Como Elaborar Projeto de Pesquisa - Antonio Carlos Gil
Como Elaborar Projeto de Pesquisa - Antonio Carlos Gil
Como Elaborar Projeto de Pesquisa - Antonio Carlos Gil
Cristina Frederico
2008
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Cristina Frederico
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
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Cristina Frederico
Aprovada por:
________________________________________
Presidente, Profª. Angélica Bastos Grimberg.
__________________________________________
Profº. Paulo Vidal.
__________________________________________
Profª. Ana Cristina Costa de Figueiredo.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Frederico, Cristina.
A psicose não desencadeada: um programa de investigação clínica / Cristina
Frederico.
Rio de Janeiro: UFRJ/IP, 2008.
ix, 105 f ; 30 cm.
Orientadora: Angélica Bastos Grimberg
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Instituto de
Psicologia/ Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 100 - 105.
1. psicose . 2. psicanálise . 3. desencadeamento . 4. suplência . 5. psicose ordinária
. I.Grimberg, Angélica Bastos. II.Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Psicologia, Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica. III.Título
5
AGRADECIMENTOS
A Angélica Bastos pela orientação precisa, pela sutileza no trânsito entre a teoria e a
clínica e pela oportunidade de desenvolver essa pesquisa acompanhada de ótimas
discussões e de sua generosidade.
A Ana Cristina Figueiredo pelo importante incentivo e por sustentar uma clínica
psicanalítica dentro do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
A Marcus André Vieira pela transmissão da psicanálise ocorrida ao longo destes anos
na Unidade de Pesquisa Práticas da Letra do Instituto de Clínica Psicanalítica da EBP-
Rio e em outros espaços.
Aos professores Paulo Vidal e Ana Cristina Figueiredo por aceitarem participar da
banca examinadora.
Aos meus pacientes do IPUB e do IPPinel que diante do inanalisável de seus sintomas
eu aprendo o que tem de mais analítico.
RESUMO
Cristina Frederico
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
7
ABSTRACT
Cristina Frederico
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................10
CONCLUSÃO.........................................................................................................................96
BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................100
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INTRODUÇÃO
tratamento, entre outros, aquele psicótico que nunca precisou de uma internação e que
nunca teve propriamente um surto. Muitas vezes, a sua condição psicótica passa
despercebida pelos psiquiatras e pelo próprio analista que somente com tempo ou com
uma determinada direção do tratamento lhe é possível reconhecer algo de um
funcionamento psicótico em pequenos detalhes clínicos.
1
O termo Psicose Ordinária é originário das formulações sobre a psicose ocorridas em escolas
de psicanálise ligadas ao Campo Freudiano.
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psicoses não desencadeadas, pois “nada se parece tanto com uma sintomatologia
neurótica quanto uma sintomatologia pré-psicótica” (Lacan 1955-56: 219).
Além disso, há uma tendência em associar psicose com desagregação, sem levar
em conta a existência de uma concatenação de elementos mais ou menos discretos e de
uma lógica própria à psicose que está presente para aquém e para além da crise (Rocha e
Tenório 2004).
A psicose não desencadeada pode nos ensinar outras formas de organização e
indicar como esses psicóticos podem alcançar um nível de estabilização, sem recorrer a
uma metáfora delirante:
O estudo das psicoses não desencadeadas traz a psicanálise para um foco diverso
do que lhe é de costume. As leituras empreendidas sobre o tema da psicose em Lacan e
em Freud dão primazia ao caráter disruptivo destas. Cabe, então, um esforço de leitura
para extrairmos da teoria uma outra dimensão da experiência psicótica: uma dimensão
mais discreta e mais sutil que se aproxima, em muitos aspectos, do que se costuma
chamar de normalidade.
A abordagem da psicose não desencadeada nos oferece uma via para se
interrogar a bipartição neurose e psicose, já que as fronteiras entre as duas estruturas
clínicas, especialmente nestes casos, não se dão de forma clara e evidente, e, por vezes,
nos parece arbitrária.
A psicose não desencadeada nos possibilita, assim, interrogarmos a direção do
tratamento e os impasses na relação transferencial, o estatuto do desencadeamento nas
psicoses, a contra-indicação lacaniana de recebermos "pré-psicóticos" em análise e,
sobretudo, nos permite valorizar a construção de suplências e a variedade dos modos de
estabilização nas psicoses.
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Por que iniciar uma pesquisa sobre as psicoses não desencadeadas pelo próprio
desencadeamento? Os fenômenos descritos por Lacan no seminário, livro III as psicoses
(1955-56) e no texto De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose
(1957-58a) estão essencialmente do lado do desencadeamento. Lacan contradiz ponto
por ponto uma afirmação de Kraepelin sobre o caráter insidioso na paranóia e o de uma
evolução contínua: "ela contradiz ponto por ponto todos os dados da clínica. Nada nela
é verdadeiro. O desenvolvimento não é insidioso, há sempre acessos, fases. (...) Há
sempre ruptura" (Lacan 1955-56: 26).
No entanto, apesar de Lacan enfatizar os fenômenos ligados ao
desencadeamento, o importante é extrairmos a posição do psicótico em sua relação com
o significante, pois, segundo Lacan, o essencial é apreender a dimensão estrutural
desses fenômenos. E isto independe se o sujeito tem a sua psicose desencadeada ou não,
numa evolução contínua ou com rupturas.
Iniciaremos a nossa pesquisa com Freud e o termo descrença (Unglauben) como
uma tentativa de delimitar o campo da psicose em relação ao da neurose, pois
acreditamos em sua pertinência para definir o mecanismo próprio da psicose e situar o
caráter de exterioridade de algo que não foi primordialmente simbolizado. Além do
mais, ele nos permite inferir, com Lacan, a respeito da crença ou da descrença do sujeito
no Outro. E, com isso, situar a função da certeza na psicose.
Em seguida, entraremos no campo do desencadeamento propriamente dito
definido como o encontro com Um-pai. Primeiramente veremos o lugar do Pai na
metáfora paterna. Faremos uma primeira aproximação da noção de ponto de basta,
essencial para a nossa pesquisa. Logo após, realizaremos uma abordagem do psicótico
em sua dificuldade de se localizar na cadeia de gerações e faremos, com base num
fragmento clínico, uma breve pontuação sobre uma saída diversa do delírio de filiação.
Analisaremos o pai e a foraclusão do Nome-do-Pai como mecanismo próprio da
psicose, destacando a diferença do caráter da foraclusão e do desencadeamento
propriamente dito. Faremos uma discussão dos fenômenos elementares, privilegiando o
caráter enigmático destes fenômenos e a resposta a este enigma como tendo um valor
clínico. Por último, abordaremos a solução delirante da metáfora construída pelo
paranóico através do paradigma da esquizofrenia, e nos perguntaremos sobre a função
de nomeação desta metáfora.
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2
No segundo artigo (1896), quando Freud pretende ampliar o campo de atuação do conceito de defesa, a
afecção usada será a paranóia.
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Freud reconhece não saber como este recalque se dá na paranóia, indicando-nos que poderia haver uma
especificidade no mecanismo da psicose. A introdução do termo rejeição (Verwerfung), na análise por
Freud do caso do Homem dos Lobos em 1918, abrirá o caminho para a especificação desse mecanismo,
embora Freud não o faça explicitamente (cf. "História de uma neurose infantil", vol. XVII, ESB, Rio de
Janeiro: Imago, p. 107).
4
A teoria da sedução era usada por Freud neste momento.
19
A metáfora paterna
Segundo Lacan (1957-58b), não importa se o pai como agente esteja ou não
presente, o essencial na função paterna é que o sujeito tenha apreendido a dimensão do
Nome-do-Pai e dele tenha se servido (p. 162-163).
Em seu texto De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose
(1957-58a), Lacan resgata na formulação da metáfora paterna o percurso do Complexo
de Édipo. Inclui também a articulação freudiana de Totem e Tabu (1912-13) em que
Freud estabelece os determinantes da origem da lei e da entrada na cultura. O Pai surge
como representante da lei de proibição do incesto, a partir do assassinato do pai
primevo, detentor de todas as mulheres. Com o seu assassinato e a instauração da lei, o
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sujeito pode participar do mundo simbólico. Para Lacan, o Pai simbólico, como aquele
que significa essa lei é o "Pai morto" (Lacan 1957-58a: 563). O pai como operador da
metáfora paterna é um nome, o pai morto, na medida em que é mortificado pela
linguagem. O lugar primordialmente simbolizado da ausência da mãe é apresentado na
metáfora paterna pelo significante do Desejo da Mãe. Como este não tem nenhum
significado, apresenta-se como um enigma.
O Nome-do-Pai na metáfora paterna, enquanto operação de substituição
significante, nomeia o vazio enigmático do Desejo da Mãe como sendo o falo.
Significado criado retroativamente pela metáfora paterna como resposta ao desejo
enigmático da mãe, a significação do falo localiza o gozo da mãe e proporciona ao
neurótico uma medida comum, uma realidade possível de ser compartilhada com os
seus semelhantes.
O ponto de basta
Lacan indica na passagem acima uma certa constelação de fatores, pelo menos
duas causalidades diferentes para o desencadeamento: uma causalidade estrutural e uma
causalidade contingente (Recalcati, 2003). A primeira é ligada a foraclusão do Nome-
do-Pai e a segunda ao encontro do sujeito diante de alguma situação em sua vida que o
coloque em uma impossibilidade de mediação e resposta simbólica através do
significante do Nome-do-Pai. Estas duas causalidades formam o que Lacan chama a
conjuntura do desencadeamento (1957-58a).
A entrada na psicose se delineia no momento em que o sujeito encontra com
Um-pai, uma exigência simbólica vinda do campo do Outro, que não pode ser acolhida
pelo sujeito, e diante da qual este faz um apelo a um significante, não o encontrando.
Em resposta ao seu apelo encontra um vazio da significação, um vazio enigmático em
vez de um significante da lei. Para Lacan, o desencadeamento ocorre fundamentalmente
através de “nada mais nada menos que um Pai real, não forçosamente, em absoluto, o
pai do sujeito, mas Um-pai” (1957-58a: 584), ou seja, o desencadeamento surge quando
o psicótico se encontra com algo que se apresenta para ele como um elemento
heterogêneo, um elemento terceiro que abala a identificação imaginária e especular com
o semelhante, rompendo o eixo imaginário a-a'.
Segue-se um processo chamado "cataclisma imaginário" marcado pela
proliferação de fenômenos imaginários e por uma intensa rivalidade imaginária. "É a
falta do Nome-do-Pai neste lugar que, pelo buraco que abre no significado, inicia a
cascata de remanejamentos do significante de onde provém o desastre crescente do
imaginário" (idem: 584). Como exemplo, temos o período da doença de Schreber que
ele caracteriza como "assassinato d'almas", quando "uma certa fissura apareceu na
ordem de suas relações com o outro" (Lacan 1955-56: 238).
Em decorrência do acidente no simbólico causado pela foraclusão do Nome-do-
Pai, acrescenta-se, na ocasião do desencadeamento, uma eclosão de fenômenos típicos
da psicose conhecidos como fenômenos de linguagem, dos quais são exemplares as
alucinações verbais, os neologismos, entre outros fenômenos que atestam a quebra da
cadeia significante.
Podemos encontrar na psicose uma hipertrofia do imaginário antes e após o
surto. Antes do surto, o psicótico muitas vezes se prende a uma relação especular que o
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A questão do pai aparece na psicose como tema crucial, pois o psicótico, devido
à foraclusão do Nome-do-Pai, não tem como responder à questão das gerações na
medida em que o significante pai é o que proporciona uma ordem na linhagem, ao
produzir uma série (Lacan 1955-56: 359). O Nome-do-Pai transmite uma filiação
simbólica que nos insere em uma ordem significante. Lacan nos oferece um exemplo de
um sujeito cuja impossibilidade de assumir a realização do significante pai a nível
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simbólico leva-o à redução da função paterna a uma imagem que não se inscreve em
nenhuma dialética triangular, porém esta imagem lhe serve de "ponto de
enganchamento" (p.233), ainda que seja no plano imaginário.
Segundo Lacan, a questão da geração está sempre prestes a surgir "como uma
tentativa de reconstruir o que não é admissível para o sujeito psicótico" (1955-56: 344).
O psicótico nos mostra que a existência do Pai e do Outro não estão dadas de antemão,
e que às vezes é preciso um delírio de filiação para que ele possa produzir isso. É o que
C. Soler (1997b) chama de "empuxo-ao-filho", ou seja, o que põe em série todos os
casos de psicose em que aparece o tema do filho redentor, os delírios de ser o Cristo
etc.; e afirma: "se há filho redentor é que há pai a salvar" (p. 203). Mas é possível ao
psicótico construir uma filiação que não seja pelo delírio?
É o que perguntamos diante de um caso de nossa clínica5 em que não há um
delírio evidente; entretanto, como o tema da origem para ele é crucial, permanece às
voltas com isto, e revela escrever em seus contos sempre uma origem para cada
personagem. Segundo ele, todos os seus personagens têm a sua origem descrita desde a
quarta ou quinta geração, um sobrenome e um local de nascimento. Assim, diante do
que não lhe foi transmitido, produz de forma artesanal uma linhagem e uma origem.
"Com ele, sustentamos que convém escutar aquele que fala, quando se
trata de uma mensagem que não provém de um sujeito para-além da linguagem,
mas de uma fala para-além do sujeito" (Lacan 1957-58a: 581).
partilhá-lo no discurso dos outros" (p. 153). O neurótico também é uma testemunha da
existência do inconsciente, mas é um testemunho encoberto que é preciso decifrar.
Deste modo, o inconsciente na psicose não funciona através das formações do
inconsciente e, sim, através daquilo que não foi simbolizado no sentido da Verwerfung e
que aparece no real (idem: 21). Em sua elaboração sobre a psicose, Lacan se pergunta
fundamentalmente sobre a relação do sujeito com o significante, e dirá que é desta
forma que poderemos distinguir os fenômenos próprios à psicose. Sendo assim, os
fenômenos da psicose são abordados através do que Lacan irá qualificar de fenômenos
de linguagem.
Lacan recorre a algumas formulações de seu mestre em psiquiatria G. de
Clérambault sobre o automatismo mental6 e resgata o que este denomina ser o caráter
anideico do automatismo mental. Assim, Lacan elabora a sua teoria sobre os fenômenos
elementares. Para Clérambault, existe na psicose um fenômeno fundamental que não é
passível de ser compreendido, e frequentemente surge como os primeiros sinais da
psicose. Lacan possuía críticas à vertente mecanicista de seu mestre (1966a: 69), mas
sabia lhe dar crédito diante de sua análise dos fenômenos da psicose que era, por sua
vez, bastante próxima a uma análise estrutural: "quando um de Clérambault analisa os
fenômenos elementares, procura a assinatura deles na sua estrutura (...)" (1955-56: 45).
O mérito de Clérambault foi ter mostrado o caráter ideicamente neutro dos
fenômenos elementares; isto quer dizer que eles não são ordenados segundo uma
seqüência de idéias (Lacan 1955-56: 14) e, assim, nenhum mecanismo afetivo basta
para explicá-los. Para Lacan, não se trata nestes fenômenos daquele sentido que se
compreende, deste modo, a psicose é ligada a uma relação do sujeito com o significante
em seu aspecto formal de significante puro (Lacan 1955-56: 284).
Podemos pensar o fenômeno elementar como o retorno do significante no real.
O seu exemplo mais característico é a alucinação verbal, porém, há possibilidades de se
considerar outros fenômenos como intuições e interpretações delirantes, estados
passionais, ilusões de memória, falsas percepções e sentimentos de estranheza (Lacan
1932), que tragam em si o caráter enigmático de um vazio de significação.
6
O automatismo mental é uma síndrome descrita por Clérambault que comporta uma série de fenômenos
psíquicos que ocorrem à revelia da vontade do paciente, sem que este os reconheça como seus, pois são
atribuídos a uma ação e influência externa. Cf."Definição do automatismo mental" (1924), extraído de
OEuvres Psychiatriques, Paris, PUF,1942.
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7
Argumento extraído das discussões coordenadas por Marcus André Vieira acerca do Outro da
esquizofrenia, realizada no âmbito do seminário "caso-de-polícia" da Unidade de Pesquisa Práticas da
Letra, ao longo do ano de 2004, no Instituto de Clínica Psicanalítica do Rio de Janeiro.
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que há perda da realidade tanto na neurose quanto na psicose, e demonstra, com isso,
que o problema não é somente o conflito com a realidade, mas o modo pelo qual é
possível substituí-la e construir uma nova realidade. Na neurose, um fragmento de
realidade é evitado por uma espécie de fuga, ao passo que na psicose há um
remodelamento da realidade.
Segundo Quinet (2003), esse parentesco entre neurose e psicose com respeito à
realidade "permitiu a Lacan a afirmação: todo mundo delira, já que todo mundo tem
uma suplência para sustentar uma realidade" (p.57). E, além disso, afirma ter sido nesta
perspectiva que Miller avançou na teoria da foraclusão generalizada.
Esta é uma tese de Lacan, elaborada por J.-A.Miller, que veremos no terceiro
capítulo. Mas no que se refere à realidade, podemos adiantar que nesta abordagem não
haveria realidade em si. Diante de uma generalização da foraclusão, de um vazio
estrutural no campo da linguagem, se colocaria para todos a tarefa de construir uma
realidade psíquica. Assim, a realidade estaria desde sempre perdida. Nessa perspectiva,
não poderíamos pensar a perda da realidade como algo exclusivo do psicótico no
momento do surto. E a atenção volta-se, então, para o modo como cada um irá construí-
la. A realidade psíquica, como invenção freudiana, é situada por Lacan em seu
seminário RSI (1974-75) como um quarto elo, como algo que viria a mais para enlaçar
os três registros da experiência psíquica - o real, o simbólico e o imaginário.
O que fez Freud? Vou contar. Fez o nó com quatro a partir dos seus
três, esses três que lhe suponho armadilha. Mas, então, eis como procedeu:
inventou algo a que chamou realidade psíquica. (...) Foram necessários a Freud,
não três, o mínimo, mas quatro consistências para que isso se sustentasse, a
supô-lo iniciado na consistência do simbólico, do imaginário e do real. O que
ele chama de realidade psíquica tem perfeitamente um nome, é o que se chama
Complexo de Édipo. Sem o Complexo de Édipo, nada da maneira como ele se
atém à corda do simbólico, do imaginário e do real se sustenta (Lacan, lição de
14/01/75).
significantes (Lacan 1955-56: 283). E nos oferece dicas de como pensar a invenção nas
psicoses, na medida em que, segundo a concepção de J.-A.Miller (2003a), a invenção
não partiria do nada, da criação ex-nihilo, e sim, a partir de "materiais existentes".
Como dissemos, optamos por tomar a solução delirante do paranóico pelo
parâmetro da esquizofrenia, de modo a tentar valorizá-la mais. Mas é importante,
mesmo assim, tentar extrair algumas indicações preciosas do modo pelo qual Lacan
construiu a definição de metáfora delirante. A solução delirante de Schreber é descrita
por Lacan a partir de um esquema, chamado esquema I (Lacan 1957-58a: 578), que
serve para abordar o caminho da estabilização de Schreber. Desta forma, este esquema é
específico da solução schreberiana, e trata-se de um modelo baseado na neurose, na
medida em que é um desdobramento do esquema R (ibid.: 559) utilizado para expor o
campo da realidade na neurose. Não iremos expor os dois esquemas e nem apresentar o
caso Schreber, mas tentaremos extrair algumas implicações da elaboração de Lacan. A
nossa atenção recairá, sobretudo, sobre o questionamento de um estatuto da nomeação
na metáfora delirante.
A realidade na psicose descrita por Lacan em seu ensino da década de 50 (1955-
56; 1957-78a), pode ser pontuada em três momentos específicos: Antes do surto, a
realidade seria sustentada por "bengalas imaginárias"; no momento do surto, haveria
uma dissolução da realidade descrita por Lacan como um cataclisma imaginário. Após
isso, ocorreria uma tentativa de restabelecimento e reconstrução do mundo através do
trabalho delirante. Mas, como sabemos, nem todo delírio leva a uma metáfora delirante.
De uma forma bastante resumida, descreveremos algumas passagens do caso
Schreber com o intuito de circunscrever a sua metáfora delirante "Mulher de Deus".
Um pouco antes de ser internado pela segunda vez, Schreber (1995) tem a idéia de
"como seria belo ser uma mulher se submetendo à cópula", idéia repelida por ele e que
o lança em um grave desencadeamento de sua psicose. Passa por um período intenso de
morte subjetiva. Começa, então, a escrever as suas Memórias que mais tarde seriam
publicadas. Quanto ao advento da metáfora delirante de Schreber, este ocorreu depois
de um longo período após o início de sua construção delirante, mais precisamente em
um tempo após ele ter tido a alucinação cujo conteúdo era a palavra Luder, sua tradução
não é um consenso, mas poderia ser traduzida por carcaça (Muñoz 2005), rameira ou
safada. A partir daí ele passa a aceitar a sua condição de mulher que deixa de ser um
sacrifício para ele, mas, ainda assim, levará algum tempo de trabalho delirante para que
ele encontre a sua estabilização na metáfora delirante "Mulher de Deus".
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8
O termo assintótico é utilizado por Lacan na sua elaboração do esquema I referido à solução de Schreber
(Lacan 1957-58a: 578). No entanto, este termo foi inicialmente usado por Freud na parte II de sua análise
do caso Schreber (Freud 1911).
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(1966b), Lacan formaliza a relação do psicótico com o gozo. Desta forma, oferece uma
definição mais precisa do lugar ocupado pelo paranóico quando identifica o gozo no
lugar do Outro como tal. Parte, para isso, da relação de Schreber com o seu Deus. O
paranóico ocupa uma posição de objeto, como o "deixar largado" de Schreber quando
ele se separa de Deus, e por isto se confunde com o objeto , objeto caído, que tem a
função do gozo. E Lacan designa o Outro como aquele que goza dele, de modo que para
o paranóico há um Outro, porém não se trata do Outro faltoso do neurótico regido pela
ordem fálica, mas já é uma relação de alteridade e subjetivação deste. A característica
do paranóico de construir o seu delírio a partir de um sistema propicia-lhe instaurar uma
ordem não alcançada pelo esquizofrênico com seus delírios fragmentados.
Percebemos, em alguns casos, a possibilidade de vir a se estabelecer uma ordem
no Outro do psicótico. Como ocorre com a "Ordem do mundo" descrita segundo
Schreber como uma "construção prodigiosa" (Schreber 1995:42). Ordem produzida a
partir da estabilização de sua realidade, oferecida por sua metáfora delirante "Mulher de
Deus". Como, então, pensar esta ordem dissociada do Nome-do-Pai?
Nessa perspectiva, não podemos considerar o significante Nome-do-Pai como o
único passível de fazer a função de ponto de basta ao amarrar significante e significado
na cadeia significante, pois outros nomes como "Mulher de Deus", servindo de metáfora
delirante para Schreber, podem cumprir esta função. É o que Lacan indica, com vimos,
ser uma suplência. No entanto, neste momento de sua construção teórica, a suplência
está estreitamente associada a "suprir" a ausência do Nome-do-Pai (Lacan 1957-58b:
153). O que não necessariamente iremos encontrar ao longo de seu ensino.
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desordem dos pequenos a: "esse é o verdadeiro sentido, o sentido mais profundo a ser
dado ao termo do ‘auto-erotismo’- ou sentir falta de si, (...), de uma ponta à outra. Não é
do mundo externo que sentimos falta,(...), mas de nós mesmos" (Lacan 1962-63: 132).
Vemos, assim, que a incidência ou não do objeto a em sua vertente real está
estreitamente relacionada e dependente do estatuto do Outro. Além disso, podemos
destacar a importância da imagem como uma vestimenta ao objeto pulsional.
Antes de abordamos a compensação imaginária como uma via de estabilização
para o psicótico, faz-se necessário considerar que a condição do sujeito psicótico seja
reduzida, em determinados momentos, a uma relação especular.
Como dissemos no primeiro capítulo, a captura do psicótico na relação
especular pode ocorrer antes ou após o desencadeamento. No momento logo após o
desencadeamento, temos o que Schreber denominou como assassinato d'almas. Lacan
comenta sobre este período de Schreber:
Esse é o fenômeno, que é para ele o sinal de entrada na psicose, pode tomar para
nós, comentadores-analistas, toda espécie de significações, mas o único lugar em que
ele pode ser colocado é no campo imaginário. (...). Há aí uma relação puramente dual,
que é a fonte mais radical do próprio registro da agressividade. (...) Esse texto nos traz
mil provas do que eu avanço, e isso é perfeitamente coerente com nossa definição da
fonte da agressividade, e seu surgimento quando se acha curto-circuitada a relação
triangular, edipiana, quando esta é reduzida a sua simplificação dual (1955-56: 343).
As bengalas imaginárias
É assim que a situação pode se sustentar durante muito tempo, que certos
psicóticos vivem compensados, têm aparentemente os comportamentos comuns
considerados como normalmente viris, e de uma só vez, misteriosamente, Deus
sabe por que, se descompensam (Lacan, 1955-56: 233).
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A realidade, no contexto da teoria lacaniana dos anos 50, é sustentada por uma
trança de significantes e, sobretudo, constituída pela presença do significante Nome-do-
Pai. E é justamente este significante que vem a faltar na relação do sujeito com a
realidade, levando o psicótico na "pré-psicose" a ter o sentimento que chegou à beira de
um abismo que atesta a falta ao nível do significante.
Lacan nos mostra em seu seminário sobre as psicoses que a dimensão do Outro -
lugar onde se produz a fala - é reduzida nestes casos ao outro imaginário que o prende
em uma relação de miragem com o seu semelhante. O sujeito permanece antes do
desencadeamento como prisioneiro da relação especular, de uma identificação massiva
ao semelhante situado como eu ideal. Ao contrário da identificação histérica, que se
opera através de um traço, a identificação mimética tende a reproduzir integralmente o
objeto da identificação (Recalcati, 2003). A compensação imaginária se apresenta,
segundo Recalcati, como uma "modalidade de amarração da psicose que se organiza
como um enodamento entre o imaginário e o real sem a ajuda da mediação simbólica"
(p. 210).
As bengalas imaginárias indicam uma identificação possível e um uso do
imaginário que consegue, de certa forma, dissimular a falta do operador do Nome-do-
Pai.
Esse fenômeno (...) que parece preceder aqui o desencadeamento, basta
para mostrar que, em relação à falta do simbólico, o imaginário longe de ser
apenas subordinado, pode funcionar como recurso ou prótese e que é uma das
razões de colocar a equivalência entre essas duas ordens, como Lacan o faz
quando ele constrói seu nó borromeano (Soler: 1997a: 9).
Por outro lado, podemos nos perguntar como as bengalas imaginárias descritas
por Lacan em seu seminário sobre as psicoses podem ser puramente relações
imaginárias. Somente uma ordem, um registro imaginário é capaz de sustentar um
sujeito na existência?
O uso do imaginário como uma prótese à falha do simbólico pode como no caso
de Schreber, servir como restauração da realidade após o surto. Dessa maneira, fica
mais clara a equivalência do imaginário em relação aos outros dois registros - simbólico
e real. Mas até que ponto o uso do imaginário é eficaz para manter um psicótico
estabilizado já que, muitas vezes, as identificações imaginárias não impedem o
desencadeamento psicótico?
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O termo suplência é utilizado por Lacan desde o seu seminário, livro IV, a
relação de objeto (1956-57) para designar uma suplência fóbica do pequeno Hans à
carência paterna2. Além disso, Lacan refere-se em um pequeno comentário - no seu
seminário, livro V, as formações do inconsciente (1957-58b) - à compensação
imaginária como sendo ela mesma uma suplência. Na ocasião indica que o mecanismo
da redução do Outro ao outro imaginário "é uma suplência do simbólico pelo
imaginário" (1957-58b: 14). Ao longo de seu ensino utilizou o termo de forma
esporádica em algumas situações. No entanto, a perspectiva de uma clínica das
suplências só toma corpo no seminário sobre O sinthoma (1975-76) em que Lacan
empreende o estudo da obra de J.Joyce.
O "como se"
J.-A.Miller
O que a imagem tem que se mostra tão cativante? A fascinação pela imagem em
todo sujeito está por ela vir recobrir a falta relacionada à castração, que aqui pode ser
entendida tanto como prematuração, quanto um déficit diante do júbilo oferecido na
experiência do espelho.
No estádio do espelho, a criança tem a imagem do corpo unificada com um
júbilo que lhe oferece um descompasso diante de seu desamparo. Desta forma, o sujeito
se empenha em dissimular essa falta recorrendo à imagem do semelhante.
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relação transferencial de Mlle. B. com Lacan nos diz sobre a sua posição diante do
Outro: "Jacques Lacan ou qualquer outro, isto não tem importância" (Lacan 1993: 7).
Todos se mostram intercambiáveis, não há ninguém que se fixe diante dela.
O seu discurso é fluido e em suas associações, algumas vezes, por meio de um
deslocamento, uma mesma palavra toma diversos sentidos e assume a representação de
todo um encadeamento de pensamento, tal como a relação do esquizofrênico com as
palavras, descrita por Freud em seu artigo O inconsciente (1915). Ao responder uma
pergunta de Lacan sobre qual seria o seu métier, Mlle. B. responde:
"Meu papel, através dos estudos que eu fiz, é de encontrar um lugar na sociedade,
desempenhar um papel (...) os mundos imaginários (...) eu sou os papéis, eu os jogo fora
(...) eu gosto muito do papel. (...) através dos papeizinhos, dos cartõezinhos" (In: Lacan
1993: 27) .
Logo no início da entrevista, diz querer se "valorizar" e diz ser preciso que este
valor seja reconhecido pelos outros: "Eu gostaria de encontrar um lugar na sociedade,
na vida, eu não o encontro, eu estou à procura, eu não encontro este lugar porque eu não
tenho mais lugar".
É a mais velha de seis irmãos, pai alcoolista e violento. Mlle. B. sai de casa aos
21 anos após ter feito um curso de esteno-datilógrafa. Consegue diversos empregos
provisórios até conseguir trabalhar por oito meses como monitora em St. Ch.- um lar de
crianças abandonadas, sendo todas psicóticas, onde realiza um ateliê com terra e
cerâmica. Com este trabalho "procurava uma mudança de valor justamente. (...) Eu era
uma pessoa temporária que substituía uma outra. Lá eu não substituía ninguém". Em
outra ocasião diz sentir-se "incomodada por causa de uma sociedade que quer
reconhecer alguém como tal à condição que ele seja sancionado por um diploma. (...) Eu
não tinha um diploma". Se considerarmos o diploma como uma sanção do Outro, nesse
sentido, ela não podia ser reconhecida.
No período em que trabalhava como monitora neste lar de crianças, encontra
Christian, de quem tem um filho em 19723. É despedida de St. Ch. e passa a viver em
hotéis com Christian, que foge quando ela está no terceiro mês de gestação. Ela passa a
freqüentar, antes e depois do parto, casas de abrigo materno, começa a bater em seu
3
A pesquisa dos dados iniciais foi realizada por Pereira, Robson F. e Costa, Adão L. Cf.: Psicose: Boletim
da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Artes e ofícios Ed., ano IV, n°9: 1993.
49
filho, e este é entregue aos cuidados de uma pessoa com quem permanece até a data da
entrevista. É levada a um médico e encaminhada à Mlle. M., com quem inicia uma
psicoterapia por cerca de um ano. Volta a viver com a família e se ocupa de seu pai
doente.
Nesta época, teve a sua primeira internação com um atestado de síndrome
persecutória. Após cinco meses de internação, passa a viver reclusa na região parisiense
e após diversas tentativas de retomada de trabalho, sobe em um caminhão indicando C.
e se interna com o diagnóstico de mania atípica. Após a alta, reside em um quarto na
casa de um médico onde cuida da filha epilética deste, além de trabalhar meio período
na casa de um advogado. Após uma leitura de um livro de hipnotismo, é admitida em
sua terceira internação. E é nesta internação que ela encontra Lacan.
Na ocasião da entrevista em si, nada do que diz ganha peso e nem convicção.
Apesar de Lacan insistir para que ela fale de seu filho, Mlle. B. não se deixa pegar por
este assunto. Ao ser indagada por Lacan sobre o lugar que procura, diz: “eu gostaria de
ter o lugar de uma mãe que ama o seu filho, eu merecia ter o lugar de mãe atraente”.
No momento de sua entrada na atual internação, diz ter sido hipnotizada; já
durante a entrevista afirma "jamais ter sido hipnotizada ou enfeitiçada, eu não sei o que
tomou conta de mim". Parecia ter sido influenciada por suas leituras por uma espécie de
sugestão. Lacan pergunta se houve um momento em que se sentia hipnotizada. Ela diz
ter lido e escrito muito durante as vigílias. "Eu pensei que efetivamente eu havia sido
hipnotizada porque eu havia lido livros dizendo que pode-se transmitir a hipnose". Ao
ser questionada por Lacan se seria uma verdadeira ou uma falsa doente, Mlle. B. diz
"não ser nem verdadeira e nem falsa doente. (...) Eu faço o que tenho vontade, eu tenho
vontade de ser uma verdadeira doente, eu sou uma verdadeira doente, se eu não tenho
vontade, eu não sou uma verdadeira doente".
Mlle. B. diz ter a idade mental de uma criança de três anos, e logo depois afirma
poder ter a idade que quiser como quinze, vinte e cinco, trinta anos, dependendo da
coisa com a qual tem que se arranjar. Isto a diferencia da debilidade mental, pois o débil
também pode se apresentar com uma idade mental inferior, entretanto, ele se fixa nela.
Acompanhando a entrevista, temos a impressão de que as suas internações são
apenas mais um ponto de um circuito do qual mostra ser levada a seguir. Lacan lhe
pergunta quantas vezes atravessou um hospital psiquiátrico. Mlle. B. diz ter sido três
vezes. Reproduzimos aqui este momento da entrevista:
50
Foi também pedindo carona que conheceu o pai de seu filho: "Eu havia me
enganado de rota. Eu fui parar em uma cidade onde eu não queria ir. (...) Foi lá que eu o
encontrei". Viveu um tempo com ele: "era mesmo uma coisinha sem importância".
Vivia com ele em hotéis, sem dinheiro, até serem expulsos pela proprietária. Algum
tempo depois, o pai de seu filho é preso por "desvio de fundos de caixa". Justamente ao
abordar a sua relação com o pai de seu filho, Lacan surpreende Mlle. B. com a sua
gentileza: chama-a de "minha garotinha" quando ela esperava ser chamada de "safada
ou de puta". A partir daí, Mlle. B., fala de cartas de amor escritas para um "carinha" e
diz, por conta disso, ter "imitado" uma prostituta.
Em diversos momentos da entrevista, Mlle. B. descreve os personagens que
imita ou com os quais tenta se identificar, mas não se detém em nenhuma identificação
estável. Diz ter se identificado a uma pessoa que não se parecia com ela: "várias pessoas
que não se parecem comigo. Ao menos uma que eu conheço". Destacamos uma amiga
de infância que, talvez, tenha servido de esboço de um eu ideal: conta ter conhecido
Marie-Aline F. aos seis ou sete anos: "nós éramos um grupo de meninas, (...). Eu a
desenhava toda bela, por sua vez ela me desenhava toda feiosa. (...) Eu sofria um pouco.
São lembranças de amor, eu penso, as primeiras decepções de amor".
Em outro momento da entrevista, volta a falar em Marie-Aline F.. Lacan
pergunta se não era a ela que Mlle. B. havia se referido anteriormente, e pergunta: "É
dela que você gosta muito?". Mlle B. responde: "É da sua irmãzinha que eu gostava
muito, em seguida, eu a preferi, parecia que nós éramos parecidas, mas ela certamente
não se parecia comigo, o que eu procurava na minha idéia, é ser parecida com alguém, é
a condição de vida, é por isso que eu tomo a vida deles".
51
Diz gostar de viver "suspensa como uma roupa, se eu fosse anônima, eu poderia
escolher a roupa na qual estou pensando, eu vestiria as pessoas ao meu modo, eu sou
um pouco um teatro de marionetes". Em outra ocasião, descreve o suposto roubo de seu
xale por uma mulher e diz: "ela tomava minha identidade". Com o roubo do xale, este
objeto que lhe pertence, leva-se também a sua "identidade". Aqui objeto e imagem
parecem não estar distintos, diferenciados, pois com o roubo do xale/objeto vai-se
embora também a "identidade" /imagem.
A vestimenta
Nesta perspectiva, podemos tomar o objeto como o que resta sob o imaginário
e os dois sendo unidos pelo simbólico, formando um corpo. Dessa forma, para sustentar
a imagem de um corpo é preciso que haja um resto, como produto da operação
simbólica de castração. E é precisamente de um corpo que Mlle. B encontra-se
desprovida, restando-lhe ser pura vestimenta.
Diante disso, Lacan (1993) afirma ser esta "a doença mental por excelência, é a
doença de ter uma mentalidade. Não se trata de uma doença mental grave identificável,
52
não é nenhuma de suas formas (...) ela vai fazer parte do número destes loucos normais
que constituem nosso ambiente” (p.30).
Doença da mentalidade
Diante desta lição enigmática de Lacan, nos perguntamos o que viria a ser um
doente por ter uma mentalidade? A partir de um artigo de J.-A.Miller (1996a) sobre a
apresentação de doentes convencionou-se, dentro das escolas de psicanálise ligadas ao
Campo Freudiano, chamar de "doenças da mentalidade" estas psicoses que não teriam
um ponto de basta que produzisse uma amarração do simbólico, imaginário e real,
também não caracterizariam uma psicose típica como a paranóia e a esquizofrenia. A
data da entrevista coincide com o período do seminário de Lacan sobre o sinthoma,
período em que as definições estruturais não têm tanta prevalência como nos anos 50.
Desta forma, Lacan não se refere tanto mais às conhecidas "estruturas clínicas
freudianas".
Neste mesmo seminário, Lacan (1975-76) sugere que ter mentalidade é o
mesmo do que ter amor-próprio, sendo o amor-próprio o princípio da imaginação
(p.64). Poderíamos, então, considerar a doença da mentalidade como aquela onde não
haveria uma consistência narcísica?
Geralmente são "seres de puro semblante", está aí a sua excelência e o seu
caráter exemplar de doença mental. São pessoas que não conseguem estabelecer uma
identificação, como observa Miller a respeito do caso de Mlle. B.:
A doença da mentalidade, por não ter nenhuma definição estrutural, por vezes
pode parecer se aproximar da histeria e outras vezes da esquizofrenia. Diríamos que a
sua referência maior é a esquizofrenia, pois a lembra em vários aspectos. Termos como
flutuação, abandono do Outro, ausência de lastro, deslocalização do gozo são usados
53
por Miller e outros comentadores ao se referirem a estes casos. Alguns destes loucos
normais, no sentido de Lacan, correm o risco de passar a vida entrando e saindo do
hospício, "porque não foram capturados pelo simbólico e porque mantêm, com relação a
esse último, uma flutuação, uma inconsistência" (ibid: 146).
A referência à doença da mentalidade faz parte das discussões empreendidas
pelos autores de duas publicações - Os casos raros, inclassificáveis da clínica
psicanalítica (Miller et al. 1998) e também a Psicose Ordinária (idem 2005). Nestes
dois estudos, abordam-se tanto os casos de doença da mentalidade quanto aquela
psicose considerada discreta e sem desencadeamento onde se consegue uma
estabilização pela via de uma amarração dos três registros. Curiosamente, não podemos
dizer que Mlle. B. tenha uma psicose não desencadeada, mas, também não podemos
dizer que se trata de uma psicose com desencadeamento. Mlle.B. permanece em uma
errância, assim, ela não é uma verdadeira doente, mas também não é uma falsa doente,
exatamente como ela mesmo se refere.
Vimos que Mlle. B. não se fixa em ninguém e também em nenhuma doença.
Com a teoria do narcisismo, Freud (1914) afirma que a paranóia e a esquizofrenia irão
se apoiar na retração da libido objetal, diferenciando-se no ponto de fixação. Na
paranóia há uma perda do interesse libidinal seguida de uma regressão ao narcisismo. Já
na esquizofrenia, a retirada da libido do mundo externo é mais radical e se situa no auto-
erotismo. Podemos, então, dizer que a libido de Mlle.B. não se fixa em nenhum ponto?
Que não há nenhum caminho traçado para a sua libido?
Mesmo que ela não consiga se fixar em um ponto, ou que ela não encontre
nenhum traçado para a libido, podemos observar em sua entrevista que é na relação
dual, especular que Mlle.B. minimamente se guia, pois este é o assunto que a fisga de
alguma maneira, é por aí que ela tenta construir as suas relações, como é a tentativa de
se parecer com a sua amiga de infância, questão vital para ela. Retomo aqui a sua fala
em relação a sua amiga: "Eu havia me identificado a uma pessoa que não se parece
comigo. (...) parecia que nós éramos parecidas, mas ela certamente não se parecia
comigo" (p.12). É por esta via imaginária que ela tenta sustentar a imagem de seu corpo,
pura vestimenta.
Miller (1996a) ao comentar as observações de Lacan sobre o caso Mlle.B.
distingue, a partir de algumas indicações, as doenças da mentalidade das doenças do
Outro. Reitera, com isto, a importância de se referir ao Outro para se pensar a categoria
do eu. Das doenças da mentalidade fariam parte aqueles em que a dimensão do Outro
54
4
Lacan (1975-76), em uma referência a sua tese intitulada Da psicose paranóica em suas relações com a
personalidade de 1932, comenta que a "psicose paranóica e a personalidade não têm, como tais, relação,
pela simples razão de que são a mesma coisa" ( p. 52).
55
A partir de um caso de nossa clínica, poderemos ver que outros nomes que não o
Nome-do-Pai podem servir para estabilizar a imagem de um corpo. O caso clínico nos
servirá de guia para a formulação que se segue neste capítulo acerca da operação de
nomeação.
Antes de seguirmos, é importante assinalar que a operação de nomeação está
estreitamente vinculada à noção de furo, pois veremos que ela opera sobre os efeitos de
furo no sentido. J.-A. Miller (2003b) diferencia o conceito de furo do conceito de falta
e relaciona o furo com a argola de barbante presente nos últimos seminários de Lacan:
"a consistência do barbante só toma seu valor em relação ao furo que, se não o
nomearmos, permanece invisível" (p. 12).
Neste capítulo, introduziremos, entre outros pontos, o conceito de lalíngua,
necessário para as formulações que iremos apresentar. Lalíngua é a tradução do termo
francês lalangue, elaborado por Lacan em 1972 no seminário, livro XX, Mais Ainda.
Como introdução, podemos dizer que este conceito marca uma reviravolta importante
na estruturação da linguagem. A linguagem deixa de ser prévia e passa a ser uma
"elucubração de saber sobre lalíngua" (Lacan 1972-73: 190). A linguagem como
articulação significante e produtora de sentido é, assim, secundária à lalíngua, que se
apresenta através de significantes desconexos e ligados ao gozo. Trataremos do conceito
de lalíngua com maior precisão mais adiante na apresentação do caso clínico.
É a partir do caso clínico que surgiu a necessidade de traçarmos o caminho que
parte da pluralização do Nome-do-Pai. Aqui veremos algumas conseqüências da
proposta lacaniana de reduzir o Nome-do-Pai à sua função de nomeação. Destacaremos
também a nomeação como um quarto elemento que viria enlaçar os registros real,
simbólico e imaginário.
Em seguida, faremos uma abordagem da construção de um nome em James
Joyce segundo a leitura de Lacan sobre a sua obra. Recorreremos também à ajuda de
comentadores lacanianos, sobretudo Ram Mandil (2003) em seu livro Os efeitos da
letra - Lacan leitor de Joyce. Faz-se necessário pontuar que iremos abordar a noção de
sinthoma formulada por Lacan, mas somente no que for necessário para seguirmos em
nossa abordagem.
Faremos, então, a própria discussão do caso clínico, com a proposta de
pensarmos a função de nomeação como elemento estabilizador nas psicoses.
57
Destacaremos o uso de uma língua, e o nome como lastro. Logo após, seguiremos nas
formulações acerca da concepção de psicose ordinária, e a apresentaremos também
como um programa de investigação.
13
Lacan tem nesta passagem a referência ao capítulo III do Êxodo (Antigo Testamento).
58
Aí não se pode dizer que os judeus não foram legais, eles explicaram bem que
era o Pai, o pai que eles enfiam em um ponto de furo que nem se pode imaginar;
eu sou o que sou, isso é, um furo. (...) Quando digo o Nome do Pai, isso quer
dizer que pode haver aí, como nó borromeano, um número indefinido. É esse o
ponto vivo. É que esses números indefinidos, estando atados, tudo repousa
sobre um, enquanto furo, ele comunica sua consistência a todos os outros,
donde o fato que, vocês compreendem, o ano em que quis falar dos Nomes do
14
Lacan (1963) faz referência em sua conferência sobre os "Nomes-do-Pai" ao comentário de Rachi sobre
o episódio do "sacrifício de Abraão" designado na tradição judaica como o "sacrifício de Isaac" (Caroz
2006: 134).
59
Pai, eu teria falado de um pouco mais que dois ou três (...) (Lacan, lição de
15/04/75, grifo nosso).
sobre o outro e um terceiro que faz uma costura entre os outros dois, mantendo-os
unidos ao enlaçá-los. Costura feita de uma dada maneira sem que nenhum elo fure o
outro (enganche no outro). O furo se produz no próprio movimento da trança de forma
intervalar. Está aí uma das propriedades do nó borromeano.
O nó serve, assim, de "suporte material para podermos pensar o que é uma
relação em cima de um fundo de não relação generalizada" (Vieira 2007)15. A partir da
não-relação, Lacan concebe o nó borromeano como um laço entre o simbólico, cuja
característica é o furo, além de se fundar pelo significante como aquilo que distingue, o
imaginário que mantém tudo junto ao lhe dar consistência, e o real como aquilo que ex-
siste aos outros dois.
A outra propriedade do nó borromeano consiste em que, ao cortar qualquer um
dos elos, os outros necessariamente se soltarão, e este fato independe de serem três ou
mais elos (Lacan, lição de 10/12/74). Demonstra-se, dessa maneira, a equivalência
atribuída aos três registros, e não mais a primazia de um deles, como aquela dada ao
simbólico nos anos cinqüenta por Lacan.
Cabe destacar um ponto fundamental: a princípio os três registros não são
somente equivalentes e indistintos, mas também desatados e independentes. E apenas
um quarto elo ou uma "ação suplementar" poderá distingui-los e enlaçá-los
borromeanamente. Segundo Lacan, mesmo que sejam três elos, isso faz quatro (lição de
15/04/75), dito de outro modo, é só no mais um (mesmo implícito), que deduzimos os
outros três. Segundo Skriabine (2006), mesmo que sejam três elementos, eles são
quatro, pois há o próprio nó borromeano. Cada um dos elos carrega, como quarto
implícito, a própria eficiência do nó borromeano e é por isso que a ruptura de qualquer
um deles desliga o conjunto (p. 59).
Lacan (1974-75) em seu seminário RSI se pergunta se o Nome-do-Pai é
indispensável para enlaçar os três registros, recorre a Freud e aos seus conceitos de
realidade psíquica e de complexo de Édipo como prova dessa necessidade. Entretanto,
não sem hesitação, nos oferece o caminho para a pluralização: repousa a ênfase do
Nome-do-Pai sobre a sua função de nomeação. O pai como nome, representante da lei,
estreitamente vinculado à teoria edípica, abre espaço ao pai nomeante (lição de
15/04/75), e é na "ação suplementar" que o encontramos em sua função radical.
15
Fala proferida por Marcus André Vieira, registrada em ata, no âmbito do seminário Noiato da Unidade
de Pesquisa Práticas da letra, ICP - RJ da Escola Brasileira de Psicanálise, em 22 de março de 2007.
Sobre esse ponto ver também Lacan (1975-76), seminário XXIII, o sinthoma, sobretudo nas páginas 94-
98. Aqui Lacan afirma haver relação desde que não haja equivalência (proporção) sexual.
61
O pai como nome não é o mesmo que aquele que nomeia (Lacan 1975-76: 163);
veremos, então, algumas conseqüências da redução indicada. Sabemos que o Nome-do-
Pai é o que dá nome às coisas, entretanto, ao reduzirmos o Nome-do-Pai em sua função
radical é possível dar nome mesmo que não tenha com isso o efeito de significação.
Situamos aí uma primeira conseqüência.
Lacan desde os anos 50 enfatiza ser a função do pai não condicionada à figura
do genitor. O Nome-do-Pai é o que vem de forma metafórica incidir
sobre os significantes do desejo da mãe e sobre o seu gozo sob a forma da substituição
significante, produzindo a significação fálica. A sua função é amarrar a cadeia ao ligar o
significante e o significado como o explicitado na noção de ponto de basta; portanto, o
significante se introduz no significado e produz efeitos de significação (Lacan 1957).
Mas se o Nome-do-Pai é uma exigência da linguagem na medida em que amarra
a cadeia significante, como pensar, então, sua pluralização? O que pode, a partir daí,
fazer a função de ponto de basta?
No ensino de Lacan dos anos cinqüenta o Nome-do-Pai é situado como aquele
que insere o significante da lei no lugar do Outro, lugar onde a fala se produz. O Nome-
do-Pai como significante da lei é o que ordena o sistema de significações e estrutura a
linguagem a serviço da comunicação. Isto se articula à clássica função de nomeação que
está perfeitamente situada na língua (Basz 2006). Entretanto, quando Lacan trata da
nomeação como ato, ele já faz uso de seu conceito de lalíngua16 em que a fala serve ao
gozo e não à comunicação referida ao Outro do senso-comum.
16
O conceito de lalíngua será melhor discutido na ocasião do caso clínico.
62
O dizer como ato difere da palavra como fala. Mas como é possível o "dizer
fazer nó"? Como enlaçar significante e real? Para o "dizer fazer nó" é necessário
desatrelar o ato de nomeação de uma organização prévia da linguagem na qual a relação
de um significante com outro produz uma significação, relação em cadeia expressa no
par significante - , enfatizada na teoria lacaniana até a formulação do conceito de
17
"O último ensino de Lacan" é uma expressão utilizada por Jacques-Allain Miller para referenciar o
ensino de Lacan nos anos setenta marcado principalmente pelos nós borromeanos a partir de seu
seminário XX, Mais ainda. Para um maior esclarecimento sobre o termo ver J.-A. Miller "O último
ensino de Lacan", Opção Lacaniana n.35, 2003b.
18
Segundo J.-A. Miller, o "sentido é parente do não-sentido" (cf. Miller, J.-A. "Des-sentido para as
psicoses". In: Matemas I. Rio de Janeiro: JZE, 1996c, p 164).
63
19
Professor da Unversidade de Lyon e eminente estudioso das obras de Jacques Lacan e James Joyce.
66
estaria nomeando uma experiência de gozo singular por meio da linguagem e lhe
ofereceria o nome que ele reconheceria como próprio (Mandil 2003: 208), pois o
sintoma seria o que há de mais singular em um indivíduo e Joyce seria aquele que "se
identifica ao 'individual', chegando ao ponto de encarnar nele mesmo o sintoma, através
do qual ele escapa de toda morte possível" (Lacan 1975: 163). E foi precisamente
através do nome, intermediado pelo caráter inédito de sua última obra no campo da
literatura, que Joyce quis ser alguém que sobrevivesse como nunca.
Segundo Mandil (2003), nesta conferência de Lacan sobre Joyce, é lançada a
hipótese de que o sintoma pode ganhar estatuto de nome próprio e, com isso, ocupar o
lugar do Nome-do-Pai como mais um de seus nomes, "como algo fundamental para a
consistência da realidade psíquica de um sujeito, sem a qual este estaria condenado a
uma derrapagem que terminaria no delírio" (p. 208). Encontramos aqui um ponto de
grande pertinência para a nossa elaboração acerca da psicose não desencadeada, na
medida em que o sintoma com o estatuto de nome próprio, ou em outras palavras, o
sintoma em sua função de nomeação, pode vir a funcionar como um ponto de basta ao
impedir que o psicótico se lance pela via delirante, muitas vezes, tomada por um fluxo
ininterrupto.
Lacan (1975-76), em seu seminário XXIII, sinaliza a invasão de outras línguas
sobre a língua inglesa na escrita joyceana como uma "elação" pelas línguas (p.12).
Lacan toma, então, para si algo do que é próprio dessa escrita ao injetar o grego no
francês em seu uso da palavra sinthoma (ibid.). Pretende com isto marcar uma diferença
do sintoma como metáfora, ou seja, o sinthoma não se caracteriza por ser uma formação
do inconsciente no sentido de incluir um material recalcado a ser interpretado.
Aproxima-se mais da definição de sintoma dada por Lacan em RSI: O sintoma é
definível como "o modo como cada um goza de seu inconsciente, na medida em que o
inconsciente o determina" (Lacan, lição de 18/02/75). Contudo, esta é uma definição do
sintoma que se situa como um ponto de passagem em relação ao que será visto em
seguida. Como adverte Mandil (2003), toda essa reformulação deve ser examinada com
cuidado, pois a distinção impressa por Lacan não configura uma total ruptura entre
símbolo e sintoma.
No que concerne a Joyce, o sinthoma seria o quarto elo que estaria evitando a
desamarração de seu nó. Lacan, assim, equivale à noção de sinthoma a função do
Nome-do-Pai, aquele que nomeia: "O complexo de Édipo é, como tal, um sintoma. É na
medida em que o Nome-do-Pai é também o Pai do Nome, que tudo se sustenta, o que
67
não torna o sintoma menos necessário" (Lacan 1975-76: 23). Assim, o sinhoma é o
suplemento que sustenta o enodamento dos três registros, de modo que o nó
borromeano de três desaparece como tal, afirma Lacan (ibid.: 41). Apesar de num outro
momento, o nó de três ser definido como o "suporte de todo sujeito" (ibid.: 52), ele fica
referido ao nó da paranóia, sem, no entanto, ser borromeano; além disso, seus elos
apresentam-se instáveis e em continuidade, o que impossibilita a diferenciação dos três
registros, com todas as conseqüências disso para o sujeito.
A dimensão parasitária da fala revela o caráter de exterioridade do aparelho de
linguagem que permanece velado ao neurótico. Lacan destaca em Joyce algo que lhe é
de algum modo imposto e presente em seus escritos: "No que concerne à fala, não se
pode dizer que alguma coisa não era, para Joyce, imposta" (Lacan 1975-76: 93). Sugere
uma falha na ordem de transmissão das gerações atribuída a uma "carência paterna"
devido a uma "Verwerfung" (Lacan 1975-76: 86).
O curioso é o destino dado a essa Verwerfung: em vez de uma psicose
desencadeada, Joyce faz uso do que lhe é imposto e constrói um nome à custa do pai.
Não há nisso alguma coisa como uma compensação dessa demissão paterna,
dessa Verwerfung de fato, no fato de Joyce ter se sentido imperiosamente
chamado? Essa é a palavra que resulta de um monte de coisas que ele escreveu.
É a mola própria pela qual o nome próprio é, nele, alguma coisa estranha. O
nome que lhe é próprio, eis o que Joyce valoriza à custa do pai. Foi a esse nome
que ele quis que fosse prestada a homenagem que ele mesmo recusou a quem
quer que fosse (ibid.).
"O fato de estar transformando sua vida em ficção ao mesmo tempo em que a
vivia o encorajou a sentir certo distanciamento do que lhe acontecia, pois sabia
que poderia reconsiderar e reordenar tudo em função de seu livro" (Ellmann
apud Mandil 2003: 182).
20
Trecho extraído de uma exposição de Stephen Dedalus presente no comentário de R. Mandil acerca do
nono episódio de Ulisses, em que o personagem de Joyce expõe a sua tese a respeito da relação entre o
criador e sua obra; nisso a relação entre Shakespeare e Hamlet é tomada como paradigma (2003: 113-117;
189).
69
seus amigos que brincam na água, o jovem Stephen Dedalus escuta o 'chamado da vida':
"Venha, Dedalus! Bous Stephanoumenos! Bous Stephaneforos!" (Joyce 2006: 179;
Mandil 2003: 192). Nome tido como uma profecia pelo personagem, 'Bous
Stephanoumenos' significa "alma de boi"21 [de Stephen], assim, algo do ser como "vivo"
parece se apresentar. Mandil, por sua vez, esclarece que este nome se presta como
verdadeira causa para o destino que se abre à sua frente (2003: 192). Forjar um novo ser
a partir de si mesmo, como nos diz Mandil, também percorre as páginas de Ulisses
(ibid.: 186).
Nessa via, por meio da leitura da obra, Mandil percebe que o "James Joyce" que
assina Finnegans Wake, sua última obra, não é o mesmo "James Joyce" assinado em
cartório, pois a partir dessa se terá atravessado uma experiência de gozo por meio da
linguagem, agora associada à experiência literária (ibid.: 181).
O nome próprio tenta fixar um referente, a princípio não significa nada, pois,
como diz Lacan (1960b), o seu enunciado iguala-se a sua significação. E nisso ele
difere do nome comum, pois neste há uma descrição do referente que lhe traz uma
significação. A senha e a palavra de amor (Lacan 1953: 25), assim como a injúria, têm
em comum com o nome próprio a propriedade de se apresentar independente de sua
significação.
O nome próprio como atributo do Outro, apesar de transmitir uma herança
simbólica e alguma distinção, sempre traz uma insuficiência. Por esta via, ele vem
mortificado pela linguagem, não sendo capaz de dizer algo sobre o ser. Também o "fato
dele 'ser ensinado' revela a sua natureza exterior e seu caráter de ficção de linguagem"
(Mandil 2003:191). É preciso, então, que o nome próprio alcance a função de nomeação
para designar algo do ser. Temos na injúria, tal como alucinada pelo psicótico, um
exemplo da tentativa de se nomear o ser do sujeito, substituindo o objeto indizível que
está por definição perdido (Lacan 1957-58a: 541). O psicótico é, nesse caso, fixado a
um significante.
Diante da insuficiência do nome próprio em designar o ser do sujeito, Lacan se
pergunta em Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano:
"Mas, de onde provém esse ser que aparece como que faltando no mar dos nomes
próprios?" (Lacan 1960b: 834). Esse ser vem por outra via e se chama "gozo", o excesso
pulsional em termos freudianos, e designa o ser do sujeito não como sujeito morto, mas
no que ele tem de vivo. Isto nos interessa na medida em que a função da nomeação na
21
Cf. notas (Joyce 2006: 192).
71
(O CASO CLÍNICO NÃO PODERÁ SER EXPOSTO POR RAZÕES DE SIGILO. PARA
DAR CONTINUIDADE A LEITURA DA DISSERTAÇÃO, POR FAVOR, REMETA-SE
AO FINAL DA PÁGINA 83).
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Para isto, uma série de encontros foram feitos por um coletivo de analistas22, a
partir de textos clínicos trazidos pelos participantes. O Conciliábulo de Angers em 1996
é o primeiro. Discutiu-se diante do novo, os "efeitos de surpresa na clínica das
psicoses". Na Conversação de Arcachon em 1997, a atenção se voltou para os casos que
resistiam à classificação estrutural, os "casos raros, inclassificáveis da clínica". Na
Conversação, privilegiou-se a troca entre os pares e não um consenso. Já na Convenção
de Antibes em 1999, passou-se do caso raro para o freqüente, e foi anunciada a noção de
"psicose ordinária"23, procurando entrar em um acordo quanto a certos conceitos.
Os três encontros marcam um período de escansão para uma comunidade
analítica repensar os conceitos tradicionais utilizados na clínica das psicoses, e articulá-
los tanto com a pluralização dos Nomes-do-Pai indicada por Lacan nos anos sessenta,
quanto com as últimas formulações lacanianas, na qual se faz uso dos nós, a partir de
uma clínica borromeana. O interesse não era só epistemológico, mas foi tomado pelos
participantes como um imperativo vindo da própria clínica, por se encontrarem com
casos que não apresentavam os sinais típicos da psicose; entretanto, apresentavam
"sinais mínimos" de uma organização não regida pela inscrição do significante paterno.
As ferramentas teóricas utilizadas até então não se mostravam efetivas nestes
tratamentos. E foi a partir da clínica que se pôde, então, avançar na teoria.
A solução standard oferecida pelo Nome-do-Pai é posta pelos participantes lado
a lado às soluções radicalmente singulares e artesanais do psicótico para se ordenar na
linguagem. A discussão é permeada pela consideração da equivalência do Nome-do-Pai
ao sinthoma, equivalência indicada por Lacan (1975-76), e evidenciada por Miller.
Desta forma, a psicose ordinária retoma a tese de J.-A.Miller de 1986 acerca da
"foraclusão generalizada", em que é suposto, a partir do ensino de Lacan, um modo
generalizado de foraclusão na própria estrutura da linguagem e, portanto, todo ser
falante terá que se haver com um impossível de nomear, utilizando para isto o sintoma.
22
Analistas participantes das Seções Clínicas de fala francesa do Campo Freudiano.
23
Alguns autores sugerem a tradução do termo francês psychose ordinaire para "psicose comum" ou
"psicose corriqueira". O comum e o corriqueiro são utilizados em dois sentidos: como o que é habitual,
regular, e como aquilo que é simples. Ao contrário do que é extraordinário, como, por exemplo,
extraordinário em sua abundância sintomatológica. A vantagem do termo comum ou corriqueiro sobre o
termo ordinário é que nos dois primeiros é descartado o sentido negativo que o último termo, visto na
língua portuguesa, pode trazer; como "má qualidade; inferior, grosseiro" (cf. Ferreira, Aurélio Buarque de
Holanda. "Mini Aurélio século XXI"- o minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2000, p.501). Fato que não ocorre no termo francês ordinaire, ao indicar o sentido de "usual",
"habitual" (cf. Dictionnaire Larousse, collection Apollo, Paris: Ed. Larousse).
85
A questão, então, é saber mediante que função esse sem nome resulta
domesticado. Dado que o rechaço do gozo se produz em todos os casos, a
questão é saber o que o domestica. Pois bem, o sintoma leva a cabo esta
contenção. Por isso, a função do pai é a função do sintoma (Miller 1998: 381).
recalque e traz de volta novamente a libido para as pessoas que ela havia
abandonado (Freud 1911: 95).
deslocá-lo para outro binário: ponto de capitonê, sim ou não, guiando-se na oposição
feita por ele anos atrás entre as doenças da mentalidade e as doenças do Outro24. O
último binário ficaria, assim, mais em consonância com a formulação da clínica
borromeana, pois nela a dificuldade de se precisar o elemento diferencial é maior. O
ponto de capitonê25, no caso, "é menos um elemento do que um sistema de atar, um
aparelhamento fazendo ponto de capitonê, fivela, grampo" (In: Miller et al 1998: 105)
no modo de enodamento dos registros real, simbólico e imaginário.
A equivalência entre sintoma () e Nome-do-Pai é valorizada por Miller, ao situá-
24
Discutimos essa diferenciação na ocasião da apresentação do caso Mlle. B., presente no segundo
capítulo dessa dissertação.
25
Ponto de acolchoado; equivale também ao que estamos chamando de ponto de basta.
26
Apesar de constar a palavra sintoma no nosso exemplar em versão traduzida para o português,
provavelmente J.-A. Miller está referindo-se aqui ao sinthoma.
88
estatuto, especialmente por não ser regida pela norma, e ao mesmo tempo, não destoar
tanto dela. Contudo, não nos propomos trazer aqui os elementos necessários para a
discussão desse ponto de vista relacionado ao papel do Nome-do-Pai na
contemporaneidade, já que alargaria em muito a nossa proposta de trabalho.
O termo inclassificável sinaliza que há casos que resistem a qualquer
classificação, sejam as nossas, sejam as da psiquiatria; por isso o termo é suscetível de
cair no engodo dos casos limite entre neurose e psicose. Em outra perspectiva, podemos
dizer que qualquer classificação tem um ponto de inclassificável, por reconhecermos aí
algo do sujeito. É neste sentido que Jean-Claude Milner, ao falar das "classes
paradoxais", indica que à psiquiatria é permitido construir nosografias, podendo até
enumerar sintomas como propriedades caracterizadoras; já a psicanálise deve
reconhecer que se trata aí de semblantes, pois
algo para além, subsiste e não está esgotado na classe representável. (...) é que
o laço que, segundo toda aparência, é construído pelo nome comum só tem de
substância o que separa para sempre os ligados. E, se entendermos estes últimos
pelo que os faz se assemelhar, deveríamos estar, ao mesmo tempo, seguros de
ter perdido o que, pelo nome, era visado de real. O nome de neurótico, de
perverso, de obsessivo nomeia ou finge nomear a maneira neurótica perversa e
obsessiva que tem um sujeito de ser radicalmente dessemelhante de qualquer
outro (Milner 2006: 91).
Propomos, então, a cada novo caso visar o sujeito que não se resume à classe. E
ao mesmo tempo, articular a artificialidade desta ao que podemos extrair do que lhe é
mais estrutural, produzindo uma tensão entre a classe e o sujeito.
Um programa de investigação
ordenado - , ou seja, este par ordenado nos indica que há algo no significante que se
apresenta como objeto. A partir deste reordenamento da clínica pela introdução do
objeto , a primeira abordagem do programa de investigação descrita por Laurent foi
feita através das grandes psicoses, as psicoses extraordinárias - paranóia, esquizofrenia,
melancolia/ mania.
Em seguida, o programa de trabalho enfrentou o contexto da psicanálise e o
movimento analítico em geral dos anos 90, que trouxe o êxito na difusão dos "casos-
91
limite", promovido por seu maior expoente - Otto Kernberg. Segundo Laurent,
Kernberg passou a considerar os "transtornos de personalidade" e constituiu uma clínica
que se baseava no equilíbrio dinâmico entre processos neuróticos e processos
psicóticos, separando a personalidade borderline da psicose como tal. Segundo Laurent,
nos anos noventa, Kernberg pretendia renovar a clínica ao mesmo tempo em que
negociava, com a promoção do DSM27, a clínica das síndromes, a clínica da
desconstrução das categorias clássicas. A negociação pretendia manter um eixo dentro
do novo sistema de classificação - o eixo II referido aos "transtornos de personalidade".
Negociava-se, então, um lugar para a psicanálise com a clínica da psiquiatria biológica.
Diante desse panorama, o programa de trabalho a partir do referencial lacaniano
necessitava propor uma orientação sobre essa clínica que se mostrava forte. Foi neste
momento que se produziu o encontro com a leitura de Jacques-Alain Miller sobre o par
ordenado - . Nesta leitura28 Miller dizia que um significante não vai sem a sua cara
de gozo (Laurent 2007: 85).
Assim, se constituiu o interesse pelo funcionamento do -, como o que viria
assinalar a identificação do sujeito com o seu gozo. O que não faz cadeia é tido,
então, como uma perspectiva clínica. Antes, a orientação do tratamento na psicose era
basicamente centrada num encadeamento significante através do delírio. Ou seja, um
significante que se apresenta no real, um - como é o caso da alucinação - é suscetível
27
Sigla do manual de doenças mentais estabelecido pela Associação Norte-Americana de Psiquiatria,
denominado Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. Atualmente encontra-se na sua
quarta edição - o DSM-IV.
28
Esta leitura é encontrada no capítulo XIV do seminário de J.-A.Miller, Los signos del goce. Buenos
Aires: Paidós, 1998.
92
29
Cf. utilizamos o web site DSM-V Prelude Project (http://www.dsm5.org/).
30
O comentário de E. Laurent faz alusão a uma discussão presente no livro de Kupfer, D.J.; First, M.;
Regier, A. A research agenda for DSM V, American Psychiatric Association, Washington, 2005.
94
CONCLUSÃO
Acreditamos ter sido possível demonstrar com o nosso trabalho uma dimensão
da psicose mais discreta e sutil. E com isso, assinalar a possibilidade de o psicótico
manter-se estabilizado sem ter ao menos um desencadeamento, ou quando este ocorre,
ele não se apresenta de forma disruptiva.
Consideramos a possibilidade de haver nesses casos fenômenos elementares
como expressão do retorno de algo não simbolizado e que se apresenta no real, mas
trata-se de fenômenos não vinculados ao desencadeamento. Além destes, vimos na
Conversação de Arcachon, na Convenção de Antibes e na nossa apresentação de caso,
determinados fenômenos não atrelados ao significante e que se apresentam na esfera
corporal. Encontramos nestes casos, posições específicas em relação ao corpo próprio,
indicando um possível ordenamento psicótico. Alguns fenômenos estariam mais do lado
de um desenganche do Outro, de um "desligamento" (debranchement) do Outro, do que
do lado de um desencadeamento propriamente dito.
Com relação à bipartição neurose e psicose, concordamos com Freud quando ele
afirma que as semelhanças vão muito longe, pois no fundo, o campo de fenômenos é o
mesmo (Freud 1917 [1916-1917]). É assim que entendemos uma continuidade proposta
entre os dois campos. A continuidade se daria também em relação a um vazio estrutural
no campo da linguagem, levando neuróticos e psicóticos a uma necessidade comum de
construir respostas diante disso, mas pressupomos que por ter ocorrido a foraclusão do
Nome-do-Pai, as respostas do sujeito para se defender do real se darão de determinada
maneira. Há algo que não foi inscrito e isso traz conseqüências, mesmo que não sejam
evidentes, como é o caso da psicose sem o desencadeamento.
Privilegiamos em nosso estudo duas soluções possíveis para o psicótico manter-
se estável e, com isso, impedir um desencadeamento. Por que a escolha da compensação
imaginária e da nomeação? Porque são duas soluções que nos permitem aprender algo
sobre as psicoses não desencadeadas. A compensação imaginária foi a solução trazida
por Lacan em seu seminário sobre as psicoses para se pensar o modo como o sujeito se
97
deixar ensinar pelo modo que cada um se arranja para se manter aquém do surto. Cabe,
assim, ao analista tatear um caminho precavido quanto a sua relação ao saber e
posicionado quanto ao desejo do analista.
100
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