Grupos e Geometria PDF
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Resumo: Um dos conceitos mais importantes na matemática moderna certamente é o conceito de grupo.
Podemos ver a ubiqüidade dos grupos em quase todas as áreas da matemática, como na própria álgebra, na
geometria, nas equações diferenciais, na teoria de números, bem como nas ciências naturais, como a fı́sica e a
quı́mica. A idéia principal que confere aos grupos esta importância capital é a noção de simetria. Sempre em ciência
tentamos reconhecer padrões e simetrias em nossos objetos de estudo, sejam eles uma molécula, um pêndulo fı́sico,
uma equação diferencial, um sólido geométrico, as raı́zes de uma equação polinomial, etc. A partir do momento em
que identificamos as simetrias de nosso sistema, estamos introduzindo um grupo de transformações, ou uma ação de
grupo. Uma ação de um grupo em um conjunto é uma função do grupo no conjunto das bijeções daquele conjunto
dado de forma que as operações do grupo sejam compatı́veis com a composição de funções no conjunto. O grupo é
uma abstração deste conjunto de bijeções neste conjunto especı́fico, podemos falar dos elementos de um grupo de
maneira intrı́nseca, auto-contida, sem qualquer referência a um conjunto externo onde ele age. Esta é a perspectiva
da maioria dos livros de álgebra existentes na atualidade. No entanto, no nı́vel das aplicações, os grupos somente
são relevantes quando “encarnados”, em grupos de transformações. Nosso objetivo neste minicurso é esclarecer
melhor esta inter relação entre o ponto de vista abstrato, do grupo como uma estrutura existente por si própria,
e o ponto de vista concreto, do grupo agindo em outros conjuntos como bijeções. Para tornarmos esta discussão
interessante e motivadora, pretendemos abordar vários aspectos da geometria afim e projetiva sob o ponto de vista
de ações de grupos.
1 Introdução
A primeira aparição do conceito de grupo em matemática se dá no contexto do estudo de equações polinomiais. O
problema em questão era encontrar fórmulas para se determinar as raı́zes de um polinômio de grau maior ou igual a 5.
Desde os trabalhos de Lagrange1 as permutações das raı́zes de um polinômio eram consideradas importantes para a
procura de métodos gerais de solução. Com o teorema de Abel2 ficou claro que nem todas as equações polinomiais
admitiam métodos de solução por radicais. A pergunta que restou era: “Quais equações polinomiais admitiam
solução por radicais?”. Esta pergunta foi respondida por Galois3 , que formulou muitos conceitos matemáticos
inovadores para resolver este problema, inclusive o conceito de grupo. Os trabalhos de Galois somente puderam ser
apreciados e entendidos postumamente, pois a primeira edição de seus trabalhos completos foi editada por Joseph
Liouville em 1846.
Apenas algumas décadas mais tarde, ainda no século XIX a teoria de grupos já havia se expandido para outras
áreas da matemática, isto se deve grandemente ao trabalho do matemático norueguês Sophus Lie4 . Basicamente,
Lie tentou estender a teoria de Galois para equações diferenciais, mas, diferentemente das equações algébricas, onde
as simetrias envolvendo as raı́zes eram finitas, as simetrias das soluções das equações diferenciais eram contı́nuas.
Pela primeira vez, além de técnicas puramente algébricas para se tratar de grupos, foram necessários várias técnicas
oriundas da análise para se compreender melhor a estrutura dos grupos de Lie5 . Os grupos de Lie são os grupos
∗ Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil, ebatista@mtm.ufsc.br
1 Para mais detalhes sobre a vida e obra de Lagrange, veja a página: http://en.wikipedia.org/wiki/Joseph Louis Lagrange
2 Veja estas excelentes notas de aula disponı́veis na internet: http://www.cds.caltech.edu/∼nair/abel.pdf
3 http://en.wikipedia.org/wiki/Évariste Galois
4 Veja o texto na Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/Sophus Lie
5 Veja este interessante curso introdutório sobre grupos de Lie: http://www.physics.drexel.edu/∼bob/LieGroups.html
mais utilizados em aplicações desde ramos da matemática pura, como equações diferenciais, geometria diferencial,
até aplicações em ciências fı́sicas como mecânica clássica, fı́sica quântica, teoria de campos, entre outras. Partic-
ularmente em geometria, que será o tema principal destas notas de aula, a importânncia da teoria de grupos foi
ressaltada pelo matemático alemão Felix Klein6 . Em 1871, ainda em Göttingen, Klein escreveu um artigo sobre
a geometria não euclidiana, dando especial atenção aos espaços projetivos. Ficou claro para ele que os grupos de
transformação exercem influência capital na definição dos objetos geométricos. Isto motivou a criação, em 1872, já
na universidade de Erlangen, de todo um projeto de pesquisas com o intuito de definir as geometrias como sendo o
estudo dos objetos que são invariantes por grupos de transformações, este projeto é hoje conhecido como “Programa
de Erlangen”.
Neste minicurso, vamos mostrar os diferentes aspectos de ações de grupos em geometria. Para isto, vamos nos
restringir a dois tipos especiais de geometria, a geometria afim e a geometria projetiva. Por que geometria afim?
Bem, em primeiro lugar, os espaços afins são, desde a antiguidade, os ambientes mais naturais para se descrever
os objetos geométricos. em segundo lugar, porque os espaços afins são a coisa mais próxima de espaços vetoriais,
portanto, as técnicas e a linguagem da álgebra linear ainda podem ser adaptadas para o contexto destes espaços. E
a geometria porjetiva? Também porque os espaços projetivos são definidos a partir de espaços vetoriais e porque os
espaços projetivos são conjuntos quocientes, assim podemos exemplificar muitos conceitos pertinentes à teoria dos
grupos, como grupos quocientes e espaços de órbitas utilizando elementos da geometria projetiva. Faremos o máximo
possı́vel para mantermos estas notas de aula autocontidas, o único pré-requisito assumido é um conhecimento
elementar dos conteúdos básicos de álgebra linear, como o conceito de espaço vetorial e de transformação linear,
assumimos também uma certa familiaridade com matrizes de transformações lineares, é necessário que se saiba
escrever a matriz de uma transformação linear em qualquer base. Os resultados mais importantes serão todos
demonstrados, no entando, alguns detalhes serão sempre deixados como exercı́cio para se adquirir prática com a
linguagem e os conceitos.
·: G×G → G
(a, b) 7→ a · b
3. (Elemento inverso) A todo elemento a ∈ G associa-se um elemento a−1 tal que a · a−1 = a−1 · a = e.
Exercı́cio 2.2: Mostre que existe um único elemento inverso para cada elemento a ∈ G.
A operação no grupo nem sempre é comutativa, quando isto ocorre, temos uma classe particular de grupos, os
grupos abelianos.
Definição 2.2. Um grupo (G, ·) é dito ser abeliano, ou comutativo se para todos os elementos a, b ∈ G tivermos
a · b = b · a, ou seja, a operação do grupo satisfaz À propriedade da comutatividade
6 http://en.wikipedia.org/wiki/Felix Klein
Antes de irmos para os exemplos, uma última definição.
Definição 2.3. Um subconjunto não vazio H de um grupo G é dito ser um sub-grupo de G se H com a operação
de G também for um grupo.
Exercı́cio 2.3 mostre que se H ⊆ G é subgrupo, então o elemento neutro de H é igual ao elemento neutro de
G e para qualquer a ∈ H, seu inverso com relação a H é o mesmo inverso com relação a G.
Exercı́cio 2.4: Mostre que uma condição necessária e suficiente para que H ⊆ G seja subgrupo de G é que
para quaisquer a, b ∈ H, tivermos que a · b−1 ∈ H.
Exemplo 2.1. O conjunto dos números inteiros com a operação de adição, (Z, +), é um grupo abeliano,pois a
soma é associativa, comutativa, o elemento neutor é o número 0 e o inverso de n ∈ Z é o seu oposto, −n. Os
números inteiros múltiplos de um determinado m ∈ Z são subgrupos de Z com a operação adição.
Exemplo 2.2. Seja n ∈ Z um número inteiro positivo. O conjunto das classes de congruência módulo n, denotado
por Zn é um grupo, induzido pela operação de adição dos números inteiros: k̄ + l̄ = k + l. Este grupo é um grupo
¯ 1.
abeliano com n elementos, que são 0̄, 1̄, . . . , n −
Exemplo 2.3. O conjunto dos números reais também com a operação de adição, (R, +), também é um grupo
abeliano e podemos ver que (Q, +), (Z, +) são subgrupos de (R, +).
Exemplo 2.4. O conjunto dos números complexos não nulos com a operação de multiplicação, (C∗ , ·) é um grupo
abeliano, pois a multiplicação é associativa, comutativa, o elemento neutro é o número 1 e todo número complexo
não nulo possui inverso multiplicativo. Os conjuntos (R∗ , ·) e (Q∗ , ·) são subgrupos abelianos de (C∗ , ·).
Exemplo 2.5. O subconjunto dos números complexos de módulo unitário, U (1) = {z ∈ C | |z| = 1} é um subgrupo
de (C∗ , ·). Geometricamente, este conjunto corresponde à circunferência no plano complexo de raio 1 e centro na
origem. Se z = a + bi, então
√ p p
|z| = z z̄ = (a + bi)(a − bi) = a2 + b2 .
Exemplo 2.6. Seja X um conjunto qualquer e Bij(X) = {f : X → X | f é bijeção }. Vamos verificar que Bij(X)
é um grupo com a operação dada pela composição de funções, de fato, veremos mais adiante que todo grupo pode
ser visto como um subgrupo de um grupo de bijeções sobre um determinado conjunto.
Em primeiro lugar, a composição de funções é associativa, isto é, f ◦ (g ◦ h) = (f ◦ g) ◦ h, sempre que for possı́vel
efetuar a composição. Em nosso caso, todas as funções possuem como domı́nio todo o conjunto X e seus conjuntos
imagem também são o conjunto X. Também sabemos que a função identidade IdX quando composta com qualquer
função f : X → X resulta na própria f , isto é, f ◦ IdX = IdX ◦ f = f . Além do mais, IdX é uma bijeção e portanto
pertence a Bij(X). Além disto, uma função f : X → X é bijeção se, e somente se, possuir função inversa, isto é,
uma função g : X → X tal que g ◦ f = f ◦ g = IdX , e esta inversa é também uma bijeção.
Resta-nos saber o principal, isto é, se a composta de duas bijeções também é uma bijeção para caracterizarmos
Bij(X) como um grupo. Para isto, tome f, g ∈ Bij(X), então existem f −1 e g −1 , também pertencentes a Bij(X).
Note que
f ◦ g ◦ g −1 ◦ f −1 = g −1 ◦ f −1 ◦ f ◦ g = IdX .
Portanto (f ◦ g)−1 = g −1 ◦ f −1 , o que mostra que f ◦ g ∈ Bij(X). Note que, em geral, o grupo Bij(X) não é
abeliano.
Exemplo 2.7. Seja In = {1, . . . , n}, uma permutação em In é uma bijeção π : In → In . O conjunto Sn = {π :
In → In | π é permutação } com a operação dada pela composição é um grupo, pois é um caso particular do exemplo
anterior.
Um elemento genérico do grupo de permutações Sn pode se esrito da seguinte maneira
!
1 2 ··· n
π= .
π(1) π(2) · · · π(n)
Exemplo 2.8. Consideremos um subconjunto interessante das bijeções em R: Sejam a, b ∈ R números reais tais
que a 6= 0, defina fa,b : R → R por fa,b (x) = ax + b. Seja Af f (R) o conjunto de tais funções (que depois veremos
se tratarem das transformações afins na reta), vamos verificar que Af f (R) é um subgrupo A composta de duas
funções deste tipo é dada por
fc,d ◦ fa,b (x) = fc,d (ax + b) = c(ax + b) + d = cax + (cb + d) = fca,cb+d (x).
−1
Em particular, desta expressão é fácil ver que fa,b = f 1 ,− b ∈ Af f (R). Também podemos ver que a função
a a
identidade IdR pode ser escrita como IdR = f1,0 ∈ Af f (R). Assim, chegamos à conclusão que Af f (R) é um
subgrupo de Bij(R).
Exemplo 2.9. De particular interesse para o estudo da geometria são os grupos de transformações lineares e
alguns de seus subgrupos. Para fixarmos as notações, seja V um espaço vetorial (a menos que se diga o contrário,
vamos assumir que os espaços vetoriais sejam todos sobre o corpo dos reais, R). Seja GL(V) o conjunto de todas
as transformações lineares invertı́veis de V em V. Certamente, este é um subconjunto do grupo de bijeções Bij(V),
como a composição de duas transformações lineares também é linear e a inversa de uma transformação linear
também é linear, então temos que GL(V) é um subgrupo de Bij(V).
7 Muito embora alguns autores adotem a convenção oposta para que a leitura seja da esquerda para a direita
Exercı́cio 2.7: Mostre que a composta de duas transformações lineares invertı́vel é uma transformação linear
invertı́vel e que a inversa de uma transformação linear também é uma transformação linear invertı́vel.
No caso em que o espaço vetorial V é de dimensão finita (digamos, dim(V) = n podemos identificar as trans-
formações lineares de V em V com matrizes quadradas n × n. Para isto, basta tomarmos uma base {e1 , . . . , en } e
Pn
definirmos, para uma dada transformação linear T : V → V, a matriz Tb = (tij )i,j tal que T (ej ) = i=1 tij ei . A
condição de que T ∈ GL(V) equivale, em termos matriciais, à condição det(Tb) 6= 0. Geometricamente, podemos
entender o determinante det(Tb) como o volume (com sinal) do peralelepı́pedo n dimensional determinado pelos
vetores T (e1 ), . . . , T (en ). Dizermos que T : V → V é inversı́vel, em dimensão finita, é equivalente a dizermos que T
é injetiva, ou ainda, que T (e1 ), . . . , T (en ) são linearmente independentes, o que equivale a dizer que o volume do
paralelogramo determinado por estes vetores é não nulo.
Exemplo 2.10. Definamos GL(n, R) como o conjunto das matrizes n × n de determinante não nulo. Como você
já deve ter notado, este conjunto corresponde ao grupo GL(V) no caso em que dim(V) = n, portanto, também deve
ser um grupo. Mais adiante tornaremos mais precisa esta noção de correpondência entre os grupos com a definição
de isomorfismo. Por agora, basta-nos verificar que GL(n, R) é um grupo, para isto, sejam A, B ∈ GL(n, R), então
det(AB) = det(A)det(B) 6= 0, logo AB ∈ GL(V). Também temos que det(I) = 1 6= 0 e que det(AA−1 ) = det(I) =
1
1, logo det(A−1 ) = 6= 0. Com estes resultados, temos que GL(n, R) é um grupo.
det(A)
Exercı́cio 2.8: Mostre que det(AB) = det(A)det(B).
Exemplo 2.11. Existem alguns sub-grupos dos grupos lineares que são importantes para aplicações: O primeiro
exemplo é o subgrupo linear especial SL(n, R) = {A ∈ GL(n, R) | det(A) = 1. Para vermos que, de fato, SL(n, R)
1
é subgrupo de GL(n, R), tome A, B ∈ SL(n, R), temos que det(B −1 ) = = 1 e, portanto
det(B)
det(AB −1 ) = det(A)det(B −1 ) = 1.
Exemplo 2.12. Considere agora que V de dimensão finita esteja munido com um produto escalar euclidiano
h·, ·i : V × V → R
(v, w) 7→ hv, wi
O conjunto das transformações lineares que preserva o produto escalar, ou transformações ortogonais é denotado
por O(V). Um elemento de O(V) é uma transformação linear A tal que
É fácil ver que a adjunta de uma transformação linear é única, portanto denominaremos por A∗ . Agora, se A ∈ O(V)
então, dados quaisquer v, w ∈ V temos
portanto
hv, (w − A∗ Aw)i = 0, ∀v ∈ V,
o que implica que A∗ Aw = w para todo w ∈ V, ou seja, A∗ A = Id. Um raciocı́nio análogo, com
hAv, wi
mostra que AA∗ = Id. Portanto A∗ = A−1 o que nos leva à conclusão que O(V) é um grupo.
Exercı́cio 2.9: Mostre que, realmente, a adjunta de uma transformação linear, se existir, é única.
Exercı́cio 2.10: Considere uma base ortonormal {e1 , . . . en } de V com produto interno euclidiano e uma
tranformação linear A : V → V uma transformação linear qualquer. Construa explicitamente a adjunta A∗ . Mostre
c∗ = AT = (aji )i,j .
que a matriz de A∗ na base acima é a transposta da matriz de A, isto é, A
Exercı́cio 2.11: Mostre que (AB)∗ = B ∗ A∗ e que isto, matricialmente, implica em (AB) d T =B bT AbT .
Exercı́cio 2.12: Mostre que a matriz de uma transformação ortogonal A satifaz A b =A
T b .
−1
Você percebeu que com a mesma associação que fizemos de cada transformação linear à sua matriz de trans-
formação linear, as transformações ortogonais estarão associadas a matrizes que satisfarão a propriedade do exercı́cio
2.12. Estas matrizes são chamadas matrizes ortogonais. Também você já desconfia que o conjunto das matrizes
ortogonais n × n, denotado por O(n), também será um grupo, de fato será subgrupo de GL(n, R).
Exercı́cio 2.13: Mostre que o determinante de uma matriz ortogonal só pode assumir os valores 1 e −1.
Exemplo 2.13. O conjunto das matrizes ortogonais de terminante 1, denotado por SO(n) = SL(n, R) ∩ O(n)
também é um grupo, denominado grupo ortogonal especial, pois trata-se da intersecção de dois subgrupos de
GL(n, R).
Exercı́cio 2.14: Mostre que, de fato, a interscção de dois subgrupos de um grupo G também é um subgrupo
de G.
Com esta coleção de exemplos suficientemente ampla para nos fornecer intuição, podemos avançar um pouco
mais na teoria de forma a entendermos as interrelações entre diversos grupos. Para relacionarmos grupos distintos,
precisamos definir funções entre eles que sejam compatı́veis com as suas operações internas, estas funções são
denominadas homomorfismos.
Definição 2.4. Dados dois grupos G e H, uma função ϕ : G → H é dita ser um homomorfismo de grupos se
ϕ(a · b) = ϕ(a) · ϕ(b), para todos os elementos a, b ∈ G. Se o homomorfismo é injetivo, dizemos que ele é um
monomorfismo. Se o homomorfismo é sobrejetivo, dizemos que ele é um epimorfismo. Se o homomorfismo é
bijetivo, dizemos que ele é um isomorfismo.
Denotaremos G ∼
= H quando os grupos G e H forem isomorfos.
La : G → G
b 7→ a · b
Vejamos que La é injetiva. De fato, se La (b) = La (c), isto significa que a · b = a · c. Multiplicando esta última
igualdade à esquerda por a−1 , teremos a−1 · a · b = a−1 · a · c, e portanto, b = c, o que implica que La é injetiva.
Para vermos que La é sobrejetiva, tome b ∈ G, podemos escrever b = a · a−1 · b, ou seja, b = La (a−1 · b). Portanto
La é sobrejetiva.
Disto concluimos que L(G) ⊆ Bij(G). Sejam agora a, b, c ∈ G, temos que
Le (a) = e · a,
de maneira análoga, podemos mostrar que La ◦ La−1 = IdG . Portanto La−1 = (La )−1 .
Sejam a, b ∈ G, temos que
La ◦ (Lb )−1 = La ◦ Lb−1 = La·b−1 ∈ L(G),
logo L(G) é sub-grupo de Bij(G). Resta-nos mostrar que G está em correspondência 1 a 1 com L(G), ou seja,
falta-nos verificar que a função
L : G → L(G) ⊆ Bij(G)
,
a 7→ La
que é um homomorfismo de grupos, conforme foi mostrado, também é bijetiva.
Para a injetividade de L, suponha que La = Lb , isto significa que, para qualquer c ∈ G temos La (c) = Lb (c), ou
ainda a · c = b · c. Em particular, para c = e, o elemento neutro de G, temos a = a · e = b · e = b. A sobrejetividade
sobre L(G) é óbvia, pois toda bijeção em L(G) é da forma La para algum a ∈ G. Portanto G é isomorfo ao subgrupo
L(G) em Bij(G) e portanto, pode ser identificado com este subgrupo.
Um corolário muito famoso do teorema acima é o chamado teorema de Cayley, que caracteriza todos os grupos
finitos como subgrupos do grupo de permutação:
Corolário 2.1. (Teorema de Cayley) Todo grupo finito é isomorfo a um subgrupo de um grupo de permutações.
Para a verificação da injetividade dos homomorfismos, podemos estabelecer um critério muito útil, análogo ao
critério para decidir de uma transformação linear é injetiva ou não:
Definição 2.6. Dado um homomorfismo de grupos φ : G → H, definimos o kernel de φ, como o subconjunto
ker(φ) = {g ∈ G | φ(g) = eH }.
Demonstração: (⇒) Se φ é injetiva e g ∈ ker(φ) então φ(g) = eH = φ(eG ), então, pela injetividade, temos
que g = eG .
(⇐) Considere g, h ∈ G tais que φ(g) = φ(h), então
ou seja, gh−1 ∈ ker(φ). Como ker(φ) = {eG } então gh−1 = eG , o que implica em g = h.
Exercı́cio 2.18: Seja V um espaço vetorial de dimensão n, com uma base {e1 , . . . , en } e dada uma transformação
linear A : V → V, denotemos por A b a matriz da transformação linear nesta base escolhida. Mostre que a aplicação
b. : GL(V) → GL(n, R)
A 7→ Ab
é um isomorfismo de grupos.
Exercı́cio 2.19: Dado o isomorfismo do exercı́cio anterior, e supondo que V é um espaço com produto interno
e que a base escolhida é ortonormal com relação a este produto interno, mostre que O(V) ∼
= O(n).
Exemplo 2.14. Para darmos nosso próximo exemplo de isomorfismo. Consideremos o caso particular do grupo
SO(2), que é o grupo das matrizes ortogonais 2 × 2. Se A ∈ SO(2) então
!
a b
A=
c d
tal que ! !
a c d −b
T
A = = = A−1 .
b d −c a
Portanto a = d e b = −c, o que reduz a matriz à forma
!
a −c
A= .
c a
a2 + c2 = 1,
o que nos leva à conclusão que existe θ ∈ R tal que a = cos θ e c = sin θ, ou seja,
!
cos θ − sin θ
A= .
sin θ cos θ
Portanto cos θ = cos 0 e sin θ = sin 0, o que nos leva a θ = 0, ou seja eiθ = ei.0 = 1, que é o elemento neutro do
grupo U (1). Portanto, φ é um morfismo injetor. Para a sobrejetividade, seja A ∈ SO(2). Como vimos, existe um
número real θ tal que A = Rθ = φ(eiθ ).
det : GL(n, R) → R∗
A 7→ det(A)
onde R∗ é o grupo multiplicativo dos reais não nulos, é um homomorfismo de grupos, devido à propriedade multi-
plicativa dos determinantes. Note que o kernel da aplicação determinante é o conjunto das matrizes de determinante
igual a 1, ou seja, ker(det) = SL(n, R).
o que mostra que φ é homomorfismo. Para provarmos a injetividade, seja fa,b ∈ ker(φ), então
!
1 0
φ(fa,b ) = Id = ,
0 1
o que nos leva à conclusão que a = 1 e b = 0, ou seja, fa,b = f1,0 = Id, o que significa que φ é injetivo.
Exercı́cio 2.20: Utilizando o mesmo homomorfismo do exemplo acima, determine o subgrupo de GL(2, R) que
é isomorfo ao grupo aditivo dos reais.
Exercı́cio 2.21: O grupo diedral D3 é o grupo das simetrias do triângulo equilátero, seus elementos são mostra-
dos na figura a seguir:
A A A B
e π1
B C B C B C A C
A A A C
π2 π3
B C C B B C B A
A B A C
π4 π5
B C C A B C A B
Definição 2.7. Dado um sub-grupo H de um grupo G e um elemento g ∈ G, definimos a classe lateral à esquerda
de g associada a H como o conjuunto
gH = {k ∈ G|k ∼L g}.
Similarmente, a classe lateral à direita de g em relação a H é o conjunto
Hg = {k ∈ G|k ∼R g}.
Podemos também caracterizar a classe lateral à esquerda gH como o conjunto dos elementos k ∈ G tais que
podem ser escritos como k = g · h para algum h ∈ H. Durante toda nossa discussão, utilizaremos classes laterais à
esquerda, a menos que se diga o contrário.
Proposição 2.2. Duas classes laterais à esquerda g1 H e g2 H ou são disjuntas ou são iguais
k = g 1 · h1 = g 2 · h2 .
g1 = g2 · h2 · h−1
1 ∈ g2 H.
g1 · h = g2 · h2 · h−1
1 · h ∈ g2 H.
Analogamente, podemos provar também que g2 H ⊆ g1 H e portanto, as duas classes são iguais.
Uma outra propriedade importante das classes laterais à esquerda é que elas estão em bijeção com o sub-grupo
H.
Exercı́cio 2.23: Mostre que a aplicação Lg : H → gH é uma bijeção (não homomorfismo) entre H e gH.
No caso de grupos finitos, temos um importante resultado sobre a ordem das classes laterais, o teorema de
Lagrange.
Teorema 2.2. Seja G um grupo finito e H um sub-grupo e sejam |G| e |H| suas respectivas ordens (número de
elementos). Então a quantidade de classes laterais relativas e H é igual a
|G|
#C = .
|H|
Demonstração: Pela proposição anterior, podemos ver que as classes laterais são disjuntas duas a duas. Então,
escolhamos um representante para cada classe: g1 , g2 , . . . , gn , o que queremos saber é qual o valor deste número n.
Pelo exercı́cio anterior, verificamos que todas as classes g1 H, g2 H, ...., gn H estão em bijeção com H, logo o número
de elementos de cada classe é igual à ordem do sub-grupo H. Assim, a ordem do grupo G pode ser escrita como o
produto do número de classes laterais pelo número de elementos em cada classe lateral, ou seja |G| = n|H|, sendo
assim,
|G|
#C = n = .
|H|
Como corolário imediato do teorema de Lagrange, podemos enunciar que
Corolário 2.2. A ordem de um sub-grupo de um grupo finito é sempre um divisor da ordem do grupo.
Note que, se um grupo G não é abeliano, e H é um subgrupo qualquer, nem sempre ocorrerá de as classes
laterais À esquerda coincidirem com as classes laterais à direita.
Exercı́cio 2.24: Considere o grupo S3 e o subgrupo H = {e, π1 }. Construa as classes laterais à esquerda e à
direita.
Proposição 2.3. Seja G um grupo e H ⊆ G um subgrupo. Então são equivalentes as seguintes afirmativas:
Demonstração: (i)⇒(ii) Seja g ∈ G e considere as duas classes laterais gH e Hg. Por hipótese, estes dois
conjuntos são iguais, isto é, para todo h ∈ H existe k ∈ H tal que gh = kg, assim, seja ghg −1 ∈ gHg −1 , temos que
ghg −1 = kgg −1 = k ∈ H, portanto temos que gHg −1 ⊆ H. Por outro lado, seja h ∈ H, então h = gg −1 hgg −1 , de
novo, existe l ∈ H tal que hg = gl, então
Exemplo 2.17. Considere φ : G → H um homomorfismo de grupos. Podemos verificar que o kernel deste
homomorfismo é um subgrupo normal de G. De fato, seja g ∈ G e h ∈ ker(φ), então
onde na terceira e na sexta igualdades utilizamos o fato de as classes à esquerda serem iguais às classes à direita.
Com isto, verificamos que a operação de grupo em G/H está bem definida. A as outras propriedades de grupos são
facilmente verificadas a partir das propriedades da operação em G.
Exercı́cio 2.25: Seja G um grupo e h E G. Mostre que a aplicação canônica,
π : G → G/H
,
g 7→ gH
é um epimorfismo.
Com isto, podemos finalizar esta seção com um grande teorema sobre homomorfismos de grupos e grupos
quocientes, o teorema do homomorfismo.
Teorema 2.3. Seja φ : G → H um homomorfismo de grupos, então existe um único isomorfismo φ : g/ker(φ) →
Im(φ) tal que o diagrama abaixo comute
φ
G /H
O
π i
G/ker(φ) / Im(φ)
φ
Demonstração: Defina a aplicação φ : g/ker(φ) → Im(φ) como, φ(gker(φ)) = φ(g). Por construção, uma
vez verificado que a aplicação está bem definida e é um homomorfismo, teremos a comutatividade do diagrama.
Primeiramente, temos que verificar que esta função está bem definida. Para isto, considere gker(φ) = g 0 ker(φ), isto
significa que g −1 g 0 ∈ ker(φ), logo
Por último, precisamos verificar a injetividade e sobrejetividade do homomorfismo. Para a injetividade, considere
gker(φ) ∈ ker(φ), então
φ(gker(φ)) = φ(g) = e,
o que significa que g ∈ ker(φ), ou ainda, que gker(φ) = eker(φ). Portanto o homomorfismo é injetivo. A sobreje-
tividade decorre direto do fato que dado qualquer φ(g) ∈ Im(φ), então φ(g) = φ(gker(φ)) ∈ Im(φ). O que conclui
a demonstração do teorema.
O corolário abaixo será muito útil na obtenção de isomorfismos em vários contextos no decorrer deste trabalho.
Definição 3.1. Uma ação à esquerda de um grupo G em um conjunto X é um homomorfismo de G no grupo das
bijeções em X, que será denotado por Bij(X).
Neste trabalho, lidaremos apenas com ações à esquerda, mas também é possı́vel definirmos ações à direita. Para
isto, primeiramente precisamos definir o grupo oposto.
Definição 3.2. Dado um grupo G, definimos o seu grupo oposto, Gop como o conjunto G munido com uma operação
dada como:
•: G×G → G
.
(g, h) 7→ g • h = hg
Definição 3.3. Uma ação à direita de um grupo G em um conjunto X é um homomorfismo de Gop no grupo das
bijeções em X.
Vamos fixar as notações: Vamos denotar uma ação (à esquerda, a menos que se diga o contrário) por
α: G → Bij(X)
g 7→ αg
e portanto αg é uma bijeção no conjunto X, qua associa a cada elemento x ∈ X outro elemento αg (x). Como α é
um homomorfismo, então temos que
3. α−1
g = αg−1 para todo g ∈ G (isto, na verdade, é facilmente concluı́do a partir dos dois ı́tens anteriores).
Antes de mostrarmos exemplos de ações de grupos sobre conjuntos, vamos a mais algumas definições adicionais
Definição 3.4. Seja α uma ação de um grupo G sobre um conjunto X e considere um elemento x ∈ X. Definimos
a órbita do elemento x como sendo o conjunto
Proposição 3.1. Uma ação α de um grupo G sobre um conjunto X introduz uma relação de equivalência em X.
Demonstração De fato, diremos que dois elementos x, y ∈ X serão relacionados, denotando por x ∼ y, se
existir g ∈ G tal que y = αg (x). É fácil ver que esta é uma relação de equivalência:
REFLEXIVA: Para qualquer x ∈ X, temos que x = αe (x), portanto x ∼ x.
SIMÉTRICA: Sejam x, y ∈ X tais que x ∼ y, então, existe g ∈ G tal que y = αg (x). Mas αg−1 (y) =
αg−1 (αg (x)) = x, portanto y ∼ x.
TRANSITIVA: Sejam x, y, z ∈ X tais que x ∼ y e y ∼ z, então existem g, h ∈ G tais que y = αg (x) e z = αh (y).
Portanto z = αh (y) = αh (αg (x)) = αhg (x), o que implica emque x ∼ z.
As classes de equivalência, neste caso, serão dadas pelas órbitas dos elementos.
Proposição 3.2. Duas órbitas pela ação de um grupo ou são disjuntas ou coincidentes.
Demonstração: Suponha que Ox ∩ Oy 6= ∅. Então existe z ∈ Ox ∩ Oy , ou seja existem g, h ∈ G tais que
z = αg (x) = αh (y). Mas desta igualdade obtemos que x = αg−1 h (y) e y = αh−1 g (x). Considere w ∈ Ox então, existe
k ∈ G tal que w = αk (x), ou seja w = αk (x) = αk (αg −1 h(y)) = αkg−1 h (y), o que nos leva à conclusão que w ∈ Oy .
Analogamente, seja t ∈ Oy então, existe l ∈ G tal que t = αl (y), ou seja t = αl (y) = αl (αh−1 g(x)) = αlh−1 g (x), o
que nos leva à conclusão que t ∈ Ox . Portanto Ox = Oy .
O resultado mostrado na proposição anterior nos leva à conclusão que o conjunto quociente do conjunto X
pela relação de equivalência definida pela ação do grupo G é igual ao conjunto das órbitas dos elementos de X.
Denotaremos este quociente por X/G. Além do quociente, muitas vezes é importante reconhecer subconjuntos de
X que contenham apenas um representante de cada órbita definida pela ação, estes subcon juntos são denominados
domı́nios fundamentais.
Definição 3.5. Seja X um conjunto e α uma ação de um grupo G sobre X. Um subconjunto F ⊆ X é dito ser
um domı́nio fundamental se, para todo x ∈ X, existem únicos y ∈ F e g ∈ G tal que x = αg (y).
Note que, segundo esta definição, não ode haver dois elementos da mesma órbita no domı́nio fundamental e
todas as órbitas devem estar contempladas neste domı́ni, pois por definição deve ser possı́vel atingir qulquer outro
ponto de X agindo sobre pontos de F . Vejamos alguns exemplos para conseguirmos distinguir as definições de
conjunto quociente e domı́nio fundamental.
Exemplo 3.1. Seja o grupo aditivo Z agindo sobre a reta real R da seguinte maneira: αn (x) = x + n. É fácil ver
que α é uma ação, pois αn (αm (x)) = αn (x + m) = x + m + n = αn+m (x) e α0 (x) = x + 0 = x. Dado um elemento
x ∈ R, sua órbita será o conjunto
Ox = {x + n | n ∈ Z}.
Assim, se tomarmos um intervalo da forma [n, n + 1[, com n ∈ Z certamente teremos um domı́nio fundamental,
pois para quaisquer dois pontos, x, y deste intervalo, temos que |x − y| < 1, portanto não podem existir dois pontos
da mesma órbita neste intervalo. Por outro lado, seja x ∈ R um número qualquer, então
onde bac denota o maior inteiro menor que a, e a − bac ∈ [0, 1[ é a parte fracionária do número a. Assim, o número
x é a ação do número inteiro bx − nc sobre n + (x − n − bx − nc) ∈ [n, n + 1[, o que mostra que este intervalo é um
domı́nio fundamental.
Por outro lado, o quociente é o conjunto das órbitas, podemos caracterizá-lo como a circunferência unitária
através da função
f : R/Z → S1
.
Ox 7→ (cos 2πx, sin 2πx)
Esta aplicação está bem definida, pois se Ox = Oy isto significa que y = x + n, para algum número inteiro n. Então
f (Oy ) = (cos 2πy, sin 2πy) = (cos 2π(x + n), sin 2π(x + n)) = (cos 2πx, sin 2πx) = f (Ox ).
Também podemos ver a injetividade, pois se f (Oy ) = f (Ox ), então (cos 2πy, sin 2πy) = (cos 2πx, sin 2πx), o que
implica que cos 2πy = cos 2πx e sin 2πy = sin 2πx. Isto somente ocorre quando existe um inteiro n tal que y = x+n,
ou ainda, quando y ∈ Ox , que equivale a dizer que Ox = Oy . A sobrejetividade decorre imediatamente do fato que
todo ponto p ∈ S 1 possui coordenadas p = (cos θ, sin θ), para θ ∈ [0, 2π[, assim p = f (O θ ).
2π
Exemplo 3.2. Um exemplo análogo ao exemplo anterior é o da ação do grupo aditivo Z × Z sobre o plano R2
dada por α(m,n) (x, y) = (x + m, y + n). Também é fácil verificar que α é, de fato, uma ação e que um domı́nio
fundamental pode ser dado, por exemplo, pelo quadrado [0, 1[×[0, 1[, as verificações podem ser feitas coordenada por
coordenada conforme fizemos no exemplo anterior.
Já o quociente do plano por esta ação pode ser caracterizado pelo toro, T2 = S1 × S1 através da aplicação
f: R2 /Z2 → T2
.
O(x,y) 7→ (cos 2πx, sin 2πx, cos 2πy, sin 2πy)
Note que este toro está imerso no espaço quadridimensional R4 . as verificações dos detalhes são deixadas como
exercı́cio.
Exemplo 3.3. Considere a ação do grupo multiplicativo (R∗ , ·) sobre o plano R2 , excluı́do a origem, dado por
αλ (x, y) = (λx, λy). Verifica-se facilmente que se trata de uma ação de grupo. De fato, αλ (αµ (x, y)) = αλ (µxµy) =
(λµxλµy) = αλµ(x, y) e α1 (x, y) = 1.x, 1.y) = (x, y). Dado um ponto no plano (x, y) ∈ R2 \{(0, 0)}, sua órbita é
dada pelo conjunto
O(x,y) = {(λx, λy) | λ ∈ R∗ },
ou seja, a órbita de um ponto é a reta que passa pela origem, (0, 0) e pelo ponto dado, excluı́da a origem. Um
domı́nio fundamental pode ser dado pelo conjunto
isto é, a semi-circunferência de raio 1 ao redor da origem, excluı́do o ponto (−1, 0). É claro que cada reta que
passa pela origem cruza o conjunto F apenas uma vez, portanto, não há dois pontos pertencentes à mesma órbita
em F . Por outro lado, temos que todo (x, y) ∈ R2 \{(0, 0)}, com y 6= 0 pode ser escrito como
p x p y
(x, y) = (sign(y) x2 + y 2 p , sign(y) x2 + y 2 p )=
2
sign(y) x + y 2 sign(y) x2 + y 2
x y
= αsign(y)√x2 +y2 ( p , p ),
sign(y) x2 + y 2 sign(y) x2 + y 2
x
√ y√
onde ( , ) ∈ F . Se y = 0 temos que (x, 0) = αx (1, 0).
sign(y) x2 +y2 sign(y) x2 +y2
Por outro lado, o quociente pode ser caracterizado como a circunferência unitária pela aplicação
f : R2 \{(0, 0)}/R∗ → S1
,
O(x,y) 7 → (cos 2θ, sin 2θ)
onde θ é o ângulo que define a órbita do ponto no domı́nio fundamental. A boa definição e a injetividade decorre
naturalmente do fato de a aplicação f ser definida a partir do domı́nio fundamental. A sobrejetividade pode ser
verificada pois qualquer ponto (cos ϕ, sin ϕ) ∈ S1 pode ser visto como f (O(cos ϕ2 ,sin ϕ2 ) ). Discutiremos com mais
detalhes este tipo de exemplo quando discutirmos os espaços projetivos, na seção 5.
Dada uma ação de um grupo G sobre um conjunto X, podemos definir outros subconjuntos que caracterizarão
tipos especı́ficos de ações.
Definição 3.6. Considere uma ação α de um grupo G sobre um conjunto X. O sub-grupo estabilizador de um
elemento x ∈ X é definido como
Stabx = {g ∈ G|αg (x) = x}
StabY = {g ∈ G|αg (Y ) ⊆ Y }.
Note que os elementos de um sub-conjunto não precisam ficar fixos pela ação do grupo, apenas que suas órbitas
precisam estar contidas neste sub-conjunto. Quando StabY = G, dizemos que Y ⊆ X é um sub-conjunto invariante
pela ação do grupo G.
Uma definição dual é o conjunto dos pontos fixos pela ação de um determinado elemento ou sub-grupo de G.
Definição 3.7. O sub-conjunto dos pontos fixos de um elemento g ∈ G é o conjunto
Exemplo 3.4. Seja G = R o grupo aditivo dos reais. Considere V um espaço vetorial e v ∈ V um vetor neste
espaço. Então podemos indicar as translações em V na direção de V como a ação T (v) de R em V dada por
(v)
Tx (w) = w + xv.
Exemplo 3.5. Na mesma linha do exemplo anterior, Considere A um conjunto e uma ação T do grupo aditivo de
um espaço vetorial V em A por translações. Se T é livre e transitiva, então dizemos que o conjunto A, junto com
o espaço V e a ação T forma um espaço afim. Se a dimensão de V é igual a n, dizemos que o espaço afim tem
dimensão n. Discutiremos melhor a estrutura dos espaços afins na seção seguinte.
e o conjunto
X = {(x, 1) | x ∈ R}.
Exemplo 3.7. O grupo multiplicativo (R∗ , ·) pode agir sobre qualquer espaço vetorial, excluı́do o vetor nulo, pela
ação αλ (v) = λv, para v 6= 0. Este tipo de ação é que vai definir, como veremos adiante, todos os espaços projetivos.
Exemplo 3.8. Um grupo G pode agir sobre um espaço vetorial através de transformações lineares invertı́veis, ou
seja, através de um homomorfismo de grupos ρ : G → GL(V), este tipo especial de ação de grupos é chamado de
representação linear de um grupo. O estudo das representações lineares de grupos constitui-se em uma ferramenta
poderosa tanto em matemática pura como também nas aplicações, pois associa as técnicas e resultados oriundos da
teoria de grupos com técnicas de álgebra linear.
Exemplo 3.9. Seja G um grupo. Este grupo pode agir sobre si mesmo de várias maneiras, dentre as quais
destacamos duas de particular interesse:
Exemplo 3.10. Seja G = Z o grupo aditivo dos inteiros e X = S1 a circunferência unitária no plano (também
denotado na seção anterior por U (1))
Para cada α ∈ R podemos definir uma ação de Z em S1 por rotações da seguinte forma:
! ! ! !
cos θ cos nα − sin nα cos θ cos(θ + nα)
Rn(α) = =
sin θ sin nα cos nα sin θ sin(θ + nα)
Teorema 3.1. Seja α uma ação de um grupo G sobre um grupo H por automorfismos. Então, o produto cartesiano
H × G pode ser munido com uma operação dada por
Com esta operação, o produto cartesiano é investido de uma estrutura de grupo, denotado por H oα G e denominado
produto semidireto de H por G. Além disto
(i) As inclusões
i1 : H → H oα G i2 : G → H oα G
, e
h 7→ (h, eG ) g 7→ (eH , g)
são monomorfismos de grupo.
(iii) A ação de G em H é escrita como um automorfismo interno de H oα G, isto é, i1 (αg (h)) = i2 (g) · i1 (h) ·
(i2 (g))−1
então K ∼
= H oα G.
Demonstração: Vamos primeiramente verificar que o produto cartesiano H × G com a operação · é, de fato,
um grupo:
ASSOCIATIVIDADE:
e
(h, g) · (eH , eG ) = (hαg (eH ), geG ) = (heH , g) = (h, g).
ELEMENTO INVERSO: Seja (h, g) ∈ H oα G, vamos verificar que (h, g)−1 = (αg−1 (h−1 ), g −1 ): Primeiramente
(αg−1 (h−1 ), g −1 ) · (h, g) = (αg−1 (h−1 )αg−1 (h), g −1 g) = (αg−1 (h−1 h), eG ) = (αg−1 (eH ), eG ) = (eH , eG ).
(h, g) · (αg−1 (h−1 ), g −1 ) = (hαg (αg−1 (h−1 ), gg −1 ) = (hαeG (h−1 ), eG ) = (hh−1 , eG ) = (eH , eG ).
A injetividade de i1 é facilmente verificada, pois se h ∈ ker(i1 ) então (h, eG ) = (eH , eG ) o que nos leva à conclusão
que h = eH .
Para a aplicação i2 temos
Por outro lado, seja K um grupo satisfazendo os ı́tens (a), (b) e (c) do enunciado. É fácil ver que eK = eH eG .
agora defina a aplicação
Φ : K → H oα G
.
hg 7→ (h, g)
Podemos ver que Φ é um homomorfismo de grupos, pois
e
Φ((h1 g1 )(h2 g2 )) = Φ(h1 αg1 (h2 )g1 g2 ) = (h1 αg1 (h2 ), g1 g2 ),
o que mostra que Φ(h1 g1 ) · Φ(h2 g2 ) = Φ((h1 g1 )(h2 g2 )). A injetividade de Φ pode ser obtida facilmente, tomando
hg ∈ ker(Φ), então Φ(hg) = (h, g) = (eH , eG ) o que nos leva à conclusão que h = eH e g = eG , ou seja hg = eH eG =
eK . Finalmente, a sobrejetividade de Φ é óbvia, pois para qualquer (h, g) ∈ H oα G temos que (h, g) = Φ(hg).
Portanto K ∼= H oα G.
Exemplo 3.11. O primeiro exemplo de produto semidireto é o trivial, o produto direto. Se G age sobre H com a
ação trivial, isto é, se αg = Id(H) para todo g ∈ G, então H oα G = H × G e o produto é dado por (h1 g1 ) · (h2 , g2 ) =
(h1 h2 , g1 g2 ).
Exemplo 3.12. Se G age sobre si mesmo pela ação adjunta, então G oAd G ∼
= G × G. Este isomorfismo é dado
pela aplicação
Ψ : G × G → G oAd G
.
(g, h) 7→ (gh−1 , h)
Para a verificação de homomorfismo, temos que
= (g1 h−1 −1
1 Adh1 (g2 h2 ), h1 h2 ) =
A injetividade é verificada tomando-se (g, h) ∈ kerΨ, então Ψ(g, h) = (gh−1 , h) = (eG , eG ). Assim, h = eG , e por
conseguinte g = eG , o que implica em (g, h) = (eG , eG ), que é equivalente a dizer que Ψ é injetiva. A sobrejetividade
advém do fato que (g, h) = (ghh−1 , h) = Ψ(gh, h). Isto conclui a demonstração do isomorfismo.
Exemplo 3.13. Como um último exemplo desta seção, consideremos o grupo diedral Dn , ou seja o grupo das
simetrias de um polı́gono regular de n lados. Para caracterizarmos estas simetrias como transformações no plano,
podemos colocar os vértices do polı́gono sobre as raı́zes n-ésimas da unidade, ou seja, sobre os pontos
2kπ 2kπ
pk = cos , sin
n n
para k ∈ {0, . . . , n − 1}. As simetrias são geradas por duas tranformações:
2π
1. Uma rotação no sentido anti-horário de um ângulo de n . Vamos denominar esta transformação de a. é fácil
ver que an = Id.
2. Uma reflexão com respeito ao eixo x, isto é, uma transformação no plano que associa ao ponto (x, y) o ponto
(x, −y). Denotemos esta transformação por b. é fácil ver que b2 = Id.
Assim, o grupo Dn é um grupo de ordem 2n cujos elementos são Id, a, . . . , an−1 , b, ab, . . . , an−1 b. Deixamos como
exercı́cio a verificação que bak = an−k b, para todo k ∈ {0, . . . n − 1}.
Agora, consideremos a ação do grupo aditivo Z2 sobre o grupo aditivo Zn dada por α0̄ (k̄) = k̄ e α1̄ (k̄) = n − k.
Podemos utilizar a segunda parte do teorema para mostrarmos que Dn ∼ = Zn oα Z2 . De fato, temos os subgrupos
n−1 ∼ ∼
H = {Id, a, . . . a } = Zn e G = {Id, b} = Z2 e é fácil ver que H E Dn . Também, por construção, temos que
Dn = HG. A ação de Z2 sobre Zn pode, essencialmente, ser traduzida como αb (ak ) = an−k . Finalmente a relação
bak = an−k b = αb (ak )b nos fornece a última condição para garantirmos o isomorfismo. Portanto, Dn ∼ = Zn oα Z2 .
4 Geometria Afim
A geometria teve sua primeira estruturação com a obra de Euclides. Todos os objetos geométricos podiam ser
representados em qualquer lugar do plano, sem qualquer posição privilegiada. Com o advento da geometria analı́tica,
com Descartes, um ponto privilegiado foi introduzido no plano, a origem do sistema de coordenadas. Pela primeira
vez, os objetos geométricos podiam ser descritos por meio de equações algébricas, o que abria um sem número
de possibilidades no que se refere ao aspecto computacional. A evolução natural da geomeria analı́tica levou
ao surgimento da álgebra linear, originando a estrutura de espaço vetorial. Em todo espaço vetorial, existe um
ponto privilegiado, uma origem, que é o vetor nulo. Por isto, embora a estrutura de espaço vetorial permita
uma versatilidade muito grande em termos de cálculos, os espaços vetoriais não são apropriados para descrever
objetos ou espaços que apresentem uma homogeneidade espacial. Era necessária uma nova estrutura geométrica
que unificasse os dois aspectos, de um lado, a homogeneidade do espaço existente na geometria euclidiana, de outro
lado, a estrutura algébrica de espaço vetorial. A estrutura que vem suprir a esta necessidade é a estrutura de espaço
afim.
Definição 4.1. Um espaço afim (real) é uma tripla (A, V, T ), onde A é um conjunto, V é um espaço vetorial (sobre
o corpo dos reais) e T é uma ação livre e transitiva do grupo aditivo do espaço vetorial V sobre o conjunto A.
2. A ação do espaço vetorial V sobre o espaço afim A é dita ser uma ação por translações. E o grupo aditivo de
V é chamado o grupo de tranlações do espaço afim.
3. A dimensão do espaço afim é, por definição, a dimensão do espaço vetorial que nele age livre e transitivamente.
4. Sendo p ∈ A e v ∈ V, costuma-se denotar a translação Tv (p) por p + v, lembrando que este sinal de adição não
implica que o espaço afim seja munido de uma operação, apenas este sinal está representando o transladado
de p pelo vetor v.
5. Como a ação é transitiva, dados quaisquer dois pontos p, q ∈ A existe v ∈ V tal que q = Tv (p). Neste caso,
também costuma-se denotar o vetor v por p − q, deixando claro que esta não é uma subtração, apenas um
sı́mbolo para denotar o vetor que translada o ponto p no ponto q.
6. Ainda dentro desta notação, podemos ver que Tv (x) − x = v, para qualquer x ∈ A e qualquer v ∈ V, e
T(y−x) (x) = y para quaisquer x, y ∈ A.
Exemplo 4.1. Um espaço vetorial V agindo sobre si mesmo pela soma, isto é, Tv (w) = w + v faz com que (V, V, +)
seja um exemplo de espaço afim. As propriedades de ação decorrem diretamente das propriedades da soma no espaço
vetorial. O fato de a ação ser livre também é direto, pois se v + w = w para algum w ∈ V, então v = 0. Por fim, a
transitividade da ação vem do fato que se v, w ∈ V, então w = v + (w − v) = Tw−v (v).
Como caso particular, temos que a reta real R agindo sobre si mesma pela soma torna a reta (R, R, +) um
exemplo de espaço afim
a1 x1 + a2 x2 + · · · + an xn = b
é um outro exemplo de espaço afim. O espaço vetorial subjacente é o kernel do funcional linear f : Rn → R dado
por
f (x1 , . . . , xn ) = a1 x1 + · · · + an xn ,
e a ação é dada pela soma vetorial em Rn . De fato, seja p = (y 1 , . . . , y n ) ∈ H e seja v = (x1 , . . . , xn ) ∈ ker(f ),
vamos verificar que Tv (p) = p + v ∈ H, para isto, uma vez que p + v = (y 1 + x1 , . . . , y n + xn ), temos que
a1 (y 1 + x1 ) + · · · + an (y n + xn ) = a1 y1 + · · · + an y n + a1 x1 + · · · + an xn =
= a1 y1 + · · · + an y n + f (v) = p.
Exemplo 4.3. Seja V um espaço vetorial, W ⊆ V um subespaço vetorial e v0 ∈ V um vetor fixado. Vamos mostrar
que A = W + v0 é um espaço afim cujo espaço vetorial subjacente é W e a ação é dada pela soma vetorial no
espaço ambiente V. Este é o exemplo paradigmático de espaço afim. Seja p ∈ A, portanto, existe w ∈ W tal que
p = w + v0 , considere também v ∈ W. Assim, p + v = w + v0 + v = (w + v) + v0 ∈ A. Novamente, as propriedades
de ação decorrem das propriedades da adição no espaço ambiente V. A ação é livre, pois se v + p = p, isto implica
que v + w + v0 = w + v0 , resultando em v = 0. A transitividade da ação também é facilmente demonstrada, pois se
p, q ∈ A, então p = w + v0 e q = t + v0 , com w, t ∈ W, assim, q = p + q − p = w + v0 + (t − w) = Tt−w (w + v0 ).
Portanto, a tripla (W + v0 , W, +) constitui-se em um espaço afim.
Em matemática, toda vez que definimos uma estrutura, torna-se necessário definir os morfismos desta estrutura,
isto é, as funções entre os objeto que são compatı́veis com a estrutura dada. Por exemplo, para os espaços vetori-
ais, definimos as transformações lineares, para os grupos, definimos os homomorfismos de grupo, para os espaços
topológicos, definimos as funções contı́nuas, etc. Portanto, para o caso dos espaços afins, precisamos definir cor-
retamente as funções entre espaços afins que sejam compatı́veis com a estrutura afim, estas são as transformações
afins.
Definição 4.2. Uma transformação afim entre dois espaços afins, (A, V, T ) e (B, W, S) é um par (f, Df ) onde
f : A → B é uma função e Df : V → W é uma transformação linear tal que para qualquer par de pontos x, y ∈ A
tenhamos f (y) − f (x) = Df (y − x). A transformação linear Df é denominada derivada de f .
Uma forma equivalente de definir transformação afim é dizermos que é um par (f, Df ) tal que para qualquer
ponto x ∈ A e qualquer v ∈ V, temos que
De fato, seja y = Tv (x), isto quer dizer que v = y − x. Então, a fórmula acima se escreve como
Exemplo 4.5. Seja (A, V, T ) um espaço afim. A função IdA é uma transformação afim e DIdA = IdV . Sejam
x, y ∈ A então
IdA (y) − IdA (x) = y − x = IdV (y − x)
Exemplo 4.6. Uma vez que todo espaço vetorial é um espaço afim sobre si mesmo, com a ação dada pela soma,
toda transformação linear f : V → W é uma transformação afim com Df = f . De fato, sejam v, w ∈ V, então
Tv : A → A
p 7→ Tv (p)
é uma transformação afim, com DTv = IdV . Para verificarmos esta afirmação, tomemos x, y ∈ A, definamos
w = y − x e z = Tv (x) então
Tv (y) − Tv (x) = Tv (Tw (x)) − z = Tv+w (x) − z = Tw (Tv (x)) − z = Tw (z) − z = w = y − x = Id(y − x).
g ◦ f (y) − g ◦ f (x) = g(f (y)) − g(f (x)) = Dg(f (y) − f (x)) = Dg(Df (y − x)) = Dg ◦ Df (y − x),
Portanto, Df é uma transformação linear sobrejetiva. Concluimos, assim que Df é um isomorfismo entre V e W.
(2) e (3) Sejam y1 , y2 ∈ B, então
Exemplo 4.9. Um exemplo de isomorfismo entre espaços afins é o isomorfismo existente entre o espaço afim e seu
espaço vetorial subjacente. este exemplo será importante para que posteriormente possamos falar em coordenadas em
um espaço afim. Seja (A, V, T ) um espaço afim e considere o espaço vetorial V com sua estrutura afim: (V, V, +).
Fixemos um ponto a ∈ A e definamos
fa : A → V
.
x 7→ x − a
Esta função é uma função afim com Dfa = IdV . Isto pode ser facilmente visto, pois, dados x, y ∈ A temos
Também podemos ver que fa é bijetiva, pois podemos calcular sua inversa, que é a função
g: V → A
.
v 7 → Tv (a)
e
fa ◦ g(v) = fa (Tv (a)) = Tv (a) − a = v.
Portanto, fa é uma transformação afim bijetiva, o que caracteriza um isomorfismo de espaços afins.
Em particular, quando V é um espaço vetorial real de dimensão n, ele em si é isomorfo a Rn . Vamos denotar
por An o espaço afim isomorfo, como espaço afim, a Rn .
Tendo em vista o isomorfismo entre o espaço afim A e seu espaço vetorial subjacente, V, visto como espaço afim,
podemos introduzir coordenadas para os pontos de A. Fixado um ponto a ∈ A e uma base {e1 , . . . , en } de V, para
todo ponto x ∈ A podemos escrever
n
X n
X
fa (x) = x − a = (x − a)i ei = v i ei .
i=1 i=1
Xn n
X
x = fa−1 (fa (x)) = fa−1 ( v i ei ) = a + v i ei ,
i=1 i=1
onde o sinal de adição representa a translação pelo vetor dado. Assim, as coordenadas afins do ponto x, uma vez
escolhida a origem no ponto a, são dadas pela n-upla (v 1 , . . . v n ).
Vamos agora demonstrar dois resultados que caracterizam as transformações afins. Basicamente, uma trans-
formação afim pode ser unicamente determinada conhecidos o seu valor em um ponto fixado e sua derivada.
Teorema 4.1. (Teorema da reconstrução) Sejam (A, V, T ) e (B, W, S) dois espaços afins. Para todo par de pontos
x ∈ A e y ∈ B e para toda transformação linear g : V → W, existe uma única transformação afim f : A → B tal
que f (x) = y e Df = g.
Demonstração: Suponha dados x ∈ A, y ∈ B e g : V → V uma transformação linear. Associe para todo z ∈ A
o elemento
f (z) = Sg(z−x) (y) ∈ B.
Vamos verificar que a aplicação
f: A → B
.
z 7 → f (z)
é uma transformação afim e que Df = g. De fato, sejam z, t ∈ A, então
Para verificarmos a unicidade, suponha que existe outra transformação afim F : A → B tal que F (x) = y e DF = g,
então, tomando qualquer z ∈ A temos
Assim, F (z) = f (z) = Sw (y), como esta igualdade vale para todo z ∈ A temos que F = f .
Corolário 4.1. Sejam (A, V, T ) e (B, W, S) dois espaços afins. Duas transformações afins f1 , f2 : A → B possuem
a mesma derivada se, e somente se, existir um vetor w ∈ W tal que f2 = Sw ◦ f1 .
Demonstração: (⇒) Suponha que Df1 = Df2 . Seja x ∈ A e considere os pontos y1 = f1 (x) e y2 = f2 (x) em
B. Vamos verificar que f2 = Sw ◦ f1 , onde w = y2 − y1 . De fato, se z ∈ A, então
Assim
f2 (z) − y2 = f1 (z) − y1 = f1 (z) − y1 + y2 − y2 = f1 (z) + w − y2
Portanto
Tw (f1 (z)) = f1 (z) + w = T(f2 (z)−y2 ) (y2 ) = f2 (z),
o que conclui a demonstração.
Este corolário nos auxilia a caracterizarmos uma transformação afim basicamente por uma transformação linear
e uma translação. Isto nos permite escrever uma transformação afim em coordenadas:
Sejam (A, V, T ) e (B, W, S) dois espaços afins. Fixe um ponto a ∈ A e um ponto ā ∈ B como sendo as respactivas
origens do sistema de coordenadas. Fixe, ainda, uma base {e1 , . . . , en } em V e uma base {f1 , . . . , f − m} em W.
Assim, para qualquer x ∈ A temos que
Xn
x−a=v = v i ei .
i=1
Considere agora uma transformação afim f : A → B, então podemos escrever para qualquer x ∈ A
onde b = f (a) − ā ∈ W. Com o auxı́lio das duas bases, podemos escrever a matriz da transformação linear Df , que
será denotada por A = (aij )i,j ∈ Mm×n (R) de forma que
m
X
Df (ej ) = aij fi .
i=1
Portanto
n
X n
X
j
f (x) = ā + Df (v) + b = ā + v Df (ej ) + bi fi =
j=1 i=1
n X
X m
= ā + ( aij v j + bi )fi ,
i=1 j=1
Isto é, uma transformação afim é, essencialmente, uma transformação linear mais uma translação.
Exercı́cio 4.2: Seja An o espaço afim de dimensão n. Mostre que An é isomorfo ao hiperplano xn+1 = 1 em
n+1
R .
Exercı́cio 4.3: Ainda dentro do contexto do isomorfismo do exercı́cio anterior, fixe como origem do espaço
afim An , visto como subespaço afim de Rn+1 , o ponto (0, 0, . . . , 0, 1). Mostre que, com isto, que toda transformação
afim f : An → An pode ser vista como uma transformação linear em Rn+1 cuja matriz é da forma
A b
0 1
Finalmente, estamos em condições de apresentarmos o grupo das transformações afins de um determinado espaço
afim. Seja (A, V, T ) um espaço afim, denotaremos por Af f (A) o grupo das transformações afins bijetivas em A.
Como vimos anteriormente, se f ∈ af f (A), então sua derivada, Df é um isomorfismo no espaço vetorial V, ou seja
Df ∈ GL(V). Denotando também por V o grupo abeliano aditivo do espaço vetorial V, temos o seguinte resultado:
Proposição 4.4. Seja (A, V, T ) um espaço afim, e Af f (A) o grupo das transformações afins bijetivas em A. Então
Af f (A)/V ∼
= GL(V).
D : Af f (A) → GL(V)
f 7→ Df
é um homomorfismo de grupos. Pelo Teorema da reconstrução, dado qualquer isomorfismo linear g ∈ GL(V) é
possı́vel construir uma infinidade de transformações afins f tais que Df = g, bastando escolher um par de pontos
a, b ∈ A de forma que f (a) = b. Deixamos como exercı́cio a verificação de que qualquer uma destas transformações
afins assim construı́das são bijetivas, ou seja, que f ∈ Af f (A). Portanto, D é um epimorfismo. O corolário do
teorema do homomorfismo de grupos nos afirma que neste caso GL(V) ∼ = Af f (A)/ker(D). Resta-nos calcular o
kernel do homomorfismo D. Para isto, tome f ∈ ker(D), ou seja, Df = IdV , fixe um ponto a ∈ A e denote po b sua
imagem pela função f , isto é, b = f (a). Mostraremos que f = T(b−a) , de fato para qualquer x ∈ A
Teorema 4.2. Seja (A, V, T ) um espaço afim, e Af f (A) o grupo das transformações afins bijetivas em A. Então
Af f (A) ∼
= V o GL(V).
Demonstração: Fixemos a ∈ A como a origem do espaço afim. Então, para qualquer f ∈ Af f (A) defina
vf = f (a) − a. Defina a aplicação
Φ : Af f (A) → V o GL(V)
f 7→ (vf , Df )
Esta aplicação está bem definida, pois dada uma transformação afim f , sua derivada e o valor do ponto a por f
estão unicamente definidos.
Vamos verificar que Φ é homomorfismo de grupos: Sejam f, g ∈ Af f (A), então, primeiramente, pela regra da
cadeia, sabemos que D(g ◦ f ) = Dg ◦ Df e
Assim
Φ(g ◦ f ) = (vg + Dg(vf ), Dg ◦ Df ) = (vg , Dg) · (vf , Df ) = Φ(g) · Φ(f ),
0 = vf = f (a) − a = Tv (a) − a = v.
Assim f = T0 , ou seja, para qualquer x ∈ A tem-se que f (x) = T0 (x) = x = IdA (x). Portanto f = IdA .
A sobrejetividade de Φ decorre do teorema da reconstrução, pois dado um elemento (v, g) ∈ V o GL(V) existe
uma única transformação linear F ∈ Af f (A) tal que DF = g e F (a) = Tv (a). Com isto, temos o isomorfismo.
Exercı́cio 4.4: Considere o espaço afim (An , Rn , +) e defina uma distância em An dada pelo produto escalar
em Rn , isto é, dados dois pontos x, y ∈ An sua distância é dada por
p
d(x, y) = hy − x, y − xi.
Uma isometria em An , é uma transformação afim f : An → An tal que para qualquer par de pontos x, y ∈ An
tenhamos
d(f (x), f (y)) = d(x, y)
Proposição 5.1. Seja V um espaço vetorial real. Então existe uma ação livre do grupo multiplicativo (R∗ , ·) sobre
o conjunto V\{0} dada por αλ (v) = λv.
Demonstração: Os axiomas de espaço vetorial asseguram que α é, de fato, uma ação. Para vermos que é livre,
considere λ ∈ R∗ tal que exista um vetor v 6= 0 satisfazendo αλ (v) = λv = v. Disto temos que (λ − 1)v = 0 e como
v não é um vetor nulo, obrigatoriamente temos que λ − 1 = 0, ou seja, λ = 1.
A órbita de qualquer vetor v ∈ V é a reta que passa pela origem na direção de v, excluida a origem, ou seja
Ov = {λv | λ 6= 0}.
Definição 5.1. Seja V um espaço vetorial real e α uma ação do grupo multiplicativo do números reais não nulos
sobre V\{0}. O espaço projetivo real associado a V é o quociente P (V) = (V\{0})/R∗ .
Apenas para fixarmos a notação, dado v ∈ V denotaremos sua órbita pela ação do grupo (R∗ , ·) por [v]. Quando
o espaço vetorial em questão é Rn+1 , então o espaço projetivo associado a este espaço vetorial, P Rn+1 é mais
comumente denotado como RPn , e denominado espaço projetivo real n dimensional. A primeira vista, parece
estranho que o espaço projetivo associado a um espaço n dimensional tenha dimensão n. Para podermos ver melhor
esta situação, temos que introduzir coordenadas no espaço projetivo. Considere uma base {e1 , . . . en+1 } em V,
assim qualquer vetor v ∈ V pode ser escrito como
n
X
v= xi ei = (x1 , . . . , xn+1 ),
i=1
Estas são as coordenadas homogêneas do ponto [v] ∈ P (V). Mas esta não é toda a história, uma vez que existe
uma redundância infinita na descrição deste ponto, pois para qualquer λ ∈ R∗ temos que
Não existe uma maneira única de associar coordenadas a um ponto do espaço projetivo, o que podemos fazer é
determinar vizinhanças em P (V) para as quias exista uma correspondência um a um com um espaço vetorial com
uma dimensão a menos que o espaço vetorial V. Para cada i ∈ {1, . . . , n + 1}, defina
e
ψ: Rn → Ui
1 1
.
(x , . . . x ) 7→ [x , . . . , x , 1, xi+1 , . . . , xn ]
n i−1
É fácil ver que ambas as aplicações são contı́nuas, verificando, portanto, que estas aplicações são mutuamente
inversas, chagaremos à conclusão que estes conjuntos são homeomorfos, vistos como espaços topológicos. Em
linguagem topológica, dizemos que o espaço projetivo P (V) é localmente homeomorfo a Rn . Esta é a razão de
dizermos que a dimensão do espaço projetivo é uma dimensão a menos que o espaço vetorial que lhe deu origem.
Vamos, então, verificar que estas duas aplicações são mutuamente inversas: Seja [x1 , . . . , xn+1 ] ∈ Ui , então
1
1 n+1 x xi−1 xi+1 xn+1
ψ ◦ φ([x , . . . , x ]) = ψ ,···, i , i ,..., i =
xi x x x
1
x xi−1 xi+1 xn+1
= , · · · , , 1, , . . . , =
xi xi xi xi
= [x1 , . . . , xi−1 , xi , xi+1 , . . . , xn+1 ],
sendo que, na última igualdade, multiplicamos por xi que é um número diferente de 0. Seja agora (x1 , . . . xn ), então
Exemplo 5.1. Como vimos no exemplo 3.3 da seção 3, o conjunto dos vetores não nulos do espaço vetorial R2 sob
a ação do grupo multiplicativo dos reais não nulos dá origem ao espaço projetivo unidimensional, ou reta projetiva
RP1 . Muito embora tenha este nome, a reta projetiva não é uma reta, mas já vimos que está em bijeção com uma
circunferência, conforme ilustrado na figura abaixo.
A A
Intersecta exatamente duas vezes qualquer reta que passe pela origem, e esta intersecção se dá sempre em pontos
antı́podas, isto é, se x = (x1 , . . . , xn+1 ) ∈ Sn é o ponto de intersecção da esfera com uma reta que passa pela
origem, então o ponto −x = (−x1 , . . . , −xn+1 ), que também pertence a Sn , é o outro ponto de intersecção da esfera
com a mesma reta. Portanto, o espaço projetivo RPn pode ser caracterizado como uma esfera Sn com seus pontos
antı́podas identificados. Sendo mais precisos, podemos definir uma ação do grupo multiplicativo Z2 = {1, −1}
sobre a esfera Sn da maneira óbvia: α−1 (x) = −x. assim a órbita de qualquer ponto da esfera é o par de pontos
antı́podas por ele determinado. O quociente Sn /Z2 está, portanto, em correspondência um a um com o espaço
projetivo, ou seja Sn /Z2 ∼= RPn , onde o sı́mbolo ∼ = aqui representa mais do que simplesmente bijeção, representa
um homeomorfismo entre espaços topológicos. Nestas notas de aula, por questão de tempo, não vamos abordar os
aspectos topológicos envolvidos no estudo dos espaços projetivos.
Exemplo 5.2. O plano projetivo, RP2 é, basicamente, a esfera S2 com os pontos antı́podas identificados, ou ainda,
podemos pensar um dos hemisférios com os pontos antı́podas do equador identificados, conforme ilustrado na figura
abaixo.
z
−p
y
p
x
Figura 5.2: Hemisfério com o spontos antı́podas do equador identificados como uma representação do plano pro-
jetivo RP2 .
Este é um exemplo de superfı́cie bidimensional não orientável, como a faixa de Möbius ou a garrafa de Klein. É
impossı́vel mergulhar o plano projetivo, como uma superfı́cie no espaço tridimensional sem que haja auto- inter-
secções. Uma das múltiplas formas de se representar o plano projetivo é tomar uma faixa de Möbius, cujo bordo
é uma circunferência, e um disco, cujo bordo também é uma circunferência, e identificar as duas circunferências
que correspondem aos bordos destas duas superfı́cies. O resultado final será o plano projetivo.
Exemplo 5.3. O espaço projetivo tridimensional, RP3 pode ser identificado com o grupo das rotações em R3 , o
grupo SO(3). Para melhorarmos nossa percepção, retornemos ao caso de RP2 . Como vimos, RP2 também pode ser
entendido como um hemisfério com os pontos antı́podas do equador identificados. Mas todo hemisfério é homeomorfo
a um disco. Por exemplo, o hemisfério norte da esfera S2 , denotado por
é homeomorfo ao disco
D = {(x, y) ∈ R2 |x2 + y 2 ≤ 1},
pela aplicação
f: D → S2
p ,
(x, y) 7→ (x, y, 1 − x2 − y 2 )
cuja aplicação inversa é a projeção nas primeiras duas coordenadas. Assim, o plano projetivo é, ainda, homeomorfo
ao disco unitário com os pontos antı́podas da borda identificados. Da mesma forma, um hemisfério de S3 pode ser
visto como homeomorfo a um disco tridimensional (uma bola). Vejamos: o hemisfério norte de S3 ,
é homeomorfo à bola
D = {(x, y, z) ∈ R3 |x2 + y 2 + z 2 ≤ 1},
pela aplicação
f: D → S3
p ,
(x, y, z) 7→ (x, y, , z, 1 − x2 − y 2 − z 2 )
cuja aplicação inversa é a projeção nas primeiras três coordenadas. Como RP3 é homeomorfo a S3 com os pontos
antı́podas identificados, também podemos caracterizá-lo como um hemisfério de S3 com os pontos antı́podas da borda
(que é homeomorfa a uma esfera S2 ) identificados. E através deste homeomorfismo de um hemisfério de S3 com
uma bola, podemos finalmente ver o espaço projetivo RP3 como uma bola tridimensional com os pontos antı́podas
de sua borda identificados.
Como este espaço está relacionado com o grupo SO(3)? Bem, podemos estabelecer uma aplicação de R3 em
SO(3) associando a cada vetor v ∈ R3 uma rotação cujo eixo é dado pelo vetor unitário v̂ = kvk v
e com ângulo dado
por kvk. Está claro que esta aplicação é contı́nua, sobrejetiva e que dois vetores corresponderão à mesma rotação se,
e somente se, forem co-lineares e a sua diferença for um múltiplo inteiro de 2π. Portanto, se tomarmos a restrição
desta aplicação à bola fechada B(0, π), teremos uma aplicação contı́nua entre um espaço compacto (a bola fechada
B(0, π)) e um espaço Haussdorff (o grupo SO(3), pois a sua topologia é herdada da topologia métrica existente
no espaço das matrizes M3 (R) ∼ = R9 ), logo aberta8 . Podemos identificar os pontos antı́podas da superfı́cie da bola
B(0, π) que representa o grupo de rotações, isto é feito pois uma rotação de π cujo eixo é um vetor unitário v é o
mesmo que uma rotação de −π com respeito ao eixo −v. Temos, então uma aplicação contı́nua, aberta, injetiva e
sobrejetiva entre RP3 (que é homeomorfo à bola com os pontos antı́podas da borda identificados), e o grupo SO(3),
isto é o mesmo que dizer que RP3 é homeomorfo ao grupo SO(3). O que conclui nossa discussão sobre a estrutura
topológica do grupo SO(3). Para mais detalhes, veja a referência [4].
Para apresentarmos o próximo exemplo e seus desdobramentos posteriores, termos que introduzir a noção de
espaço projetivo complexo.
Definição 5.2. Seja V um espaço vetorial sobre o corpo dos números complexos. Definimos o espaço projetivo
complexo P (V) como o conjunto das órbitas determinadas pela ação do grupo multiplicativo (C∗ , ·) sobre o conjunto
V\{0}, dada por αz (v) = zv.
Se considerarmos o espaço vetorial complexo Cn+1 então o espaço projetivo correspondente será denotado por
CPn . A maioria das notações e convenções acima são análogas ao caso real, a diferença está na interpretação, pois a
órbita de cada vetor dada pela ação dos números complexos não nulos é um plano complexo que passa pela origem
de Cn+1 , que como espaço vetorial real tem dimensão 2n + 2. O espaço projetivo real tem dimensão complexa n, o
que significa que sua dimensão sobre os reais é igual a 2n.
Exemplo 5.4. O nosso último exemplo de espaço projetivo será o espaço projetivo complexo unidimensional CP1 .
Que o conjunto de todos os planos complexos passando pela origem de C2 . Se olharmos sua dimensão sobre R,
veremos que este terá dimensão 2, isto é, será uma superfı́cie real. Vamos ver que, CP1 é homeomorfo à esfera S2 .
Para isto, precisamos, primeiramente, entender a projeção estereográfica, que promove um homeomorfismo entre a
esfera bidimensional S2 , menos um ponto, e o plano complexo. Vejamos como isto se processa: Tomemos o ponto
N = (0, 0, 1) sobre ∼2 , que chamaremos de polo norte, e associarmos a cada ponto P = (x, y, z) ∈ S2 o ponto
−−→
Z = ρ(P ) = X + ıY ∈ C que é a intersecção da semirreta N P com o plano x, y, conforme mostrado na figura
abaixo.
8 Um teorema importante em topologia nos garante que toda aplicação contı́nua entre um espaço compacto e um espaço Haussdorff
(X,Y)
1 1
z z
0 x X 0 y
Y
X2 + Y 2 − 1
z= .
X2 + Y 2 + 1
E como x = X(1 − z) e y = Y (1 − z), concluı́mos que
2X 2Y
x= , y= ,
X2 + Y 2 + 1 X2 + Y 2 + 1
e portanto
2X 2Y X2 + Y 2 − 1
ρ−1 (X + ıY ) = , 2 , 2 .
X +Y +1 X +Y +1 X +Y2+1
2 2 2
Deixamos com exercı́cio a verificação de que ρ e ρ−1 são, de fato, mutuamente inversas. Estas aplicações também
são contı́nuas, assim a esfera menos o polo norte é homeomorfa ao plano complexo.
Temos também que a aplicação
ρ̃ : S2 \(0, 0, −1) → C
,
(x, y, z) 7→ x−ıy
1+z
pode ser vista como uma projeção estereográfica a partir do polo sul mas compatı́vel com a orientação do plano
complexo. Esta plicação também é inversı́vel e constitui-se um homeomorfismo entre a esfera menos o polo sul e o
plano complexo. Exceto os polos norte e sul, todos os outros pontos da esfera estão nos domı́nios das aplicações ρ
1
e ρ̃. Pode-se mostrar facilmente que, para P = (x, y, z) ∈ S2 temos ρ̃(P ) = ρ(P ).
Em vista do que foi exposto acima, temos que a esfera S pode ser coberta por dois abertos US = S2 \(0, 0, −1)
2
e UN = S2 \(0, 0, 1), cada um deles homeomorfo ao plano complexo C e na intersecção entre estes dois abertos, a
composta ρ̃ ◦ ρ−1 : C → C produz a inversão no plano complexo, isto é, ρ̃ ◦ ρ−1 (z) = z1 .
Vejamos que CP1 também possui as mesmas propriedades que S2 , isto é, pode ser coberta por dois abertos
homeomorfos ao plano complexo e que na intersecção entre eles produz a inversão no plano complexo: Os abertos
são
VN = {[z, w] ∈ CP1 |w 6= 0}, VS = {[z, w] ∈ CP1 |z 6= 0},
onde [z, w] é a órbita do ponto (z, w) ∈ C2 .
As bijeções, ou melhor, os homeomorfismos são, análogas às aplicações definidas no caso real, e são, respecti-
vamente
φN : VN → C
,
[z, w] 7→ wz
e
φS : VS → C
w
.
[z, w] 7→ z
É fácil ver que, realmente, todas estas aplicações são contı́nuas e que φN e φ−1 −1
N e φS e φS são, de fato, mutuamente
inversas. Também temos que φS ◦ φ−1 1
N (z) = z , ou seja, estas aplicações funcionam da mesma maneira que as
projeções estereográficas. Compondo, portanto, estes homeomorfismos entre abertos de CP1 e o plano com as
inversas das transformações estereográficas, teremos um homeomorfismo entre CP1 e S2 , conforme anunciado
previamente.
Definição 5.3. Sejam V e W dois espaços vetoriais e P (V) e P (W) seus respectivos espaços projetivos para cada
transformação linear f : V → W definimos a transformação projetiva associada P (f ) : P (V) → P (W) dada por
P (f )([v]) = [f (v)].
O próximo resultado é necessário para garantir que as transformações projetivas estão bem definidas e que elas
se comportam bem sob composição.
Proposição 5.2. Sejam U, V e W espaços vetoriais (reais ou complexos) e P (U), P (V) e P (W) seus espaços
projetivos associados. Então
(1) Se f : U → V é uma transformação linear, então P (f ) está bem definida.
(3) Temos que P (IdV ) = IdP (V) . E o mesmo vale para qualquer espaço vetorial.
Demonstração: (1) Sejam dois vetores v, w ∈ U tais que [v] = [w], isto significa, em particular que existe um
escalar λ (real ou complexo, conforme for o caso) tal que w = λv. Então
P (g) ◦ P (f )([v]) = P (g)(P (f )([v])) = P (g)([f (v)]) = [g(f (v))] = [g ◦ f (v)] = P (g ◦ f )([v]).
P (f −1 ) ◦ P (f ) = P (f −1 ◦ f ) = P (Id U ) = Id P (U)
e
P (f ) ◦ P (f −1 ) = P (f ◦ f −1 ) = P (Id V ) = Id P (V) .
Teorema 5.1. Seja V um espaço vetorial (real ou complexo). Então o grupo das transformações projetivas in-
versı́veis em P (V), denotado por P GL(V), é isomorfo a GL(V)/K∗ Id, onde K é o corpo subjacente (K = R , ou
K = C, conforme o caso).
P : GL(V) → P GL(V)
.
g 7→ P (g)
O ı́tem (3) da proposição anterior nos garante que P está bem definida. O exercı́cio acima nos garante que a
aplicação é sobrejetiva e o ı́tem (1) da proposição anterior nos garante que P é um homomorfismo de grupos. Logo,
pelo teorema do homomorfismo, temos que P GL(V) ∼ = GL(V)/ker(P ), resta-nos, tão somente, determinarmos
ker(P ). Seja f ∈ ker(P ) então, P (f ) = IdP (V) , ou ainda, para qualquer v ∈ V temos
ou seja, [f (v)] = [v] para todo v ∈ V. Com esta informação, concluimos que f (v) = λv v, isto é, f age como um
fator multiplicativo, mas que, a priori, pode ser diferente para cada vetor. Vamos mostrar que não é este o caso,
isto é, a função v 7→ λv é uma função constante. Sejam v, w ∈ V, vamos dividir em dois casos: o primeiro quendo
v e w são linearmente independentes e o segundo quando eles são linearmente dependentes. Para o caso LI, temos
f (v + w) = λv+w (v + w),
o que nos leva à conclusão que λw α = λv α, ou ainda λw = λv . Com isto, mostramos que f = λId, ou seja,
ker(P ) ⊆ K∗ Id. A outra inclusão é trivialmente verificada. Portanto ker(P ) = K∗ Id, o que conclui a demonstração.
Uma propriedade importante das transformações projetivas decorrente deste isomorfismo é que, dada uma
transformação projetiva P (g) ∈ P GL(V), sempre podemos escolher como transformação linear representante desta
transformação projetiva uma transformação linear cujo determinante é igual a 1. por isto, é verdade que P GL(V) =
P SL(V).
Exemplo 5.5. Considere agora o grupo GL(2, C) das transformações lineares em C2 . Então, a cada matriz
!
a b
∈ GL(2C),
c d
Note que uma transformação de Möbius não está definida sobre todo o plano complexo, pois se a transformação
é da forma
az + b
z 7→
cz + d
d
então o domı́nio desta função é igual a C\ − c e o seu conjunto imagem não possui o ponto ac pois este seria
a “imagem” do ponto no infinito. Esta restirção de domı́nios e contradomı́nios das transformações de Möbius
impede que haja uma ação do grupo P GL(2, C) sobre o plano complexo. Esta dificuldade técnica nos motiva a
introduzirmos uma generalização do conceito de ação de grupo que venha a contemplar este importante caso: O
conceito de ação parcial de grupo.
Definição 5.4. Seja G um grupo e X um conjunto. Uma ação parcial de G sobre X é uma famı́lia {Dg }g∈G de
subconjuntos de X junto com uma famı́lia {αg : Dg−1 → Dg }g∈G de bijeções entre estes subconjuntos satisfazendo:
(i) De = X e αe = IdX .
Os ı́tens (ii) e (iii) são necessários para garantir que a composição das bijeções parcialmente definidas, onde for
possı́vel fazer a composição, deve ser compatı́vel com a operação de grupo, como se esperaria de uma boa ação de
grupos. O estudo das ações parciais de grupos ainda é relativamente recente, tendo iniciado na década de 90 do
século XX e originou muitos desenvolvimentos importantes na matemática desde então. certamente é um assunto
fascinante e muito promissor para jovens matemáticos que queiram se lançar no mundo da pesquisa cientı́fica.
Exercı́cio 5.2: Verifique que o conjunto das transformações de Möbius no plano constitui uma ação parcial do
grupo P GL(2, C) sobre o plano complexo.
Exercı́cio 5.3: Determine as transformações de Möbius que constituem bijeções sobre todo o plano complexo.
Exercı́cio 5.4: Mostre que o subgrupo P SL(2, R) possui uma ação, via transformações de Möbius, sobre o
semiplano superior
H = {z ∈ C | I(z) > 0},
Referências
[1] S.V. Duzhin, B.D. Chebotarevskii: “Transformation Groups for Beginners”, AMS (2004)
[2] A.I. Kostrikin, Yu.I. Manin: “Linear Algebra and Geometry”, CRC Press (1989).
[3] J.J. Rotman: “A First Course in Abstract Algebras with Applications”, Pearson Prentice Hall (2006).
[4] D.H. Sattinger, O.L. Weaver:“Lie Groups and Algebras with Applications to Physics, Geometry, and Mechan-
ics”, Springer-Verlag (1993).
[5] K. Spindler: “Abstract Algebra with Applications in Two Volumes: Volume I, Vector Spaces and Groups”,
Marcel Dekker (1994).