtos. Esse nicho é denominado
mercadologicamente como possuidor do Pink Money (GARCIA, 2004).
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Com o objetivo de tentar visualizar e mensurar o processo de codificação de uma
propaganda contra-intuitiva e seus possíveis efeitos em crenças e estereótipo. Um
experimento laboratorial está sendo desenvolvido na ECA/USP (2008/2009) como elemento
do desdobramento da dissertação de mestrado (do autor), da qual estas reflexões expostas
neste artigo são integrantes.
No entanto, a agenda dos meios também pode ser influência pela agenda da
sociedade, ou seja, os debates sociais podem estruturar as linhas temáticas a serem
abordadas pelos meios de comunicação, como por exemplo as temáticas promovidas
pelos movimentos sociais que veementemente clamam para o respeito à diversidade
identitária social suportando a pauta dos veículos de comunicação denunciando
situações preconceituosas como o racismo e discriminação com os grupos
minoritários. Assim confirma José Rodrigues Santos (1992), “é igualmente
reconhecido que a reação pública a um determinado assunto pode fixar a agenda dos
meios, isto é, a agenda dos meios também pode ser influenciada pela agenda do
público”.
Os efeitos da agenda dos meios de comunicação não são homogêneos, eles são
produzidos de forma diferente, pois são dependentes dos assuntos e dos indivíduos.
Ou seja, os efeitos da agenda dependem, para acontecer, “principalmente, da
‘necessidade de orientação’, isto é, da necessidade que a pessoa tem de obter
informação sobre um assunto, o que a motiva para o consumo dessas informações”
(SOUSA, 2006).
Sousa ainda indica que vários fatores podem contribuir para o sucesso da
agenda setting, destacando entre eles: a acumulação e a consonância.
O fator acumulação pode ser compreendido da seguinte forma: uma temática
abordada pelos meios de comunicação tem, provavelmente, mais possibilidades de
passar para a agenda pública quanto mais os indivíduos forem expostos,
frequentemente, às mesmas mensagens.
Já a consonância deve ser entendida pelo seguinte esclarecimento: um tema
passará mais facilmente para a agenda pública, com um determinado
enquadramento, se as mensagens transmitidas pelos diferentes mídias forem
semelhantes.
Os efeitos do agendamento também vão variar dependendo dos meios de
comunicação que abordam o tema. Quer dizer, a literatura aponta que a mídia
impressa provavelmente tenha mais influência no agendamento do que a mídia
televisiva. Segundo Mauro Wolf (2005), “a informação impressa fornece aos leitores
uma indicação forte, constante e visível de saliência’ (MCCLURE-PATTERSON,
1976), enquanto a televisiva tende normalmente a planificar a relevância e o
significado do que é transmitido”. Em contrapartida, Sousa (2006) pontua “que a
capacidade de agendamento dos temas difere de meio para meio, mas não há
conclusões definitivas sobre qual media tem mais capacidade”.
O postulado dessa hipótese indica as influências que os meios de comunicação
têm para agendar temas que subsidiam os debates públicos. Dessa forma, pode-se
pensar que uma publicidade com estímulo contraintuitivo pode se tornar elemento
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A referida pesquisa está disponível na íntegra no site da campanha:
Considerações Finais
Os esforços da comunicação publicitária contraintuitiva para estimular uma
diferenciada percepção do coletivo social para os seus pensamentos estereotípicos
(intuitivos), talvez seja um passo a ser considerado como positivo, pois “apesar dos
efeitos irônicos e indesejados, tais mensagens podem ter as conseqüências desejáveis
de dar ao preconceito um ‘nome mau’” (BERNARDES, 2003). Os efeitos positivos da
mensagem contraintuitiva devem ser minuciosamente observados para aprimora-
mentos estruturais com o objetivo de amenizar a possibilidade de ocorrência de
efeitos negativos.
Apesar de não se pretender afirmar que a mensagem publicitária
contraintuitiva leve o indivíduo social de maneira concreta à revisão, supressão e
dissociação de seus pensamentos estereotípicos (crenças), ela se torna uma
ferramenta importante, na perspectiva dos estudos da comunicação, para a
emergência de se provocar e ampliar na sociedade a formação de debates que
influenciem a intenção de comportamento, a opinião, as avaliações e o modo de
perceber as realidades de grupos minoritários, colaborando assim para a construção
de um ambiente normativo social que desencoraje e diminua o preconceito
essencialista. A publicidade contraintuitiva aposta na diversidade identitária
sociocultural para seu fortalecimento pautando-se na sua estratégia mercadológica,
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Conforme Maingueneau (1998), o campo discursivo pode ser compreendido como “espaços
onde um conjunto de formações discursivas estão em relação de concorrência no sentido
amplo, delimitam-se reciprocamente (...). O campo não é uma estrutura estratégica, mas um
jogo de equilíbrios estáveis entre diversas forças que, em certos momentos, move-se para
estabelecer uma nova configuração”.
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pois, nesse percurso, é pela força do mercado que ela vai se desenvolvendo e se
aprimorando.
Referências
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