Etnografia Etnografias Ensaios Sobre A D PDF
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F393 Feriani, Daniela Moreno, Org.; Cunha, Flávia Melo da, Org.; Dulley, Iracema, Org.;
Etnografias, etnografias: ensaios sobre a diversidade do fazer antropológico. /
Organização de Daniela Feriani, Flávia Melo da Cunha e Iracema Dulley.
Apresentação de Guita Grin Debert - São Paulo: Annablume; Fapesp, 2011.
222 p. 14 x 21 cm.
ISBN 978-85-391-0318-8
CDU 572
CDD 301.2
Produção e Finalização
Coletivo Gráfico Annablume
Capa
Carlos Clémen
Conselho Editorial
Eduardo Peñuela Cañizal
Norval Baitello junior
Maria Odila Leite da Silva Dias
Celia Maria Marinho de Azevedo
Gustavo Bernardo Krause
Maria de Lourdes Sekeff (in memoriam)
Pedro Roberto Jacobi
Lucrécia D’Alessio Ferrara
Apresentação................................................................................... 9
Guita Grin Debert
Etnografias do ciberespaço
O universo simbólico neonazista na Internet: breve relato de
uma experiência etnográfica...................................................... 23
Adriana Dias
‘‘Não leve o virtual tão a sério’’? – uma breve reflexão sobre
métodos e convenções na realização de uma etnografia do e
no on-line................................................................................... 43
Carolina Parreiras
Glossário........................................................................................ 59
Adriana Dias e Carolina Parreiras
Etnografias da justiça
Escolhas metodológicas e etnografia em um campo de
interlocução entre antropologia e direito................................... 65
Daniela Moreno Feriani
Da investigação policial à investigação antropológica: da
proximidade e do distanciamento na pesquisa antropológica..... 87
Flávia Melo da Cunha
Etnografias da arte
Um picadeiro na Praça Roosevelt – Os Parlapatões, Patifes e
Paspalhões................................................................................ 109
Cauê Kruger
Etnografia, mediação e relações interculturais: entre o geral e o
particular na produção de ‘‘músicas do mundo’’....................... 139
Paulo Ricardo Müller
Etnografias do colonial
A missão de um ponto de vista relacional: um ensaio para a
apreensão da prática a partir dos documentos......................... 163
Iracema Dulley
Visões do campo sobre o arquivo (e vice-versa)........................... 189
Marcelo Moura Mello
Como qualquer etnografia: fundamentos para uma etnografia
dos documentos escritos........................................................... 201
Olivia G. Janequine
Os autores.................................................................................... 217
Apresentação
Adriana Dias
Introdução
1. Entende-se que o termo Internet engloba tanto a estrutura técnica da rede (servido-
res e dados) quanto aos usos dessa estrutura (Di Maggio et al, 2001).
2. O ponto de partida para a localização destes sites foi a lista “Os 500 melhores sites
Nacional-Socialistas”. A partir dos mesmos, por meio de seus links, era possível
identificar dezenas de outros. Criei um banco de dados em Access para cadastrá-
los. Nesse banco de dados, além da URL principal do site, foram registrados dados
de acesso, temas abordados e links que os sites estabeleciam. Esse banco de dados
foi disponibilizado, em sua primeira versão, com cerca de 8.500 sites durante a
defesa de minha monografia de conclusão de curso, em CD.
24 etnografia, etnografias
3. Saliento que minha participação nos sites e comunidades neonazistas se deu como
observadora (nunca postei nestas comunidades) e que os sites em questão foram
apresentados como “referência” nas discussões observadas, como fonte “do melhor
material nacional-socialista”.
4. Rede Social se refere à forma de apresentação hipermediada. São exemplos o
Orkut, o Facebook, o LinkedIn, entre dezenas de outras. Há opção para língua
portuguesa em apenas um terço delas.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 25
ciais e nos milhões de blogs que se espalham pela WEB, novos tipos
de sociabilidades e novas práticas comunicativas se tornaram objeto
da atenção dos pesquisadores antropológicos.
Mobilizando temas de interesses diversos, esses grupos ofere-
cem para a apreensão antropológica várias questões, inclusive con-
ceituais: uma comunidade virtual pode ser pensada no mesmo sen-
tido em que usaríamos o termo comunidade em outra situação de
campo? Como as questões de poder se manifestam na rede? O que
é uma identidade virtual? Como a Internet, um “artefato cultural”,
preenchido, portanto, de uma elástica dimensão simbólica, remodela
as experiências?
Muitos teóricos têm se preocupado em teorizar o quão “ociden-
tal” são as implicações das novas tecnologias da comunicação para
pensar, inclusive, como poderiam ser realizadas etnografias no ci-
berespaço.5 Um dos termos mais utilizados, “etnografia virtual”, foi
amplamente discutido por Christine Hine (2005)6 para pensar di-
ferentes aproximações metodológicas para o estudo qualitativo da
Internet. Hine discute a relação entre pesquisador e pesquisados, tra-
çando especificidades impostas pelo meio virtual; segundo a autora,
a ideia é “interrogar o método tradicional”, afinal, argumenta ela,
“numa reflexão sobre se uma entrevista virtual pode ser considerada
uma verdadeira entrevista, nós também podemos pensar mais pro-
fundamente sobre o que é que temos valorizado como metodologia
no que se refere a entrevistas” (idem: 10).
5. Cf. Escobar, 1994; Hakken, 1999; Miller e Slater, 2000. As ideias de “etnografia vir-
tual” (Hine, 2000, 2005 e 2006; Williams, 2005 e 2006; Mayan I Planells, 2006),
de etnografia do ciberespaço (Hakken, 1999; Dimaggio et al, 2001), de etnografia
por meio da Internet (Beaulieu, 2004) e de ciberetnografía (Escobar, 1994) dese-
jam problematizar especificidades das interações hipermediadas, o uso de ferra-
mentas particulares para obter e sistematizar dados, as definições imersas em alto
grau de complexificação de “território virtual” e “temporalidade digital”, objeti-
vando, finalmente, refletir como a experiência do investigador e sua relação com
o objeto de estudo afetam os agentes analisados. No Brasil dois trabalhos impor-
tantes são os de Daniela Araújo (2004), a respeito dos blogs de meninas anoréxicas
e bulímicas e o de Carolina Parreiras (2008), a respeito das relações interpessoais
estabelecidas em uma comunidade da rede social Orkut composta por homens que
se relacionam afetiva e sexualmente com outros homens.
6. Em duas de suas obras principais: Virtual Methods: Issues in Social Research on
the Internet (2005) e Virtual Ethnography (2000). Um resumo de sua pesquisa
foi apresentado em 2006, durante o III Congreso Online del Observatorio para la
Cibersociedad na conferência Virtual Ethnography.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 27
7. Geralmente, nas redes sociais, perfis são as descrições a respeito de si mesmos que
os participantes disponibilizam para os outros internautas. Em algumas comuni-
dades, os perfis podem ser restritos a contatos pré-determinados. Os avatares são
os desenhos gráficos (personagens) que servem como representação do internauta
nas redes sociais.
28 etnografia, etnografias
9. O autor recordou: “Não é a primeira vez na história que uma nova tecnologia de
informação tem alterado as regras para gerenciar o conhecimento (...)[;] não
podemos abrir mão do fato de que devemos compreender a estrutura para con-
seguirmos dar continuidade à operação (...)[;] temos que possuir conhecimento
tanto sobre a forma como sobre o processo”. (Siding-Larsen, 1984 apud Hakken,
2001: 15-16.)
10. Este termo é presente em todos os sites pesquisados, muitas vezes em cada URL.
As citações específicas, oriundas dos sites analisados, seguem as seguintes siglas:
14W (14 Words), disponível em: http://panzergirl.blogspot.com/, último acesso
fevereiro de 2009; AARG (Aaargh, Revisionismo da II Guerra Mundial, Campaign
For Radical Truth In History), disponível em: http://www.vho.org/aaargh/port/
port.html e http://rhistorico.tripod.com/, último acesso fevereiro de 2009; FE
(Filhas Da Europa), disponível em: http://www.hijasdeuropa.tk/, último acesso
fevereiro de 2009; HLOBO (blog de um internauta de nickname Homem Lobo),
disponível em: http://www.homemlobo.blogspot.com/, último acesso em maio
de 2008; NA (National Alliance), disponível em: http://www.natvan.com/in-
dex.html, último acesso fevereiro de 2009; NAr (Nações Arianas), disponível em:
http://www.aryannations.org/index.html, último acesso em fevereiro de 2009;
NON (Nuevorden), disponível em http://www.nuevorden.net/, último acesso
30 etnografia, etnografias
“alemão ou germano” (FE, V88, NON), ainda que isto não signifi-
que, necessariamente, nenhum vínculo de ascendência com a nacio-
nalidade alemã) e a maneira peculiar como narram o mito de Thor.
Ambos são largamente utilizados nos sites, associados, para empres-
tar legitimidade à ideia de que há uma “nova Germânia” (NON, FE,
V88, STO, NA) a ser construída, um teutonismo a ser atualizado, um
“povo alemão” (todos os sites) a ser resgatado. Esta reconstrução,
esta atualização e este resgate, defendem os sites e os participantes
das comunidades e fóruns, dependem do “reconhecimento do mito
pelo sangue” (V88) e da “ativação do sangue pelo mito” (V88). Ex-
plicando de maneira simples, os neonazistas na rede defendem que
todo verdadeiro “ariano” é portador “do grande sangue alemão” (to-
dos os sites), interessando apenas que este sangue seja oriundo “de
países brancos, com menos de 1/32 de cromossomos não brancos”,
como nos informa o Voz de Odin, fórum do site Valhalla88. Numa
intricada mistura de termos biológicos e discurso religioso11, o san-
gue se faz presente nos rituais e nos mitos neonazistas, e os diversos
“informantes” desta etnografia descrevem “o sangue” como chave
para o “conhecimento social implícito”, que faz os agentes analisa-
dos nesta pesquisa “se moverem, sem saber exatamente por que ou
como”; para eles, é “o sangue” http://www.columbia.edu/cu/ealac/
gradconf/schedule.htm “aquilo que torna o real, real e o normal,
normal, e, acima de tudo, aquilo que torna as distinções éticas poli-
ticamente vigorosas” (Taussig, 1987: 344). Para apreender o exato
sentido “deste sangue”, é preciso não se excluir a função da lingua-
gem para representar a cosmologia (em que se incluem os mitos) nos
rituais, mas enfatizar a linguagem como instrumento de ação social
– nos sites, este sangue aparece sob diversas formas de linguagem:
ele está na cor vermelha das páginas, nos botões e links que revestem
12. Conforme cita Mariza Peirano, traduzindo o autor: “O ritual é um sistema cultural
32 etnografia, etnografias
da rede. Mas estes fatores não facilitam sua busca por serem proposi-
tadamente detidos pela densidade hipertextual e pela profundidade
de diretórios. Os sites são profundamente endogâmicos, há muito
mais links internos do que externos (o que confirma a ideia de que
na verdade são vários sites em um), e os externos apontam, em mais
de 95% das vezes, para sites neonazistas. Isto os torna visíveis para
outros sites da rede neonazista, o que reforça os vínculos entre eles.
Os sites reproduzem-se aos milhares e a grande maioria ocupa o es-
paço de dezenas deles. Os sites racistas são bastante acessados, mas
sua conectividade e visibilidade são reduzidas na rede como um todo
e muito maiores (duzentas vezes) se os retratamos na rede racista.
Interessa-me em particular o uso que os sites fazem dos links,
em especial os grandes sites de ativismo: NON, NA, AAARGH!, V88,
SG, FE, WAU, entre outros, com mais de 1500 URLs. Por que estes
trezes sites escolheram “aglomerar-se” em vez de ocupar o espaço de
quase trezentos, ou ainda de quase mil sites?
Um dos motivos, evidentemente, é desaparecer dos motores de
busca, que enumerarão, por sua lógica algorítmica interna, as pági-
nas mais acessadas e deixarão as outras milhares imersas na deno-
minada “web invisível” (e se acrescentarmos o fato de que cada URL
pode conter dezenas, muitas vezes centenas de laudas, estaremos fa-
lando em milhões). Mas se pensarmos que em cada uma destas URLs
há dezenas de links apontando para outras páginas do mesmo site, se
pudermos olhar cada link como uma relação, uma troca, um proces-
so profundo e essencialmente endogâmico se revelará diante de nos-
sos olhos. Se pudermos observar que os links externos, direcionados
a outros sites, são em sua maioria esmagadora vínculos a outros sites
do mesmo tipo, aparecem apenas na medida suficiente para gerar e
gerir a rede racista, sem contudo ser suficientes, na absoluta maior
parte das vezes, poderemos perceber que há uma modo de pensar
a arquitetura dos sites que é peculiar a este grupo . Peculiar não é
apenas sua escolha estética ou temática, mas a própria configuração
do código-fonte, peculiar na maneira como os links são organizados
e, portanto, como as relações dos sites entre si e na Internet são es-
colhidas ou ampliadas e/ou interditadas.
Outro exemplo de como as construções dos sites são direciona-
das revela-se na análise do elemento revisionista presente em todos
os sites neonazistas. Este elemento objetiva desacreditar a história do
holocausto, o uso das câmaras de gás, o número de mortes. O próprio
passado passa ser objeto da luta política dos sites: para eles, há o
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 37
Conclusão
Referências bibliográficas
Carolina Parreiras
1.
“Não leve o virtual tão a sério!” Não saberia dizer quantas ve-
zes, durante a pesquisa de campo, li esta frase. Em alguns momentos,
a palavra “virtual” foi substituída por “Orkut” ou mesmo “on-line”,
mas o sentido mais amplo se manteve: as relações estabelecidas via
internet não deveriam ser investidas de tanta importância. A justifi-
cativa principal dos enunciadores de frases desse tipo era de que a
internet e o ciberespaço constituiriam domínios separados do restan-
te da vida de cada um deles, uma espécie de acessório e espaço des-
tinado ao lazer, entretenimento e relações fugazes, sem permanência
ou qualquer reflexo nos momentos “reais”, estes sim, sérios e im-
portantes. Em contrapartida, ao etnografar uma comunidade on-line,
presenciei inumeráveis situações que desmentiam a afirmação acima
e mostravam o alto grau de imersão e investimento dos membros da
comunidade nas relações estabelecidas no virtual: desde brigas por
divergências de opinião, passando pelo surgimento de paixões e re-
lacionamentos sexuais e afetivos, até agressões e exposições da vida
off-line de alguns de meus informantes e da minha própria.
Considero exemplar nesse sentido a criação de uma comuni-
dade chamada “No Escuro5”, a qual se intitulava um “dark-room
virtual”, onde tudo poderia ser dito desde que anonimamente. Este
anonimato passou, então, a ser utilizado como veículo de difamação
e exposição de fatos da vida íntima de vários membros da Eper. As
práticas da “No Escuro” provocaram reações acaloradas, já que mui-
tos membros tiveram suas vidas expostas, com a revelação de fatos
íntimos, nem sempre verdadeiros, e foram alvo das mais diversas
ofensas, calúnias e agressões. Um dos argumentos mais utilizados
foi a divulgação da situação sorológica de participantes da Eper, su-
postamente portadores de HIV. Eu mesma fui envolvida através de
comentários que levantavam dúvidas quanto à seriedade da pesquisa
e especulavam sobre minha sexualidade.
Este exemplo deixa clara a existência de uma tensão constante
entre dois universos – on-line e off-line –, bem como alguns dos usos,
significações e ressignificações da internet, apropriada como meio
de estabelecer relações, buscar parcerias (amizade, sexo, romances,
contatos profissionais), revelar segredos e comportamentos de outro
5. Essa comunidade foi supostamente criada por membros dissidentes da Eper. Man-
tenho aqui o nome original, tal como aparece no Orkut.
46 etnografia, etnografias
6. Realizo esta discussão de forma mais aprofundada no artigo “Fora do armário...
dentro da tela: notas sobre avatares, (homo)sexualidades e erotismo a partir de
uma comunidade virtual”, publicado no livro Prazeres Dissidentes (Parreiras, 2010).
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7. Milne (2007) cita autores como Sherry Turkle e Mark Poster.
8. Destaca-se nessa vertente Steven Jones.
9. Milne fala especialmente de Byron Burkhalter e Elizabeth Reid.
50 etnografia, etnografias
2.
10. No texto em português, o termo foi traduzido como “culturas viajantes”, mas
acredito que seria melhor falar em “culturas em trânsito”, visto que está mais
coerente com a ideia que o autor deseja passar. Trânsito dá a ideia de mobilidade,
contingência, parcialidade. Falar em “viajantes” faz com que se percam as caracte-
rísticas de transitoriedade e movimento envolvidas nos encontros entre pesquisa-
dor e pesquisados. A afirmação de Clifford na conclusão desse texto é elucidativa:
Today I’ve been working, overworking, “travel” as a translation term. By “transla-
tion term” I mean a word of apparently general application used for comparison in
a strategic and contingent way. “Travel” has an inextinguishable taint of location
by class, gender, race, and a certain literariness. It offers a good reminder that all
translation terms used in global comparison – terms like “culture”, “art”, “society”,
“peasant”, “mode of production”, “man”, “woman”, “modernity”, “ethnography” –
get us some distance and fall apart. Tradittore, traduttore. In the kind of translation
that interests me most, you learn a lot about peoples, cultures, and histories different
from your own, enough to begin to know what you’re missing (Clifford, 1997: 39).
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11. Quando falo em identidade, minha referência central é Stuart Hall (2003).
54 etnografia, etnografias
*******
Referências bibliográficas
Introdução
1. Para uma discussão sobre a relação entre campo e arquivo na pesquisa antropoló-
gica, ver também Mello, nesta coletânea.
2. Utilizo o termo “atores jurídicos” para referir-me a advogados, promotores e juízes,
que são os principais interlocutores deste trabalho.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 67
assim, para uma visão mais geral sobre como os crimes entre familiares
são interpretados pelos atores jurídicos. Sem perder de vista a delimi-
tação de meu objeto de estudo, a perspectiva comparada é muito mais
uma tentativa de trazer elementos para elucidar a criminalidade gera-
cional. Nesse sentido, uso os crimes entre cônjuges como um suporte
para me ajudar a pensar os crimes entre pais e filhos. Se o ditado ju-
rídico é “cada caso é um caso”, é a partir da comparação que podemos
apreender tanto as diferenças quanto as semelhanças entre eles. Além
disso, ao comparar os crimes entre cônjuges, nos quais os estudos mos-
tram como a categoria de gênero influencia o desfecho dos casos, com
os crimes entre gerações, pude mostrar como o marcador de gênero
também se faz presente nesses últimos, alargando, assim, seu alcance
para além da relação conjugal.
***
apenas queriam que a vítima saísse da casa do pai deles, pois acreditavam que essa
iria dar um golpe econômico no ancião”.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 73
11. Caso 34 do estudo de Corrêa (1983), no qual o marido (42 anos, branco, ope-
rário) matou a esposa (não consta a idade, branca, faxineira) após 16 anos de
casamento, tendo em comum três filhos. Após começar a trabalhar fora, vítima e
acusado passam a discutir frequentemente, já que o marido começou a suspeitar
de sua mulher. Após uma briga, em que a mulher o chama de corno manso e con-
fessa que o traía, o marido a mata com 08 facadas. No tribunal do júri, é absolvido
por legítima defesa da honra. O promotor apela, argumentando que a legítima de-
fesa da honra está fundamentada em preconceitos. O réu vai a novo julgamento,
mas é absolvido novamente pelo mesmo argumento – a legítima defesa da honra.
12. Para uma correspondência entre loucura e feminino/feminismo, ver Showalter
(1985; 1993). Esses trabalhos mostram como mulheres consideradas “à frente
de sua época” foram tidas como doentes/histéricas pela sociedade e por seus
médicos. A “nova mulher” – a mulher moderna, trabalhadora, que lutava por seus
direitos – era também a mulher nervosa. A loucura, portanto, foi vista como algo
essencialmente feminino, “doença de mulher”, sendo associada a uma resistência
às normas, a uma quebra de hierarquias. Isso é muito interessante para pensar-
78 etnografia, etnografias
mos a correspondência entre esposas que matam seus maridos e filhos que matam
seus pais: também os filhos, nesse caso, quebraram normas e hierarquias, sendo
facilmente classificados como loucos.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 79
Considerações finais
Referências bibliográficas
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Da investigação policial à
investigação antropológica:
implicações da proximidade e
do distanciamento na pesquisa
antropológica1
delito estava disponível quando das audiências na justiça criminal. Por tais razões,
e também no intuito de sensibilizar conciliadores e juízes, a delegacia de mulheres
anexava fotografias das mulheres lesionadas à documentação enviada aos juizados
especiais e às varas criminais.
3. A fotografia sinalética foi desenvolvida no século XIX e compõe, juntamente com
o retrato falado e a datiloscopia (estudo das impressões digitais), um conjunto de
técnicas conhecidas como bertilonagem - denominação derivada do nome de seu
criador, o francês Alphonse Bertillon - e baseadas nos princípios da antropometria.
Consiste em fotografia comum com distância focal que permita calcular o tamanho
real do indivíduo, de frente e de perfil direito (Croce, 1995: 80).
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 91
4. Segundo a Constituição Federal de 1988 (art. 144 § 4º), as polícias civis desempe-
nham a função de polícia judiciária e são competência dos estados da federação e,
por tal razão, são regulamentadas em leis estaduais específicas. No caso do Ama-
zonas, a regulamentação é feita através do Estatuto do Policial Civil do Amazonas
- Lei nº 2.271 de 10/01/1994.
5. Segundo Roberto Kant de Lima, “no sistema inquisitorial, de tradição romana e
canônica, feita uma denúncia, até anônima, efetuam-se pesquisas sigilosas antes de
qualquer acusação, não só para proteger a reputação de quem é acusado, mas tam-
bém para proteger aquele que acusa de eventuais represálias de um poderoso acu-
sado. À defesa do acusado este sistema contrapõe o interrogatório do suspeito, ao
final das investigações sigilosas e preliminares, efetuadas sem o seu conhecimento;
ao confronto público, os depoimentos secretos das testemunhas, preferindo-se as
formas escritas às verbais. O sistema inquisitório não afirma o fato; supõe sua pro-
babilidade, presume um culpado e busca provas para condená-lo. O sistema procu-
ra fornecer ao juiz indícios para que a presunção seja transformada em realidade”
(Kant de Lima, 1989: 04).
6. De acordo com o delegado federal Célio Santos (2006), a investigação criminal
foi atividade realizada exclusivamente pela polícia do descobrimento até o ano de
1827, ocasião em que foi atribuída ao Juiz de Paz. Em 1841, a atividade retornou
à polícia.
92 etnografia, etnografias
8. Esta lei instituiu a definição de menor potencial ofensivo para crimes e contra-
venções penais cuja pena máxima fosse de até um ano, mas a Lei nº 10.259 de
12/07/2001 estendeu a definição às penas de até dois anos. A Lei nº 9.099/1995
também criou os juizados especiais criminais (JECRIM) e formalizou um proce-
dimento de apuração criminal segundo os princípios da celeridade e da infor-
malidade que resultou nos termos circunstanciados de ocorrência, procedimento
aplicado pela polícia judiciária aos crimes de menor potencial ofensivo, em subs-
tituição do inquérito policial.
9. Desde a vigência da Lei nº. 11.340 de 22/08/2006 (conhecida como Lei Maria
da Penha), em caso de caracterização da violência doméstica e familiar contra a
mulher, a Lei nº. 9.099/1995 não pode mais ser aplicada.
10. A este respeito, consultar também o trabalho de Marcella Beraldo Oliveira (2006:
13), que estudou o tratamento da violência doméstica nos juizados especiais cri-
minais de Campinas/SP. A autora menciona a prevalência dos crimes de ameaça e
lesão corporal dentre os processos encaminhados pela DEAM ao JECRIM.
94 etnografia, etnografias
tal como analisados por Arnold Van Gennep (1978) e Victor Turner
(1974), para os quais tais ritos atuam como mecanismos de inteligi-
bilidade das mudanças vivenciadas pelos grupos sociais e também
pelos indivíduos. Segundo o argumento de Da Matta a respeito dessa
passagem como marco do trabalho de campo na antropologia, “o
trabalho de campo, como os ritos de passagem, implica pois na pos-
sibilidade de redescobrir novas formas de relacionamento social por
meio de uma socialização controlada” (Da Matta, 1981: 152). Foi
justamente no intuito de estabelecer tal socialização controlada no
processo da pesquisa de campo na delegacia de mulheres que adotei
uma série de procedimentos.
Em razão dos estudos de pós-graduação, afastei-me do exercí-
cio policial e retornei à delegacia um ano depois para realização de
pesquisa de campo. Meu retorno marcou nitidamente a passagem de
um status a outro, manifesta inclusive na mudança do tratamento
recebido dos funcionários da delegacia. Para os antigos pares hierár-
quicos – conhecedores de meu vínculo institucional – eu não era mais
uma “colega de serviço”, muito embora não fosse uma pesquisado-
ra “como as outras”. Evidentemente, a transição não aconteceu sem
conflitos e foi observável apenas analiticamente; empiricamente ela
não foi definitiva, mas construída cotidianamente no campo, onde o
processo de conversão antropológica é incessante.
Nesse caso, é demasiado oportuna a assertiva de Victória San-
tos (2001), para quem o “trabalho de campo pode ser visto como
uma experiência subjetiva que faz da busca do outro um encontro
consigo mesmo, (...) e esta interação permite reflexões novas e in-
terdiscursivas” (Santos, 2001: 131). No processo de conversão, pude
descortinar e criticar muitos dos procedimentos executados por mim
mesma diversas vezes durante o exercício policial. Por tais motivos,
ao ponderar minha condição de dentro e almejar a construção de
um olhar distanciado, adotei alguns procedimentos com a finalida-
de de comprometer o menos possível os resultados da pesquisa e
a utilização das informações policiais, pois o acesso privilegiado às
informações de instituições e grupos com os quais existe um vínculo
anterior exige prudência maior na utilização de dados conhecidos
antes mesmo da pesquisa.
Como não existe na cidade de Manaus outra delegacia de mu-
lheres, decidi desenvolver o levantamento estatístico dos casos de
meu interesse nos arquivos da unidade. Embora outras formas de
identificação fossem possíveis – consulta a prontuários médicos do
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 99
Referências bibliográficas
Cauê Kruger
Ecos do Riso
Ecos do rito
1. Por limitação de espaço, não poderemos dar aqui a devida atenção ao estudo das
performances e peças dos Parlapatões, Patifes e Paspalhões. Para mais detalhes
sobre estas, ver Krüger (2008).
118 etnografia, etnografias
2. O Teatro Brasileiro de Comédias (TBC) foi criado em São Paulo por Franco Zampari
em 1948 e acabou por ofuscar as iniciativas teatrais desbravadas no Rio de Janeiro
até então. Estabelecendo novos padrões de “apuro” das produções e interpretações
e alavancando o teatro moderno nacional, o TBC foi responsável pela inserção de
diversos encenadores estrangeiros no território nacional, pela consolidação da pro-
fissão teatral (até então malvista) e pelas primeiras reflexões sistemáticas acerca
das teorias de interpretação, consolidando uma das maiores expressões do proces-
so de modernização, urbanização e metropolização da cidade de São Paulo. Sobre
o TBC, ver Prado (2007) e Pontes (2000 e 2008).
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 119
3. A Associação Paulista de Críticos de Artes teve suas bases sedimentadas em 1951,
adotando, em 1956, o nome de Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCT).
Em 1972 sofreu uma reestruturação, adotando seu nome atual e incorporando
progressivamente os setores de Artes Visuais, Cinema, Literatura, Música Popu-
lar, Televisão, Dança, Música Erudita e Rádio. Desde 1956 premia anualmente as
melhores produções artísticas e seu reconhecimento é altamente valorizado no
contexto teatral.
4. Os Parlapatões receberam os seguintes prêmios: Prêmio Estímulo da Secretaria Es-
tadual da Cultura de São Paulo com Zerói em 1995; Grande Prêmio da Crítica da
Associação Paulista de Críticos de Arte em 1997 com a exposição Vamos Comer
o Piolim; prêmio Coca-Cola de teatro jovem com a peça “De cá pra lá de lá pra
cá”; Prêmio Shell de melhor cenografia para Não Escrevi Isto em 1998 e prêmio
APETESP de melhor direção para Emílio Di Biasi pela peça ppp@wllhmshkspr.br
em 1999.
5. O Espaço Parlapatões foi inaugurado em 11 de novembro de 2006, coincidência
reapropriada pelo grupo, que, na performance de inauguração, saiu de seu teatro
em direção à rua portando aviões infláveis, em uma dupla alusão ao atentado
terrorista ao World Trade Center e à falência da companhia brasileira Varig. Este
exemplo ilustra a busca de posturas políticas que o grupo sempre se esforçou por
alcançar em suas performances.
120 etnografia, etnografias
Os ovos do ornitorrinco
6. Esta presença poderia ser reconstituída para destacar as filiações do circo com o
teatro de revista brasileiro e demais gêneros “ligeiros”, que carregavam em seu
estilo cênico grande influência popular. Sobre o assunto, ver Mencarelli (1999) e
Veneziano (1991).
7. Ainda que pesem as distinções de estilo, discurso e proposta, estas grandes matri-
zes do teatro nacional tiveram em comum a busca do nacional popular, seja a partir
de esforços em prol de uma literatura dramática nacional, seja a partir da influên-
cia musical ou mesmo ao propor um resgate da “brasilianidade” no palco. Sobre
o Arena e o Oficina, ver Campos (1988), Silva (1981), Ridenti (2000), Schwarz
(2008) e Napolitano (1998; 2001).
8. Sobre o Teatro do Ornitorrinco, ver Guinsburg e Silva (1992), Fernandes (2000),
Costa (1999) e Raulino (2006).
122 etnografia, etnografias
9. Mesmo com parcas verbas e em local inadequado, os professores chegaram a en-
sinar, em uma quadra do Estádio do Pacaembu, acrobacia, equilibrismo, trapézio,
magia e outras modalidades a cerca de 700 alunos em menos de um ano. Apesar
de os dirigentes terem conseguido, posteriormente, a transferência da Academia
para o pavilhão de circos do Anhembi (local muito mais apropriado), a falta de
verbas mínimas fez com que a iniciativa se encerrasse.
10. Além da Piolim e da Picadeiro, fundamentais para nosso trabalho, devemos des-
tacar que no Rio de Janeiro, Luis Olimecha funda a Escola Nacional de Circo em
1982, visando impedir a “extinção da categoria”, que, por formar artistas de circo
e reciclar profissionais, revela-se uma instituição pública de grande importância
e referência no panorama circense do país. Também Salvador passa a ter uma
escola de circo quando, em 1985, Verônica Tamaoki e Anselmo Serrat, ex-alunos
da Piolim, fundam a Escola Picolino de Artes do Circo, buscando orientar crianças
de rua através das artes circenses.
11. Em entrevista ao autor concedida em setembro de 2007, Alexandre Roit, um dos
fundadores dos Parlapatões, destaca: “Para mim, mais revelador do que ter visto
o Ubu, foi ter entrado no Circo-Escola [Picadeiro] e ver que todo mundo de teatro
estava lá”.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 123
17. É importante destacar que o termo, aqui, não faz referência apenas ao seu sentido
clássico, de narrativa de grandes feitos de um herói, mas também à influência da
teoria de Bertolt Brecht, que se valia desse distanciamento narrativo para produ-
zir uma nova forma cênica. Embora a forma narrativa dos Parlapatões não utilize
sempre esse efeito para promover a explicitação de situações políticas em cena,
como ocorre em Brecht, a narrativa épica provocava um distanciamento em rela-
ção à forma ilusionista do teatro, fundamental para a forma de atuação do grupo.
18. Hugo Possolo, principal porta-voz do grupo, destaca que a comédia é elemento
de sedução do público, voltada a manter sua atenção. Segundo ele, tanto a ex-
periência de rua como a comédia são amplamente “pedagógicas” ao ator, pois
a comunicação com a plateia seria mais direta (a presença do público e o riso
126 etnografia, etnografias
Um picadeiro na Praça?
24. Uma vez que os teatros dos Sátyros e o Espaço Parlapatões recorrem à criação
de bares ou cafés como forma alternativa (e constante) de manutenção de uma
renda mínima, estes, somados ao Café La Barca e ao bar Papo Pinga e Petisco, cris-
talizam o local como um ponto de boemia artística. É interessante destacar que
há uma prática comum entre estes espaços (exceto o dos Parlapatões, o maior em
amplitude), de dispor parte das suas mesas na calçada, de forma que os clientes
interajam com os transeuntes da Praça Roosevelt.
132 etnografia, etnografias
25. É fundamental destacar que a Lei de Fomento (n.º 13279) é vista no contexto
como o resultado vitorioso do evento Arte contra a Barbárie, que envolveu di-
versos grupos teatrais e expoentes da cidade de São Paulo, como Gianni Ratto,
Aimar Labaki, Hugo Possolo e coletivos como Cia do Latão, Cia do Feijão e Teatro
Oficina, que reivindicaram incentivo estatal, canalizado pelo vereador Vicente
Cândido, dando origem à Lei.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 133
26. Exemplo disso é a crítica de Antunes Filho ao processo de seleção dos grupos que
seriam contemplados com o fomento, denunciando o que concebia como prática
do “teatro de compadres”, registrada em reportagem da Folha de São Paulo em
29 de dezembro de 2004. A crítica foi repudiada por diversos artistas, entre eles
um dos principais integrantes do Teatro Fábrica São Paulo, Sérgio Audi. O mate-
rial pode ser lido em http://laerteeomundo.zip.net/arch2005-01-23_2005-01-29.
html
134 etnografia, etnografias
27. Desde sua inauguração, o teatro hospedou montagens dirigidas por Alexandre
Reinecke, Gustavo Machado, Marcelo Mansfield, Luiz Valcazaras, Fernanda
D’Umbra, Nilton Bicudo, Roberto Alvin, Vivian Buckup, Aimar Labaki, Wanderlei
Piras, entre outros artistas que vêm se destacando no cenário teatral paulistano.
A lista do elenco mobilizado por essas peças incluía artistas de destaque, como
Jacqueline Obrigon, Marat Descartes, André Fusko, Denise Weinberg, Juliana Gal-
dino, Mário Bortolotto, Taís Araújo, entre outros.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 135
Referências Bibliográficas
Introdução
1. Agradeço às organizadoras pela iniciativa e diligência deste volume, assim como
pelas sugestões e comentários à versão prévia deste artigo.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 141
2. De maneira geral, as contribuições que compõem a obra organizada por Revel su-
gerem uma redefinição metodológica do que vinham, até os anos 1970, sendo
compreendidos como os objetos de pesquisa de historiadores, concebendo análises
históricas particularizadas pelo foco em biografias e processos sociais situados em
períodos de tempo considerados curtos.
142 etnografia, etnografias
4. A este respeito, entendo que os discursos universalistas operam como argumentos
que legitimam a posição dominante de modelos particulares de organização social
através da prescrição de formatos “internos” – sistemas administrativos burocrá-
ticos, sistemas partidários, democracia representativa, etc. – que operam como
requisitos para o reconhecimento dos territórios nacionais como Estados de direito
pela “comunidade internacional”, restringindo as formas possíveis de formação e
desenvolvimento nacional aos modelos estabelecidos pelas nações ou blocos que
detêm poder de decisão e coerção na configuração política corrente em diferentes
contextos. Ver Wallerstein (2007).
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 145
6. Contribuindo, dessa forma, também para a dissolução de fronteiras entre os fe-
nômenos pesquisados como “domínios” de análise especializada nestes discursos
– e.g.: a música, a religião, o parentesco, a etnicidade, etc. Para um alargamento
desta discussão, ver Dulley, neste volume.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 151
listana Azul Music. Ainda assim, Magda Pucci aponta como uma das
principais dificuldades de inserção comercial dos discos e shows do
Mawaca a interpretação nacionalista do produto musical baseada no
contexto de produção. A crítica de Magda Pucci é dirigida às lojas e
megastores que revendem os CDs e DVDs do Mawaca nas prateleiras
de “música brasileira”.
Por quê? Porque é feita por músicos brasileiros. A gente tem que
sair de lá. A gente tem a ver com world music. Quem gosta de
música africana, árabe, talvez goste do Mawaca. Mas a banda é
formada por brasileiros, tem que ficar dentro da MPB, do lado da
Marisa Monte, da Maysa, fica lá. Eu já briguei um monte com es-
sas lojas, ia na gerência, “pelo amor de deus, moço, muda a gente
de lugar”. “Não, vocês são brasileiros, tem que ser aí”. (Magda
Pucci, comunicação pessoal, 15/05/2007)
8. Realizado e promovido pelo SESC Santana (Serviço Social do Comércio, unidade
do bairro Santana), durante todo o mês de março de 2007.
9. O espetáculo foi batizado Latcho Drom, em referência ao filme do cineasta franco-
argelino Toni Gatlif (1993), que retrata a jornada do grupo étnico Roma desde a
Índia até a Europa Ocidental.
10. É importante notar a complementaridade entre a narrativa da “jornada cigana”
e a composição de palco do grupo, que conta com representantes de cada etapa
– desde a Índia, passando pelo Oriente Médio, Leste Europeu (Romênia), até che-
gar à Europa Ocidental (Espanha, França) – desse processo, como representado
pelo filme Latcho Drom.
11. São exemplos disso as relações entre os músicos Otávio Jr. e Décio Gioielli com re-
lação à kalimba, e entre os grupos Troupe Djembedon e Kamberimba com relação
ao djembe e à cultura mandinga, ambos os casos analisados em Muller (2009).
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 155
Considerações finais
Referências bibliográficas
Discografia
Filmografia
Iracema Dulley
A prática e os documentos
2. Para mais esclarecimentos acerca do partido teórico adotado, ver Dulley (2010).
3. Dada a quase inexistência de fontes referentes a meu objeto de pesquisa no Brasil,
fez-se necessário um período de pesquisa de arquivo na sede da Congregação do
Espírito Santo em Chevilly-Larue, França, realizado durante o mês de janeiro de
2007.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 165
4. Concentrarei aqui minha exposição nas situações etnográficas. Para um tratamento
do material referente à tradução, reveladora de aspectos sutis das disputas simbóli-
cas na missão não apreensíveis em outros tipos de fonte, ver Dulley (2009 e 2010).
5. Em 1961 foi deflagrada a guerra de libertação nacional. O Concílio Vaticano II, por
sua vez, teve início em 1962. Os dois eventos trouxeram mudanças significativas
para a prática missionária, merecendo um estudo específico. Isso explica a perio-
dização adotada.
6. “Indígena” foi a categoria utilizada pelo governo colonial português para classifi-
car os “nativos” de suas colônias ultramarinas. Não tenho aqui absolutamente a
intenção de valer-me dela como categoria de análise, por isso as aspas. Utilizo-a da
mesma forma como utilizarei, entre aspas, outras categorias encontradas no dis-
curso dos agentes, visto terem sido minha porta de entrada para sua constituição a
partir das fontes. Para uma discussão mais detalhada a respeito do indigenato, ver
Thomaz (2002) e Dulley (2010).
166 etnografia, etnografias
7. Este esforço foi realizado de forma mais detida em Dulley (2010).
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 167
Os “indígenas”
8. Para uma reconstituição minuciosa deste processo, ver Neto (2007).
168 etnografia, etnografias
13. É interessante notar que ocimbundu, singular de ovimbundu, quer dizer, em um-
bundu, “negro”, o que fazia com que os supostos “assimilados” se definissem
como “brancos”, ou ocindele. Assim, a distinção entre os “assimilados” e os “indí-
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 173
Os missionários
genas” era estabelecida com base na cor de sua pele, fazendo com que os negros
que se diziam assimilados se referissem a si mesmos como “brancos”. A cor negra
era, portanto, assimilada ao modo de vida dito “primitivo”, ao passo que a cor
branca seria característica do modo de vida “civilizado”.
174 etnografia, etnografias
14. Nota-se, pelas correspondências e relatórios, que ao longo de seu tempo de mis-
são foi trocado de estação mais de dez vezes, tendo trabalhado, entre outras, em
Galangue na década de 30; em Caconda, onde foi superior de 1941 a 1947; em
Caluquembe, fundada por Valente após sua saída de Caconda; em Luimbale; no
Bailundo; na Chicuma (1952); em Balombo (1953); em Benguela (1953); de
volta ao Bailundo por desentendimento com outro padre; no Huambo (1960).
178 etnografia, etnografias
15. A formação acadêmica mais restrita de Valente não é uma questão individual do
missionário, mas uma característica do contexto colonial português no que diz
respeito à produção de conhecimento sobre os territórios ultramarinos.
182 etnografia, etnografias
gado o termo “por lhe parecer traduzir melhor o que sentiu naquele
momento”, é possível enxergar aqui a pactuação de uma convenção
referente à “possessão”, descrita pelos missionários no século XX não
mais como “possessão diabólica”: tendo em vista a chave de leitu-
ra psicologizante dos fenômenos observados, a “possessão” aparece
como bastante próxima à histeria como descrita pelos estudos psica-
nalíticos. Esta seria inclusive uma explicação para a predominância
de relatos sobre os fenômenos de “possessão” por parte das mulhe-
res, a despeito de haver um grande número de ovimbanda do sexo
masculino, um dos quais inclusive aparece no arquivo espiritano em
fotografia ao lado dos missionários, à porta de sua cubata.
O relato acima é emblemático da forma como se vai conforman-
do um código de comunicação nas relações cotidianas entre os agentes
na missão. O “culto aos ancestrais”, associado a práticas “feiticistas”,
foi sem dúvida foco de muita atenção dos missionários por representar
um obstáculo de monta a sua proposta evangelizadora16. Assim sendo,
os diversos agentes em interação viram-se às voltas com a necessidade
de forjar uma convenção de significação que lhes permitisse ao mesmo
tempo comunicarem-se uns com os outros e perseguir, cada um, sua
estratégia nessa disputa simbólica. Para tanto, fazia-se necessário um
diálogo no plano das práticas e dos discursos – eles também práticas
– que pusesse em relação os significados atribuídos a esses elemen-
tos pelos diversos agentes. Oatake, palavra de origem portuguesa cujo
som se aproxima bastante do umbundu e se encaixa perfeitamente em
sua gramática após adquirir o designativo de classe “o”, configurou-se
como noção plausível de ser compreendida por todos os agentes na
missão em referência à “possessão” que antecedia a comunicação com
os antepassados no “culto aos ancestrais”. O processo por meio do qual
se teria chegado a tal compromisso foi a interação entre os agentes em
momentos nos quais os “ritos de possessão indígenas” eram postos em
questão. A “mulher do cristão” certamente não fazia ideia da leitura
do missionário de sua “possessão” na chave da histeria. Este tampouco
dominava completamente as convenções do ritual local, o qual busca-
va compreender de maneira mais ampla ao interrogar essas mulheres.
Entretanto, um termo, oatake, colocava esses agentes em comunica-
ção. Sentidos divergentes confluíam de suas diversas posições no con-
texto, mas a criação de uma convenção de significação lhes permitiu
entrar em diálogo – e, certamente, também em disputa.
Conclusão
17. Os trabalhos de Marcelo Mello e Daniela Moreno Feriani nesta coletânea trazem
uma discussão aprofundada da relação entre trabalho de campo e arquivo.
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daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 187
***
1. Partes dos argumentos aqui reunidos foram expostos em Mello (2007) e Mello
(2008a). Agradeço às organizadoras deste livro pela rigorosa leitura e pelas valio-
sas sugestões.
190 etnografia, etnografias
2. O artigo estabelece que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 191
***
3. De fato, meus “achados” nos arquivos históricos continuaram a ser transmitidos aos
moradores do local, em especial às lideranças.
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4. A idade é fator preponderante na definição de alguém como contador, mas não só.
Saber contar envolve um uso bem específico das palavras, de gestos, das entona-
ções, etc. Evidentemente, não são todos os moradores do local que conhecem todas
as minúcias do “tempo dos antigos”. Há um núcleo comum de histórias de conheci-
mento geral no sentido de que as pessoas conhecem algo sobre determinados fatos,
mas não necessariamente todos os detalhes.
5. Ou seja, escravos alforriados. Um deles certamente era africano (Benguela); ne-
nhuma referência é feita à naturalidade do outro, mas tudo indica que também era
africano, pois até a metade do século XIX “preto” era uma denominação geralmen-
te dada a africanos, por oposição a crioulo (nascido no Brasil).
194 etnografia, etnografias
6. Bida foi processado por abigeato em um processo e em outros dois por lesão cor-
poral grave. Esfaqueou alguns vizinhos negros certa feita e dois fazendeiros bran-
cos noutra. Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). Cachoeira.
1916. Cartório do Júri. Processo-crime e outras. Maço 37, Prédio 2, Estante 143G,
caixa 178, n°3666; APERS. Caçapava. Cartório 1° Cível e Crime (1916-1917), M
56, E 91, n°1725; APERS. Cachoeira. Processo-crime e outras. Júri. M 39, caixa
181, n° 3694. 1917. Para mais informações, ver Mello (2008b: 161-187).
196 etnografia, etnografias
***
7. Um bom exemplo disto são os instigantes livros de Price (1983; 1990).
8. Ou, com Derrida (2001:28-9): “O arquivo, como impressão, escritura, prótese ou
técnica hipomnésica em geral, não é somente o local de estocagem e de conser-
vação de um conteúdo arquivável passado, que existiria de qualquer jeito e de tal
maneira que, sem o arquivo, acreditaríamos ainda que aquilo aconteceu ou teria
acontecido. Não, a estrutura técnica do arquivo arquivante determina também a
estrutura do conteúdo arquivável em seu próprio surgimento e em sua relação com
o futuro. O arquivamento tanto produz quanto registra o evento”.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 197
Referências bibliográficas
Olivia G. Janequine1
Introdução
Em Time and the Other, Fabian (1983: 21) define três modos
como o tempo aparece e é manipulado na antropologia. O tempo
físico é o tempo das cronologias de longo prazo do processo de evo-
lução biológica, da pré-história. São escalas amplas entendidas como
objetivas e neutras e estão associadas à antropologia física – tanto
a clássica quanto a que até hoje é produzida em departamentos de
antropologia, principalmente em universidades norte-americanas – e
à arqueologia. O segundo modo identificado pelo autor contempla
dois subtipos: um é o tempo mundano, marcado por periodizações
mais detalhadas, que encenam um distanciamento objetivo em rela-
ção às “idades” e “estágios” que definem, como nas escalas produzi-
das por evolucionistas sociais; o outro subtipo, mais independente do
tempo físico como vetor, é o que Fabian denomina tempo tipológico:
aquele que marca o intervalo entre eventos significativos do ponto de
vista sociocultural numa linguagem superficialmente não temporal.
Trata-se do tempo por trás das categorias de classificação de estados
como “com escrita vs. sem escrita, tradicional vs. moderno, agrário
vs. Industrial, (...) tribal vs. feudal, rural vs. urbano”. A tipologização
do tempo mundano também permeia a discussão sobre povos com e
sem história, inclusive em suas versões mais sofisticadas, como a dis-
tinção lévi-straussiana entre sociedades quentes e frias (idem: 23). O
terceiro modo, finalmente, é o que reconhece o tempo como “dimen-
são constitutiva da realidade social” e enfatiza a “natureza comuni-
cativa da ação e interação humanas”, denominado tempo intersubje-
tivo. Este é, evidentemente, o modo temporal da pesquisa de campo.
A partir desses conceitos, Fabian identifica a contradição que
expressa o problema metodológico básico a que dirige sua crítica.
Por um lado, uma vez que seja mantido o pressuposto de que a an-
tropologia se baseia necessariamente em pesquisa de campo, o tem-
po intersubjetivo ocupa o lugar de fundamento epistemológico da
disciplina. Por outro, o conhecimento produzido a partir daí, o texto
etnográfico, articula-se, em geral, em torno de uma atitude de dis-
tanciamento que se realiza em mecanismos baseados nos tempos fí-
208 etnografia, etnografias
Etnografia e documentos
3 Bourdieu et. al., em discussão afim, trabalham com o conceito de “vigilância epis-
.
temológica”.
4. Para uma outra discussão sobre o problema das fronteiras na construção do objeto
de pesquisa, ver Melo, nesta coletânea.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 211
5. Para reflexões aprofundadas sobre a consideração conjunta de fontes documentais e pes-
quisa de campo ver os capítulos de Feriani e Mello, nesta coletânea.
daniela moreno feriani • flávia melo da cunha • iracema dulley (orgs.) 213
Referências bibliográficas