Revista Ciencia e Tropico
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Presidente da República
Milton Ribeiro
Ministro da Educação
Elizabeth Mattos
Coordenadora de Gerenciamento de Projetos e Processos
Antonio Laurentino
Setor de Serviços Editoriais Editora Massangana – Fundaj
Cátia Lubambo
Fundação Joaquim Nabuco
Pedro Hespanha
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Marion Aubrée
Centre de Recherche sur le Brésil Contemporain (CRBC)
et no Centre d'Etudes Interdisciplinaires des Falts Religieux (CEIFR)
da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS – Paris)
Silvina Carrizo
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET)
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução por meios eletrônicos, fotográficos, gravação
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ou quaisquer outros, sem permissão por escrito da Fundação Joaquim Nabuco.
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E-mail: pesquisa@fundaj.gov.br
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http://www.fundaj.gov.br
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Pede-se permuta
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On demande l’ échange
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We ask for exchange
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Pidese permuta
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Si richiede lo scambio
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Man bittet um Austausch
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Intershangho dezirata
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Revisão linguística e tradução: Luis Henrique Lopes da Silva e Solange Carlos de Carvalho
Diagramação: Malorgio Studio
Revisão linguística e tradução: Luis Henrique Lopes da Silva e Rosane Medeiros de Souza
Projeto da capa: Antonio Laurentino | Editora Massangana
Diagramação: Patricia Okamoto e Robson Santos | Tikinet
Ilustração da capa: Trabalho gráfico executado sobre ilustração em rótulo de cachaça, impresso
Projeto da capa: Antonio Laurentino | Editora Massangana
à época em Xilogravura, pela Indústria e Comércio Tito Silva S.A. Coleção Iconográfica Tito
Ilustração da capa: Trabalho gráfico executado sobre obra do Artista Plástico Plínio Palhano.
Silva – Acervo da Fundação Joaquim Nabuco.
“Da Série Noronha”, óleo sobre tela, 1987. Acervo da Fundação Joaquim Nabuco.
Semestral.
Textos em português, inglês, francês e espanhol.
Continuação de: Boletim do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais
(jan. 1952 - out. 1972).
A partir de 1980 o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais passou a ser
denominado de Fundação Joaquim Nabuco.
A partir de 2012 a revista passou a contar com uma versão on-line.
ISSN 0304-2685/ ISSN Eletrônico 2526-9372.
ISSN 0304-2685
ISSN eletrônico 2526-9372
7
Em Gestão ecológica das águas: uma comparação das diretrizes do Brasil e
da Europa, Rafaela Silva de Faria e Claudia Padovesi-Fonseca traçam paralelos de
enquadramento das águas nas diretivas brasileira e europeia, além de agregar as
diretrizes europeia em abastecimentos de água no Brasil. As autoras afirmam que
há contrastes entre as realidades brasileira e europeia, com adaptações necessárias
quando aplicadas. Finalizam afirmando que a Política das Águas brasileira apresenta
medidas promissoras, com potencial alcance em preservação, mas muito deve ser
feito na sua gestão hídrica.
Dando continuidade à discussão sobre recursos hídricos, Micaella Raíssa Falc
ão de Moura, Francine Modesto dos Santos, Carlos de Oliveira Galvão, Suzana Maria
Gico Lima Montenegro e Simone Rosa da Silva apresentam um Mapa Conceitual para
compreensão de evoluções conceituais relativas à segurança e à vulnerabilidade hídri-
ca na perspectiva da Sustentabilidade Global. Realizam, pois, com o artigo Segurança e
vulnerabilidade hídrica: evoluções conceituais à luz da Gestão Integrada e Sustentável,
uma revisão de literatura para o desenvolvimento de uma estrutura teórica que rela-
ciona conceitos-chave fundamentais para análise e discussão interdisciplinar do ge-
renciamento sustentável da água. Os autores afirmam que o Mapa Conceitual mos-
trou que há múltiplos focos no conceito e no estudo da Segurança Hídrica, de modo
que a pesquisa manteve o foco na Vulnerabilidade e na Sustentabilidade, entendendo
que eles são elementos relevantes para consolidar a prática da Gestão Integrada de
Recursos Hídricos em prol da garantia da Segurança Hídrica.
Fábio Ronaldo Silva e Raquel da Silva Guedes ressaltam a ampla diversidade
e a heterogeneidade da população brasileira para retratar a realidade da visão sobre
portadores de HIV com o artigo A mídia impressa e a construção narrativa sobre a
AIDS no Brasil no final do século XX: Uma relação perigosa. Os autores analisaram as
reportagens que veicularam notícias sobre o HIV e a AIDS em revistas de circulação
nacional, pontuando a construção discursiva problemática que ocasionou a deflagra-
ção das diferenças e impulsionou o preconceito para com os soropositivos comparan-
do ao pensamento atual repercutido pelas autoridades do governo.
O artigo Neoinstitucioalismo de Redes: precursores e trajetória da Rede ATER
NE/Brasil, escrito por Marina de Sá Costa Lima, Gilberto Gonçalves Rodrigues e
Sonia Maria Pessoas Pereira Bergamasco, analisa o neoinstitucionalismo, em uma
abordagem de redes, visando compreender a implementação da Política Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural-PNATER, por meio dos percursos e formação
da Rede ATER Nordeste. Os autores afirmam que o debate da abordagem neoinsti-
tucionalista ajuda a situar a atual análise sobre as instituições formais e informais,
que se articulam em rede para os propósitos de implementação dessas Políticas, e
finalizam com o enfoque da análise neoinstitucionalista de redes, refletido diante
das condições e potencialidades frente à PNATER, por meio da recente experiência
da Rede ATER NE no Brasil.
A democracia vem sendo cada vez mais reforçada a partir da promulgação
da Constituição Federal de 1988. Com vistas a valorizar tal feito, Gabriela Araújo
8
Tabosa de Vasconcelos e José Mário Wanderley Gomes Neto, no artigo A impor-
tância democrática dos partidos políticos brasileiros e o comportamento do STF
frente às ADIs (1989-2017) desenvolveram uma pesquisa quantitativa que fez uso de
regressão binária para melhor explicar a forma como o Supremo Tribunal Federal
responde as ADIs impetradas pelos partidos e como isso afeta diretamente a legiti-
midade do nosso Estado democrático de direito, evidenciando a grande perda de
objeto nessas situações, em especial os partidos pequenos e os de oposição.
Um estudo pioneiro sobre o estudo de uso de plantas medicinais é trazido
nesta edição por Débora Coelho Moura, Marcela de Souza Silva Alves, Erimágna
de Morais Rodrigues e Antonio James Oliveira Silva. O artigo Usos medicinais de
plantas no Cariri paraibano: um estudo de caso busca levantar o histórico etnobo-
tânico das plantas medicinais, que é comum em diversas comunidades humanas.
O estudo teve por objetivo resgatar e sistematizar as informações populares sobre
as plantas medicinais utilizadas na cidade. Os autores atestaram que a população
possui um grande conhecimento acerca das plantas medicinais e suas proprieda-
des terapêuticas.
Por fim, Laurent Polidori propõe uma discussão sobre a noção de resolução
temporal e apresenta vantagens e limitações dos sistemas de observação de alta re-
solução temporal. Por meio do artigo Sensoriamento remoto de alta resolução tem-
poral para uma observação dinâmica dos ambientes tropicais , o autor demonstra
que esses sistemas permitem acompanhar fenômenos ambientais dinâmicos assim
como melhorar a qualidade da interpretação das imagens em geral. Como forma de
ilustrar as possibilidades oferecidas pelos sistemas espaciais de alta resolução tem-
poral, o autor apresenta exemplos em áreas tropicais, onde fenômenos temporais,
tanto naturais quanto antrópicos, são estudados a partir de séries de imagens com
alta resolução temporal.
A Ciência & Trópico garante continuamente o compartilhamento de produ-
ções intelectuais e reitera o processo de consolidação de um espaço multidisciplinar
em âmbito nacional e internacional, ratificando o objetivo de promover o debate e a
circulação de conhecimento em diversas áreas e disseminando pesquisas e estudos
que adotam abordagens metodológicas, filosóficas, culturais e comparativas.
9
Paisagem infinita: do engenho de açúcar aos bens culturais
Infinite landscape: from sugar engine to cultural goods
Paisaje infinito: del ingenio azucarero a los bienes culturales
Resumo
ARAÚJO, S. di. T. B. de. Paisagem infinita: do engenho de açúcar aos bens culturais. Rev. C&Trópi-
co, v. 44, n. 1, p. 11-35, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art1
O presente artigo investiga a formação de uma nova paisagem cultural que
emerge com o declínio da economia cafeeira e a ascensão da cana-de-açúcar
no nordeste do estado de São Paulo, refletindo sobre as relações entre a paisa-
gem cultural pernambucana e paulista. A pesquisa tem como foco e objeto de
estudo o Engenho Central, inaugurado em 1906 na região de Ribeirão Preto,
hoje, Museu da Cana. Traçando um panorama histórico, artístico e cultural do
Brasil, busca-se compreender as transformações e os novos valores culturais
que surgem desse processo, evidenciando o entrelaçamento entre arte e pio-
neirismo econômico. A história da criação do Museu da Cana cruzou os cami-
nhos dos maiores pioneiros modernos brasileiros em matéria de arte e cultura,
como Aloisio Magalhães, Acácio e Janete Borsoi, Clarival do Prado Valadares,
Cicero Dias, Burle Marx, Alexandre Wollner. Por fim, o artigo analisa o papel
e a importância estratégica da economia empresarial aliada à arte, design e os
museus, da memória, da economia da cultura, do capital cultural e dos bens
culturais para a emancipação social, científico-tecnológica, econômica, bem
como para um desenvolvimento autônomo do país.
Palavras-chave: Paisagem cultural. Museu da Cana. Memória. Bens culturais. Economia da
cultura. Design e arte brasileira.
Abstract
ARAÚJO, S. di. T. B. de Infinite landscape: from sugar engine to cultural goods. Rev. C&Trópico,
v. 44, n. 1, p. 11-35, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art1
This article investigates the formation of a new cultural landscape that emerged
with the decline of the coffee economy and the rise of the sugar cane industry in
the northeast of the state of São Paulo. It reflects on the relationships between
the cultural landscapes of the states of Pernambuco and São Paulo. The resear-
ch focuses on the “Engenho Central” (Central Mill) inaugurated in 1906 near
Ribeirão Preto, São Paulo and has since become the Sugarcane Museum (“Museu
1
Artista visual e curador. Em 2018 fundou a Tangram Museologia. Atualmente é ligado à Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC) e ao Conselho Internacional de Museus (ICOM Brasil). E-mail: saulo@
criptext.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5316-2412
Resumen
ARAÚJO, S. di. T. B. de. Paisaje infinito: del ingenio azucarero a los bienes culturales. Rev. C&Tró-
pico, v. 44, n. 1, p. 11-35, 2020. DOI:https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020) art1
Este artículo investiga la formación de un nuevo paisaje cultural que surge con
el declive de la economía cafetera y el aumento de la caña de azúcar en el noreste
del estado de São Paulo, reflexionando sobre las relaciones entre el paisaje cul-
tural de Pernambuco y São Paulo. La investigación tiene como foco y objeto de
estudio el Engenho Central, inaugurado en 1906 en la región de Ribeirão Preto,
hoy, Museu da Cana. Rastreando un panorama histórico, artístico y cultural de
Brasil, buscamos comprender las transformaciones y los nuevos valores culturales
que surgen de este proceso, mostrando el entrelazamiento entre el arte y el pionero
económico. La historia de la creación del Museu da Cana se cruzó en el camino
de los grandes pioneros brasileños modernos en el campo del arte y la cultura,
como Aloisio Magalhães, Acácio y Janete Borsoi, Clarival do Prado Valadares,
Cicero Dias, Burle Marx, Alexandre Wollner. Finalmente, el artículo analiza el
papel y la importancia estratégica de la economía empresarial combinada con
el arte, el diseño y los museos, la memoria, la economía de la cultura, el capital
cultural y los activos culturales para la emancipación económica social, científica
y tecnológica, así como para el desarrollo autónomo del país.
Palabras clave: Paisaje cultural. Museo de Cana. Memoria. Bienes culturales. Economía de la
cultura. Diseño y arte brasileño.
1. Introdução
Só através das artes as civilizações sobrevivem. São elas, e somente elas, que
escrevem a vida de um povo, de um homem (DIAS, 2011).
2
Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/coluna-escultura-brancusi-sem-fim-87553/.
pintura que chegou mais tarde no Minimalismo. Curiosa escala, remete à simplici-
dade e ao vazio da passagem bíblica que narra o sopro divino no corpo de barro do
homem esculpido por Deus. Brancusi não é o autor do David de Michelangelo, tam-
pouco Rodin, autor de Burgueses de Calais. Não é um anônimo escultor de pirâmides
egípcias, monumentos incas e entidade líticas misteriosas como os corpos da Ilha de
Páscoa ou monumentos abissais como Partenon e Stonehenge. Mas é em sua grandeza
escalar a límpida tradução dos sentimentos humanos mais afinados à essência huma-
na. A linguagem de Brancusi é dotada da qualidade de vanguarda que cria as obras
singulares de um tempo e que, no caso da Coluna Infinita, traz um mistério revelado
pela paisagem constante que se vê em torno da obra, como parte da obra escultórica.
Céu, terra e ar. Rocha esculpida para o alto e do chão para seu limite extremo em altu-
ra, desafia as leis do equilíbrio e aponta o céu sendo tocada pelo ar em movimento, a
constância das massas de ar que criam a tradução constante da paisagem, em torno de
sua grandeza escalar, revelando o cosmos que se guarda na paisagem terrena, que se
traduz no vento que venta em torno de sua obra estática no meio da paisagem.
A Coluna Infinita, portanto, se traduz pelo silêncio do espaço e o enalte-
cimento do tempo se observada desta forma. O tempo e todo o seu movimen-
to, visto através da escultura, passam a pertencer ao corpo da obra. O espaço
emudece na simplicidade de triangulações para o alto. Não é um apelo sensorial
como a massa ruidosa de um Antoine Bourdelle, ou sentimentos finos e sensuais
que tangem a espiritualidade de um Bernini. Tudo no espaço é silêncio. Silêncio
material e simbólico, criando a atmosfera através da qual o tempo grita o silêncio
em torno da Coluna Infinita.
Assim, Brancusi, ao exaltar a matéria escultórica pelo mínimo, torna máxima a
escala do tempo na linguagem da escultura. Torna o tempo mais importante, na estéti-
ca do século XX, do que a própria música moderna o fará em dois séculos. Pode-se até
dizer que o silêncio da matéria de Brancusi expõe valores etéreos de modo estrondoso
e minimiza o silêncio da forma radicalmente, como fará o músico norte-americano,
John Cage, mais tarde na peça 4,33. Mas há uma diferença inversamente proporcional
entre as duas obras: a música em silêncio de Cage é para ser ouvida em silêncio nas
salas de concerto, ao passo que, a Coluna Infinita de Brancusi jamais poderia ser vista
dentro do interior de um museu que não fosse a céu aberto. Logo, ela é a consagração
de um lugar, uma paisagem, ao mesmo tempo que um ponto de mutação da linguagem
da escultura. Diferente de um monumento pensado para o espaço ao redor, como a
célebre Fontana di Trevi, a Coluna Infinita se serve da paisagem e a coloca no mesmo
silêncio definitivo que a pintura moderna a colocou.
Lembramos assim que a arte imita a vida e que a vida pode imitar a arte nas
suas diversas dimensões. Em torno da escultura a vida percorre.
Simbolicamente, como a altitude de Brancusi, na coluna infinita, existem ar-
ranha-céus. E assim como arranha-céus, existem as chaminés, para que escapassem
os vapores da Revolução Industrial. Uma vez silenciadas pelo fim da produção que as
alimenta, por vezes passam a ser consideradas monumentos.
Cícero Dias se tornou um dos maiores artistas brasileiros com vocação de van-
guarda como Mario Pedrosa, o maior crítico brasileiro. Os dois da cepa pernambucana
e filhos dos engenhos de Pernambuco. Enquanto Cícero Dias narra a decadência das
casas de engenho, surge em São Paulo, a partir de 1906, o Engenho Central pela visão
de Francisco Schmidt. Pouco tempo depois, Pernambuco deixará de ser a maior região
produtora de cana-de-açúcar do Brasil. Do nordeste brasileiro para o nordeste do estado
de São Paulo, se estende o eixo invisível de novos canaviais plantados para a produção do
açúcar entre plenos cafezais. A vigorosa paisagem cultural pernambucana encontra, pelo
fluxo econômico, a paisagem cultural da economia do Café. Do declínio dos engenhos
de Pernambuco e da sua tradição secular nasce a nova força da cana-de-açúcar no Brasil
sobre a terra roxa. Décadas de câmbio na lavoura suprimem cafezais e silenciam a paisa-
gem cultural do café, criando uma nova paisagem e novos valores que mais tarde serão
refletidos na nova cultura que surge desse silenciamento não proposital.
O que torna os homens pioneiros é o seu olhar sobre a paisagem. Neste ponto,
existe uma semelhança entre a Coluna Infinita de Brancusi e a chaminé do Engenho
Central. Uma chaminé, no entanto, chama a atenção por ser um elemento que dispersa
os vapores e lembra sempre a Revolução Industrial, a força de trabalho de milhares
de homens e mulheres que naquela localização comprometem toda a sua energia em
nome da vida. Simboliza o avanço da produção industrial e estabelece eixos de cres-
cimento da urbanização, criadas em torno das cidades e metrópoles modernas. No
campo, as chaminés se verticalizam de maneira monumental. Diferente da obstinação
de um único artista, são milhares de seres humanos guiados pelo estado de arte e não
pela arte, no caso do engenho, a moverem toneladas de cana e milhares de sacas de
açúcar pelo mundo, fazendo a fortuna de um pouco mais do que uma dezena de donos
de engenho. A história social, no entanto, não os equivale. A riqueza distinta entre
minoria e maiorias não é necessariamente equilibrada e universal.
3
Disponível em: https://3.bp.blogspot.com/-yPKx9oQSsdc/U9SnWFf3uhI/AAAAAAAACsw/kmWcKldODi8/
s1600/cicero_dias_galeria_de_gravura.jpg Acesso em: 11 maio 2020.
3. Paisagem infinita
4
Dr. Antônio Furlan Junior, médico da comunidade de Sertãozinho. FURLAN JÚNIOR, Antônio. [Correspon-
dência]. Destinatário: Marina Furlan, 1947.
que veio, mudará a economia da cana no Brasil, tornando o estado de São Paulo líder
das áreas mais produtivas da cana-de-açúcar quando Maurílio Biagi resolve criar a
Zanini metalúrgica para atender a demanda dos Engenhos da região de Sertãozinho.
E do mesmo modo como a Semana de 22 se opôs à Monarquia e seu legado in-
telectual e artístico, a Semana de 22 será demolida pelo Movimento de Arte Moderna
instaurado no Brasil, a partir das Bienais, momento em que a sociedade canavieira
encontraria seus pares depois de ter lançado seus filhos para o mundo. Se por um lado
o Brasil é altamente dependente na indústria automobilística e mantendo-se como for-
necedor de matéria prima, a cana brasileira será exemplo de autonomia, assim como
a nova fase da arte brasileira. E da percepção dos fenômenos estéticos da sociedade
moderna que ficarão muito além da arte e das linguagens de arte. A Paulicéia desvai-
rada, o Manifesto Antropofágico e o manifesto Pau-brasil ficarão definitivamente no
passado. São Paulo vai erigir o Movimento de Arte Concreta.
Fica definitivamente alterada a noção de arte e patrimônios culturais no Brasil.
A arte não será mais referente ao indivíduo como na obra de Brancusi. Passará cada
dia mais a valer esteticamente para os fenômenos coletivos da sociedade e é neste sen-
tido que o Engenho e a Escultura voltam a se comunicar: nos centros urbanos, a força
da tecnologia, do urbanismo, da aviação, das comunicações da arte passa a validar a
beleza da obra de arte e do voo de um avião da mesma maneira. A percepção muda
silenciosamente da contemplação para a interação. A técnica ganhará, na percepção
inerente das pessoas comuns, o status da arte enquanto fenômeno estético, além dos
visionários Schimdt e Maurilio Biagi, a pontauense Judith Lauand.
5
Disponível em : https://galeriatropica.com.br/wp-content/uploads/2016/01/foto-perfil-crop-1.jpg Acesso em 11
maio 2020.
E esta autonomia buscada pelos artistas foi a mesma buscada por Maurílio
Biagi quando ele toma a decisão de fundar a Zanini, com intuito de criar tecnologia
local para os engenhos de açúcar, rompendo com a dependência da tecnologia dos
países de fora. Esta modernidade ainda não foi alcançada pelo Brasil em 2019. Esta
Célebre, Jorge Mautner, na fase atual da sua vida fala de amor. Do tipo de
amor profundo do qual nenhum de nós, seres humanos, nos livramos de refletir
em algum momento da vida. Fortes como as paisagens infinitas são os homens e
mulheres que nem sempre artistas visionários ou pioneiros se comunicam entre si
pelo estado de arte. E o que é o estado de arte senão o profundo estado de atenção
6
MAUTNER. Ruth Rainha Cigana, 2019.
para o qual a nossa concentração nos leva quando atingimos estados conscientes
da nossa existência?
Nesse sentido, o Museu da Cana cruza fronteiras. Fronteiras de gente que aqui
foi visionária, vislumbrou, viveu, trabalhou, amou e, através dessa força, transferiu
suas próprias paisagens internas para as paisagens internas das gerações que sucede-
ram. A missão da paisagem infinita é esta: superar confrontos, contradições, diferen-
ças, e justamente alcançar as semelhanças que unem os seres humanos para transfor-
mar a humanidade.
Do coração que é terra onde ninguém anda, surgem as universalidades percebi-
das na canção na qual Mautner homenageia o amor. Assim, há uma paisagem infinita
também que expande as terras do coração, pois, embora ninguém ande nelas, é nos
nossos corações que sentimos a presença do outro e, como bem lembra Dona Nair, “o
amor é uma força que brota do fundo do coração”. 7
E das profundezas da terra, a força de imigrantes e migrantes que migra-
ram apenas com a força que brota dos corações para cruzar oceanos e refundar o
Brasil. Muito ilustres e não só anônimos, migrantes surgem na visagem do filho
célebre da imigração italiana no Brasil, um dos maiores pintores modernos. No
quadro Retirantes, da autoria de Candido Portinari, talvez, não seja agradável
apreciar a vida morta dos retirantes. Por outro lado, não se pode aceitar que
aquela paisagem dos retirantes continue congelada na realidade social brasileira.
É, portanto, um grande mérito de relações tecidas sobre as terras do Engenho
Central ter havido um equilíbrio que da pobreza trouxe a superação da pobreza,
que, para alguns, foi a origem da riqueza material e para outros foi a sorte de
encontrar o respeito pelo trabalho, pela fé, pelo ambiente onde foram criados os
filhos nem tão nobres da cultura dos canaviais. Mas foram eles, os filhos anô-
nimos dos canaviais junto aos seus filhos notórios, que trouxeram o horizonte
cultural da vida até o ponto em que um engenho, ao invés de ser demolido, pu-
desse se tornar o início daquele que poderá ser um museu inovador, humanista,
corajoso no sentido de edificar a cultura da liberdade como ponto de partida
para o Brasil, que merece usufruir do pioneirismo de tantos pioneiros que foram
consultados na origem do projeto desse museu, na década de 70, e que persistem
na memória daqueles que percebem a vida como estado essencial da arte e a arte
como estado essencial da vida. Sendo assim, não é demais sonhar que obras,
imagens, acervos materiais e imateriais sejam projetados do Engenho Central
para o mundo buscando a superação das contradições ambientais, sociais, cultu-
rais e econômicas que fizeram parte do passado dos canaviais e fazem parte do
presente dos museus brasileiros.
Ninguém quer mais encontrar as cenas vivas de retirantes congeladas na atual
realidade brasileira dos dias de hoje. Aqui, o amor se transcende para a consciência.
7
Nair é antiga moradora da colônia do Engenho Central. Conversa informal em visita /pesquisa no Museu da
Cana em agosto de 2019.
9
Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/5/5b/Aloisio-em-seu-escrit%C3%B3rio.jpg Acesso
em 11 maio 2020.
a arte do século XX, passando por milhares de trabalhadores que sustentaram as for-
tunas erigidas por mais de 100 anos, até a morte regressa de um artista de vanguarda,
como Aloísio Magalhães, na Itália, na mesma proporção há uma história do presente.
Aqui se cruzam os destinos dessa saga a nova era de capitais humanos e cul-
turais, capitais intelectuais e históricos e tecnológicos que serão os únicos capitais
plausíveis para que o Brasil reescreva sua economia na Era do Capital Cultural com a
mesma autonomia e a coragem como que Maurílio Biagi teve para tornar São Paulo
independente da tecnologia externa. Quem sabe, seguindo seu exemplo, possamos
tornar Sertãozinho no epicentro de um complexo cultural tão inovador quanto foi
o projeto que a Zanini representou. Não é todo museu que atrai séculos de cultu-
ra, como atraiu Pernambuco e que, em seu capital histórico, possui juntos, Maurílio
Biagi, Cristina Prata, Aloísio Magalhães, Burle Marx - este, lembrando os desafios am-
bientais do Museu da Cana, Clarival do Prado Valadares, Alexandre Wollner, Marcelo
Ferraz e, indiretamente, a memória obrigatória de Judith Lauand. Como diria Dona
Edilah Lacerda, “nada é por acaso”. E não sendo um simples roçar na retina, certa-
mente, se verá a magnitude da paisagem cultural infinita e predestinada ao significado
revolucionário dos bens culturais, o destino e a missão desse museu que tem absolu-
tamente tudo para ser a grande referência do homem que é de lá e cá, não sendo mais
o imigrante ou o brasileiro e sim o homem que representa a cultura do Atlântico e
que possui a dimensão do açúcar produzido no Brasil e consumido, há séculos, pelo
Mundo. Ou seja, o Museu da Cana tem a globalidade do açúcar como fronteira de sua
cultura imaterial. Nasceu para a museologia social, os bens culturais, a preservação da
memória do IAA, do Proálcool e o futuro de uma mentalidade em que o conceito de
tecnologia estará ligado à biodiversidade e não confinado às redes digitais. Buscando
assim o equilíbrio cultural, ambiental, espiritual, econômico e criador, como se dese-
nhou, na origem coletiva da concepção do museu, e a exemplo da capacidade ética
individual desses que são os nossos pioneiros.
Referências
Resumo
CARMO, E. C. C. Construção de identidades nacionais no teatro de Joaquim Cardozo. Rev. C&Tró-
pico, v. 44, n. 1, p. 37-58, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art2
Abstract
CARMO, E. C. C. Construction of national identities at Joaquim Cardozo play. Rev. C&Trópico, v.
44, n. 1, p. 37-58, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art2
The general purpose of this work is to investigate the process building of na-
tional identities in Joaquim Cardozo’s play, more specifically in O coronel de
Macambira. For that, we used the concept of identity proposed by Hall (1993), as
well as the studies on the referencing process developed by Mondada and Dubois
(2005 [1995]), Marcuschi (2007) and Koch (2015 [2002]). In addition, we also
dialogue with reflections from sociology and anthropology, such as the investiga-
tions carried out by Ribeiro (2006 [1995]), Prado Jr. (2011 [1942]) and Schwarcz
(2019) on the socio-historical formation of Brazil. We analyzed the anaphoric
nominal expressions that refer to the characters that make up the play O coronel
de Macambira, in order to observe the construction of national identities in the
1
Mestre e graduado em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente, atua como pro-
fessor de Língua Portuguesa em escolas de rede privada da Região Metropolitana do Recife. E-mail: estevao.
eduardo.cavalcante@gmail.com.Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8880-389X
drama of Joaquim Cardozo. Although there are multiple identities that cross the
play, we note that the characters are fragmented and antagonistic groups, which
in turn represent socio-economic conflicts embedded in Brazilian society.
Keywords: Identity. Imaginary formations. Organized fan. Discourse.
Resumen
CARMO, E. C. C. Construcción de identidades nacionales en el teatro de Joaquim Cardozo. Rev.
C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 37-58, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art2
La propuesta general de este trabajo es investigar el proceso de construcción de
identidades nacionales en el teatro de Joaquim Cardozo, más específicamente en la
obra de teatro O coronel de Macambira. Para eso, utilizamos el concepto de iden-
tidad propuesto por Hall (1993), así como los estudios sobre el proceso de referen-
cia desarrollado por Mondada y Dubois (2005 [1995]), Marcuschi (2007) y Koch
(2015 [2002]). Además, también dialogamos con reflexiones de la sociología y la
antropología, como las investigaciones realizadas por Ribeiro (2006 [1995]), Prado
Jr. (2011 [1942]) y Schwarcz (2019) sobre la formación sociohistórica de Brasil.
Analizamos las expresiones anafóricas nominales que se refieren a los personajes
que componen la obra O coronel de Macambira, para observar la construcción de
identidades nacionales en el drama de Joaquim Cardozo. Aunque hay múltiples
identidades que cruzan la obra, notamos que los personajes son grupos fragmenta-
dos y antagónicos, que a su vez representan conflictos socioeconómicos arraigados
en la sociedad brasileña.
Palabras clave: Identidad. Formaciones imaginarias. Partidario organizado. Habla.
1. Introdução
O coronel de Macambira é uma das cinco peças escritas por Joaquim Cardozo
(1897-1978), autor pernambucano. O drama é elaborado em formato de bumba meu
boi, manifestação cultural que, embora não tenha se originado no Brasil, se popula-
rizou em todo território nacional. No posfácio do texto, Cardozo assinala ter se fun-
damentado nas versões do boi reunidas por Ascenso Ferreira e publicadas, em 1944,
na revista Arquivos, da Prefeitura do Recife. Não obstante ser uma manifestação cul-
tural associada continuamente às regiões Norte e Nordeste, seria ingenuidade limitar
a abrangência do bumba meu boi somente a essas duas localidades. Diversas leituras e
representações do boi se espalharam por todo o Brasil tão logo sua chegada em terri-
tório nacional. Por esse motivo, Leite (2017, p. 9) afirma que “o boi se manifestou e se
manifesta em todo o Brasil, não é típico de uma região e possui características próprias
de acordo com o chão que germina”.
a) a do sujeito do Iluminismo;
b) a do sujeito sociológico;
c) a do sujeito pós-moderno.
assentadas no imaginário popular de uma nação. Em outros termos, “uma cultura na-
cional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto
nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos” (HALL, 1993, p. 50).
Ao partir, então, desses pressupostos, entendemos identidades nacionais
como construções discursivas, passíveis de reconfigurações. Portanto, mutáveis,
dado que elaboradas no discurso. Hall (1993) adverte, no entanto, sobre a compreen-
são de identidades nacionais como modelos homogêneos e harmoniosos. Segundo
o autor, as nações modernas são compostas por diversas comunidades e sujeitos
diferentes entre si, de modo que seria impossível falar de uma identidade única e
coesa para uma nação. Por esse motivo, as identidades nacionais são plurais (em
classe, gênero, raça e etnia, por exemplo), ainda que continuem a ser representadas
discursivamente como unificadas.
Analisando esse fenômeno no cenário brasileiro, Schwarcz (2019) admite que,
desde o Brasil Colônia, há sucessivas tentativas no sentido de produzir um discurso
homogeneizante e padronizado sobre o país, o que solapa e encobre uma profunda
desigualdade estruturada historicamente em território nacional. A autora aponta que
diversas representações sobre o Brasil e o brasileiro, elaboradas sobretudo entre o final
do século XIX e início do século XX, apresentam um modelo de colonização e misci-
genação democrático e uniforme, fato que ignora, por sua vez, anos de escravização e
de exploração socioeconômica (SCHWARCZ, 2019).
Em uma de suas maiores obras, Ribeiro (2006 [1995]) também salienta o ce-
nário conflituoso e heterogêneo sobre o qual se consolidou a sociedade brasileira.
Conforme o antropólogo, a estratificação social no Brasil é composta por quatro gru-
pos, a saber: i) no topo e, em menor número, a classe dominante, composta pelos
setores empresariais, políticos e eclesiásticos, entre outros; ii) em seguida, os setores
intermediários, representados por profissionais liberais, empregados e pequenos em-
presários; iii) logo após, as classes subalternas, constituídas pelo campesinato e opera-
riado; iv) e, por fim, na base e em maior número, as classes oprimidas, compostas por
empregados domésticos, biscateiros, moradores de rua, dentre outros marginalizados
historicamente pela sociedade.
Alinhando-se também a tais reflexões, Prado Jr. (2011 [1942]) atribui a organi-
zação social desigual no Brasil à escravidão que se perpetuou no país por quase qua-
tro séculos e que, conforme o autor, ainda engendra repercussões na estrutura social
contemporânea. De acordo com o historiador, a nítida diferença que existia, no Brasil
Colônia, entre os senhores e os escravos faz-se presente, ainda hoje, no racismo que
atravessa os costumes, os discursos e as diversas desigualdades atuais2.
Prado Jr. (2011 [1942]), no entanto, também indica que, entre os senhores
e os escravos, havia ainda, na Colônia, um grupo numeroso de homens livres,
profissionais liberais ou mesmo marginais, formando uma comunidade interme-
diária que, se não integrava a classe dos escravizados, tampouco figurava entre
os senhores. Ainda nos termos do autor, “uma parte desta subcategoria colonial
2
Nesse sentido, uma perspectiva semelhante pode ser encontrada nas reflexões elaboradas por Souza (2017).
4
Para um estudo mais aprofundado sobre os tipos de anáfora, ver Cavalcante (2003) e Koch e Marcuschi (1998).
5. Aspectos metodológicos
5
Seguindo as orientações da ABNT, utilizamos a terminologia “quadro” em detrimento da designação “tabela”,
entendendo que a principal informação de uma tabela é o dado numérico, o que não coaduna com nossas ca-
tegorias analítico-metodológicas. No entanto, para que não se confunda “quadro” de análise e “quadro” da peça
analisada, quando nos referirmos ao quadro de análise, empregaremos o termo em itálico.
Valentão
Fazendeiro Zé Pequeno
Produtor
Economista
Propagandista
1° Padre
Bicheiro
Aviador Capitão
Aeromoça Mateus
Soldado Catirina
Bastião
Cantadeiras
Engenheiro
Fazendeiro Zé Pequeno
Coronel Nonô
2°
Retirante
Doutor
Ambrosino (Enfermeiro)
Valentão
1ª x
Fazendeiro Zé Pequeno
Padre
3ª x
Mateus e Catirina
1° quadro
Bicheiro
4ª x
Mateus e Catirina
5ª -
Político e Padre
6ª x
População
7ª -
2ª -
4ª -
5ª -
6
Os dados do Quadro 2 são de importância fundamental para a análise a seguir.
6. Análise do texto
(Valentão)
“forte”
“perverso”
“frio” (Zé Pequeno)
“armado” “afrontado”
“homem do cangaço” “desgraçado”
1ª
“fulô venenosa” “atrapalhado”
“jagunço”
“bandido”
“filho de Pernambuco”
“mucufa”
(Produtor)
“grande produtor”
“produtor de rapadura”
“grande fornecedor”
“malandrão”
“aquele que produz”
(Economista)
“economista formado”
“doutor em finas finanças” (População)
2ª
“doutor em leis matemáticas” “furtados”
(Propagandista)
“sagaz propagandista”
“bom propagandista”
“justiceiros”
“produtores da abundância”
“coveiros”
“sambaquantes”
3ª - -
(Bicheiro)
“camafonge”
“esperto” (Mateus e Catirina)
4ª
“finório” “um par de simplórios”
“bicheiro besta”
“afoito”
(Aeromoça)
“forma constelada”
“filha da lua nova”
5ª - “irmã da estrela d’Alva”
“pastora”
“baliza”
“farol”
(Padre)
6ª -
“gordo”
(Soldado)
“raso”
“simples candango”
“defunto sem missa”
7ª -
(População)
“pobres”
“vagabundos”
“gente pobre”
(1)
CANTADEIRAS
Vem na frente o produtor
Logo após o economista
Mais atrás com o seu tambor
O sagaz propagandista
(2)
PRODUTOR
Sou o grande produtor
De farinha e de algodão
Produtor de rapadura
De manteiga e requeijão
Sou o grande fornecedor
De carne seca e feijão
[...]
MATEUS
Ah! Bem se atina e se vê
Bem se vê que é malandrão
(CARDOZO, 2017, p. 61)
1ª - -
2ª - -
(Engenheiro)
“mais que feiticeiro”
3ª “gamela” -
“engenheiro diplomado”
“técnico especializado”
(Retirante)
“figura andrajosa”
“figura intemporal”
“figura constituída de gestos”
“acabado”
“largado”
“velho amigo”
“meu irmão”
4ª
“os senhores da vida” “reduzido a pouco”
“sombra sem corpo”
“rosto sem pessoa”
“vento sem ar soprando”
“um canto”
“uma loa”
“pavio apagado”
“sozinho”
(Doutor)
“show de Doutor”
5ª -
“cirurgião de mão leve”
“vendedor de miúdos”
(3)
CORONEL
[investindo sobre o engenheiro]
Que grande patifaria!
Que grande trampolinagem!
Não estivesse eu alerta
Cairia na esparrela:
Isto é coisa, isto é serviço
Que se faça, seu gamela?
ENGENHEIRO
Alto lá! Gamela não!
Engenheiro diplomado,
E, em marcações de divisas,
Técnico especializado
[...]
(CARDOZO, 2017, p. 102)
(4)
MATEUS
Como é que vens acabado
Velho amigo, meu irmão
RETIRANTE
[...]
Sou uma sombra sem corpo,
Sou um rosto sem pessoa,
Um vento sem ar soprando,
Sem som, um canto, uma loa.
(CADORZO, 2017, p. 106)
7. Considerações finais
operante de uma classe empresarial ou proprietária de terra (PRADO JR, 2011 [1942]);
as das elites locais ou regionais, que simbolizam o “coronelismo”, fenômeno constitu-
tivo da sociedade brasileira e que ecoa até os dias atuais (IGLÉSIAS, 1993); e, por
fim, as da população desassistida e esquecida, que sofre o resultado das desigualdades
sociais, sobretudo quando somamos a essa diferença o recorte racial (SCHWARCZ,
2019; SOUZA, 2017).
Longe de encerrar a discussão, esperamos que a análise aqui elaborada possa
contribuir com reflexões que atravessem e ponham em diálogo estudos linguístico-
-discursivos, história e literatura, na tentativa de compreender a organização social
brasileira e de como ela é representada em diversos domínios.
Referências
Resumo
CASTRO, L. C. C. de. Formações imaginárias: a imagem de si e do outro em torcidas organizadas
de futebol em redes sociais na internet. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 59-71, 2020. DOI: https://doi.
org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art3
Neste artigo2, discute-se o conceito de formações imaginárias, introduzido por
Pêcheux (AAD-69), com o objetivo de analisar a construção identitária de tor-
cedores organizados. Usa-se o conceito de formações imaginárias por designar
o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, isto é, a imagem que eles
fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro, acrescido do conceito de iden-
tidade na perspectiva da AD francesa. Na metodologia, realiza-se uma pesquisa
exploratória de abordagem qualitativa a partir de sequências discursivas extraí-
das de sites de torcidas organizadas. Os resultados apontam para a heterogenei-
dade da identidade do torcedor organizado, uma vez que a identidade perpassa
pelas representações que cada um tem de si e do outro, pelo discurso transverso e
pelo deslocamento da posição-sujeito. Conclui-se que a construção da identida-
de vai além das representações imaginárias, devido à pertinência dos elementos
constitutivos do processo discursivo.
Palavras-chave: Identidade. Formações imaginárias. Torcedor organizado. Discurso.
Abstract
CASTRO, L. C. C. de. Imaginary formations: the image of itself and of the other among soccer
organized twist in social networks on the internet. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 59-71, 2020. DOI:
https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art3
In this paper, it was discussed about the concept of imaginary formations intro-
duced by Pecheux (AAD-69), with the objective of analyzing the identity cons-
truction of organized supporters. We use the concept of imaginary formations to
1
Especialista em Leitura, Compreensão e Produção Textual pela UFPE (2004) e Mestre em Linguística pela UFPB
(2009). Atualmente é professor de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Estado de Pernambuco.
Pesquisador do Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação (NEHTE). E-mail: luladecastro@
gmail.com https://orcid.org/0000-0002-9940-0631
2
Este artigo completo é o desenvolvimento de uma comunicação apresentada na 25ª Jornada Nacional de Estudos
Linguísticos do Nordeste, realizado no período de 01 a 04 de outubro de 2014, na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, campus de Natal.
designate the place where A and B are assigned to each other and to each other,
i.e, the image that they make their own place and the place of the other, plus the
concept of identity from the perspective of French AD. In the methodology, we
conducted an exploratory qualitative study from extracted discursive sequences
of organized fan sites. The results pointed to the heterogeneity of the identity of
organized fan since the identity permeates the representations that each one has
of oneself and the other, the transverse displacement of the discourse and sub-
ject position. It was concluded that the construction of identity goes beyond the
imaginary representations, due to the relevance of the elements (mechanisms)
constituting the discursive process.
Keywords: Identity. Imaginary formations. Organized fan. Discourse.
Resumen
CASTRO, L. C. C. de. Formaciones imaginarias: la imagen de usted y de otros en fanáticos de fútbol
organizados en redes sociales en internet. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 59-71, 2020. DOI: https://
doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art3
Este artículo analiza el concepto de formaciones imaginarias, presentado por
Pêcheux (AAD-69), para analizar la construcción de identidad de los fanáti-
cos organizados. El concepto de formaciones imaginarias se usa para designar
el lugar que A y B se asignan entre sí y entre sí, es decir, la imagen que hacen de
su propio lugar y el lugar del otro, más el concepto de identidad en Perspectiva
francesa AD. En la metodología, se lleva a cabo una investigación exploratoria
con un enfoque cualitativo basado en secuencias discursivas extraídas de sitios
de fans organizados. Los resultados apuntan a la heterogeneidad de la identidad
del aficionado organizado, ya que la identidad atraviesa las representaciones que
cada uno tiene de sí mismo y del otro, por el discurso transversal y por el despla-
zamiento de la posición del sujeto. Se concluye que la construcción de la identi-
dad va más allá de las representaciones imaginarias, debido a la pertinencia de
los elementos constitutivos del proceso discursivo.
Palabras clave: Identidad. Formaciones imaginarias. Partidario organizado. Habla.
modo ou de outro, segundo o efeito de sentido que o locutor pensa produzir em seu
interlocutor (ORLANDI, 1999).
Nesse sentido, a antecipação funciona como elemento de regulação dos efeitos
de sentido no processo discursivo, em uma formação discursiva. Certamente que os
membros de torcidas organizadas projetam imagens de si e do outro, aqui representa-
do pelo adversário, torcedor comum, um cidadão, um jornalista.
A partir do reconhecimento do lugar social que o outro ocupa numa certa for-
mação social, emergem as relações de força, outro elemento crucial para a constituição
das formações imaginárias; tão importante quanto as antecipações, esse elemento in-
tervém no processo de formações imaginárias, assim como na constituição do sentido
(GRIGOLETTO, 2005). Desse modo, quando um torcedor organizado fala com outro
torcedor organizado do seu clube, ele fala diferente, de que se falasse com um torcedor
organizado do clube adversário, a depender do grau de confrontamento do discurso.
Portanto, é nessas relações de força, constituída a partir das posições, dos lu-
gares, que se instaura o discurso, produzindo-se os efeitos de sentido numa relação
interdiscursiva. Lembro que o sujeito é interpelado ideologicamente, assumindo, sem
se dar conta, uma posição-sujeito a partir de sua inscrição em uma dada formação
discursiva. No caso em estudo, na formação discursiva da torcida organizada.
Acrescente-se ainda outro elemento de igual importância para as formações
imaginárias, as relações de sentido. Elas pressupõem uma relação interdiscursiva, tan-
to para já-ditos como para os dizeres futuros (GRIGOLETTO, 2005). Não há ponto
inicial, nem ponto final para o discurso. O discurso mantém sempre relação com ou-
tros discursos realizados, imaginados e possíveis (ORLANDI,1999).
Dessa feita, compreendemos que é na rede das formações imaginárias que a
identidade do sujeito se constitui.
3. Sujeito e identidade
3
TOIC - Torcida organizada Inferno Coral – Disponível em: https://www.facebook.com/grtoicoficial acessada
em: 18/mai/2014.
não se dando conta de que, ao produzirem tais discursos, estão assujeitados a uma ou
várias Formações Discursivas (FDs). É no interior das FDs que os sujeitos interpelados
ideologicamente inscrevem seu discurso, ocupando determinadas posições, lugares na
conjuntura social. Esses lugares, essas posições que nos remetem a relações de classe
(poder) se caracterizam pelo afrontamento de posições políticas e ideológicas, organi-
zados em formações que mantêm entre si, relações de antagonismo, de aliança ou de
dominação (PÊCHEUX; FUCHS, 1975).
Pêcheux parte da hipótese de que esses lugares estão representados nos proces-
sos discursivos em que são colocados em jogo, não como feixe de traços objetivos, mas
sim transformados, como representações imaginárias. Essa hipótese o leva a concluir
que “o que funciona nos processos discursivos (formações discursivas) é uma série
de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si
e ao outro, a imagem que eles se fazem seu de próprio lugar e do lugar do outro”(PE-
CHEUX, 1997, p. 82).
Para esse autor, o discurso é “efeito de sentido entre os pontos A e B”, em que
os pontos A e B diferentemente de sujeitos empíricos, representam lugares, posições
sociais que estabelecem relações entre interlocutores.
A análise será guiada à luz de um dos fatores das condições de produção do
discurso: o jogo de imagens. Tomarei como modelo o esboço sugerido por Pêcheux
(1997, p. 83) para analisar como a posição (as imagens de si e do outro) dos membros
de torcidas organizadas interfere na constituição da identidade.
dada posição”. Essas posições, das quais dependerá o sentindo das palavras, estabele-
cem relações de poder assimétricas, de acordo com a posição de onde se fala.
Neste artigo, concebe-se o discurso como efeito de sentido entre os inter-
locutores aqui representados pelos torcedores organizados e o outro torcedor co-
mum, jornalista.
Fonte: https://www.facebook.com/grtoicoficial.
Fonte: https://www.facebook.com/grtoicoficial.
Fonte: https://www.facebook.com/fanautico.com.br.
É por meio dos deslocamentos que vão sendo projetadas as imagens do bom
e mau torcedor, constitutivas do torcedor organizado que, inconscientemente, en-
contra-se interpelado ideologicamente e inscreve-se como sujeito em uma formação
discursiva que o domina, ora identificando-se com ela, ora contraidentificando-se,
constituindo, assim, a identidade do torcedor organizado
5. Considerações finais
Referências
Resumo
MELO, C. M. C. de.; BEZERRA, M. do C. de L. Relação entre Política urbana e habitacional:
instrumentos urbanísticos em apoio ao provimento da habitação social sustentável. Rev. C&Trópico,
v. 44, n. 1, p. 73-99, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art4
O acesso à habitação é condição básica para a conquista do direito à cidade sus-
tentável, disposto no Estatuto da Cidade, norma balizadora dos Planos Diretores
Urbanos no país. O tema tem ocupado pouco espaço na literatura urbanística so-
bre sustentabilidade, dando a entender que o provimento de moradia, seja em que
condição ocorra, já constituiria um atributo de sustentabilidade da cidade. O es-
tudo visa verificar o grau de sinergia entre as decisões de política urbana e política
habitacional para alcance da cidade sustentável. Utiliza como método a identifica-
ção dos atributos espaciais do modelo de cidade resiliente e cidade compacta para
verificar, entre os instrumentos do Estatuto da Cidade, quais apoiariam decisões
de localização de habitação na estrutura urbana, de modo que tais atributos fossem
alcançados. Como estudo empírico se tomou a aplicação dos instrumentos: Zonas
Especiais de Interesse Social - ZEIS de vazio; Operações Urbanas Consorciadas -
OUC e Outorga Onerosa do Direito de Construir – OODC para verificar como
eles dialogaram com o provimento de habitação de interesse social. Os resultados
sugerem que o grau de integração entre instrumentos de política urbana e política
habitacional são muito baixos e que as decisões de provimento da habitação visam
apenas dados quantitativos não estando em pauta a estruturação sustentável do
tecido urbano.
Palavras-chave: Habitação de Interesse Social. Habitação sustentável. Cidade sustentável.
1
Doutoranda no Programa de Pós Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
Brasília, área Projeto e Planejamento. Analista de Planejamento Urbano e Infraestrutura da Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal. E-mail: cristina.mello.cmc@gmail.com Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-1153-9899
2
Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas (USP). Professora Associada IV da Universidade de Brasília atuan-
do no Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade de Brasília. E-mail: mdclbezerra@gmail.com Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-7736-5265
Abstract
MELO, C. M. C. de.; BEZERRA, M. do C. de L. Relationship between urban and housing policy:
urbanistic instruments in order to support the provision of sustainable social housing. Rev. C&-
Trópico, v. 44, n. 1, p. 73-99, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art4
The access to housing is a basic condition for the achievement of the right to a sus-
tainable city, and is laid down in the “Estatuto da Cidade” (city statute), a guide-
line for Urban Master Plans in the country. The theme has occupied little space in
the urban literature on sustainability, suggesting that the provision of housing, in
whatever condition occurs, would already constitute an attribute of sustainability
in the city. The study aims to verify the degree of synergy between urban policy
and housing policy decisions to reach a sustainable city. It uses as a method the
identification of the spatial attributes of the model of resilient city and compact
city to verify, among the instruments of the “Estatuto da Cidade”, which would
support decisions of housing location in the urban structure, so that such attri-
butes were achieved. As an empirical study, the application of the instruments
was taken: Special Areas of Social Interest (ZEIS de vazios); Consortium Urban
Operations (OUC) and Onerous Grant of the Right to Build (OODC) to verify
how they dialogued with the provision of social housing. As a result, it was found
that the degree of integration between urban policy and housing policy instru-
ments is very low and that decisions to provide housing are aimed only at quanti-
tative data, and the sustainable structuring of the urban city is not on the agenda.
Keywords: Interest Housing. Sustainable housing. Sustainable city.
Resumen
MELO, C. M. C. de.; BEZERRA, M. do C. de L. Relación entre política urbana y política de vivienda:
instrumentos urbanos para apoyar la provisión de vivienda social sostenible. Rev. C&Trópico, v. 44,
n. 1, p. 73-99, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art4
El acceso a la vivienda es una condición básica para lograr el derecho a una ciudad
sostenible, como se establece en el Estatuto de la Ciudad, una norma rectora para
los Planes Maestros Urbanos en el país. El tema ha ocupado poco espacio en la
literatura urbana sobre sostenibilidad, lo que sugiere que la provisión de vivienda,
cualquiera que sea la condición, ya constituiría un atributo de sostenibilidad en la
ciudad. El estudio tiene como objetivo verificar el grado de sinergia entre la política
urbana y las decisiones de política de vivienda para llegar a una ciudad sostenible.
Utiliza como método la identificación de los atributos espaciales del modelo de ciu-
dad resiliente y ciudad compacta para verificar, entre los instrumentos del Estatuto
de la Ciudad, lo que respaldaría las decisiones de ubicación de la vivienda en la
estructura urbana, para que dichos atributos se lograran. Como estudio empírico,
se tomó la aplicación de los instrumentos: Zonas especiales de interés social - ZEIS
de vacío; Operaciones urbanas del consorcio - OUC y Onerous Grant of the Right to
Build - OODC para verificar cómo dialogaron con la provisión de viviendas socia-
les. Los resultados sugieren que el grado de integración entre la política urbana y los
1. Introdução
3
Atualmente no Brasil a habitação social é provida por meio do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV
do Governo Federal, que vem sendo implantado desde 2009 de acordo com a Lei n° 11.977/2009.
Para enfrentar o tema, parte-se do estudo sobre alguns conceitos que definem
as características das cidades sustentáveis, com o intuito de identificar as recorrências
de atributos no que se refere à estrutura espacial da cidade. A revisão bibliográfica
destacou as características dos modelos de cidades resilientes e de cidades compactas
como os que melhor expressam a espacialidade da ideia de sustentabilidade e viabi-
lizam um diálogo com as ações de natureza próprias do planejamento urbano. Nas
cidades, respondem aos aspectos necessários para o alcance da qualidade de vida e
ambiental, considerando como base da pesquisa bibliográfica autores como Bezerra
(2018); Ribas (2003); Rogers e Gumuchdjian (2001); Sachs (2002); Santos e Hardt
(2013); e Tudela (1997).
Em seguida, foram estudados os instrumentos urbanísticos do Estatuto da
Cidade com o objetivo de identificar as correlações, entre o que possibilita em termos
de estruturação urbana, para alcance dos atributos antes identificados. Essas corres-
pondências foram capazes de auxiliar na obtenção de uma localização para a habitação
de interesse social que responda a sustentabilidade da cidade e da habitação. As infor-
mações encontradas foram sistematizadas em quadros de análise com o intuito de,
4
Estatuto da Cidade - Lei n° 10.257/2001, Art. 2°, inciso I e Lei n° 11.124/2005, Art.2°, inciso I.
5
Newton (2000) define as categorias da seguinte maneira – Fringe cities: cidades cujo desenvolvimento ocorre
predominantemente na orla urbana; Corridor cities: cidades cujo desenvolvimento ocorre predominantemente
ao longo de um corredor linear a partir do núcleo central da cidade, fortemente suportado pelo desenvolvimen-
to do sistema de transportes públicos; Edge cities: cidades que se caracterizam pela ocorrência de crescimento
populacional, do emprego e da densidade residencial em nós bem definidos da cidade e simultaneamente pelo
desenvolvimento de núcleos de comércio e serviços no exterior da cidade, suportados pelo desenvolvimento da
rede viária; Dispersed cities: desenvolvimento contínuo de baixa densidade populacional, com infraestrutura
dominada pelo transporte rodoviário; Compact cities: desenvolvimento com altas densidades, possibilidade de
melhor estrutura para transporte público.
6
Os atributos espaciais da cidade sustentável devem ser destacados em sua relação com a habitação para obter-
mos uma caracterização do que é uma habitação sustentável. Pelos estudos teóricos sobre sustentabilidade, se
chegou à conclusão de que os atributos das cidades resilientes e compactas são os responsáveis por estas carac-
terísticas necessárias.
7
Rueda (2002) descreve o modelo de cidade compacta e suas características mais importantes. Todavia, sabe-se
que nenhuma metrópole pode ser percorrida totalmente a pé. Há ainda, um outro viés que deve ser analisado
nessa premissa: ao se promoverem elementos estruturadores da forma compacta em uma metrópole, abre-se a
possibilidade de favorecer este tipo de deslocamento.
Gestão de risco com base no compromisso com os ecossistemas como forma de mitigar
inundações, tempestades e outros perigos a que a cidade possa estar vulnerável.
da pobreza.
Plano para continuidade dos negócios, para evitar a interrupção em caso de desastres.
Garantia a todos de acesso a serviços básicos e garantia de uma rede de proteção social após
o desastre.
Adensamento e otimização das áreas urbanas, criando espaços eficientes e de uso múltiplo.
Limitação da expansão territorial, com eficiência quanto aos usos dos recursos naturais.
Criação de corredores de vegetação que conectem parques e áreas verdes urbanas, evitando
ilhas de calor.
• Limitação da expansão territorial, com eficiência quanto aos usos dos recursos
naturais;
(i) Apenas os instrumentos que se referem de forma clara à habitação são previstos nos
Planos Diretores, muitas vezes sem aplicação e sem entender a interpelação entre a
configuração urbana como um todo no provimento de condições de habitabilidade. De
acordo com Pesquisas de Avaliação dos Novos Planos Diretores produzidos, coordena-
das pelo sistema CONFEA/CREAs e pelo IPPUR/UFRJ, em parceria com o Ministério
das Cidades, estima-se que cerca de 80% dos Planos Diretores contemplaram a criação
de ZEIS, depois de aprovado o Estatuto da Cidade, embora apenas 30% dos planos
regulamentem ZEIS de vazio (Ministério das Cidades, 2009);
9
Instituída em 2004 pelo Ministério das Cidades. A PNH considera fundamental para atingir seus objetivos a
integração entre a política habitacional e a política nacional de desenvolvimento urbano.
(vi) Alguns aspectos inerentes à dinâmica urbana que, se não bem conduzidos
pela gestão pública, podem comprometer qualquer política bem elaborada
tecnicamente, como: os conflitos de interesse dos agentes envolvidos - poder
público, população, movimentos populares e empresários. (SOUSA, 2010).
XV – Simplificação da legislação de
parcelamento, uso e ocupação do solo e das
Plano diretor; disciplina do parcelamento, do uso e
normas edilícias, com vistas a permitir a
da ocupação do solo;
redução dos custos e o aumento da oferta dos
lotes e unidades habitacionais.
Atributos Instrumentos
Plano de desenvolvimento
Garantia a todos de acesso a serviços básicos.
econômico e social.
Diversidade cultural e social: Integração de pessoas no espaço LUOS, ZEIS, Desapropriação, Direi-
urbano, com a inclusão socioespacial to de Preempção.
Para maior efetividade esses critérios podem ser objeto de prévia avaliação,
utilizando alguns métodos e/ou indicadores para sua avaliação, quais sejam:
(i) Índice de qualidade de vida urbana – IQVU, composto por indicadores que
qualificam o território em termos de acesso à serviços, meio ambiente, infra-
estrutura, equipamentos e segurança; (ii) avaliação da inserção urbana; e (iii)
distribuição de equipamentos públicos e de lazer.
• (2) No caso da OUC, existem outros aspectos a serem avaliados para sua ado-
ção, de modo a obter o êxito de integrar a habitação a uma área de requalifica-
ção urbana, como: (a) definição clara do polígono de sua aplicação, bem como
as transformações requeridas pela dinâmica urbana, de modo que, o projeto
da área seja assertivo em ocupar o novo espaço com as melhorias socioam-
bientais necessárias; (b) definição de mecanismos urbanísticos que orientem a
ação do mercado produtor imobiliário na direção do desenvolvimento urbano
pretendido; (c) definir estoque de potencial adicional de construção reservado
e vinculado à unidade habitacional de interesse social; (d) novos padrões ur-
banísticos em consonância com a previsão do mix de rendas a ser atendido; e
(e) aumento do potencial construtivo do lote, coeficiente de aproveitamento e/
ou mudanças de uso de seus terrenos de modo a viabilizar os capitais privados
e atender aos objetivos do planejamento.
O sucesso da operação é dado pelo volume de recursos que ela gera e pela
quantidade de infraestrutura que ela é capaz de implantar com os recursos ob-
tidos por meio da venda de Certificados de Potencial Adicional de Construção
– CEPAC. Esses por sua vez decorrem das exceções à Lei de Uso e Ocupação
do Solo- LUOS, concedidas pelo poder municipal, que deve utilizar essa arre-
cadação para investir em ações de estruturação, configuração, qualificação e
melhoria urbana das áreas definidas para atuação da OUC, segundo um pla-
nejamento previamente aprovado.
Como uma parceria público-privada, sua gestão deve se pautar por alguns
critérios como: (i) fugir da armadilha arrecadatória e da lógica tributarista
e/ou especulativa que muitas vezes acabam se sobrepondo às decisões e
interesses públicos; (ii) garantir a recuperação e distribuição da mais-valia
gerada pelo próprio investimento público e, assim, regular distorções de
valorização fundiária e/ou imobiliária geradas por esses mesmos investi-
mentos; e (iii) promover, sob controle social, formas de ocupação mais
intensa, qualificada e inclusiva do espaço urbano, articuladas à medida que
racionalizem e democratizem a utilização das redes de infraestrutura e o
acesso a equipamentos sociais, inclusive solo urbanizado, habitação e meio
ambiente.
• (3) As OODC adotadas nos Planos Diretores podem ser voltadas à promo-
ção da habitação sustentável desde que considere alguns aspectos, como:
(a) lei de zoneamento, indicando as zonas que poderão ser aplicados o
uso acima do coeficiente único, considerando a infraestrutura existente;
(b) possibilidade de o particular transferir o seu direito de construir não
utilizado até o limite do coeficiente único; e (c) a manutenção da propor-
ção entre os solos públicos e privados, constituindo na concessão onerosa
acima do coeficiente único por meio de doação de áreas ao poder público
ou do equivalente em dinheiro.
4. Discussão e resultados
Figura 1: Mapa com as áreas definidas para Regularização Fundiária (PDOT) e Oferta
de Áreas Habitacionais no DF.
Legenda:
Oferta de áreas habitacionais aaaaaaaa
Oferta de áreas habitacionais estudadas
Fonte: PDOT. 2009.
10
As áreas selecionadas no Caderno de ZEIS da SEGETH são: Áreas Livres QNJ Taguatinga (RAIII); Áreas Livres
Água Quente (RA XV); Áreas Livres Nova Colina (RA V); Área DER (RA V); Áreas Livres Mestre D´armas –
Grotão (RA VI); Cana do Reino I (RA XXX); Cana do Reino II ( RA XXX); Quadras 9, 11, 13 e 15 (RA XVII);
Vargem da Benção Qd. 117 e 118 ( RAXV); QNR 06 (RA IX); Etapa 3 Riacho Fundo II (RAXXI); Vargem da
Benção (RAXVI) e Setor Meireles (RAXIII).
Figura 2: Mapa de conectividade de alguns exemplos das áreas estudadas para habitação
de interesse social.
Etapa 4 Riacho Fundo II – RA XXI Riacho Fundo II Áreas Livres QNJ – RA III Taguatinga
(significativamente integrada) (integrada)
Fonte: Caderno ZEIS SEGETH, 2017.
Figura 3: Mapa de conectividade. Exemplo das áreas do Habita Brasília para criação
de ZEIS de vazios.
11
Áreas do Habita Brasília selecionadas no Caderno de ZEIS da SEGETH são: QNL Taguatinga – RAIII; Vargem
da Benção – RA XV; Quadras ímpares – RA XII; Residencial Pipiripau – RA VI; Centro Urbano Recanto das
Emas – RA XV e Quadras 19 e 20 de Sobradinho – RA V.
Em São Paulo, foi estudado o caso da Operação Urbana Centro que ti-
nha o objetivo de repovoar e requalificar o centro por meio do adensamento
habitacional, com a transformação dos imóveis abandonados ou subutilizados,
ao mesmo tempo em que seria introduzido melhoria na mobilidade urbana e
criação de uma rede de espaços públicos adequados a moradores locais. Para
tal, previu uma alteração de 10% a mais no coeficiente de aproveitamento aos
empreendimentos resultantes de remembramento de terrenos, em determinadas
áreas, de forma a gerar recursos para adequações voltadas à habitação. Essa de-
cisão acabou favorecendo a demolição e a intervenção das edificações ao invés
da requalificação e da conservação das características existentes na ocupação
urbana, gerando o aumento do valor dos imóveis da região e a expulsão dos
poucos moradores da área.
Assim, apesar do exemplo da OUC em São Paulo ter adotado alguns dos
critérios necessários para que se alcance localização habitacional considerada
sustentável, outros critérios não foram observados, como: (i) ausência de pro-
dutos formatados para públicos de várias classes sociais; (ii) associação entre
o projeto urbano e a gestão; e (iii) otimização do uso das redes de transporte
coletivo. Esses fatores interferiram no êxito do objetivo de atendimento dos in-
teresses sociais.
Verifica-se que a requalificação não garante a inclusão social, mesmo que
apresente alguns de seus objetivos. Apesar de tornar a inclusão no processo mais
provável. É necessário, para tal, um procedimento de gestão permanente, focado
nos objetivos inicias.
5. Considerações finais
A discussão sobre as características e condições de provimento de habitação
sustentável visa corrigir algumas práticas dos programas habitacionais no país que le-
vou à segregação socioespacial nas cidades. A sustentabilidade da habitação estabelece
uma relação entre atributos da cidade que condicionam a moradia, como: densidades
de média a alta; diversidade de usos nas diferentes zonas urbanas; proximidade casa/
trabalho; localização e provimento dos equipamentos públicos de serviço e de lazer e
políticas que priorize os transportes públicos e ativos e outros atributos estudados no
artigo. Assim, como se vê, é uma questão de planejamento urbano e remete à necessá-
ria integração entre política urbana e política habitacional.
A habitação sustentável tem na localização dentro da estrutura urbana um dos
mais relevantes atributos para seu alcance, o que leva à necessária articulação entre
política urbana e seus instrumentos de gestão e as decisões de política habitacional.
O estudo de instrumentos previstos no Estatuto da Cidade indica que muitos deles
podem ser utilizados nesse sentido, com ênfase para aqueles de caráter negocial ou
estratégicos, que vão além dos tradicionais zoneamentos de uso e ocupação do solo.
Aliás, esse foi o avanço do Estatuto, dispor de instrumentos de coordenação/ articula-
ção para fins de gestão urbana, antes restritos ao controle.
Os estudos de três desses instrumentos: ZEIS de vazio, a OUC e a OODC in-
dicaram que esses podem levar à constituição e/ou correção de tecidos urbanos mais
sustentáveis desde que atendidos os critérios identificados. Entretanto, os estudos pro-
cedidos para analisar como esses instrumentos estão sendo adotados no país, tomando
como amostra três cidades: Brasília, São Paulo e Palmas, mostrou um quadro preocu-
pante onde, em nenhuma das situações, os objetivos pretendidos foram alcançados.
Nos casos da OUC e OODC o estudo mostrou que, pelo contrário, sua aplicação vem
favorecendo a especulação imobiliária e não a sustentabilidade que se pretende alcançar.
No caso do Distrito Federal é possível que os critérios definidos para o estabelecimento de
ZEIS de vazio não tenha obtido o êxito esperado devido ao contexto estrutural da própria
formação do DF.
Por fim, fica evidente no estudo que há caminhos e instrumentos para “mudar
a cidade”, mas faz-se imprescindível o controle social qualificado com as devidas infor-
mações técnicas sobre as ações de planejamento e a gestão urbana.
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Sustentável. Área de concentração Política e Gestão Ambiental. CDS / UnB. Brasília.
Resumo
FARIA, R. S. de; PADOVESI-FONSECA, C. Gestão ecológica das águas: uma comparação das
diretrizes do Brasil e da Europa. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 101-117, 2020. DOI: https://doi.
org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art5
A política hídrica deve conter diretrizes compatíveis para uma gestão integrada
da sociedade, e assumir a proteção das águas e seu uso sustentável. Neste artigo,
traçamos paralelos de enquadramento das águas nas diretivas brasileira e europeia,
além de agregar as diretrizes europeia em abastecimentos de água no Brasil. As po-
líticas elencam a bacia hidrográfica como unidade de planejamento, e prevê o en-
quadramento das águas como instrumento de integração para usos humanos. No
Brasil, as águas são classificadas de acordo com condições ambientais e associadas
aos usos. Das especiais, quando não alteradas por atividades humanas; adequa-
das para abastecimento; e até somente usadas para navegação. A diretiva europeia
tem como objetivo alcançar o bom estado ecológico para as águas. Destacam-se
três aspectos nas configurações entre as diretivas brasileira e europeia. A diretiva
europeia prevê metas progressivas para determinados períodos, que garante um
acompanhamento efetivo do processo de avaliação e resposta. A comunidade é
atuante nas diretrizes da gestão europeia, em contraste com a do Brasil, que é mais
genérica. A diretiva europeia é mais ampla no âmbito da União Europeia. Há con-
trastes entre as realidades brasileira e europeia, com adaptações necessárias quan-
do aplicadas aqui. O gerenciamento de recursos hídricos é complexo, cuja análise
necessita de instrumentos técnicos robustos e ao mesmo tempo adaptáveis, que
1
Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior (CAPES), ao Programa de Mes-
trado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos ( ProfÁgua) Projeto CAPES/
ANA AUAXPE nº 2717/2015 e à Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) – Edital 05/2018.
2
Bacharel em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, Cruz das Almas (BA);
Mestranda em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos – ProfÁgua na Universidade de Brasília – UnB, Planaltina
(DF). rafaela_fariia@hotmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6160-5116.
3
Professora associada da Universidade de Brasília (UnB), Líder do Núcleo de Estudos Limnológicos (NEL)-
CNPq, Mestre e Doutora em área de Limnologia pela Universidade de São Paulo (USP), realizou Pós Doutorado
na Universidade de Paris Pierre e Marie Curie, Paris, França e na Universidade de Granada, Granada, Espanha.
padovesif@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7915-3496.
Abstract
FARIA, R. S. de; PADOVESI-FONSECA, C. Ecological water management: a comparison between
Brazilian and European guidelines. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 101-117, 2020. DOI: https://doi.
org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art5
The water policy must be based on guidelines directed to society integrated mana-
gement, and it assumes the water protection from the sustainable development pers-
pective. This study aimed to draw parallels for water quality guidelines applied in
Brazil and Europe, and further use of the European one here. The two water policies
consider the watershed as a planning unit and provide the different use classes of
waters a tool for the integrating system. Brazilian waters are classified according to
environmental conditions and they are associated with uses. Special class refers to
water not altered by human activities; an intermediate environmental condition is
suitable for supply; and even only used for navigation. The objective of the European
directive is to achieve good ecological status for water-bodies. Three aspects stand
out in the configurations between Brazilian and European directives. The European
proposes progressive targets for certain periods, which guarantees effective monitoring
by evaluation and response process. There is effective participation of the community
in the European guidelines, in contrast to Brazil, which is more generic. The inte-
grative organizational structure of the European directive is more broadly with the
European Union. There are contrasts between Brazilian and European realities, and
adaptations are necessaries when applied in Brazil. Water management resources are
complex, within analysis by viable and adapted technical instruments, which must
follow environmental laws, with future scenarios for water classing. Water Policy in
Brazil presents effective measures, which can achieve preservation, but much can still
be done to improve its water resource management.
Keywords: Water framework. Environmental monitoring. Reservoir management. European
Water Framework Directive.
Resumen
FARIA, R. S. de; PADOVESI-FONSECA, C. Gestión ecológica del agua: una comparación de
las pautas de Brasil y Europa. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 101-117, 2020. DOI: https://doi.
org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art5
La gestión de los recursos hídricos supone pautas compatibles e integradas a la
sociedad. Este artículo compara algunos aspectos de dos realidades distintas:
la europea y la brasileña, enmarcando sus directivas y agregando las directri-
ces europeas y el suministro de agua en Brasil. La cuenca hidrográfica es una
1. Introdução
forem destinadas. Além disso, pretende diminuir os custos de combate à poluição das
águas, mediante ações preventivas (BRASIL, op. cit.). O enquadramento indica o nível
de classe da água a ser alcançado ou mantido ao longo do tempo.
Para que o enquadramento seja aplicado é necessário que se avaliem os usos,
que são feitos e os que se pretende fazer, das águas na bacia hidrográfica na qual o cor-
po d’água está inserido e, posteriormente, executar políticas públicas para que as metas
sejam alcançadas (CARDOSO-SILVA et al., 2015). No Brasil, a categorização dos cor-
pos d’água foi definida pela Resolução CONAMA nº 357/2005, onde são estabelecidas
as diretrizes para a classificação dos corpos hídricos em classes de uso, bem como os
padrões de qualidade e para o lançamento de efluentes (BRASIL, 2005).
Por sua vez, a Diretiva Quadro da Água – DQA, implementada no início do
século XXI como uma nova estratégia de planejamento e gestão dos recursos hídricos
na União Europeia, tem como base uma abordagem ecológica e possui como objeti-
vo principal alcançar o bom estado ecológico para os corpos hídricos dos Estados-
Membros da UE (SARAIVA, 2010).
Neste sentido, o objetivo central deste artigo é traçar paralelos de análise de
enquadramento das águas para as diretivas de qualidade aplicadas no Brasil e na União
Europeia, com a perspectiva de uso agregador do enquadramento europeu em siste-
mas de abastecimento de água humano no Brasil.
Preservação do Mandatório
equilíbrio natural em UC de
das comunidades Proteção
aquáticas Integral
Recreação de
contato primário
Agricultura
Após
Abastecimento Após Após
Após tratamento
para consumo tratamento tratamento
desinfecção convencional
humano simplificado convencional
ou avançado
Recreação
de contato
secundário
Pesca
Hortaliças,
Hortaliças
frutíferas, Culturas
consumidas
parques, arbóreas,
Irrigação cruas e frutas
jardins, cerealíferas e
ingeridas com
campos de forrageiras
película
esporte
Dessedentação de
animais
Navegação
Harmonia
paisagística
recursos hídricos no Brasil, visto que são poucas as experiências de aplicação desse
instrumento de gestão. A falta de conhecimento sobre o instrumento, dificuldades
metodológicas para sua aplicação e insuficiência de ações de gestão e de recursos fun-
damentais para sua efetivação são alguns dos entraves relacionados (MACHADO op.
cit., 2019 e referências).
Cabe salientar que o enquadramento de um corpo hídrico não indica, neces-
sariamente, a qualidade atual, mas sim uma possível estratégia de planejamento para
atendimento às metas de médio e longo prazos estabelecidas nas diretrizes de gestores
de tomada de decisão de uma determinada região ou bacia hidrográfica. Estabelecer a
qualidade de água pretendida supõe uma avaliação da condição atual do corpo hídrico
– o rio que temos – e a verificação com as partes interessadas da qualidade desejada
para aquele curso d’água – o rio que queremos. Além disso, é necessário definir as
metas com todos envolvidos, considerando os aspectos técnicos e econômicos para al-
cançá-las – o rio que podemos ter (SILVA, 2017). Cardoso-Silva et al., (2015) ratificam
esses aspectos e argumenta que, no caso dos padrões de qualidade estabelecidos
não sejam atendidos, as classes nas quais os corpos hídricos são enquadrados de-
vem ser entendidas como metas a serem alcançadas.
Otomo et al., (2015) realçam aspectos falhos na efetivação do enquadramen-
to devido a flexibilidade na adequação das metas atingidas. Em especial, elencam a
falta de estabelecimento de prazos para atingir as metas estabelecidas pela Resolução
Conama e, dessa forma, muitos corpos hídricos tendem a permanecer degradados.
Podem ser acrescentados a não efetivação do enquadramento, a ausência de planos de
gestão de bacias hidrográficas, de planos sem consolidação, que não apresentam ações
consolidadas para que o enquadramento seja atingido, além da falta de conhecimento
da população a respeito do instrumento, bem como de um sistema de monitoramento
abrangente dos corpos hídricos (FOLETO, 2018).
As diretrizes da gestão de recursos hídricos no Brasil ainda devem ser con-
textualizadas para posições que discriminem com clareza as classes das águas e seu
enquadramento. Os padrões de categorias devem refletir particularidades regionais,
além de inserir, como prioridade, a proteção dos ecossistemas aquáticos e seus ma-
nanciais, como salientado por diversos pesquisadores (YASSUDA, 1993; CARDOSO-
SILVA et al., 2015; OTOMO et al., 2015).
Águas subterrâneas:
Quando no sistema aquífero o
balanço entre as extrações e as
descargas de água, por um lado,
É o estado hidrodinâmico dos recursos e as alterações da recarga natural,
hídricos subterrâneos sujeito a extrações e por outro, é sustentável a longo
Quantitativo a descargas de água, diretas e indiretas, e a prazo, e não provoca à degrada-
alterações da recarga natural devido às ações ção da qualidade ecológica das
antrópicas. águas de superfície hidraulica-
mente conectadas com o sistema
aquífero, nem afetam a qualidade
dos ecossistemas terrestres e das
zonas úmidas associadas.
5. Conclusões
Referências
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Resumo
MOURA, M. R. F. de; SANTOS, F. M. dos; GALVÃO, C. de O.; MONTENEGRO, S. M. G. L.; SIL-
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cov44n1(2020)art6
O gerenciamento integrado da água, com premissas baseadas na Sócio-hidrologia,
direciona os sistemas socioecológicos à sustentabilidade. O presente artigo apre-
sentou um Mapa Conceitual para compreensão de evoluções conceituais relativas
à segurança e à vulnerabilidade hídrica na perspectiva da Sustentabilidade Global.
Para isso, realizou-se uma revisão de literatura para o desenvolvimento de uma es-
trutura teórica que relaciona conceitos-chave fundamentais para análise e discus-
são interdisciplinar do gerenciamento sustentável da água. Observa-se que existem
evoluções conceituais no campo dos recursos hídricos que passaram a contem-
plar abordagens interdisciplinares que, por muito tempo, foram negligenciadas. O
Mapa Conceitual mostrou ainda que há múltiplos focos no conceito e no estudo da
Segurança Hídrica, de modo que esta pesquisa manteve o foco na Vulnerabilidade
1
Doutora em Recursos Hídricos no Programa de Pós-graduação em Eng. Civil e Ambiental do Centro de Tecno-
logias e Geociências UFPE- (PPGEC-CTG-UFPE). Docente do Centro Universitário Estácio do Recife. E-mail:
micaellaraissa@hotmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8710-3429
2
Mestre e Doutora em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Realizou pós-douto-
rado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) como bolsista do INCT Mudanças Climáticas - Fase
II (2018-2020). E-mail: franmodesto@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5249-1230
3
Professor Titular da Universidade Federal de Campina Grande. Doutor em Recursos Hídricos e Saneamento
Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999). E-mail: carlos.o.galvao@gmail.com Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-0800-7085
4
Professora Titular, membro permanente do Programa de Pós- Graduação em Engenharia Civil da UFPE (Mes-
trado e Doutorado) e do Programa de Pós- Graduação em Engenharia Agrícola e Ambiental da Universidade Fe-
deral Rural de Pernambuco. E-mail: suzanam.ufpe@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2520-5761
5
Professora Associada da Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco, docente permanente do Mestrado
em Engenharia Civil e docente colaboradora do Mestrado em Tecnologia Ambiental do ITEP - Instituto de Tec-
nologia de Pernambuco (ITEP-OS). E-mail: simonerosa@poli.br Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7138-7546
Abstract
MOURA, M. R. F. de; SANTOS, F. M. dos; GALVÃO, C. de O.; MONTENEGRO, S. M. G. L.; SILVA,
S. R. da. Water Security and Vulnerability: Conceptual Evolution in the Integrated and Sustainable
Management. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 119-141, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetro-
picov44n1(2020)art6
Integrated water management based on Socio-hydrology premises leads socio-eco-
logical systems to sustainability. This article presented a Conceptual Map for un-
derstanding conceptual developments related to water security and vulnerability
from the perspective of Global Sustainability. To reach this goal, a literature review
was carried out to develop a theoretical framework that lists key concepts that are
fundamental for the interdisciplinary analysis and discussion of sustainable water
management. It was observed that there are conceptual evolutions in the field of
water resources that started to contemplate interdisciplinary approaches that, for
a long time, were neglected. The Conceptual Map also showed the multiple focu-
ses on the definition and study of Water Security. This research kept the focus on
Vulnerability and Sustainability, understanding that they are relevant elements to
consolidate the Integrated Water Resources Management practice in favor of gua-
rantee Water Security.
Keywords: Water Security. Integrated Water Resources Management. Water Vulnerability.
Sustainability.
Resumen
MOURA, M. R. F. de; SANTOS, F. M. dos; GALVÃO, C. de O.; MONTENEGRO, S. M. G. L.; SILVA,
S. R. da. Seguridad y vulnerabilidad del Agua: Evolución Conceptual a la Luz de la Gestión Inte-
grada y Sostenible. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 119-141, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/
cetropicov44n1(2020)art6
La gestión integrada del agua con fundamentos basados en la Sociohidrología di-
rige los sistemas socioecológicos hacia la sostenibilidad. Este artículo presenta un
Mapa Conceptual para comprender los desarrollos conceptuales relacionados con
la seguridad y vulnerabilidad del agua en la perspectiva de la sostenibilidad glo-
bal. Con este fin, se realizó una revisión exhaustiva de la literatura para desar-
rollar un marco teórico que enumera los conceptos clave que son fundamentales
para el análisis interdisciplinario y la discusión de la gestión sostenible del agua.
Se observó que hay evoluciones conceptuales en el campo de los recursos hídricos
que comenzaron a contemplar enfoques interdisciplinarios que, durante mucho
tiempo, fueron descuidados. El Mapa Conceptual también muestra que existen
1. Introdução
o quadro nacional de Insegurança Hídrica (IH), seja pela falta do recurso hídri-
co (cenário de secas) ou por seu excesso (cenário de cheias) (DAMACENA, 2015;
BOLSON; HAONAT, 2016).
No cenário de secas, o quadro nacional de IH tem sido abordado principal-
mente na região do semiárido. As previsões de intensos extremos climáticos e a de-
gradação dos solos aumentam as incertezas nos processos administrativos da água,
colaborando para uma maior suscetibilidade aos danos causados por secas mais in-
tensas e prolongadas (MARENGO, 2008; MARENGO et al., 2011). Destacam-se as
particularidades fisioclimáticas desta região, que, aliadas a políticas públicas equivo-
cadas, culminaram para acentuar esta conjuntura crítica de elevada vulnerabilidade
(CIRILO, 2008; CIRILO; MONTENEGRO; CAMPOS, 2017).
Dessa forma, faz-se necessário que as complexidades e os conceitos intrín-
secos aos processos de gerenciamento das águas sejam analisados com clareza, pois
permitem trazer à tona obstáculos à consolidação de políticas públicas, por exem-
plo, possibilitando ainda encontrar oportunidades à reestruturação do sistema e ao
fortalecimento de medidas adaptativas (CARVALHO; CURI, 2016; LOPEZ PORRAS;
STRINGER; QUINN, 2019).
Diante do exposto, este artigo desenvolve uma estrutura teórica (Mapa
Conceitual) para compreensão de evoluções conceituais relativas à segurança e à vul-
nerabilidade hídrica na perspectiva da sustentabilidade, além de realizar uma análise
na esfera estadual, sendo identificados marcos político-institucionais responsáveis por
introduzir formalmente o conceito de segurança hídrica no estado de Pernambuco,
localizado na região Nordeste do Brasil.
O primeiro passo para alcançar o objetivo proposto consistiu em uma revisão
abrangente da literatura para a formulação do embasamento teórico em acordo com a
temática relacionada a: a) Sustentabilidade Global (e.g. UN, 2015); b) Sócio-hidrologia
(e.g. SIVAPALAN et al., 2014; MAO et al., 2017); c) Gestão Integrada de Recursos
Hídricos - GIRH (e.g. SAVENIJE; VAN DER ZAAG, 2008; GWP-C, 2015); d) SH (e.g.
GWP, 2000; OECD, 2013)); e e) Vulnerabilidade (e.g. ADGER, 2006; SULLIVAN,
2011; PLUMMER; de LOË; ARMITAGE, 2012). Para tanto, foram reunidos e cata-
logados para análise artigos científicos, instrumentos jurídicos e outros documentos
nacionais e internacionais.
Esses conceitos-chave possibilitam um melhor entendimento das discussões
interdisciplinares apontadas como fundamentais para analisar a segurança e a vul-
nerabilidade da água. A partir da revisão da literatura, foi desenvolvida a estrutura
teórica (Mapa conceitual da SH e da VH na perspectiva da Sustentabilidade Global).
A essência da segurança hídrica é que o interesse pelo recurso base está acompa-
nhado do interesse ao serviço que explora ou utiliza o recurso base, como o uso
humano, agricultura, atividades econômicas e proteção ambiental. Ambos aspectos
Global Water
de qualidade e quantidade de água devem ser considerados uma vez que a qualida-
Partnership –
de afeta o valor da água e o impacto ao meio ambiente. Segurança hídrica significa
GWP (2014)
aproveitar o potencial hídrico e combater os efeitos destrutivos da água; ou seja, os
danos causados por inundações, secas, deslizamentos de terra, erosão, poluição e
transmissão de doenças.
O objetivo da segurança hídrica é aproveitar as oportunidades e gerenciar os ris-
OECD|GWP
cos associados à água e, ao fazê-lo, promover o crescimento sustentável e maior
(2015)
bem-estar.
Condição que visa garantir quantidade e qualidade aceitável de água para abas-
tecimento, alimentação, preservação de ecossistemas e demais usos, associados a
ANA (2015)
um nível aceitável de riscos relacionados com a água para as pessoas, economias
e meio ambiente.
Fonte: Adaptado de Melo e Formiga-Johnsson (2017).
vulnerabilidades dos recursos hídricos será limitado pela escolha de indicadores, pela
qualidade e disponibilidade dos dados e por detalhes específicos da região”. O autor
reforça, desta maneira, a importância em “desenvolver definições, ferramentas e mé-
tricas claras que ofereçam maneiras consistentes de categorizar vulnerabilidades rela-
cionadas à água, a fim de identificar pontos de acesso ou riscos regionais e as melhores
estratégias para reduzi-los” (GLEICK, 2015, p.2).
Chamando a atenção novamente para o Brasil, salienta-se a relevância de ava-
liações de VH especificamente desenhadas para as realidades locais, principalmente
de regiões críticas. Apesar de o país apresentar bons índices quando comparado no ce-
nário mundial (Figura 1), as atuais conjunturas reafirmam disparidades históricas em
termos da segurança hídrica dos sistemas brasileiros. No ano de 2015, 9% das cidades
brasileiras necessitavam de novas fontes hídricas, e aproximadamente 50% apresenta-
vam vulnerabilidades associadas à produção de água (ANA, 2019b).
medida que o foco recai nas consequências da urbanização, inicia-se uma espiral de
demandas na qual são aceitos volumes de escoamento cada vez maiores (MIGUEZ;
GREGORIO; VEROL, 2017).
Essa disposição administrativa de caráter centralizador teve como alicerce
predominante um conhecimento científico unifocal essencialmente pragmático, que,
opondo-se às premissas da Sócio-hidrologia, por exemplo, negligenciava a interdis-
ciplinaridade característica da ciência hidrológica (TUCCI, 1993). Salienta-se aqui o
disposto por Dooge (1988, p. 64), de que
Fonte: Elaboração dos autores, a partir de Hoekstra, Buurman e van Ginkel (2018), Tundisi (2008) e Garrick
e Hall (2014).
4. Considerações finais
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wst.2012.182
Resumo
SILVA, F. R.; GUEDES, R. da S. A mídia impressa e a construção narrativa sobre a AIDS no Brasil
no final do século XX: Uma relação perigosa. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 143-162, 2020. DOI:
https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art7
O Brasil é caracterizado como um país de ampla diversidade e com uma população
heterogênea. Diariamente, as pessoas tidas como diferentes são desrespeitadas em
casa, no trabalho, nas escolas, nos espaços de sociabilidade e, nos últimos anos,
pelo governo federal. No dia 5 de fevereiro de 2020, a falta de empatia foi com
portadores do vírus HIV, tidos meramente como despesa para a sociedade e para
o governo. O discurso não só desrespeitou os Direitos Humanos e dos Cidadãos
como reforçou uma construção discursiva implantada no início da década de 1980,
quando associava-se os infectados a doentes e a enfermidade a homossexualidade.
Essas notícias eram veiculadas pela grande mídia do país e construíam uma identi-
dade errônea da doença, causavam a desinformação e, principalmente, dissemina-
vam o preconceito, as diferenças e a morte através de suicídios. Dessa forma, nosso
objetivo é analisar as reportagens que veicularam notícias sobre o HIV e a AIDS
em revistas de circulação nacional, pontuando a construção discursiva problemá-
tica que ocasionou a deflagração das diferenças e impulsionou o preconceito para
com os soropositivos comparando ao pensamento atual repercutido pelas autori-
dades do governo.
Palavras-chave: Mídia. Preconceito. AIDS. Brasil.
1
Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atua nas áreas de Gênero, Homossexualidades,
Velhices, Mídia Impressa, Ciência e Tecnologia. E-mail: fabiocg@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-
0002-6004-7340
2
Mestra em História pela Universidade Federal de Campina Grande. Atua nas áreas de Gênero, Ciência e Tecno-
logia. E-mail: raquel.silva.guedes@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3946-2750
Abstract
SILVA, F. R.; GUEDES, R. da S. Printed media and the narrative construction on HIV in Brazil at
the end of the 20th century: a dangerous relationship. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 143-162, 2020.
DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art7
Brazil is characterized as a country of wide diversity and with a heterogeneous
population. Every day people who are considered different are disrespected at
home, at work, in schools, in public places and more recently by the federal
government. On February 5th, 2020, a speech by the president did not show
any empathy for people with the HIV virus which he stated to be merely “a
cost for both society and for the government.” This reasoning not only disres-
pects Human and Citizens’ Rights, but also reinforces a premise constructed
and implemented in the early 1980s, when those infected were associated with
a disease of homosexuality. This news was carried by mainstream media in the
country and built an erroneous identity of the disease. It caused misinforma-
tion and most importantly spread prejudice, brought division and resulted in
deaths by suicide. So, we aim to analyze the reports that were carried in the
news about HIV and AIDS in nationally circulated printed press, punctuating
discursive constructions which caused increased division and boosted prejudice
towards seropositive people, and which are now seen to have parallels in the
thinking demonstrated by the authorities in today’s government.
Keywords: Media. Prejudice. AIDS. Brazil.
Resumen
SILVA, F. R.; GUEDES, R. da S. Medios impressos y la construción narrativa de la sida en el Brasil
a fines del siglo XX: Uma relación peligrosa. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 143-162, 2020. DOI:
https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art7
El Brasil se caracteriza por ser un país de gran diversidad y con una población
heterogénea. Todos los días, las personas consideradas diferentes no son respe-
tadas en el hogar, en el trabajo, en las escuelas, en los espacios de sociabilidad
y, en los últimos años, por el gobierno federal. El 5 de febrero de 2020, la falta
de empatía fue con los portadores del HIV, considerado simplemente como un
gasto para la sociedad y el gobierno. El discurso no solo no respetó los Derechos
Humanos y de los Ciudadanos, sino que reforzó una construcción discursiva
implementada a principios de la década de 1980, donde los infectados se aso-
ciaron con los enfermos y la enfermedad con la homosexualidad. Estas noticias
fueron transmitidas por los principales medios de comunicación del país y cons-
truyeron una identidad errónea de la enfermedad, causaron desinformación y,
principalmente, difundieron prejuicios, diferencias y muerte a través de sui-
cidios. Por lo tanto, haremos un análisis de los informes que publicaron noti-
cias sobre el HIV y el SIDA en revistas nacionales, puntuando la problemática
construcción discursiva que causó la construcción de diferencias y aumentó el
1. Introdução
3
http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/o-que-e-hiv. Acesso em: 15/03/2020.
4
Linfócito T auxiliar, célula T colaboradora, LT helper (LTh) ou LT CD4+ é um leucócito que atua ativando e es-
timulando outros leucócitos a se multiplicarem e atacarem antígenos. Assim, coordenam a resposta imune pela
liberação de citocinas. Os linfócitos T helper garantem a diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos, sendo,
portanto, importantes para a produção de anticorpos. Os linfócitos T supressores finalizam a resposta humoral,
ou seja, a produção de anticorpos. Já os linfócitos citotóxicos garantem a morte das células estranhas.
tratadas como doenças de rua, castigos divinos, qualidade e/ou atributo de pessoas
imorais. Porém, a AIDS, em especial, foi caracterizada como a “doença dos homosse-
xuais”, de forma que tal pensamento preconceituoso atrapalhou as pesquisas sobre a
doença, a profilaxia e o tratamento, além de despertar, através do preconceito, medo,
violência, segregação, desrespeito, morte e abandono, disfarçados em discursos de
proteção a população e a saúde, já que se tratava de uma situação nova que assustava
socialmente e ainda não tinha maiores esclarecimentos. Segregar era visto como uma
forma de proteger e como uma desculpa para limitar as diferenças, já que, o primeiro
caso registrado de AIDS no mundo data de 19775, década em que a população homos-
sexual tentava adquirir liberdade e direitos.
Recentemente, o assunto AIDS veio ser destaque midiático no Brasil. Dessa
vez, não com uma campanha de prevenção ou informativa, mas em um discur-
so presidencial reverberado no dia 5 de fevereiro do ano de 2020, em que o então
Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, mencionou que pessoas portado-
ras do vírus HIV “são uma despesa para o Brasil, além de um problema sério para
elas”6. A fala foi veiculada quando o mesmo defendia a ideia da Ministra da Mulher,
Família e Direitos Humanos, Damares Alves, de usar como forma de método con-
traceptivo a abstinência sexual.
A menção feita pelo presidente foi repercutida internacionalmente e levantou
a polêmica sobre o preconceito com que se trata portadores do vírus HIV no mundo.
Em resposta, a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) afirmou que a
fala reforça o estigma, o preconceito e a discriminação contra as pessoas que vivem
com HIV/Aids. Sustentou, ainda, que políticas de abstinência sexual não reduzem as
taxas de infecção pelo HIV e que, ao dizer que as pessoas vivendo com HIV causam
prejuízo à sociedade, o presidente autoriza tacitamente o estigma, a discriminação
e a violação dos Direitos Humanos7, uma vez que, no artigo 196 da Constituição
Federal de 1988 consta que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”8.
A fala desrespeitosa e preconceituosa do presidente é reflexo de uma construção
cultural preconceituosa e desinformada sobre a AIDS, as DST e a Homossexualidade.
Essa última, mencionada aqui, por ter sido colocada outrora como veiculadora da do-
ença. Questiona-se então, como esses discursos surgiram e se comportaram no Brasil?
5
O primeiro caso de AIDS registrado no mundo foi no início da década de 1980. A Síndrome da Imunodeficiên-
cia Adquirida, contudo, foi descrita em 1981. A primeira vítima da doença foi a médica e pesquisadora dinamar-
quesa Margrethe P. Rask, que faleceu em 12 de dezembro de 1977 de uma doença que a deteriorou rapidamente.
Rask esteve na África, estudando sobre o Ebola, e quando começou a apresentar diversos sintomas estranhos
para a sua idade. A autopsia do seu corpo revelou que os pulmões estavam repletos de microorganismos os quais
ocasionaram um tipo de pneumonia e vieram a asfixia-la. Contudo, a pergunta que pairava era: ninguém morria
em função disso, o que estaria acontecendo? Historicamente, talvez esse seja o primeiro caso descrito de morte
por decorrência da AIDS.
6
Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/pessoa-com-hiv-uma-despesa-para-todos-diz-bolsona-
ro-24231125. Acesso em: 15 mar. 2020.
7
Cf. SILVA, F. R.; GUEDES, R. da S. disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/bolso-
naro-e-o-discurso-terrivelmente-anticristao-sobre-o-hiv-aids/. Acesso em 15 mar. 2020.
8 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:15 mar. 2020.
Falar, estudar e tentar entender a AIDS era uma realidade nova para a dé-
cada de 1980. Muitos não sabiam lidar, a desinformação era comum, ainda não
se conseguia mapear de maneira clara a doença. Esse momento coincide com as
datas com o aumento da visibilidade homossexual e como alguns homens foram
diagnosticados soropositivos, logo a mídia associou a doença à homossexualida-
de. Questiona-se, dessa forma, os motivos que impulsionaram os veículos midiá-
ticos a tais informações, e logo, obtemos a resposta de que, o período informado,
corresponde a uma reorganização política no Brasil, em que o Regime Militar
estava se desfazendo e a imprensa voltava a poder atuar, porém com restrições
e sem intencionalidade de ir de encontro as ideologias sociopolíticas da época.
Os principais veículos de notícia na época eram o Jornal do Brasil, Folha
de São Paulo e revistas como a Veja e a Istoé, que circulavam entre os brasileiros
informando as novidades no país. Tais veículos tinham um tratamento antié-
tico ao falar da AIDS – apresentados e trabalhados em seguida – e que foram
rebatidos por Organizações Não Governamentais (ONGs) que foram criadas
para tentar informar e ajudar o portador de HIV com campanhas informativas
e atendimentos.
É importante lembrar que, nas sociedades pós-industriais que estão em
um estágio desenvolvido do processo de midiatização, o campo midiático vai
cumprir, de acordo com Esteves (2004, p.168), a “função da mediação simbólica
das relações sociais”. Assim, é possível afirmar que boa parte das experiências
das pessoas com os fatos sociais que acontecem no mundo ocorrem através da
mídia. O jornalismo vai contribuir para a percepção do mundo, sendo parte do
cotidiano na construção das ideias e opiniões sobre determinados temas e as-
suntos. A visibilidade midiática que o fazer jornalístico possibilita aos fatos im-
plica levar em consideração essa prática como parte desse fenômeno midiático
em conferir uma existência social aos mesmos. Por isso, a produção jornalística
(quase sempre noticiada) pode ser percebida como um lugar de disputa em que
querem se fazer presentes as vozes públicas, por existir o reconhecimento social
de que a mídia é a esfera da visibilidade pública no mundo contemporâneo, é o
lugar “onde a realidade se estrutura como referência (FAUSTO NETO, 1999, p.
9). O espaço público é um lugar mediador de sentidos, sendo nele que a socie-
dade civil enfrenta as tensões de variados olhares sobre os problemas públicos,
olhares que pleiteiam a definição de sentidos.
14
http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx Acesso em 19/03/2020.
15
Câncer raro que se desenvolve geralmente em idosos.
16
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_10&PagFis=0&Pesq= Acesso em 21/03/2020.
17
http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx Acesso em 19/03/2020.
18
“Estilista morre de Aids”.
hemofílicos. O texto é bastante enfático ao afirmar que a Aids tem como principal
alvo homossexuais promíscuos.
19
O Lampião da Esquina foi um jornal voltado para o público homossexual brasileiro que circulou durante os anos
de 1978 e 1981. Nasceu dentro do contexto de imprensa alternativa na época da abertura política de 1970.
numa cama. O texto afirma que Marcos era um paciente bastante difícil de lidar,
pois não cumpria as determinações médicas, sendo construída assim, a imagem de
uma pessoa que não conseguia seguir regras, nem mesmo aquelas que garantiriam
alguns anos de vida a mais por conta do vírus. O estilista viajou para Nova York no
intuito de fazer o tratamento da doença. A mãe, Maria Resende foi junto. Segundo
relatos, quando chegou à cidade, ele não foi para o hospital da Universidade de
Cornell como estava programado. Teriam passado o dia passeando de limusine,
no outro dia foram fazer compras e jantar com amigas da mãe. Markito só foi para
o hospital porque a situação piorou e, após uma semana de passeios e compras ao
lado da mãe, o estilista veio a óbito. De acordo com um amigo, José Vitor Oliva,
dono da boate Gallery em São Paulo, “Markito não foi para Nova York para se
tratar, foi lá para morrer na cidade que mais amava20” (p.79). Ou seja, ele preferiu
viver os últimos dias de vida na cidade mais populosa dos Estados Unidos, propor-
cionando grandes e inesquecíveis momentos para a mãe.
Trevisan (1999, p. 429) relembra que,
das práticas sexuais para a médica com o objetivo de saber se eram ou não
portadoras do vírus. Petri alerta sobre a necessidade de respeitar os dois
brasileiros infectados, e afirmara que “eles não estão com a síndrome só
porque são homossexuais. Lembro que não são só os homossexuais que
podem contrair esse vírus, mas qualquer pessoa que tenha uma resistência
de imunologia diminuída, independe da opção sexual 22 ”. Petri diz ainda que
não vê a Aids como uma “punição” nem como uma “praga gay”.
Na segunda parte da matéria, temos a fala do imunopatologista e as-
sessor estadual do Secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Gilberto Soares. Ele
afirma que a Aids não preocupa as autoridades e tal doença não é uma prio-
ridade para o governo. Os males que interessavam ao governo tratar eram
doença de Chagas, a tuberculose e os parasitas intestinais, enfermidades que
não existiam em países mais desenvolvidos, mas que, no Brasil, ainda con-
tinuavam acometendo centenas de pessoas. O assessor afirmou ainda ser os
custos para desenvolver pesquisas sobre a Aids bastante altos sendo algo im-
pensável naquele momento, pois até mesmo os Estados Unidos só passaram
a investir em pesquisas sobre a doença quando ela se alastrou pelo país. O
próprio ministro da Saúde Carlos Sant’Anna afirmaria, em matéria publica-
da na revista Veja em 14 de agosto de 1985, que a Aids no Brasil “trata-se
de uma doença preocupante, mas não prioritária 23”, pois existiam no país,
naquele momento, 6 milhões de portadores da doença de Chagas, 8 milhões
de pessoas com esquistossomose e quase um milhão de tuberculosos. Assim,
não era uma das prioridades do ministério uma atenção especial para a Aids,
pois existiam no Brasil apenas 384 casos da doença confirmados. Logo, era
uma tolice a população entrar em pânico pois, existia apenas um “verdadeiro
lobby” da doença no país, conforme o ministro.
É importante lembrarmos que o surgimento dos primeiros casos de Aids
no “país tropical” coincidiu com o crescimento de crises social, econômica e
política. Neste período, o Brasil tentava voltar à democracia e tudo isso afetaria
na estrutura do sistema de saúde pública sendo limitada a capacidade de ação
do governo para responder a demanda de casos de Aids que passaram a surgir
de forma exponencial. No ano de 1982, de acordo com dados do Ministério da
Saúde, Programa Nacional de DST/Aids, foram identificados 7 casos da do-
ença. O número de pessoas soropositivas chegaria a 4.898 no final da década.
Quase cinco mil pessoas que, além da doença, conviviam com o preconceito e
a discriminação tanto do próprio governo, que muitas vezes demorava para to-
mar atitudes que pudessem contribuir em ações para minimizar o sofrimento
dos soropositivos quanto da própria sociedade nutridas por informações equi-
vocadas, muitas vezes trazidas pela mídia, que não deixava claro as formas de
contágio do vírus e até mesmo o sintoma de garganta inflamada era sinônimo
22
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_10&PagFis=0&Pesq= Acesso em 21/03/2020.
23
http://veja.abril.com.br/acervo/home.aspx Acesso em 19/03/2020.
24
O Somos: Grupo de Afirmação Homossexual, mais conhecido como apenas Somos, foi um grupo em defesa
dos direitos LGBT, fundado em 1978, considerado o primeiro grupo brasileiro em defesa desses direitos. O gru-
po foi formado a partir da publicação do periódico O Lampião da Esquina, chamando-se inicialmente Núcleo de
Ação pelos Direitos dos Homossexuais.
25
De acordo com Facchini (2003) por questões de discordância de ideias e propostas, em 1980 o SOMOS passou
por um “racha” sendo dividido em três grupos: SOMOS, Grupo Lésbico-Feminista que depois passou a ser Gru-
po de Ação Lésbico-Feminista (GALF) e o Grupo de Ação Homossexualista que posteriormente passou a usar
o nome Outra Coisa. Ainda no mesmo ano, o Outra Coisa se une aos grupos Eros e Libertos formando assim, o
Movimento Homossexual Autônomo.
26
O GAPA tinha como principais articuladores Paulo Roberto Teixeira (um dos criadores do programa de Aids
de São Paulo), Paulo Roberto Bonfim (militante de esquerda e técnico em patologia clínica do Hospital do Ser-
vidor), Edward MacRae (antropólogo), Áurea Abbade (advogada) e Jean-Claude Bernardet (cineasta, escritor,
professor, e um dos articulistas do Lampião da Esquina)
um plano quinquenal para a questão da doença. Aquele período foi marcado por uma
abordagem pragmática e técnica sobre a doença na esfera governamental. Utilizando
como modelo as iniciativas estaduais e municipais já existentes para desenvolver um pla-
no nacional de prevenção e controle da Aids, à medida que prosseguia a implementação
do Programa Nacional de Aids.
O Governo Federal foi tardio, passou muito tempo sem dar importância a exis-
tência de portadores de HIV no Brasil, convivendo como se os fatos não existissem,
depois resolveu lidar através de uma negação, dentro de um discurso do “não ter o que
fazer com os fatos”. Consequentemente, veio a fase da divisão por hierarquia e/ou impor-
tância, quando os representantes da federação afirmam que há problemas mais urgentes
a serem resolvidos no país, seguiram, então, negligenciando atendimento na arguição do
não poder financiar pesquisas. Por último e ao mesmo tempo concomitante às ações ci-
tadas acima, vieram o apoio ao discurso preconceituoso reverberado pela mídia comum
e a negação de informações concretadas para a população.
Só então, a federação não viu mais como sustentar tal postura mediante os au-
mentos nos números de casos e a cobrança populacional. A partir de então, como men-
cionado acima, o Governo Federal precisou fazer um plano e esse teve que ser copiado
dos governos estaduais que, sob a falta de ajuda federal, já havia lançado um plano de
ação. Em seguida, o Brasil veio a financiar pesquisas e laboratórios, contratar profis-
sionais criando O Programa Nacional de Combate à AIDS. Tal assessoria, repaginada
e ressignificada, funciona até a atualidade no país. Desde o discurso mencionado pelo
presidente Jair Bolsonaro, o Programa corre riscos, podendo, essa conjuntura, mapear
um quadro de retrocesso.
3. Não retroceder
O Brasil foi considerado referência nos estudos sobre o HIV e sobre a AIDS
quando abriu portas para que outros países estudassem seus casos, quando os infecta-
dos concordaram em colaborar com as pesquisas servindo de voluntários para análises
científicas, quando cantores e atores famosos foram infectados e levaram seu estado de
saúde a público mesmo diante do preconceito para encabeçar campanhas, conscientizar
os fãs e o público em geral.
Tão logo, grupos assistenciais foram se formando, ONGs foram sendo patroci-
nadas e o assunto que, inicialmente, foi tratado com o amplo preconceito já descrito,
passou a ser desconstruído. A saúde, o tratamento e a acolhimento de um soropositivo
passou a ser garantido por lei, a grande mídia precisou modificar a linha editorial e exe-
cutar campanhas de acolhimento e informações veiculadas pelo Ministério da Saúde e,
por fim, o entendimento do que é uma doença viral veio a tentar informar que o HIV
nada tem a ver com a homossexualidade.
Trata-se uma luta de informações, testes e pesquisas científicas de quase cinquen-
ta anos que não anularam por completo as dificuldades e o preconceito, mas tentaram
o controlar juntamente com a disseminação do vírus. Um caso de saúde pública que foi
27
Consiste em um comprimido antiviral por dia tomado antes da exposição ao HIV. Inclui acompanhamento
laboratorial de rotina e acompanhamento clínico regular.
28
Após a exposição e durante trinta dias, o indivíduo toma um comprimido por dia com acompanhamento médi-
co por noventa dias.
29
Conceito desenvolvido no final da segunda década do século XX complementando a “pedagogia da prevenção”.
Referências
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e a emergência do debate em torno do “masculino” – fim da homossexualidade? In.
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epidemia no Brasil. Rio de Janeiro: ABIA: Jorge Zahar, 1997.
TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: A homossexualidade no Brasil, da
colônia à atualidade. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1999.
Resumo
LIMA, M. de S. C.; RODRIGUES, G. G.; BERGAMASCO, S. M. P. P. Neoinstitucioalismo de Redes:
precursores e trajetória da Rede ATER NE/Brasil. Rev. C&Trópico, v. 44, n.1, p. 163-189, 2020. DOI:
https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art8
As Políticas Públicas para a Agricultura Familiar, por meio de estudos que en-
volvem a ação do Estado e a atuação de instituições de Assistência Técnica e
Extensão Rural – ATER, juntamente com organizações não governamentais e
de agricultores familiares, foram respaldadas pelo histórico de organizações
da sociedade civil, pela democratização do país. O presente artigo tem como
objetivo analisar o neoinstitucionalismo, em uma abordagem de redes, visando
compreender a implementação da Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural-PNATER, por meio dos percursos e formação da Rede ATER
Nordeste. Inicialmente, o debate da abordagem neoinstitucionalista ajuda a si-
tuar a atual análise sobre as instituições formais e informais, que se articulam
em rede para os propósitos de implementação destas Políticas. Para finalizar,
o enfoque da análise neoinstitucionalista de redes é refletido diante das condi-
ções e potencialidades frente à PNATER, por meio da recente experiência da
Rede ATER NE no Brasil.
Palavras-Chave: Políticas Públicas. Assistência Técnica e Extensão Rural. Neoinstitucionalis-
mo de Redes.
1
Agradecemos à Capes, por possibilitar a realização desta pesquisa; aos Professores Marcos Antônio Bezerra
Figueiredo e Jorge Roberto Tavares de Lima; ao Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, em especial,
aos gestores Alexandre Henrique Pires e Maria Aureliano de Melo.
2
Doutora em Engenharia Agrícola - Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade Estadual
de Campinas. Laboratório ARRE Água, Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: marina.scl@gmail.com.
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-7497-5463.
3
Professor Doutor - Lab. ARRE Água, Centro de Biociências, Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: gil-
bertorodrigues.ufpe@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4262-2903
4
Professora Titular da Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas. E-mail:
sonberg80@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9101-8278.
Abstract
LIMA, M. de S. C.; RODRIGUES, G. G.; BERGAMASCO, S. M. P. P. Network Neoinstitucioalism:
precursors and trajectory of the ATER NE Network/Brazil. Rev. C&Trópico, v. 44, n.1, p. 163-189,
2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art8
The Public Policies for Family Agriculture through studies involving State action and
the work of institutions of Technical Assistance and Rural Extension - ATER, toge-
ther with non-governmental organizations and family farmers, were supported by
the history of civil society organizations, by the democratization of the country. This
article aims to analyze the neoinstitutionalism in a networks approach, aiming un-
derstand of the implementation of the National Policy of Technical Assistance and
Rural Extension - PNATER throughpathways and formation of the ATER Northeast
Network. Initially, the debate on the neoinstitutionalist approach helps to situate the
current analysis on formal and informal institutions, which are articulated in a ne-
twork for the purposes of implementing these Policies. To conclude, the focus of the
network neoinstitutionalist analysis is reflected in the conditions and potentialities
front the PNATER, through the recent experience of the ATER Northeast Network.
Keywords: Public Policies. Technical Assistance and Rural Extension. Networks Neoinstitu-
tional-ism.
Resumen
LIMA, M. de S. C.; RODRIGUES, G. G.; BERGAMASCO, S. M. P. P Neoinstitucioalismo de red:
precursores y ruta de la Red ATER NE/Brasil. Rev. C&Trópico, v. 44, n.1, p. 163-189, 2020. DOI:
https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art8
Las políticas públicas para la agricultura familiar, a través de estudios que involu-
cran la acción del Estado y el desempeño de las instituciones de Asistencia Técnica
y Extensión Rural - ATER, junto con organizaciones no gubernamentales y de agri-
cultores familiares, fueron respaldados por la historia de las organizaciones de la
sociedad civil, para la democratización del país. Este artículo tiene como objetivo
analizar el neoinstitucionalismo, en un enfoque de red, pretendiendo compren-
der la implementación de la Política Nacional de Asistencia Técnica y Extensión
Rural-PNATER, a través de los caminos y la formación de la Red ATER Nordeste.
Inicialmente, el debate sobre el enfoque neoinstitucionalista ayuda a situar el aná-
lisis actual sobre las instituciones formales e informales, que se articulan en una red
con el propósito de implementación estas Políticas. Finalmente, el análisis neoins-
titucionalista de las redes se refleja frente a las condiciones y el potencial que en-
frenta PNATER, a través de la experiencia reciente de la Red ATER NE en Brasil.
Palabras clave: Políticas públicas, Asistencia Técnica y Extensión Rural, Neoinstitucionalismo
de Redes.
1. Considerações iniciais
No caso da Rede ATER NE, foco desta pesquisa, Paranhos et al., (2007)
reforçam o sentido de rede social entendida por um diálogo estabelecido entre
o governo brasileiro junto a ONGs e movimentos sociais do campo, com ênfase
na agricultura familiar e na concepção da agroecologia (princípio que rege sua
identidade), reconhecendo o trabalho e acúmulos históricos dessas entidades. No
entanto, questiona-se em que medida a formação de uma rede de extensão rural
(formal ou informal) é necessária para a implementação da Política Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural – PNATER. Ao mesmo tempo, há uma in-
terdependência entre instituições políticas e as demandas da sociedade civil, até
mesmo entre as instituições políticas e socioeconômicas relativamente autônomas.
A Rede ATER NE foi constituída no Governo Luiz Inácio Lula da Silva, em
2004, como uma estratégia de ação da PNATER (2004). Atualmente, essa rede pos-
sui 13 entidades que assumem, como identidade de articulação, a perspectiva da
agroecologia com ênfase no protagonismo do agricultor familiar. Em Pernambuco,
a entidade responsável pela Rede ATER NE é o Centro de Desenvolvimento
Agroecológico Sabiá, sujeito desta pesquisa, com 27 anos de fundação trabalhando
os processos de construção coletiva de forma crítica à extensão rural convencional
e se destacando na implementação de uma nova política de extensão rural agroe-
cológica, adaptada ao Nordeste brasileiro. A agroecologia surge nas instituições de
ATER como um marco, ao causar uma ruptura em diferentes modelos de atuação
extensionista, predominando um enfoque na produção agrícola convencional ou,
mais recentemente, valorizando uma produção agroecológica, mais adaptada ao
ambiente e sensível ao processo de inclusão social da agricultura familiar para o
bem comum (MUSSOI, 1985; CAPORAL, 2009; PETTAN, 2010).
Na valorização de um processo de bem estar coletivo, March e Olsen (2008)
afirmam que considerar a importância do contexto social e histórico da política e
dos motivos dos atores individuais faz do “novo institucionalismo” uma aborda-
gem mais autônoma e descentralizada para as instituições. Diante dessa nova con-
figuração, o presente trabalho tem o propósito de analisar o neoinstitucionalismo,
em uma perspectiva de redes, visando proporcionar subsídios para a compreensão
da implementação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural-
PNATER, por meio dos precursores (1950 a 2003) e da trajetória (2004 a 2016) de
reconhecimento das ONGs que compõem a Rede ATER NE.
Todavia, determinar um período temporal específico para os precursores
desta Rede é sempre complexo por se tratar de processos sociais, com rupturas
e continuidades. Assim, uma atenção será dada ao modo como estes referenciais
precursores foram construídos, em alguns momentos chaves, nas suas relações
com a dinâmica social e entre o Estado. Para elucidar as questões e o propósito
enunciados, as perspectivas de análise estão inseridas em uma abordagem mul-
tidimensional de construção de uma análise da PNATE. Os principais conceitos
utilizados foram o neoinstitucionalismo de redes e as redes sociais (STEINMO,
2008; ELIAS, 1994).
2. Neoinstitucionalismo de rede
o que consideram ser seus direitos (não pelo viés da classe dominante) e seu reconhe-
cimento enquanto tais (uma estratégia dos não-cidadãos) (DAGNINO, 2004).
Neste âmbito, os anseios da sociedade civil e governamental, com intelectuais
e técnicos, inserem-se no debate sobre redes sociais ao envolver a construção de po-
líticas que enfatizem a participação social e as ações de descentralização dos serviços
públicos, incluindo os serviços de ATER, saúde, educação, acesso à terra, uso susten-
tável dos recursos naturais, dentre outros (BERGAMASCO, 1993; CAPORAL, 2009).
Há diversos significados que podem ser reconhecidos no conceito de redes sociais.
Para Castells (2000), as redes constituem uma velha forma de organização social que
remete a outros tipos de sociedades ou de sociabilidades, sistemas de trocas, comuni-
cação, de organização da produção e do comércio. Há concepções de redes sociais que
dão ênfase às estratégias individuais dos atores sociais na construção de laços sociais
fortes, ainda que parcialmente influenciado pela estrutura (ELIAS, 1994). Estes laços
possuem um papel fundamental para resistir a situações sociais adversas, tais como a
seca, o desemprego, a falta de pagamento, em relação ao peso que teria alguns fatores
estruturais e coletivos (GRANOVETTER, 1983).
A presente pesquisa considera o conceito de redes sociais de Nobert Elias
(1994), o qual propõe a noção de uma rede em constante movimento, como um con-
ceito para explicar a dinâmica de relações humanas, a qual não é reduzida à liberda-
de individual, nem ao constrangimento coletivo. A rede em movimento se refere a
um “tecer e destecer” ininterrupto das relações, como bem descreve o mesmo autor:
“Assim, efetivamente cresce o indivíduo, partindo de uma rede de pessoas que exis-
tiam antes dele, para uma rede que ele ajuda a formar” (ELIAS, 1994, p. 34).
A noção de rede social ainda é carregada de uma série de debates, apesar do
reconhecimento teórico e metodológico, trazendo à tona alguns questionamentos, re-
lacionados à proposta deste artigo, qual seja,no debate contemporâneo das ciências
sociais e agrárias que entende o novo institucionalismo como uma perspectiva histó-
rica e atuação em rede sociais, de forma que a importância das instituições se revela
nas normas sociais que governam cotidianamente a vida e as interações sociais. Desta
forma, a implementação de uma política pública deve ser explicada pela sua capacida-
de de inserção cultural no decorrer do tempo, ao levar em conta o potencial endógeno
– de baixo para cima, “botton up”, dos sujeitos da pesquisa.
Antes de adentrar nos caminhos da Rede ATER NE, faz-se necessário esclare-
cer o debate institucional que envolveu a proposta de concretizar uma nova política de
ATER, pública e universal.
O ponto inicial, para Bergamasco et al., (2015), ocorreu durante o “Seminário
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - Uma nova extensão para a agri-
cultura familiar”, organizado pela FASER, CONTAG e a Associação Brasileira de
Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural (ASBRAER), em Brasília
no ano de 1997. Nesta ocasião, vieram à tona a retomada dos debates que envolvem
o papel da ATER pública, fundamentada no humanismo e movimento agroecológico
enquanto bases para sua operacionalização. Contudo, o evento que se destacou, no
mesmo ano – “Workshop Uma Nova Assistência Técnica e Extensão Rural Centrada
na Agricultura Familiar”, foi organizado pela FASER, CONTAG, ASBRAER, MAA e
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Este evento propor-
cionou um modelo de ATER direcionado, exclusivamente, à agricultura familiar, que
fosse disponibilizado de forma gratuita aos beneficiários, financiado com recursos pú-
blicos, mas que fosse permitido a prestação dos serviços de ATER por ONGs, como
associações e cooperativas de agricultores, mantendo as empresas ou instituições pú-
blicas (BERGAMASCO et al., 2015).
Ainda, em 2002, houve uma série de ciclos de seminários regionais, organi-
zados pela FASER e a CONTAG para discutir a PNATER (BERGAMASCO et al.,
2015). Por outro lado, havia fundamentalmente a pressão das atividades inovadoras
das ONGs, algumas trazendo experiências dos antigos Conselhos Eclesiais de Base
(CEBs), atuação dos movimentos sociais e integrantes das universidades que manti-
nham suas ações prioritariamente para a agricultura familiar, em uma perspectiva da
agroecologia (COSTA et al., 2015).
O intuito era construir princípios que aderissem ao pluralismo na prestação
serviços, para poder incluir as especificidades das populações tradicionais, como as
indígenas e quilombolas. Com amplos seminários organizados, a finalidade era de
promover políticas que focassem na agricultura familiar, abrangendo ações de base
agroecológica, com questões de gênero, etnia e juventude, ou seja, um serviço de qua-
lidade a ser prestado de forma gratuita, universal e continuada.
Por fim, em 2004, o Governo Federal cria a PNATER representando uma con-
quista de espaço institucional, decorrente destes fóruns, seminários e debates da socie-
dade civil organizada, organizações locais e instituições governamentais, após a histó-
rica pressão desses movimentos na realidade do meio rural no Brasileiro (PETTAN,
2010; BERGAMASCO et al., 2015). Oficialmente, os princípios e diretrizes que regem
a ATER no Brasil estão fundamentados em três pilares centrais: a exclusividade da
agricultura familiar como público beneficiário; atuar mediante processos educacionais
dialéticos, com metodologias participativas; e a ênfase na abordagem agroecológica
(LIMA, 2018).
Para traçar planos para uma nova política de ATER, cada organização passou a
expor um pouco sobre suas experiências, acúmulo de conhecimentos, linhas de atuação,
concepções envolvendo extensão rural e agroecologia para discutir as propostas, tanto
individual como coletivamente das ações, numa etapa preliminar da formação da Rede
ATER NE (LIMA, 2018).
O espaço institucional de concertação envolvendo o governo e as ONGs
já vinha sendo construído e reconhecido em outras ocasiões de ações de ATER,
em rede, na área rural com os agricultores familiares. É o caso de organizações
como a Diaconia, o Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, o Caatinga,
o Movimento de Organização Comunitária (MOC), o Programa de Aplicação de
Tecnologia Apropriada às Comunidades (Patac) e o Centro de Estudos do Trabalho
e de Assessoria ao Trabalhador (Cetra) (PIRES, 2011; CENTRO SABIÁ, 2018).
Anteriormente, o Centro Sabiá já havia participado de outras reuniões com
essas organizações, em Recife, para discutir a elaboração de uma proposta de projeto
sobre assistência técnica e extensão rural articulada ao Governo. Essa articulação foi
consolidada para elaborar estratégias de extensão rural de formação e capacitação,
5. Considerações Finais
Referências
Resumo
VASCONCELOS, G. A. T. de; NETO, J. M. W. G. A importância democrática dos partidos políticos
brasileiros e o comportamento do STF frente às ADIs (1989-2017). Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p.
191-216, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art9
Para compreender a sociedade atual é importante ter em mente uma compreensão
histórica acerca do processo evolutivo que esta passou ao longo do tempo. Desde
a origem da democracia na Grécia Antiga até a sua forma moderna. A criação do
Estado tal qual o conhecemos hoje foi o que possibilitou a implementação de go-
vernos representativos, como no caso do Brasil. Ao final da Idade Média e início da
Idade Moderna, a diversidade de interesses sociais bem como a maior possibilida-
de de força popular, propiciou o surgimento dos primeiros partidos políticos. Até a
atualidade permanecem como ponte entre os cidadãos e o governo, são, portanto,
entidades de representação social na esfera política e que buscam defender os in-
teresses dos grupos ou camadas sociais que os legitimam com o voto. Uma vez que
possuem uma imensa relevância para as democracias contemporâneas, é natural
que sejam detentores de diversas modalidades de controle político onde atuam,
evidentemente, isso também acontece em nosso país. Daí, munidos de legitimida-
de ativa para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade, os partidos políticos
nacionais atuam também junto ao Poder Judiciário na busca pela melhor defesa de
seus interesses. A partir disso, foi desenvolvida uma pesquisa quantitativa que fez
uso de regressão binária para melhor explicar a forma como o Supremo Tribunal
Federal responde as ADIs impetradas pelos partidos e como isso afeta diretamente
a legitimidade do nosso Estado democrático de direito, evidenciando a grande per-
da de objeto nessas situações, em especial os partidos pequenos e os de oposição.
Palavras-Chave: Democracia. Partidos Políticos. ADI.
1
Pós-graduanda em Ciência Política em UNICESUMAR, Bacharel em Direito pela Universidade Católica de
Pernambuco (UNICAP) e Graduanda em Ciência Política com Ênfase em Relações Internacionais em Uni-
versidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: garaujotabosa@yahoo.com.br Orcid: https://orcid.org/0000-
0003-1672-9245
2
Doutor em Ciência Política (UFPE), Mestre em Direito Público (UFPE), Professor no PPGD da Universidade
Católica de Pernambuco (UNICAP). E-mail: jose.gomes@unicap.br Orcid: http://orcid.org/0000-0002-4003-856X
Abstract
VASCONCELOS, G. A. T. de; NETO, J. M. W. G. The democratic importance of Brazilian political
parties and the behavior of the Brazilian Federal Supreme Court judicial in relation to the DAUs
(1989-2017). Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 191-216, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropi-
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Resumen
VASCONCELOS, G. A. T. de; NETO, J. M. W. G. La importancia democrático de los partidos polí-
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cetropicov44n1(2020)art9
legitimaban con el voto. Dado que tienen una inmensa relevancia para las demo-
cracias contemporáneas, es natural que posean diferentes modalidades de control
político donde actúan, evidentemente, esto también sucede en nuestro país. Por
lo tanto, armados con una legitimidad activa para proponer Acciones Directas
de Inconstitucionalidad, los partidos políticos nacionales también trabajan con el
Poder Judicial en la búsqueda de la mejor defensa de sus intereses. A partir de eso,
se desarrolló una investigación cuantitativa que utilizó la regresión binaria para
explicar mejor cómo el Tribunal Supremo Federal responde a las ADI presentadas
por las partes y cómo afecta directamente la legitimidad de nuestro estado de dere-
cho democrático, lo que evidencia la gran pérdida de objetar en estas situaciones,
especialmente partidos pequeños y opositores.
Palabras clave: Democracia. Partidos políticos. ADI.
1. Introdução
origem a duas clivagens sociais distintas que geraram seus respectivos partidos políti-
cos. Há também menção ao debate acerca do Bi ou Pluripartidarismo e como cada um
opera. O contexto brasileiro também é retratado, com especial ênfase ao momento do
surgimento dos primeiros partidos ainda no período Regencial.
Por fim, a última parte é elaborada por meio de uma pesquisa quantitativa que
fez uso de uma regressão logística binária para analisar a perda de objeto sofrida pelas
Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas por partidos políticos no Supremo
Tribunal Federal. O resultado dessa pesquisa mostra como alguns partidos são sub-
jugados em detrimento de outros e como isso afeta o nosso sistema representativo e
democrático. Desse modo, é possível observar a importância dada pelo legislador da
Constituinte de 1988 aos partidos políticos como efetivos representantes das mais di-
versas camadas sociais e que por isso, devem dispor de diversas medidas para assegu-
rar o devido regime democrático e a representação popular no governo. Valores esses
tidos como indispensáveis para o Brasil.
Portanto, o controle de constitucionalidade tem íntima relação com a judicia-
lização da política, uma vez que um agente político como representante do povo tem
a necessidade de tomar medidas de gestão a fim de melhorar a vida da população,
porém, nem sempre tais medidas estão de acordo com os Direitos Humanos e mui-
to menos com normas e princípios previstos constitucionalmente e já que tem-se a
“Carta Magna” como lei máxima no Brasil, não se admite tomar medidas que vão de
encontro a suas disposições legais.
Este trabalho teve como objetivo analisar as ADIs propostas por partidos po-
líticos perante a nossa Suprema Corte, nas quais foi possível observar seu recorrente
comportamento autorrestrito. Tal questão se revelou ser de grande importância para
a nossa sociedade, uma vez que prejudicaria todo o sistema democrático. A partir
de um levantamento amostral aleatório das ADIs propostas pelos partidos políticos.
Organizou-se uma matriz binária, baseada na ferramenta Logit, para analisar a pro-
porção de ADIs que sofreram perda de objeto e se, o partido político que protocolou,
bem como, sua posição de apoiador do governo ou não influenciariam no modo como
seriam julgadas pelo STF.
2. O debate democrático
governo que tiver eleições, visto que a democracia seria um mero procedimento e não
a soberania popular. Coloca aquela, portanto, como um meio e não um fim, sendo, um
espaço de luta pelas lideranças pelo voto livre.
Acredita que o povo não é racional e por isso possuem a mera função de
eleger políticos devidamente treinados para exercer a função pública. Além disso,
ainda estabelece algumas condições para o êxito do método democrático, tais como:
uma elite política bem capacitada, não estender a democracia para outras partes da
sociedade, uma burocracia que funcione bem e o autocontrole democrático (uma
cultura de aceitação das decisões que são tomadas pelos governantes). Esse cenário
caracteriza uma concepção minimalista da democracia, tendo-a como um mero e
pouco inclusivo procedimento.
Por outro lado, Robert Dahl (1997), analisou a democracia através de um mé-
todo de maximização, no qual estabelece um conjunto de metas e a melhor forma de
realizá-las. Utiliza também um método descritivo para melhor compreender e eluci-
dar as estruturas democráticas do mundo real. O autor criou uma democracia con-
siderada ideal, chamada democracia poliárquica que se constituiria de oito normas.
Estas se tornam os critérios para analisar as democracias reais, ou seja, são métricas
para classificar formas de governo e estabelecer o que seria necessário para que tais
normas existam em maior ou menor grau.
As normas são necessárias em momentos eleitorais (período de votação, bem
como antes e depois) e em períodos entre eleições. E possuem como principal obje-
tivo maximizar a soberania popular e a igualdade política. As normas são: 1) Todos
têm o direito de votar; 2) Peso igual para os votos; 3) A maioria vence; 4) Qualquer
pessoa não satisfeita com as alternativas propostas poderá inserir a que se identificasse
(propostas alternativas); 5) Todos os indivíduos possuam informações idênticas sobre
as alternativas; 6) Propostas e líderes majoritários substituem os minoritários; 7) As
ordens dos servidores públicos eleitos devem ser executadas; e 8) Todas as decisões
devem ser subordinadas às 7 normas anteriores.
Dessa forma, tendo tais normas como critérios, o mundo se dividiria (em or-
dem decrescente) em: poliarquias (igualitárias ou não) e hierarquias (oligarquias ou
ditaduras). A democracia em si seria um ideal a ser atingido e em realidade, temos
apenas uma aproximação dela eu seria a poliarquia. Com isso, existiria mais poliarquia
onde mais se aceitasse que as normas referidas são importantes, ou seja, a existência de
poliarquias está muito relacionada à ideia de cultura política do local analisado. Neste,
a sociedade democrática que existir treina em preceitos democráticos na sua rotina,
através da participação, para sempre manter tais preceitos claros ao povo.
A partir de tal debate, observa-se que as diferentes perspectivas acerca da de-
mocracia nos levam a crer que a forma mais participativa e, a princípio, mais justa para
a sociedade seria a teoria de Robert Dahl. É importante ter em mente que, apesar de
não termos atingido uma democracia de fato, na visão do autor, não seria interessante
deixar de persistir nesse intuito e ceder o poder as elites políticas e nos contentarmos
om uma forma minimalista e procedimental da democracia.
3.1. Origem
O cenário político da época, assim, poderia ser visto no sentido de que a no-
breza foi paulatinamente tendo seu poder de influência reduzido, ricas e bem-sucedi-
das classes médias tomaram o controle do sistema político e as classes trabalhadoras
começaram sua própria ascensão ao poder devidamente organizado. Ideias políticas
passaram a ser levadas adiante com grande entusiasmo por todos os níveis da socie-
dade (PARKER, 2013).
Todavia, atualmente esta clivagem tem pouca visibilidade, pois houve um gran-
de declínio da população agrícola e os partidos tiveram que posicionar-se. Em con-
trapartida, o confronto entre patrões e trabalhadores destaca-se como sendo o mais
importante. E, de acordo com Jalali (2017), encontra-se na origem da divisão entre
esquerda e direita e, portanto, com os partidos de esquerda com tendências a defender
os valores e interesses da classe trabalhadora e uma maior intervenção do Estado na
economia. Isso é visto, pela literatura científica, como o principal conflito político da
Europa Ocidental, e por consequência, dos principais países do continente americano
também, tendo em vista a forte influência cultural que ainda sofremos por parte de
nosso continente colonizador (JALALI, 2017).
Ressalte-se que é através desta clivagem patrões-trabalhadores que melhor ex-
plica o voto nas democracias ocidentais. Daí, tal contexto se solidificou principalmen-
te após a Revolução Russa de 1917 e está presente até hoje nos mais diversos países ao
redor do mundo, inclusive no Brasil (JALALI, 2017).
No caso do Brasil, para a maioria dos pesquisadores, o primeiro partido polí-
tico surgiu em 1831 e denominava-se liberal. Em seguida, no ano de 1838, foi criado
o Partido Conservador, sendo ambos frutos de uma intensa atividade político-par-
tidária. Nos primeiros anos do Império, não existiam propriamente partidos polí-
ticos como temos hoje, e sim, apenas grupos de opinião. Estes, contudo, não eram
bem organizados nem suficientemente duradouros para serem caracterizados como
partidos. Além disso, o período conturbado do primeiro reinado não favoreceu a
formação de grupos coesos e o fato de D. Pedro I ter governado algum tempo com
o parlamento fechado constituiu-se numa dificuldade adicional (GOMES, 2013).
Já na fase do Segundo Reinado (incluindo o período regencial), o cenário
político brasileiro foi dominado pelos partidos Liberal e Conservador, época em
que vigorou uma certa estabilidade no quadro partidário nacional. Como tais partidos
não diferiam muito substancialmente, em 1870 é criado o Partido Republicano, que
por sua vez, viria a desempenhar um papel decisivo na queda do Império e na forma-
tação da República, sob inspiração dos EUA (GOMES, 2013).
Desde a instalação da República até os dias atuais, a história dos partidos políti-
cos brasileiros tem sido tumultuada e repleta de acidentes. No período compreendido
entre a nossa independência e a contemporaneidade, houve seis diferentes sistemas
partidários no Brasil. E são resultantes de diversas mudanças sofridas nas estruturas
do Estado geradas por revoluções e golpes políticos, que geraram extinções e forma-
ções de novas organizações. Portanto, se comparado a outros países, especialmente os
EUA e as nações da Europa ocidental, onde os sistemas partidários são estáveis dentro
do possível, no Brasil, há uma trajetória de marcante instabilidade (GOMES, 2013).
todos, ou ao menos grande parte, da nação, por isso as constantes crises de represen-
tatividade sofridas pelo cenário político.
Em tese, cada filiado encontra-se ligado a outro por princípios filosóficos, so-
ciais, doutrinários, que se presume respeitar, culminando, assim, na chamada lealdade
partidária. Porém, ainda que nosso arranjo eleitoral conte com um balizamento legal
bom, não é possível dizer que o sistema partidário nacional é estável. A estabilida-
de desse sistema se dá por meio da reprodução das estruturas sociais geradas pelas
clivagens, no seio de uma própria comunidade ou até mesmo de uma família. Nesse
sentido, a estabilidade decorre da continuidade das estruturas sociais geradas pelas
várias clivagens (JALALI, 2017). Fato esse não observado no Brasil, cuja sociedade se
encontra em constante mutação, especialmente a partir dos anos 2000, mas sem per-
der o almejo ao governo e ao poder.
Em outras partes do mundo, em especial o “Velho Mundo”, tomando como
exemplo a clivagem patrões-trabalhadores, a estabilidade era gerada pela existência
continuada de uma ampla classe trabalhadora, após a Revolução Industrial. Esse mes-
mo padrão existia nas outras clivagens como a Estado-Igreja ou a centro-periferia.
Daí, pode-se extrair uma explicação socioestrutural, na medida em que se prende com
a manutenção das estruturas sociais que apoiavam os diferentes partidos. Ou seja, uma
sociedade estável implica em um sistema político-partidário estável porque, enquan-
to não houver conformação nesse sentido, será inviável uma concorrência partidária
previsível (JALALI 2017).
Ao mesmo tempo, também se pode atribuir a estabilidade de um sistema par-
tidário ao importante papel da socialização das identidades geradas pelas clivagens,
em que as novas gerações absorveriam os valores identitários e políticos das gerações
precedentes, processo que ocorre principalmente no meio familiar. Isso ajudava a de-
senvolver uma consciência política da identidade religiosa ou regional por parte do
indivíduo. A noção de uma pessoa como fruto do seu entorno e a reprodução dos
valores apreendidos ao longo da vida, bem como a sedimentação e reprodução desses
valores na esfera político-social (JALALI, 2017).
As identidades políticas também podem ser derivadas de uma dimensão or-
ganizacional. Havia uma densa rede de organizações que contribuíam para a difusão,
organização e mobilização dos diferentes grupos sociais, tais como: sindicatos, Igreja
ou ainda partidos políticos. Estes últimos, entram nos elencados, no tocante a uma
espécie do gênero partidos políticos. E são aqueles que visavam a organizar e repre-
sentar os interesses de sua camada social, originada a partir da estrutura de clivagens.
Possuíam uma elevada estabilidade ideológica e eram fiéis aos interesses do seu grupo
social de apoio. Contavam com um forte enraizamento na camada social que visavam
defender e eram chamados de “partidos de integração de massas” ou também de “par-
tidos de massas” (JALALI, 2017).
Diante do exposto e de volta ao contexto brasileiro, nosso país prevê, em sua
Constituição Federal de 1988, que “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção
de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o
representante, tem legitimidade ativa universal para propor ADIs. Já em outros países,
é, muitas vezes, exigido um número mínimo de representantes em suas respectivas
Casas Legislativas para que o partido tenha essa prerrogativa. Contudo, nem o diretó-
rio nacional nem a executiva regional têm legitimidade para propor a ação, pois não
podem agir nacionalmente em nome do partido político e este deve representar no
nosso Parlamento, os interesses nacionais que defende (MORAES, 2008).
Segundo o STF, a aferição da legitimidade ativa do partido deve ser feita no mo-
mento da propositura da ação e que a perda posterior da representação no Congresso
não o desqualifica como legitimado para a ação. Ou seja, se o partido perder sua re-
presentação durante a tramitação da ação, esta não será prejudicada (MORAES, 2008).
Com isso, é possível observar a importância dada pelo Constituinte de 1988
aos partidos políticos como efetivos representantes das mais diversas camadas sociais
e que, por isso, devem dispor de diversas medidas para assegurar o devido regime
democrático e a representação popular no governo. Valores esses tidos como indis-
pensáveis para o Brasil.
O controle de constitucionalidade caracteriza-se, em princípio, como um me-
canismo de correção presente em determinado ordenamento jurídico, consistindo em
um sistema de verificação da conformidade de um ato em relação à Constituição. As
normas constitucionais possuem um nível máximo de eficácia, obrigando os atos in-
feriores a guardar uma relação de compatibilidade vertical para com elas. Se não for
compatível, o ato será inválido, daí a inconstitucionalidade ser a quebra da relação de
compatibilidade no aspecto formal e material. Para que um sistema jurídico funcione,
pressupõe-se sua ordem e unidade, devendo as partes agir de maneira harmoniosa. O
mecanismo de controle de constitucionalidade procura restabelecer a unidade amea-
çada, considerando a supremacia e a rigidez das disposições constitucionais.
Nesse sentido, o controle de constitucionalidade tem íntima relação com a ju-
dicialização da política, uma vez que um agente político como representante do povo
tem a necessidade de tomar medidas de gestão a fim de melhorar a vida da população,
porém, nem sempre tais medidas estão de acordo com os Direitos Humanos e mui-
to menos com normas e princípios previstos constitucionalmente e já que tem-se a
“Carta Magna” como lei máxima no Brasil, não se admite tomar medidas que vão de
encontro a suas disposições legais. Assim, várias ADIs são propostas para conter tais
medidas e com isso se gera um controle judicial de matérias que originalmente seria
de atribuição do Poder Executivo. Daí dizer que quando o Poder Judiciário realiza
essa fiscalização em detrimento do Executivo, cria-se um processo de judicialização da
política, fato esse bastante recorrente em nosso país (CARVALHO, 2007).
Com isso, para uma análise empírica, faz-se uso do Logit que, diz respeito a um
tipo de análise estatística por regressão, utilizada para predizer o resultado de uma va-
riável dependente binária categórica, baseado em uma ou mais variáveis explicativas.
Ou seja, trata-se de uma espécie de análise por regressão empregada quando a variável
resposta é uma variável categórica binária (quando p tende a 0, Logit(p) tende a ∞ e
quando p tende a 1, Logit(p) tende a ∞), baseada na transformação logística ou Logit
de uma proporção. O uso deste instrumento permite, portanto, saber se uma variável
interfere muito, pouco ou simplesmente não interfere nas variações estatísticas do caso
estudado.
Nesse sentido, a organização e sistematização dos dados, com amparo em mo-
delos estatísticos adaptados ao estudo do comportamento judicial e tendo como base
alguns modelos teóricos nesse sentido, torna-se possível uma pesquisa de como po-
sicionamentos políticos influenciam as decisões na nossa Corte Constitucional que,
em tese, deveria se manter alheia a tais questões e se ater ao seu papel para com a
democracia. Do universo de 1108 ações, a amostra utilizada consistiu em 300 ADIs
distribuídas proporcionalmente de acordo com a quantidade proposta por cada parti-
do e com um intervalo de confiança de 95,15%.
Esse trabalho fez uso da Logit ou regressão binária, que diz respeito a
uma ferramenta de análise de fenômenos sociais com a codificação dos eventos
em variáveis categóricas e a apresentação de resultados dicotômicos, ou seja,
sucesso ou insucesso. Para as análises, classificou-se as variáveis em qualitativas
nominais, formando uma matriz em que o numeral “1” dizia respeito à presença
da categoria, enquanto que o numeral “0” fez referência à ausência da categoria.
Assim, nesse caso baseado em uma análise logit binária, se o resultado estatístico
encontrado tiver sinal positivo (+), significa que a variável explicativa (inde-
pendente) está associada ao aumento das chances da primeira alternativa (1)
ocorrer; por outro lado, se o resultado obtido tiver sinal negativo (-), a respectiva
variável explicativa estaria associada à diminuição das chances do evento (1)
ocorrer; destarte, se o resultado obtido for muito próximo a 0 (zero), significa
ausência de associação ou uma associação muito baixa, sem qualquer interferên-
cia nas chances de ocorrer o evento sob predição no modelo (GOMES NETO,
BARBOSA, LIMA, VIEIRA, 2017).
objeto, pois na época de maior propositura não eram oposição ao governo e quando
passaram a sê-lo não necessitavam recorrer ao Poder Judiciário para terem suas ideias
levadas em consideração por que permaneceram um partido com expressiva represen-
tação no Poder Legislativo. Com isso:
Fonte: Os autores.
5. Conclusão
Referências
Resumo
MOURA, D. C.; ALVES, M. de S. S.; RODRIGUES, E. de M.; SILVA, A. J. O.; GOMES, A. S. Usos
medicinais de plantas no Cariri paraibano: um estudo de caso. Rev. C&Trópico, v. 44, n.1, p. 217-
233, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art10
Esse trabalho é pioneiro no estudo de uso de plantas medicinais, no município
de Gado Bravo-PB. Assim, este estudo apresenta-se com finalidade de levantar
o histórico etnobotânico das plantas medicinais, que é comum em diversas co-
munidades humanas. No município de Gado Bravo-PB, o uso de plantas medi-
cinais é comum entre seus respectivos moradores, pois eles utilizam-nas como
terapia, alívio de dores e doenças consideradas simples. O objetivo deste estudo
foi resgatar e sistematizar as informações populares sobre as plantas medicinais
utilizadas na cidade. Foi realizado um estudo em três ruas, com 40 pessoas, de
sexo e faixa etária diferentes. Foram citadas neste estudo 16 famílias botânicas de
26 espécies de plantas medicinais usadas como terapia pela comunidade. Apenas
duas plantas entre as 16 citadas pertencem ao bioma Caatinga, que é a Aroeira
(Myracrodruon urundeuva M. Allemão), e a Malva Rosa (Melochia tomentosa
L.). As demais são exóticas. Durante as entrevistas, os moradores demostraram,
que a população possui um grande conhecimento acerca das plantas medicinais
e suas propriedades terapêuticas.
Palavras-chave: Gado Bravo-PB. Caatinga. Plantas Medicinais.
1
Prof. Associada da Universidade Federal de Campina Grande. Doutora em Biologia Vegetal pela Universidade
Federal de Pernambuco-UFPE. E-mail: debygeo@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2663-2308
2
Mestranda em Educação pela UNINOVE. E-mail: marcelasouzageoufcg@gmail.com.ORCID: https://orcid.
org/0000-0003-2192-6163
3
Doutoranda em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: erimagnarodrigues@gmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4281-3555
4
Mestrando em Informática e gestão do conhecimento- UNINOVE. E-mail: tecgeo.oliveirajames@gmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0722-7123
5
Graduanda do curso de Geografia da Universidade Federal de Campina Grande- UFCG. aurelianagomes7@
gmail.com
Abstract
MOURA, D. C.; ALVES, M. de S. S.; RODRIGUES, E. de M.; SILVA, A. J. O.; GOMES, A. S. Medici-
nal uses of plants in the Cariri from paraibano: a case study. Rev. C&Trópico, v. 44, n.1, p. 217-233,
2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art10
This work is a pioneer in the study of the use of medicinal plants, in the municipality
of Gado Bravo/Paraíba. Thus, this study aims to present the historical and ethnobota-
nical rescue of medicinal plants, which is common in several human communities. In
the municipality of Gado Bravo, the use of medicinal plants is common among their
respective residents, as they use them as therapy, pain relief and diseases considered
simple. The objective of this study was to rescue and systematize popular information
about medicinal plants used in the city. A study was carried out in three streets, with
40 people, of different gender and age, respectively. In this study, 16 botanical families
of 26 species of medicinal plants used were cited as therapy by the community. Only
two plants among the 16 mentioned belong to the Caatinga biome, which are Aroeira
(Myracrodruon urundeuva Allemão), and Malva Rosa (Melochia tomentosa L.). the
others are exotic. During the interviews, residents demonstrated that the population
has a great deal of knowledge about medicinal plants and their therapeutic properties.
Keywords: Gado Bravo-Paraíba. Caatinga. Medicinal Plants.
Resumen
MOURA, D. C.; ALVES, M. de S. S.; RODRIGUES, E. de M.; SILVA, A. J. O.; GOMES, A. S. Usos
medicinales de las plantas en el cariri paraibano: un estudio de caso. Rev. C&Trópico, v. 44, n.1, p.
217-233, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art10
Este trabajo es pionero en el estudio del uso de plantas medicinales, en el munici-
pio de Gado Bravo-Paraíba. Por lo tanto, este estudio se presenta con el propósito
de rescatar histórica y etnobotánica de plantas medicinales, lo cual es común
en varias comunidades humanas. En el municipio de Gado Bravo-PB, el uso de
plantas medicinales es común entre sus respectivos residentes, ya que las utilizan
como terapia, alivio del dolor y enfermedades consideradas simples. El objetivo
de este estudio fue rescatar y sistematizar la información popular sobre las plan-
tas medicinales utilizadas en la ciudad. Se realizó un estudio en tres calles, con 40
personas, de diferente sexo y edad, respectivamente. En este estudio, la comuni-
dad citó a 16 familias botánicas de 26 especies de plantas medicinales utilizadas
como terapia. Solo dos plantas entre las 16 mencionadas pertenecen al bioma
Caatinga, que es la Aroeira (Myracrodruon urundeuva M. Allemão) y la Malva
Rosa (Melochia tomentosa L.), las otras son exóticas. Durante las entrevistas, los
residentes demostraron que la población tiene un gran conocimiento sobre las
plantas medicinales y sus propiedades terapéuticas.
Palabras clave: Gado Bravo-Paraíba. Caatinga, Plantas Medicinales
Data de submissão: 01/04/2020
Data de aceite: 30/04/2020
1. Introdução
2. Materiais e métodos
O município registrou nos últimos dez anos, até 2019, subsídios sociais de
origem federal, que mantém o homem no campo, proporcionando-lhe um suporte
alimentar e financeiro, como Bolsa Familia¹ e Seguro Safra², que atenuam as necessi-
dades básicas.
Diante de uma população pobre e carente, é notória a importância do uso de
plantas medicinais, visto que as condições socioeconômicas dos moradores são pre-
cárias e as plantas podem ser nesse sentido, um método de cura eficaz, com valor
bastante inferior ao dos medicamentos alopáticos. Portanto, torna-se necessário ser
repassado o conhecimento popular, sobre o uso de plantas medicinais para as próxi-
mas gerações, no intuito de disseminar esse saber, que é importante para todos.
como descritiva, a qual tem como propósito realizar a descrição das particularidades
de alguma população ou fenômeno, ou a determinação de relações entre variáveis.
Uma das peculiaridades importantes deste tipo de pesquisa é a aplicação de métodos
padronizados de coleta de informações, como por exemplo, a entrevista, o formulário,
o questionário, o teste e a observação (NOBREGA, et al. 2017; FIEBIG, PASA, 2018).
A frequência relativa das plantas medicinais foi calculada no Programa Excel,
conforme Martins (1979), Castro (1987), Fiebig; Pasa, (2018). Apenas as plantas que
apresentaram frequência de citação ≥ 5% foram consideradas para fins de discussão.
Um check list foi elaborado contendo nomes científicos e populares, bem como fi-
nalidades terapêuticas, formas de uso, parte(s) utilizada(s) e indicação das espécies
mencionadas pelos informantes locais. As identificações das espécies ocorreram na
atividade de campo (visitas). O nome científico foi consultado nas plataformas on-
line do Jabot6, bem como na Flora do Brasil 2020 (reflora)7. Nesta pesquisa, foram
registradas as espécies medicinais nativas e exóticas, sendo consideradas, para fins
de discussão, as espécies com frequência de citação ≥ 5%, por terem sido citada di-
versas vezes entre os entrevistados. Para comprovar o nome das espécies, utilizou-se
bibliografia especializada.
3. Resultados e discussões
6
Disponível em: http://rb.jbrj.gov.br/v2/consulta.php
7
Disponível em: http://floradobrasil.jbrj.gov.br.
et al. (2020), os resultados apontam que os principais atores, que manipulam as plantas
medicinais (raizeiros), não possuem instrução superior, e, no máximo, concluíram o
primeiro ciclo do Ensino Fundamental (antiga 4ª série). Além disso, a ausência da per-
petuação da profissão para os descendentes caiu em virtude do afastamento precoce
dos filhos do seio familiar, devido à falta de interesse e inserção no ambiente escolar.
Contudo, o conhecimento popular sobre as plantas medicinais, se sobressaem ao ensi-
no escolar. Os entrevistados que não são aposentados são agricultores e donas de casa.
O povoado, que surgiu no final do século XIX, era denominado Curtume, hoje
conhecido como município de Gado Bravo. Os primeiros moradores deste lugarejo,
citados pelos entrevistados, eram pessoas ilustres, como as parteiras e rezadores; co-
nhecedores da manipulação das plantas, bem como posologia, além de fazerem asso-
ciação com orações que “traziam a cura”. Na década de 1970, a atividade de parteira
era comum em pequenos povoados. O município homenageia a “Senhora Felipa”, que
se tornou a madrinha de várias crianças, pois ela se deslocava de sua residência para
atender as parturientes. Os serviços eram sempre voluntários.
No município, existia também um rezador, conhecido como “Sr. Zé Ciço”, o
qual rezava contra o “mal-olhado” e “peito aberto”. Ele tinha sua residência bastante
movimentada, pois rezava em crianças e adultos. Essas informações da história da
cidade foram cedidas pela Prefeitura municipal de Gado Bravo. Na zona urbana, não
foram encontrados rezadores, contudo na área rural são encontrados, além de reza-
dores, os garrafeiros. Esses moradores coletam as plantas medicinais direto do campo,
ou seja, da vegetação de Caatinga, e após o parto indicavam-se garrafadas para as
mulheres, uma mistura de plantas medicinais (mastruz, arruda, alfazema), com cacha-
ça, cebola branca e açúcar.
O município possui um Posto de Saúde “Abdias Albuquerque de Farias”, uma
Policlínica e a Unidade de Saúde “Madrinha Felipa”, que atende as necessidades mé-
dicas da população. De acordo com informações obtidas no posto de saúde, não há
programas relacionados ao uso de plantas medicinais, normalmente os médicos pres-
crevem remédios alopáticos, para os usuários dos serviços de saúde.
Decocção 46
Infusão 103
Maceração 5
Suco 5
Banho 1
As plantas que são utilizadas como uso medicinal pela população local apre-
sentam maior importância quando são referidas para problemas simples de saúde
Figura 4. Citações das categorias de uso medicinal, com base nos Sistemas corporais
reconhecidos pela OMS/CID-10, indicadas pelos moradores do município de
Gado Bravo-PB.
4. Conclusão
Referências
Laurent Polidori1
Resumo
POLIDORI, L. Sensoriamento remoto de alta resolução temporal para uma observação dinâ-
mica dos ambientes tropicais. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 235-255, 2020. DOI: https://doi.
org/10.33148/cetropicov44n1(2020)art11
Este artigo propõe uma discussão sobre a noção de resolução temporal e apre-
senta vantagens e limitações dos sistemas de observação de alta resolução tempo-
ral. Estes sistemas permitem acompanhar fenômenos ambientais dinâmicos assim
como melhorar a qualidade da interpretação das imagens em geral. Para ilustrar as
possibilidades oferecidas pelos sistemas espaciais de alta resolução temporal, três
exemplos são apresentados em áreas tropicais, onde fenômenos temporais, tanto
naturais quanto antrópicos, são estudados a partir de séries de imagens com alta
resolução temporal.
Palavras-chave: Sensoriamento remoto. Séries temporais. Ambientes tropicais.
Abstract
POLIDORI, L. High temporal resolution remote sensing for dynamic observation of tropical en-
vironment. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 235-255, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/cetropi-
cov44n1(2020)art11
This article proposes a discussion on the concept of temporal resolution, and pre-
sents advantages and limitations of high temporal resolution observation systems.
Such systems allow to follow dynamic environmental phenomena and to improve
the quality of image interpretation in general. In order to illustrate the possibili-
ties offered by high temporal resolution space systems, three examples are presen-
ted in tropical areas where temporal phenomena, both natural and anthropic, are
studied based on high temporal resolution image series.
Keywords: Remote sensing. temporal series. tropical environments.
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Pesquisador titular, diretor do Centro de Estudos Espaciais da Biosfera CESBIO, Université de Toulouse. E-mail:
laurent.polidori@cesbio.cnes.fr. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6220-9561
Resumen
POLIDORI, L. Teledetección de alta resolución temporal para una observación dinámica de am-
bientes tropicales. Rev. C&Trópico, v. 44, n. 1, p. 235-255, 2020. DOI: https://doi.org/10.33148/
cetropicov44n1(2020)art11
Este artículo propone una discusión sobre la noción de resolución temporal, y pre-
senta ventajas y limitaciones de los sistemas de observación de alta resolución tem-
poral. Estos sistemas permiten monitorear fenómenos ambientales dinámicos, así
como mejorar la calidad de la interpretación de las imágenes en general. Para ilus-
trar las posibilidades que ofrecen los sistemas espaciales con alta resolución tempo-
ral, se presentan tres ejemplos en áreas tropicales, donde se estudian los fenómenos
temporales, tanto naturales como antrópicos, a partir de series de imágenes con alta
resolución temporal.
Palabras clave: Teledetección. Series de tiempo. Ambientes tropicales.
1. Introdução
do meio ambiente, mostramos que eles podem ser detectados por sistemas de
sensoriamento remoto, segundo diferentes critérios relacionados com as carac-
terísticas geométricas, radiométricas ou interferométricas da superfície, permi-
tindo uma variedade de possibilidades de monitoramento por satélite. Ao longo
das últimas décadas, a evolução do desempenho dos sistemas espaciais de ob-
servação é comentada em termos de resolução espacial, espectral e temporal.
No caso da resolução temporal, são apresentadas as possibilidades técnicas de
melhoramento, assim como as contrapartidas positivas do custo tecnológico,
tanto em termos de melhoramento da qualidade das imagens, quanto de possibi-
lidades aumentadas de monitoramento dinâmico do meio ambiente. Finalmente,
apresentamos três exemplos de trabalhos publicados sobre diferentes aplicações
de séries temporais para o monitoramento da superfície terrestre em áreas tro-
picais. Os fenômenos ambientais estudados são tanto naturais (transporte de
sedimentos no litoral da Guiana francesa) quanto antrópicos (agricultura no
Vietnam, desmatamento da Amazônia).
Figura 1: Diferentes tipos de evolução de uma variável ambiental com relação ao tempo.
resolução espacial 10 m - 20 m 10 m – 20 m 1
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Figura 6a (esquerda): em amarelo, as zonas acessíveis pela missão VENuS
Figura 6b (direita): as áreas observadas pela missão VENuS
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Fig. 7a (esquerda): aumento da abertura angular
Fig. 7b (direita): aumento da agilidade (ângulo de visada variável)
mês, uma semana, um dia por exemplo) dá acesso a alguns fenômenos dinâmicos
e pode ser insensível a outros.
Numa série de imagens tomadas em diferentes datas, cada imagem pode in-
dicar mudanças com relação à imagem anterior, assim que a série permite datar uma
mudança e pode levar a uma síntese cartográfica na qual cada mudança é apontada
e associada a um intervalo de tempo (datas anterior e posterior à mudança).
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Fig. 8a (esquerda): variação de uma variável ambiental (ou de um índice radiométrico como o NDVI) durante
um ano para três cultivos (exemplo teórico).
Fig. 8b (direita): mesma variação que fig. 7a com uma precisão radiométrica degradada (exemplo teórico).
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Princípio da eliminação de nuvens a partir de uma série temporal de imagens óticas, mostrando que as variações
temporais da paisagem geram uma heterogeneidade espacial na síntese.
filtragem espacial pode ser substituída por uma filtragem temporal, assim que
a imagem pode ser suavizada sem perda da resolução espacial (TROUVÉ et
al., 2003). Esta abordagem é mais relevante com uma alta resolução temporal,
que torna mais realista a hipótese de uma superfície sem mudança, assim que
as variações de intensidade em diferentes datas podem ser atribuídas exclusi-
vamente ao speckle.
Figura 10: Série de 6 imagens do satélite spot mostrando um banco de lama na costa
da Guiana francesa em diferentes alturas de maré.
Figura 11: Curvas de nível obtidas a partir das imagens da figura 9 para a modelagem
da superfície do banco de lama.
Séries temporais de imagens de radar tem sido usadas nos últimos anos para
monitorar os cultivos de arroz, como no delta do Mekong (BOUVET et al., 2009). O
radar é muito sensível à presença de arroz e aos diferentes estados de crescimento do
cultivo, principalmente a partir de indicadores como razões entre canais polarimé-
tricos. A figura 12 mostra que a razão HH/VV calculada a partir dos dados ASAR
do satélite ENVISAT destacam as superfícies de arroz (em comparação com outras
superfícies) assim como o ciclo agrícola numa área de três safras, apesar da resolução
temporal limitada do sensor (dez imagens por ano).
Figura 12: Evolução da razão media hh/vv calculada a partir de dados asar para classes
de pixels «arroz» e «não arroz» e diferença entre as classes numa area agricola do delta
do mekong com três safras anuais.
c
Fonte: HOA PHAN, 2018.
Figura 14: Série de imagens sentinel-1 mostrando uma parcela desmatada entre 17 de
abril e 3 de agosto 2016 na amazônia brasileira.
5. Conclusão
Referências
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