9 - A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
9 - A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
9 - A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
Nossa Mensagem IX
A Filosofia
Transcendente
de Mulla Sadra
Tradução e Revisão
Ismail Ahmad Barbosa e
Denilson do Nascimento Silva
Tiragem
2.000 exemplares
Data da Edição
Agosto de 2012
12-09037 CDD-297
Sumário
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
8
9
A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
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Introdução do Autor
Introdução do Autor
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Prefácio
Prefácio
2. O ano islâmico que tem como marco a emigração do Profeta Mohammad (S.A.A.S.) de
Meca para Medina no ano 622 d.C.
3. A religião divina e a última das mensagens celestiais reveladas pelo último Profeta e
Mensageiro de Deus para a humanidade, o Profeta Mohammad (S.A.A.S.).
4. O livro sagrado do Islam. É a palavra literal de Deus revelada ao profeta Mohammed ao
longo de um período de vinte e três anos.
5. Tradição profética.
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Prefácio
6. Como são chamados os partidários do Imam Ali ibn Abi Taleb (A.S.), o sucessor legítimo
do Profeta Mohammad (S.A.A.S.).
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
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Introdução
Introdução
lei islâmica, lógica e filosofia estavam entre as aulas que os jovens recebiam.
O jovem Sadra, que não tinha alcançado ainda a puberdade, já adquirira algum
conhecimento nesses campos, todavia, seu interesse principal era a filosofia e,
particularmente, a gnose.
As anotações de sua juventude demonstram claramente seu interesse
na literatura gnóstica em geral, e nos poemas persas de Farid Al Din Atar
(1119-1193 d.C.), Jalal al Din Rumi, também conhecido por Mevlana (1207-
1273 d.C.), Iraqi (...- 1288 d.C.) e especialmente no sofismo (filosofia sofista)
de Ibn Arabi (1165-1241 d.C.).
Certamente que foi educado por algum tempo em Shiraz, porém, a
maior parte de sua formação se deu na capital daquela época, Qazwin. O que,
efetivamente ocorreu em razão da chegada ao trono do governador de Fars
após a morte de seu irmão (o soberano), em 985 hij. (1577 d.C.). É bastante
improvável que com isso seu ministro e conselheiro não tenha sido obrigado
a acompanhá-lo, ou mesmo, que este tenha deixado sua família e seu filho
único para trás.
Nessa época, Mulla Sadra conheceu dois ilustres eruditos, Shaykh
Baba Al Din Ameli e Mir Damad, que não são apenas singulares em seu
próprio tempo, mas também incomparáveis com qualquer cientista surgido
nos quatro séculos subseqüentes. Mulla Sadra começou a estudar com eles
e através de seus extraordinários talentos rapidamente se tornou o melhor
de seus alunos. Shaykh Baba não era somente um especialista nas ciências
islâmicas (sobretudo em jurisprudência, hadith, hermenêutica, teologia e
gnose), mas também um mestre em astronomia, matemática teórica, enge-
nharia, arquitetura, medicina e alguns campos do conhecimento metafísico.
Todavia, ao que parece, devido às suas ideias místicas particulares, ele não
ensinava filosofia e teologia.
Mir Damad, por sua vez, conhecia todas as ciências de seu tempo, mas
a sua área de ensino se limitava à jurisprudência, o hadith, e principalmente,
à filosofia. Era um mestre tanto do ramo Iluminativo quanto do Peripatético
da filosofia islâmica. Considerava-se semelhante à Ibn Sina e Farabi, o mestre
de todos os filósofos que o seguiam. Mulla Sadra obteve a maior parte de seu
conhecimento sobre filosofia e gnose de Mir Damad, e sempre o mencionou
como seu professor e orientador espiritual.
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Introdução
Quando a capital safávida foi transferida para Isfahan (1006 hij.), Shaikh
Baha Al Din e Mir Damad, acompanhados por seus discípulos, também mu-
daram para lá, e iniciaram sua tarefa de difundir o conhecimento. Mulla Sadra,
então com 26 ou 27 anos de idade, tornou-se um mestre, e estava cogitando
sobre a formulação de novos princípios filosóficos e a fundação de sua famosa
escola de pensamento. A história da vida de Mulla Sadra é bastante ambígua.
Não está inteiramente claro por quanto tempo ele permaneceu em Isfahan e para
onde foi depois disso. Ao que parece, ele se mudou de Isfahan antes de 1010
(hij.), retornando para sua terra natal, Shiraz. Os bens e propriedades de seu
pai estavam em Shiraz, e embora tivesse doado uma parte considerável disso
aos pobres, outra parte ainda existia em Shiraz e Fars na forma de propriedades
destinadas aos usos piedosos.
A vida de Mulla Sadra em Shiraz e suas posteriores viagens abrangem
outro período, que será discutido no próximo capítulo.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
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A Vida de Mulla Sadra
Mulla Sadra deve ter retornado a Shiraz por volta de 1010 hij. (1602 d.C.).
Havia herdado uma grande fortuna e muitas propriedades de seu pai, as quais
deveria administrar, o que pode ter sido a razão principal para o seu retorno.
Possuidor de uma imensa fortuna e de um vasto oceano de conhecimento,
sobretudo, no campo da filosofia, apresentava então várias ideias inovadoras. Assim,
ele começou a ensinar em Shiraz, e um grupo de estudantes oriundos de diversas
partes do país comparecia às suas aulas. Contudo, seus rivais, que, como muitos
filósofos e teólogos, seguiam cegamente à filósofos anteriores, e que sentiam que
sua posição social estava em risco, começaram a persegui-lo, ridicularizando suas
ideias e insultando-o, seja para defender suas próprias ideias ou apenas por inveja.
Esse mau comportamento e as pressões não eram compatíveis com o
espírito refinado de Sadra. Por outro lado, sua fé, suas crenças religiosas e
temor a Deus não o permitiam reagir e tratá-los da mesma maneira. Então,
ele deixou Shiraz ressentido e foi para Qom, que ainda não havia se torna-
do um importante centro científico e filosófico. Nesta cidade religiosa está
localizado o mausoléu de Fátima al Mas'umah, a filha do sétimo Imam,
Imam Musa Kadhem (A.S.)1, um dos descendentes do Profeta Mohammad
1. Abreviação das primeiras letras de um pedido de paz para um profeta, imam ou demais
membros dos Ahlul Bait (Povo da Casa). O significado literal é: Que a paz esteja com ele.
“Alaihe Assalám” em língua árabe.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
2. Abreviação das primeiras letras de um pedido de bênçãos e paz para o Profeta Mohammad
(S.A.A.S.) e sua Purificada Linhagem (A.S.). O significado literal é: Que a paz de Allah
esteja com ele e os Ahlul Bait.
3. Registro de viagem de Cavalier Tavernier.
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A Vida de Mulla Sadra
Sadra não regressou a Shiraz até 1040 (hij.). Permaneceu em Qom, fun-
dou um centro filosófico, formou vários discípulos, e durante todo esse tempo,
se ocupou em escrever seu famoso livro ou compor tratados em resposta aos
filósofos contemporâneos. Dois de seus famosos alunos, Fayyadh Lahiji e
Faydh Kashani, ambos seus genros, propagaram sua escola de pensamento.
Apresentaremos mais informações de suas obras na seção relacionada aos
seus trabalhos.
Mulla Sadra retornou a Shiraz por volta de 1039 ou 1040 (hij.). Alguns
crêem que a razão de seu retorno foi o convite enviado pelo governante da
província de Fars, Alla Werdi Khan. Esse governante havia terminado a cons-
trução da escola que seu pai, Imam Quli Khan, havia iniciado para o ensino de
filosofia, e, devido a sua admiração antiga à Mulla Sadra, convidou-o para que
viesse a Shiraz a fim de assumir a supervisão do ensino.
Em Shiraz, Mulla Sadra também se dedicou ao ensino de filosofia, herme-
nêutica e hadith. O que fica evidente ao lermos seu livro “Os Três Princípios”
(Si Asl) é que foi escrito durante essa estadia em Shiraz. Nessa obra, Sadra ataca
severamente os sábios daquela época, aos filósofos, teólogos, jurisconsultos e
médicos. Da mesma maneira que na primeira vez, Sadra se viu sob a pressão
dos caluniadores e da conduta corrupta dos eruditos de sua cidade. Entretanto,
Mulla Sadra tinha se fortalecido e decidira enfrentar seus opositores, formu-
lando, apresentando e propagando sua própria escola de pensamento.
Uma das dimensões da notável existência de Mulla Sadra está nas suas
constantes visitas à Caaba4 em Meca. Os registros históricos afirmam que
realizou a peregrinação sete vezes (cabe notar a simbólica figura do sete),
aparentemente a pé. Nos dias atuais, apesar dos confortos oferecidos pelos
modernos meios de transporte, existem ainda algumas dificuldades para
se realizar a peregrinação. No entanto, quatrocentos anos atrás, as pessoas
realizavam essa jornada em cavalos ou camelos, atravessando o deserto da
Arábia Saudita. Por isso, a Peregrinação (hajj) era considerada também uma
espécie de prática ascética.
A. Os Professores
Mir Damad
5. Lei.
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A Vida de Mulla Sadra
B. Os Filhos
Sua segunda filha, Zubaydah, foi casada com Faydh Kashani e gerou alguns
filhos de boa reputação. Ela também foi conhecida por seu vasto conhecimento
de ciência e literatura, sendo igualmente poetisa.
Mas'umah, a terceira filha de Mulla Sadra, nasceu em Shiraz (1033 hij.) e
foi famosa por sua sabedoria e maestria na arte poética e em literatura. Ela se
casou com um dos estudantes de Sadra, Qawam Al Din Mohammad Neyrizi.
Alguns historiadores, porém, acreditam que seu esposo tenha sido Mulla Abdul
Muhsin Kashani, outro discípulo de Mulla Sadra.
C. Os Estudantes
Faydh Kashani
aceito como seu genro. Seguiu com ele para Shiraz e ficou lá por mais dois anos.
A partir desse período, tornou-se um erudito, um perito em todas as ciências,
e então retornou para sua cidade estabelecendo seu próprio centro de ensino.
Durante sua vida, além de preparar um grande número de alunos, escreveu
várias obras sobre jurisprudência, hadith, ética e gnose. Seu método de abor-
dagem da ciência da ética era de tal qualidade que foi chamado de “o segundo
Ghazzali”. Mas, foi um sábio de maior alcance do que Abu Hamid Ghazzali Tusi
em sua percepção gnóstica e na profundidade científica de seu conhecimento.
Faydh também foi poeta, e deixou um livro de poemas em persa, que
consistia essencialmente de poemas gnósticos e de teor moral, na forma lírica.
O soberano safávida (Shah Safi) convidou-o nos últimos anos de sua
vida para servir como Imam dos sermões de sexta-feira em Isfahan, porém,
recusou o convite e retornou para sua cidade natal. Todavia, a insistência de
outro rei safávida (Shah Abbas II) o levou a Isfahan, provavelmente depois de
1052(hij.) (1643 d.C.).
Faydh foi autor de mais de cem livros, os mais famosos foram: “Mafatih”
em jurisprudência, “Al Wafi” sobre hadith, “Al Safi” e “Al Asfia” na inter-
pretação alcorânica, “Usul Al Ma'rif” sobre filosofia e gnose, e “Al Muhajj
Al Bayza” sobre ética. Todos esses livros foram escritos em árabe, e cada um
deles é considerado importante em seu ramo do conhecimento.
Faydh teve seis filhos. Seu filho, Mohammad A'lam Al Huda', se tornou
um erudito famoso que escreveu várias obras.
De acordo com a inscrição em sua tumba, Faydh faleceu em 1091 (hij.)
(1681 d.C.), na idade de oitenta e quatro anos.
Fayyadh Lahiji
Abd al Razzaq Lahiji, filho de Ali, conhecido por Fayyadh, foi famoso
principalmente como filósofo e teólogo, também considerado um dos mais
destacados poetas de seu tempo. Ele passou parte de sua vida em Mashad es-
tudando; em 1030 (hij.) ou alguns anos depois, foi para Qom, conheceu Mulla
Sadra e assistiu algumas de suas aulas. Mais tarde, se tornou um dos seus mais
leais discípulos. Antes do retorno de Mulla Sadra a Shiraz, Fayyadh teve a
honra de ser aceito como seu genro.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
Mulla Hussein Tunekaboni foi outro dos famosos alunos de Mulla Sadra.
Tunekaboni é uma cidade da província de Mazandaran, na região norte do Irã,
junto ao Mar Cáspio. Vários filósofos e cientistas de renome vieram dessa região.
Há muitos pontos contraditórios em sua biografia; porém, indiscutível é
o seu conhecimento sobre a escola de pensamento de Mulla Sadra, e no ensino
da filosofia e da gnose. Seu falecimento (ou martírio) foi muito lamentado.
Durante a Peregrinação, ao fazer a visita a Caaba, ele se agarrou à parede da
Casa e ficou a esfregar a face nela arrebatado por um sentimento místico; os
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A Vida de Mulla Sadra
Hakim Akajani
Hakim Mulla Mohammad Akajani tem sido citado como um dos estu-
dantes de Mulla Sadra. Sua biografia também está repleta de contradições.
Foi especialmente famoso pelo comentário que escreveu em 1071 (hij.) sobre
Mir Damad, um livro complexo e importante chamado “Al Qabassat”.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
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As Obras de Mulla Sadra
Mulla Sadra foi um escritor prolífico. Ele não escreveu durante o tempo
de reclusão e ascetismo, mas depois disso, se dedicou continuamente ao ensino
e preparo dos estudantes de filosofia, que vinham de todo Irã. Contudo, sem-
pre que estava em viagem ou em sua casa, aproveitava todas as chances para
escrever seus livros e tratados filosóficos. Assim, produziu uma variada, útil e
referencial coletânea de escritos filosóficos em diferentes formas e seguindo
diferentes propósitos.
Algumas de suas obras são livros de texto, apropriados para a aquisição
de conhecimento preliminar ou complementar sobre filosofia e gnose, com base
em sua escola específica de pensamento, a Filosofia Transcendente. Uma parte
dessas obras são explicações e demonstrações de suas teorias, enquanto outros
livros tratam da ética e da moral humana.
Ele dedicou parte importante de seus trabalhos à interpretação do Alco-
rão, e embora a morte não tenha permitido que ele produzisse um comentário
filosófico e gnóstico do Alcorão em sua totalidade, o que ele escreveu sobre
o tema possui certas características que tornam seu trabalho singular nesse
gênero de interpretação.
Mulla Sadra, que foi um muhaddith (um expert em hadith e nas tradições
atribuídas ao Profeta e aos seus descendentes), deixou um importante traba-
lho sobre a matéria, um comentário do famoso livro de ahadith “Al Kafi”,
de Kulayni Razi. Mulla Sadra comentou o capítulo que trata de “Usul”1,
1. Teoria legal.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
3. Sharh al Hidayah
Trata-se de um comentário à obra “Hidayah” que foi produzida com base
na filosofia peripatética. O intuito desse comentário era fornecer um conheci-
mento preliminar de filosofia aos estudantes. Na atualidade, raramente é usado.
5. Al Mazahir
Obra semelhante ao “Al Mabda”, mas numa forma mais resumida.
De fato, trata-se de um manual de introdução à filosofia de Mulla Sadra.
6. Huduth al 'Alam
A questão da origem do mundo é polêmica e complexa para muitos filó-
sofos. Nesse livro, além de mencionar as teorias filosóficas surgidas antes e
depois de Sócrates e as teorias de alguns filósofos muçulmanos, Mulla Sadra
prova sua consistente teoria do movimento trans-substancial.
2. Capítulos.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
7. Iksir Al 'arifin
Como o título indica, é uma obra sobre gnose, bastante educativa.
8. Al Hashr
O tema central dessa obra é a ressurreição da essência dos existentes no
Akhirah3. Mulla Sadra expressou a teoria da ressurreição dos animais e dos
objetos no Dia do Juízo.
9. Al Masha'ir
Trata-se de um resumido, porém, rico e profundo texto sobre a existência
e os assuntos correlatos. O Prof. Henry Corbin o traduziu para o francês e
escreveu uma introdução para a sua edição. Esse livro também foi traduzido
para o inglês recentemente.
13. 'Arshiyyah
Também chamado de Al Hikmat Al 'Arshiyyah, é outra obra de referência
sobre a filosofia de Mulla Sadra. Como no “Al Mazahir” ele buscou demons-
trar o Início e o Fim de modo conciso, mas com precisão. A obra foi traduzida
pelo prof. James Winston Maurice para o inglês, que também preparou uma
introdução para a sua edição.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
20. Al Tashakhkhus
Nesse livro, Mulla Sadra explica o problema da individuação e esclarece
sua relação com a existência e a condição primordial, que é um dos princípios
fundamentais que ele propôs.
27. Al Mizaj
Mulla Sadra escreveu esse tratado sobre a realidade do temperamento
humano e sua relação com o corpo e a alma.
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As Obras de Mulla Sadra
30. Al Hashriyyah
Um tratado sobre a ressurreição e a presença das criaturas no Além, aborda
o tema da recompensa no Paraíso e o castigo no Inferno.
33. Si Asl
Esse é o único livro de Mulla Sadra escrito em persa. Recorrendo aos três
princípios morais básicos, ele trata dos assuntos pedagógicos e éticos relacio-
nados aos cientistas, e aconselha os filósofos de seu tempo.
35. Al Tanquih
Nesse livro, Mula Sadra trata com precisão o tema da lógica formal.
É um livro útil na prática pedagógica.
39. Cartas
Com exceção de umas poucas correspondências entre Mulla Sadra e seu
mestre, Mir Damad, nada mais chegou até nós. Essas cartas foram apresentadas
no início do terceiro volume do livro “Mulla Sadra: Vida, Caráter e Escola”,
escrito em persa. A obra também foi traduzida para o inglês.
Se considerarmos os trinta e nove livros mencionados e os doze volumes
de hermenêutica, aos quais nos referimos como um Tafsir (no número dois),
e também o “Mafatih Al Qayb” e o “Asrar Al Ayat”, citamos mais de 50 de
seus trabalhos (exatamente 53) até aqui. Alguns outros livros também foram
atribuídos a ele, entretanto, não os citaremos, uma vez que ou já foram discutidos
em obras mais completas ou a atribuição de sua composição à Mulla Sadra foi
negada pelos historiadores.
Uma das questões que levantou discussões a respeito dos livros de Mulla
Sadra é o tempo e o lugar de sua composição. A maioria de seus livros não
chegou a ser datada, e, para saber sobre isso, temos que recorrer a documentos
e evidências. Por exemplo, as datas de composição de alguns de seus livros
podem ser inferidas em seu “Al Mabda wal Ma'ad”, no “Al Hashr” e nas
interpretações das suras do Alcorão.
O “Al Mabda wal Ma'ad”, foi escrito em 1019 (hij.), a “Interpretação
do Ayat al Kursi” por volta de 1023 (hij.), “Kasr Al asnam” em 1027 (hij.),
“Iksir al Arifin” em 1031 (hij.), o “Tratado de Al Hashr” em 1032 (hij.),
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As Obras de Mulla Sadra
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A Escola de Pensamento de Mulla Sadra: A Filosofia Transcendente
1. Raízes
Por essa razão ele foi chamado de “O Segundo Mestre”. Farabi também es-
creveu vários livros e comentários sobre as questões filosóficas de sua época.
Depois de Farabi, alguns outros filósofos surgiram, contudo, nenhum
deles foi tão versado como Ibn Sina (Avicena – 370 - 428 (hij.)). Ele foi
um gênio, e isso contribui para que fundasse uma escola de filosofia, com
base nos limitados princípios de Aristóteles, ainda em sua juventude. Essa
nova escola era muitíssimo superior à de Aristóteles (que foi conhecida
por meio de suas obras traduzidas) devido a sua profundidade de aborda-
gem, sua perspectiva monoteísta e a pluralidade das questões que discutia.
Foi em razão dos esforços de Ibn Sina que a filosofia aristotélica1 alcançou
o seu zênite. No início de seus estudos, Ibn Sina não deu atenção à filosofia
iluminativa. Em sua época, o clima político do vasto território islâmico
estava em grande turbulência.
Com a chegada dos abássidas ao poder e a cruel repressão aos xiitas, e,
particularmente, a tortura e o assassinato de suas lideranças, um movimento
secreto surgiu, conhecido por Batiniyyah (Esoterismo). A ideologia desse
movimento se baseava no Alcorão e nos ahadith narrados pelo Profeta e por
seus descendentes. Seus seguidores, além de serem conhecedores tanto da
filosofia aristotélica como da filosofia iluminativa, realmente acreditavam
no sofismo e sustentavam ideias semelhantes às de Pitágoras e Hermes. Eles
tentaram propagar suas opiniões pelo raciocínio filosófico e lógico. Podem
ser considerados os preservadores do conhecimento de diferentes períodos da
filosofia entre os muçulmanos. Exemplificando esses trabalhos de propaganda
há uma série de tratados reunidos no chamado de “Rasa'il Ikhwan Al Safa'”,
que é uma simples e concisa coletânea de questões relacionadas à filosofia e
às outras ciências. O título desse trabalho era um termo que ocultava a seita
e seus seguidores.
O governo que apoiou as lideranças no Irã e no Iraque (a dinastia dos
turcos seljúcidas, com o ministro de Khwajah Nizam Al Mulk) se opôs se-
2. Entre os filósofos da era moderna, afirma-se que Hegel foi o pensador capaz de desenvolver
uma escola independente de filosofia. Infelizmente, o sistema hegeliano implica uma série
de contradições que destroem sua ordem, portanto, não pode ser considerado um sistema
filosófico perfeito.
3. Tradição.
4. Termo que designa o Profeta Mohammad (S.A.A.S.), sua filha Fátima Azzahra, seu marido
Imam Ali ibn Abi Taleb, seus filhos Hassan e Hussein e os demais sucessores da família.
Traduz-se literalmente como “Povo da Casa”.
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A Escola de Pensamento de Mulla Sadra: A Filosofia Transcendente
5. Mulla Sadra foi inspirado por um dos versículos do Alcorão ao formular sua famosa teoria
do movimento transubstancial. Ele também recorreu a outros versículos em outras obras.
51
A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
3. Metodologia
fonte de inspiração para Sadra. Ele teve êxito (por meio disso) em descobrir
determinadas realidades que não estavam acessíveis a outros.
A mais importante característica de Sadra; a qual raramente é encontrada,
mesmo nos filósofos ishraqi, é sua confiança na intuição, na descoberta ou na
percepção das realidades do mundo; também sua capacidade em solucionar
os complexos problemas filosóficos através da prática ascética e devocional,
conectando o mundo além da matéria e o sentido, que ele acreditava ser o sen-
tido verdadeiro. Não obstante, ele não entendia ser o suficiente nem emitia um
julgamento definitivo sobre isso aos outros; sua metodologia visava revestir
as realidades que havia descoberto pela intuição, realidades que estavam antes
ocultas sob o raciocínio lógico, utilizando um tipo de racionalização que dispu-
nha de uma terminologia comumente usada na filosofia aristotélica. O próprio
Sadra se referiu a esse método original na introdução do “Asfar”.
Como mencionamos antes, ele apresentou aquelas teorias e ideias de seus
predecessores (tanto os pré-socráticos como os que surgiram depois dele) as
quais também possuíam um aspecto intuitivo, e que não haviam assumido uma
natureza inferencial dentro do modelo dos problemas comuns da filosofia (ou
aristotélico), então propunha uma série de argumentos e raciocínios para elas.
Mulla Sadra preferia chamar sua escola de pensamento de “escola de sabedoria”
em vez de “filosofia”. Escolheu, pois, o nome de “Sabedoria Transcendente”.6
A razão para isso, primeiramente, é que a sabedoria possui um registro his-
tórico excepcionalmente longo, e supõe-se que seja o mesmo do que se chamava
de “Sophia” no passado. Em segundo lugar, outrora, a sabedoria consistia de um
vasto campo de conhecimento que abrangia todas as ciências naturais e matemá-
ticas, e possuía uma perspectiva universal que era mais ampla do que aquela dos
sábios modernos. Em terceiro lugar, a sabedoria foi freqüentemente louvada no
Alcorão e no hadith, enquanto não há qualquer referência nessas fontes à filosofia.
O ponto sutil aqui é que podemos empregar a sabedoria como uma ponte
entre a filosofia e a gnose, que são campos totalmente diferentes do conhecimen-
to. A sabedoria era a chave secreta de Mulla Sadra, para ter acesso e domínio
6. Esse termo foi utilizado anteriormente como um adjetivo nas obras místicas de Ibn
Sina e Qaysari, o famoso comentarista do “Fusus” de Ibn Arabi. Mulla Sadra utilizou-o
formalmente como título de seu grande livro.
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A Escola de Pensamento de Mulla Sadra: A Filosofia Transcendente
56
Ontologia
Ontologia
1. Originalidade da Existência
Mulla Sadra ilustra sua teoria referindo-se a brancura no caso dos objetos
brancos, e diz que quando alguém qualifica um pedaço de papel, que não é
idêntico à brancura, mas, coincide a ela, como brancura, e diz que “é branco”,
a brancura, em si, é anterior e mais merecedora do atributo (brancura) do que
o papel, porque possui o atributo (já que é brancura por si só).
Ao ver o problema da quididade e da existência de outro ângulo, Sadra
afirma: às vezes, supomos uma quididade sem existência, isto é, ignora-
mos sua existência exterior (enquanto que não é o caso com a existência).
Em outras palavras, a quididade não é sempre concomitante com a realização
no mundo objetivo; assim sendo, é a existência que é principal e necessária
para a realização das coisas e dos existentes. E é, ainda, a nossa mente que
abstrai a quididade do existente exterior e a apresenta: “Individuações são coisas
mentalmente apresentadas como verdades”.
O problema da originalidade da existência possui uma longa história.
Um estudo das ideias dos filósofos ishraqi do antigo Irã e dos filósofos pré-
-aristotélicos revela que esse princípio era conhecido no passado como uma
teoria grosseira (ainda mal explicada); e que eles consideravam a existência
como o elemento original que possuía uma realização exterior. Naquela época,
não se falava em quididade a não ser enquanto objeto, matéria ou elemento
do mundo. A importância da exposição dessa questão na filosofia de Sadra foi
declará-la em termos práticos, demonstrá-la por meio de vários argumentos
filosóficos racionais que eram peculiares a ele e responder aos argumentos de
seus opositores.
A demonstração filosófica da originalidade da existência criou uma
revolução na filosofia elevando-a a posição sublime que realmente merecia.
Ademais, à luz desse princípio, Sadra foi capaz de pavimentar o caminho para
a solução de alguns problemas bastante complexos. Por séculos, a filosofia
aristotélica havia acuado o campo do conhecimento filosófico no caminho da
perversão ao tomar como ponto central nas discussões o existente em vez da
existência; da mesma maneira que a astronomia de Ptolomeu havia feito com
a terra (imaginando-a como o centro do universo), o que havia criado algumas
complicações para a ciência astronômica.
A importância do papel central da existência em lugar do existente foi
o mesmo ponto descoberto no ocidente, quatro séculos depois de Sadra, por
61
A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
Heidegger, que baseou sua filosofia na de Mulla Sadra1, embora jamais tenha
conseguido estabelecer seu ideal numa forma completa.
Nos últimos dois séculos, alguns pensadores categorizados sob o título do
“existencialismo” se tornaram famosos na Europa. Cabe enfatizar que o termo
“existência” na obra desses pensadores (exceto na filosofia de Heidegger) assume
um sentido inteiramente diverso e distante do termo “wujud” ou da originalidade
do wujud (existência) usado na filosofia islâmica e na filosofia de Sadra.
Uma das distinções nesse ponto é que na Europa somente se dava atenção
a existência humana. Essas escolas, apesar de suas diferenças importantes,
compartilhavam de algumas características. Segundo os seguidores do existen-
cialismo, a existência é anterior à quididade, porém, por “existência” queriam
dizer a noção vulgar e convencional que todas as pessoas têm em mente. Além
disso, por “posteridade da quididade”, o que queriam dizer é que o homem,
devido ao seu livre-arbítrio, por toda a sua vida, dá forma a sua “quididade”
criando a si mesmo, e ainda, que essa quididade tem a ver com a sua morte, a
qual é a quididade do homem na sua forma última.
Por conseguinte, fica evidente que a quididade que tinham em mente não
era igual à quididade filosófica; estavam se referindo à personalidade humana.
As reações do homem aos dilemas da vida e às ansiedades, temores, tristezas e
sofrimentos pessoais, que demonstram a existência e formam sua personalidade
(como também a quididade em suas palavras).
Nesse tema, as palavras de Heidegger soam, até certo ponto, familiares.
Todavia, podemos dizer que ele não buscava conhecer a existência, buscava
uma questão ambígua que difere da existência na gnose e na filosofia islâmica;
e que, em comparação àquilo que a filosofia de Sadra propagava, é muitíssimo
primitiva e incompleta, carregando uma série de imperfeições importantes.
Mulla Sadra não considerou suficiente a importante tarefa de demonstrar a
originalidade da existência e sua natureza abstrata. Empenhou-se em formular
alguns princípios para isso pela aproximação das filosofias islâmica e Ishraqi,
e também pela comprovação da teoria em termos filosóficos. Buscou igual-
mente demonstrar que a existência possui graus (em sua difusão) em termos
de unidade, simplicidade, força, etc.
2. Gradação da Existência
20 = 18 + 2 18 = 20 - 2
2. Mulla Sadra demonstrou mediante uma análise filosófica sutil que a existência do Ser
Necessário é fundamentalmente diferente da existência das coisas contingentes.
66
Ontologia
3. Uma vez que a existência para o Ser Necessário, não exige uma demonstração lógica, e
segundo o princípio filosófico do “essencial não necessita de uma causa”, o conceito do
Ser Necessário é concomitante com a existência.
67
A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
Esse princípio se baseia na lei que diz que a existência é “verdade” simples
e absoluta, e toda coisa simples e absoluta possui todas as perfeições existen-
ciais, e toda e cada existência está contida nela. Por conseguinte, primeiro, a
realidade externa da existência (não seu conceito mental) não pode ser mais
do que uma coisa (única e una). Em segundo lugar, não há nenhum sentido em
seu não-ser pré-eterno, e tendo entrado na existência a partir da não-existência
(todo existente requer um criador). Em terceiro lugar, a existência de todos os
existentes não está separada daquela da própria origem dos existentes, neces-
sita dela e se sustenta dela. Em quarto lugar, é absoluta, pois é impossível que
algo que seja chamado de origem, essência ou realidade da existência possa
ter limites ou contornos, pois não seria então absoluta nem abrangente. Isso
porque limites e contornos são sinais de dependência, e o absoluto e o perfeito
prescindem de tudo.
Assim sendo, uma existência, de cuja luz todos os existentes adquiram
a condição de existir, é absoluta e isenta de não-existência ou imperfeição; e
não podemos, ainda que em nossa mente, vê-la como algo composto (de sua
própria existência e a não-existência de outros). Por exemplo, se considerarmos
a existência absoluta e original como sendo A, e os demais existentes como B,
devemos dizer A ⊂ B e não A= ~ B, já que nesse caso seria composta de A+ ~ B,
o que é uma contradição. Pois a primeira existência é suposta existência simples
e absoluta não podendo ser composta ou não-absoluta, isto é tendo limites.
A existência absoluta ou o criador dos outros existentes deve logicamente
possuir todas as perfeições existenciais, e ser livre de qualquer sinal de não-
-existência e imperfeição. Considerando-se que a composição significa imper-
feição e não-existência absoluta.
Então, quando essa existência (A) não é composta de A e o oposto de B,
seu oposto, A= B deve ser verdade, e isso quer dizer que todo existente simples
(não-composto) “inclui todos os existentes”.
Mulla Sadra ilustra esse ponto dizendo que se supormos uma linha in-
finita que tenha existência, ela será superior a todas as linhas curtas e longas
no sentido de ser uma linha, pois, enquanto possua unidade, conterá todos os
aspectos das outras (em seus aspectos existenciais) sem sofrer suas limitações
(imperfeições).
Esse princípio de modo algum indica que a essência do Ser Necessário
seja a mesma que a de todas as coisas e existentes, ou que todos os existentes
possam se conduzir de volta a sua essência. O princípio afirma, antes, que
uma vez que existam em todos os existentes alguns aspectos existenciais e de
características perfeitas, também existem aspectos negativos e imperfeitos.
Todos os aspectos existenciais e perfeitos que foram obtidos da Teofania da
Essência principal ou do Ser Necessário existem Nele (em Sua Essência) numa
forma simples e única, sem que haja qualquer traço de aspectos negativos ou
imperfeições. E uma vez que a objetividade (de uma coisa) e a verdade de
uma coisa se devem a seu aspecto existencial, e desde que a imperfeição é o
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
4. Possibilidade de Indigência
4. Kant acreditava que empregar tal existência em proposições é um erro e dizia que quando
a existência é o predicado da proposição, nada é acrescentado ao sujeito. Mulla Sadra tinha
respondido a essa objeção cerca de dois séculos antes, e argumentado que a existência cria
o sujeito em tal proposição e revela a afirmação do sujeito e não a afirmação do predicado
para o sujeito.
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Ontologia
5. Na filosofia islâmica, a causa é dividida em perfeita e imperfeita. Uma causa perfeita cria
o efeito sem qualquer mediação de outra coisa; uma causa imperfeita é a que, na verdade,
é parte da causa e cria o efeito através da contribuição de outros fatores. Por exemplo, não
podemos considerar os pais como sendo a causa perfeita da existência de uma criança.
(De modo semelhante) todos os atos humanos dependem de uma série de condições e da
ausência de obstáculos.
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Ontologia
5. Movimento na Substância
Sendo, pois, impossível que a causa fosse separada do efeito (de outra maneira
não poderia haver relação causal) e é absurdo que o efeito, que é, na realidade,
a manifestação da existência da causa, seja superior a causa.
Podemos também observar um tipo de coordenação ou unidade com-
portamental entre esses quatro acidentes (movimentos), que é por si só
uma prova para a sua harmonia e unidade com a essência ou substância.
Por exemplo, o crescimento de um fruto (que é um movimento quantitativo)
normalmente resulta em mudanças em sua cor e sabor (que é um movimento
qualitativo). Os atributos de um corpo não estão separados de sua essência.
Assim, como é possível que o movimento esteja numa coisa e, ao mesmo
tempo, não esteja?
Essa questão tem uma longa história na forma puramente teórica (e sem
uma racionalização), existiu nas escolas filosóficas do antigo Irã e da Grécia.
Heráclito, originário da Ásia Menor, acreditava no movimento contínuo e
permanente da natureza e tinha uma famosa afirmação relacionada a essa
questão: “Você nunca poderá atravessar o mesmo rio ou cheirar a mesma flor
duas vezes”.
Fez-se referência a esse movimento permanente ou existência intermitente
na gnose islâmica em questões como “a criação contínua” ou da “renovação
dos similares (criaturas)”, e vários ensinamentos morais e educativos foram
extraídos disso. A teoria da existência intermitente declarava que, como a
pulsação e o coração, o mundo bate (pulsa), e tinha sido exposta aos sofistas
muçulmanos através da inspiração (espiritual) e da intuição, e eles a chamaram
de “estado”. Alguns acreditavam que essa teoria também tinha sido registrada
na filosofia chinesa ou na escola de Xen6.
Todavia, do ponto de vista da filosofia aristotélica, o movimento na subs-
tância é tão indemonstrável que, embora o gênio supremo de sua época, Ibn
Sina, que considerou tal movimento impossível, tivesse suposto a existência
desse movimento na substância do movimento, sua quididade se transformaria
em outra, e como resultado, sua identidade ou essência também se transformaria.
6. Isutsu, T., em seu livro “Criação Contínua” afirma que o Mestre japonês Kai ((1042-
1117 d.C.) tinha algumas afirmações que se referiam as mesmas ideias dos filósofos
muçulmanos e de Heráclito.
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Ontologia
Semelhança e Concordância
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
6. O Amor
8. Kenneth Ford chama o movimento dos elétrons de “dança da energia”. Capra (em
“O Tao da Física”), ao referir-se a questão, cita de um monge tibetano que todos os
objetos são massas de átomos que “produzem sons e canções por meio de suas danças
e movimentos”. No Alcorão Sagrado, para dizer que todas as partículas do universo
“recordam e glorificam” a Deus, o termo (tasbih - glorificar), que possui um sentido
amplo, é empregado. Na literatura gnóstica persa, se diz que todas as partículas do
universo dançam e regozijam.
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Ontologia
7. A Ideia Platônica
filosofia iraniana antiga a Ideia de cada objeto era chamada por seu próprio
nome. Por exemplo, ele haviam escolhido os termos “khardad” para água,
“mordad” para árvore e “Hum-e Izad” para a planta sagrada Hum (khordad,
mordad e hum eram nomes de anjos).
Portanto, as Ideias platônicas devem ser consideradas como indivíduos de
uma espécie ou a criação primária progenitora de cada uma das espécies, sendo
que as coisas deste mundo material são os demais elementos dessas espécies
que, em virtude de estarem presos à matéria e às suas limitações, se transfor-
maram em existentes mais débeis e imperfeitos.9 Mulla Sadra acrescenta que,
do ponto de vista da originalidade da existência (e de sua graduação), não há
qualquer problema que alguns indivíduos de uma espécie sejam mais fortes e
mais aperfeiçoados do que outros da mesma espécie. Segundo Sadra, tais ideias
não são padrões ou modelos para os indivíduos, mas, apenas seus análogos.
Para demonstrar filosoficamente essa teoria, ele propôs alguns argumentos
no “Al Asfar” e no “Al Shawahid”.
Uma das deduções fundamentais da teoria das ideias é a definição
ontológica do universal. Os aristotélicos abandonaram a questão do universal
por uma noção na qual apenas a faculdade intelectual é capaz de percepção, e
alguns deles, quando se dedicavam a solução de um problema, esquivavam-se
completamente da argumentação, e acreditavam que o universal de cada coisa
consistia de abstração mental em relação aos objetos externos das caracterís-
ticas individuais ou de algo em particular. Ou seja, por meio da limitação das
distinções entre as espécies e indivíduos, alguma coisa chamada universal
é obtida. Nessa interpretação, o “universal” é um conceito irreal, abstrato e
puramente mental. Mesmo os nominalistas (filósofos da Idade Média euro-
péia) não achando suficiente dizer isso, chamaram os conceitos universais de
homônimos (para eles, cada universal, semelhante a um homônimo, era um
termo usado vulgarmente para indicar sentidos diferentes) e deram as costas
à filosofia iluminativa.
9. Na escola de Mulla Sadra, toda quididade cuja existência e realização não exigem
o processo de gradação de potência e ação, e que seja um existente real, será uma
existência perfeita. Entretanto, nem todos os existentes e indivíduos de cada espécie são
dessa maneira, e assim, devem atravessar o processo gradual de aquisição de perfeição
na existência.
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Ontologia
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Epistemologia
Epistemologia
1. Existência Mental
que dedicou um capítulo independente à existência mental em sua obra, foi Fakhr
Razi, o famoso teólogo iraniano (em seu “Al Mabahith al Mushriqiyyah”).
Na introdução desse livro, ele afirma ter sido inspirado pelas ideias dos filósofos
predecessores para escrevê-lo.
A questão da existência mental possui dois aspectos. Por um lado, tem
uma dimensão ontológica, uma vez que é um tipo de existência que se debilitou
consideravelmente e perdeu as características e efeitos da existência exterior.
No entanto, por sua vez, e não em oposição à existência exterior, é uma exis-
tência exterior (já que o homem, sua alma e sua mente possuem tal existência),
embora, quando em contraste com um existente exterior objetivo, é chamada
de existência mental.
Por outro lado, é uma questão epistemológica ao tratar da formação
do conhecimento e da consciência no homem, e da relação deste com o
mundo externo.
Na filosofia ocidental, a epistemologia é separada da ontologia e surge num
horizonte diferente, tanto que, a menos que o problema do conhecimento esteja
esclarecido, não permanecerá nenhum contexto para a ontologia. Entretanto,
essas duas disciplinas até certo ponto foram mescladas na filosofia islâmica,
em que o conhecimento do homem se relaciona com o conhecimento da exis-
tência. Nas discussões filosóficas sistemáticas a epistemologia surge antes da
ontologia e das demais questões, e é considerada como preâmbulo delas. Mulla
Sadra discutiu o tópico do conhecimento - do qual a existência mental é uma
parte - em diferentes passagens em considerações filosóficas específicas. Men-
cionaremos uma parte dessa questão na discussão da unidade do conhecedor,
do conhecido e do conhecimento.
A questão da existência mental pode ser examinada como uma conexão
entre a ontologia e a epistemologia, esclarecendo a relação do homem e o
mundo. A questão da correspondência entre o mundo exterior e a mente é
apresentada e analisada nessa parte. A maior parte dos filósofos muçulmanos
crê que aquilo que é formado na mente é a própria essência ou quididade e não
uma imagem, de modo que se uma quididade se referir a um existente exterior
e, na realidade, pertence à categoria do conhecimento, será a mesma quididade
do objeto exterior que foi transferida à mente sem sua existência objetiva ou
efeitos externos.
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Epistemologia
1. Al Asfar.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
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Epistemologia
Uma combinação das duas relações nos leva a conclusão de que o conhe-
cedor e o conhecido compartilham da mesma existência, formam uma unidade.
3. As Percepções Humanas
Percepção Sensorial
1) Esse primeiro estágio consiste no reflexo de fatos exteriores por meio dos
cinco sentidos. Ele concebe esse estágio como o efeito ou o reflexo da imagem
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Epistemologia
num negativo, e sustenta que é imperfeito e inferior para que seja chamado
de percepção ou que resulte em conhecimento para o homem. Constitui-se de
uma série de sinais (códigos) que criam uma imagem indistinta no cérebro.
Esse estágio é somente o meio caminho para a percepção, e os empiristas,
que comparam o reflexo nos sentidos à percepção, julgam-no suficiente para acei-
tar algo como real, assim, não podem negar o processo completo de percepção.
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Epistemologia
seus limites e definições, sempre que temos acesso à quididade de alguma coisa
através do conhecimento adquirido, passamos a conhecê-la. Todas as qualidades
primárias e secundárias, as quantidades, atributos e estados dos objetos podem
ser encontrados na quididade, e percebidos por meio dos sentidos.
Mulla Sadra não nega o erro dos sentidos, contudo, crê que aquilo que é
conhecido, como é o caso do erro dos sentidos, na realidade, é um erro no ato de
estabelecer correspondências ou julgamentos. Ele sustenta que a faculdade estima-
tiva humana interfere nos julgamentos, e leva o indivíduo a cometer erros. O erro
é uma questão excepcional que diz respeito àqueles que sofrem de deficiências
intelectuais, e não prejudica o princípio universal da verdade das percepções.
A imaterialidade da imaginação ou da percepção imagética foi discutida em
outra passagem, assim sendo, reafirmaremos resumidamente o ponto de vista de
Sadra sobre a percepção intelectual ou percepção dos universais. Percepção intelec-
tual significa a presença da forma universal de qualquer inteligível diante da mente.
O inteligível, que é aquilo que a mente humana percebe universalmente
(de forma abstrata e livre de qualquer relação) se divide em três grupos: inte-
ligíveis primários, secundários filosóficos e secundários lógicos.
Os inteligíveis primários consistem em princípios universais ou fatos
conhecidos que são abstraídos ou inferidos dos objetos e fenômenos exter-
nos, tais como os princípios das ciências naturais (a física, a química, etc.).
Os inteligíveis aristotélicos são desse tipo.
Os inteligíveis secundários são as formas ou questões universais que são
abstraídas dos particulares, tais como os indivíduos e objetos. Quando exami-
namos esses inteligíveis, às vezes nos deparamos com certas questões comuns e
universais. Por exemplo, eles são causas ou efeitos, ou são individuais ou múl-
tiplos, potenciais ou atuais. Além disso, podem consistir em atributos universais
que qualificam os objetos fora da mente. São chamados de secundários filosóficos.
Há também alguns outros inteligíveis secundários cujo receptáculo de quali-
ficação é a mente, como no caso da abstração universal e o estado particular, que
são chamados de inteligíveis secundários lógicos. Existe uma relação linear entre
essas percepções, incluindo o sentido e as percepções intelectuais, e seus graus
podem ser assemelhados aos graus da temperatura da água. Os graus dessa linha
são diferentes dos graus fixos de uma régua, e, na realidade, representam um tipo
de flutuação nos atos psicológicos que indicam a ascensão ou descenso da alma.
Esses inteligíveis foram explicados e demonstrados em várias obras filosóficas.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
4. A Imaginação Imaterial
2. Isso por que, como o corpo, a alma possui certos sentidos, como a visão. O homem pode
então experimentar e adquirir certeza sobre a realidade da alma durante o sonho ou no
momento da morte.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
De acordo com a teoria dos três mundos (dos sentidos, das ideias e dos
inteligíveis) com a qual Mulla Sadra concorda, e com base no princípio da
correspondência entre as três faculdades perceptivas do homem e esses três
mundos, ele crê que a alma humana penetra no mundo dos sentidos através da
percepção dos elementos, no mundo das ideias através da percepção imagética
e no mundo dos intelectos através da percepção dos universais e inteligíveis.
Na opinião de Sadra, as formas imagéticas são de dois tipos:
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Alma - Escatologia
Alma - Escatologia
2. Metafísica da Morte
2. Podemos supor que seja algo como o DNA ou outra coisa semelhante, porém, desconhecida.
3. No Alcorão Sagrado, a morte do homem foi retratada de modo semelhante à hibernação
vegetativa.
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A Filosofia Transcendente de Mulla Sadra
3. Ressurreição
4. Nos termos da Física, a antimatéria dominará a matéria e a presente matéria do mundo será
destruída.
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Alma - Escatologia
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Hermenêutica
Hermenêutica
Por outro lado, Mulla Sadra como alguns sofistas, considerou que a
linguagem de Deus é um de Seus Atos, já que, como está escrito no Alcorão,
quando Deus deseja algo, Ele ordena “Seja” e o que deseja passa a “ser”. Assim,
essa linguagem é chamada de “tornar-se existencial” o que pode ser o mesmo
sentido de “Logos”. Portanto, Deus emprega a “linguagem existencial” para
a criação, e a linguagem comum ou convencional para falar com as pessoas.
Podemos deduzir desse ponto que, de modo geral, a interpretação da lin-
guagem de Deus implica a interpretação dos fenômenos do mundo também.
Mulla Sadra combinou a hermenêutica filosófica com a hermenêutica tradi-
cional do Livro Sagrado três séculos antes de Heidegger e outros filósofos, e
podemos conceber sua filosofia de interpretação como uma ponte preenchendo
um desfiladeiro entre essas duas escolas de pensamento.
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Conclusão
Conclusão