Práxis-Missional 01
Práxis-Missional 01
Práxis-Missional 01
PRÁXIS MISSIONAL
Ano 01| Número 01 • 2018
EDITORIAL
IGREJA, MINISTÉRIO E MISSÃO
POR JONATHAN MENEZES..................................................................................................................5
ARTIGOS
A IGREJA MISSIONAL
POR JORGE HENRIQUE BARRO.....................................................................................................29
Dar início a uma nova revista, a despeito de qual seja sua natureza, demanda
antes de tudo uma reflexão a respeito de seu lugar e propósitos: por que
iniciar um novo espaço para publicações (em nosso caso, na área de teologia/
missiologia)? Que contributos especiais ele tem a trazer, a partir desse lugar
no qual se coloca? Como se insere e se distingue no já saturado panorama
editorial de revistas online de sua área específica? Todas estas são perguntas
importantes e que devem ser respondidas a seu tempo. Nesse momento,
porém, estamos mais interessados na pergunta: qual é a sua missão?
Assim definimos nossa missão: a Revista Práxis Missional visa contribuir com
a prática cotidiana da missio Dei (missão de Deus) e dos múltiplos ministérios
do povo de Deus, priorizando temas relacionados à Teologia Prática (em
suas vertentes missional e pastoral), em sua vocação de construir pontes
entre uma teologia bíblica e contextual, mais formalmente elaborada, e a
prática missionária e ministerial da Igreja e dos cristãos. Prioriza ainda o
diálogo com abordagens que reflitam de modo prático sobre problemáticas
que envolvem a vida da igreja brasileira e latino-americana.
Nossa missão também define nosso foco, escopo de atuação, perfil teológico
e o tipo de contribuições que estamos interessados em publicar aqui. Esse
número inaugural, intitulado Igreja, Ministério e Missão, é, nesse sentido,
emblemático. Retrata, de certo modo, um tripé que constitui não somente
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a ênfase dos cursos que têm sido ofertados pela FTSA, como também da
pesquisa e produção de seus/suas docentes. Isso fica evidente já no artigo
de abertura, escrito pelos membros do NDE (Núcleo Docente Estruturante)
da faculdade, sobre a “Identidade Teológica da FTSA”. Nele, seus autores
tratam das cinco características que compõem e denotam essa identidade, a
saber: bíblica, missional, contextual, ministerial e transformadora. A FTSA
quer, por meio dessa declaração, afirmar publicamente a identidade que
vem sendo construída em sua história até aqui.
Os demais artigos não fogem à tônica. Jorge Henrique Barro fala sobre a
“Igreja missional” e sua constante busca de envolvimento com a missão de
Deus no mundo; ressalta, portanto, a identidade bíblica da Igreja de Cristo.
Marcos Orison, por sua vez, lança seu olhar sobre o ministério de Jesus e os
encontros (transculturais) que podemos perceber nos evangelhos; ressalta
a habilidade de Jesus de quebrar muros e atravessar fronteiras. Vanessa
Carvalho explora um problema prático que muitas pessoas enfrentam hoje
e que, assim, precisa ser tratado com seriedade, e não diferente no ministério
cristão: a síndrome de burnout e a depressão, através do caso de uma esposa
de pastor. Jonathan Menezes finaliza o número com uma reflexão sobre
vocação, missão e a busca por uma espiritualidade frágil num mundo
(religioso) que valoriza tanto a pujança, a performance e as aparências.
Como redescobrir nossa vocação original e humana no meio disso?
Esperamos que você leia, medite, seja edificado(a) pela nossa Práxis Missional,
e compartilhe como e com quem você quiser e puder, para que esta reflexão
chegue à vida da Igreja.
Jonathan Menezes
Editor-chefe
Esse documento tem por finalidade refletir sobre esse processo de construção
de significado ou seu conjunto de atributos geradores da identidade histórica da
FTSA ao longo de sua história.
1. Teologia bíblica
Compõe a identidade da FTSA um fazer teológico que se define como bíblico.
Tal postura passa, necessariamente, pela centralidade das Escrituras, Antigo
e Novo Testamentos, não apenas como método de ensino, mas pela própria
maneira como entendemos a nós mesmos e a missão de Deus a nós confiada.
Desde uma perspectiva mais específica, a FTSA oferece uma matriz curricular
que promove o desenvolvimento de diversas habilidades e competências
necessárias para a produção de uma teologia que seja bíblica. Inclui-se aí a
fundamental importância do conhecimento das línguas originais em que os
textos bíblicos foram escritos, a abordagem literária aos dois Testamentos,
as técnicas de entendimento da mensagem para os públicos alvos originais
e princípios de interpretação e aplicação da mensagem bíblica para as
realidades contemporâneas.
Entendendo também que a Palavra de Deus se faz viva e eficaz para a realidade
contemporânea, por meio da iluminação do mesmo Espírito que a inspirou
no passado, o processo educativo na FTSA se dá de forma integradora. Por
isso, a teologia bíblica não prescinde do ferramental de entendimento da
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realidade contextual, obtido com o auxílio de disciplinas que visam esse
objetivo, assim como considera a relevância do conhecimento dos conceitos
doutrinários fundamentais. O resultado desse processo de construção bíblico-
teológica é a busca e proposição de uma teologia prática e transformadora
para as realidades eclesiais. Nesse sentido, seguimos o que prescreve o Pacto de
Lausanne, quando se refere à autoridade e o poder da Bíblia,
Desse modo, a FTSA entende que a Bíblia precisa ser vista, interpretada,
estudada e praticada na perspectiva missiológica porque a missão é a essência
da Bíblia. Isso evita o risco de uma leitura bíblica individualista cujo centro
é o ser humano. O centro é e sempre será Deus e sua missão.
Na FTSA a teologia está a serviço da missão (missiologia). Por isso ela tem
como foco a missão integral. Missão integral é a proclamação e manifestação
(palavras e obras) do Evangelho do Reino de Deus para todas as dimensões
da vida visando reconciliar (transformar) os relacionamentos corrompidos
pelo pecado das pessoas com Deus, com seu próximo, com elas mesmas e
com seu meio ambiente e tudo isso para a glória de Deus. É o chamado de
Deus para o seu povo em Jesus Cristo, para promover a restauração completa
das relações e condições da vida humana e da criação, de modo a permitir
que a alegria da vida abundante se faça presente, como uma antecipação
do Reino de Deus e a sua justiça, bem como da vida eterna, quando se
completará o estabelecimento definitivo desse reino.
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Nas palavras de René Padilla (2001), a missão integral “é a missão orientada
à satisfação das necessidades básicas do ser humano, incluindo sua
necessidade de Deus, mas também sua necessidade de amor, alimento, teto,
abrigo, saúde física e mental, e sentido de dignidade humana”. Está além
do conceito da “salvação da alma”. O apóstolo Paulo nos alerta para isso
ao dizer: “Que o próprio Deus da paz os santifique inteiramente. Que todo o
espírito, alma e corpo de vocês seja conservado irrepreensível na vinda de
nosso Senhor Jesus Cristo” (1Ts 5:23). Paulo usa a palavra ὁλοτελεῖς [holoteleis]
traduzida por inteiramente neste texto. Ela também significa “completo”,
“todo”, “inteiro”. É justamente de hólos que vem a ideia de holístico. Não
se separa espírito, alma e corpo. Portanto, o que se enfatiza é a questão da
integralidade sem a qual não pode haver integridade. A FTSA, cremos nós,
tem sido um instrumento nas mãos de Deus para que a missão (de Deus)
seja realizada em perspectiva integral.
Essa identidade missional determina o que a FTSA faz, como também sua
razão de existir. Seu alvo penúltimo é a formação e capacitação do povo missional
de Deus. Mas, seu alvo último é a glória de Deus (missio Doxa).
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Estar na FTSA é se comprometer e se engajar com essa identidade missional,
pois todos aqui estão a serviço da missão de Deus para que sua glória encha
toda terra!
Bendito para sempre o seu glorioso nome, e da sua glória se encha toda a
terra. Amém e amém! (Sl 72:19).
3. Teologia contextual
O projeto de criação de uma escola de Teologia no Brasil que tivesse uma
proposta de ensino diferenciada, capaz de oferecer uma formação abrangente,
contextualizada e direcionada às necessidades das igrejas brasileiras e latino-
americanas, surgiu em 1989, quando um grupo de pastores se reuniu
no campus do Fuller Theological Seminary, em Pasadena, CA, nos Estados
Unidos, sob a liderança de Antonio Carlos Barro. Em outubro de 1993,
líderes protestantes da cidade de Londrina e região apoiaram a ideia da
nova escola teológica. Desse modo, em 28 de fevereiro de 1994 começou a
funcionar, com 42 alunos, o Seminário Teológico Sul Americano – STSA.
A FTSA, desde seu início em 1994, tem em seu DNA a vocação de olhar
para a América Latina. Participa integralmente dos Congressos Latino
Americanos de Evangelização, chamados de CLADES, convocados pela
Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL), e, inicialmente como
fruto destes, os Congressos Brasileiros de Evangelização – CBE I e CBE
II, realizados em Belo Horizonte respectivamente em 1981 e 2003. Os
CLADES são:
• CLADEI – 1969 – Bogotá, Colômbia: Ação em Cristo para um continente
em crise;
• CLADE II – 1979 –Huampaní, Perú: Que a América Latina ouça a voz
de Deus;
• CLADE III – 1992 – Quito, Equador: Todo o evangelho, para todos os povos
desde a América Latina;
• CLADE IV – 2000 – Quito, Equador:O testemunho evangélico rumo ao
terceiro milênio: palavra, Espírito e missão;
• CLADE V – 2012 –San José, Costa Rica: Sigamos a Jesus em seu reino de
vida. Guia-nos, Santo Espírito!
A FTSA não abre mão desse legado como também do legado teológico
produzido pelo advento da Reforma Protestante do século XVI e,
posteriormente, disseminado na América. Porém, compreende que essa
teologia tem como princípio estar sempre se reformando, devendo, por isso,
ser interpretada e relida a partir das especificidades de cada temporalidade
e contexto em que ocorrem sua vivência. Nesta chave hermenêutica, uma
teologia latino-americana deve incluir entre as prioridades de sua agenda
questões prementes que marcam, por exemplo, a história de indígenas,
afrodescendentes e outros grupos mais expostos às consequências de um
processo de colonização exploratório.
4. Teologia ministerial
O enfoque da teologia da FTSA é também ministerial, compondo uma faceta
fundamental de sua identidade institucional. Por ministerial entendemos
aquilo que está em direta relação com a igreja, a comunidade dos que
creem e agem de maneira missional como representantes de Jesus Cristo
no mundo.
Para realizar essa tarefa educadora, a FTSA tem procurado estar próxima
das lideranças das igrejas e atenta às suas necessidades, atualizando
constantemente seus cursos e conteúdos a fim de atender a essas importantes
demandas. Ao mesmo tempo, exercendo sua voz profética, a FTSA procura
perceber as carências da sociedade, exortando e preparando seus alunos
a responderem a elas por meio de seus ministérios, como um serviço de
misericórdia e justiça que represente a manifestação graciosa de Deus para
com a sua criação.
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5. Teologia transformadora
Por fim, a FTSA identifica-se com uma forma de ser, viver e ensinar que seja
transformadora. Transformadora é um adjetivo que expressa uma característica
essencial da vida e missão cristãs. Indica, antes de tudo, que acreditamos na
mudança radical que o Evangelho promove na pessoa e, por conseguinte,
no ambiente ou contexto em que ela está inserida. Ou seja, o Evangelho nos
transforma para que sejamos agentes de transformação do Reino na Igreja,
no país e no mundo.
Durante quase vinte séculos o evangelho de Jesus Cristo vem cruzando todo
tipo de fronteiras, passando de um país para outro, de uma cultura para
outra, de uma classe social para outra. Em quase todos os idiomas e dialetos
do mundo de hoje Jesus é invocado e sua Palavra é lida. A mensagem de
Jesus alcançou uma universalidade maior que a de qualquer outra pessoa que
tenha vivido na história. Neste constante atravessar de fronteiras o Espírito
Santo impulsiona a igreja a cumprir a missão para a qual Deus a formou. E
ela realiza assim o propósito de amor redentor revelado e realizado por Jesus
Cristo. O Espírito sempre faz surgir em meio ao povo de Deus mulheres e
homens que, cheios de paixão evangelística, se lançam a cruzar todo tipo de
fronteiras para levar o evangelho de salvação a todos os seres humanos. A
igreja que cumpre sua missão é povo em marcha, lançado aos quatro ventos
em uma atitude de obediência.
Cruzar fronteiras e quebrar muros de separação, não por força nem por
violência, mas pelo Espírito de amor de Jesus, é, desse modo, uma das
tarefas mais prementes para os cristãos no mundo atual tão polarizado e
dividido por tantas questões.
Conclusão
Em uma única frase conclusiva, podemos assim definir a identidade teológica
da FTSA à luz das cinco características expostas ao longo deste documento:
Notas
[1] Dentre as diferentes formas de concepção do círculo hermenêutico a
mais completa nos parece ser a proposta por Juan Luís Segundo. A ideia
desse autor (que relemos em nossas quatro áreas) é de que o círculo procede
de quatro passos: 1) nossa maneira de experimentar a realidade nos leva
à “suspeita ideológica” (análise da realidade); 2) essa suspeita se expande
da realidade para o modo como lemos as Escrituras, o que ele chama
de “suspeita exegética” (Bíblia); por consequência, esse novo modo de
interpretação da Bíblia, contextual e historicamente situado, gera uma nova
concepção e vivência teológica (Teologia Fundamental); esta deve motivar a
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uma nova práxis teológica visando à transformação da realidade (Teologia
Prática). (Segundo, 1987. Ver também: Stam, 1984, pp. 92-136).
Referências bibliográficas
VAN ENGEN, Charles. Povo missionário, povo de Deus. São Paulo: Vida
Nova, 1996.
Sobre os autores
Esse texto é resultado de uma construção coletiva. Foi escrito pelos cinco
membros do Núcleo Docente Estruturante (NDE), da FTSA, composto
pelos docentes: Ms. Flávio Henrique de Oliveira, Ms. Jonathan Menezes, Dr.
Jorge Henrique Barro, Dr. Marcos Orison Nunes de Almeida, e Dr. Wander de
Lara Proença.
Uma igreja missional é definida como uma comunidade que está em busca
constante de envolvimento com a missão de Deus no mundo. O povo de Deus é
visto como enviado em missão, enquanto nos modelos tradicionais os enviados
são os(as) missionários(as) pagos(as), por vezes chamados de profissionais. Na
igreja missional todos se percebem como participantes desse chamado. A
missão é de Deus. A igreja é criada para ser um sinal e instrumento de Deus
em favor do mundo. Essa atividade de Deus no mundo diz respeito tanto a
restauração das pessoas para com Ele, como das pessoas com outras pessoas
e ainda das pessoas com toda a criação.
No modelo tradicional de igreja ela envia missionários, enquanto no modelo da
igreja missional ela mesma é enviada. Não pensa tanto em destino, mas em uma
jornada. Lois Y. Barret, ministra ordenada da Igreja Menonita dos USA, diz:
A igreja missional é uma igreja que é moldada para participar na missão de
Deus, que se organiza para restaurar o mundo quebrado e pecaminoso, para
resgatá-lo e redimi-lo para Deus… Igrejas missionais percebem a si mesmas
não tanto como enviadoras, mas como sendo [elas mesmas] enviadas. Uma
congregação missional permite que a missão de Deus permeie tudo o que ela
faz – da adoração ao testemunho, formando membros para o discipulado.
Ela preenche a lacuna entre o alcance [para fora] e a vida congregacional
[para dentro], já que, em sua vida comunitária, a igreja encarna a missão de
Deus. (Barret, 2004, p. x)
Muita teoria? Não entendeu? Por exemplo, quando uma criança está se
esforçando para aprender a ler, porque ela tem dislexia, Deus se preocupa
com seu aprendizado para que ela possa ter vida em plenitude. Deus está
com ela em sua luta. Se você fosse o/a tutor/a desta criança com dislexia,
estaria participando daquilo que Deus estaria fazendo na vida dela. Se você
fosse o/a tutor/a dela seria porque o amor de Deus o/a levou a fazê-lo, e
seu trabalho seria uma expressão viva de que Deus está com essa criança e se
preocupa com ela. Entendeu?
Assim, o conceito é:
A missão de Deus é restaurar a totalidade da criação. A igreja participa como
sinal e instrumento da missão de Deus.
Por outro lado, o conceito não é:
Uma forma de articular que Deus é o sujeito ativo da missão é por meio
do termo missio Dei. Esta frase em latim aparece muitas vezes na literatura
missional. É traduzida como missão de Deus. Deus criou o mundo, de modo
que toda a criação pudesse experimentar plenitude de relacionamento com
Ele. O pecado entrou no mundo e, com ele, também a corrupção individual e
coletiva (em outras palavras, nós pecamos como pessoas individuais, e quando
nos organizamos em grupos e sociedades, uma sinergia de pecado entra em
vigor). O Deus-Pai enviou Jesus ao mundo para resgatá-lo. Jesus veio anunciar
o reino de Deus (ou o que muitos chamam de o reinado redentor de Deus).
2. Repensando a história
Igrejas missionais percebem a si mesmas não tanto como enviadoras, mas
como sendo [elas mesmas] enviadas.
Essa situação exige uma resposta de luto que aceita a desestabilização por amor
a Deus, seu reino e sua missão. Quem não existe para a missão existirá
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para a manutenção. Faz-se necessário abraçar essa mudança, caso contrário,
esse sal da terra que somos, não “servirá para nada, exceto para ser jogado
fora e pisado pelos homens” (Mt 5.13). O caminho de Jesus nunca foi o de
manutenção do status quo, antes conduziu seu ministério a partir das margens
(Galileia) em vez de um lugar de poder privilegiado (Jerusalém).
Precisamos entender que missão não é apenas uma atividade da igreja. Em vez
disso, a missão é o resultado da iniciativa de Deus, enraizada nos propósitos de
Deus para restaurar e curar a criação. “Missão” significa “envio”, e esse tema
central da Bíblia descreve a finalidade da ação de Deus na história humana…
Nós aprendemos a falar de Deus como um “Deus missionário”. Assim
aprendemos a compreender a igreja como “pessoas enviadas”. “Assim como o
Pai me enviou, também eu vos envio ao mundo” (Jo 20.21). (Guder, 2998, p. 4)
Conclusão
Então, você tem uma missão para Deus no mundo? Não, o contrário: Deus
é quem tem uma missão para com o mundo e quer realizá-la através de você
e sua igreja. Se queremos colocar de forma positiva, nossa missão é cumprir
a missão de Deus no mundo. Lembre-se: igreja não é aonde você vai; igreja
é o que você é: “vós sois…” Lembre-se mais: você já está em missão. Você já
foi enviado: “assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”! Você é
um agente missional de Deus para a transformação das pessoas e do mundo.
Sem isso, sua igreja jamais será uma igreja missional.
Para isso, é fundamental discernir o papel e a presença da liderança na igreja.
Infelizmente ainda funcionamos com a mentalidade do líder burocrático,
eleito para atuar na igreja. Ninguém deveria ser líder na igreja se fosse a
serviço da missão de Deus. Isso passa fundamentalmente pela visão pastoral.
É, sim, responsabilidade pastoral mobilizar, treinar e capacitar a liderança a
partir de tal e para tal visão. Uma liderança que não está a serviço de Deus
e de sua missão tende a ser causadora de problemas e dona da igreja.
Uma igreja, um pastorado, ou uma liderança que não pergunta “para quê?”,
não se converteu à missão de Deus.
Pense nisso tudo! Reflita você mesmo/a. Caso seja um/a pastor/a, o é para
quê? Caso seja um/a líder, para que o é? Se sua igreja não é uma igreja
missional, ela é para quê? É impossível participar da vida de Deus sem que
também não participemos de sua missão!
Referências bibliográficas
BARRETT, Lois Y. (Ed.) Treasure in clay jars: patterns in missional faithfulness
Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 2004.
GUDER, Darrell L. (Ed). Missional church: a vision for the sending of the
church in North America. Grand Rapids: Eerdmans, 1998.
VAN GELDER, Craig. The essence of the church: a community created by the
Spirit. Grand Rapids: Baker Books, 2000.
Sobre o autor
Jorge Henrique Barro é Doutor em Estudos Interculturais pelo Fuller
Theological Seminary, Califórnia, EUA; co-fundador, professor e atual
diretor acadêmico da Faculdade Teológica Sul Americana, em Londrina.
É também pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus,
não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas
esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos
homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e
foi obediente até à morte, e morte de cruz! (Fp 2.5-8).
É claro que qualquer consideração sobre o status divino de Jesus não passará
de especulação imaginativa, mas vale aqui o esforço para conseguirmos
elaborar a profundidade da atitude, que incluiu seu esvaziamento, que
servirá para nortear aquilo que ele requer de nós. Imaginemos o estado
divino como o ápice de qualquer projeção humana de plenitude e satisfação,
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além do ilimitado poder e infinitude. É dessa condição perfeita que Jesus
abre mão por considerar mais importante a necessidade de aproximação
com o ser humano e com o propósito de resgatá-lo de suas mazelas. Ele não
apenas abre mão de sua divindade, mas assume a condição idêntica à do
outro que ele deseja alcançar. Ao querer aproximar-se do ser humano ele
se torna alguém semelhante. Mas há um aspecto ainda mais interessante
nesse processo que é o fato da condição humana assumida por Jesus ter
sido aquela que representava a maioria das pessoas do contexto da época.
Ele não se torna um ser humano qualquer, a despeito da situação cultural,
social, econômica ou política do seu tempo. Ele assume a condição de um
ser humano comum, simples, da periferia da sociedade judaica, da região
da Galileia.
Nos relatos dos evangelhos podemos perceber que Jesus é plenamente judeu
no que concerne às situações mais comuns e gerais da cultura. Nascido
em uma família da tribo de Judá, na cidade de Belém, desenvolveu a sua
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infância e adolescência em Nazaré da Galileia como filho de um carpinteiro.
Foi circuncidado, consagrado como primogênito no templo de Jerusalém e
novamente levado ao templo aos doze anos, na transição para a adolescência.
Induzimos que ele falava, se vestia, se comportava e agia conforme qualquer
judeu galileu
Antes de tentarmos concluir qual o critério adotado por Jesus para que
em determinadas situações ele se adaptasse plenamente à cultura e em
outras ele a confrontasse, vejamos outros encontros interessantes ocorridos
em sua caminhada ministerial. João 4:1-30 narra o encontro de Jesus
com uma mulher samaritana com muitas nuances e temas transversais.
Particularmente, gostaria de atentar para pelo menos dois padrões culturais
confrontados por Jesus nesse episódio. O primeiro padrão consistia no
costume de não ser considerado de bom grado homens conversarem
com mulheres desconhecidas em ambientes públicos (João 4:27). Uma
abordagem furtiva poderia ser interpretada como assédio ou coisa pior.
Essa é uma história rica em detalhes, uma das mais longas do livro de Atos,
porque representa a expansão do Evangelho para além da geografia de
dominância judaica, indicada nos capítulos anteriores como sendo as regiões
da Judéia e Samaria. Ela também representa a propagação do Evangelho
em direção aos gentios. O que torna o episódio ainda mais relevante e
interessante são os contornos adicionais que Lucas faz questão de destacar
para criar um clima e ambiente tenso e cheio de expectativas. Cornélio não
é apenas um gentio. Ele é um soldado de alta patente do exército romano
que exerce o seu comando em Cesaréia, capital da Judéia. Essa descrição
acrescenta à natural resistência que um judeu possuía dos gentios, tidos
como incrédulos e impuros, a figura do inimigo opressor.
Paulo aceita submeter-se àquele ritual, embora sem significado para a sua
fé em Cristo, como uma maneira estratégica de tentar evitar um conflito
com os religiosos judeus que o consideravam inimigo. A estratégia parece
funcionar até a chegada de outros judeus vindos das regiões da Ásia onde
Paulo pregava o Evangelho. Independentemente do resultado final da
história, vemos que Paulo não tem problema em se readaptar à cultura
judaica, mesmo em uma expressão religiosa, raspando a cabeça, fazendo
a oferta específica e orando no Templo, tudo para evitar um confronto
desnecessário e prejudicial à propagação do Evangelho em Jerusalém.
Conclusão
É importante observar que não há um padrão expresso para a maneira como
a igreja deve agir nos encontros entre o Evangelho e a cultura à medida
que exerce a missão de propagação do mesmo. No entanto, é fundamental
entender que existem princípios bíblico-teológicos que norteiam a
ação missionária. Esses princípios podem ser resumidos pelos modelos
missiológicos de Cristo e do apóstolo Paulo, que não são discordantes
entre si, mas apenas expressos didaticamente de formas diferentes. Estes
princípios sugerem que, antes de tudo, ao ser confrontado por uma realidade
cultural distinta, devemos ter uma atitude de humildade, estando dispostos
a nos esvaziar dos nossos pressupostos culturais com o objetivo maior de
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estabelecer uma relação, a mais próxima possível, com o outro, alvo da
missão e do amor de Deus. Requer-se de nós sensibilidade, disposição de
abertura e uso do bom senso diante de cada situação que diariamente surge
na caminhada cristã.
Sobre o autor
Marcos Orison Nunes de Almeida é Doutor em Estudos Interculturais
pelo Fuller Theological Seminary, Califórnia, EUA; professor e atual
coordenador de graduação online da Faculdade Teológica Sul Americana,
em Londrina. É também pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil.
L. aprendeu a ler com nove anos e por conta própria. Certo dia encontrou
um colégio – internato reformado após a guerra – e, por conta própria, se
matriculou e estudou durante certo período. Após criar bons vínculos com
a madre superiora, decidiu que pertenceria a tal ordem religiosa. Com 18
anos L. iniciou os estudos equivalentes a antiga escola normal; relata em
seu livro que, nesta época, seu irmão mais velho aparecia com uns folhetos
em casa intitulados “La bíblia prestada” (A bíblia emprestada), e L. teve
interesse em conhecer a pessoa que entregava estes folhetos, pois o conteúdo
das mensagens vinha ao encontro de sua fé. Em sua autobiografia, L. relata
este momento de maneira interessante:
Naqueles tempos tão duros e difíceis somente encontrava paz quando rezava.
Jamais poderia imaginar a influencia crucial do meu irmão Antônio em
minha vida, quando chegou um dia em casa e me disse que tinha conhecido
um homem chamado Castro e que, este homem, falou sobre uma igreja
evangélica protestante. Minha mãe acreditava que aquele homem era um
comunista e que de trás de suas palavras generosas e solidárias ocultava um
pensamento político perigoso (Fernández, 2011, p. 19).
Entre 2005 e 2007, L. já não se sentia feliz com seu trabalho. Numa conversa
com um familiar íntimo, ele declarou: “Eu percebia que L. cumpria com
suas atividades na igreja por obrigação e não por prazer”.
L. diminui suas atividades laborais para poder cuidar do marido, que estava
enfermo e que logo veio a falecer. Em 2008, ela foi afastada totalmente
dos trabalhos na igreja. Esgotada física e emocionalmente, recorreu à
ajuda profissional. Atualmente recebe acompanhamento psicológico e
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psiquiátrico, além de apoio espiritual por parte de alguns membros da igreja.
É freqüentadora assídua dos cultos de domingo, tem um perfil amoroso,
acolhedor e continua servindo como modelo de pessoa de fé para muitos
que a conhecem e se interessam em saber um pouco sobre sua história.
Abordagem ao caso
L., 83 anos, viúva, teóloga/missionária, exerce o labor eclesiástico há mais
de cinquenta anos. Seus problemas começaram por volta dos anos 1980-
90 devido a várias ocorrências: desgaste físico decorrente da idade, falta
de recursos econômicos necessários para a implantação e manutenção das
igrejas e pontos de pregação, falta de profissionais interessados em atuar na
missão, sobrecarga de responsabilidades, diversos problemas relacionados
a trâmites burocráticos, dentre outros. Começou a sentir-se muito cansada
fisicamente, ansiosa, tensa e insone. Ao final dos anos 1990, após aposentar-
se legalmente, L. continuou exercendo seu trabalho, embora notasse uma
exigência de maior esforço nas tarefas rotineiras.
Fez uso de diversas associações durante três anos: tioridazina 10-30 mg/dia,
cloxazolam 2 mg/dia, sulpirida 300-600 mg/dia, biperideno 2-4 mg/dia,
nortriptilina 25-75 mg/dia. Em 2011 iniciou tratamento psicológico, pois
apresentava sintomas como sentimento de culpa, insegurança, pensamentos
negativos constantes, choro contínuo e medo excessivo. Segundo informes
médicos e psicológicos, L. evoluiu com melhora importante da ansiedade e
da insônia, melhora parcial dos sintomas depressivos e intensa dificuldade
de lidar com situações referentes ao labor eclesiástico.
Discussão teórica
O caso descrito apresenta vários dos fatores considerados como determinantes
para a presença de burnout: sobrecarga, insegurança em relação às tarefas, falta
de condições para exercer o trabalho, instabilidade econômica no emprego,
falta de suporte da equipe/chefia, sentimento de injustiça, dentre outros.
Os fatores pessoais de dedicação ao trabalho também estão presentes.
No entanto, relatos deste tipo, abrem porta para vários diálogos entre temas
pouco investigados como burnout e depressão em trabalhadores idosos, temas
sobre o stress laboral em profissionais do âmbito religioso, entre outros,
além de estimular investigações em resposta à problemática apresentada.
Conclusão
Um relato de caso, ainda que detalhado, não pode responder a perguntas
de âmbito clínico como: será que os casos que preenchem os critérios para
burnout, tanto na clínica psiquiátrica quanto na psicológica, seriam casos a
mais de depressão? Tampouco responde a perguntas do tipo: será que todo
tipo de labor pastoral ou missionário está propenso a burnout e depressão?
Ou então: as comunidades eclesiásticas têm atentado para problemas
relacionados ao desgaste laboral destes profissionais? Em verdade, somente
um estudo prospectivo, baseado num protocolo de pesquisa e investigação,
onde só após se conceber um plano de pesquisa é que se inicia o recrutamento
de pacientes, poderia responder estas perguntas.
Referências bibliográficas
BARUCH-FELDMAN et. al. Sources off Social Support and Burnout, Job
Satisfaction and Productivity. Journal off Occupation Health Psychology, 7 p.
84-93, 2002.
IACOVIDES, A. et. al. The relationship between job stress, burnout and
clinical depression. J. Affect Disord. 2003; 75(3): 209-21.
Sobre a autora
Vanessa Carvalho de Mello é doutoranda em Psicologia pela
Universidade de Málaga, Espanha; Mestre em Intervenção Social
e Comunitária pela mesma; especialista em Saúde Mental pela
Universidade Estadual de Londrina; bacharel em Teologia pela
Faculdade Teológica Sul Americana, em Londrina, onde é responsável
pelo NADi (Núcleo de Apoio ao Discente).
Para tanto, quero iniciar examinando duas afirmações que devem servir
aqui de ponto de partida. A primeira é de David Bosch (1979, p. 76): “A
verdadeira missão é a mais fraca e menos impressionante atividade humana
que se pode imaginar, a própria antítese de uma teologia da glória”. Bosch
não está sozinho nesta percepção. José Comblin também escreveu algo
nesta direção, servindo de inspiração ao próprio Bosch em sua abordagem
à espiritualidade missionária de Paulo: “A fraqueza não é nenhum acidente
da missão, nenhuma circunstância que se tenha que lamentar. Muito pelo
contrário, é uma condição prévia de qualquer missão autêntica” (Comblin,
1983, p. 56).
A mensagem da ressurreição, por sua vez, não existe nem faz sentido se
separada da mensagem da cruz. Para ressuscitar é preciso morrer e é morrendo
que se vive. É uma mensagem de vida abundante, mas não sem morte; de
alegria, mas não sem tristeza; de vitória, mas não sem fracasso; de força, mas
não sem fraqueza; de luz, mas não fora das trevas. Deus não ressuscitou Jesus
dos mortos preocupado com a propaganda do seu governo sobre a terra. A
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ressurreição não é prova de nada nem existe para provar alguma coisa. Não
é o aguilhão daqueles que, como Tomé, precisam “ver para crer”, mas para
o bem-aventurados do reino os quais, mesmo não vendo, creram e creem
(cf. Jo 20.29). O Pai ressuscitou Jesus dos mortos porque Ele é o seu Filho
amado; para que a morte não tenha a última palavra; para confirmar a obra
do Filho; para que nós encontrássemos vida Nele e, tendo vida, tivéssemos
esperança e, tendo esperança e pela fé, espalhássemos essa boa nova de vida,
amor e esperança ao mundo.
Como não impressionou pelo poder, como disse Comblin, é possível afirmar
que Jesus não teria um perfil para ser um missionário cultural ou transcultural
em nossos dias, por falta de requisitos mínimos para se encaixar (conforme
as caixas de encaixe hoje vigentes em muitas igrejas e agências missionárias
do mundo): caminhou à margem da religião e da cultura; abraçou não
apenas as vulnerabilidades humanas como escolheu ser humilde entre os
humildes e desgraçados; não primava por demonstrações sobrenaturais de
poder, pelo contrário, em muitos milagres que realizou pedia total sigilo
daquele(a) que o recebeu; não partiu para o caminho da apologética ou
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defesa da fé, cercando-se de argumentos fortes para “defender” a perspectiva
do reino de Deus, de modo que, em Jesus, não se faz ninguém se achegar
ao reino pelo poder do argumento, mas pelo caminho da fragilidade, da
infantilidade espiritual, do diálogo, do arrependimento, do perdão e da
graça. Como lembra Comblin (1983, p. 58), “os homens são vulneráveis. A
possibilidade de mudança radica justamente nessa vulnerabilidade”.
Oportunidade de dizer para esses jovens que esse negócio de ser “super
crente”, de fato, não tem eco bíblico nenhum. Que os “grandes” heróis da fé
foram os que mais ousaram “se apequenar” aos olhos desse mundo, os que
prezaram mais pela integridade e não deram a mínima para reputação. De
que é normal se sentir triste e desanimado vez por outra; de que nem sempre
seremos vitoriosos e campeões em tudo; de que pode haver uma enorme
vantagem em certas “desvantagens” que sofremos nesse mundo competitivo
e capitalista selvagem; de que para ganhar é preciso aprender a perder, e que
é morrendo que se vive. Nesse sentido, Bosch (1979, p. 77) disse algo que a
meu ver poderia ser lema da espiritualidade frágil e kenótica aos professores
de teologia, escolas teológicas e igrejas que ousarem abraça-la: “A igreja
não é composta de gigantes; apenas seres humanos feridos podem guiar
outros até a cruz”. Tomo como minha missão pessoal, enquanto educador,
a de comunicar para meus estudantes que não é preciso anular fragilidades
para ser discípulo ou testemunha de Jesus Cristo, e de que ser discípulo,
portanto, é a melhor maneira de ser e se encontrar humano.
Referências bibliográficas
BOSCH, David. A Spirituality of the Road. Scottdale: Herald Press, 1979.
Sobre o autor
Jonathan Menezes é doutorando em História pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP, Assis-SP); professor, editor-chefe da
Práxis Missional e atual coordenador de graduação e extensão
presencial da Faculdade Teológica Sul Americana, em Londrina. É
também pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil.