Cratod 15 Anos
Cratod 15 Anos
Cratod 15 Anos
a
15 n o s
Secretário Adjunto
Eduardo Ribeiro Adriano
Chefe de Gabinete
Nilson Ferraz Paschoa
Revisão Técnica
Aurora Fornoni Bernardini
Imagens
Adriano Lima
c r a t o d
a
15 n o s
O
s problemas relacionados ao Um desafio nessas proporções requer
consumo de drogas na atuali- modelos de atenção e tratamento da mesma
dade adquiriram proporções de magnitude. Desse modo, o Centro de Referên-
epidemia e se fazem presentes cia de Álcool, Tabaco e outras Drogas (CRA-
em diversos contextos da vida dos brasilei- TOD) foi criado em 25 de junho de 2002, pelo
ros – pais dependentes de calmantes, jovens governador Geraldo Alckmin, com o intuito
que utilizam bebidas alcoólicas em excesso de abarcar toda a complexidade relacionada
nas baladas, motoristas que compensam o à dependência química. Desde o início de sua
seu trabalho extenuante consumindo de- criação, vem desenvolvendo modelos de aten-
rivados anfetamínicos, alunos do ensino ção e apoio para usuários de substâncias psi-
médio e superior que fumam maconha, coativas que procuram o serviço. O CRATOD
usuários de álcool e cocaína gravemente de- é responsável pela coordenação e capacitação
pendentes, muitos deles vivendo pelas ruas de toda a rede pública do Estado de São Paulo
longe da família, destituídos de trabalho e para o tratamento do tabagismo, oferece cur-
de dignidade social. sos em diversos níveis de formação – de sim-
Dentre todas essas substâncias, o cra- pósios ao aprimoramento profissional –, além
ck, um produto a base de cocaína para ser de ter assento nos principais fóruns de discus-
fumado, adquiriu relevância de epidemia no são acerca das políticas públicas para os pro-
Brasil, especialmente nos últimos 15 anos, blemas relacionados ao tema.
quando o seu consumo aumentou e se disse- A partir de 2013, o CRATOD se trans-
minou pelo país, a ponto de o Brasil ser con- formou no centro gestor das ações de saúde do
siderado, no momento, o maior consumidor Programa Recomeço, do governo do Estado de
dessa droga, mundialmente. Boa parte dos São Paulo. Além da ampliação do atendimento
usuários de crack consome essa droga em ambulatorial, o serviço passou a funcionar de
“cenas abertas de uso”, chamadas coloquial- modo ininterrupto, interligado a uma rede de
mente de “cracolândias”. Outras epidemias enfermarias de desintoxicação (leitos hospita-
acontecem ali dentro: um terço das mulheres lares) e de comunidades terapêuticas (acolhi-
frequentadoras tem sífilis; a prevalência de mento social), o que o transformou na maior
Aids e de hepatites é cerca de 10 vezes maior unidade de atendimento ao usuário de subs-
do que na população geral, há pacientes com tâncias psicoativas da América Latina.
tuberculose, infestações de piolhos e pulgas, Atualmente, mais de 1.200 usuários
além da desnutrição, dos ferimentos e da vio- procuram um primeiro atendimento na unida-
lência – emocional, física e sexual – que atin- de, todos os meses. Anualmente, oferece mais
ge principalmente as mulheres. de 2.500 internações e 1.500 acolhimentos em
comunidades terapêuticas. Dentro do seu CAP- dos usuários de drogas, em combater a violên-
S-AD III (Centro de Atenção Psicossocial – Ál- cia contra a mulher, a homofobia, a transfobia
cool e Drogas), realiza mais de 2.000 oficinas, e o racismo, bem como em reduzir o estigma
que atendem 25.000 pessoas, além de projetos que existe em relação ao tratamento e à recu-
terapêuticos singulares e serviços odontológi- peração dos usuários.
cos para mais de 1.300 pacientes, todos os anos. Desse modo, a Secretaria do Estado da
Para essa empreitada de proporções únicas no Saúde sente um imenso orgulho de oferecer
Brasil, conta com 347 colaboradores (próprios, um serviço de tamanha complexidade, huma-
conveniados e terceirizados), dispondo em mé- nizado e de portas abertas à população paulis-
dia de 100 colaboradores por turno, em escalas ta, que em 2017 completou 15 anos de existên-
diferenciadas, de modo a garantir o atendimen- cia. Gostaria de cumprimentar a todos os que
to 24 horas, de segunda a domingo. contribuíram para que esse verdadeiro patri-
Atento ao presente e pronto para o fu- mônio da saúde pública paulista se erguesse e
turo, o CRATOD se preocupa em desenvolver se tornasse possível. Aos usuários e seus fami-
modelos de prevenção, de redução de danos e liares, além de dirigir palavras de apoio, gosta-
de tratamento capazes de reduzir a mortalida- ria de confirmar o compromisso de jamais de-
de dos usuários de drogas – especialmente em sistir de pensar e desenvolver novas propostas
decorrência da violência, das infecções sexual- capazes de fortalecê-los nessa luta.
mente transmissíveis e de suicídio –, em criar
modelos de acolhida e moradia transitórios David Uip
capazes de atender às necessidades de saúde Secretário de Estado da Saúde de São Paulo
s u m á r i o
Prefácio ................................................................................................................................................................. 5
Seção 1
Dependência química no Brasil e a inserção do CRATOD no território Luz/SP.................................. 10
caPítulo 1
O CRATOD e o tratamento da dependência química no Brasil ............................................................ 13
caPítulo 2
O território da Luz e a “cracolândia”......................................................................................................... 19
caPítulo 3
História do CRATOD e suas intersecções com as políticas de saúde.................................................... 27
Seção 2
Ações de Rua e Ações de Baixa Exigência na Região da Cracolândia – CRATOD
e Unidade Recomeço Helvétia.................................................................................................................. 32
caPítulo 4
O Centro de Convivência da Unidade Recomeço Helvétia: um Espaço Plural .................................... 34
caPítulo 5
A Arte no Recomeço: Bateria Coração Valente ........................................................................................ 39
caPítulo 6
A Cozinha Experimental ........................................................................................................................... 43
caPítulo 7
A Abordagem de Rua e os Conselheiros em Dependência Química .................................................... 47
caPítulo 8
Testes Rápidos no Contexto da Cracolândia – Uma abordagem das infecções sexualmente
transmissíveis, Aids e Hepatites Virais ..................................................................................................... 55
caPítulo 9
O Planejamento Familiar: A experiência do implante de Etonogestrel no território ........................... 61
Seção 3
O tratamento Ambulatorial no contexto CAPS – CRATOD .................................................................. 68
caPítulo 10
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e os caminhos no tratamento ambulatorial
em Dependência Química no Brasil......................................................................................................... 70
caPítulo 11
O modelo CAPS CRATOD ....................................................................................................................... 79
caPítulo 12
Elaborando o Projeto Terapêutico Singular – A individualização do tratamento
e suas perspectivas ..................................................................................................................................... 84
caPítulo 13
O Gerenciamento de Casos em Dependência Química......................................................................... 93
caPítulo 14
O uso da técnica psicoterápica individual no contexto de saúde pública e dependência química ..... 97
caPítulo 15
O cuidado em grupo – Técnicas cognitivo-comportamentais na prevenção de recaídas .................. 103
caPítulo 16
O cuidado em grupo – Técnicas cognitivo-comportamentais no treinamento
de Habilidade Inicial de Enfrentamento ................................................................................................ 107
caPítulo 17
O cuidado em grupo - Prevenção de Recaída baseado em Mindfulness – MBRP:
A Experiência do CRATOD..................................................................................................................... 112
caPítulo 18
O cuidado em grupo – Técnicas psicodinâmicas ................................................................................... 117
caPítulo 19
O cuidado em grupo - O Serviço Social e sua atuação na Oficina de Cidadania .............................. 122
caPítulo 20
O cuidado em grupo - A prática da Atividade Física no tratamento da dependência química......... 126
caPítulo 21
O cuidado em grupo – A população LGBTQIA e o Grupo da Diversidade ....................................... 133
caPítulo 22
O cuidado em grupo – As peculiaridades do tratamento da mulher dependente química ............... 141
caPítulo 23
A prática da Redução de Danos no contexto CRATOD e Cracolândia ............................................... 146
caPítulo 24
Manejo de Contingência Contexto do CAPS ........................................................................................ 152
caPítulo 25
O Tratamento do Tabagismo no CAPS CRATOD ................................................................................. 157
caPítulo 26
A Assistência Farmacêutica no CRATOD .............................................................................................. 170
caPítulo 27
A Odontologia na Dependência Química ............................................................................................. 186
caPítulo 28
O papel do psiquiatra no CAPS .............................................................................................................. 198
caPítulo 29
O manejo medicamentoso no tratamento da Dependência Química no CAPS - CRATOD ............ 203
caPítulo 30
O Papel do Médico Infectologista no Contexto do CAPS -AD............................................................ 210
caPítulo 31
Condicões clínicas mais frequentes no dependente químico atendido no CRATOD ....................... 215
Seção 4
A Unidade de Atendimento em Urgências do CRATOD ..................................................................... 228
caPítulo 32
Fluxo de triagem da demanda espontânea no CRATOD ..................................................................... 230
caPítulo 33
O Manejo da Crise na Emergência......................................................................................................... 236
caPítulo 34
A avaliação psiquiátrica na emergência, critérios para internação em leito de observação
e o manejo em leitos breves de desintoxicação ..................................................................................... 241
caPítulo 35
Critérios de involuntariedade e sua utilização no contexto da dependência química ....................... 253
caPítulo 36
A remoção especializada em Dependência Química............................................................................ 261
Seção 5
Programas de Reinserção Social no CRATOD ...................................................................................... 266
caPítulo 37
Experiências de Trabalho e Geração de Renda no CAPS CRATOD. ................................................... 269
caPítulo 38
A Educação promovendo a reinserção social de dependentes químicos ............................................ 276
caPítulo 39
O modelo “Casa de Passagem”................................................................................................................ 284
caPítulo 40
A Experiência da Moradia Monitorada .................................................................................................. 289
caPítulo 41
A Articulação do CRATOD no contexto da RAPS com serviços não governamentais
(AA, NA, Amor Exigente e Faces & Vozes) ............................................................................................ 294
caPítulo 42
O Programa Recomeço Família: a importância do contato familiar e dos vínculos afetivos ............. 300
caPítulo 43
As Comunidades Terapêuticas no Tratamento da Dependência Química .......................................... 306
Seção 6
Políticas de Saúde em tratamento para Dependência Química e a organização de serviços ............ 312
caPítulo 44
Políticas Públicas em dependência química para o Controle de Álcool, Tabaco e Drogas Ilícitas. .... 314
caPítulo 45
Políticas públicas de enfrentamento ao tabagismo. .............................................................................. 328
caPítulo 46
Núcleo de Pesquisas do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas - NuPe
CRATOD .................................................................................................................................................. 339
caPítulo 47
A Gestão de Finanças, Patrimônio e RH no CRATOD ......................................................................... 345
caPítulo 48
Um olhar alienígena - a experiência do Anexo Judiciário do CRATOD ............................................. 353
Seção 7
Perspectivas .............................................................................................................................................. 358
caPítulo 49
Desafios e perspectivas para os próximos 15 anos ................................................................................ 360
s e ç ã o
E
le olhou para caçamba e viu, no fun- O homem estava sem ânimo e com aqueles
do, um papelão de tamanho conside- pensamentos ruins! Empapuçou, preciso dor-
rável: posso dormir nele. Mas mesmo mir. Era sempre assim: após três dias seguidos
desanimado, sem forças, de coração de uso, esse estado era imposto: eis que se
apertado, debruçou meio corpo para dentro da aperta no peito o medo, o desgosto, a tristeza,
caçamba e sem nenhuma destreza puxou o pa- o remorso. Maldição!! Havia ainda o incom-
pelão, retirando os lixos de cima e jogando-os preensível sentimento de gratidão e culpa. Ai
na rua: que se dane. O homem ignorou o fato que dó da Dona Ana. Justo ele que não era
de que um batalhão de limpadores havia aca- dado à gratidão sentia essa estranho remorso
bado de lavar a rua e tirar o lixo daquele espa- pela avó. Ninguém me entende.
ço. Talvez um transeunte que caminhava para a
estação Sorocabana tenha se dado conta, por- Meio cambaleante, o homem se dirigiu à mar-
que ele olhou com incompreensão, desprezo e quise da Sala São Paulo, ajeitou o papelão, dei-
medo: esse Brasil está mesmo perdido. tou-se e lembrou: Não tenho cobertor. Ai que
frio, meu Deus.
O homem estava triste, visivelmente sonolen-
to, emagrecido, pés inchados, um pouco mo- Mas chovia. E a cabeça de tanto que doía, cres-
lhado da garoa fina paulistana que insistia em cia e diminuía. Crescia e diminuía. O dedão do
cair de forma tão impiedosa, e tão benevolen- pé, acompanhava a cabeça: crescia e diminuía,
te, que os jardins verticais da 23 de maio flo- crescia e diminuía.
resciam em tons de verde, roxo e vermelho. Ai
que frio, meu Deus!!! Preciso de um colchão, — Quem é? Isso não!!! – não se conteve e gritou.
É que o homem falava sozinho. Ele respondia A avó cobria o pote. Separava a água de beber
a uma voz grossa, imponente, vinda sabe Deus e colocava no filtro. Sempre tão cuidadosa, a
de onde. Dona Ana! Depois sentava-se na poltrona
com seu vestido estampado de manga três
— É o Coronel? quartos, a contar história da roça. Bons tem-
pos. Nem nascido você era. Fazia frio - Já na-
Mas a voz respondia comentando: cuidado, quele tempo o vento entrava pelas frestas do
estende o papelão. Faça xixi. Olha a cabeça!!! telhado e assoviava pressagiado. Os cachor-
O dedo dói.... estão te filmando... ros latiam, latiam.
Agora deu para sobrevoar helicópteros a pa- Ai que frio meu Deus: garoava em São Paulo, e
trulhar sua estadia na praça Julio Prestes. o Cristo do Sagrado Coração de Jesus, alheio,
se escondia na fumaça estendendo seus braços
— corra, olha o helicóptero, vão te pegar, eles sobre a praça desde 1900. Ai que frio, meu Deus.
te viram. Corra. Faça xixi. Olha a câmera.
De puro cansaço, o homem dormiu. Garoava
Mas de puro cansaço – o dedo crescia e dimi- em São Paulo.
nuía, crescia e diminuía – de puro cansaço o
homem dormiu e viu: ele viu a avó de cabelo — Vamos?
cinza e coque baixo carregando o pote de água
para dentro da casa. Ele abiu os olhos assustado, mas sorriu.
O CRATOD e o tratamento
da dependência química no Brasil
Marcelo Ribeiro
Luiz Gustavo Vala Zoldan
14
da criação de categorias nosológicas, desacor- XX, quando geraram uma quarta onda, dessa
rentou doentes e introduziu abordagens e te- vez médica e sociológica, que a partir dos anos
rapias de caráter social e ocupacional. trinta, foi varrendo os manicômios e fazen-
Sob esse novo paradigma, que huma- do surgir em seu lugar o hospital psiquiátri-
nizou o doente sem retirá-lo da reclusão, os co contemporâneo. Mesmo dotado de novas
hospícios deram lugar aos asilos ou hospitais tecnologias – inclusive farmacológicas –, de
de alienados. As sociedades altamente urba- concepções arquitetônicas mais arrojadas, es-
nizadas e racionalistas de meados do século paçosas e iluminadas, que acomodavam me-
XIX passaram a ter uma visão mais benevo- nos pacientes em unidades mais acolhedoras,
lente da loucura, desde que a mesma estivesse e de propostas terapêuticas que se aproxima-
longe dos seus olhos. Além disso, o cotidiano vam cada vez mais da multidisciplinaridade,
cada vez mais acelerado da urbe industrial não o hospital psiquiátrico da primeira metade do
permitia mais que as famílias cuidassem de século XX ainda se encontrava fechado em si
seus “membros improdutivos”. Dessa forma, mesmo e centrado na figura do médico.
os asilos para alienados se tornaram um “des- Seria necessária uma quinta onda,
tino-quase-natural” para esses, uma solução representada pelos movimentos antipsiqui-
para um funcionamento social cada vez mais átricos e humanitários dos anos sessenta e
voltado para as necessidades e os anseios in- setenta, para que, na Europa e na América an-
dividuais, em detrimento dos preceitos comu- glo-saxônica, os manicômios remanescentes
nitários e grupais. do século XIX se extinguissem por completo
Desse modo, ao longo do século XIX, e o hospital psiquiátrico passasse por uma
espalharam-se por todo o mundo ocidental, nova mudança de paradigma, a partir da qual
asilos dentro dos quais a psiquiatria, autori- se tornou cada vez mais especializado no ma-
zada pelo descaso da sociedade civilizada em nejo de crises e situações agudas relacionadas
relação à doença mental, se lançou no propó- aos “transtornos mentais” – eis a terminologia
sito não só de compreendê-la, mas principal- atual –, passando agora a integrar um sistema
mente de encontrar sua cura. Apesar de reunir, de tratamento eminentemente comunitário,
nessa empreitada, psiquiatras e teóricos cujas dentro do qual a multidisciplinaridade, a psi-
ideias não só revolucionariam a psicologia e a coterapia, as abordagens de natureza psicos-
própria psiquiatra no século seguinte, como social e a farmacoterapia se tornaram os seus
também desenvolveriam modelos de atenção elementos essenciais.
altamente humanizados já naquela época, a Os modelos de atenção específicos para
proliferação dos manicômios durante o século o tratamento da dependência de substâncias
XIX produziu efeitos colaterais bizarros e de- psicoativas no Brasil nasceram dentro do con-
sumanos para milhões de indivíduos, em todo texto dessa última onda, que valoriza a ideia do
o planeta, muitos dos quais permaneceram in- tratamento comunitário e em rede, com acesso
ternados por longos períodos, ou mesmo por universal e equânime, de acordo com os precei-
toda a vida, vítimas da exclusão, do descaso e tos do Sistema Único de Saúde (SUS), fruto do
de maus-tratos. processo de redemocratização brasileiro, pre-
Reações contra esse modelo surgiram vistos tanto pela Constituição Federal de 1988,
ainda na metade do século XIX, mas ganha- quanto pela Lei Orgânica da Saúde – Lei 8.080,
ram força transformadora apenas no século de 19 de setembro de 1990 (7).
verno, a referida portaria previa a criação dos de seis séculos é um direito inalienável de
primeiros Centros de Atenção Psicossocial – qualquer indivíduo e precisa ser garantido co-
Álcool e Drogas (CAPS-AD), cujo modelo de munitariamente a partir do contato e o traba-
funcionamento fora publicado pouco antes, lho conjunto entre as equipes da saúde e os
por intermédio da Portaria 336, de 19 de feve- Centros de Referência da Assistência Social
reiro de 2002. O CRATOD foi criado por de- (CRAS) e /ou Centros Especializados da As-
creto governamental (Nº46.860, 25.06.2002) sistência Social (CREAS), os responsáveis pelo
dentro desse contexto estruturante, tendo apoio assistencial ao cidadão e à cidadã nos
sido habilitado entre os primeiros CAPS-AD termos da Lei Orgânica de Assistência Social
do país, no final desse mesmo ano (Portaria (LOAS) nº 8.742/1993.
2.103/GM, 19.11.2002). Modelos de acolhimento social interes-
Em 2011, a regulamentação, no âmbito sados em combinar proteção social com abor-
do SUS, da Rede de Atenção Psicossocial para dagens de tratamento para a dependência quí-
pessoas com sofrimento ou transtorno men- mica, tais como as comunidades terapêuticas,
tal e com necessidades decorrentes do uso de moradias monitoradas e casas de passagem,
crack, álcool e outras drogas (RAPS) (Portaria também devem integrar essa rede de atenção,
3.088, de 23.12. 2011), consolidou os esforços uma vez que o processo de bem-estar e de re-
implementados na década anterior, podendo cuperação dos usuários de substâncias psicoa-
ser considerada a concretização legislativa des- tivas parece aumentar em qualidade e adesão
sa“quinta onda”transformadora da história das quando amparado por estruturas de moradia e
políticas públicas para os problemas relaciona- de assistência social (11).
dos ao consumo de substâncias psicoativas. Por fim, é preciso reconhecer a existên-
No entanto, apesar dos avanços, há um cia da doença mental e sua natureza neurobio-
conjunto de “acidentes geográficos” decorren- lógica – além da psicossocial – e que essa ante-
tes de ondas anteriores a espera de soluções. cedeu a criação dos manicômios e por isso não
A necessidade de superar o manicô- desaparecerá juntamente com eles – pelo con-
mio e o hospital psiquiátrico anacrônicos, por trário, cuidados comunitários desestruturados
intermédio dos processos de desinstitucionali- que não valorizam ou renegam seu componen-
zação previstos em lei (10) – tais como a Por- te biológico acabam negligenciando o cuidado
taria 2.840, 29.12.2014 – é uma das ações mais e o direito dos pacientes a um tratamento digno
importantes do momento. Da mesma impor- (5). Nesse sentido, é essencial que as reformu-
tância são os esforços no âmbito jurídico e dos lações das práticas de tratamento – dentro e
movimentos de cidadania e direitos humanos fora da psiquiatria – sejam novamente assimi-
no sentido da criação de mecanismos e dispo- ladas e integradas dentro da rede de atenção ao
sitivos de fiscalização das práticas clínicas em usuário de substância psicoativa.
saúde mental e de garantia de direitos para os Como será possível notar a partir da lei-
usuários de substâncias psicoativas, atendidos tura dos capítulos que compõem esse livro, o
dentro ou fora do âmbito do SUS. CRATOD, dentro do âmbito do Programa Re-
Também é importante considerar que a começo, tem assumido um importante papel
“função de hospedaria” – ou, hodiernamente, no sentido de integrar ações aparentemente-
o direito à moradia – que fomentou o nasci- antagônicas, as quais, na realidade, são com-
mento das políticas de saúde mental há mais plementares. Dentro desse espírito, é o serviço
que mais realiza ações de baixa exigência – na conta hoje com um Núcleo de Pesquisa (NuPE),
lógica da redução de danos – no Brasil; o único dedicado à aplicação de métodos quantitativos
que desenvolve modelos de moradia compatí- e qualitativos para a analise epidemiológica e
veis com o momento do processo de recupera- intervencionista na dependência química.
ção dos usuários de substâncias psicoativas que Ações que certamente constituíram um
utilizam o programa – de casas de passagem marco paradigmático – teórico e prático – ,
a moradias monitoradas; e definitivamente, o dentro de um contexto histórico em busca de
primeiro serviço público de atenção que voltou modernizações coerentes, eficazes, sustentá-
a valorizar as práticas de tratamento estrutura- veis e centradas nas necessidades dos usuários
do, seja no âmbito da psiquiatria – tais como o de substâncias psicoativas e seus grupos de
manejo das situações de emergência / urgência, convívio, removendo estigmas e preconcei-
a internação e suas modalidades e a farmaco- tos, em nome da reinserção psicossocial e do
terapia – ou fora dele – psicoterapia, aconse- acesso à cidadania para esses indivíduos. Eis a
lhamento e técnicas de avaliação psicológicas onda que o CRATOD pretende mobilizar den-
específicas –, dentro da proposta de multidis- tro do oceano de possibilidades relacionado ao
ciplinaridade vigente. Além disso, o CRATOD consumo de substâncias psicoativas.
Referências Bibliográficas
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11. National Treatment Agency for Substance Misuse. Models of residential rehabilitation for drug and alcohol misu-
sers. London: NTA; 2006.
Marcelo Ribeiro
20
brasileiro e sem capacidade de absorver mais dos anos noventa. Enquanto a sociedade pau-
trabalhadores, teve lugar, nas palavras de Silva listana - à mercê de mais uma onda de caos so-
(2008) (4), um processo de crescimento urba- cial -, continuava a “tentando entender o que
no marcado pelo espraiamento de habitações se passava, ao mesmo em que lutava para não
precárias nas periferias das cidades – os cor- ser devorada por ela” - como já afirmara Sev-
tiços e as favelas – e da proliferação de ativi- cenko (1) -, o narcotráfico institucionalizado e
dades terciárias de baixa produtividade e todo absurdamente competente do ponto de vista
o tipo de atividades improvisadas que tinham empresarial lançava nas ruas paulistanas uma
como objetivo básico a subsistência. nova droga: o crack, uma forma de se consu-
No final dos anos setenta, a região do mir cocaína pela via inalatória - “fumada”.
centro da cidade contava com terminais de Essa droga, que provocava dependên-
ônibus urbanos, metrô e uma rodoviária que cia com grande rapidez, se espalhou pelas ruas
recebia dois mil ônibus intermunicipais diaria- periféricas da zona leste a partir de 1989, ga-
mente; isso destruiu definitivamente o pouco nhou notoriedade no centro da cidade e in-
da infraestrutura residencial que restava, fa- vadiu serviços de atendimento que estavam
zendo surgir em seu lugar hotéis baratos, casas pouco ou nada preparados para recebê-los (5).
de cômodo, cortiços, zonas de baixo meretrí- Não se sabe os caminhos que o crack
cio, além de botequins e um pequeno comér- trilhou até chegar à São Paulo - o mesmo apa-
cio para suprir essa nova população volante. receu na primeira metade dos anos oitenta em
A região central, porém, ainda era mais cidades como Nova Iorque, Los Angeles, De-
viável do que a periferia com seus barracos troit e Miami, sempre em locais com baixa pre-
sem energia elétrica, água tratada ou transpor- sença do Estado, nos bairros e guetos de ne-
te público, com esgoto correndo a céu aberto, gros e latinos. Por aqui, parece ter aportado na
todo tipo de doenças infectocontagiosa e altos zona leste, mas especificamente em São Ma-
índices de violência. Desse modo, milhares de teus e Cidade Tiradentes, na época compostos
andarilhos, moradores de rua, crianças e ado- por um mar de barracos e moradias populares.
lescentes começaram a procurar o centro da Na transição para a segunda metade dos anos
cidade, em busca de comida, abrigo, oportu- noventa chegou à região da Luz (6).
nidades de trabalho - “bicos” - ou para realizar
contravenções. As crianças e adolescentes, os
quais passaram a ser chamados “meninos de Da “Boca do Lixo”, nasce a
rua” (4), consumiam cola-de-sapateiro, an- cracolândia.
davam em bandos, dormiam pelo centro e se
transformaram em um símbolo do desamparo As regiões da Luz, Bom Retiro e
nacional, daquele Brasil que dava os primeiros Campos Elíseos sempre estiveram associa-
passos rumo à redemocratização (1982-1985). das à ilicitude. Desde a virada do século, a
Luz se especializara em receber desde fa-
zendeiros, empresários e políticos ilustres,
O crack e o crime organizado que viajavam em vagões de primeira clas-
se, até lavradores e imigrantes humildes,
O fenômeno do crime organizado e aos quais hospedava, respectivamente, em
seus desdobramentos atuais é um fenômeno requintados hotéis ou em pensionatos ou
casas de cômodo. Nesse contexto de alta ro- esse ramo - a vocação da Rua Santa Ifigênia para
tatividade, o Bom Retiro contava com a zona o comércio de eletrônicos veio daí (8). Entre as
de meretrício mais famosa da capital, assim décadas de 60 e 80, a região se transformou no
como bancas de jogo ilegais (7). centro do cinema independente nacional e na
Meca da pornochanchada, passando a respon-
der por 40% da produção cinematográfica nacio-
nal (8). Rapidamente, essa região se transformou
em um ponto de encontro de artistas, produtores
de cinema, patrocinadores e fãs.
Mas o processo de decadência do cen-
tro da cidade continuava em curso, continuan-
do paulatinamente a transformá-lo em zona
de trânsito de pessoas, tomado pelo comér-
cio ambulante e dominado pela criminalida-
de. Essa região artística que paulatinamente
se degradava passou a ser chamada “Boca do
Lixo”, termo que se expandiu ulteriormente
para os bairros vizinhos. Quando, em meados
dos anos setenta, esse gênero cinematográfico
entrou em decadência, a “Boca” se converteu
em uma zona de baixo meretrício e de cine-
mas pornôs - outras salas, ainda, deram lugar
a igrejas evangélicas e a estacionamentos (8).
De volta aos anos noventa, o crack se
expandia no extremo leste da cidade. O mer-
cado aos poucos se aquecia, produzia disputas
e, obviamente, mortes. Grupos de extermínio
organizados nas periferias davam um fim aos
nóias que incomodavam em demasia a vizi-
nhança, fazendo algazarra, ameaças paranóides
ou cometendo pequenos furtos para comprar
Figura 2: Uma publicação oficial da polícia paulistana
(1937) faz um ‘mapeamento étnico’ da prostituição local. mais pedra. Além disso, a produção de crack
Consideradas “delinquentes natas”, provenientes das nesses bairros distantes crescia rapidamente e
classes pobres e debilitadas psiquicamente, as mulheres precisava de uma via de escoamento (5).
eram diretamente culpabilizadas pela existência da prosti- A “Boca do Lixo” tinha tudo para receber
tuição. “Revista Oficial do Gabinete de Investigação”, Ano
essa droga e seu comércio: era facilmente aces-
II, Nº 13, SP, 1937. Extraído de Rago (2008), p. 169 (7)
sível e, ao mesmo tempo, longe do ‘faroeste ca-
boclo’ dos grupos de extermínio das periferias;
Nos anos 30, um polo cinematográfico por se tratar de uma região tradicionalmente
se instalou na região, especialmente nas ad- dedicada a atividades ilegais, contava com uma
jacências da Rua do Triunfo e da Rua Vitória, rede de conivência com o poder público - espe-
atraindo todo o tipo de comércio relacionado a cialmente com a polícia -, que lhe dava ares de
território livre (5,8); suas ruas eram coalhadas de Não seria preciso dizer, que os mais
bares, restaurantes e hotéis, o que lhes conferia abastados não utilizavam o trem há pelo me-
um aspecto de rua-vinte-e-quatro-horas e uma nos vinte anos, preferindo agora o carro parti-
sensação de maior segurança; além disso, seus cular, o ônibus ou o avião como meio de trans-
frequentadores tinham um perfil “mundano” porte. Os hotéis, bares e restaurantes refinados
que interessava bastante aos narcotraficantes (5). fecharam ou mudaram de endereço, assim
Foi lá que o crack chegou pouco antes de 1995 como fizeram as prostitutas elegantes. Sobra-
(9), e lá permanece até o momento. ram os enjeitados, os “sem-teto”, os afeitos à
contravenção, as prostitutas desdentadas e os
travestis contaminados pelo vírus da AIDS -
assim como os usuários de drogas injetáveis
que buscavam o crack por medo de compar-
tilhar agulhas –, os imigrantes ludibriados e
atirados às feras da selva de pedra paulistana,
os meninos e meninas de rua. Mas agora, com
um agravante: uma nova forma de cocaína,
para ser fumada, chegara a esse contexto pro-
fundamente degradado. Rapidamente, a mes-
ma tornaria muitos dos seus usuários grave-
mente dependentes, fisicamente debilitados,
mentalmente comprometidos e distantes dos
seus grupos de convívio originais. Nascia as-
sim, a cracolândia paulistana.
importante etapa a ser superada que é a inte- a tuberculose chegam a acometer esses indiví-
gração plena deste conjunto de ações com uma duos dez vezes mais do que a população geral.
comunicação assertiva. Além disso, a cracolân- Uma população adoecida clínica e psiquiatrica-
dia não deve ser encarada como um “bairro”, mente, dominada pela violência do narcotrá-
um “distrito”, mas sim, como uma comunida- fico, à espera de inclusão, a qual, infelizmente
de estruturada e gerenciada pelo narcotráfico, não virá apenas a partir da garantia do direi-
dentro da qual uma comunidade de usuários to de consumir drogas ou de estar em cenas
vive numa espécie de massificação narcótica abertas de uso, se assim desejar. A realidade, na
do desejo, a partir da qual a subjetividade e a verdade, é outra: não estamos olhando para re-
individualidade sucumbiram perante os apelos fugiados de guerra ou migrantes da seca, famé-
orgânicos da dependência, a crueza do precon- licos e destituídos de tudo, mas para um grupo
ceito e da indiferença social, bem como a con- de cidadãos reféns da doença e da violência do
cretude da violência com que os narcotrafican- tráfico, que necessita apoio dos agentes públi-
tes aplicam as leis que regem o lugar. cos e das autoridades para sair de lá.
Um levantamento realizado pela Uni- Essa é terceira etapa para a qual deve-
dade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD mos caminhar: integrar ainda mais as ações
– UNIFESP) (14), em 2011, revelou que um ter- de saúde, assistenciais e policiais, com a par-
ço dos usuários já havia sofrido algum tipo de ticipação e o respaldo do Ministério Público,
violência, principalmente por outro usuário e da Defensoria Pública e do Poder Judiciário,
que 10% das mulheres já tinham sido estupra- partindo do pressuposto da inadmissibilida-
das por outros usuários ou por traficantes. Um de das cenas abertas de consumo de crack,
terço das mulheres que frequentam a cracolân- em razão do seu caráter aniquilador da dig-
dia têm sífilis, uma moléstia de fácil tratamento, nidade e da cidadania dos que ali se encon-
mas com desdobramentos debilitantes e per- tram subjugados. A partir desse instante, a
manentes quando cronificada. Outras doenças história da cracolândia poderá finalmente
infectocontagiosas, como a Aids, as hepatites e ter um final feliz.
Referências Bibliográficas
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Marcelo Ribeiro
Ana Leonor Sala Alonso
Raquel Cleide Mota Carvalho
Luiz Gustavo Vala Zoldan
Sandra Marques
28
Antes da criação do CRATOD, o es- pelas garantias dos direitos da pessoa humana
paço era sede do Posto de Assistência Médica no âmbito da saúde, em 2001 é promulgada a
(PAM) Bom Retiro, órgão administrado pelo Lei 10.216 que estabelecia que os portadores de
Instituto Nacional de Assistência Médica da transtornos mentais não fossem mais vítimas
Previdência Social (INAMPS). À época, o es- de qualquer tipo de discriminação e omissão,
paço realizava atendimento psiquiátrico, sem determinando que o atendimento aos portado-
que houvesse propriamente uma atenção vol- res de transtornos mentais passasse a ser feito
tada aos transtornos por uso de substâncias em serviços de modelos comunitários extra-
psicoativas. Em 1987 foi criado o Sistema Uni- -hospitalares, garantindo a convivência familiar
ficado e Descentralizado de Saúde (SUDS) e comunitária. A lei não extingue as interna-
que reafirma as diretrizes estabelecidas pelas ções, mas regulamenta e tipifica as internações
Ações Integradas de Saúde (AIS) e realiza voluntárias, involuntárias e compulsórias, em
convênios entre o INAMPS e Governos es- consonância com as necessidades expostas
taduais na gestão dos serviços. São Paulo foi pelo Movimento da Reforma Psiquiátrica (1).
o primeiro estado brasileiro a assinar o con- Sob tal contexto, em 2002 houve uma
vênio com o SUDS, em 22 de junho de 1987. reforma da proposta da instituição e em 25 de
Assim, progressivamente, os PAMs foram re- junho, a partir do Decreto nº 46.860 foi cria-
qualificados e gerenciados pelo SUDS. do, pela Secretaria de Saúde do Estado de São
Com a promulgação da Carta de 1988, Paulo, o“Centro de Referência de Álcool, Taba-
a saúde passa a ter significado muito mais co e Outras Drogas” (CRATOD), tendo como
abrangente do que a simples assistência mé- eixo norteador as seguintes finalidades:
dica curativa e preventiva. Em 1990 são criadas I - constituir-se em referência para a defini-
as leis Nº 8080 e Nº 8142, regulamentando o ção de políticas públicas para promoção
artigo 196 da Constituição Federal que ins- de saúde, prevenção e tratamento dos
titui o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo transtornos decorrentes do uso indevido
como princípios doutrinários a universalidade, de álcool, tabaco e outras drogas;
a equidade, a integralidade e a participação da II - desenvolver conhecimento e tecnolo-
sociedade na construção dessa política. gia voltados ao enfrentamento:
A descentralização na gestão dos ser- a) dos problemas causados à saúde, rela-
viços ocorreu de forma irreversível e, em 1991, cionados ao uso indevido de álcool, ta-
o PAM Bom Retiro recebeu a denominação de baco e outras drogas;
Núcleo de Gestão Assistencial 10 (NGA 10), b) de outros transtornos compulsivos, den-
continuando sob a gestão estadual e prestan- tre os quais os alimentares e sexuais;
do atendimento na área de saúde mental. En- c) de outros transtornos causados por ál-
quanto NGA 10, foi observado na instituição o cool, tabaco e outras drogas no período
crescimento de transtornos relacionados ao uso da adolescência;
de álcool e na tentativa de diminuir e lidar com III - prestar assistência médica intensi-
o estigma associado a tal transtorno, foi criado va e não intensiva a pacientes com
um grupo de cuidados aos usuários de álcool, transtornos decorrentes de álcool,
com a participação de alguns dos funcionários. tabaco e outras drogas, nas diversas
Com o progressivo fortalecimento do faixas etárias, incluindo o período
SUS, assim como com o aumento do trabalho de adolescência;
deles leitos de isolamento para portadores de Química. O CRATOD trabalha com educação
tuberculose (tais leitos foram usados de ma- permanente e capacitações para o estado de
neira recorrente como retaguarda para outros São Paulo dentro das ações do Programa Na-
CAPS da região), além de mais 01 leito de cional de Combate ao Tabagismo. Conta tam-
emergência para estabilização de casos com bém com um Núcleo de Pesquisas, oferecendo
demanda clínica. A unidade conta com uma ainda local de estágio para alunos de medici-
porta de atendimento aberta a urgências em na, enfermagem, aprimoramento em depen-
dependência química (a primeira e única do dência química, entre diversas outras ativida-
Brasil) contando com psiquiatras e médicos clí- des. De maneira geral, há uma ampla gama
nicos 24 horas para tal suporte, além de equi- de serviços ofertados pela unidade, pois, para
pe de enfermagem e equipe multiprofissional, a instituição, após esses anos de experiências,
com testagem rápida para diversas doenças fica claro que não há soluções simples para um
infectocontagiosas para todos os usuários que problema tão complexo e multifatorial. Não se
tiverem desejo de realizar os testes. Possui trata de uma discussão entre redução de danos
também um CAPS, com estrutura avançada, ou abstinência. Trata-se de ouvir a voz do usu-
contando com atendimentos odontológicos, ário e seus anseios, trata-se de garantia de di-
incluindo confecção de próteses dentárias, sala reitos, não apenas do direito à liberdade de ir e
de reabilitação física, atendimento de infecto- vir, mas do direito a moradia, saúde, trabalho e
logia (sendo hoje uma Unidade Dispensadora cidadania. Em conclusão, fica o desejo de que
de Medicações Antiretrovirais - UDM) e abor- se possa ampliar esse atendimento e melhorar
dagens de rua na região da cracolândia, rea- a cada dia a condição desta população já tão
lizadas pelos Conselheiros em Dependência marginalizada e estigmatizada.
Referências Bibliográficas
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Drogas – CAPSad. Mestrado em Serviço Social pela PUC-SP, São Paulo 2011.
2. Decretos extraídos do Diário Oficial - Estado de São Paulo (numeração e data disponíveis no capítulo).
No meu caminho
Tinha Uma pedra
Um bloco
Uma montanha
Fumei todas
O celular da minha irmã
O micro-ondas da minha mãe
O pneu do carro do meu pai
Fumei Meu tempo
Meu talento
Meu lamento
Fumei Meus bens
Meu bem
Meus trens
Fumei O teu
O meu
O nosso
Restou os ossos
No meio de um vale seco
Esperando um profeta
Soprar e me levantar
Paulo Mapu
(Paulo Roberto da Silva)
c a P í t u l o
Hannelore Speierl
Raquel Cleide Mota Carvalho
Renata Rigacci Abdalla
Claudio Jeronimo da Silva
35
Fluxo 1.
Referências Bibliográficas
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outros campos da intervenção e do saber. Em: D. X. Silveira & F. G. Moreira (Orgs.). Panorama atual
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A Arte no Recomeço:
Bateria Coração Valente
3. Resultados
4. Considerações finais
Em uma análise retrospectiva com to-
dos os registros de pacientes desde a criação A experiência da bateria tem a possi-
do serviço, observamos que, de um total de bilidade de conduzir o usuário a um encontro
10.121 pacientes tratados na Unidade Helve- consigo mesmo, refletindo seu padrão de uso,
tia, 2.813 (28%) frequentavam aulas e faziam mediando uma conexão entre a música e seu
parte da bateria. subconsciente. O contato com a música pode
O relato do caso abaixo demonstra ter o papel de ressignificar a “dependência”,
a importância da implantação deste projeto promovendo uma escuta de seus sentimentos
como coadjuvante do tratamento da depen- e a descoberta de respostas dentro de si mes-
dência química. mo, ao invés de procurá-las fora.
Referências Bibliográficas
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realidade. IN: Farah, Marta, Fujiwara, Luis e ALESSIO, Nelson (ORGs). 20 experiências de gestão
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sive and effective drug policy. Addiction. 111: 571 –573. DOI: 10.1111/add.13151.
A Cozinha Experimental
Desiree Mendes
Ariadne Ribeiro
Marcelo Ribeiro
44
entrada, que pode parecer natural, mas que a em suas lembranças, alguém que eles foram, al-
eles parece um pouco embaraçoso, e mesmo guém que tinha família, sentimentos, habilida-
assim os vemos ir em frente. des e a descobrir que, na verdade, ainda o são.
“Chego, ando nas imediações, acordo eles, “Mesmo as pessoas que não me
e chamo pra que eles venham participar conheciam no passado, assim que eu me
do grupo, sempre com humor – sacode a apresento, acontece uma coisa mágica,
muquirana, tem mais felpo na sua barba capaz de criar um vínculo que permite a
do que no seu cobertor – estabelecemos eles, me olhar nos olhos e se reconhecerem
uma relação de confiança, e a partir disso, em mim. Hoje construí uma relação
eles também conseguem mostrar a pessoa tão boa com eles, que não temos mais
que eles eram, porque eles também não se problema de partilha, de divisão, eles
reconhecem na condição em que estão no conseguem pensar no outro, porque eu
momento atual.” mostro pra eles como é entrar no meu
Desirée mundo. Eu sinto que cresce neles um
desejo de fazer diferente, eu busco ali
Assim que os usuários chegam ao pré- dentro resgatar o melhor deles.”
dio URH pegam a fichinha do banho e se hi- Desirée
gienizam antes de subir. Assim que eles so-
bem, são acolhidos e apresentados à oficina de O grupo sempre focaliza em uma te-
Cozinha Experimental. mática diferente, a nossa mestre-cuca é quem
“Eu acredito que no primeiro impacto dá o tom da orquestra, que tem direito à mú-
eu pego eles pela fome, geralmente bem sica de fundo e tem um olhar que reflete uma
desorganizados, quando se inicia o compaixão ímpar, que proporciona aos usuá-
grupo, eles mesmos se cobram da higiene rios um momento de envolvimento com a ati-
necessária à participação do grupo. vidade e com um processo engrandecedor que
Geralmente eu conto a minha experiência, se dá nas coisas mais simples da vida, como
e tenho a oportunidade de estabelecer uma conversa despretensiosa e cheia de em-
uma relação de igualdade, falando sobre a patia, um cuidado traduzido em uma fatia de
minha história”. bolo ou em um pão recheado. Tudo isso ali-
Desirée menta muito mais que um estômago. É capaz
de alimentar de esperança a alma desses in-
Para quem visita pela primeira vez essa divíduos que se esqueciam de si mesmos e de
oficina, o que pode ser visto é algo que soa bas- sua importância, a cada tragada que davam.
tante incomum, ao notar-se que os mesmos “Eles me perguntam, como? Eu digo que
usuários que há poucos minutos estavam alie- existe um botãozinho aqui dentro, que só
nados e pareciam estar preocupados somente você tem o poder de desligar. Eu passei por
em como conseguir mais drogas, estão, neste 19 clínicas, fui presa, mas eu sinto que eu
momento, como que hipnotizados, ouvindo a sou a soma de todas essas tentativas, um
Desirée contando sua história e apresentando querer único e exclusivo meu.”
para eles o grupo de cozinha experimental. “E a satisfação que tenho é que consigo
O mesmo acontece no processo inverso, receber mais deles do que acredito que eu
a história da Desirée inspira-os a resgatarem, tenha pra oferecer.”
A Cozinha Experimental
46
Referências Bibliográficas
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sive and effective drug policy. Addiction. 111: 571 –573. DOI: 10.1111/add.13151.
resumidamente, este capítulo se propõe a des- Por exemplo: “Pelo que conversamos,
crever o trabalho dos conselheiros parece que você está bebendo numa quanti-
O termo “Intervenção Breve” refere-se dade que pode lhe causar sérios problemas de
a uma estratégia de atendimento com tempo saúde ou sociais - vamos conversar um pouco
limitado, cujo foco é a mudança de comporta- mais sobre isso?...”
mento do indivíduo.
Seu objetivo é ajudar no desenvolvi- R (responsibility) – Responsabilidade e
mento da autonomia das pessoas, atribuindo- Metas
-lhes a capacidade de assumir a iniciativa e a A função do profissional de saúde será
responsabilidade por suas escolhas. alertá-lo e ajudá-lo.
É uma intervenção de curta duração, A mensagem a ser transmitida ao pa-
que tem um foco definido, de maneira objetiva. ciente corresponde a: “O uso da substância é
OBS: No caso de dependentes de alta uma escolha sua e ninguém pode fazer você
gravidade, que possuem vários problemas re- mudar seu comportamento ou decidir por você.
lacionados ao uso de substâncias, o foco sem- Se você percebe que isso está prejudicando sua
pre será o encaminhamento a um dispositivo vida e sua saúde, e se quiser mudar, podemos
especializado de tratamento (CRATOD). ajudá-lo, mas a decisão é sua”. Isso permite ao
Miller & Sanches propuseram alguns paciente ter o controle pessoal em relação ao
elementos essenciais do processo de Interven- seu comportamento e suas consequências.
ção Breve. Esses elementos têm sido reunidos A meta sempre será o tratamento, mas
usando a abreviação FRAMES (que em inglês devemos entender que esta é uma decisão que
significa “moldura”, enquadramento, ou seja, só pode ser tomada pelo sujeito, cabendo a
você irá “enquadrar” os seus procedimentos nós ajudá-los a ponderar sua decisão.
nesse esquema).
F eedback (devolutiva ou retorno) A (advice) – Aconselhamento
R esponsibility (responsabilidade) Fornecer um motivo para que o pacien-
A dvice (aconselhamento) te considere a possibilidade de mudança do
M enu of Options (menu de opções) comportamento.
E mpathy (empatia) Oferecer ao paciente informações so-
S elf-efficacy (autoeficácia) bre o uso de substâncias. É muito importante
relacionar os problemas atuais, relatados pelo
F (feedback) – Devolutiva ao paciente paciente, com seu uso de substâncias. Algu-
após a triagem do uso de substâncias: mas vezes o paciente não percebe que é o uso
Nessa primeira etapa, avalia-se o con- de álcool ou de outras drogas que está afe-
sumo de álcool e/ou outras drogas e proble- tando seriamente sua saúde. Por exemplo, no
mas relacionados a esse consumo, por meio da caso de úlceras gástricas e uso de álcool, enfi-
Ficha de Abordagem. sema e uso de tabaco, maconha e problemas
Após essa avaliação, o paciente rece- de memória, etc.
be um retorno (ou feedback) sobre os riscos Desenvolver discrepância consiste em
do seu padrão de consumo. Isso poderá servir ajudar o paciente a conscientizar-se dos cus-
também de ponto de partida para convidar o tos de seu comportamento atual relacionados
paciente a receber uma intervenção. com a dependência de drogas.
também uma oportunidade de dar novo signi- para pacientes gravemente acometidos pela
ficado à sua trajetória de vida. dependência de crack.
Preparando os profissionais para lidar Esses conceitos são amplamente dis-
com as situações de crise da população em si- cutidos em capacitações semanais, e exemplos
tuação de rua, momento em que apresentam práticos são utilizados para que os conselhei-
menos resistência e normalmente buscam aju- ros tenham base para aplicar na abordagem.
da nas instituições para tratamento, eles são
preparados também para perceber essa fase de Metodologia de Aplicação da
prontidão para receber ajuda e realizar os enca- Entrevista Motivacional
minhamentos necessários, com um trabalho em
rede articulada de serviços (Varanda & Adorno, Perguntas abertas –
Como posso ajudar? O que
2004; Santos & Bastos, 2002; Magnani, 2002; você gosta no crack? O que você quer fazer
Aueswald & Eyre, 2002; Scanlon et al 1998). quanto a isso? Na sua opinião, parar de usar
Essa intervenção é proposta, por esses pode ser importante por quê?
profissionais, como atividades simples e criati-
vas, utilizando música, esportes, pintura, dan- Reforço positivo– Consiste em valorizar as
ça, jogos educativos, e outras estratégias de ideias que contemplem a mudança do indi-
formação de vínculo. víduo, dadas por ele mesmo. Elogiar, apoiar,
compreender.
A Entrevista Motivacional no Contexto
da Abordagem de Rua Reflexão – Sempre que possível, reformular a res-
RQC é um questionário composto posta do indivíduo com fidelidade e amplitude,
por 12 itens que abrangem os estágios mo- de maneira simples e demonstrando empatia.
tivacionais de mudança – pré contemplação,
contemplação e ação. O estágio de manu- Resumir – Conectar assuntos, demonstrar que
tenção não é abordado por esse instrumento, está com a atenção voltada ao que o indivíduo
mesmo porque o questionário será aplicado está trazendo e auxiliá-lo a organizar as ideias.
in loco, no ambiente onde os usuários estão
fazendo o uso de substância. Este questio- Cada estágio de motivação merece
nário foi elaborado para avaliar pacientes uma atenção específica com estratégias e tare-
dependentes de álcool, mas foi adaptado fas motivacionais
RECAê DA
Referências Bibliográficas
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Ariadne Ribeiro
Viviane Briese
Relba Fritoli
Aparecida dos Santos
Marcelo Ribeiro
56
Gráfico 2: Prevalência da ocorrência de sexo desprotegido em diferentes populações portadoras ou não de IST’s dentre
usuários atendidos no CRATOD.
Gráfico 3: Ocorrência de ideação suicida entre usuários do serviço CRATOD, portadores ou não de IST’s.
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Figura 1. Relação dos danos causados pelo uso das drogas (Adaptado de Sakamoto e col., 2015).
Dentre as DSTs, as infecções pelo HIV (3). Situação de extrema importância, pois em
são freqüentes entre os usuários de crack devi- pesquisa realizada no Brasil de 2014, aproxi-
do seu comportamento sexual de risco. As mu- madamente 13% das usuárias de crack (10.000
lheres têm incidência duas vezes maior do que mulheres) estavam grávidas (1).
os homens (1). Vários estudos enfatizam o papel Dentre as morbidades durante uma
dos fatores sociais na vulnerabilidade dessas gestação em usuárias de crack da Cracolân-
mulheres e o engajamento dos comportamen- dia de São Paulo estão presentes altos índices
tos sexuais de risco como causa importante no de prematuridade e óbito fetal intrauterino
aumento da infecção, mas poucos estudos têm (3). Também apresentam rotura prematura de
tentado identificar esses fatores. A rejeição social membranas (28,9%), descolamento prematuro
parece estar significativamente associada com de placenta (2,4%), e grande parte dos recém-
um maior número de parceiros sexuais (2). -nascidos apresentam peso inferior a 2.500 g
A sífilis também apresenta incidência (42,2%) (4). Os maiores gastos no serviço pú-
elevada nessa população, quer entre mulheres blico no Brasil com uma gestação não planejada
que estão fazendo contracepção com implante são devidos a complicações com recém-nasci-
(20,4%) (3), quer durante a gravidez (15,7%) (4). dos, representando 72% desse custo, atingindo
Ainda existem poucos estudos que re- valores de R$ 2,84 bilhões ao ano (6).
lacionam o consumo de crack e cocaína com o A realização da contracepção em mu-
aumento nos níveis de violência às mulheres, lheres usuárias de crack para promover a redu-
tais como argumentos verbais, agressões físicas ção dessas situações de risco em uma gestação
e ameaças de morte, motivados principalmen- não planejada é necessária, pois aproximada-
te pelo envolvimento no tráfico de drogas (5), mente 1/3 delas não utiliza qualquer método
em que quase 1/3 das mulheres já foram presas contraceptivo (36,6%) (3). Além disso, deve
(36,8%), e quase metade delas sofreram algum ser abordada de modo especial, pois há neces-
tipo de violência sexual (46,6%) na maioria das sidade de se ter ações imediatas e práticas, já
vezes devido a sua submissão perante o homem, que não se consegue fazer uma programação
agravando esse estado de vulnerabilidade (1). para consulta ginecológica, coleta de exames e
Quando uma mulher usuária de droga introdução do método contraceptivo.
ilícita apresenta uma gestação não planejada, A utilização de métodos de curta dura-
além de ela ser de alto risco pelo aumento da ção como as pílulas contraceptivas existentes nas
morbidade e mortalidade materna e neona- unidades de saúde básica, assim como o anel
tal, também determina danos à criança, aos vaginal ou o injetável mensal que não são forne-
familiares, à sociedade e ao serviço público cidos pelo serviço público, não devem ser indica-
dos nessa população devido ao uso inadequado principalmente pela não utilização de métodos
causado por esquecimento, onde a taxa de falha contraceptivos, pois aproximadamente dois em
real pode aumentar em até 3.000% (7). cada três adolescentes (62%) não usaram anti-
Em revisão sistemática da literatura sobre concepcionais na última vez que tiveram rela-
o uso de anticoncepcionais por mulheres usuá- ções sexuais. Também apresentam aumento no
rias de drogas ilícitas, principalmente por opiói- risco de DSTs, pois 15% já tiveram pelo menos
des (51%), mas, também por outras substâncias uma infecção sexualmente transmissível, e mui-
como álcool e cocaína verificou-se que a preva- tos dos que tiveram uma re-infecção apresenta-
lência contraceptiva é menor em comparação vam taxas mais elevadas de uso de cocaína (11).
com a população de não-usuárias (56% vs. 81%, Contudo, não devemos praticar somente
respectivamente), onde os preservativos são os uma contracepção temporária ou definitiva nes-
mais utilizados (62%), enquanto o uso de LARCs sa população vulnerável. Há a necessidade de se
(contraceptivos de longa ação) como implantes conhecer os aspectos epidemiológicos e sociais
e dispositivos intra-uterinos (DIUs), são muito envolvidos para uma maior integração de ações
menos prevalentes (8%) (8). Essas mulheres têm que sejam eficazes na ajuda dessas mulheres.
uma necessidade não atendida de contracepção O Projeto GRAVIUS, desenvolvido pelo Cen-
para reduzir a gravidez não planejada, especial- tro de Referência da Saúde da Mulher (Hospital
mente de LARCs, que devem ser oferecidos por Pérola Byington) em conjunto com o Centro de
serviços de contracepção, junto com equipes que Referência para Álcool, Tabaco e Outras Dro-
realizam o tratamento básico contra a droga (9). gas (CRATOD) desde março de 2014, realiza a
Porém, entre as mulheres usuárias de crack exis- contracepção através do implante subdérmico
tem inúmeros obstáculos para selecionar candi- de Etonogestrel, coleta esses dados, promove o
datas para o uso dos DIUs, principalmente pelo diagnóstico e tratamento de DSTs e o diagnósti-
fato da moléstia inflamatória pélvica não apre- co, prevenção e tratamento do câncer de colo do
sentar diagnóstico e tratamento firmados (3). útero, além de promover oportunidade para um
Por todos esses motivos, o implan- tratamento mais adequado do vício.
te subdérmico de Etonogestrel aparece como
importante método contraceptivo, e provavel-
mente é o mais adequado para essa popula- Tópicos sobre o modelo de
ção. Além da prevenção de gravidez não pla- intervenção
nejada, pode reduzir danos familiares, sociais
e principalmente, custos ao serviço público (3).
Também devemos considerar a con- Seleção e manejo das pacientes
tracepção com LARCs entre adolescentes pela As pacientes são abordadas e selecio-
alta incidência de gravidez não planejada (10), nadas de modo voluntário por enfermeiras
Antecedentes obstétricos
Média de idade
Gestações Filhos vivos Abortos
Nos antecedentes sexuais, a média ocorreu nenhum caso de gravidez até o pre-
de idade da primeira relação sexual é de 14,3 sente momento.
anos, onde 30,6% não utilizam qualquer mé- Algumas pacientes conseguiram reali-
todo contraceptivo e 33,6% trocam sexo por zar com sucesso o tratamento contra o uso das
drogas ou dinheiro para sua compra (tabela 2). drogas, além de continuar utilizando o implan-
te como contracepção, conseguiram meios para
Antecedentes sexuais a subsistência com alguma ocupação remune-
rada e adquiriram estabilidade conjugal.
Média da idade do 1º coito:
14,3 anos (variação: 9 e 26 anos)
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s e ç ã o
O tratamento Ambulatorial
no contexto CAPS – CRATOD
era hora!
N
ão sabia se queria ou não. Passou na festa havia de continuar. Era a despedida. Tantas vezes
porta diversas vezes, ameaçou entrar, já se despediu. Quase sempre que se perguntava se
nunca entrava. Via ou outros ali na entrava ou não entrava havia uma festa de despedida.
frente, conversando, rindo, gritando. Já não conseguia nem se despedir. Era hora!
Pensava como seria ali dentro, pensava se alguém iria
prendê-lo, melhor não entrar. Imaginava as correntes Entrou e não viu correntes. Entrou e não levou ne-
que haveriam lá dentro, pois apenas correntes muito nhum choque. Pensava quando viriam os castigos,
grandes conseguiriam segurar a vontade que tinha, gente como ele merecia castigo. Sentou e esperou,
apenas correntes e largas doses de choque, a vontade tinha tanta despedida na cabeça que mal pensava.
era tanta que doía. Pensava sobre a vontade e salivava, Começou a salivar, precisava de um banheiro, ali
quando salivava já lhe doía o estômago e o intestino tinha banheiro. Aproveitou a torneira para se lavar.
dava voltas. Precisava correr para o banheiro, mas não Saiu pronto pra usar. Ofereceram-lhe um lanche,
tinha banheiro, fazia na rua mesmo. Estava sempre estava entre lanchar e uma outra despedida. Lan-
sujo, quando achava uma bica pra se lavar o fazia sem chou. Chegara sua vez. Chamaram-no pelo nome,
muitos pudores, se não fosse agora não era nunca. não pelo apelido, não como um qualquer, chama-
Aliás, sua vida era sempre assim, no limite! Agora ou ram seu nome completo. Conversou com o pri-
nunca, sóbrio ou chapado, correndo ou caindo, en- meiro, passou pelo segundo, e ainda esperava as
trava ou não entrava. Novamente passava pela porta, correntes e o choque. Ao invés deles vieram mais
entrava ou não entrava. Um filme lhe corria a cabeça. e mais pessoas, arrumaram-lhe uma cama, depois
Quantas vezes já quis mudar? Quantas vezes já quis deram de comer, passou a tomar umas pastilhas,
sair desse inferno? Por que não dá? Quanto já havia o sono seguro voltou, ainda assim teve algumas
feito, entre pedir e furtar, entre transar e fumar, entre despedidas. Ali cuidou da tosse que o atacava, me-
cheirar e beber. Tudo isso pra que? A cada momento lhorou os dentes que estavam para cair, conversou,
sentia mais dor, ódio de si, vergonha, sempre que não ouviu, brigou uma vez ou outra. Com o passar do
estava invisível via o rosto de repugnância no outro, via tempo conheceu as pessoas ali, ficava na porta e
o desprezo e a insatisfação no olhar do outro. Por que conversava, ria e gritava às vezes. Quando via al-
lá dentro seria diferente, por que entrar? Se fosse en- guém passando e olhando desconfiado lembrava-
trar precisava de uma despedida. Um gole do corote, -se do que havia passado e pensava se já era hora!
uma carreira, uma baforada e um pega. Recomeçava o
ciclo, diversas vezes. Por vezes invertia a ordem, mas a Luiz Gustavo Vala Zoldan
c a P í t u l o
10
No Brasil, em 1989 foi apresentado (UBS), são implementados, como política fede-
o projeto de lei n 3.657 pelo deputado Paulo ral, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
Delgado que propunha a extinção progressiva esteio maior da assistência às pessoas com trans-
dos manicômios e a sua substituição por ou- torno mental. Neste novo modelo, surge a ne-
tros recursos assistenciais, e a regulamentação cessidade de organização dos CAPS de acordo
da internação psiquiátrica compulsória. Após com a demanda, sendo criados os CAPS infantis
uma década de discussão é aprovada a lei nº (CAPSi), CAPS adultos (CAPS) e os CAPS Ál-
10.216, de 2001 que norteia, até hoje, a políti- cool e Drogas (CAPS AD), destinados exclusiva-
ca de saúde mental nacional, dispondo sobre a mente ao tratamento de dependentes químicos.
proteção e os direitos das pessoas portadoras É sobre esse modelo e suas relações com os ser-
de transtornos mentais, redirecionando o mo- viços de saúde para a Dependência Química que
delo assistencial em saúde mental (1). esse capítulo se dispõe a tratar.
A partir desta determinação, o modelo No Gráfico 1 evidenciam-se os recursos
assistencial em saúde mental tomou novos ru- federais investidos no período de 2002 a 2013,
mos com o progressivo fechamento dos mani- relacionando o incremento dos investimentos
cômios, sendo o tratamento redirecionado para para que o novo modelo tivesse alcance e con-
os recursos extra-hospitalares. Além da porta de sequentemente houvesse a redução dos gastos
entrada do SUS, via Unidades Básicas de Saúde antes investidos nos manicômios.
Todo paciente identificado com um pos- cação deve ser realizado de maneira constante
sível transtorno relacionado ao uso de substân- nessas unidades, assim como em um quadro
cias químicas, ou com potencial prejuízo devido de intoxicação por SPAs, o usuário deve ser
a esse consumo, deve ser encaminhado para prontamente encaminhado a um serviço de
tratamento e acompanhamento. Com frequ- emergência, para avaliação.
ência, eles não procuram o serviço indicado em Tanto no caso de detecção de um con-
uma primeira orientação. A busca por um aten- sumo problemáticos pela UBS/ESF, quanto no
dimento especializado no tratamento do trans- caso de atendimento ao intoxicado em serviço
torno de abuso de substâncias faz parte de um de emergência, o paciente deve ser pronta-
processo no qual, em um primeiro momento, mente encaminhado ao CAPS AD de sua re-
pode-se encontrar muita resistência por parte gião de adscrição. Além do CAPS há outras es-
do paciente. Dessa forma, é fundamental que tratégias possíveis, como o compartilhamento
o profissional que o atendeu solicite um retor- do caso pela ESF, com os Núcleos de Apoio a
no breve, para avaliar se o paciente buscou o Saúde da Família (NASF) que possivelmente
atendimento e, caso contrário, continuar orien- sejam compostos também por psiquiatras e
tando quanto à necessidade do tratamento. O psicólogos. A partir do CAPS, há outros equi-
tratamento do dependente químico é geral- pamentos que podem ser utilizados, a depen-
mente bastante complexo, exigindo atenção de der do caso, como os Serviços de Residência
uma equipe multidisciplinar que possa oferecer Terapêutica (SRT) e Unidades de Acolhimento
assistência clínica, psiquiátrica, psicológica, psi- (UA), além dos serviços de proteção social, tais
cossocial e de atendimento familiar. Existem di- como Centros de Acolhida, Repúblicas, Casa
versos meios para se tratar este tipo de situação, de Passagem, Centros Comunitários, entre ou-
sendo a escolha definida pelo recurso disponí- tros, para as situações de menor suporte social
vel e pela indicação clínica (3). e familiar.
Entende-se, portanto que a principal Segundo dados do Ministério da Saú-
porta de entrada para o tratamento do depen- de de 2015 (2), naquele ano no Brasil, havia
dente químico é o CAPS AD, no entanto, o tra- 1069 unidades de CAPS I, 476 de CAPS II, 85
tamento deve começar muito antes disso. Nas de CAPS III, 309 de CAPS AD, 69 CPAS AD III
Unidades Básicas de Saúde e Estratégia de e 201 de CAPSi. Em 2015 havia 289 casas dos
Saúde da Família (ESF) o usuário já deve ser SRTs habilitadas pelo Ministério da Saúde,
abordado quanto à existência de consumo de com aproximadamente 2000 moradores, assim
substâncias psicoativas (SPA) e suas consequ- como mais de 4000 beneficiários do Programa
ências. O trabalho de prevenção e psicoedu- de Volta para Casa (PVC).
A cidade de São Paulo constitui-se Re- segurar às pessoas com sofrimento ou trans-
gião de Saúde definida por deliberação CIB torno mental e com necessidades decorrentes
153/2007, como Rede Regional de Atenção à do uso do crack, álcool e outras drogas, aten-
Saúde – RRAS06, conforme Deliberação CIB dimento integral e humanizado.
36, em 21 de setembro de 2011. A deliberação A RAPS tem como objetivo fomentar
CIB 64 de 20/09/2012 também versa sobre esta a implementação de novo modelo de atenção
configuração de Regiões e RRAS. A RRAS06 em saúde mental com a criação, ampliação e
acompanha a base territorial do município de articulação de pontos de atenção à saúde, para
São Paulo exclusivamente, tendo um Colegia- pessoas com sofrimento ou transtorno mental
do de Gestão Regional (CGR/CIR) constituído e com necessidades decorrentes do uso de cra-
e funcionando regularmente. ck, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS.
De acordo com a Portaria GM/MS nº A RAPS em sua organização deve pos-
3088, de 23 de dezembro de 2011, a Rede de sibilitar o provimento contínuo e integral de
Atenção Psicossocial - RAPS, instituída no ações de atenção à saúde mental para a po-
âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, pulação de determinado território, mediante
consiste numa rede de cuidados que visa as- a articulação dos distintos pontos de atenção
à saúde, do sistema de apoio, do sistema lo- São objetivos gerais da Rede de Aten-
gístico e da governança da rede de atenção à ção Psicossocial:
saúde em consonância com a Portaria GM/MS I – Ampliar o acesso à atenção psicosso-
n°3088/2011, dos parâmetros estabelecidos cial da população em geral;
para o Estado de São Paulo, através da Delibe- I – Promover a vinculação das pessoas
ração CIB nº 87 de 3 de dezembro de 2012, a com transtornos mentais e com neces-
partir das seguintes diretrizes: sidades decorrentes do uso de crack,
I – Respeito aos direitos humanos, garantin- álcool e outras drogas e suas famílias
do autonomia e liberdade das pessoas; aos pontos de atenção; e
II – promoção da equidade, reconhecendo III – Garantir a articulação e a integração
os determinantes sociais da saúde; dos pontos de atenção das redes de
III – combate a estigmas e preconceitos; saúde no território, qualificando o
IV – garantia do acesso e da qualidade dos cuidado por meio do acolhimento,
serviços, ofertando cuidado integral e do acompanhamento contínuo e da
assistência multiprofissional, sob a ló- atenção às urgências.
gica interdisciplinar;
V – atenção humanizada e centrada nas São objetivos específicos da Rede de
necessidades das pessoas; Atenção Psicossocial:
VI – diversificação das estratégias de cuidado; I – Promover cuidados em saúde, espe-
VII – desenvolvimento de atividades no ter- cialmente nos grupos mais vulneráveis
ritório, que favoreçam a inclusão social (criança, adolescente, jovens, pessoas em
com vistas à promoção de autonomia situação de rua e populações indígenas);
e ao exercício da autonomia; II – Prevenir o consumo e a dependência
VIII – desenvolvimento de estratégias de Re- de crack, álcool e outras drogas;
dução de Danos; III – Reduzir danos provocados pelo con-
IX – ênfase em serviços de base territo- sumo de crack, álcool e outras drogas;
rial e comunitária, com participação IV – Promover a reabilitação e a reinserção
e controle social dos usuários e de das pessoas com transtorno mental e
seus familiares; com necessidades decorrentes do uso
X – organização dos serviços em rede de de crack, álcool e outras drogas na so-
atenção à saúde regionalizada, com ciedade, por meio do acesso ao traba-
estabelecimento de ações Inter-seto- lho, renda e moradia solidária;
riais para garantir a integralidade do V – Promover mecanismos de formação
cuidado; permanente aos profissionais de saúde;
XI – promoção de estratégias de educação VI – Desenvolver ações Inter-setoriais de
permanente; e prevenção e redução de danos, em
XII – desenvolvimento da lógica do cuidado parceria com organizações governa-
para pessoas com transtornos mentais mentais e da sociedade civil;
e com necessidades decorrentes do VII – Produzir e ofertar informações sobre
uso de álcool, crack e outras drogas, direitos das pessoas, medidas de pre-
tendo como eixo central a construção venção e cuidado, e os serviços dispo-
do projeto terapêutico singular. níveis na rede;
ao menos uma avaliação social e psicológica. familiares de usuários que aderiram ao progra-
Ao término dessa fase, os pacientes poderão ma, além de ferramentas para lidar com o usu-
ser encaminhados para tratamento em CAP- ário antes, durante ou depois do tratamento.
SAD, enfermarias de internação breve (leitos Todas as unidades CIC possuem uma equipe
hospitalares) ou comunidades terapêuticas. do “Recomeço para Famílias”, composta por
um profissional da saúde, um conselheiro em
INTERNAÇÃO BREVE (LEITOS HOSPITALA- dependência química e um membro do grupo
RES) – são leitos de internação de curta perma- Amor Exigente. Hoje há uma ampliação para
nência (15-30 dias), com o propósito de ofe- os municípios do interior a partir de uma inte-
recer desintoxicação, diagnóstico e tratamento gração entre os CRAS e CREAS.
psiquiátrico e um primeiro contato com a rede
de apoio social do usuário. Internações para ABORDAGEM DA RUA (TENDA RECOMEÇO) –
desintoxicação devem ser encaradas como leva ações de saúde, de assistência social e de
apenas uma etapa do tratamento, que perde a cidadania, junto aos usuários de crack da região
efetividade se o paciente não dá continuidade da Luz, denominada “Cracolândia”. Diaria-
a esse tratamento em um CAPSAD. mente os conselheiros em dependência quí-
mica vão às ruas da cracolândia para motivar
DISQUE-RECOMEÇO (0800-227-2863) TODOS OS esses usuários e levar os interessados para uma
DIAS DAS 08 ÀS 18h – linha direta com a po- avaliação nos serviços de saúde e/ou de apoio
pulação, para tirar dúvidas sobre o Programa social do território (CAPS).
Recomeço e as estratégias de tratamento ofe-
recidas, bem como apoiar e orientar o usuário e BUSCA ATIVA/VISITA DOMICILIAR – apoiar o
seus familiares em todas as fases do tratamento. esforço de convencimento das famílias junto
aos seus usuários. Composto por equipes mul-
PÁGINA DO PROGRAMA RECOMEÇO NA IN- tidisciplinares, para a realização de visitas do-
TERNET – disponibiliza conteúdos, tanto para miciliares, buscas ativas e intervenções de crise
o usuário e seus familiares, quanto para pro- no espaço de convívio do usuário.
fissionais da saúde, contendo depoimentos
e entrevistas, orientações sobre prevenção e UNIDADE RECOMEÇO HELVETIA (ESPAÇO DE
tratamento, e as ações do Programa (vide site: CONVIVÊNCIA E DE ACOLHIMENTO SOCIAL)
www.programarecomeco.sp.gov.br). – motivar o desejo de busca por tratamento
nos usuários de álcool e drogas que vivem em
RECOMEÇO FAMÍLIA – Nasceu em parceria com comunidade, bem como apoiar a recuperação
o Centro de Integração da Cidadania (CIC) da daqueles que já se encontram em tratamento.
SJDC, com o intuito de influenciar o usuário de Linha de cuidados aos dependentes quími-
substâncias psicoativas a realizar o tratamen- cos, que conta com um centro de convivên-
to, por meio da participação e envolvimento cia, enfermarias de desintoxicação e moradias
do familiar no programa, auxiliar a família a monitoradas.
melhorar sua qualidade de vida, independente
da adesão do usuário de substância psicoativa MORADIA MONITORADA – espaço de mora-
ao programa, desenvolver habilidades de en- dias livres do consumo de álcool e drogas, com
frentamento e resolução de problemas com os o intuito de apoiar o processo de estabilização
da abstinência dos participantes do Programa, mada do trabalho é uma etapa essencial para a
complementando o atendimento prestado conquista da autonomia.
pelo (s) CAPSAD CRATOD para os depen-
dentes que também necessitem do apoio de GRUPOS DE MÚTUA-AJUDA – Apesar de não
moradia, visando incrementar ainda mais o fazerem parte da rede formal do Programa
seu processo de reinserção social. Recomeço, os grupos de mútua-ajuda, Al-
coólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos e
GRAVIDEZ E USO DE CRACK – Ação articulada o Grupo de Amor Exigente oferecem apoio
com o Centro de Referência da Saúde da Mu- e orientação de qualidade e de forma gra-
lher – Hospital Pérola Byington – atendimento tuita. Além disso, estão presentes em boa
integral a saúde da mulher. parte das cidades paulistas. Constituem,
assim, um recurso de valor inestimável que
ACOLHIMENTO SOCIAL EM COMUNIDADE pode ser utilizado durante todo o processo
TERAPÊUTICA – para os que necessitam não de recuperação.
apenas de uma permanência prolongada em
ambientes protegidos, mas também de um CASAS DE PASSAGEM – acolhida temporária,
tempo de convívio voluntário entre pares, di- por até 30 (trinta) dias, do dependente que foi
vidindo metas e tarefas. O tempo de acolhi- atendido ou será acolhido pelos hospitais e/
mento social é de até 06 (seis) meses. Nesse ou pelas comunidades terapêuticas, para sua
período deve acontecer uma ação articulada da reinserção social.
Comunidade com o CAPSAD, que dará con-
tinuidade ao acompanhamento e tratamento Pensando no modelo RAPS e nas polí-
ambulatorial do acolhido, e que pode ainda ticas municipais, estaduais e federais, especifi-
incluir o suporte dos grupos de mútua-ajuda. camente no CRATOD estabeleceu-se um flu-
xo de triagem para determinar qual o melhor
CENTRO DE INTEGRAÇÃO DA CIDADANIA caminho de tratamento para o usuário.
– programa que visa proporcionar o acesso à Dos mais de 50 mil atendimentos re-
Justiça, por intermédio de serviços públicos alizados pela triagem do CRATOD no triênio
para a população e o incentivo à cidadania 2014 - 2016, houve aproximadamente 9 mil
comunitária. Os serviços são prestados nas internações (22% dos atendimentos iniciais),
unidades do CIC, situados em regiões de alta sendo que dessas internações pouco mais de
vulnerabilidade social. As ações de cidadania 7 mil foram voluntárias (78%), quase 2 mil
fornecidas pelo CIC - tais como retirada de involuntárias (21,8%) e apenas cerca de 20
documentos, orientação jurídica e mediação compulsórias (0,2%). Também no triênio, dos
de conflitos - ajudam a reorganizar a vida dos 50 mil atendimentos iniciais, em torno de 4
usuários de drogas, funcionando como um mil pacientes (8% dos atendimentos iniciais)
fator de motivação e de estabilidade. A rela- foram encaminhados e acolhidos em Comu-
ção das unidades CIC está disponível no site nidades Terapêuticas. O restante (70% dos
www.justica.sp.gov.br. atendimentos iniciais) foram encaminhados
para CAPS da região e 12 mil pacientes es-
RETORNO AO EMPREGO, ESTUDO & CAPACI- tiveram ou estão em acompanhamento no
TAÇÃO PROFISSIONAL – a aquisição ou reto- CAPS CRATOD (Fonte SAME/CRATOD).
Para a maioria dos casos, o tratamen- mil atendimentos familiares em parceria com
to ambulatorial é realizado em CAPS AD e a Unidade Recomeço Família e mais de 11 mil
o Projeto Terapêutico Singular (PTS) deve procedimentos odontológicos para quase 4,5
abarcar as questões biológicas, questões psi- mil pacientes.
cológicas e questões sociais (modelo biop- A base do tratamento ambulatorial em
sicossocial), sendo assim suficiente para o CAPS AD são os grupos e oficinas terapêuti-
manejo a médio e a longo prazo do caso. Há cos, além do cuidado individual, baseado no
diversos modelos de cuidado, sendo que os Tratamento Comunitário Assertivo, que vem
principais modelos atualmente usados são se consolidando como um bom modelo de
o Manejo de Contingências e a Redução de tratamento baseado no território.
Danos, estratégias complementares e não Nos próximos capítulos das Seções 3,
antagônicas. 4 e 5 serão melhor explicitados os recursos e
No CAPS CRATOD, no triênio 2014- conceitos utilizados no CRATOD para abarcar
2016 foram realizados mais de 5 mil grupos os diversos aspectos e facetas implicados na
terapêuticos, totalizando mais de 50 mil aten- rede de tratamento ao usuário.
dimentos de pacientes; aproximadamente 27
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gestor/documentos-de-planejamento-em-saude/plano-estadual-de-saude-2016-2019-sessp/
pessp_2017_11_01_17.pdf em 10/06/2017
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ser uma ferramenta útil para avaliar qualitativa- técnicos do CAPS, e continua, não apenas no
mente a adesão e o prognóstico do tratamento. momento chamado Acolhimento, mas também
Ao longo do acompanhamento, diver- na triagem pela equipe de Enfermagem e segue
sas intervenções podem ser lançadas em prol na Ambiência, espaço de convívio dirigido tam-
do cuidado do usuário, incluindo aquelas vol- bém por um técnico da equipe.
tadas para a abstinência, no entanto, as ações João sobe ao posto de Enfermagem
que levem à melhoria da qualidade de vida do do CAPS, onde fica sabendo em quais grupos
usuário, assim como a do seu funcionamento pode entrar, qual será sua equipe de referên-
social devem ser sempre priorizadas. A cons- cia, quem são os profissionais que irão cuidar
trução de uma relação entre a equipe e o usu- de sua estada ali, descobre que amanhã é o dia
ário terá repercussões diretas na qualidade e de seu Pré-Projeto.
eficiência do tratamento. No CAPS CRATOD, no primeiro dia, o
Observe-se o trajeto do paciente João, usuário é inserido em uma equipe e orientado
que acaba de chegar à unidade de tratamento do quanto às atividades da primeira fase de trata-
CRATOD. mento. No primeiro grupo, chamado de Pré-Pro-
Hoje, João visitou o CRATOD pela pri- jeto, as primeiras seis semanas de tratamento são
meira vez. Ouviu falar sobre o serviço quando formatadas em um modelo padrão que contempla
estava no “fluxo” (cena aberta de uso), cansado diversas atividades julgadas como cruciais: gru-
da humilhação, do frio, da angústia pela falta pos de motivação, habilidades iniciais de enfren-
da substância, João aceitou ir ao CRATOD. Foi tamento, prevenção de recaída, estratégias para
rapidamente avaliado por um enfermeiro que o final de semana, entre outras. No Pré-projeto,
não detectou qualquer critério de internação. grupo que ocorre semanalmente, são acolhidas
Foi encaminhado ao Acolhimento Social. No- as histórias e primeiras demandas dos usuários,
vamente João é avaliado, dessa vez de maneira são agendadas as consultas psiquiátricas, clínicas,
mais pormenorizada, tem sua história ouvida e de enfermagem, até de infectologia e odontolo-
validada por um profissional do CAPS dispos- gia em casos de maior urgência, assim como são
to a ouví-lo. É convidado a conhecer o CAPS. feitos encaminhamentos quanto às demandas
João nunca havia participado de um tratamen- psicossociais mais urgentes, quando necessário.
to em que não fosse internado. Receoso, João Devido à alta rotatividade de usuários no serviço,
aceita participar de algumas atividades. associada também às flutuações características da
Esse primeiro contato vivenciado por população de rua atendida pelo órgão de saúde,
João é deveras importante no tratamento. O foi criada a estratégia do Pré-Projeto. Ela visa es-
acolhimento é uma ferramenta de qualificação timular aderência, abstinência e reconhecimento
da escuta, além de garantir, nos serviços de saú- do paciente nesse primeiro momento, para me-
de, a reorganização dos processos de trabalho e lhor poder planejar o tratamento do sujeito-alvo
o acesso com responsabilização e resolutivida- das intervenções. As atividades propostas nesse
de (Aline Scheibelb). É a primeira oportunidade primeiro período são de fácil assimilação e não
que João tem de ser ouvido, orientado, aconse- exigem tão alta concentração e disposição, já que
lhado e principalmente notado por alguém, es- muitas vezes, no início do tratamento, os sinto-
pecificamente, um profissional disposto a aju- mas tanto de fissura, quanto de abstinência po-
dá-lo. No CRATOD, este trabalho inicia-se na dem prejudicar bastante a capacidade cognitiva e
porta, quando o paciente é recebido por um dos as funções executivas de modo geral.
Após algumas semanas de tratamento, como retomada de vínculos com a família, mo-
João já frequentou diversos grupos, passou por bilidade na cidade, interesses culturais, esportes,
consulta psiquiátrica e com clínico geral, tem entre outras.
consulta marcada na odontologia, passou por Após alguns meses frequentando o ser-
avaliação psicossocial, tem exames marcados, viço, após lapsos e recaídas, João encontra-se
participa de atividade física, conversou com vários bem, estável, tem pouca fissura e não apresenta
profissionais da equipe e se aproximou bastante mais sintomas de abstinência. Após mudanças
de uma das profissionais: Carla. Carla o convida constantes no seu PTS, após alguns períodos
para uma conversa mais detalhada e chama João de desintoxicação, sente-se bem. O ex-usuário
para participar do Projeto. João ainda não conse- participa em atendimentos pontuais e algumas
gue se manter abstinente, mas já passa períodos atividades que julga importantes, tais como o
maiores em que não faz uso de substâncias psico- Grupo de Prevenção de Recaída. João sente-se
ativas, tem desejo de parar, pensa em estratégias seguro, mas tem medo de se afastar do CAPS e
para interromper o uso, assim como busca meios “as coisas desandarem”. Carla discute mais uma
de sair do albergue e ter um espaço próprio. vez o PTS em equipe, que sugere que ele seja en-
Após as primeiras semanas de tratamen- caminhado para o Projeto Avançado. Para João,
to a equipe já conhece melhor João. Entende suas é a preparação para não precisar mais do CAPS.
necessidades e suas demandas. Carla e João se Em meses de tratamento, João passou
identificaram, portanto, Carla se oferece para ser por diversas intervenções. Grupos psicoterá-
a Profissional de Referência (PR) de João. Carla picos, grupos de treinamento de habilidades,
é a figura de interlocução de João com a equipe motivação, atendimentos individuais, perío-
e também de João com outros espaços, sejam dos de acolhimento para desintoxicação, pode
eles espaços de saúde ou mesmo de assistência até ter passado por programas de moradias,
social, trabalho ou estudos. O PR é aquele que como Casa de Passagem e Moradia Monito-
melhor conhece a história do paciente, que tem rada, pode ter sido medicado ou não, pode ter
empatia, que entende as necessidades do pa- sido submetido a terapia individual ou não. O
ciente e junto dele estabelece as prioridades do importante é que intervenções combinadas,
tratamento e faz as novas pactuações quanto ao em diferentes momentos do tratamento de
cuidado. A partir de então, o paciente é convida- João, foram necessários e culminaram na boa
do ao Projeto. Nesse momento, novas atividades resposta atual, que deve ser consolidada para
serão ofertadas, atividades que se aproximem que João se sinta seguro para continuar sua
mais da real necessidade do paciente; a absti- jornada sem o auxílio do CAPS.
nência aproxima-se mais do real, assim como a
necessidade de reinserção social e o aprimora- “Por muito tempo, o navio de João
mento do funcionamento social tornam-se na- ficava ancorado apenas ao CAPS, agora,
turalmente necessários. Estabelece-se então o João pode lançar mão de novos locais de
Projeto Terapêutico Singular (PTS), quando há ancoragem para que seu navio siga está-
um alinhamento das ofertas do serviço com as vel, mesmo frente a uma tempestade”.
necessidades do usuário. Nesse momento já há,
com o passar das semanas, perspectiva de reto- O percurso de João pelo CAPS resume
mada de estudos, emprego, ou outras atividades bem a linha geral de tratamento no CAPS CRA-
que o paciente julgue importantes e necessárias, TOD. Quando o paciente chega é prontamen-
te acolhido e logo inicia as atividades da Fase mais indicado. Trabalha-se justamente a articu-
1 (Pré-Projeto). Nessa primeira fase, devido lação com outros espaços saudáveis de convívio
às peculiaridades da região e à alta demanda, para aquele indivíduo. Trata-se da preparação
fornece-se um modelo “pré moldado” de acor- para a Alta.
do com o que se observa de demandas iniciais Assim sendo, é possível entender que
para a maioria dos usuários. Nesse momento se os pacientes de Fase 1 encontram-se num
oferece o tratamento psiquiátrico, o tratamen- modelo Intensivo ou até Semi-intensivo de
to clínico, a avaliação psicossocial, grupos de tratamento, a depender da gravidade e da ne-
acolhimento, psicoterapia, treinamento de ha- cessidade de um ambiente mais protegido. Os
bilidades comportamentais, entre outras inter- pacientes de Fase 2 encontram-se num mo-
venções. Com a adesão ao tratamento (tarefa do delo Semi-intensivo ou Não intensivo de tra-
paciente) e o aprofundamento do conhecimento tamento, a depender do avanço no tratamen-
do indivíduo pela equipe e PR (tarefa da equipe) to, grau de autonomia e abstinência. Por fim,
desenvolve-se um Projeto Terapêutico Singular os pacientes de Fase 3 são todos tratados de
(PTS)e o paciente segue para a Fase 2 (Projeto). maneira Não intensiva, preparando-se para a
No Projeto, o paciente é direcionado a atividades Alta. Note-se que os pacientes em Fase 3 po-
que contemplem melhor seu perfil, sejam elas dem voltar à Fase 2 ou Fase 1 caso apresentem
atividades ocupacionais, esporte, treinamento recaídas graves ou caso abandonem o serviço
cognitivo, re-habilitação física, desenvolvimento por um tempo prolongado e depois retornem.
de cidadania, atividades culturais, ou mesmo in- Destaca-se um ponto importante. O tra-
tervenções ainda estruturadas de manejo com- tamento aqui exposto não é nada além de um
portamental, ou escuta de característica analítica. guia utilizado pelo CAPS CRATOD. Por mais que
Segue o tratamento de manutenção psiquiátrico, se tente tornar a Saúde Mental algo mais objeti-
seguem os ajustes clínicos, são manejados lapsos vo, esta nunca deixará de ser subjetiva, dada sua
ou recaídas, identificados gatilhos, e toda a gama natureza fenomenológica absolutamente mu-
de fatores influentes na progressão da doença e tável, logo, a depender do quadro inicial apre-
do tratamento. Com a abstinência e reconquista sentado, há várias possibilidades de seguir com
da autonomia do usuário, após meses de estabi- tratamento, com outras técnicas não expostas.
lidade, o paciente pode seguir para a Fase 3 do Observe-se no restante da“Seção 3”deste livro, a
tratamento (Projetos Avançados). Nessa última descrição das diversas atividades propostas e os
fase, o trabalho é principalmente voltado para diferentes fundamentos usados para compor tão
o estímulo da independência do indivíduo. Há ampla gama de atividades ofertadas, na busca de
apenas atendimentos pontuais, poucas ativida- uma solução para uma proposta de cuidado para
des e o convívio no ambiente do CAPS não é um problema tão complexo.
Referências Bibliográficas
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12
ais voltados para a prática manicomial. No que do Projeto Terapêutico Singular e diagnósti-
diz respeito à contratualidade proporcionada co situacional, mas também articulará a apro-
aos atendidos, esta ação significa proporcionar ximação entre o cliente, família, comunidade
uma relação horizontal, já que a priori a rela- e profissionais da mini equipe de referência,
ção é tomada de poder por parte do profissio- pressupondo assim a implicação de práticas in-
nal em relação ao atendido. O mesmo, quan- dividuais – auxiliando para um projeto singular
do procura o serviço, demonstrará ser paciente – e coletivas. E por sua vez, o profissional de
diante de todas as sugestões oferecidas pelo referência auxiliará na articulação de rede para
profissional e, assim sendo, destituído de opi- que este usuário do serviço possa ser amparado
niões sobre a própria condução de vida e se co- nas necessidades e pertencimentos dos diver-
locando como aquele “que nada sabe”, sendo sos espaços que frequenta. Partir-se-á das par-
que o profissional “é quem detém todo saber”. ticularidades do atendido, estendendo-se para
Além disso, no início do tratamento, a con- o fortalecimentos de vínculos mais saudáveis.
tratualidade é centrada em baixas exigências, Além disso, a prática do profissional de
para que assim seja possível o cumprimento referência auxiliará a pessoa com sofrimento
de metas passíveis de serem cumpridas e, por mental a encontrar outras possibilidades e cui-
consequência, aumentando a autoconfiança, a dará daquilo que se processa no campo da in-
motivação do atendido no tratamento, noções tersubjetividade e, por este motivo, será essen-
de pertencimento (da sua vida e da construção cial a articulação, no tratamento, dos outros
do seu projeto). espaços que o atendido frequenta, como, por
Para que seja possível a concretização exemplo, as redes sócio-assistenciais e outras
da contratualidade, é essencial que ocorra vín- redes de saúde e comunidades (3).
culo entre atendido e os profissionais da rede As práticas de saúde nas instituições de
de saúde. saúde, além do atendimento com o profissio-
Conforme Campos (2), a reordenação nal de referência, também têm ações voltadas
da equipe de saúde para equipes de referência nos grupos terapêuticos e temáticos. Confor-
com profissionais multiprofissionais proporcio- me Campos, é pelos grupos que são promovi-
na vínculo terapêutico entre os próprios pro- dos o protagonismo e as mudanças das ações
fissionais e usuários. Portanto, considerando humanas (2).
as ações multiprofissionais, este vínculo será
permeado por uma atenção mais singularizada
e personalizada, já que cada mini-equipe nas Prática do Projeto Terapêutico
suas variadas especialidades, contribuirá para Singular no Centro de Referência
ter uma visão multifatorial no atendido, man-
de Tabaco, Álcool e Outras
tendo o vínculo e a aproximação deste com o
tratamento e com a equipe de referência.
Drogas.
O mesmo autor pressupõe que o pro-
fissional de referência tem a corresponsabili-
dade na ação do tratamento com o atendido, O Acolhimento Inicial
assim como a própria mini equipe. Este profis- O usuário chega ao CRATOD (Cen-
sional é integrante dessa equipe e servirá além tro de Referência de Tabaco, Álcool e Outras
de fiscalizador do tratamento, como delineador Drogas) espontaneamente, (sozinho ou acom-
panhado por familiares), é encaminhado por poderá ser encaminhado para a avaliação psi-
agentes de saúde do Programa Recomeço ou quiátrica, sala da observação (emergências) ou
do Serviço de Abordagem Especial (SEAS) para o acolhimento individual com os profis-
(ambos fazem abordagens nas ruas próximas sionais (psicólogos, assistentes sociais e tera-
da unidade). Na porta de entrada, diariamen- peutas ocupacionais). Nesta etapa um técni-
te, os pacientes novos, egressos de interna- co faz uma entrevista breve visando escutar
ções, ou outros que já passaram por condutas as principais demandas do usuário e assim
no próprio CRATOD, são atendidos pela tria- encaminhá-lo para tratamento ambulatorial
gem composta também por um enfermeiro. (CAPS AD CRATOD, ou outro CAPS mais
Esta equipe fica responsável pela verificação próximo do atendido), Comunidade Terapêu-
dos sinais, avaliação da gravidade do caso e, tica ou Avaliação Psiquiátrica. Segue o modelo
dependendo dos dados coletados, o paciente esquemático abaixo:
ou noite) será melhor participar. A carteirinha demarcar em que fase do tratamento se encon-
de cor vermelha poderá ser oferecida quando tra e assim delinear propostas em seu PTS
for avaliado que é necessário que o paciente te- Este acolhimento é essencial para o início
nha maior respaldo de atividades, assim como do seu Projeto Terapêutico Singular e vai além do
apresente demanda de um espaço seguro por momento de chegada, sendo necessário em to-
mais tempo. Quando o paciente passa para a das as etapas do tratamento, aderência e manu-
Fase 2 do tratamento é oferecido o cartão azul e tenção em momentos de lapsos e recaídas.
por fim, quando segue para a Fase 3, recebe um Observe-se abaixo as fases do trata-
cartão verde. As cores dos cartões servem para mento e seus principais objetivos.
Para a articulação desses serviços é – fomento das ações intersetoriais com a fi-
possível lançar mão da estratégia do matricia- nalidade de conhecer os recursos formais
mento. As principais ações que podem ser in- e informais do território e utilizá-los a fa-
cluídas no apoio matricial são: vor do PTS do usuário.
– responsabilidade compartilhada;
– construção de uma agenda (fluxo) inte-
grada com o atendimento conjunto, dis- Definição do Projeto Terapêutico Singular
cussão de casos, supervisão, criação de As estratégias de cuidados, organiza-
estratégias comum para abordar as ques- das por meio de ações articuladas, desenvol-
tões de dependência química, elabora- vidas por uma equipe multidisciplinar e defi-
ção de um projeto terapêutico durante o nidas a partir da singularidade do indivíduo,
tratamento e pós alta do CRATOD; considerando suas necessidades e o contexto
– formação continuada; social em que está inserido.
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O Gerenciamento de Casos
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14
Camila M. F. Vega
Fernanda R. Ayub
Lennon Leonardo P. Silva
Marizilda F. Pugliesi
Samantha Mônica de S. Mezzacappa
Simone Ribeiro Antunes
98
suas características de personalidade (ligadas Analítica, foi iniciada pelo psiquiatra suíço
aos tipos de personalidade), da investigação Carl Gustav Jung (1875-1961), que estudou
do campo transferencial, da interpretação da profundamente a teoria de Freud, identificou-
transferência / contratransferência, dos lapsos, -se com grande parte de seus fundamentos,
das repetições, dos sonhos, do discurso do pa- porém, sua visão diferiu em muitos conceitos
ciente, a partir de suas associações livres (4). e formas de pensar a psique e, consequente-
mente, desenvolveu seus próprios conceitos.
Desta forma, a psicoterapia breve de Jung estudou amplamente diversos te-
orientação psicanalítica se configura como um es- mas como religiosidade, mitologia, alquimia,
paço onde o sujeito é escutado e respeitado em entre outros que nortearam seu entendimento
seu desejo. Dentro deste dispositivo, permanece sobre a psique. O conceito central da psicologia
a regra fundamental da associação livre, porém o analítica é a individuação, ou seja, um processo
terapeuta intervém de forma mais diretiva, eluci- central do desenvolvimento humano a partir da
dando os aspectos da fala relacionados à angústia necessidade constante de integração de opostos.
que constitui o foco. Neste sentido, respeita-se a E neste processo, é a relação paciente/tera-
regra da abstinência (o preceito de o analista se peuta o que“cura”. A“cura”é vista simbolicamente
recusar a satisfazer os pedidos do paciente e a pre- como processo de transformação, isto é, processo
encher efetivamente os papéis que este tende a lhe terapêutico enquanto individuação. “Isto significa
impor) e da neutralidade do terapeuta (o analista que o paciente se torna aquilo que de fato é”(5).
deve ser neutro quanto aos seus valores morais, A psicoterapia junguiana é uma linha
sociais, religiosos, etc.) e ter a relação transferen- de atendimento transformativa e trabalha com
cial como fator indispensável para o processo. diversos conceitos específicos. No decorrer das
No contexto da dependência química, a sessões utiliza não só a dialética como também
psicoterapia breve de orientação psicanalítica ob- sonhos, materiais e recursos imagéticos. Para
jetiva acessar os conflitos inconscientes que pro- Jung, ser terapeuta é acompanhar. Não é estar à
duzem o sintoma subjacente à dinâmica de rela- frente nem atrás, mas sim junto, em um processo
ção com a droga, com o objetivo de identificá-los, que é do outro, ou seja, o terapeuta atua enquan-
elaborá-los e ressignificá-los, com vistas a uma to instrumento de desenvolvimento do outro.
melhora da condição do paciente, que produzirá Trabalha com o indivíduo em todos os
diminuição do sofrimento e maior qualidade de âmbitos, principalmente emocional, social, fami-
vida. O trabalho é feito a partir da compreensão liar, sexual, profissional, espiritual, entre outros,
de que a dependência química também se cons- compreendendo de forma profunda cada uma
titui, além de outros fatores, como produto de um dessas instâncias e seu processo de adoecimento.
conflito psíquico que encontrou expressão sim- No processo psicoterápico com o depen-
bólica por meio dos sintomas. dente químico, a psicoterapia de base analítica
auxilia o paciente a depreender o papel da dro-
ga e seu significado de forma muito mais am-
A Psicoterapia Analítica ou pla e profunda que meramente ser uma questão
Junguiana comportamental, levando-o a ampliar essa com-
preensão integrando os aspectos necessários,
A Psicoterapia Analítica, também cha- considerando que seu processo de adoecimento
mada de Psicologia Junguiana, ou Psicologia ocorreu antes do início do consumo de drogas.
de risco, bem como as que os protegem do uso, mente por trabalhar com o foco do problema
permite aos usuários alcançarem um domínio que não necessariamente é a droga, pois exis-
maior sobre seus comportamentos, na medi- tem questões significativas, na constituição do
da em que são identificadas, nesse processo, as indivíduo, anteriores à droga.
crenças ativadas e os pensamentos automáticos É possível concordar, portanto, com a
que emergem nessa busca. Sendo assim, um visão de Hegenberg, de que os objetivos de
dos grandes objetivos das intervenções consis- uma Psicoterapia Breve não devem estar atre-
te em possibilitar que o indivíduo se aproprie, lados prioritariamente aos resultados, “mas
cada vez mais, do seu processo mental, sendo devem ser orientados à elaboração do foco, à com-
para isso necessário trabalhar seus sistemas de preensão da angústia subjacente à demanda e ao
crenças, identificando, avaliando e modifican- estabelecimento de uma comunicação significativa
do os pensamentos automáticos e as crenças entre terapeuta e paciente” (4).
permissivas que dificultam o alcance da meta O acompanhamento em psicoterapia
maior a abstenção do uso de drogas. realizado no CRATOD tem trazido diversos
benefícios aos pacientes: melhora dos sinto-
mas, maior autonomia, desenvolvimento de
Considerações finais maior tolerância à frustração, fortalecimento
egóico, mais espontaneidade e autenticidade
No contexto do CRATOD, é possível na vida, autoconhecimento, maior capacidade
constatar que a psicoterapia breve tem efeitos produtiva e adaptativa e, num sentido geral,
positivos no tratamento do indivíduo, justa- diminuição do sofrimento psíquico.
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9. Zanelatto NA, Laranjeira R. (2013). O tratamento da dependência química e as terapias cognitivo-com-
portamentais. Artmed
15
Priscila Previato
Ana Lúcia Karasin
104
A Terapia Cognitiva surge a partir de judicada pela maneira com que interpreta os
uma pesquisa de Aaron Beck para verificar fatos (Beck, 1998).
pressupostos psicanalíticos acerca da depres- Essa terapia utiliza o conceito da estru-
são, chegando à conclusão de que certos “pa- tura “biopsicossocial” na determinação e com-
drões cognitivos” influenciariam a maneira preensão dos fenômenos relativos à psicologia
negativa do paciente julgar a si mesmo, assim humana, além de ser uma das primeiras a reco-
como aspectos do seu ambiente que estariam nhecer a influência do pensamento sobre o afe-
mais ativados durante os períodos de crises de to, o comportamento, a biologia e o ambiente.
depressão (1). A terapia cognitivo-comportamental(-
Neste sentido, ela parte do princípio TCC) se baseia em três princípios fundamentais:
de que a forma como o indivíduo interpreta • A atividade cognitiva influencia o com-
seu ambiente influencia a maneira como se portamento;
sente e se comporta. Uma mesma situação • A atividade cognitiva é passível de ser
pode produzir reações distintas, dependendo monitorada e alterada ao longo do tempo;
da pessoa e dependendo do período da vida. • O comportamento pode ser diretamente
O sujeito em sofrimento psicológico teria sua influenciado pela modificação do pensa-
capacidade de percepção alterada e/ou pre- mento/cognição (6).
A maneira como
o sujeito
interpreta a Sentimento Resposta
experiência comportamental
Determina
como vai se Comportamento
Pensamento
sentir
eficaz; dizer não; lidar com frustrações; adiar cia, sem comorbidades psiquiátricas graves
prazeres; lidar com a fissura; realizar um pla- como Esquizofrenia e Transtorno Afetivo Bi-
nejamento de metas (2). polar. O grupo é formado primordialmente
O desenvolvimento e treinamento de por homens, os quais já haviam percorrido a
habilidades sociais torna-se útil para minimi- fase inicial de diagnóstico, bem como partici-
zar fatores de risco e, principalmente, incre- pado das atividades de primeira fase, as quais
mentar fatores de proteção frente ao consumo procuram trabalhar o processo de motivação
de drogas. Entre as técnicas mais empregadas e as habilidades necessárias para o processo
estão: ensaio comportamental, modelação, inicial de abstinência.
modelagem, feedback verbal, tarefas de casa, Para tanto, os encontros no CRATOD
reestruturação cognitiva, solução de proble- são semanais, em reuniões de aproximada-
mas e relaxamento, podendo ser realizado de mente uma hora de duração, com um máximo
forma individual ou em grupo (3). de 12 integrantes. São realizados por duas psi-
No contexto do CAPS AD CRATOD, cólogas e uma estagiária de psicologia. De ma-
o grupo de Prevenção de Recaída foi organi- neira geral observa-se ganhos substanciais na
zado para os pacientes de segunda fase, está- qualidade de vida dos participantes e em sua
veis, com um mínimo de 60 dias de abstinên- capacidade de manutenção da abstinência.
Referências Bibliográficas
1. Beck AT, Wright FD, Newman CF, Liese BS. (1993). Cognitivetherapyofsubstance abuse. New York: Guil-
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6. Rangé B. (2001).Psicoterapias Cognitivo-comportamentais – Um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre:
Ed. Artes Médicas.
16
Determinado fragmento do público tes atendidos pelo CAPS AD Cratod têm indicação
atendido vive em situação de rua, devido aos de ansiedade e pontuam score relevante na Escala
transtornos mentais oriundos da dependên- Hads. A mesma pesquisa indica que 63% dos pacien-
cia química, em parte porque os transtornos tes atendidos pelo CAPS AD Cratod tem indicação
mentais e comportamentais, estruturados in- para depressão. Dados fornecidos por pesquisa realizada
dependentemente da dependência, elevam a em 2016, pelo próprio autor, como exigência do curso de
drogadição. Em diversas ocasiões os sinais 2 Não por acaso, existem ocorrências inúmeras de per-
e sintomas comórbidos são camuflados pela da dos documentos pessoais como RG, CPF, Cartei-
própria sintomatologia da dependência quí- ra de trabalho etc., entre a população atendida pelo
mica, elevando ainda mais a complexidade CAPS AD Cratod. Esse fato, muito mais que simples
Apesar das diferentes causas possíveis que revela, inconscientemente, a ruina da identidade:
para a rua ser adotada como lar, seus mora- perde-se o RG porque a identidade já está perdida.
emprego-ocupação, ausência de moradia fixa, ser aceito”; “se eu não agradar aos outros, eles
fica destituído da sua identidade social e, por- me rejeitarão”.
tanto, perde a sua identidade pessoal, resul- As crenças centrais possuem caminhos
tando na acentuada fragilidade do ego3 . cognitivos rígidos, gerais e transituacionais,
Observa-se que a pessoa em situação estando presentes nas temáticas de desvalor e
de rua atendida pelo CAPS AD CRATOD desamor, como por exemplo, “sou um fracas-
tem sua esfera subjetiva esfacelada pela de- so” ou “sou incapaz de ser amado”. Crenças
cepção consigo mesma, mais que baixa auto- intermediárias: “tudo tem que dar certo para
estima; os pacientes atendidos vivem o falso mim”,“eu não posso ser frustrado”,“as pesso-
conceito de sociedade meritocrática, acei- as dificultam as coisas para mim”, “os outros
tando que todo o indivíduo tem as mesmas são os culpados”. Outras crenças podem es-
chances durante a vida e inconscientemen- tar presentes, como as que têm relação com a
te aceitam o discurso neoliberal, que atribui pouca possibilidade de visão do futuro e baixa
culpa individual para problemas coletivos, tolerância à monotonia como: “Moro na rua,
políticos e circunstanciais. fico por aí e já conheci vários estados do Bra-
A Teoria Cognitivo-Comportamental é sil. Toda vez que visito minha família encontro
uma abordagem psicológica baseada na visão eles do mesmo jeito, vivendo a mesma vida,
biopsicossocial do indivíduo. Utiliza terapêu- nunca mudam o ciclo”.
tica estruturada, semiestruturada, diretiva e As crenças antecipatórias estão presentes
prazo estipulado de sessões. Enfatiza a reor- no início do uso e são caracterizadas quando o
denação de pensamentos, emoções e compor- usuário nega o consumo em grande quantida-
tamentos disfuncionais, decorrentes da disfor- de, admitindo ter consumido apenas o suficiente
midade perceptiva. para se sentir bem e fugir de situações desagra-
A Teoria Cognitivo-Comportamental dáveis. Também podem surgir crenças permissi-
pressupõe que experiências ocorridas no de- vas como:“trabalhei a semana inteira e sexta fei-
correr da infância, as quais contribuíram para ra eu mereço uma cervejinha, não sou de ferro”.
a formação de esquemas, crenças nucleares e As crenças permissivas dizem respeito às
condicionais, por exemplo, edificam regras de situações idiossincráticas denominadas “situa-
conduta cognitiva. Essas crenças nucleares, ções gatilho”. Essas situações anteriormente ao
por sua vez, constituem as interpretações “rí- uso, não se apresentavam condicionadas, entre-
gidas” que o indivíduo possui a respeito de si tanto, no decorrer do tempo de uso da substân-
mesmo, dos outros e do mundo. cia passam a ter um significado. Surgem quando
Crenças condicionais dizem respeito as situações antecipatórias evoluem para a ação
às crenças desenvolvidas do tipo “se-então”, repetitiva do consumo, obedecendo ao ciclo:
como por exemplo: “tenho de ser perfeito para Uso da substância → prazer → uso da
substância → antecipação do desprazer da
abstinência → uso da substância → disforia
3 Conceito psicanalítico clássico. O ego é considera- → antecipação do desprazer da abstinência →
do o “defensor da personalidade”. Ele é responsável uso da substância.
por impedir que os conteúdos inconscientes passem A terapia cognitivo-comportamental
para o campo da consciência, ou seja, ele é a coluna utiliza técnicas que identificam e comprovam
vertebral da noção de realidade. a realidade, visando corrigir conceitos distorci-
dos assimilados pelo indivíduo. Nesse processo O núcleo central da intervenção psicoterapêu-
de aprendizado o próprio indivíduo desenvol- tica é treinar habilidades cognitivas, promover
ve habilidades de manejo de suas dificuldades a percepção, compreensão e modificação dos
para avaliar a realidade, aprende a identificar pensamentos e consequentes sentimentos que
pensamentos automáticos e treina a monito- mantêm o comportamento do uso de substân-
ração das cognições disfuncionais. Ao final do cias psicoativas.
processo, promove a reestruturação cognitiva As temáticas centrais são: reconheci-
visando distanciar-se de erros cognitivos. mento de emoções disfuncionais; refle-
No treino de habilidades para enfrenta- xões sobre pensamentos automáticos;
mento o indivíduo constrói respostas adequa- pensamentos e emoções frente à recusa;
das, antes da ocorrência da ocasião, aumen- mapeamento de sentimentos e emoções
tando a capacidade de obter uma ética que disfuncionais; reconhecimento de per-
leve à redução da possibilidade de recaída. Na das; fomento à autocritica no tratamento;
ausência do treino, a capacidade de mudança identificação de pontos fortes; planeja-
na conduta do comportamento de uso fica à mento de curto e médio prazo, identifica-
mercê dos pensamentos automáticos basea- ção de gatilhos.
dos nas crenças centrais e intermediárias, pois
a ligação com pensamentos distorcidos sobre Além de inventários estruturados, ob-
os efeitos da droga é pareada em sincronismo. serva-se a sumária importância de agregar a
Na TCC, o paciente aprende a ser seu prática clínica desta intervenção, sessões de
próprio terapeuta. Para isso recebe orienta- relaxamento, resoluções de problemas, vídeos
ção a respeito dos monitoramentos dos pen- motivacionais e escuta constante às sugestões
samentos automáticos negativos, utilizando dos participantes.
anotações dos pensamentos e situações de O conceito de habilidade cognitiva
risco. A conexão entre pensamento, afeto, pode ser definido, sucintamente, como a sé-
comportamento, até a realização da reestrutu- rie de recursos adquiridos, ao longo da vida
ração cognitiva, a resolução de problemas e a do indivíduo, usados para realizar e gerenciar
identificação de crenças distorcidas também é a complexa dinâmica de aprender, perceber,
repassada. Na TCC toda intervenção individu- interagir socialmente, resolver problemas e
al ou grupal prevê uma ação de psicoeducação. manter comportamentos adequados frente às
intempéries do meio.
Grupo Psicoterapêutico: Habilidades O pilar central da metodologia usada
para Enfrentamentos Iniciais no Grupo de Habilidades para Enfrentamento
O Grupo Psicoterapêutico Habilidades Inicial parte do princípio fundamental da Te-
para Enfrentamentos Iniciais foi inserido na oria Cognitivo-Comportamental, ilustrada no
grade de atividades do CAPS AD - CRATOD seguinte esquema:
em março de 2015, com o objetivo de propor- Pensamentos → Eliciam Emoções →
cionar intervenções psicoterapêuticas, à luz Eliciam Comportamentos (PEC).
do referencial da Teoria Cognitivo-Comporta- As sessões de psicoterapia em grupo
mental, que promovessem preparo básico em são norteadas por relatos e identificações so-
habilidades cognitivas fundamentais aos pa- bre os pensamentos e sentimentos suscitados
cientes iniciantes no tratamento ambulatorial. pré e pós-uso de SPAs; descrição da fissura;
Referências Bibliográficas
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17
“Quem olha para fora sonha, quem olha têm auxiliado pacientes que apresentem ca-
para dentro desperta” racterísticas de ansiedade, depressão, cansa-
Carl Jung. ço,desânimo em atividades diárias, doenças
crônicas, atuando nas áreas de atenção, con-
As práticas de meditação no CRATOD centração, redução de estresse e qualidade
iniciaram em 2014, em oficinas de HathaYoga de vida (2).
que tinham o objetivo de trabalhar o equilíbrio Como evidenciado no trabalho de Ri-
emocional, a autoconfiança e a autoestima dos beiro e Oliveira, o dependente químico tem
pacientes desse serviço que estão em trata- dificuldade em lidar de forma satisfatória com
mento ambulatorial para dependência quími- seus impulsos e emoções, necessitando de
ca. Apesar de alguns pacientes já terem ouvido treinamentos específicos para uma boa ade-
falar de yoga e meditação, apresentavam certa quação desses comportamentos (5).
resistência em praticar, já que tais técnicas não Diversos estudos demonstram os be-
faziam parte do seu cotidiano. Nesse momen- nefícios da meditação como um instrumento
to surgiram dúvidas de como lidar com im- muito eficiente para atenuação do estresse, da
pulsos ou fissuras, durante essas práticas e no ansiedade e de outros sintomas, como eviden-
tratamento. ciado por Vandenberghe e Assunção, além do
Dentre as diversas modalidades de tratamento de dependência química através
meditação, há um tipo de meditação cha- do reconhecimento e aceitação de descon-
mada Vipassana, que pode ser traduzida por fortos, ao invés da fuga incessante deles, por
“insight”: trata-se de uma técnica na qual o meio de drogas, por exemplo (1,6).
praticante traz à consciência o que está acon- Através do convite da diretora do CAPS,
tecendo no exato momento, levando à expe- à época, alguns profissionais do CRATOD
riência presente, gentileza, compaixão sem participaram de um treinamento de Mindful-
julgamento, dirigindo sua atenção de forma ness em agosto de 2015, realizado pelo Núcleo
intensa e meticulosa a um intenso exame de de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias
aspectos de sua existência (3). É dentro dessa (NEPSIS) do Departamento de Psicobiologia
perspectiva que o Mindfulness encontra suas da Universidade Federal de São Paulo, e pela
raízes e base filosófica. Dra. Sarah Bowen. Tal treinamento despertou
Magalhães nos aponta em sua tese nesses profissionais o desejo de aplicar essa
de mestrado que, em 1979, Jon Kabat Zinn técnica aos pacientes em tratamento ambula-
(idealizador do Mindfulness) elaborou uma torial no CRATOD.
maneira de se treinar essa prática, sendo O Protocolo de Prevenção de Recaída
possível experimentar novas formas poten- baseado em Mindfulness – MBRP favorece aos
cialmente eficazes de enfrentar, explorar e participantes o entendimento de como articu-
aliviar o sofrimento, tanto em nível corporal lar seus problemas relacionados a situações de
como mental (4). “gatilho” e “fissura” que podem levá-los a re-
Mindfulness é compreendido como caídas no uso de substâncias psicoativas e pre-
uma maneira diferente de se enfrentar os pará- los para lidar com experiências desafia-
problemas e seus esgotamentos inerentes ao doras do cotidiano, demonstrando a tendência
cotidiano. Sendo assim as práticas de Min- de reagirem sem consciência e frequentemen-
dfulness existentes em programas de saúde te no piloto automático.
Não foi possível, ainda, determinar a assíduos? Seriam tais pacientes exemplos para
real razão dessa adesão tão aumentada. Se- os novos? Como conseguir aplicar o protoco-
riam precisos mais estudos que se debruças- lo de MBRP no tratamento ambulatorial com
sem sobre a experiência para poder determi- adesão dos pacientes?
ná-la, pois, ao mesmo tempo que ampliamos o Para responder a tais perguntas, ou se
número de frequentadores da prática, os mais aproximar da compreensão delas, seria impor-
assíduos a iniciaram logo na primeira ou se- tante o desenvolvimento de uma pesquisa que
gunda semana. Surgem aqui várias indagações tivesse como objetivo investigar tais aconteci-
que mereceriam investigações, tais como: os mentos. O presente capítulo não se debruça so-
indicados por seus PRs seriam, de fato, os mais bre isso, mas abre portas para sua possibilidade.
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18
O cuidado em grupo
– Técnicas psicodinâmicas
Marizilda F. Pugliesi
Lennon Leonardo P. Silva
118
“O pensamento parece uma coisa à toa. mais autônoma, criativa e gratificante de cada
Mas como é que a gente voa quando indivíduo, grupo ou instituição.
começa a pensar”. Qual o lugar da Psicanálise na clínica
(Lupicínio Rodrigues) da dependência?
É a partir da compreensão psicanalíti-
ca dos processos inconscientes que se enten-
A subjetividade em questão de a dependência química como um sintoma,
um conflito de outra ordem, subjacente a uma
O objeto de estudo da psicologia é am- dinâmica psíquica complexa. Por isso opta-se
plo e complexo, pois envolve o ser humano por utilizar o termo “adicção”, que é definida
em todas as suas expressões, atravessado pe- por Gurfinkel como o uso compulsivo de de-
las condições biológicas, psicológicas e sociais terminado objeto, de caráter compulsivo. Nes-
que formam a sua subjetividade, e que, segun- ta condição, o aprisionamento ao uso do obje-
do Bock (2008), refere-se à síntese singular to faz com que o sujeito perca a capacidade de
em que o ser humano vai se constituindo, ou escolha, pois é incapaz de escolher entre usar
seja, aquilo que o diferencia do outro. Sendo o e não usar o objeto (2).
pesquisador também pertencente à categoria Gurfinkel diz que “esta característica da
de humano, a sua própria subjetividade estará adicção implica uma importante inversão da rela-
envolvida no processo. ção do sujeito – objeto, nos seguintes termos: aque-
O mundo social e cultural, conforme le que era sujeito que, no exercício da sua liberda-
vai sendo experienciado, possibilita-nos a de, escolhia usar o objeto segundo sua vontade e a
construção de um mundo interior e são di- serviço do seu desejo, se torna ele mesmo objeto do
versos os fatores que combinam e nos levam seu objeto, que ganha, por sua vez, o estatuto de
a uma vivência muito particular. Nós atribuí- dono e senhor da situação. ‘A bebida, a roleta, ou
mos sentido a essas experiências e vamos nos aquela mulher, me domina...’ Essa inversão acaba
constituindo a cada dia, até a idade adulta, por urdir, no imaginário social, a ideia de que a
quando se estrutura a personalidade. A forma droga ou o jogo são viciantes em si mesmos, como
de abordar a subjetividade dependerá da visão objetos poderosos, perigosos e enigmáticos, à ima-
de quem a concebe. gem e semelhança da figura do diabo” (2 p. 51).
Falamos aqui a partir da compreen- Tomamos como exemplo frases que são comu-
são da Psicanálise, teoria criada por Sigmund mente relatadas nos grupos: “A droga tomou
Freud (1856-1939), médico vienense que alte- conta de mim e fez com que eu me tornasse outra
rou radicalmente o modo de pensar a vida psí- pessoa, a ponto de não considerar o outro e roubar,
quica. Freud ousou falar do Inconsciente como manguear”. No discurso dos sujeitos, a droga
sistema dos processos psíquicos e da sexuali- é personificada e lhe são atribuídas caracterís-
dade infantil. Enquanto prática profissional, a ticas e poderes próprios, que independem da
Psicanálise refere-se à forma de tratamento, pessoa, e isso, muitas vezes, acaba por gerar
com a busca do autoconhecimento a partir de uma desresponsabilização do usuário acerca
um manejo próprio, possibilitando lidar com da sua problemática e faz com que ele tenha
o sofrimento, criar mecanismos de superação uma ideia de si como alguém sem valor, fraco,
das dificuldades, dos conflitos e dos submeti- submetido a algo que é também identificado
mentos, em direção a uma produção humana como tal.
do grupo relataram que conseguiam perceber o “na medida em que o analista promove a fala do
mundo e as relações pessoais de forma diferente sujeito e o escuta a partir de uma posição diferen-
e trouxeram reflexões acerca do sentido da vida, te (que é a posição analítica), abre a possibilidade
do desejo de infinitude e se conscientizaram da de o próprio sujeito escutar-se, propiciando, desta
utilização de mecanismos projetivos e da não forma, a subjetivação” (4).
responsabilização pela própria vida. É essa dinâ- Neste sentido, a proposta de uma escu-
mica de trocas, questionamentos e reflexões que ta psicanalítica se diferencia de outras aborda-
é possibilitada pelo Grupo Verbal, em que o tera- gens de cunho mais objetivo, que apresentam
peuta“faz circular a questão entre os participan- uma proposta mais diretiva, visando a modi-
tes do grupo, tecendo uma espécie de crochê, ficação de comportamentos disfuncionais ou
cuja linha é de natureza afetiva (3). orientadas para a remissão de sintomas. A es-
Esses exemplos evidenciam que na pecificidade da psicanálise está em ater-se in-
medida em que o sujeito fala e se escuta, um tegralmente às produções de fala dos sujeitos,
maior grau de consciência de si se desenvol- como indicativa de uma realidade psíquica,
ve, podendo a partir daí estabelecer uma outra visando uma mudança da posição do sujeito
forma de relação com o outro (e com a droga), frente ao outro e ao mundo. Portanto, uma das
e com isso, tornar-se, novamente, sujeito ca- funções do Grupo Verbal e dos Grupos de Psi-
paz de realizar escolhas. coterapia de orientação psicanalítica do CRA-
Acreditamos no Grupo Verbal como TOD é oferecer um lugar seguro onde a fala do
um espaço de potencialidade que, somada sujeito é privilegiada, fazendo emergir um su-
às outras estratégias e intervenções no con- jeito para além do sintoma, um indivíduo para
texto do tratamento ambulatorial para de- além da droga. “O pacto analítico é um pacto de
pendência química, possibilita a produção de fala. A psicanálise é uma clínica da fala. Fazer fa-
novos sentidos, de diminuição do sofrimento lar é uma condição da escuta. E é pela escuta que
psíquico, através da realidade psíquica que se constitui, remetendo à regra fundamental: diga
emerge através das palavras e das ações, pois o que lhe vier à cabeça…” (1).
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19
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20
aqueles que iniciam a atividade e estão desor- cremento significativo das possibilidades para
ganizados nos princípios mínimos de autocui- abordagem e tratamento dos usuários, tor-
dado. Sendo assim, faz-se necessário resgatar na-se alvo de interesse de pesquisadores que
de forma digna noções de higiene, construção buscam a compreensão das bases fisiológicas
de regras, organização de materiais, e respeito para a terapia proposta, de forma segura, com
para com os colegas e com o seu próprio cor- vistas à redução das alterações neuroquímicas,
po. O profissional de educação física tem um do desejo e da compulsão pelo uso (fissura),
papel essencial na construção de novos relacio- dos distúrbios do humor e da cognição, bem
namentos. Enquanto executam seu programa como dos níveis de estresse e das dificuldades
de treinamento, os pacientes podem escolher no relacionamento social e afetivo, decorren-
a música ambiente, conversam entre si e com tes do uso de drogas. (8).
os profissionais, contribuindo para a adesão ao O emagrecimento, a expressão can-
tratamento e estimulando para que se busque sada e muitas vezes assustada ou curiosa é
fora do CRATOD outros espaços onde possa muito comum nos usuários recém chegados
ser dada continuidade a esse auto cuidado. ao CRATOD. A debilidade física mostra o
quanto o uso de substâncias está presente em
sua vida. Ao conhecerem o trabalho de reabi-
Oficina de corrida e caminhada litação física –as oficinas de jogos e de corrida
e a caminhada – eles relembram o passado, a
O exercício físico é um aliado impor- infância e o fato que muitos já praticaram al-
tante no tratamento de várias patologias e suas gum esporte antes das drogas tomarem todo
comorbidades, por seus efeitos diretos, como a seu tempo e sua energia. Assim que iniciam
redução da gordura corporal e dos níveis de o acompanhamento com a equipe de educa-
colesterol e a melhoria cardiorrespiratória, ou dores físicos, os usuários vêem uma mudança
indireta, como a melhoria na autoestima e na em seu modo de olhar para outras ativida-
sensação de bem-estar, com redução de sin- des prazerosas, melhoram sua autoestima e,
tomas depressivos. Há consciência de que, a médio prazo, vêem uma melhora no corpo,
além de tratar problemas de saúde, o condi- no condicionamento físico, na força, na flexi-
cionamento físico previne problemas e reduz bilidade e o no reencontro com a habilidade
o agravo de patologias. Especificamente, nos em determinados esportes muitas vezes es-
problemas de saúde relacionados ao uso de quecida devido ao uso de drogas.
drogas, o exercício físico estimula a liberação Inicialmente, não oferecidos momen-
de substâncias neurotróficas, propicia melho- tos de caminhadas, com estímulos e provoca-
ria do sistema nervoso e até mesmo sensações ções para novos desafios. Respeitando limites
de prazer e relaxamento, interfere de maneira e condição clinica. O maior objetivo é estreitar
positiva na prevenção e no tratamento da de- o vínculo terapêutico, pontuando as conquis-
pendência (7). tas e as melhoras físicas e emocionais; ofere-
O exercício físico tem sido proposto cendo sempre a oportunidade de desafiar a si
como adjuvante no tratamento da dependên- próprios e ampliando seu repertório de prazer.
cia de drogas lícitas e ilícitas, complementando A corrida de rua é um meio encontrado
abordagens psicoterapêuticas e farmacológi- pela equipe, de reinserção social, ampliação
cas tradicionais. Assim, representando um in- de repertório de atividades prazerosas e de
superação. Superar seus medos, seus anseios, de abstinência e o vínculo com a instituição e
seus limites e mostrar não só para o mundo, com os profissionais.
mas principalmente para si próprio, que é ca- Não se pode deixar de falar das reca-
paz de ter disciplina, amor próprio, manter-se ídas pré-prova que acontecem dias antes da
firme em seus propósitos. corrida, talvez por os usuários não saberem
Durante a preparação para as corridas, lidar com a ansiedade, a euforia, pela cobran-
além do aquecimento e da preparação física, ça a si próprios, por quererem fazer um tem-
são dadas orientações sobre o comportamento po melhor que os colegas ou os profissionais,
durante a prova, como dar passagem aos cor- bater seu próprio recorde, e também as recaí-
redores mais velozes, identificação e respeito das pós-prova que, trazendo uma euforia e a
dos limites do seu corpo, descarte de embala- vontade de comemorar, muitas vezes acaba,
gem de hidratação, entre outros. levando-os com os velhos amigos, no bar. En-
Minutos antes do início da prova, os fim, isso mostra a importância do trabalho de
concorrentes têm a oportunidade de vivenciar prevenção de recaída e que ele deve ser feito
a alegria e a animação do aquecimento cole- de maneira contínua e com mais ênfase nos
tivo, conduzido pelo “locutor/ animador”, que períodos que antecedem a prova.
faz com que cada um se sinta vitorioso antes Segue um relato de caso que evidencia
mesmo de terminar a prova, vencer a inércia de a reinvenção das relações a partir do olhar so-
permanecer na cama em uma manhã fria ou bre o corpo e o exercício.
deixar que o despertador insista em tocar. Para Com perfil de velocista, jovem, alto, pernas
os pacientes significa vencer mais um dia sem a longas, magro, o paciente E. L. S. iniciou a oficina
droga, vencer a fissura, a irritação, a ansiedade. de corrida em maio de 2016, e no final do mesmo
A corrida é democrática, sem precon- mês correu na sua primeira prova de 5km, em que
ceitos. Correr é estar no meio de muitos e fi- foi orientado a ir devagar e respeitar os seus limi-
nalmente ser apenas mais um, mais um cor- tes. Terminou a prova em menos de 20 minutos,
redor, mais um atleta, mais um que está em algo impressionante, tempo próximo aos atletas
busca de seus objetivos quaisquer que sejam de elite, o que lhe causou muito orgulho e fez com
eles e não ser visto como usuário, “perigoso” que objetivasse participar de algo maior, a famosa
ou“coitado”, estigmas do senso comum da so- São Silvestre. Desde o início foi orientado pelos
ciedade. educadores físicos a trabalhar seu corpo de forma
Após a corrida, profissionais e pacien- a evitar lesões, quanto ao tempo certo para iniciar
tes voltam conversando sobre o quanto a prá- cada tipo de treino a fim de respeitar seu corpo
tica da atividade física é benéfica, relembrando e seus limites, visto que ultrapassar os limites do
o que já foi praticado e o que se quer voltar corpo é algo muito comum entre os usuários em
a praticar. Aproveita-se o efeito do bem estar recuperação. Como se houvesse uma transferên-
proporcionado pela corrida e planeja-se algo cia de compulsão, as coisas são feitas com muita
positivo para o futuro. intensidade, tendo dificuldade em controlar ou
Nos dias subseqüentes à corrida, os em achar o seu equilíbrio.
pacientes compartilham com outros usuá- “O esporte foi muito importante
rios do serviço e profissionais a experiência em meu tratamento, pois depois de
do evento, o que proporciona aos mesmos certo tempo de minha vida, 10 anos
melhora da autoestima, reforça os propósitos de usode drogas, já não tinha prazer
em nada, só o uso. Mas a partir do cer nossos vínculos, oferecem um ambiente har-
momento que comecei a participar da monioso e acolhedor. Não há datas específicas,
Reabilitação Física, conheci as corri- mas procuramos fazer antes ou depois da Copa
das e meu tratamento teve outro rumo. da inclusão, outra atividade externa que será
Tive que cuidar da minha saúde, algo a abordada neste capítulo.
que não prestava mais atenção, peguei
amor a cada medalha, e a cada corrida
melhorava meu tempo e aumentava os Copa da inclusão
quilômetros que corria. A ansiedade e
a satisfação de cada prova, de cada dia Trata-se de torneio esportivo criado
que passava, mexeu com a minha abs- pela ONG Sã-Consciência desde 2002, e a
tinência, pois para comemorar, ia ao ci- participação do CRATOD deu-se a partir de
nema, lanchonetes e infelizmente aca- 2006. Um evento criado para a participação
bei desaprendendo a me controlar, por de todos os CAPS Adultos, CAPS AD (álcool
achar que estava recuperado, forte o e drogas) e infantil, da cidade de São Paulo e
suficiente para passar por qualquer si- algumas cidades vizinhas, realizados no Sesc
tuação. Sou auxiliar de cozinha e tenho Itaquera e atualmente no Sesc Interlagos.
facilidade para estar sempre manuse- O torneio tem como objetivo cen-
ando bebidas alcoólicas e, com isso, me tral ofertar a participação, o envolvimento
afastei do CAPS, algo que me prejudi- e o pertencimento desses espaços públicos,
cou muito, mas o importante não é cair ampliando o repertório de lazer, recreação
e sim saber se levantar e não “trupicar” e cultura.
na mesma barreira, pois nunca posso A princípio, a participação foi fo-
esquecer que todo dia é uma luta e é mentada por duas aprimorandas (Gabriela
preciso vencer.” (sic: E. L. S.) Teixeira/ Psicóloga e Raquel Carvalho/As-
sistente Social) desse mesmo ano em que se
iniciam as provas, e que devem ser citadas
Atividades externas e reconhecidas como as principais motiva-
doras e entusiasmadas desbravadoras dessa
Atividades externas são em categoria atividade, que atualmente é importante do
de ações com o objetivo de ampliação de re- calendário anual de atividades exportivas
pertório social de lazer e cultura. Durante o do CRATOD.
ano, locais relacionados ao esporte e à cultu- Os pacientes do CAPS CRATOD es-
ra não selecionado. Dentre eles já foram visi- peram todos os anos as datas dos jogos, o
tados o clube do S.P.F.C. (São Paulo futebol início do evento, os jogos de futsal, as cele-
clube), o Santos F.C. (Santos futebol clube), o brações e as festividades finais de cada copa.
museu do futebol, a escola de Surf em Santos, Há que se refletir sobre o aproveitamento de
com aula experimental, o museu da pesca e o novos e outros espaços, ampliação de repertó-
Aquário, esses na cidade de Santos, ... entre rios e prazeres, sem deixar dúvida quanto ao do
outros lugares. sucesso e à grandeza da Copa da Inclusão, que
Indubitavelmente há que se afirmar que em seu próprio nome traz o valor imensurável
as saídas externas terapêuticas, além de fortale- de incluir, oferecendo acolhimento e empode-
ramento em todos os seis encontros possíveis, ção do paciente, provocando melhor víncu-
realizado graças à organização desse evento. lo e dificultando tentativas de “mascarar” seu
Pode-se ressaltar que esta atividade tratamento. O paciente acaba confiante na
proporciona à nossa equipe técnica envolvida, proposta oferecida e resgata valores outro-
uma relação inter-profissional sensacional de ra esquecidos, por estar em constante uso de
aprendizagem continua e progressiva, sem des- SPA. O prazer da atividade cria uma ponte de
caracterizar cada especificidade e/ou categoria. aproximação com seus desejos de mudanças e
Enfim, o maior protagonista deste evento é o as ampliações de repertório social e de praze-
paciente. A instituição tem prazer em ser in- res ficam mais evidentes, oferecendo vivências
terlocutora e facilitadora dessa proposta, ge- e lembranças concretas do que se pode fazer
nuinamente terapêutica e harmoniosa. para conseguir o objetivo desejado.
Diversos estudos têm mostrado os be-
nefícios dos exercícios físicos como parte es-
Considerações finais sencial no tratamento da dependência química.
Orientar o paciente, respeitando os princípios
Observou-se, portanto, nesse capítulo, do treinamento, e estimular a prática regular de
a importância da Educação Física e de Fisio- exercício físico irá contribuir para a adoção de
terapia dentro de uma proposta de um trata- hábitos de vida saudáveis, possibilitando ao pa-
mento em Dependência Química. Atividades ciente utilizar essa ferramenta como mais uma
de corpo e esporte favorecem uma aproxima- estratégia para prevenção de recaída.
Referências Bibliográficas
21
Ariadne Ribeiro
Gabriela Felix Teixeira
Ivan Cezar Silva
Lennon Leonardo P. Silva
134
Express‹ o de g• nero
Orienta• ‹ o Masculino Andrógino Feminino
Como você demonstra o seu gênero, considerando a maneira como
age, se veste, se comporta ou interage.
Orienta• ‹ o sexual
Heterossexual Bi | Pansexual Homossexual
Por quem você se sente atraído, considerando o sexo/gênero de
outrem em relação ao seu.
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22
Erika Pellegrino
Gabriela Felix Teixeira
Marcia Moutinho
Natalia Cunha Batista
142
A importância de um tratamento cas são mais comuns entre mulheres do que en-
exclusivo para mulheres tre homens, o que torna importante a presença
Considerando as características específi- próxima do psiquiatra tanto para diagnóstico e
cas das mulheres na apresentação de um quadro manejo, quanto como estratégia de aderência e
de dependência química, é indispensável que se determinante de melhor prognóstico. Conforme
proponham modelos de tratamento que abar- já colocado, a mulher, em geral, começa o uso
quem tais particularidades. É importante ressal- de substância já associada a contextos de perdas
tar que atender a essa demanda específica num ou separações, muitas vezes como forma de au-
CAPS AD não é uma tentativa de segregar ou to-medicar uma condição psíquica fragilizada,
conceder algum tipo de privilégio a um grupo, como sintomas ansiosos, depressivos ou com-
mas sim fornecer condições para a própria re- portamentos alimentares. Dessa forma, não se
alização do tratamento em uma população es- pode esperar que seja possível suportar ficar sem
pecífica. Há amplo respaldo científico provando a substância de abuso se tais condições subja-
que tratamentos exclusivos para mulheres levam centes não forem devidamente tratadas.
uma melhor aderência e prognóstico, o que não Além disso, torna-se essencial pensar
depende simplesmente da separação por gênero, em conjunto com uma rede ampliada no ter-
mas da formulação de estratégias que procurem ritório de inserção do serviço, especialmente
compreender e dar voz às demandas femininas. para garantir acesso à saúde reprodutiva, já
Enquanto grupos masculinos costu- que é comum que mulheres dependentes te-
mam frequentemente levar o foco das discus- nham menos acesso aos serviços de saúde da
sões à relação com a substância, manejo de atenção básica como Ginecologia e Obstetrí-
abstinência e prevenção de recaídas, as mu- cia, e maior risco de contrair doenças sexual-
lheres costumam trazer questões mais amplas, mente transmissíveis, especialmente HIV (1).
como construção de uma identidade pessoal, A aderência ao tratamento também depende
auto-estima, desenvolvimento de relações in- diretamente da possibilidade de a mulher con-
terpessoais ou interação mãe-filho (1). Além tar com um suporte adequado para que pos-
disso, há grande necessidade de um espaço sa deixar os filhos enquanto cuida da própria
seguro para que se possam discutir questões saúde, como uma creche ou um espaço espe-
particularmente sensíveis, como abuso sexual, cífico, no próprio local de tratamento.
o que é inibido num grupo misto.
A presença de uma equipe multidisci- Relato de experiência – Grupo de
plinar é essencial para um tratamento adequa- Mulheres
do, direcionado a mulheres. Algumas deman- Compreendendo o contexto da popu-
das podem incluir o auxílio no cuidado com lação que realiza tratamento ambulatorial no
os filhos e reinserção social; assistência jurídi- CRATOD, que em sua maioria é composta por
ca, principalmente relacionada a questões de pacientes do gênero masculino, alguns profis-
violência contra a mulher ou guarda de filhos; sionais observaram a necessidade de introduzir
atendimento de famílias; educação sobre sexu- no âmbito ambulatorial, espaços que possam
alidade e planejamento familiar; trabalho com acolher as mulheres que estavam em tratamen-
questões ligadas à auto-estima e ao corpo (2). to. Espaços esses que poderiam trazer questões
As abordagens devem atentar também do universo feminino para além da dependên-
para o fato de que as comorbidades psiquiátri- cia química e que acolhessem as mulheres em
suas especificidades, e que ao mesmo tempo com um delicioso acarajé, devido ao fato de ser,
fosse um ambiente de trocas de experiências, no caso, uma cozinheira bahiana.
de liberdade de expressão e - principalmente - De acordo com o tema abordado, tam-
de cuidado para com essas mulheres. bém é feito o convite para que profissionais
Assim surgiu o grupo de mulheres, já do próprio serviço ou de outras áreas colabo-
existente no CRATOD há muitos anos, no in- rem, trazendo orientações especificas de saúde,
tuito de subsidiar um suporte psicossocial, com- como, por exemplo, a atuação da odontologia e
preender as questões que envolvem o cotidiano nutrição, cada uma atuando dentro de sua es-
feminino e ser um momento de acolhimento pecificidade, mas abrangendo as necessidades
entre as próprias participantes. O grupo acon- femininas. Além disso, outras atividades podem
tece semanalmente, às quartas-feiras, no perí- ser organizadas, como o“dia da beleza”, em que
odo da tarde, com todas as mulheres que estão cada participante traz o seu material de cuidados
em tratamento ambulatorial no CRATOD e que pessoais e utiliza suas habilidades para cuidar
se interessem pela participação no grupo, de uma das outras, como cabelo, maquiagem e ma-
acordo com o seu projeto terapêutico singular, nicure. Além de dias comemorativos como dia
elaborado junto a sua equipe e profissional de das mulheres, dia das mães e luta pelo fim da
referência. Trata-se de um grupo aberto, porém violência, com a elaboração de cartazes, discus-
apenas para o público feminino. Atualmente ele sões direcionadas e, no final, uma confraterniza-
é coordenado por uma técnica assistente social, ção com alimentação dividida entre as partici-
uma psicóloga e uma psiquiatra, que atuam de pantes. São grupos que falam de assuntos desde
maneira a facilitar o desenvolvimento do gru- receitas culinárias à sexualidade.
po e organizar as atividades, além de orientar Durante o processo do grupo, as parti-
as discussões do próprio grupo. Tal grupo já foi cipantes criam laços de afetividade e utilizam
coordenado, em outros momentos, por outros desse espaço como um ambiente acolhedor,
profissionais, sem deixar de ter a caracteristica de troca de experiências, de opiniões, pois é
acolhedora existente ainda hoje. nesse espaço que podem relatar suas experi-
Devido à dinâmica da atividade, não ências e se identificar com outras histórias de
existe uma terapêutica especifica pré determi- vida, que muitas vezes envolvem sofrimento,
nada. Os temas permanecem sempre livres e as mas também alegrias e conquistas.
pacientes fazem a escolha, como relacionamen- Observamos que os grupos são flutuan-
tos, família, responsabilidades, papel da mulher tes, em que cada período se formam subgrupos
na sociedade, preconceitos, estigmas, uso abu- de 6 a 10 mulheres, que participam da atividade
sivo de substâncias psicoativas, entre outros. por um tempo indeterminado, assim como no
Em alguns momentos é combinado qual será tratamento em si, e que se desfazem na medida
o assunto elaborado na semana seguinte e a em que tais mulheres conseguem reorganizar
discussão é incentivada através de vídeos dis- suas vidas e reassumir seus papeis na socieda-
paradores, músicas e textos. Conforme o anda- de. E, em seguida, um novo grupo se forma.
mento do grupo, também se realizam algumas Também observamos que esse grupo se
atividades diferenciadas que envolvem passeios torna uma referência para essas mulheres, visto
em museus, cinema e teatro, e por vezes acon- que muitas vezes, elas precisam retomar ao grupo
tece de realizarmos a reunião do grupo na re- em momentos futuros, seja para desabafar, serem
sidência de uma paciente, que recebe o grupo acolhidas pelas outras participantes e equipe ou
receber orientações. Depois não retornam mais ram discutir ou ser ouvidas. As participantes do
para o grupo, taalvez sendo este um momento de grupo de mulheres são pessoas que vivem diver-
fuga da situação que as incomoda, de alívio e de sas situações de vulnerabilidade, tanto pela con-
apoio para outras pessoas que também vivem as dição social, em que a mulher é a mãe, a esposa,
mesmas situações de vida e com as quais se iden- a dona de casa, responsável pela renda da família
tificam. Existe nesse grupo, a sensação de perten- e, nesse contexto ainda incluímos a dependência
cimento, o que é fundamental para a formação do química. Mulheres essas que sofrem os precon-
vínculo terapêutico. ceitos impostos pela sociedade, tanto no âmbito
As mulheres que participam e se iden- da relação de gênero quanto da situação de de-
tificam, de fato, se sentem pertencentes ao pendência química e que, ainda, necessitam lidar
grupo, relatam suas experiências de vida, es- com suas questões de saúde física, emocional
perando que as companheiras possam tra- e social, com seus próprios medos e anseios, e
zer uma palavra de consolo ou que também além do mais, ainda cuidar da casa, dos filhos, do
possam ouvir outras histórias parecidas com (a) companheiro (a) e da efetivação no mercado
a sua. Muitas vezes essas mulheres se reco- de trabalho. São mulheres que são violentadas
nhecem nessas histórias e buscam o conforto diariamente e que muitas vezes somente encon-
junto a de quem não irá julga-las. A principal tram um espaço como o grupo de mulheres para
regra desse grupo é o respeito e a participação. serem ouvidas e respeitadas.
Apesar da característica acolhedora de
ser um espaço para a livre expressão de senti-
Considerações finais mentos e de haver uma psicóloga presente no
desenrolar dos encontros, esse grupo não se
Diante dos poucos espaços institucionais caracteriza como um espaço de psicoterapia.
de cuidados específicos para as mulheres, com- O grupo de mulheres se mostra funcional e
preendemos a importância da existência de um terapêutico, mas não tem a intenção de suprir
grupo de mulheres que consigam criar esse es- essa necessidade, sendo necessário pensar-
paço acolhedor, com a intenção de trazer temas mos em um espaço específico para entender
que muitas vezes essas mulheres nunca pude- essa demanda, muitas vezes, trazida por elas.
Referências Bibliograficas
23
Fabio Carezzato
Raquel Cleide da Mota Carvalho
147
a atenção e o cuidado em CAPS AD (Centro violência. (5). No entanto não são planejados
de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas) para o acolhimento de pessoas que fazem uso
no próprio CRATOD, identifica-se que seria de drogas, além de haver uma falha na rede
importante que estas pessoas pudessem con- intersecretarial, quando se trata da discussão
tar com uma estrutura de acolhimento que e manejo acerca desta população específica.
favoreçesse a permanência no tratamento e Além disso, alguns destes Centros de Acolhida
sua proteção. E mesmo que a internação seja são espaços constituídos por grandes estrutu-
direcionada para ser a primeira estratégia te- ras precárias, dentro das quais ocorrem episó-
rapêutica, ela não se esgota em si, sendo ne- dios de violência e uso de drogas.
cessárias outras retaguardas para garantir o É possível entender a oferta de lugares
cuidado integral do usuário. nestas condições por uma idéia prevalente de
Para além do histórico de uso de subs- que, pelo fato de os usuários estarem em si-
tâncias psicoativas, estas pessoas relatam suas tuação de vulnerabilidade extrema, o investi-
histórias de vida e, comumente, surgem na es- mento em condições mais confortáveis seria
cuta episódios de opressão, sofrimento, humi- um desperdício, seja porque para essas pesso-
lhações, rompimento das relações familiares, as qualquer coisa serve, ou seja por entender
vítimas de diferentes formas de violência. A que os próprios clientes destes estabelecimen-
maioria dos casos são de negros em situação tos degradariam o ambiente com seus hábitos
de rua e, ao ouvir seus relatos, há a clara im- ou presença. Compreende-se que tal postura é
pressão de que por trás do pedido de interna- consequência da complexidade da abordagem
ção está um pedido de um lugar para ir, um tanto da dependência química quanto da situ-
lugar para se proteger, para ocupar, além do ação de rua, que gera compreensões estigma-
espaço da rua. Pedem, talvez, um lugar para tizantes e achata as individualidades de cada
existir dentro da sociedade. Não é por acaso uma dessas pessoas, enxergadas como sendo
que o primeiro passo de um tratamento mui- todas iguais.
tas vezes é auxiliar estas pessoas a conseguir Neste sentido, ao se debruçar a pensar
novamente seus documentos. Outra inter- sobre as formas de cuidado que ofertamos aos
venção inicial é encaminhá-las para locais de usuários, cabem as perguntas: “Será que ouvi-
retaguarda social. As possibilidades de ofer- mos os principais envolvidos no cuidado? Será
ta, para a maior parte deles, são os Centros que pensamos em estruturas que atendam a
de Acolhida, serviços de acolhimento de alta demanda dos nossos usuários? Será que ouvi-
complexidade, tipificados no Sistema Único de mos os usuários?”
Assistência Social (SUAS) que visam garantir a Como colocado no início do texto, a
proteção integral de indivíduos em situação de premissa da redução de danos é o tratamento
risco pessoal e social, ofertando acolhimento singular de cada uma dessas pessoas, respei-
com privacidade, na perspectiva do fortaleci- tando suas individualidades, tanto de cará-
mento dos vínculos familiares e comunitários, ter como de contexto de uso de substâncias
com a proposta de se constituir como um ser- e demandas de tratamento. Para isso, leva-se
viço adequado de acordo com as especificida- em conta uma das premissas de atuação em
des do público atendido: crianças e adoles- saúde pública, a da atenção básica, que é co-
cente; adultos e famílias; jovens e adultos com nhecer o seu território adstrito. Porém visu-
deficiência; idosos; mulheres em situação de aliza-se que poucos se debruçam a dialogar
partir da identificação e inclusão das mesmas tre o profissional de referência e o sujeito, entre
na elaboração do projeto terapêutico fica mais o sujeito e as possibilidades sociais existentes
fácil se formar uma aliança terapêutica com o para ele e entre esses protagonistas e a vida.
paciente, primeiro passo fundamental para a Muitos sujeitos em tratamento no CRA-
adesão e o sucesso terapêutico. Escutar o que TOD classificam os profissionais de referência
traz cada pessoa é a chave para uma assistên- como “amigos”, por tentarem constituir com o
cia que vise o aumento da autonomia e possa usuário uma aliança terapêutica de forma ho-
contribuir para a diminuição dos riscos que a rizontalizada, que acompanha as dificuldades
situação de vulnerabilidade traz para eles. diárias destes sujeitos que lidam diariamente
Após algumas semanas, quando este com tantos rompimentos sociais, mas também
vínculo com a instituição está mais organiza- participam de conquistas importantes, dentre
do, progride-se no tratamento com grupos de estas, o fortalecimento de outras relações so-
Projeto em que as metas terapêuticas citadas ciais, e a motivação para novos projetos de vida.
anteriormente têm maior protagonismo. Mais O profissional de referência é, ao mesmo tem-
do que a redução do consumo, nesta fase o po, um “Amigo Terapêutico” (7), mas também
objetivo é também recriar laços sociais, aten- alguém estratégico, que orienta e aconselha o
der demandas de saúde geral como consul- sujeito nas etapas que este escolheu percorrer
tas odontológicas e com outros especialistas, durante seu tratamento.
além de ter um olhar especial para questões A equipe do CRATOD é composta por
afetivas e profissionais que possam reintegrar uma diversidade de profissionais, dentre eles,
o sujeito e a sociedade. Vale ressaltar nova- dentistas, infectologista e nutricionista, profissio-
mente que este processo deve ser conduzi- nais diferenciados na composição de um CAPS
do de forma singular: conseguir emprego ou AD, mas que se mostram como fatores motiva-
reatar com familiares pode não ser o obje- cionais e que favorecem a adesão do usuário
tivo destes sujeitos. Ou então, como ocorre ao tratamento, por oferecerem intervenções e
muitas vezes, em conjunto com a equipe se procedimentos que correspondem às múltiplas
decida que este não é o momento para tais e complexas necessidades de saúde que se acu-
projetos. Respeitar o tempo do sujeito (6) e o mulam ao longo da vida de pessoas que perma-
que ele dará conta de suportar em seu trata- neceram em situação de alta vulnerabilidade.
mento, são estratégias fundamentais para o Para pensar na implantação de um
cuidado e fortalecimento dos vínculos tera- CAPS Álcool e Drogas deve-se levar em con-
pêuticos, que sustentarão o avanço na reor- ta a importância de se pensar numa clínica
ganização de outros aspectos que este sujeito do cuidado, mas também em quem serão os
considere prioritários em sua vida. profissionais que irão compô-la, pensando em
Pressupõe-se que o cuidado na clíni- um grupo de categorias profissionais que dia-
ca de álcool e drogas está embutido em uma logue com o território e com o contexto social
clínica artesanal, singular, em que é possível existente neste. Pensar na implantação de um
seguir por diversos percursos de relação, não CAPS AD no interior é diferente daquele que
se tratando de uma clínica matemática, rígida, deve ser pensado para a “cracolândia”, territó-
com resultados previstos, tratando ao contrá- rio de tantas adversidades e contradições, tan-
rio, de uma clínica que se dá em movimento, tas disputas e encontros, uma cidade visível e
peripatética(7), no movimento terapêutico en- invisível ao mesmo tempo.
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24
Ariadne Ribeiro
Alisson Paulino Trevizol
Marcelo Ribeiro
153
recompensas sistemáticas (como vouchers com As evidência de eficácia das intervenções a base
algum valor monetário) contingente à emissão de MC são tão robustas e encorajadas pelos
de comportamentos-alvo específicos (verifica- maiores centros de pesquisa em dependência
ção objetiva de abstinência)(7). O princípio por do mundo: National Institute on Drug Abuse-
trás deste tratamento comportamental sustenta NIDA - NIDA, que desenvolveu um manual
que essas recompensas podem atuar como re- descrevendo como aplicar o MC nos serviços
forçadores dos comportamentos-alvos específi- ambulatóriais especializados em dependência
cos (incompatíveis com a droga como resposta), de cocaína (Budney e Higgins, 1998). Em 2007, o
tais como a manutenção da abstinência. Estudos United Kingdom’s National Institute for Health
sobre MC apresentam metodologia rigorosa, são and Clinical Excellence – NICE – sugeriu que o
eficazes no tratamento de um grande número de tratamento por MC fosse absorvido pelos servi-
substâncias (incluindo o crack) para diversas po- ços que oferecem tratamento para transtornos
pulações (moradores de rua, portadores de HIV, por uso de substância (Pilling et al, 2007.).
indivíduos com outros diagnósticos psiquiátricos Com o auxílio do NuPe, (Núcleo de
graves). Dentre os resultados desejáveis obtidos Pesquisas do CRATOD), serão desenvolvidos
pelos tratamentos a base de MC estão: a absti- ensaios clínicos randomizados entre pacientes
nência continuada(7) e a adesão ao tratamento usuários de crack, que tenham sorologia posi-
antirretroviral em pacientes multirresistentes(8). tiva para HIV, para comparar a eficácia do tra-
tamento antirretroviral associado ao MC, no de cocaína/crack dois dias por semana, bem
sentido de oferecer uma estratégia de adesão como através de marcadores do inibidor de
mais eficaz para essa população que tem sido protease contido na medicação antirretrovi-
reconhecida como a mais difícil de tratar. ral dispensada (segunda-feira ou terça-feira e
O objetivo dessas ações vai desde quinta-feira ou sexta-feira), sendo que tal pro-
avaliar a eficácia da introdução do Manejo cedimento não levará mais do que 10 minutos.
de Contingências em reduzir o consumo de As amostras negativas para uso de
crack, até a eficácia da introdução do Manejo substância são premiadas com Vouchers que
de Contingências em promover abstinência podem ser utilizados pelo paciente após o ter-
continuada para crack e finalmente avaliar a mino de um período pré-estabelecido, o mes-
eficácia da introdução do Manejo de Contin- mo procedimento também é adotado quando
gências em promover a adesão do paciente a amostra de urina comprova o uso de medi-
HIV positivo ao tratamento antirretroviral. cação antirretroviral de maneira adequada.
Os Vouchers serão trocados por bens
Tratamento padrão: presentes na comunidade, como passagens
Os participantes receberão o trata- de ônibus e bilhetes de metrô, vale-alimenta-
mento padrão oferecido pelo CAPS CRATOD. ção, cartões de telefone, pagamento de con-
Eles também serão incentivados a deixar tas (contas de água, gás e eletricidade), cestas
amostras de urina para avaliação do consumo básicas, roupas e outras mercadorias conside-
de cocaína/crack dois dias por semana, bem radas adequadas ao tratamento. Os vouchers
como através de marcadores do inibidor de não serão trocados por cigarros ou álcool. Os
protease contido na medicação antirretrovi- pacientes podem pedir para trocar os seus
ral dispensada (segunda-feira ou terça-feira vouchers por bens em cada consulta. Os pro-
e quinta-feira ou sexta-feira), sendo que tal dutos estarão disponíveis em, no máximo, um
procedimento não levará mais do que 10 mi- dia após terem sido solicitados. Todos os bens
nutos. Nenhuma forma de incentivos mone- que podem ser armazenados na unidade de
tários será dada ao grupo controle, apesar do estudo, tais como bilhetes de ônibus e metrô,
resultado toxicológico. vale-refeição e cartões telefônicos, serão en-
Após 12 semanas de estudo e 12 se- tregues imediatamente. Os pacientes poderão
manas de seguimento, os participantes serão decidir acumular os vouchers para obter bens
encorajados a se submeterem ao tratamento mais caros. No entanto, será necessário que os
experimental. participantes deixem uma amostra negativa
para crack/cocaína no dia em que desejarem
Tratamento Experimental: comprar qualquer mercadoria.
Os participantes do Grupo Experimen- Caberá as mini-equipes de referência do
tal receberão exatamente o mesmo tratamento CAPS decidir se os bens solicitados representam
acrescido de MC. Assim como o grupo con- qualquer risco para os pacientes ou para outra
trole, eles também serão incentivados a deixar pessoa e, portanto, decidir se o paciente poderá
amostras de urina para avaliação do consumo ou não comprar determinada mercadoria.
Referências Bibliográficas
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25
O Tratamento do Tabagismo
no CAPS CRATOD
Sandra Marques
158
Uma estratégia de intervenção breve 5. Já tentou parar? (Se a resposta for afir-
voltada para o fumante que quer deixar de fu- mativa, fazer a pergunta (6)
mar segue um protocolo de aconselhamento 6. O que aconteceu?
com dois objetivos: orientar aqueles que de-
sejam parar de fumar e motivar aqueles que Pergunta 1: Informa sobre as condições
não querem largar o cigarro: Abordagem Bási- do fumante, assim como o tempo de exposição
ca - PAAPA: Perguntar/Avaliar – Perguntar e aos agentes tóxicos do tabaco.
Avaliar a história tabágica; Aconselhar a aban- Permite diferenciar experimentação do
donar de forma clara e incisiva; Preparar para uso regular. Se o fumante, fuma um número
marcar o dia da parada; Acompanhar todo o pequeno de cigarros/dia e há pouco tempo
processo da cessação e/ou prevenir a recaída. (por exemplo, menos de um mês), sugere-se
A entrevista motivacional (EM) é uma que está em fase de experimentação.
forma de entrevista clínica cujo objetivo é traba- Pergunta 2 e 3: Informam sobre o grau
lhar e aumentar a motivação do usuário para mu- de dependência à nicotina.
dança de comportamento, referente a mudanças Pacientes que fumam 20 ou mais cigar-
de hábitos de vida e adesão a tratamentos. Para ros ao dia e/ou acendem o primeiro cigarro até
isso, assume um espírito colaborativo-evocati- 30 minutos após acordar, possivelmente, te-
vo que respeita a autonomia da pessoa. A EM, rão mais dificuldades em deixar de fumar, por
portanto, nada mais é do que um diálogo entre apresentarem uma dependência química mais
usuário e profissional da Saúde, que por meio de intensa, podendo necessitar de uma aborda-
estratégias bem definidas, traz o indivíduo para gem diferenciada com apoio medicamentoso.
o foco do tratamento em questão. A EM possui, Perguntas 4 e 5: Informam sobre o grau
para isso, quatro princípios orientadores, que de motivação para deixar de fumar.
são: 1 - resistir ao reflexo de consertar as coisas; Fumantes que já tentaram ou mos-
2 - entender e explorar as motivações do usuário; tram-se interessados em deixar de fumar serão
3 - escutar com empatia, e 4 - fortalecer o usu- mais receptivos a essa abordagem.
ário, estimulando a esperança e o otimismo (9). A resposta a este questionário permite
No atendimento ao paciente aplica-se avaliar em que fase motivacional para deixar
um questionário de entrevista que tem por de fumar encontra-se o fumante, adequando-
objetivo avaliar o fumante quanto à sua de- -se assim o processo de intervenção e evitan-
pendência do cigarro , assim como a fase de do-se as armadilhas terapêuticas em relação
motivação para cessação do cigarro. aos estágios de mudança.
As 6 perguntas abaixo darão algumas
informações importantes para abordagem ini- Fases motivacionais:
cial do fumante. – Pré-contemplação: não está pensando
1. Você fuma? Há quanto tempo? em parar de fumar.
2. Quantos cigarros você fuma por dia? – Contemplação: pensando em parar de fu-
3. Quanto tempo após acordar acende o mar algum dia na vida.
1° cigarro? – Preparação: pensando em marcar uma
4. O que você acha de marcar uma data data de parada, porém, sem ter ainda uma
para deixar de fumar? Em caso de res- data definida.
posta afirmativa perguntar: Quando? – Ação: quer parar nas próximas 4 semanas.
FLUXOGRAMA DO ATENDIMENTO
TABAGISMO | CAPS-AD CRATOD
8 sess› es:
Grupo Terap• utico
Grupo de Entrevista &
Apoio nutricional,
Motiva• ‹ o consulta mŽ dica
fisioterap• utico &
mŽ dico
pousar a goma entre a bochecha e a gengiva tolerância à dose preconizada, ela pode sofrer
por alguns minutos para, em seguida, voltar ajuste posológico, a critério clínico. Deve-se
a mastigar com força, repetindo esta opera- parar de fumar no 8º dia após o início da me-
ção por 30 minutos, após os quais poderá jo- dicação. A dispensação desse medicamento
gar fora a goma de mascar. Também deverá deve ocorrer mediante a apresentação do Re-
ser orientado a não ingerir nenhum líquido, ceituário de Controle Especial em duas vias.
mesmo que seja água, durante a mastigação Critérios de Suspensão ou Não Utili-
da goma. As gomas de nicotina são bem mais zação de Apoio Medicamentoso: Não deve-
duras que as gomas de mascar comuns. Por rão ser incluídos ou ter suspenso o apoio me-
isso, a pessoa precisa ter os dentes bem fir- dicamentoso, aqueles pacientes que, segundo
mes e saudáveis para poder usar gomas de o medicamento escolhido, apresentarem:
nicotina. É necessária a avaliação odontológi- Adesivo Transdérmico de Nicotina:
ca para prescrição. – Hipersensibilidade conhecida a qualquer
dos componentes da fórmula;
Não - Nicotínicos: – Doenças dermatológicas que impeçam a
aplicação do adesivo;
Cloridrato de Bupropiona 150 mg – Pacientes que estejam no período de 15
A escolha de um dos medicamentos dias após episódio de infarto agudo do
dependerá da avaliação individual do pacien- miocárdio;
te. Não havendo contra-indicações clínicas, – Gestação;
o medicamento é escolhido de acordo com a – Amamentação.
posologia e a facilidade de administração, em
comum acordo com o paciente. Os esquemas Goma de Mascar de Nicotina:
terapêuticos podem ser utilizados isolada- – Hipersensibilidade conhecida a qualquer
mente ou em combinação. dos componentes da fórmula;
– Incapacidade de mastigação ou em indi-
Apresentação: Bupropiona em comprimidos víduos com afecções ativas da articulação
de 150 mg têmporomandibula;
Posologia: A dosagem preconizada é a seguinte: – Pacientes que estejam no período de 15
1 comprimido de 150mg pela manhã nos dias após episódio de infarto agudo do
primeiros 3 dias de tratamento; miocárdio;
1 comprimido de 150mg pela manhã e outro – Pacientes portadores de úlcera péptica.
comprimido de 150mg, oito horas de-
pois, a partir do 4º dia de tratamento, Cloridrato de Bupropiona:
até completar 12 semanas. – Hipersensibilidade conhecida a qualquer
dos componentes da fórmula;
Poderá haver ajuste da posologia a – Risco de convulsão: história pregressa de
critério do médico prescritor. crise convulsiva, epilepsia, convulsão fe-
bril na infância, anormalidades eletroen-
Orientações para o uso de Bupropiona: cefalográficas conhecidas;
A dose máxima recomendada de Bu- – Alcoolistas em fase de retirada do álcool;
propiona é de 300mg por dia. Em caso de in- – Uso de benzodiazepínico ou outro sedativo,
Referências Bibliográficas
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viços de Saúde: Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica: Nicotina – TABAGISMO /
DEPENDÊNCIA DE NICOTINA (Atualizado em 19/09/2016)
3. Governo do Estado de São Paulo. Coordenadoria de Assistência Farmacêutica. Coordenadoria dos Servi-
ços de Saúde: Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica: Bupropiona – TABAGISMO /
DEPENDÊNCIA DE NICOTINA (Atualizado em 19/09/2016)
4. Ministério da Saúde, Instituto Nacional do Câncer, Coordenação de Prevenção e Vigilância, Consenso
sobre Abordagem e Tratamento do Fumante, 2001.
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2005
11. Fiore ET AL. Treating Tobacco Use and dependence: 2008 Update.
26
de um produto que ofereça eficácia e se- terada pelo médico. Outras devoluções
gurança. A aquisição de medicamentos é também são realizadas por parte da po-
realizada pela Ata de Registro de Preços pulação que não faz tratamento na uni-
da Secretaria de Estado da Saúde, Pregão dade, mas por não saber como proceder
de Medicamentos, Bolsa Eletrônica e Ver- em relação aos medicamentos que não
ba de Adiantamento; utiliza mais ou fora do prazo de validade,
• Recebimento e Armazenamento: o re- dirige-se à unidade para receber orienta-
cebimento dos medicamentos encomen- ções ou simplesmente para descartá-los.
dados é realizado pelo próprio setor de Em posse destas devoluções, o setor de
Farmácia, o qual é responsável pela con- farmácia, avalia os medicamentos, sendo
ferência das notas fiscais, quantidades re- que os que estão fora de condições de uso
cebidas e prazos de validade, que sempre e são descartados, conforme exigido pelas
deve ser, no mínimo, de 12 meses. Não normas da Vigilância Sanitária.
são aceitos medicamentos com prazo de
validade inferior a este período. O arma- Os medicamentos devolvidos em boas
zenamento é feito no almoxarifado da condições de uso, com aspecto de boa conser-
Farmácia, obedecendo às Boas Práticas de vação e dentro do prazo de validade são reu-
Armazenamento de Medicamentos; tilizados para abastecimento do Programa de
• Prescrição, Distribuição e Dispensa- Medicação Supervisionada e Fracionada.
ção: os medicamentos são dispensados de
acordo com as receitas e prescrições médi- 1.3- Atenção Farmacêutica
cas da unidade, em quantidades suficien- Definição teórica: Prática profissional
tes para atender 30 dias de tratamento, no em que o paciente é o mais importante benefi-
caso de medicamentos de uso contínuo, ciado das ações do farmacêutico. É o conjunto
ou de acordo com a posologia para me- de atitudes, comportamentos, compromissos,
dicamentos que não são de uso contínuo. inquietudes, valores éticos, funções, conheci-
Alguns pacientes recebem medicamentos mentos, responsabilidades e habilidades do
por um sistema diferenciado criado dentro farmacêutico na prestação da farmacoterapia,
da instituição. com o objetivo de alcançar resultados tera-
• Descarte: Os medicamentos fora dos pêuticos definidos para a saúde e qualidade de
padrões de qualidade para dispensação vida do paciente.
aos pacientes, como rompimento de la- No CRATOD a atuação do farmacêutico
cre, quebra de embalagem ou qualquer já se fez presente em grupos multiprofissionais,
outra alteração visual são descartados garantindo o uso correto dos medicamentos
conforme procedimentos padrões esta- recebidos e ciência das consequências geradas
belecidos pela vigilância sanitária e cole- pelo mau uso, má conservação e interações com
ta da LIMPURB. álcool e outras drogas, o que é bem comum de
• Devoluções: constantemente, a Farmá- ocorrer na área de dependência química.
cia do CRATOD recebe devoluções de
medicamentos de pacientes que não se 1.4- Farmacovigilância
adaptaram a determinada medicação ou Definição teórica: ciência relativa à
tiveram sua prescrição suspensa ou al- detecção, avaliação, compreensão e prevenção
dos efeitos adversos ou quaisquer problemas oferecido pelas empresas que se habilitam a
relacionados a medicamentos. participar do processo.
Toda suspeita de reação adversa a qual- Ainda assim, quando não é possível ad-
quer medicamento, percebida pela equipe, é quirir os medicamentos por estes métodos, a
comunicada ao setor de Farmácia, mesmo não Farmácia opta pela utilização da Verba de Adian-
havendo certeza da relação entre o uso do medi- tamento, para compras emergenciais, realizando
camento e o desenvolvimento da reação, e mes- para isso, a pesquisa de preços em pelo menos
mo não dispondo de todos os detalhes do caso. três empresas, para a escolha do menor preço
Detalhes, como problemas relaciona- oferecido, considerando os pré-requisitos de boa
dos à falta de efeito terapêutico, alterações or- qualidade do medicamento a ser comprado.
ganolépticas (cor, odor, sabor), turbidez, con- Independente da modalidade de aqui-
taminação, problemas com embalagem, rótulo sição e constantemente em busca dos menores
e suspeitas de falsificações são informações custos, a Farmácia sempre opta por medica-
que devem ser passadas ao setor farmacêutico mentos que obedeçam aos laudos de qualida-
para as devidas providências junto à Vigilân- de de comprovação de eficácia e segurança.
cia Sanitária. Todo o processo de investigação Ainda visando à máxima utilização
e notificação é feito sob sigilo, sobretudo do dos recursos econômicos disponibilizados
profissional responsável pela notificação. pelo Governo do Estado de São Paulo, a Far-
mácia do CRATOD procura disponibilizar
1.5- Farmacoeconomia para outras unidades os medicamentos que,
Definição teórica: descrição e análise por eventual oscilação do consumo, não con-
dos custos das terapias medicamentosas para seguem ser dispensados até o vencimento do
os pacientes, o sistema de saúde e a sociedade. seu prazo de validade.
Seu objetivo é propiciar informações para to- Verificada a necessidade de urgência
mada de decisão identificando, mensurando e no abastecimento de algum medicamento,
comparando recursos consumidos e consequ- devido à grande movimentação, é comum a
ências clínicas, econômicas e humanísticas de prática de empréstimo de medicamentos que
produtos e serviços farmacêuticos. são provenientes de outras Unidades Estadu-
Em termos econômicos, o principal ais. O mesmo ocorre quando alguma Unidade
objetivo de uma Farmácia é obter um medica- Estadual necessita de algum medicamento e
mento de boa qualidade, que atenda as rela- solicita o empréstimo ao CRATOD. Esta rotina
ções entre efetividade, risco, benefício e custo. permite o cadastramento do empréstimo via
Neste aspecto, a Farmácia do CRATOD aten- sistema, identificação de itens e quantidades.
de às normas do Governo do Estado de São
Paulo, adquirindo os medicamentos pela Ata 1.6-Padronização de Medicamentos
de Registro de Preços da Secretaria de Estado Todos os medicamentos que fazem par-
da Saúde, a qual apresenta os menores custos te do estoque da Farmácia do CRATOD foram
possíveis para a aquisição. sugeridos e eleitos pelos médicos do corpo
Quando os medicamentos necessários clínico e psiquiátrico da unidade e compõem
não se encontram na Ata, opta-se pela com- uma listagem padrão que pode ser alterada de
pra pela modalidade do Pregão, na qual, ad- acordo com as solicitações da equipe médica,
quire-se o medicamento com o menor preço inserindo novas especialidades farmacêuticas
o paciente, porém os medicamentos são dis- zelar pela guarda e boa conservação de seus
pensados para trinta dias, devendo o paciente medicamentos, gerando a perda da garantia
comparecer à farmácia uma vez ao mês, para de qualidade e do efeito terapêutico esperado.
retirar os medicamentos. Existem também relatos e queixas fre-
quentes sobre perda e roubo dos medicamen-
3.1- Programa de Medicação tos dispensados a eles.
Supervisionada e Fracionada Desta maneira, fazendo parte da Aten-
Alguns pacientes que fazem tratamen- ção Farmacêutica, o programa de Medicação
to no CRATOD não apresentam condições Supervisionada e Fracionada visa garantir que
para administrar seus próprios medicamentos os pacientes em tratamento façam o uso dos
por terem a capacidade de atenção e raciocínio medicamentos em boas condições de armaze-
prejudicada pelo uso contínuo de álcool e ou- namento e de forma correta, conforme pres-
tras drogas, o que gera confusão de horários, crição médica, supervisionando sua adminis-
de doses e outros problemas relacionados. tração e fornecendo apenas as quantidades
Outros pacientes são moradores de rua suficientes para atender o período em que o
ou albergantes e não possuem condições para paciente ficará fora da unidade.
AGENTE OPERAÇÃO
AGENTE OPERAÇÃO
Fonte: http://www.aids.gov.br/pagina/quais-sao-os-antirretrovirais
to), no local mais próximo de sua residência mentos desse programa na própria unidade,
ou onde for realizar o tratamento para de- dispensando a necessidade de se deslocarem
pendência química. a outras farmácias especializadas e benefi-
De acordo com o levantamento realiza- ciando grande parte daqueles que são mo-
do em maio de 2017 o CRATOD possui qua- radores de rua ou de albergues. Também fo-
renta pacientes fixos que fazem tratamento de ram beneficiados aqueles que não possuem
HIV na unidade, sem incluir os pacientes tra- condições para financiar o transporte ou que
tados na observação. ainda dependem da supervisão durante a ad-
ministração das doses.
3.5- Programa de Alto Custo Estes medicamentos constam na Ta-
O tratamento da dependência quí- bela de Procedimentos do SIA/SUS. São dis-
mica envolve variadas técnicas de psico- pensados mediantes critérios de diagnóstico,
terapia, intervenções comportamentais e indicação e tratamento, inclusão e exclusão,
intervenções farmacológicas (OMS, 2004). esquemas terapêuticos, monitorização/acom-
No Brasil, A RENAME – Relação Nacional panhamento e demais parâmetros contidos
de Medicamentos Essenciais – apresenta os nos Protocolos e Diretrizes Terapêuticas es-
antipsicóticos atípicos olanzapina, clozapi- tabelecidos pela Secretaria de Assistência à
na, quetiapina e ziprasidona, assim como os Saúde.
antipsicóticos de primeira geração halope-
ridol e clorpromazina, sendo esses últimos 3.6- Programa de Tuberculose
disponibilizados por meio do Componente No Brasil, o aumento do consumo do
Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), crack tem provocado grande preocupação nas
de acordo com as recomendações do Formu- autoridades da saúde pública, pois o cresci-
lário Terapêutico Nacional (FTN). mento da prevalência de dependentes quími-
O acesso aos medicamentos olanzapi- cos nos grandes centros urbanos tem levado
na, clozapina, quetiapina e ziprasidona, assim ao surgimento de muitas doenças, sendo a
como a risperidona, somente é possível por tuberculose uma delas. As condições precárias
meio do Componente Especializado da Assis- de vida de centenas de dependentes quími-
tência Farmacêutica (CEAF), de acordo com os cos concentrados em uma determinada área,
critérios do Protocolo Clínico e Diretrizes Tera- como aquela que recebe a definição de “cra-
pêuticas de Esquizofrenia. colândia”facilitam a contaminação (Ministério
O CRATOD não atende aos requisitos da Saúde; 2003).
para a instituição de uma farmácia do CEAF, Segundo o Programa Nacional de
mas recebe pacientes com comorbidades psi- Controle da Tuberculose, o consumo de cra-
quiátricas que necessitam desse tipo de fár- ck contribui para a transmissão e a conta-
maco e, por essa razão, estabeleceu parcerias minação de doenças entre os usuários, por
e se adequou para o atendimento desses ca- diminuir as defesas imunitárias e por expor
sos, passando a retirar os medicamentos des- as pessoas a diversas situações e compor-
te programa na Farmácia de Alto Custo da tamentos de risco. Dentre as doenças que
Várzea do Carmo. podem ser disseminadas, a partir do uso da
Essa estratégia permitiu ao CRATOD droga, destaca-se a Tuberculose (TB). O esti-
garantir o acesso dos pacientes aos medica- lo de vida arriscado dos usuários, as condi-
Atenção Básica
Esquema para
Tuberculose meningoencefálica Hospitais inicialmente
Meningoencefalite
1 comprimido ou
20 a 35kg cápsula
300/200mg
1 comprimido ou
RH
4 RH cápsula
Comprimido ou cápsula
fase de 36kg a 50kg 300/200mg + 1 4
300/200 ou
manutenção comprimido ou
150/100
cápsulas 150/100mg
2 comprimidos ou
> 50kg cápsulas
300/200mg
1 comprimido ou
20kg a 35kg cápsula
300/200mg
1 comprimido ou
RH
7RH cápsula
Comprimido ou cápsula
fase de 36kg a 50kg 300/200mg + 1 7
300/200 ou
manutenção comprimido ou
150/100
cápsula 150/100mg
2 comprimidos ou
> 50kg cápsulas
300/200mg
dispostos segundo o horário de administração licitados nas prescrições nos casos: “Se dor”,
constante na prescrição médica, individualiza- “se febre”, “se agitação”, “se insônia”, “ACM”
dos e identificados para cada paciente e para, (a critério médico) são dispensados apenas
no máximo, 24 horas. quando solicitados. O enfermeiro é respon-
Os objetivos do sistema de distribuição sável pela conferência dos medicamentos en-
implantado no CRATOD visam dispensar os tregues pela farmácia e qualquer falha deve
medicamentos para os pacientes internados ser notificada pela enfermagem e corrigida
na observação de forma ordenada e racional pelo farmacêutico neste momento.
para o atendimento dos períodos matutino,
vespertino e noturno, otimizar o controle da
farmácia, diminuir os erros de medicação, di- 5 – Considerações finais
minuir o estoque da enfermagem, aumentar a
segurança para o paciente e racionalizar a dis- A partir do exposto, fica evidente a
tribuição e administração. complexidade e a diversidade dos serviços
Por fim, a dispensação dos medica- prestados pela Farmácia do CRATOD. A equi-
mentos é realizada atendendo à prescrição pe procura estabelecer protocolos de atendi-
médica de leito para as seguintes formas far- mento e constante atualização e revisão de
macêuticas: comprimidos, ampolas, frascos, suas práticas e sistemas de informação.
ampolas. Os medicamentos apresentados Para a manutenção de um bom traba-
nas formas de frascos, xaropes, pomadas, lho e boas práticas, a farmácia desenvolve um
creme e líquidos são dispensados através do trabalho articulado e integrado às equipes am-
pedido de medicamentos para a enfermagem bulatoriais e de observação, e esse mecanismo
pelo sistema de distribuição coletivo para o é mais um dos diferenciais do serviço, que o
período de 12 horas. Os medicamentos so- tornam mais eficaz e econômico.
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culose. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil. Brasilia (BR): Ministé-
rio da Saúde; 2010
27
Sandra Marques
187
São poucas as evidências que relacio- 27,8) e 20 de cocaína (CPOD 27,2), apesar
nam a associação entre o uso de crack e as da capacidade tampão da saliva estar normal
alterações periodontais, contudo parecem es- (13). Indivíduos usuários de cocaína e crack
tar ligadas ao sistema imune (8). Foram ob- parecem apresentar também quadros de xe-
servados aumentos na atividade fagocítica de rostomia e/ou redução no fluxo salivar (14,
PMNs, assim como o aumento na produção 15). Desta maneira, evidências indiretas de-
da interleucina-8 (IL-8) de indivíduos expos- monstram que essas alterações parecem estar
tos à cocaína (9). Por outro lado, foram obser- associadas à microbiota bucal (aumento de
vadas diminuições na expressão de algumas Lactobacilos, Streptococcus Mutans e Candi-
citocinas pró-inflamatórias tais como inter- da Albicans) (20), redução do ph e capacidade
leucina-1 (IL-1) e fator de necrose tumoral tampão. O que leva a crer em tese, que os usu-
(TNFa) por macrófagos peritoniais de ratos ários da droga, apresentam maiores índices
quando administrada a cocaína (10). A capa- de cárie e doença periodontal, também pela
cidade fagocítica parece estar mais suprimida precária higiene bucal e pela pouca procura
após a administração de crack, comparada à por tratamento periodontal (7). O fumo por
da cocaína (8). Também há relatos sobre asso- crack causa um calor intenso, além da ação
ciação de doença periodontal, xerostomia e/ cáustica da droga, possibilitando necrose dos
ou hiposalivação – observe-se a figura 6 (11). tecidos periodontais, mucosa e dentes. Cabe
Foram descritas também uma maior ocorrên- salientar aqui também, as altas temperaturas
cia de cárie e erosão dentárias em usuários que os cachimbos utilizados para fumar crack
de cocaína/crack, em estudos transversais e atingem, alterando e promovendo alterações
estudos de caso (12). O número de dentes ca- celulares na região do lábio inferior. Além
riados, perdidos e obturados, mostrou-se ele- disto, promovem desgastes oclusais por abra-
vado em cinco ex-usuários de crack (CPOD são na região dentária antero-inferior.
saúde física e mental destes indivíduos. A saúde tabagismo na Capital. Os outros anos realizou-
bucal é um aspecto importante do tratamento, -se principalmente o atendimento clínico indi-
pois afeta diretamente o conforto, a aparência, e vidualizado, com um planejamento terapêuti-
a aceitação social, e em muitos doentes mentais co completo até a reabilitação completa, com a
está relacionada a uma baixa auto estima (16). confecção de próteses, e em grupos de Educação
Sendo o CRATOD, um CAPS III com em Saúde, onde são apresentados aos usuários
atendimento 24hrs, o serviço de Odontolo- assuntos de saúde bucal e geral. São grupos ex-
gia atende atualmente em regime de plantões tremamente interessantes do ponto de vista de
diurnos, das 7 às 19 hrs com 05 Cirurgiões orientação e sensibilização no acolhimento des-
Dentistas, 05 Auxiliares de Saúde Bucal e 02 tes pacientes, pois iniciam a conscientização do
Técnicos em Prótese Dentária, que realizam o indivíduo quanto à importância de sua saúde fí-
atendimento dos pacientes oriundos do Servi- sica para a busca de sua saúde mental.
ço de Observação (desintoxicação) e do CAPS A queda no atendimento em 2013 de-
CRATOD, bem como realizando um trabalho veu-se principalmente a falta de material por
de assistência à rede, atendendo pacientes questões orçamentárias. Estimamos que nosso
da Unidade Recomeço Helvétia e do Hospi- atendimento seja duplicado esse ano (a série
tal Lacan (observe-se o fluxo de atendimento histórica refere-se até maio/2017), em função
no fluxograma 1). Abaixo, o quadro mostra o do aumento de funcionários no setor.
atendimento realizado nos 10 anos de funcio- O Serviço de Observação oferece um
namento da Odontologia no centro: serviço de triagem e desintoxicação dos usu-
ários, os quais poderão seguir para interna-
ções ou para o atendimento ambulatorial. Os
Tabela 1. Série histórica atendimento pacientes que seguirem para internação serão
Odontologia acompanhados em suas urgências odontológi-
cas após avaliação clínica e psiquiátrica, prin-
cipalmente para o controle da dor e remoção
dos focos dentários. O atendimento odonto-
lógico faz parte do Projeto Terapêutico de cada
paciente acolhido no CAPS – CRATOD. Esse
acolhimento é realizado através de equipe mul-
tidisciplinar em grupos chamados pré-projetos.
É importante salientar que todos os
usuários realizam, na entrada no CRATOD,
testes rápidos para HIV, sífilis e hepatite. To-
dos os materiais utilizados na odontologia são
lavados, embalados e esterilizados, de acordo
com os padrões estabelecidos pela ANVISA.
Conforme a série histórica, no ano de Realizado o acolhimento através da
inauguração do serviço, o atendimento foi rea- abordagem psicossocial ,anamnese e exame
lizado principalmente para a busca ativa de le- clínico, o cirurgião dentista aguardará os exa-
sões provenientes do uso de tabaco, porque o mes complementares para dar prosseguimen-
CRATOD era o único centro de tratamento de to ao tratamento clínico.
medicamentos psicotrópicos
do prazer, muitos usuários alteram seu padrão noradrenalina ou fenilefrina, por promoverem
alimentar quando vivenciam a abstinência das aumento de pressão arterial e arritmias cardía-
drogas, levando a um consumo exagerado de cas, desencadeando alterações vasculares. Nes-
açúcar, como um fator compensatório, que alia- tes casos, a melhor indicação seria o uso de pri-
do à baixa qualidade de higiene oral, predispõe locaína com felipressina.
o organismo ao aumento das lesões de cárie, e Quando se trata de pacientes usuários
por consequência, à perda do elemento dental. crônicos de ansiolíticos, o cirurgião dentista deve
A hipossalivação pode predispor ao estar atento, pois estes podem apresentar maio-
aparecimento de cárie de forma distinta. Cáries res chances de depressão cardiorrespiratória,
oclusais e interproximais estão mais presentes Devido à imunosupressão da maioria
em pacientes com salivação normal. Os pacien- dos usuários de drogas, alguns procedimen-
tes com hipossalivação apresentam mais cáries tos, principalmente os cirúrgicos, devem pre-
incisais, cervicais e nas cúspides; este fato talvez ver cobertura antibiótica.
ocorra pela diminuição da limpeza mecânica Do ponto de vista psicológico, aplica-
destas regiões, em função da ausência de saliva mos também recursos de uma técnica mo-
e diminuição da capacidade tampão (17). tivacional bem utilizada nos tratamentos de
Frente a um quadro de hipossalivação se- drogadição, que consiste no reforço positivo,
vera, cabe ao cirurgião dentista entrar em contato o Manejo de Contingências, que visa contro-
com o médico responsável pela prescrição e pro- lar o comportamento através da manipulação
por a troca do medicamento, avaliando sempre das consequências O paciente sabe por exem-
o custo-benefício para que o paciente não sofra plo que, mantendo a abstinência,o tratamen-
uma descompensação de sua doença psíquica. to pode ser realizado sem nenhum risco à sua
Uma das preocupações dos cirurgiões saúde e a reabilitação protética é condicionada
dentistas são as interações medicamentosas. a esse comprometimento pessoal, uma vez que
Assim como todo paciente, os depen- é orientado quanto à importância de seu pa-
dentes químicos podem sofrer complicações em pel como protagonista de seu tratamento, e à
decorrência do tratamento odontológico, princi- responsabilidade de tentar se manter em absti-
palmente se os protocolos de atendimento não nência, para que consiga realizar o tratamento
forem observados, os quais vão além das inte- de uma forma eficaz e segura. Os usuários de
rações medicamentosas, até às alterações vas- drogas têm respondido bem ao tratamento e a
culares e respiratórias. No caso da analgesia, por esse entendimento.
exemplo, os dependentes químicos apresentam A prótese dentária também desempe-
maior tolerância aos efeitos dos anestésicos lo- nha uma função importante no tratamento
cais (derivados de opióides), situação que difi- pois, além da reabilitação oclusal e funcional
culta procedimentos que requerem sua sedação. dos pacientes, através dela consegue-se devol-
Isso explica porque às vezes o uso da lidocaína, ver a estética, propiciando o resgate da digni-
que é o anestésico de eleição por sua baixa to- dade e da autoestima destes pacientes, dessa
xicidade (absorção lenta, boa efetividade e boa forma auxiliando na sua reinserção social e no
analgesia), não seja indicado em usuários de co- mercado de trabalho.
caína e crack. Pacientes que fazem uso de antide- Revisões periódicas serão realiza-
pressivos tricíclicos ( amitriptilina por exemplo ) das de acordo com o grupo de manutenção,
não podem utilizar anestésicos com adrenalina, como acompanhamento clínico e como es-
tratégia para manter a Prevenção de Recaída. sua totalidade, para que seja possível oferecer
Dessa maneira, o papel do cirurgião outros referenciais e subsídios que visem mu-
dentista, ao longo dos anos, tem-se fortalecido danças de seu comportamento.
em identificar e tratar os sintomas e as doenças Buscando a integralidade no atendi-
bucais que, em sua maioria, são decorrentes mento, a inclusão do cirurgião dentista na
do uso de drogas, mas não há como negligen- equipe multidisciplinar de saúde mental é
ciar e também identificar as consequências e imprescindível para a qualidade de vida desta
os motivos que levaram o usuário à ocorrência população.
da dependência, pensando no indivíduo em
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28
Marcia Moutinho
Erika F. C. Pellegrino
199
“Os indivíduos desenvolvem maneiras culação com outros serviços da rede, promo-
peculiares de estar no mundo e de ção de ações de psicoeducação individuais e
vivenciar seus sofrimentos, alegrias, em grupo e composição da equipe multidis-
frustrações, vitórias e inseguranças. Da ciplinar de modo a integrar o olhar e o tra-
mesma maneira, estabelecem relações com tamento psiquiátrico ao Projeto Terapêutico
suas experiências de enfermidade que são Singular (PTS) do paciente.
singulares e sustentadas em determinado Trabalhar em equipe nem sempre é tão
campo relacional”(1) simples quanto parece; é preciso fundamen-
talmente “descentrar espaços”, termo de Lo-
bosque (2). Isso significa desmistificar a cultu-
Introdução ra do lugar central do médico na articulação
do tratamento do usuário na crise e em todo o
Como resultado do movimento da percurso do acompanhamento. As necessida-
Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiá- des do paciente deixam de ser endereçadas de
trica no Brasil, desde o fim da década de 70, forma especifica ao psiquiatra e passam a ser
os CAPS passaram a constituir o modelo de trabalhadas por toda a equipe multidisciplinar.
assistência preferencial para abarcar os re-
ferenciais clínicos, científicos e políticos que
procuram desinstitucionalizar os transtornos O papel do psiquiatra nas
psiquiátricos e garantir um modelo de saú- equipes e grupos
de mental centrado nos conceitos de rede,
território e autonomia no lugar da exclusão A eficácia da intervenção terapêutica
(3). Como o próprio nome da reforma evo- está estreitamente relacionada à organização
ca, deve-se questionar o quanto a psiquiatria do trabalho da equipe, sendo algumas carac-
como saber médico, munida de uma posição terísticas de uma equipe integrada e automati-
de poder política e historicamente constitu- camente favorável à transformação positiva do
ída, muitas vezes foi associada a uma lógica usuário (4):
higienista e excludente, e como então vem – comunicação clara e não contraditória;
sendo constituída de outras maneiras dentro – distribuição do poder;
do modelo de CAPS. – importância dos conhecimentos da afeti-
Podemos considerar que entre as vidade e da responsabilidade;
principais atribuições do psiquiatra estão o – discussão e planejamento do trabalho;
diagnóstico e sua comunicação ao paciente – socialização dos conhecimentos;
e seus familiares, prescrição de medicamen- – autocrítica e avaliação periódica.
tos ou indicação de outras atividades tera-
pêuticas, fornecimento de laudos e parece- No CAPS CRATOD, o psiquiatra tem
res técnicos, manejo de situações de crise ou sua agenda para atendimentos individuais,
urgência e acompanhamento ou rastreio de mas também tem horários dedicados à par-
situações médicas gerais. Num contexto de ticipação em grupos e reuniões de equipe.
CAPS, essas atividades podem se ampliar de Dentre os grupos preferenciais para contar
maneira interessante, incluindo, por exem- com a presença do psiquiatra, estão os gru-
plo, a realização de visitas domiciliares, arti- pos de Pré-projeto e Projeto, que são obri-
se torna insuficiente, contamos com a re- associadas, para um bom manejo do quadro
taguarda de Observação do CRATOD (Ur- de dependência (5).
gência-Recomeço), onde podemos manter o
paciente durante a noite ou por um período
curto de dias até compensação da crise, ou O auxilio Psicofarmacológico
podemos articular o encaminhamento para
internação psiquiátrica ou avaliação em ser- Os diferentes medicamentos possuem
viço de emergência, quando necessário. uma eficácia terapêutica que pode ser sinto-
mática, curativa ou preventiva. Em psiquiatria,
e principalmente em dependência química, é
Comorbidades Psiquiátricas na mais comum o uso do medicamento com efi-
Dependência Química cácia terapêutica sintomática, visando contro-
lar ou suprimir uma expressão do problema
Na saúde mental, ao contrário das de- do paciente que seja nociva ou incômoda para
mais áreas médicas, não falamos de doença, ele ou que impeça uma comunicação entre ele,
mas de transtornos. Isso não se dá meramen- seu ambiente e o meio.
te por diferença semântica, mas sim porque Por isso, além da redução sintoma-
os transtornos psiquiátricos constituem-se tológica (fissura, síndrome de abstinên-
enquanto construto que depende do que se cia, psicose), a medicação não tem o papel
considera adequado, tolerável ou saudável de modificar por si própria o curso natural
para determinada sociedade. Apesar de pen- do problema do paciente, mas de estabele-
sarmos em critérios até certo ponto objetivos cer condição diferente de relação entre ele
para definir o que constitui dependência de e seu problema ou entre ele, a equipe e o
substância (como frequência de uso e prejuí- meio ambiente. Devem-se tratar farmacolo-
zos na vida), existem inúmeros fatores, tanto gicamente quadros comórbidos, o que pode
em termos de estruturas psíquicas quanto nos modificar o curso desse quadro (como um
âmbitos sociais, afetivos, familiares e situacio- transtorno depressivo ou ansioso) e influen-
nais que podem ter como destino comum o ciar o manejo da dependência.
uso descontrolado de substâncias. É importante lembrar que há caracte-
Muitos desses fatores incluem um rísticas particulares a se levar em consideração
outro transtorno mental associado, como o quando introduzimos medicações na popula-
Transtorno de ansiedade, Transtorno depres- ção em situação de vulnerabilidade social, que
sivo, Transtorno Bipolar, Transtornos psicóti- na maioria das vezes vive em situação de rua
cos (como a esquizofrenia) ou Transtornos de ou albergue. Como muitas vezes o paciente
personalidade, assim como outros comporta- não se sente seguro ou protegido, ele procura
mentos compulsivos ou de dependência. Nem pedir para que se evitem fármacos excessiva-
sempre é possível estabelecer temporalmente mente sedativos, ou que o deixem com sen-
o que veio primeiro, principalmente quan- sação de lentificação, o que seria desfavorável
do tratamos pacientes graves, e os diferentes num contexto de ameaça. Não atentar a isso
transtornos se influenciam mutuamente, o pode não só levar a má-aderência ao trata-
que torna fundamental um olhar diagnóstico mento, como comprometer o vínculo terapêu-
e terapêutica adequada para essas condições tico e colocar o paciente em situação de risco.
Por esta razão, para Saraceno et al (4), somente fazer diagnóstico e prescrever me-
cada decisão de uma intervenção farmacológi- dicamentos, o que se torna particularmente
ca deve estar incluída dentro de uma estratégia importante ao tratar um problema complexo
geral que tem em seu centro o PTS do usuário, com múltiplos determinantes, como a depen-
e não a simples eliminação dos sintomas. Caso dência química. O trabalho com pacientes
contrário, os psicotrópicos, quando mal admi- em situação de vulnerabilidade só é possível
nistrados, especialmente em dependência quí- em equipe, e a natureza deste trabalho num
mica, podem representar o maior obstáculo da CAPS-AD requer o exercício constante da
relação do paciente dentro e fora da instituição auto-crítica do poder médico. Essa é uma po-
e dele em relação a seu próprio projeto de vida. sição privilegiada para que a psiquiatria possa
se reformular como saber e prática, de modo
a não apenas se adequar, mas constituir as
Considerações finais mudanças eticamente mais alinhadas ao que
se busca em uma sociedade mais justa e in-
O papel do psiquiatra no CAPS com- clusiva e num modelo de assistência que tem
preende mais do que o senso comum de como prioridade o cuidado, e não a exclusão.
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29
O Topiramato apresenta-se como uma droga. Dessa forma, são medicações comu-
opção no tratamento do alcoolismo. Sua reco- mente indicadas em nosso serviço e geralmente
mendação baseia-se em sua ação no Sistema bem toleradas pela maioria dos pacientes.
de Recompensa, com aumento da atividade ga- Em meio às demais opções para o tra-
baérgica, que é inibitória, e do bloqueio da via tamento da dependência da cocaína e do cra-
glutamatérgica, que é excitatória, levando a uma ck, merecem destaque, no CAPS-CRATOD,
redução da liberação de dopamina no núcleo ac- as mesmas apresentadas para o tratamento
cumbens, assim havendo diminuição dos efeitos do alcoolismo. A Naltrexona e o Topiramato,-
do álcool nesse sistema. Dos pacientes que tive- com suas ações no Sistema de Recompensa,
ram a indicação do Topiramato, uma significati- têm contribuído para um controle maior na
va parcela teve boa resposta, apresentando uma busca pela droga, também. Os pacientes que
redução no comportamento de busca pelo álco- receberam indicação do uso desses fármacos
ol, e alguns estão conseguindo manter a absti- têm relatado redução na fissura e maiores
nência por períodos mais longos (2). períodos abstinentes. O uso de Dissulfiram,
para esses casos, apoia-se em sua ação no sis-
Cocaína e crack tema dopaminérgico, pois bloqueia a enzima
Dentre as substâncias estimulantes, a dopamina β Hydroxilase, impedindo a conver-
cocaína e o crack merecem destaque, tendo em são da dopamina em noradrenalina, dessa
vista a alta prevalência de pacientes do CAPS- maneira ocorre um acúmulo de dopamina
-CRATOD que fazem uso desse alcaloide e de e maior intensidade de sintomas como pa-
seu subproduto em questão. Na grande maioria ranoia e ansiedade, configurando um efeito
das vezes, esses pacientes buscam ajuda quan- aversivo no paciente. Os cuidados na sua in-
do o uso já ocasionou significativas complica- dicação devem ser os mesmos tomados com
ções físicas, psíquicas, sociais e ocupacionais. os pacientes dependentes de álcool (1,2).
Embora não haja medicações aprovadas
para o tratamento dessa adicção, observamos Maconha
boa resposta com a indicação de Clorpromazi- Quando o paciente traz o desejo de fi-
na, no manejo de fissura e sintomas de absti- car abstinente da maconha, estamos diante de
nência, e de Ácido Valpróico e Risperidona para um grande desafio no tratamento da Depen-
controle de impulso e redução de busca pela dência Química. Neste contexto, ressaltamos
que é raro o paciente que procura o serviço em ra, atenção prejudicada, analgesia, constipação
busca de tratamento apenas para o uso de ma- intestinal, constrição pupilar, em casos graves
conha, geralmente este uso está inserido em pode haver depressão respiratória e arreflexia.
um contexto de uso de outras substâncias. Na apresentação de instabilidade clínica, os pa-
Diante de um cenário controverso sobre cientes devem ser prontamente encaminhados
o uso dos derivados de Cannabis, há uma carên- para a sala de estabilização, para manejo clínico
cia de estudos e consequentes conclusões sobre e suporte. A medicação usada como antídoto em
as abordagens desses pacientes. Não existe um quadros de overdose é a Naloxona, na dose de
protocolo bem estabelecido, mas nossa prática 0,8 mg, dose de ataque, podendo ser repetida.
no CAPS-CRATOD mostra que o acompanha- Estabelecido o quadro de dependência de
mento multidisciplinar com diversas técnicas opióide (heroína, xaropes e elixires, morfina), o
de abordagem, como Entrevista Motivacional tratamento é baseado na terapia de substituição.
e Manejo de Contingências, é mais efetivo do Há que se atentar para a presença ou não de sin-
que apenas o uso de medicação. (Terapêutica tomas de abstinência, caracterizados por humor
não medicamentosa apresenta mais êxito do deprimido, disforia, piloereção, lacrimejamento,
que a Terapêutica medicamentosa). rinorréia, hiperalgesia (dores nas articulações e
Algo que ajuda muito, é identificar as músculos), diarréia, câimbras gastrointestinais,
causas que levam o paciente a fazer uso da náuseas, vômitos, dilatação pupilar, fotofobia, in-
maconha, sendo que muitos alegam que a ma- sônia, bocejos e principalmente hiperatividades
conha contribui para redução da ansiedade, autonômica (taquicardia, sudorese, hipertensão,
melhora da insônia e redução da fissura por taquipnéia e hipertermia).
outras substâncias. Considerando essas situa- Em geral, as evidências sugerem que os
ções podemos auxiliar nas razões que levam pacientes ambulatoriais têm uma maior probabi-
o indivíduo ao uso do Cannabis e, por conse- lidade de êxito para atingir e manter a abstinência
quência, reduzir ou até mesmo interromper de uso de opióides quando a abstinência supervi-
seu uso. Lembrar que não há recomendação sionada é realizada em períodos mais longos do
bem estabelecida medicamentosa para evitar o que em períodos mais curtos. Especificamente, a
comportamento de busca pela maconha. experiência clínica sugere que as abstinências de
pacientes ambulatoriais que demorem 4 sema-
Opioides e derivados nas ou menos, provavelmente produzam recaída
Nos últimos anos, percebemos um au- do uso de opióides, em comparação às abstinên-
mento no número de pacientes que apresentam cias que duram 26 semanas. Quando realiza-
uso ou padrão de dependência de derivados de das em ambiente hospitalar, abstinências mais
opioide. Dentro dessa categoria, o uso de he- breves são possíveis e geralmente obtêm êxito,
roína, um opioide semissintético, é o mais fre- desde que haja supervisão e apoio por parte do
quente entre os pacientes do CAPS-CRATOD. ambiente hospitalar. Na terapia farmacológica de
Devido à gravidade, quadros de Intoxi- substituição são farmacoterapias da mesma clas-
cação Aguda ou Síndrome de Abstinência são se da substância abusada. Elas podem ser a mes-
encaminhados à Observação/Urgência Reco- ma substância que foi abusada ou uma substân-
meço para melhor serem monitorados. São si- cia similar. Há atualmente duas medicações de
nais claros de intoxicação: ativação, euforia ou substituição principais utilizadas para abstinência
disforia, sensação de calor e rubor facial, cocei- de opióides: metadona e buprenorfina.
e da Farmácia, a implementação dos Sistemas seis horas, após a interrupção da ingesta alco-
de Medicação Supervisionada e Fracionada. No ólica. Atenta-se à presença e quantificação dos
Sistema de Medicação Supervisionada o pa- tremores, principalmente de extremidades e
ciente recebe diariamente a medicação no Pos- língua, mal-estar com náusea e êmese, deso-
to de Enfermagem e no Sistema de Medicação rientação alopsíquica, aumento da frequência
Fracionada o paciente retira semanalmente sua cardíaca, aumento da pressão arterial, inquie-
medicação na Farmácia do CRATOD. Foi ob- tação, alteração do humor, sudorese, caimbras,
servada melhor assistência e adesão nos casos cefaleia, insônia. Diante de tremores finos, su-
que participam desses dois sistemas, sendo po- dorese discreta, orientação alopsíquica, juízo
sitivo o balaço desses sistemas. de realidade e crítica preservados, ausência de
complicações e comorbidades graves é possível
completar o tratamento ambulatorialmente.
Manejo medicamentoso de Se o quadro apresentar piora durante
Intercorrências no CAPS- sua avaliação no CAPS-CRATOD, configuran-
do uma SAA grave, ou se o paciente apresen-
CRATOD
tar histórico de SAA grave com complicações
como delirium tremens e convulsão, o paciente
Quadros de síndrome de abstinência vai para a Observação/Urgência Recomeço,
alcoólica (SAA) grave, intoxicações agudas para ser melhor assistido em suas necessidades.
graves, agitação psicomotora, tentativas de Embora a sua forma de reposição ainda
suicídio e rebaixamento significativo do nível seja controversa, é indicada a administração de
de consciência são levados prontamente para tiamina (vitamina B1), intramuscular nos primei-
o setor de Observação/Urgência Recomeço. ros dias e via oral nos dias subsequentes, com a
Entretanto, algumas situações merecem finalidade de evitar a encefalopatia de Wernicke,
atenção imediata no CAPS-CRATOD, mesmo síndrome caracterizada pela tríade ataxia de mar-
não tendo indicação de ida ao setor de Obser- cha, confusão mental e anormalidades de movi-
vação/Urgência Recomeço, em um primeiro mentação ocular extrínseca. Perante a SAA leve
momento. Dentre essas circunstâncias, as mais a moderada, a prescrição de benzodiazepínicos
corriqueiras são: SAA leve a moderada, intoxi- será norteada de acordo com os sinais e sintomas
cações agudas leves a moderadas e inquietação. que irão se manifestar. Inicia-se a administração,
Não raramente há quadros de SAA leve via oral, de benzodiazepínico, habitualmente
a moderada no CAPS-CRATOD. Esse estado Diazepam 10mg, devido a sua meia vida mais
exige um cuidado imediato, mas passível de longa. A reavaliação a cada hora poderá ou não
abordagem ambulatorial. Inicialmente condu- indicar repetição da dose. Em um contexto am-
z-se o paciente para uma sala tranquila livre bulatorial, geralmente, os pacientes apresentam
de estímulos externos, a Sala de Intercorrên- melhora com 20mg de Diazepam. Pacientes com
cias do CAPS. Realiza-se, então, a avaliação comprometimento hepático e idosos tem indica-
clínica inicial e monitorização dos sinais vitais, ção de fazer uso de Lorazepam 2mg ao invés de
além da verificação da glicemia capilar. Sempre Diazepam, visto que o Lorazepam apresenta me-
que possível, é importante questionar quando nos risco de hepatotoxicidade e seu metabolismo
ocorreu o último uso de álcool, considerando a por glicuronidação não se altera com a idade.
possibilidade de iniciar a SAA já nas primeiras Lembrar que não se deve hidratar desenfreada-
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Ariadne Ribeiro
Luciane Ogata Perrenoud
Marcelo Ribeiro
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Por conta da dependência química, es- Sorologias (Hepatites A/B/C, HTLV-1 e 2, To-
ses pacientes muitas vezes perdem seguimen- xoplasma-IgG).
to em locais para onde foram encaminhados As informações da Vigilância Epide-
com diagnóstico de HIV, tomam os remédios miológica auxiliam com dados sobre Tubercu-
de forma irregular ou simplesmente desco- lose e HIV em nossos pacientes. Nesse mo-
nhecem a doença até que um dia manifestem mento, é também importante (re)introduzir
a infecção pelo HIV, já na condição de Aids, as profilaxias primárias e secundárias de in-
com o quadro clínico de doenças oportunistas. fecções oportunistas, com cuidados de dose e
Muitos dos HIV+ têm aderência flutu- monitoramento de efeitos adversos.
ante e acabam por virar Aids, com o abando- Hoje em dia, dados publicados em lite-
no recorrente do tratamento. Ou desenvolvem ratura internacional apontam para o fato que
resistência aos TARV mais prescritos nesses o uso de crack pode influenciar negativamente
CTA/SAE que há na Luz, no Campos Eliseos, a história natural da infecção pelo HIV, acele-
e outros, no centro da cidade. rando a imunodepressão, com queda da imu-
Vivendo numa cracolândia e respiran- nidade inata e específica.
do Micobacterium, fumaça de crack e Tabaco, Quanto à Tuberculose, temos sema-
compartilhando virus respiratórios e sem co- nalmente casos diagnosticados, sendo prin-
mer, com CD4 baixo e tomando álcool quando cipalmente em foco a pulmonar. A dificulda-
têm sede, podem evoluir à incapacitação ou de, nesses pacientes, é triar quem realmente
óbito se não forem rapidamente diagnostica- seria um sintomático respiratório, visto que a
dos e tratados por uma Pneumocistose, Neu- tosse de semanas é frequente, em virtude do
rotoxoplasmose, mal de Pott, Citomegaloviro- uso diário de grandes quantidade de Tabaco e
se em TGI com sangramento/desnutrição, ou Crack, quando os pacientes eliminam secre-
na medula óssea, com pancitopenia. Enfim, ção enegrecida e, eventualmente, até laivos
condições com grande potencial de gravidade. hemoptóicos. Além disso, o emagrecimento é
Portanto, é necessário entender alguns também uma condição muito frequente por
pontos frente a um paciente com HIV: ano do tudo o que já foi dito sobre as circunstâncias
diagnóstico, TARV atual e prévia, comorbida- em que vivem esses indivíduos, não se po-
des clínicas, infecções oportunistas prévias, dendo afirmar com certeza que a síndrome
contagem de linfócitos CD4 e carga viral por consumptiva é decorrente de Tuberculose em
HIV- RNA. Geralmente, o tratamento é inicia- atividade. A epidemiologia é certamente algo
do na enfermaria, orientado por Infectologista, indiscutível.
com vigilância rigorosa de efeitos colaterais e Na observação do CRATOD, os pacientes
correção para a taxa estimada de filtração glo- com alto grau de suspeição ficam em isolamento
merular. respiratório até o Rx do tórax e 2 coletas de baci-
Exames geralmente solicitados: Hemo- loscopia no escarro. São obtidas informações de
grama completo, Carga Viral e CD4, Função infecções prévias pelo Micobacterium tuberculo-
Hepática (Bilirrubinas totais e frações, albu- sis, com auxílio e orientação do Infectologista. O
mina e Tempo de protrombina), Função Renal paciente é acompanhado diariamente pelo Clí-
(Uréia e Creatinina), Eletrólitos (K, Na), Urina nico plantonista, que monitora os efeitos colate-
tipo 1, Colesterol total e frações, Triglicérides, rais, com avaliação clínica e laboratorial (transa-
PPD, Glicemia de jejum, Rx tórax, PPF, VDRL, minases, hemograma, eletrólitos).
vezes com alucinações, sendo a manifestação Quando esse paciente entra em absti-
mais grave da SAA. Nos quadros mais seve- nência com alterações do nível de consciência,
ros, pode acompanhar-se de agitação e mani- só se pode atribuir isso à abstinência depois
festações autonômicas extremas, como febre, de excluir outras causas como as citadas acima.
taquicardias acentuadas e sudorese profusa. O manejo da síndrome de abstinência
Começam geralmente 72-96 horas após a ces- envolve a exclusão de outras causas concomi-
sação da ingesta de etanol, em cerca de 1-4% tantes, como as citadas acima, que devem ser
dos pacientes em SAA. prontamente corrigidas.
Os exames a serem solcitiados nas abs- O controle dos sinais e sintomas adre-
tinências moderadas a graves são: nérgicos e a agitação psicomotora é normal-
• Hemograma completo mente feito com benzodiazepínicos, com uma
• Eletrólitos (Na, K, Mg, P, Cl, Cai) dose que controle os desconfortos, evitando
• Glicose sedação excessiva. Hidratação endovenosa,
• Creatinina suplementação nutricional e reavaliações clí-
• TGO, TGP, TP, Bilirrubinas e Albumina nicas periódicas fazem parte das medidas de
• Amilase, Lipase suporte. Colocar em ambiente calmo, usan-
• Rx tórax do contenções mecânicas apenas em risco
• Beta-HCG de auto ou heterogressividade, uma vez que
• Eletrocardiograma aumentam a chance de rabdomiólise, hiper-
• TC crânio, em casos selecionados termia e injúrias físicas. A administração de
Tiamina deve ser feita, assim como a reposi-
Quando um indivíduo para de beber, ção de soluções com glicose em pacientes em
além de controlar os sintomas adrenérgicos jejum, com pronta correção de hipoglicemias.
com benzodiazepínicos, manter hidratação e As deficiências de Folato, Vitamina B12, ferro e
contornar desnutrição e distúrbios hidroele- outras vitaminas devem ser averiguadas e tra-
troliticos, é fundamental entender por que o tadas, quando indicadas.
paciente parou de beber. Em geral, o benzodiazepínico usado é o
Muito comumente existe uma causa Diazepam, porém, em hepatopatas, prefere-se o
clínica subjacente, que deve ser investigada. Lorazepam. Nos pacientes em Delirium Tremens
Dentre as mais frequentes, merecem atenção: e Alucinose alcoólica, prefere-se a administração
– Infecções agudas ou crônicas parenteral. Inicialmente a via enteral pode estar
– Doenças Crônicas descompensadas (Insu- com absorção comprometida, o que favorece o
ficiência Cardíaca, Cirrose, Doença Renal uso da via endovenosa, em alguns casos.
Crônica, DPOC, Diabetes mellitus, etc) Acompanha-se o paciente com escalas
– Isquemia coronariana já validadas, como a CIWA-Ar.
– Isquemia de extremidades Cuidados devem ser tomados com o
– AVE uso de medicações que diminuem o limiar
– Hepatite, Pancreatite Aguda convulsivo, como o Haloperidol.
– Hemorragia Digestiva
– Neoplasia em atividade CRACK/COCAÍNA
– Distúrbios acidobásicos e hidroeletrolíticos A cocaína absorvida pela mucosa na-
– Carências vitamínicas sal e aquela inalada e absorvida pelos alvéolos
1-2mEq/kg de Bicarbonato de sódio por aces- te, podendo ainda causar morte súbita. Apesar
so calibroso, e repetir o ECG, monitorizando de não se relacionar claramente com o desenvol-
tal alteração. vimento de Hipertensão Arterial Sistêmica, pode
Algo interessante para o clínico que acelerar a nefropatia em pacientes hipertensos.
atende intoxicações agudas por cocaína é que o Pode provocar rinite crônica, ulcera-
uso de betabloqueadores é contraindicado, pois ções orofaríngeas, perfuração de septo e ne-
com o bloqueio dos receptores beta, a canali- crose isquêmica.
zação do estímulo adrenérgico para o receptor
alfa pode causar uma emergência hipertensiva. Complicações do uso de Crack
Além disso, em pacientes que infartam na into- Quanto à cocaína inalada na forma de
xicação aguda, deve-se fazer o tratamento com crack, observamos inúmeros efeitos em vários
Benzodiazepínicos e Nitroglicerina, associados locais, sendo os principais nas vias respiratórias.
ao tratamento com anticoagulantes e antia- Nos olhos, pode causar glaucoma agu-
gregantes, visto que o mecanismo não envolve do de ângulo fechado, vasoespasmo nas arté-
somente vasoconstrição coronariana, mas tam- rias retinianas com amaurose fugaz, destruição
bém aumento de trombogênese. do epitélio da cornea e madarose, pelos efeitos
O principal medicamento utilizado para da fumaça quente.
contrabalancear os efeitos da cocaína na into- Nas vias aéreas altas, causa angioede-
xicação aguda é o Benzodiazepínico. Em caso ma e queimaduras faríngeas ou rinossinusites
de hipertensão refratária ao Benzodiazepínico, e descompensações asmáticas, quando usada
pode-se usar um vasodilatador direto (Nitrogli- pela mucosa nasal.
cerina ou Nitroprussiato) uma vez que a Fento- Nas vias aéreas baixas, produz comu-
lamina é pouco disponível no Brasil. mente sintomas respiratórios agudos em 50%
Os exames importantes a serem pedidos dos usuários (tosse produtiva, dispneia, coriza,
incluem Eletrocardiograma, Rx tórax, Hemo- dor torácica e hemoptise, além de predispor
grama completo, eletrólitos, CPK, função renal, asmático a exacerbações). Complicações mais
gasometria venosa, função hepática e, em casos raras incluem Edema Agudo de Pulmão, He-
selecionados, marcadores de necrose miocárdi- morragia alveolar, Pneumotórax, Pneumome-
ca e Tomografia computadorizada de crânio. diastino e pneumopericárdio (resultantes da
manobra de Valsalva, feita pelos usuários para
Uso crônico evitar exalar a droga e aumentar a absorção), e
O uso crônico é associado a comprometi- injúria térmica do epitélio.
mento cognitivo afetando a performance vísuo- Além disso, pode causar broncoespas-
-motora, atenção, memória verbal e a tomada de mos, infartos pulmonares e o chamado “crack
decisão baseada em risco-recompensa. lung”, descrito como uma alveolite hemorrá-
Além disso, está associado ao apareci- gica, que provoca tosse, dispneia, hypoxemia,
mento mais precoce de doenças cardiovascula- febre, hemoptise, infiltrados focais e broncoes-
res relacionadas à aterosclerose, como Doença pasmo. O manejo compreende administração
Coronariana, Doença Cerebrovascular e Doença de oxigênio em frações inspiradas suficientes
arterial obstrutiva periférica. Relaciona-se a va- para manter oxigenação adequada, eventual-
riados graus de fibrose miocárdica, hipertrofia mente com necessidade de Intubação Orotra-
ventricular esquerda, miocardiopatia e miocardi- queal e Ventilação Mecânica.
O paciente que se apresenta com al- imagem de tórax e coleta de Gasometria Ar-
gum deficit focal ou com convulsões reentran- terial, bem como outros exames laboratoriais
tes deve ser avaliado com Tomografia Com- apropriados.
putadorizada do crânio e, se indicado após a O paciente deve receber oxigênio em
neuroimagem, coleta de liquor (após exclusão fração inspirada de O2, capaz de mantê-lo
de Hipertensão Intracraniana). normoxêmico, variando de cateter nasal a Ven-
Não menos importante é avaliar se o tilação mecânica invasiva após Intubação Oro-
paciente não está em abstinência conjunta de traqueal. E, obviamente, receber tratamento
benzodiazepínicos e outras drogas hipnótico- direcionado à causa, precocemente.
-sedativas bem como averiguar a presença de
intoxicações concomitantes. Rebaixamento do nível de consciência
O rebaixamento do nível de consciên-
Insuficiência Respiratória cia ocorre em múltiplas intoxicações exógenas,
Por conta do alto nível de injúria pul- causas intracranianas, metabólicas ou como
monar, advinda do consumo de substâncias decorrência de sepse grave. Nesses casos, o
por via inalatória, não é infrequente pacientes diagnóstico diferencial é abrangente. Após
se apresentarem com taquidispneia, dessatu- monitorização na sala de emergência, o pri-
ração, uso de musculatura acessória e achados meiro passo é avaliar a indicação de Intubação
alterados de ausculta pulmonar. Mais uma Orotraqueal, caso o paciente não tenha nível
vez, a história e o exame físico se impõem no de consciência para proteger suas vias aéreas
esclarecimento diagnóstico. (Glasgow < 9).
As principais causas nesses pacien- A glicemia capilar deve ser realizada
tes são sepse de foco pulmonar (pneumo- imediatamente e, caso não disponível, adminis-
nias da comunidade, Tuberculose, bronco- tração de Glicose 50% 40mL endovenosa (ide-
aspirações nas intoxicações), crise asmática almente após Tiamina 300mg IM) deve ser feita.
(em asmático prévio ou na pneumopatia in- Os exames clínico e neurológico são
duzida pelo crack), exacerbação de DPOC, imperativos e deve ser realizada coleta de ga-
congestão pulmonar (edema pulmonar pelo sometria arterial, níveis séricos de remédios
crack, IC descompensada, suspeita de Sin- e drogas, exames laboratoriais direcionados à
drome coronariana aguda), hipoventilação hipótese diagnóstica e solicitada neuroima-
(nos rebaixamentos do nível de consciên- gem nos casos indicados.
cia), podendo, em casos mas graves, surgir o Desde que o paciente não esteja com
conhecido como “crack lung”, Síndrome do clara congestão pulmonar, a hidratação com
Desconforto Respiratório Agudo, Hemorra- Soro Fisiológico deve ser feita.
gia alveolar e Pneumotórax decorrente da Além dos exames laboratoriais, o Ele-
inalação de fumaça e manobra de Valsalva trocardiograma pode auxiliar na visualização
associada, para aumentar absorção. de achados potencialmente relacionados a
Nesses casos, a ausculta pulmonar traz drogas, distúrbios hidroeletrolíticos, causas de
informações valiosas, impõe-se a realização de baixo débito cardíaco, etc.
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A Unidade de Atendimento
em Urgências do CRATOD
cheirando à flor
Quando chegava, ouvia-se ao longe: sai da- Depois da injeção parava de se sacudir e de
qui, sai daqui senão eu te pego. se cortar, o sono vinha primeiro leve, depois
Caco de vidro na mão e gilete embaixo da arrebatador, compensando as últimas noites
língua. Ninguém se metia com ela. de uso em claro. Quando acordava sentia dor,
Cicatrizes no braço, cicatrizes no rosto, ci- suturas nos braços, curativos nas pernas, re-
catrizes na perna. Cicatrizes demais na alma. mendos no corpo e no discurso.
A dama das camélias chegava cheirando a Jas- — Quer ajuda?
mim. Antes já havia cheirado pó, o hálito chei- — Ajuda? Fui expulsa de casa aos 10 anos só
rava a álcool, ainda assim, cheirava a Jasmim. porque eu vestia um vestido longo da minha
Quando o pó chegava antes, as mãos tremiam, mãe – moleque não veste essas coisas, maricas
os olhos saltavam, andava de um lado a outro. – foi a frase do meu pai. De lá pra cá é só o que
Batia, batia em qualquer um que se colocasse a eu ouço: maricas, viadinho, traveco, puta! Você
frente. Cortava-se e lançava ao ar o sangue infec- acha que pode me ajudar? Me dá casa, me dá
tado, o sangue intoxicado e fazia questão que to- um trabalho, preciso de dinheiro. Não é fácil
dos soubessem da moléstia. Os homens de luva, ficar aí fora sem ter com que se defender, onde
um num braço, outro na perna, deitada no chão, foi parar minha gilete? Quero sair daqui.
sacudia, tremia e gritava, era um som esganiçado — Fica! Descansa, come, dorme e vamos con-
de dor, de fúria, de raiva. versar. Eu sei que você quer sair daqui, mas eu
Um gato que a todos arranhava apesar de quero que você fique, que me deixe te ouvir. Fica?
querer ser cuidada. Ficou. Falou tudo o que queria, tudo o que
A cena se repetia mensalmente. Voltava precisava. A cara fechada continuava fechada,
sempre, em cada ocasião um alvo diferente, mas o coração se abriu um pouquinho. Rece-
um motivo diferente, uma companhia diferen- beu o colo que nunca tinha tido, o ouvido que
te, mas sempre voltava. antes não ouvia, recebeu atenção.
— De onde vem tanto ódio? — Pergunta- Da última vez que saiu, deixou um rastro ape-
vam os de branco. nas de seu cheiro de jasmim.
— Você não vive a minha vida, não sabe o Voltou em outra estação, para dizer o quan-
que é. Eu quero ficar longe, mas não posso. to estava bem e registrar o quanto havia flores-
Travesti nasceu pra ser puta, travesti só dá pra cido seu jardim.
isso. A rua é meu lugar. Não posso mais que Luiz Gustavo Vala Zoldan
isso, não me deixam.
c a P í t u l o
32
SALA DE EMERGÊNCIA
Além de uma classificação bem preci- e treinados desde a graduação, tornando as-
sa e muito técnica o profissional deve ter suas sim o profissional Enfermeiro cada vez mais
habilidades e conhecimentos bem treinados hábil e qualificado no atendimento de Urgên-
para poder aplicar o Protocolo de Triagem de cia e Emergência.
Manchester da forma mais assertiva possível. A lei do exercício profissional nº 7.498
Estudos apontam que estes protocolos de 25 de Junho de 1.986 garante privativamente
e classificações deveriam ser temas abordados ao Enfermeiro a consulta de enfermagem, e é
neste momento em que o mesmo aplica seus gorréia; conteúdo delirante; alteração da senso
conhecimentos para classificar o nível de gravi- percepção; desorientação temporo espacial; tre-
dade dos casos e gerir o atendimento. mores moderados das extremidades e da língua;
Com uma abordagem humanizada e sudorese discreta; náuseas com vomitos; diar-
informações precisas de cada situação os pa- réia; ameaça a funcionários e pacientes; baixo
cientes se sentem acolhidos e bem atendidos, limiar de frustração; ilusões; irritabilidade e/ou
tornando desta forma o ambiente mais agra- fala sobre suicídio com planejamento e ideação.
dável, tanto para o atendimento como para os
profissionais que trabalham nestes setores. Verde
Este modelo de assistência dá ao pro- Busca de tratamento para dependência
fissional enfermeiro maior autonomia na re- química; orientações gerais; tremores finos; an-
solução dos casos, diminui a incidência de siedade leve; nega alteração da senso percepção;
iatrogênicas, retira do médico o conceito de orientado auto e alopsiquicamente; náuseas sem
profissional centralizador, valorizando a as- vômitos; cefaleia; voz pastosa e/ou inexistência
sistência multidisciplinar e permitindo que o de fala, planejamento ou ideação suicida.
paciente se tranquilize por receber pré-aten-
dimento na chegada à unidade, excetuadas as
situações de emergências. Comportamento de Consumo de
Em um molde digital, que pode ser reu- Drogas e Bebida Alcoólica
nido em formato de questionário, são situações
que permitem avaliar o risco e classificar o tem- Nesse sentido, para a compreensão
po para atendimento, com as respectivas cores: da gravidade da dependência de álcool é
importante conhecer a idade inicial de uso,
Vermelho o padrão diário de consumo do álcool, espe-
Dor pré cordial; hetero e autoagressi- cificamente, o maior período sem consumir,
vo; agitação psicomotora intensa; diminuição e se ao acordar é perceptível o tremor das
do desempenho motor e ataxia; diminuição da extremidades.
capacidade de raciocínio e juízo critico; conte-
údo delirante e alucinações auditivas, táteis ou
visuais ”microzoopsia”; alteração do nível de Determinantes gerais de risco:
consciência e desorientação auto e alopsiqui-
camente; tremores generalizados; sensibilida- A presença de comorbidades psiqui-
de visual; sudorese difusa; convulsão; midría- átricas é um determinante geral de risco que
se (pupilas dilatadas); taquicardia (batimento implica desde a avaliação do risco até o enca-
cardíaco rápido); comportamento estereotipa- minhamento possível para cada paciente, le-
dos; bruxismo; hiperalgesia; câimbras gastrin- vando-se em consideração a presença ou não
testinais; pieloereção; taquipneia; hipotermia de alguma comorbidade, e em que estágio ela
e/ou tentativa prévia de suicídio. se apresenta no momento da avaliação.
Deve-se investigar minuciosamente
Amarelo intercorrências clínicas anteriores, sendo que,
Gestante; inquietação psicomotora; cri- em geral, as mais importantes são HAS (Hi-
se de pânico; insônia; alteração do humor; lo- pertensão Arterial Sistêmica), Diabetes, Epi-
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34
A avaliação psiquiátrica na emergência,
critérios para internação em leito de
observação e o manejo em leitos breves de
desintoxicação
CRATOD em busca de um lugar para estar, O uso excessivo de etanol pode produzir sin-
um local para ficar, ressaltando que a região tomas sistêmicos como vasodilatação periféri-
central carece de aparatos adequados e bem ca, hipotermia, pressão arterial sistêmica baixa
estruturados de assistência social. com taquicardia compensatória.
A medição do nível sérico de álcool
(NSA) não é comumente disponível na maioria
Intoxicação Aguda dos pronto-socorros brasileiros, porém a mesma
pode ser de grande auxilio no manejo da intoxi-
A intoxicação aguda por droga é ca- cação alcoólica. Os sintomas clássicos de intoxi-
racterizada por alterações comportamentais cação por álcool iniciam com concentrações aci-
e físicas secundárias à recente ingestão ou ma de 50 mg por dl, o risco depressão respiratória
exposição da substância. Cada tipo de droga aumenta com níveis acima de 300 mg por dl, e
produz um tipo de reação, mas, classicamen- mortes geralmente ocorrem em níveis maiores
te, são divididas em: que 500 mg por dl. O peso corpóreo, a quanti-
• Estimulantes, como a cocaína inalada, dade consumida, a tolerância, o tempo do uso
crack, ecstasy, anfetaminas, que levam a são fatores que podem influenciar a discrepância
excitabilidade psíquica, agitação, eufo- entre a alcoolemia e a apresentação clínica.
ria, agressividade, alucinações, psicose, O manejo da intoxicação por álcool en-
agressividade, hipertensão, taquicardia, globa medidas de apoio como a proteção das
crise convulsiva, sudorese; vias aéreas, na maioria dos casos atendidos em
• Depressoras, por exemplo o álcool, os emergências, sendo a lavagem gástrica não in-
benzodiazepínicos e opióides , cuja into- dicada devido à rápida absorção no trato gas-
xicação implica rebaixamento do nível de trointestinal. A administração de fluídos está
consciência, labilidade do humor, depres- indicada caso haja sinais de desidratação, sendo
são respiratória, incoordenação da fala e necessária a monitorização dos níveis séricos
dos movimentos, bradicardia, hipotensão; de sódio, potássio e magnésio, principalmente
• Perturbadores, como a maconha e o em usuários crônicos, por ser comum a deple-
LSD, caracterizados por ansiedade, cri- ção destes eletrólitos. A reposição de glicose
ses de pânico, alucinação, letargia, psi- deve ser sempre feita em casos de hipoglicemia,
cose, falta do discernimento entre o real porém a sua administração deve ser posterga-
e o imaginário (2). da por duas horas após a prescrição de tiamina
intramuscular ou endovenosa, em casos que os
níveis glicêmicos estejam normais, devido ao
- Álcool risco da síndrome de Wernicke. A profilaxia da
O álcool age aumentando a sensibili- encefalopatia de Wernicke deve ser feita em to-
dade do receptor GABA A por GABA, sendo dos os casos em que haja suspeita de uso crôni-
assim classificado como um agonista deste sis- co de álcool, com 100 mg, via intramuscular ou
tema. As intoxicações por álcool causam a de- endovenosa. A reposição de ácido fólico, com-
pressão do sistema nervoso central, podendo plexo B, também é usualmente feita devido ao
levar a sintomas como diminuição do controle risco presumível de depleção.
motor, diminuição da coordenação motora, fala A intoxicação patológica por álcool é
arrastada, ataxia, depressão respiratória e coma. um quadro caracterizado por furor, agitação
gação diagnóstica, como as possíveis interven- isso implique a interrupção de outra atividade
ções terapêuticas. clínica, ou uma desconsideração quanto à ordem
Diante de um paciente potencialmen- de chegada para atendimento. Quanto mais
te agressivo pode haver uma expectativa dos cedo o paciente for abordado, menor é o risco de
demais profissionais da equipe, e também de evolução para comportamento violento.
outros pacientes ou acompanhantes, de que o A exposição a estímulos ambientais
médico intervenha prontamente, de maneira deve ser reduzida, bem como a pessoas de-
a controlar a situação de imediato. O médico sestabilizadoras para o paciente – como, por
deve tomar suas decisões para a condução do exemplo, um familiar com quem o paciente
caso com a maior brevidade possível, desde tem uma relação conflituosa, ou um membro
que tenha sido capaz de obter as informações da equipe que o paciente envolveu em seus
essenciais para o adequado estabelecimento delírios; eles devem ser afastados do paciente
do diagnóstico e plano terapêutico. A avalia- naquele momento de agitação.
ção e manejo de um paciente agitado, poten- Para o Manejo comportamental cor-
cialmente agressivo ou francamente violento, reto, entende-se que pacientes em agitação
é complexa e exige dos profissionais habilida- psicomotora podem impactar emocional-
des e competências diversas, que devem ser mente o próprio médico e equipe, que se
aplicadas em conjunto e com agilidade. deparam com uma situação de ameaça à sua
O Manejo Ambiental de dá por inter- integridade física, de outros pacientes sob sua
venções ambientais que visam aumentar a responsabilidade e dos demais membros da
segurança do paciente e da equipe, ajudar o equipe. Deve-se reconhecer que os compor-
paciente a controlar seus impulsos agressi- tamentos ameaçadores e hostis são manifes-
vos e evitar a progressão do comportamen- tação clínicas de um transtorno mental. Isso é
to violento. A primeira medida que deve ser fundamental para que o médico mantenha a
considerada e que antecede o atendimento de neutralidade e evite agir de maneira excessi-
emergência propriamente dito é a organização vamente permissiva ou punitiva.
do espaço físico, que inclui, por exemplo, a re- Encarar a agressividade do pacien-
tirada de objetos ou aparelhos que possam ser te como mais um sintoma a ser considerado
quebrados ou mesmo usados como armas. O no quadro clínico e como sinal de sofrimento
acesso à porta deve ser o mesmo, tanto para psíquico, evita que o médico entenda a situa-
o médico como para o paciente, já que alguns ção como ameaça ou coação contra a sua pró-
pacientes persecutórios podem se sentir acua- pria pessoa. Isso permite que o profissional
dos, o que aumentaria o risco de agressão fí- de saúde adote uma atitude empática e aco-
sica. Por uma questão de segurança de ambos, lhedora, o que, na verdade, facilita o contato
um paciente potencialmente violento não deve com o paciente e o consequente controle da
ser atendido por um único membro da equipe. violência. O objetivo é estabelecer uma rela-
Além disso, a presença de outros profissionais ção médico-paciente a mais próxima possí-
de saúde ou mesmo de seguranças no local de vel de um vínculo de confiança e respeito, em
atendimento ajuda a coibir comportamentos que o paciente se sinta acolhido e com seu
violentos de maneira significativa. Ao menor sofrimento reconhecido, de maneira a facili-
indício de hostilidade ou agitação, o paciente tar o estabelecimento de um esforço mútuo
deve ser imediatamente avaliado, mesmo que no sentido de controlar a agressividade.
riscos de morte ou alta morbidade como asfixia, essa tem função primordial de cuidar do pacien-
aspiração, liberação maciça de catecolaminas, te intensivamente com intuito de diminuir sua
lesão de pele, rabdomiólise, desidratação, insu- morbidade ou mortalidade, nesse caso causada
ficiência renal aguda, trombose venosa, trom- pelo uso de drogas, cujos cuidados não são pas-
boembolismo, efeitos psicológicos traumáticos e síveis de serem realizados em nível ambulatorial.
risco de agressão por outros pacientes. Portanto, Neste contexto, se instituem cuidados intensi-
a contenção física deve ser mantida pelo menor vos, tanto do ponto de vista médico, de enfer-
tempo possível e sempre com monitoração por magem e psicoterápico. Os motivos que levam à
parte da equipe de saúde (8). internação psiquiátrica são específicos, mas não
fogem da premissa básica do cuidado à saúde,
quando, se esgotaram os recursos ambulatoriais.
Comorbidades Psiquiátricas As indicações de internação psiquiátri-
ca, após avaliação médica são: planejamento
A comorbidade psiquiátrica é caracte- ou tentativa de automutilação, planejamento
rizada pela associação do transtorno psiquiá- ou tentativa de suicídio, intoxicação grave por
trico à dependência química, sendo que 80% drogas, abstinência grave por drogas, sintomas
dos pacientes que apresentam algum proble- psicóticos que levam à perda da autodetermi-
ma secundário ao uso de drogas possuem uma nação, instabilização do humor com perda da
comorbidade, principalmente a depressão e a autodeterminação, exposição social secundá-
ansiedade, mas em menor porcentagem po- ria a alterações psíquicas (alteração do humor,
dem ser encontrados os transtornos psicóticos, psicose ou descontrole no uso de drogas) , pla-
transtorno bipolar, transtornos de personali- nejamento de heteroagressão ou homicídio.
dade, retardo mental e transtorno de déficit de No contexto da clínica da dependência,
atenção e hiperatividade. todas essas alterações supracitadas podem ser
O uso de drogas prejudica significati- desencadeadas pelo uso de droga, principal-
vamente a estabilidade dessas comorbidades, mente em eventos agudos, como na intoxica-
não raro é que o principal fator desencade- ção, na abstinência ou na fissura (desejo físico
ante de crises nestes pacientes seja o uso de e psíquico incontrolável de usar drogas). A fi-
drogas. Portanto, ideação suicida, episódio nalidade do tratamento é, então, a de propor
depressivo, episódio de mania, psicose, agita- ações terapêuticas para que essas alterações se
ção psicomotora, alucinação, heteroagressivi- esvaiam, os riscos diminuam progressivamen-
dade, desorganização do comportamento po- te, levando à estabilização física e psíquica e ao
dem ser secundários à instabilização causada engajamento do paciente na recuperação. Para
pelo consumo (3). atingir esses objetivos deve ser realizada uma
série de ações psicoterápicas, medicamentosas
e de abordagem familiar (5).
A Internação em Dependência Baseado nos diagnósticos e nos riscos
Química a equipe propõe o tratamento. No caso do pa-
ciente necessitar de uma internação no leito da
A internação psiquiátrica para desin- observação é feita a prescrição médica, são solici-
toxicação atualmente não difere da internação tados exames gerais e o paciente ficará em obser-
médica hospitalar na sua essência, uma vez que vação de 24 a 48 horas. Quando o paciente não
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Emergências Psiquiátricas: manejo de agitação psicomotora e avaliação de risco suicida. Revista
FMRP, suplemente temático Psiquiatria I, capítulo 10.
35
Marcelo Ribeiro
Alisson Trevizol
Lucas Marchetti
254
vigorara durante boa parte do século XX. Nesse Certamente, o transtorno mental, por
sentido, a estruturação de novos ambientes e si só, não é motivo suficiente para a aplicação
procedimentos de atenção à saúde mental ca- de medidas coercitivas. Além da presença des-
recia de nova concepção jurídica acerca da in- te, é necessário que o seu portador represente
voluntariedade, com o intuito a operacionalizá uma situação potencial de risco para si ou para
-la dentro da nova rede criada (6). outrem (6). Nesse sentido, boa parte da União
No caso específico das internações, al- Europeia, a América Anglo-saxônica, a Aus-
guns países da União Europeia – entre eles Ale- trália e o Japão vêm reformando suas leis re-
manha, Inglaterra, Áustria, Suécia e Finlândia lacionadas à saúde mental desde meados dos
– observaram um aumento absoluto do número anos noventa, com o intuito de adaptar esse
de internações involuntárias (Figura 1), prova- preceito ao novo modelo de saúde mental ad-
velmente em decorrência da mudança na estru- vindo das reformas psiquiátricas, bem como
tura de atenção em saúde mental no sentido de aos pactos e declarações internacionais liga-
eliminar a internação prolongada em manicô- dos aos direitos humanos.
mios, a qual limitou o tempo de internação aos
episódios agudos – internação breve –, à custa de
um aumento na frequência das readmissões (7). As internações involuntárias no
CRATOD
O Programa Recomeço entende, desde
a sua fundação, que a internação tem função
terapêutica e protetiva e, por isso, precisa ser
oferecida ao usuário de substâncias psicoati-
vas que dela necessita. Para viabilizar esse pro-
cedimento de extrema complexidade, o CRA-
TOD estruturou, ao longo dos últimos quatro
anos, uma equipe de saúde multidisciplinar al-
tamente preparada, do ponto de vista técnico
para o diagnóstico e o manejo das situações de
risco, entre elas a agitação psicomotora grave e
o risco de heteroagressão.
O CRATOD defende a internação in-
voluntária desde que amparada por critérios
médicos e em consonância com as diretrizes
da Lei Federal 8080/1990 e suas atualizações,
no que se refere ao Sistema Único de Saúde
(SUS), quanto ao acesso ao tratamento e hu-
manização do atendimento, assim como as
Frequência de internações involuntárias (por 100.000 ha- diretrizes do Conselho Federal de Medicina
bitantes) nos países mais populosos [acima] e menos po- (CFM) quanto aos critérios clínicos para in-
pulosos [abaixo] da União Europeia durante os anos 90. ternações involuntárias, bem como o disposto
Fonte: Salize & Dressing, 2004 na Lei 10.216/2001. Vale mencionar, também, a
consonância do serviço com a Lei 7.853, de 24 tensa avaliação, dentro do contexto ao qual o
de outubro de 1989, que dispõe sobre o apoio paciente está inserido, o status de sua admis-
às pessoas portadoras de deficiência, que insti- são pode vir a ser alterado, entre involuntário
tui a prática de crime recusar, retardar ou difi- ou voluntário e vice-versa.
cultar internação ou deixar de prestar assistên- Em consonância com os parágrafos an-
cia médico-hospitalar e ambulatorial à pessoa teriores, a presença de um ou mais desses cri-
com deficiência (artigo 8º., inciso IV), sendo térios aumentou em duas vezes a chance de o
ainda mais grave se tal crime for praticado em paciente ter sido internado involuntariamente
atendimento de urgência e emergência – como (OR=2,08; p=0,000), demonstrando de forma
é o caso da unidade de observação e repouso. significativa a diferença entre os grupos de pa-
cientes voluntários e involuntários. Quase a
metade dos pacientes involuntários (45%) re-
Critérios diagnósticos lataram tentativas de suicídio anteriores e 42%
apresentavam sintomas psicóticos no momento
A equipe médica do CRATOD conside- das avaliações, dentre os quais 90% estavam in-
ra suficiente a presença de pelo menos um dos toxicados. A presença de delírio durante a per-
critérios, estabelecidos na Resolução CFM nº manência do paciente na observação do CRA-
2057/2013, a saber: I - incapacidade grave de TOD aumentou em 33% a chance de o mesmo
autocuidados – ausência de crítica em relação ser transferido involuntariamente para a enfer-
seu estado atual, especialmente no que tange maria de desintoxicação (0R=1,33; P=0,03).
à presença de intoxicação ou de sintomas psi- Ainda assim, a presença de um desses
cóticos; II - Risco de vida ou de prejuízos gra- critérios não é determinante para conduta de
ves à saúde e III - Risco de autoagressão ou de internação involuntária, pois a mesma se dá a
heteroagressão (ideação ou risco de automuti- partir da investigação de outros fatores de pro-
lação; ideação ou risco de suicídio) e IV - Risco teção e risco, bem como pela avaliação multidis-
de prejuízo moral ou patrimonial e V - Risco ciplinar que compõe a triagem e o acolhimento
de agressão à ordem pública – risco iminente de todos os pacientes que procuram o serviço.
de provocar danos físicos ou patrimoniais a si A título ilustrativo, 51% dos pacien-
próprio ou a outrem. tes que procuraram a triagem do CRATOD
Dando sequência ao atendimento ini- (n=725) apresentavam sintoma psicótico, com
ciado após a classificação de risco, o paciente diferentes níveis de gravidade. Desses, 57%
é encaminhado à unidade de observação e re- foram internados voluntariamente, indicando
pouso, onde passará por novas avaliações da que esse sintoma, quando isolado, pode ser
equipe multiprofissional, composta por enfer- “neutralizado”por outros critérios, de nature-
meiros, assistentes sociais e médicos. Os mes- za protetiva, tais como a motivação para o tra-
mos contam também com o apoio de outros tamento, o suporte familiar, entre outros.
dois psiquiatras-plantonistas, de um clínico-
-geral (cobertura 24 horas) e de um infectolo- ADMISSÕES INVOLUNTÁRIAS
gista – esse último, responsável pela realização NA UNIDADE DE OBSERVAÇÃO E
dos testes rápidos para HIV, Hepatites B & C REPOUSO DO CRATOD REALIZA-
e sífilis e pela investigação de tuberculose em DAS NO PRIMEIRO QUADRIMES-
todos os admitidos. A partir desta extensa e in- TRE DE 2017
Durante o período de janeiro a abril de cientes durante sua estada de até 72 horas no
2017, 4.164 pessoas procuraram o serviço de tria- CRATOD e a transferência ulterior para enfer-
gem do CRATOD – aberto 24 horas, todos os marias de desintoxicação integram um proces-
dias da semana – , das quais 1.334 (32%) tiveram so dinâmico e passível de alterações em seu
admissão para os leitos de observação/repouso status de voluntariedade / involuntariedade
do serviço, permanecendo em média por até 72 dentro de curtos períodos de tempo.
horas. Dos pacientes admitidos para os leitos de Tal fenômeno pôde ser observado en-
observação/repouso (n=1334), parte foi transferi- tre os pacientes admitidos na observação do
da para dar sequencia ao tratamento internado CRATOD durante o primeiro quadrimestre
em enfermarias para desintoxicação breve, em desse ano (Figura 1).
unidades hospitalares (n=1051) (25,2%) ou tive-
ram alta da própria observação (n=283) (6,8%); SOBRE OS PACIENTES QUE FORAM TRANS-
os demais pacientes acolhidos – juntamente com FERIDOS PARA ENFERMARIAS DE DESINTO-
os que receberam alta da observação – foram en- XICAÇÃO VOLUNTARIAMENTE (n=857) (82%):
caminhados para o CAPS-AD do próprio CRA- a maioria dos pacientes admitidos na obser-
TOD ou referenciados para os serviços do territó- vação do CRATOD de forma voluntária foi
rio de origem do acolhido (n=2.830) (68%). avaliada e transferida voluntariamente para
Desse modo, foi possível constatar a enfermaria de desintoxicação indicada pela
que do universo de usuários que procurou o equipe médica (n=679) (65%). Uma pequena
CRATOD no primeiro quadrimestre, 74,8% do parte dos pacientes que se internou volunta-
mesmo foi avaliado e encaminhado para aten- riamente, em algum momento do período em
dimento ambulatorial na rede de CAPS-AD da que esteve em observação – de 24 a 72 horas
Região Metropolitana de São Paulo, enquanto – mudou de ideia, mas, por critérios médicos,
25,2% do total de usuários foi transferido da passou para a condição de involuntariedade,
unidade de observação e repouso do CRATOD motivando-se novamente para a internação
para alguma enfermaria para desintoxicação, nas horas seguintes (VIV) (n=48) (4%) – um
da administração direta ou conveniada com a perfil recorrente dentro desse grupo são os
Secretaria do Estado da Saúde (SES). pacientes que, apesar da admissão voluntá-
Dos casos transferidos para internação ria, apresentam critérios para internação in-
em unidades hospitalares (n=1051), 680 ha- voluntária, tais como antecedentes imediatos
viam sido admitidos na observação do CRA- de hetero/autoagressão, de ideação suicida
TOD de forma voluntária (64,7%), 370 in- estruturada presente, de tentativas prévias de
voluntariamente (35,2%) e 1 caso, de modo suicídio, bem como delírio, alucinações e labi-
compulsório (0,1%). lidade do humor. Há também aqueles interna-
dos involuntariamente, mas que prontamen-
EVOLUÇÃO DAS ADMISSÕES te mudaram para voluntários e assim foram
INVOLUNTÁRIAS NA UNIDADE DE transferidos para a desintoxicação (IVV) (n=6)
OBSERVAÇÃO E REPOUSO DO CRA- (0,7%). Os pacientes admitidos com alto grau
TOD, NAS PRIMEIRAS 72 HORAS de intoxicação ou de agitação psicomotora
são comuns nessa classe, assim como no gru-
A admissão nos leitos de observação e po dos que se internaram involuntariamente,
repouso, a evolução multidisciplinar dos pa- permanecem assim na primeira avaliação, mas
se motivam nas horas seguintes e são transfe- do de observação, mas que desistiram no mo-
ridos voluntariamente (IIV) (n=124) (12%). mento da transferência para a enfermaria, sen-
do enviados involuntariamente por questões
médicas ou psiquiátricas (VVI) (n=10) (1%).
social semelhantes aos internados volunta- sórias realizadas no mesmo período – janeiro
riamente –, estudos demonstram que a maior a abril/2017, encaminhadas não apenas pelo
parte deles não reconhece retrospectivamente CRATOD, mas também pela DRS-1 e pela
que tal intervenção fora justificada ou benéfica Coordenação Estadual de Saúde Mental | Se-
(10), representando um desafio para o desen- cretaria do Estado da Saúde (SES).
volvimento de políticas efetivas e humaniza- Os resultados demonstraram que, em
das, bem como para o médico-plantonista, que média, os pacientes estiveram internados vo-
precisa tomar decisões tecnicamente acertadas luntariamente por 47,9 dias, involuntariamen-
em vários campos do conhecimento. te por 40,9 dias e compulsoriamente por 117
Com a finalidade de demonstrar que dias. Não houve diferença estatística entre as
a internação involuntária, quando indicada a internações voluntárias e involuntárias, mas
partir de critérios médicos, não está associa- uma clara diferença entre estas e as compulsó-
da a um maior tempo de permanência nesse rias. Entre os três tipos de internação não hou-
regime de tratamento, o CRATOD solicitou ve diferença na distribuição das porcentagens
ao Hospital Lacan, conveniado do Programa entre gênero, idade ou dos transtornos psiqui-
Recomeço, os dados acerca de todas as inter- átricos identificados (CID 10).
nações voluntárias, involuntárias e compul-
Figura 3: O histograma mostra a distribuição de número de dias de internação da totalidade dos pacientes encaminhados
para o Hospital Lacan no primeiro quadrimestre de 2017. Dos três tipos de internação descritos, pode-se observar que no
gráfico de internações compulsórias os pacientes estão dispostos, quase na totalidade acima de 100/150 dias enquanto os
demais tipos de internação estão concentrados em torno de 50 dias, representando 1/3 do tempo do compulsório.
Referências Bibliográficas
36
A remoção especializada
em Dependência Química
O Programa Recomeço foi criado a realizar triagem destes usuários com auxilio
partir do Decreto Estadual nº 59.164, de 09 de de equipe multidisciplinar e estabelecer juntos
Maio de 2013, com o intuito de desenvolver, o melhor tratamento individualizado a ser se-
executar e aprimorar as estratégias de atendi- guido para esse individuo.
mento nas três fases de tratamento de pacien- Este atendimento avalia o usuário de
tes dependentes químicos, sendo elas; acolher, forma holística, (biopsicossocial), garantindo
oferecer tratamento hospitalar, ambulatorial sua integridade como ser humano, fortalecen-
e reinseri-los socialmente, assim como tratar do seus laços familiares e dando-lhe condições
também seus familiares co-dependentes. para um novo convívio social.
Desta forma ampliaram-se as articu- Os profissionais especializados em psi-
lações de serviços oferecidos pelo CRATOD- quiatria e dependência química em sua práti-
Centro de Referência de Álcool,Tabaco e ou- ca assistencial devem atender aos usuários de
tras Drogas, juntamente com as Secretarias de forma compreensiva, sem julgamentos ou crí-
Desenvolvimento Social, de Justiça e Defesa ticas, pois somente assim se criará um vínculo
da Cidadania. de confiança onde os resultados serão melhor
Devido à grande demanda de usuários aproveitados e o nível de abandono do proces-
a serem atendidos, surgiu, então, a necessida- so terapêutico se torna menor.
de da criação de uma equipe especializada na O profissional de enfermagem espe-
remoção e transferência de dependentes quí- cializado, com auxilio de instrumentos ava-
micos em ambulâncias, nas imediações da Ca- liativos como, avaliação de riscos (queda,
pital, região Metropolitana,Interior e Litoral de evasão, autoagressão, heteroagressão, suicí-
São Paulo. Dentre as instituições conveniadas dio) e escala de grau de dependência torna a
estão Hospitais Psiquiátricos, Hospitais Clíni- avaliação prévia de transferência adequada e
cos com Unidades Psiquiátricas, Comunidades minimiza os riscos e consequências de gravi-
Terapêuticas e Moradias Assistidas para aten- dade dos casos.
der o individuo em várias fases do tratamento. O sucesso de uma intervenção em ma-
nejo de crise deve conter:
• Equipe especializada
As Equipes e o Atendimento • Contato prévio rico em informações
Humanizado • Cuidadosa abordagem local
Referências Bibliográficas
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tras-drogas/institucional/historico-do-cratod, Pagina do Governo do Estado de São Paulo – Secreta-
ria da Saúde CRATOD, acesso em 02-06-2017.
E
le era famoso na “craco”, o tal de Carni- cura daquele personagem, quase uma lenda urbana
ça. Até reportagem de jornal já tinha vi- viva da“craco”. Dias depois, foi encontrado sentado
rado. Era moço jovem, menos de trinta, numa pracinha. Mirradinho, quase não falava, pros-
com certeza. Apesar de maltrapilho, sujo trado, com uma faixa imunda em torno da perna.“-
e piolhento – num tomava banho há uns três anos –, Venha conosco!”. Se prontificaram os agentes. Mas
não perdera de todo a juventude.Vivia sempre pelos ele não quis daquela vez. Vários outros encontros
cantos porque ninguém lá na cracolândia suportava como esse se seguiram nas semanas seguintes.
mais o seu cheiro. Vira-e-mexe, algum ‘disciplina’ do Até de um belo dia, de sopetão, ele decidiu que
tráfico o tocava dali para ainda mais longe. Era qua- aceitaria ajuda. Uma operação de guerra foi mon-
se uma unanimidade em toda a cracolândia de que tada. Ambulância, equipe para levar até o hospi-
devia sair de lá para nunca mais voltar. tal, passagem de caso no pronto-socorro, equipe
Mas que tipo de cheiro era aquele que in- cirúrgica a postos. E lá se foi o Carniça em direção
comodava a todos? Cheiro-de-falta-de-ba- ao tratamento. A ferida era grande mesmo! Não
nho-de-anos dá nisso? Nada, era cheiro de do tamanho de uma meia, nem tão profunda, uma
carniça mesmo. O Carniça tinha uma ferida e infecção extensa da pele e só. A conduta foi fazer
um inchaço na perna esquerda do tamanho de curativos, tomar antibióticos, e, claro, muito cuida-
uma meia! Uns diziam que dava para ver até dos clínicos gerais.
o osso! Outros, que a mesma se transformara Dali, então, Fernando – sim, já não era mais o Car-
num berçário para larvas de mosca. Eu, hein? niça – foi para um hospital psiquiátrico iniciar o seu
E o seu pé esquerdo? Parecia uma bola de fu- tratamento de desintoxicação. Claro que a perna do
tebol, juravam outros de pé junto. Fernandinho – sim, o pessoal já foi pegando intimi-
Um belo dia, uma equipe recém-chegada à cra- dade com ele – virou uma espécie de xodó da tur-
colândia ouviu a história de Carniça e saiu a pro- ma. Todas as enfermeiras e auxiliares refaziam aquele
curativo como se estivesse trocando a fralda do seu pendência química. Decidira tentar mais uma vez!
próprio filho, tamanho o esmero com aquela ferida. Todos da equipe se mobilizaram instantaneamen-
E as semanas se passaram. Fernandinho foi parar te: Fernandinho voltou! Mais uma vez, hospital,
numa comunidade terapêutica. Ficou por lá qua- centro cirúrgico, dessa vez, enxertos de pele! Mais
se um ano. Precisava ver a felicidade desse moço. um tempo internado em enfermaria para desinto-
A perna quase boa, cheio de atividades, lá pelas xicação e de lá, para uma comunidade terapêutica.
tantas, localizaram a família dele, lá do interiorzão E assim, mais de um ano e meio se passou... Sim,
de Minas. Apareceram a mãe e uma irmã. Fazia lá- ele continua bem dessa vez! Eu conto. Seis meses
grima nos olhos de ver. Tudo parecia seguir às mil depois de passar pela comunidade terapêutica, foi
maravilhas para o Fernandinho. Moço bom, ingê- transferido para uma república terapêutica da mesma
nuo com certeza, não dava para saber se já nascera ONG, na cidade. Passou a ajudar o pessoal, a organi-
assim, ou se de tanto levar porrada, vida lhe levara zação e participar dos tratamentos em grupos aber-
embora para sempre a esperteza. tos disponíveis por lá. Também passou a frequentar o
Um belo dia, do nada, a mãe surgiu com outra CAPS-AD daquela cidade. Também se tornou mem-
moça, da saúde, tinha até uma ambulância. Era lá do bro de Narcóticos Anônimos, só por hoje. Tudo isso,
posto da cidade dela.“- Tá bom já, Fernandinho, va- ele fez no início de forma monitorada, ou seja, sempre
mos te levar pra casa, seu lugar não é aqui, fechado”, acompanhado por um colega de recuperação ou con-
disse a moça de avental com autoridade. Todo mun- selheiro da ONG. Foi pintando um sentimento de fa-
do entrou em pânico! Mas assim, de uma vez? Até o mília – não daquele jeito de intimidade, mas daquele
Fernandinho assustou. Por um lado, era mãe queren- jeito de segurança mesmo, de saber que pessoas que
do que ele voltasse para casa com ela; por outro, bem estão com você, estão para o que der e vier. Sim, duas
agora que estava começando a conquistar as coisas ou três vezes ele deu um perdido na moçada e saiu
do mundo de volta, já iam jogá-lo na selva de pedra para usar. Mas voltou, foi mais no começo.
– e das pedras – de novo? Como bom caboclo que Atualmente, ele mora sozinho há seis meses,
era, pensou numa plantinha vivendo em solo ácido e pegou a ficha de 6 meses limpo, trabalha carteira
arenoso, que a gente pega e deixa crescer e enraizar registrada bem do lado da ONG. Ainda vai todos
um vaso bonito, com solo fértil e gostoso, para depois os dias lá, almoça com o pessoal – tem até o prato
devolver de volta para a terra grande. Teria ele desen- favorito dele –, participa dos grupos de sentimen-
volvido a robustez necessária para sair? to. Também vai ao CAPS-AD, gosta muito de duas
Não deu outra: um mês depois, Fernandinho saiu oficinas que tem por lá. Também passa com o dou-
fugido de Minas e estava de novo pelas quebradas tor, toma remédio para a ansiedade e para agitação.
da cracolândia.“- O povo lá não tinha paciência co- Ele sabe que o mundo é grande, que vida segue,
migo”. Sua ferida que possuía uma camada de pele por mais ingênua que seja sua noção da existência.
fininha, logo abriu e infectou tudo de novo. Foram Mas agora, tem cada vez mais certeza que tem com
semanas e semanas conversando com os aborda- quem contar. Vez ou outra sua mãe pinta por lá, é
dores. De vez em quando mandava recados para o bom, ficam juntos, almoçam, dão uma volta pela
CRATOD: “- Fala pro doutor que amanhã eu vou lá cidade, depois ela vai embora e a vida continua.
me internar”. E nada. Mais fácil o doutor ir até ele. Ah! Claro, a perna esquerda do Fernandinho!
Se encontravam na “craco”, Fernandinho contava a Que beleza que ela está, precisava ver! Fechadinha
tristeza de ter voltado para casa e ter dado tudo er- da silva. Aberta agora, mesmo, só a sua perspecti-
rado, dava para sentir a tristeza dele, mas os dias se va de uma vida melhor. E... toda vez que encontra
passavam e ele não aparecia no CRATOD. com alguém do CRATOD diz: “ Falo pro Doutor
Até que lá pelo Natal de 2015, Fernandinho che- que eu estou bem! Tira uma foto da minha perna
gou no CRATOD com um dos conselheiros em de- pra mostrar pra ele”.
c a P í t u l o
37
go é destinada aos pacientes do CRATOD que abdominal, D.S.T., ausência de dentes e com-
se encontram na segunda fase do tratamento, ou plicações hepáticas) o que contribuía para baixa
seja, são acolhidos, por pelo menos seis semanas autoestima. Inscreveu-se no Time do Emprego
no tratamento e com profissional de referência em abril de 2016 e nesse período iniciou tra-
(PR). Esse profissional tem como responsabilida- tamento odontológico (colocou prótese den-
de monitorar junto com o paciente o seu PTS. tária) e clínico-cirúrgico (realizou a cirurgia de
O Time do Emprego pode ser considera- hérnia). Ao término do treinamento o paciente
do uma extensão das oficinas terapêuticas: Ci- conseguiu realizar o desejo de retornar ao mer-
dadania e Treinamento de Habilidades Sociais, cado de trabalho como vigilante em um C.E.U.
com foco voltado ao tema trabalho. Contribui, (Centro de Educação Unificado) alugou uma
desta maneira, com o empoderamento social casa próximo ao trabalho, na zona sul e reatou
(conscientização dos direitos e deveres sociais relacionamento com a ex-companheira.
e civis), no qual o compromisso individual é
fundamental. Tal condição é trabalhada desde Usuário F.G.S.
a importância da frequência nos encontros, cui- F.G.S., 32 anos, desempregado, profis-
dados com o material didático, regras de con- são ajudante geral, solteiro, ensino médio com-
vívio social, trabalho em equipe, até os aspec- pleto, em situação de rua, vivendo em centro de
tos de qualidade de vida. O Time do Emprego acolhida social (albergue) e usuário de múltiplas
oferece também um espaço para troca de infor- drogas. Portador de deficiência visual, demons-
mações e experiências a respeito de emprego trava dificuldades de relacionamento social
ou ocupação. Para isso, são utilizados recursos (isolamento) e dificuldades na leitura/escrita.
áudio-visuais, dinâmicas de grupo, exercícios Iniciou tratamento no CRATOD em novem-
de fixação através de leitura e escrita, drama- bro de 2014, passando por avaliações clínicas.
tizações de situações do cotidiano referente à Inscreveu-se no Time do Emprego em agosto
busca por empregos (como se preparar para um de 2015 e concomitantemente aos cuidados de
processo seletivo e/ou uma entrevista). sua saúde, foi identificada, na avaliação oftal-
Das pessoas treinadas, seguem dois mológica, a deficiência visual, com prescrição e
exemplos de participantes que foram recoloca- aquisição de óculos, o que também o motivou
dos no mercado de trabalho. No entanto, não se a continuar no treinamento do“time”. Foi sele-
trata apenas de realocação no mercado de traba- cionado para trabalhar na rede Pão de Açúcar,
lho, trata-se de reconhecimento de autonomia e retomou vínculo familiar, saiu do centro de aco-
de valorização do trabalho na vida. Trata-se das lhida social e atualmente paga aluguel de um
novas potencialidades abertas a partir da reorga- quarto na região central de São Paulo.
nização que o trabalho traz na vida.
em silêncio, pensando, em outros falam sobre ção. Seria um grande passo para a independên-
experiências vividas ou sobre assuntos atuais. cia e o crescimento, porém o medo de uma nova
Em 2004, foi aberta a Associação Vida empreitada onde todos os gastos (luz, água,
Ativa (AVA), que teve como objetivos princi- telefone, IPTU) teriam que ser custeados pela
pais a comercialização dos produtos da oficina AVA, fez com que os membros desistissem, pois
e a busca de parcerias. Seu corpo diretivo era a confecção de produtos era em baixa escala e
composto por pacientes e funcionários, sendo muitos não tinham intenção de ganhar dinhei-
que o primeiro cargo era exercido por um pa- ro com o artesanato. A AVA se sustentava com
ciente e o segundo por um profissional, devi- a porcentagem das vendas dos produtos sendo
do ao grande número de abandonos por par- que 10% era destinado ao caixa da associação.
te dos pacientes. Sendo assim, sempre havia Em 2014 a AVA foi fechada pois o mem-
alguém para exercer os cargos de presidente, bro que a fundara havia deixado o CRATOD para
secretário, tesoureiro e fiscais. trabalhar em outra instituição e também houve
A princípio poderiam participar da um desinteresse dos pacientes e funcionários em
AVA pacientes, funcionários, familiares de assumi-la. Como as confecções e as feiras con-
pacientes e até a população que se interessas- tinuavam acontecendo, foi necessário procurar
se, porém tivemos pouca ou quase nenhuma uma nova maneira de comercialização desses
participação de familiares ou da população produtos de forma legal. Após contato com CAPS
em geral. Durante todo o período em que a Itapeva, propôs-se abrir a oficina de trabalho, que
associação estava ativa, os funcionários que, segundo a portaria 3.088 de 23 de dezembro de
coincidentemente, eram os mesmos que co- 2011 do ministério da saúde, incentiva a iniciati-
ordenavam as oficinas de fuxico e papel re- va de geração de renda e trabalho em instituições
ciclado, incentivavam o empoderamento dos de tratamento. O trabalho deve seguir o mode-
pacientes frente à associação, tomada de de- lo da RAPS (rede de atenção psicossocial), nes-
cisões, responsabilidade para com as feiras te, o trabalho deve ser coletivo, respeitando as
de artesanato, onde tinham que lidar com particularidades de cada participante e a divisão
os produtos dos colegas, negociação de en- de lucros feita de acordo com a carga horária. A
comendas e, principalmente, cuidado com o oficina de fuxico tornou-se apenas terapêutica,
dinheiro do caixa, que em algumas ocasiões, enquanto a oficina de trabalho se encaixa no mo-
foi gasto para uso próprio, fato que, posterior- delo de economia solidária, onde não há um pa-
mente, teve que ser pauta de reunião. Tal reu- trão, todos tem o mesmo poder de decisão. Este
nião era realizada uma vez por semana com modelo pode causar muitos melindres entre os
duração de uma hora, após a oficina de fuxico, participantes: o que um já começou, o outro não
no próprio ateliê no CRATOD, onde se discu- quer terminar. Assim, de tempos em tempos, é
tia sobre a participação nas feiras, suas taxas, necessário repactuar os princípios da oficina de
vendas, ganhos, comissões, taxas a pagar para trabalho, assim como trabalhar a comunicação, a
a prefeitura, parcerias, como se comportar colaboração e a cooperatividade.
diante de clientes entre outras temáticas as- Hoje, a oficina de trabalho funciona
sociadas à renda e gerenciamento financeiro. confeccionando produtos para venda em
Em 2008 a Associação Minha Rua Minha feiras, bazares e encomendas. Os produtos
Casa, um projeto da fundação Getúlio Vargas, comercializados são divididos entre a oficina
ofereceu um espaço para ser a sede da associa- que recebe 30% para o capital de giro e 70%
Referências Bibliográficas
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2011.
8. Freire, P. Pedagogia do Oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 2005.
38
Ariadne Ribeiro
Ana Leonor Sala Alonso
Sonia Maria Palma
277
vida, mas que o deixava em risco constante, pas- à experimentação e o consumo inicial da
sa a não ter mais sentido, quando a educação e droga, é importante usar a educação para
a valorização do trabalho conseguem atingir o ampliar o repertorio do dependente quími-
autoreconhecimento e a autovalorização. co em reabilitação.
Outro aspecto diz respeito à progres- Neste sentido, é importante considerar
são do uso. O uso compulsivo da substância, a o que se diz sobre fatores de risco e proteção.
priorização do seu consumo desconsiderando Fatores de risco são aquelas circuns-
dos danos que causa e em desempenho de ou- tâncias sociais e/ou pessoais que a tornam as
trosinteresses pessoais, sociais ou profissionais pessoas vulneráveis a assumir comportamen-
(perda de controle). tos arriscados, como usar drogas.
Segundo as pesquisas já realizadas Fatores de proteção são aqueles que
na população em tratamento no CRATOD, a contrabalançam as vulnerabilidades, tornan-
maior parte dos pacientes (52%) cursaram o do a pessoa menos exposta de assumir esses
ensino fundamental. Isso denota que ques- comportamentos.
tões sociais ou mesmo a dependência remo- A seguir, apresentamos algumas tabe-
veram o usuário do curso normal de vida pela las com os fatores de proteção e de risco como
própria progressão da doença. contraponto, para compreendermos melhor o
Observa-se que instituições como a objetivo de um grupo que permita o cuida-
escola possuem um papel fundamental como do humanizado dedicado principalmente a
fatores de proteção, embora também se apre- construir uma rede de proteção que amplie
sentem como fatores de risco se exercerem in- o repertório do usuário em reabilitação, sem
fluênciasque levem ao consumo de drogas. contudo, desconsiderar os riscos que envol-
Da mesma maneira que a escola vem os cenários sociais com os quais o pa-
pode ter papel fundamental na prevenção ciente em reabilitação terá que enfrentar.
Referencia 1*
Referencia 1*
Referencia 1*
nal de Estudos e de Formação para a Infância pode ajudar os pacientes a mudar o foco de
Inadaptada de Suresnes - tendo como obje- seus pensamentos. A droga é deixada de lado
tivo a formação de professores para o traba- e o que importa, durante os momentos com o
lho em institutos especiais e em hospitais. Em pedagogo, é aprender.
1939 é criado o Cargo de Professor Hospitalar O ambiente de saúde, como o CAPS
junto ao Ministério da Educação na França. O pode ter como principal objetivo o desenvolvi-
C.N.E.F.E.I. que tem como missão, até hoje, mento da autonomia desses pacientes, por isso,
mostrar que a escola não é um espaço fechado. o papel da pedagogia no processo de recupe-
As diretrizes fundamentadoras do mo- ração dos dependentes químicos, constitui-se
delo de CAPS AD, segundo o Ministério da principalmente em prepará-los para o ambien-
Saúde, portaria 336 de 19 de fevereiro de 2002, te escolar fora do CAPS. O benefício observado
preconizam a presença de um pedagogo na pelos pacientes, é principalmente, o da reinser-
equipe técnica, mas pouca ou nenhuma infor- ção social, através da educação, permitindo que
mação pauta o trabalho de um pedagogo em o processo de desenvolvimento da cidadania,
ambiente de tratamento ambulatorial da de- seja compartilhado em espaços para além das
pendência química. Há somente a exigência paredes do CAPS.
que deva ser um profissional de nível superior,
apto para projeto terapêutico dos pacientes.
A formação desse profissional tam- O Grupo de Educação Social
bém deve ser diferenciada. Ao trabalhar com
pessoas que sofrem de enfermidades, a re- A partir do PTS (Projeto Terapêutico
corrência às teorias sobre psicopedagogia, Singular) que as mini-equipes e o profissional
educação inclusiva e saúde é a base para o de referência tenham criado, é importante ga-
trabalho pedagógico que engloba o bem-es- rantir o planejamento de novas estratégias para
tar físico, psíquico, emocional e psicossocial. a reinserção social que englobem a educação do
O profissional pedagogo que atue em ambien- indivíduo, no sentido mais amplo da palavra.
te de saúde, deve saber que o seu público alvo O estudo de caso é o estudo de um caso,
é o ser humano e que sua prática influencia di- seja ele simples e/ou específico, [...] O caso é
retamente no tratamento de seus educandos. sempre bem delimitado, [...]se destaca por se
Conhecimentos sobre saúde e aspec- constituir numa unidade dentro de um siste-
tos psicológicos são de primordial importância ma mais amplo. O interesse, portanto, incide
para profissionais desse ramo, sendo os ideais naquilo que ele tem de único, de particular,
de humanização e ética seus principais nor- mesmo que posteriormente venham a ficar evi-
teadores. O pedagogo deverá trabalhar com dentes certas semelhanças com outros casos ou
uma equipe de outra área, o que exigirá um situações (LUDKE e ANDRÉ, 2010, p.17).
olhar multidisciplinar. Ter conhecimento míni- A educação existe também onde não
mo sobre linguagem técnica e sobre o modo há a escola e por toda parte pode haver redes
de tratamento das enfermidades ajuda o pe- e estruturas sociais de transferência de saber
dagogo a ser um fator positivo, junto à equipe. de uma geração a outra, onde ainda não foi
O fator motivação muda a realidade do sequer criada a sombra de algum modelo de
caso e pode trazer benefícios. Exercitar a men- ensino formal e centralizado (BRANDÃO,
te, realizar tarefas desafiadoras e estimulantes 2005, p.13).
É importante articular entre as escolas O que ocorre é que a educação não for-
de ensino formal e técnico da região a rein- mal, por situar-se fora do sistema de ensino re-
serção desses pacientes em ambiente escolar grado, desfruta de uma série de características
formal e de ensino técnico-profissionalizante. que facilitam certas tendências metodológicas.
Articular a educação, em seu sentido O fato de não ter de seguir nenhum currícu-
mais amplo, com os processos de formação lo padronizado e imposto, as poucas normas
dos indivíduos como cidadãos, ou articular a legais e administrativas que recaem sobre ela
escola com a comunidade educativa de um (calendário escolar, titulação dos docentes
território, é um sonho, uma utopia, mas tam- etc.), seu caráter não obrigatório, e por aí afora,
bém uma urgência e uma demanda da socie- tudo isso facilita a possibilidade de métodos e
dade atual (GOHN, 2010, p.15). estruturas organizacionais muito mais abertos
A educação informal corresponderia a (e, geralmente, mais flexíveis, participativos e
ações e influências exercidas pelo meio, pelo adaptáveis aos usuários concretos e às neces-
ambiente sociocultural, que se desenvolvem sidades específicas) que aqueles que costu-
por meio das relações dos indivíduos com mam imperar no sistema educacional formal
seu meio ambiente humano, social, ecológi- (TRILLA, 2008, p. 42).
co, físico e cultural, de onde resultam conhe- Acreditamos que processos e práticas
cimentos, experiências, práticas, que não es- educativas, desenvolvidas no interior das es-
tão ligadas especificamente a uma instituição, colas, articuladas com redes de pertencimen-
nem são intencionais e organizadas. Educação tos territoriais locais, contribuam para a inte-
Não-formal seria a realizada em instituições gração e a formação daqueles pacientes, vistos
educativas fora dos marcos institucionais, mas a priori como insubordinados e problemáticos.
com certo grau de sistematização e estrutura- Sua rebeldia deve ter causas: socioeconômi-
ção. A Educação Formal compreenderia ins- cas, psicológicas ou geradas pela falta de laços
tâncias de formação, escolares ou não, onde culturais de pertencimento. Não se trata de
há objetivos educativos explícitos e uma ação desajustes de personalidades. São problemas
intencional institucionalizada, estruturada, que a sociedade atual e as políticas existentes
sistemática (LIBÂNEO, 2009, p. 31). geraram (GOHN, 2010, p.24).
Trabalhar com os pacientes os conhe- Método para o alcance dos objetivos pro-
cimentos empíricos e sua influência dentro de postos, trabalhar em grupo os eixos transversais:
seu processo de aprendizagem formal, para • DOMÍNIO SOCIOCULTURAL: tem
que sua inserção no ensino formal seja realiza- como áreas de conhecimento as manifes-
da com um suporte educacional informal que tações do espírito humano expresso por
permita essa transição de maneira mais segura meio dos sentidos, tais como as artes, a
e confortável para o paciente. cultura, a música, a dança e o esporte. A
A educação não formal, ao contrário, intervenção neste domínio tem por obje-
não é herdada, é adquirida. Ela capacita os tivo a recuperação de suas dimensões his-
indivíduos a se tornarem cidadãos do mun- tóricas, culturais e políticas.
do, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas • DOMÍNIO SOCIOPEDAGÓGICO: Tem
de conhecimento sobre o mundo que cir- como área de conhecimento a infância, a
cunda os indivíduos e suas relações sociais adolescência, a juventude e a terceira idade.
(GOHN, 2010, p.19). A intervenção sociopedagógica neste do-
mínio tem como objetivo principal o desen- o mundo humanamente construído com ele-
volvimento de habilidades e competências mentos essenciais da cultura universal (GRA-
sociais que permitam às pessoas a ruptura CIANI, 2006, p.13).
e a superação das condições de marginali- Os CAPS representam estruturas tera-
dade, violência e pobreza que caracterizam pêuticas, intermediárias, entre a hospitalização
sua exclusão social. Por suas características integral e o acompanhamento ambulatorial,
são lugares de intervenção sociopedagógi- que se responsabilizam por atender indivíduos
ca os abrigos, as unidades de internação de com transtornos psiquiátricos graves, desenvol-
adolescentes autores de atos infracionais, vendo programas de reabilitação psicossocial.
asilos para idosos, instituições psiquiátricas Entende-se por reabilitação psicossocial a pos-
e unidades prisionais, mas também consi- sibilidade de reverter um processo de desabi-
dera a rua, a família e a empresa. litação, por conta do aumento da contratuali-
• DOMÍNIO SOCIOPOLÍTICO: tem como dade social do individuo com o mundo. [...] A
áreas de conhecimento os processos sociais atenção incluirá ações dirigidas aos familiares e
e políticos expressos, por exemplo, na for- comprometidas com a construção dos projetos
ma de participação, protagonismo, associa- de inserção social, respeitando as possibilida-
tivismo, cooperativismo, empreendorismo, des individuais e princípios de cidadania, que
geração de renda e gestão social. Tem como minimizem o estigma e promovam a melhor
objetivo o desenvolvimento de habilidades qualidade de vida e inclusão social possíveis
e competências para qualificar a participa- (BRASIL, 2013, p.1).
ção na vida social política e econômica da Considere-se que as novas Diretrizes
sociedade onde o sujeito esta inserido. da Pedagogia indicam uma formação mais
A pedagogia social privilegia, como geral do educador e valorizam espaços edu-
eixo central, a descoberta dos matizes da ma- cacionais que vão além da escola. Neste do-
triz cultural dos sujeitos, de forma a delinear cumento, estão implícitas as ideias de uma
seus princípios pedagógicos, o mais próximo formação e uma atuação pedagógica que in-
da realidade do(a) educando(a), através da tegre conceitos como: o pensar, o refletir, o
dialogicidade, considerando o seu saber, sua agir, o transformar, o articular, direcionar e
experiência, sua história, seus conflitos, seus coordenar. Estes aspectos envolvem um uni-
sonhos, seus valores e crenças e aproveitan- verso de conhecimentos e de ações (PAULA e
do a oportunidade educativa para interpretar MACHADO, 2008, p.6).
Referências Bibliográficas
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gm/2002/prt0336_19_02_2002.htmlSecretaria da Saúde.
6. Lopes EH. Pedagogia Hospitalar: A humanização da educação, 2010
39
Kelly Couto
Paulo Leandro
Raquel Cleide Mota Carvalho
285
como vista pelo autor, pois possibilita o retor- nhados no CRATOD, mas a partir dos depoi-
no à convivência comunitária, a oferta de um mentos espontâneos dos usuários é notório
ambiente e uma rotina estruturada, similar à que estrutura e o tipo de acompanhamento
de uma residência convencional, que difere oferecido pela Casa de Passagem devolve e/
em muitos aspectos da estrutura comumente ou empresta aquele “gostinho” de viver como
ofertada em centros de acolhida. um cidadão comum, detentor, empoderado e
Ao falar da necessidade de criação de desejoso de exercer tal papel, tendo uma roti-
novos espaços que forneçam a possibilidade na similar à da maioria das pessoas, podendo
de identificação, Olivienstein (2012) refere- reviver experiências que muitos deles há tem-
-se a uma “rede terapêutica” em um espaço pos não possuíam, como por exemplo, reali-
transicional onde o indivíduo possa expe- zar atividades de lazer, como participar de um
rimentar novas formas de existir (6). Neste churrasco com os amigos, sem utilizar a droga
contexto, pode-se considerar o acolhimento como estratégia para descontração ou recurso
na Casa de Passagem e o trabalho realizado que auxilie na socialização.
no CAPS AD como instituições que propor- A Casa de Passagem, em parceria
cionam esse espaço. com o CRATOD, certamente colherá muitos
É importante destacar que grande par- frutos positivos, uma vez que oferta um es-
te dos pacientes que são encaminhados para a paço que estimula e oferece suporte para o
Casa de Passagem retornam para o CRATOD resgate dos anseios de pessoas que há tem-
com um feedback positivo do serviço, alguns pos perderam as esperanças de iniciar uma
relatam que não possuem mais o desejo de se- nova perspectiva de vida. A reabilitação psi-
rem encaminhados para a Comunidade Tera- cossocial pode possibilitar aos indivíduos o
pêutica, que seria mais interessante permane- controle sobre seu corpo e vida, devolvendo
cer 6 meses na Casa de passagem. Os pacientes a noção de cidadania, deixando entrever que
que já estão inseridos no CAPS-CRATOD, o mesmo é capaz de ter acesso a um salário
comentam que gostariam de permanecer por digno para promover a própria vida, ao direi-
um período superior aos 30 dias. É importante to a educação, à saúde, à habitação, ao lazer,
ter a clareza de que nenhum serviço, isolada- assim como a ter responsabilidades pela ga-
mente, conseguirá realizar ações emancipató- rantia dos direitos da coletividade, afastando
rias a ponto de garantir todos acessos a bens de si a visão estereotipada do “marginal”“vi-
e serviços, especialmente se considerarmos o ciado”, “zumbi” que não possui a capacidade
curto espaço de tempo e a alta complexidade de escolha e tão pouco a de ocupar seu lugar
de grande parte dos casos que são acompa- como cidadão.
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quisa, v. 3, n. 1, p. 35-42, 2012. Disponível em: <https://revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/
view/1260/303> Acesso em: 18 jan. 2016.
40
2 1 1 22 SEMANAS
Fluxograma 1: Linha de cuidados para pacientes dependentes químicos em alta vulnerabilidade social, em fase de
reinserção social na Moradia Monitorada da URH
uma nova cultura de recuperação, em oposi- e diminuir a taxa de recaída quando compa-
ção à cultura do uso, e que ofereçam ajuda ati- rada com tratamento usual (8, 9, 10). A MM
va no processo de reinserção social, incluindo – URH, utilizando-se das diretrizes e proto-
o mercado de trabalho. A Moradia Monitora- colos baseados nessas evidências, mostrou,
da, utilizando de técnicas consagradas na li- nos primeiros onze meses de funcionamento,
teratura como gerenciamento de caso, reforço resultados promissores,provendo adesão ao
comunitário, exames de urina, tem se mostra- processo de recuperação, abstinência e rein-
do eficaz em promover melhores resultados serção social.
Referências Bibliográficas
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41
membros de AA, que tinham essa empatia pelos nerante, em escolas, Igrejas, ou em locais em
adictos que acreditavam no programa de 12 pas- que os pais estejam participando dos Cursos
sos, formaram os primeiros grupos de NA que os Grupos de Prevenção com AE.
nos últimos 60 anos tem crescido exponencial- O Programa traz a música, a dança, o
mente e permitido a centenas de milhares de de- teatro, a literatura para formar o pano de fundo
pendentes ao redor do planeta se tornarem livres para ensinamentos que promovem uma nova
da adicção, um dia de cada vez. forma de viver baseada em valores morais, éti-
cos, na qualidade de vida, na alegria e no amor.
Só por hoje. Motivados a apoiar pessoas mais ve-
lhas com a “síndrome do ninho vazio” ou com
o desafio de cuidar dos netos enquanto os
Amor Exigente (AE) pais trabalham e/ou estudam, o AE ativou os
subgrupos de “Sempre é Tempo”. Com a mes-
Amor exigente é um programa basea- ma programação – abertura de 40 minutos no
do em 12 princípios que se referem um a cada Grupo e 80 minutos no Subgrupo, para metas
mês do ano, e propõe à família de um depen- e partilhas, o trabalhado é norteado pelos 12
dente químico a sensibilização para que faça Princípios Básicos, 12 Princípios Éticos e a Es-
mudanças na sua conduta pessoal, familiar e piritualidade, visando ajudar quem deseja ficar
frente à sociedade cada dia melhor.
Através de grupos de mútua ajuda, O Amor-Exigente tem também: Grupos
apoia e orienta os familiares de dependentes para jovens, além de cursos de capacitação para
químicos ou aqueles que possuem comporta- familiares, professores, e profissionais da saúde.
mentos inadequados. Seu mentor é o Padre Haroldo Rahm
Geralmente as reuniões são de duas que trouxe as ideias do Tough Love para o Bra-
horas de duração, sendo que no primeiro ho- sil, e dona Mara Menezes o adaptou à realida-
rário, existe o momento da espiritualidade e de brasileira.
depois explica-se o principio relativo ao mês
vigente dividido da seguinte forma:
1° semana – O princípio e eu Faces e Vozes da Recuperação
2° semana - O princípio e a família no Brasil
3° semana – O princípio e a sociedade
4° semana – O princípio ético Faces & Vozes foi fundado em 2001,
em St. Paull, Minnesota, depois de um tra-
No segundo horário, os familiares se balho de mais de 02 anos, cujo foco foi uma
dividem em subgrupos, onde partilharão suas força de “defesa” crescente, entre pessoas em
vivências, êxitos e dificuldades de acordo com Recuperação, a longo prazo, de sua adicção
o principio apresentado. de álcool e outras drogas.
Cada subgrupo conta com dois me- Desde então o movimento da Recupe-
diadores (coordenadores) que se posicionarão ração da adicção explodiu nos Estados Unidos
sempre de acordo com o princípio apresentado. e ao redor do mundo.
A espiritualidade também ganha es- Em 2011, Faces & Vozes dos Estados Uni-
paço no trabalho que acontece , de forma iti- dos, ao celebrar o seu 10º aniversário, já contava
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42
Romina Miranda
Gilmar Barros
301
História Metodologia
usuário. Para isto, estes conselheiros recebem cia, ao impacto sofrido pela família devido
capacitação continuada, promovida pela co- à convivência com o dependente químico,
ordenação técnica. objetivando a qualidade de vida do sistema
Após o acolhimento, o familiar é en- familiar. Habitualmente estes grupos trazem
caminhado para a primeira sessão individual como temas: sentimentos vivenciados – rai-
com o técnico da equipe, psicólogo ou assis- va, culpa, medo, controle, tristeza, ansieda-
tente social. Após a análise das impressões de, angústia, dificuldades de impor limites,
registradas pelo conselheiro, o técnico realiza- afastamento de si, desligamento emocional,
rá a proposta terapêutica para o familiar, que autoestima, filhos das relações dependentes,
poderá contemplar até 10 sessões individuais problemas financeiros, abuso verbal e emo-
com terapia breve e/ou grupos operativos, psi- cional e outras dependências. Em ocasiões
coterapêuticos e eventuais oficinas. pré-definidas, estes grupos de família po-
Nas sessões individuais conduzidas dem receber também os entes usuários em
pelo técnico, os temas abordados na terapia processo de recuperação para abordagens
breve incluem conceitos sobre dependência sistêmicas, focando na reorganização dos
química, tipos de drogas e de tratamentos, papéis e na construção de novos padrões de
leis vigentes, estágios motivacionais, preven- comunicação e de interação.
ção à recaída, funcionamento do sistema fa- Outra tecnologia que está disponível
miliar, conceitos sobre codependência, iden- para os técnicos do Recomeço Família apli-
tificação e manejo de sentimentos, padrões e carem em situações em que os entes usuários
habilidades de comunicação, enfrentamento não querem tratamento é o modelo CRAFT
de situações de risco e resolução de proble- - COMMUNITY REINFORCEMENT AND
mas, plano de ação e qualidade de vida. Du- FAMILY TRAINING. Baseado em evidências
rante estas sessões, o técnico deve motivar os cientificas, o método tem como bases teó-
familiares a participar dos grupos operativos, ricas as estratégias motivacionais, a análise
que através de recursos psicoeducacionais, funcional do comportamento de quem usa
também abordam os temas acima propostos, drogas, o treinamento em habilidades de
porém contemplando outros benefícios que comunicação, o treinamento na prática de
a metodologia de grupos proporciona como reforço positivo e o treinamento de autorre-
a identificação com os outros familiares pre- forço para o familiar.
sentes e a vivência do pertencimento a um Além da metodologia exposta, outras
grupo que o acolhe. ações fazem parte dos estímulos à família. Pe-
Ao final das 10 sessões individuais riodicamente, as equipes promovem oficinas
ou do programa de grupos, momento em com especialistas em arteterapia, musicote-
que se espera que o familiar esteja prepa- rapia e áreas afins como atividades comple-
rado para observar o impacto sobre si e a mentares para promoção da interação entre os
necessidade da busca de qualidade de vida, usuários, seus familiares e a comunidade. Ce-
ele é convidado a participar dos grupos de lebrações de aniversários, de datas comemo-
família. Estes grupos utilizam abordagens rativas e eventos comunitários também fazem
diversas para acolher as demandas trazidas parte do cotidiano do Recomeço Família.
pelos participantes e proporcionam discus- Simultaneamente ao trabalho que re-
sões sobre temas correlatos à codependên- alizam com as famílias atendidas, as equipes
prar a substância, resultando em forte crise convocado para garantir a abstinência do seu
dos vínculos familiares. (1,8) ente, no modelo Recomeço Família o cuida-
Além do comportamento “retroali- do contempla a família, uma vez que existe o
mentativo” da dependência de drogas, ou entendimento que o tratamento centrado so-
seja, o aspecto relacional, codependente, o mente no usuário é insuficiente para lidar com
familiar, ao deparar-se com a tensão vivida, o fenômeno. (7,9)
pode desencadear transtornos mentais. As- No CRATOD, e principalmente na Uni-
sim, o sofrimento e instabilidade resultam dade Helvetia, há grande procura de familiares
em grande incidência de transtornos psiqui- de dependentes de drogas que estão em situ-
átricos, retroalimentados pelo quadro depen- ação de rua. Algumas vezes os familiares com-
dente. parecem junto com o dependente que acaba-
Destarte, no atendimento objetiva-se ram de encontrar nas ruas de São Paulo. Não
elucidar a condição não somente do depen- raramente mães ficam chocadas com imagem
dente, mas de todo o sistema da família, no in- atual do filho, contrastada com a imagem de
tuito de que o familiar se envolva no processo como ele saiu de casa. Em outras ocasiões, a
de tratamento, não somente no sentido de se ansiedade se iguala a esperança de reencon-
ver como apoiador, mas também e, sobretudo, trar o familiar que há tempos não voltou para
de se ver como sujeito que necessita de inter- casa. No primeiro caso o acolhimento inicial
venções de saúde. é fundamental para amenizar o sofrimento do
Geralmente, nos serviços de tratamen- familiar. No segundo caso, no processo de tra-
to ao dependente, são oferecidas aos familia- tamento da família é levada em conta a perda
res informações sobre o problema de seu ente, ambígua e o luto do filho perfeito.
(2) aborda-se a prevenção de recaída, ação das Portanto, a especificidade dessas uni-
substâncias no organismo, rede de tratamento, dades é a de lidar com famílias em situação de
medicações, além de outros assuntos.(3,4,5,6) crise, e, em casos crônicos, trabalhar a qualida-
Entretanto há dificuldade para que eles de do afeto, em sua maioria pautado no “ape-
sejam tratados como parte do problema da go ansioso”, e, não em menor grau, fomentar
dependência. De modo diferente do modelo um olhar em que o tratamento da dependên-
de tratamento com que o familiar costuma ser cia química/codependência possa ser integral.
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43
Dhione Almeida
Jackson S. Santana
Ariadne Ribeiro
Raquel Cleide Mota Carvalho
307
pendente tenha uma oportunidade concreta de uma cultura de recuperação, que lhe será es-
recomeçar e se reinserir na sociedade, em todos sencial para a continuidade de seu processo
os âmbitos de sua vida. “Oferecemos estrutura de abstinência e permanente vigilância. Re-
de apoio e diversas linhas de cuidado como: sumidamente, objetivando sua recuperação
motivação, desintoxicação, reinserção, acolhi- e transformando positivamente seu estilo de
mento, moradia assistida e casa de passagem”. vida e sua identidade pessoal. (8).
O processo se dá através de um grupo
de acolhimento que atua todos os dias no CRA-
TOD, através de uma equipe técnica, composta Público Alvo/ Indicação
por Assistente social, Enfermeira, Psicóloga, Psi-
copedagoga, Médico e Terapeuta Ocupacional. Os participantes desse processo de re-
cuperação voluntário, são maiores de 18 anos,
sem comorbidades psiquiátricas média e/ou
Objetivo: graves, com vínculos familiares rompidos, fra-
gilizados e mantidos.
O objetivo especifico das Comunida- Na grande maioria trata-se de homens
des terapêuticas é tratar o indivíduo como um e mulheres entre 18 anos e 60 anos, usuários
todo edar um suporte ao usuários de múltiplas de múltiplas drogas sem necessidades espe-
drogas, que se encontra em vulnerabilidade ciais de clínica médica, com ou sem vínculos
social, obtendo a transformação na cultura da familiares, em situação de rua, pacientes cujo
uso na qual esse indivíduo está inserido, para encaminhamento deve ser realizado pelos
CAPS AD, a partir da percepção de baixa ade- Tais preocupações se fazem necessárias
são, ou insuficiência de recursos ambulatoriais devido à grande variedade de percepções erro-
que permitam o desenvolvimento psicossocial neas, baseadas em sua maioria em informações
do indivíduo, bem como os pacientes que vêm insuficientes acerca do modelo. Dada sua his-
encaminhados de Hospitais onde passaram tória de tratamento não convencional, alterna-
por uma desintoxicação, e que já não apre- tivo”desde a década de 60, existe a necessidade
sentam riscos relacionados a comorbidades de retratar com precisão a CT contemporânea
psiquiátricas e que voluntariamente se candi- como um recurso eficaz, seguro e digno de cré-
datam à continuidade do tratamento em CT’s. dito. Explicitar as perspectivas das bases, dos
Um espaço protegido do uso, permi- princípios e dos métodos que sustentam a abor-
te que o indivíduo desenvolva e/ou recupere dagem da CT, poderia ajudar a corrigir algumas
habilidades sociais e valores que muitas vezes dessas concepções errôneas e proporcionar um
não são praticados devido ao uso abusivo de quadro mais equilibrado do lugar da CT no es-
álcool e drogas e às dificuldades de sobrevivên- pectro dos serviços humanos (1).
cia. São desenvolvidos propostas para acessar
trabalho, documentos, estudo, capacitação e
recuperação do vínculo familiar, fortalecer e Considerações finais
desenvolver a reinserção social, respeitando a
autônomia e a partcipação dos familiares, ami- Embora não tenha havido um exa-
gos e da sociedade civil em todos os processos. me quantitativo, tem havido um aumento de
pesquisas vinculadas a CT’s e, o aumento de
subvenções com fundos federais vinculados a
Comunidade Terapêutica CT’s, bem como o aumento do número de ór-
um dos pilares do Programa gãos que recebem delas subvenções, e houve
a criação do Center of Terapeutic Communi-
Recomeço
ty Research (CTCR – Centro para a Pesquisa
em Comunidades Terapêuticas), fundado pelo
Garantia de qualidade no credencia- NIDA, que foi o primeiro centro dedicado ex-
mento das CT’s: Muitos programas de trata- clusivamente a estudos de uma modalidade
mento de drogas se autodenominam CT’s, mas específica de tratamento (Millstein,1994).
muitas vezes não está claro se esses programas É essa forma de tratamento utilizada pe-
constituem programas de CT válidos. Há, por- los participantes, tratando-se, portanto, de uma
tanto, razões pragmáticas e métodos que cer- metodologia de acolhimento voluntário em que
tifiquem a qualidade do serviço prestado, em o paciente é o principal responsável pelo seu
CT’s que ofereçam orientação profissional ba- tratamento; sendo auxiliado, porém, por compa-
seada no modelo teórico mundialmente aceito. nheiros do grupo, assim como por alguns profis-
Contamos, nesse sentido com a Febract, que sionais da área da saúde. O processo terapêutico
além de supervisionar as CT’s conveniadas ao focaliza intervenções sociais, atribuindo funções,
Programa Recomeço, também é o orgão Bra- direitos e responsabilidades aos indivíduos em
sileiro que mais tem formado profissionais ou tratamento. Desde que o programa Recomeço
paraprofissionais que trabalham no corpo fun- foi criado, podemos observar, nas tabelas acima,
cional das CT’s (1,7). o números de pacientes que lá foram encami-
nhados, entre 2014 e abril de 2017. São 3.162 pa- tituto Padre Haroldo, sendo que serão em breve
cientes entre homens e mulheres acolhidos em publicados os resultados quanto a eficácia dos
comunidades terapûticas, através do Núcleo de modelos de tratamento nas referidas Comuni-
Pesquisas do CRATOD em parceria com o Ins- dades Terapêuticas.
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6
Políticas de Saúde em tratamento
para Dependência Química
e a organização de serviços
o s e g r e d o
— Janaína, tenho que ser sincero com você — Ah, não! Não quero. E você não vai falar
– não adianta vir aqui e mentir, né? – ontem nada, tudo aqui é sigiloso.
não resisti e fumei várias pedras, mas já tá tudo — Concordo plenamente. Eu não falarei
bem de novo. nada porque é você quem vai falar.
— Como aconteceu Moacir? Você estava — Não, dessa vez, fica sendo um segredo
bem empolgado por ter parado de usar crack nosso, pode ser?
há mais de dois meses. Me conta. — Não dá, Moacir, e você sabe disso.
Moacir contou para a sua referência do CAP- — Meus pais vão querer me matar...
S-AD, a psicóloga Janaína, como foi que tudo — Talvez fiquem um pouco frustrados; mas
aconteceu. Janaína perguntou para ele sobre os ficariam bem chateados se daqui a algum tem-
tais fatores de risco e sobre as situações apa- po essa recaída que você está querendo escon-
rentemente irrelevantes que sempre levam – ou der sob a forma de um segredo vier à tona. Já
pelo menos prenunciam – às escorregadas na pensou? Seria uma quebra de confiança mui-
droga. Além disso, muitas vezes, as pessoas fi- to grande, colocaria todo o nosso trabalho em
cam estressadas, sentem-se desprotegidas, dis- xeque. Por outro lado, se você assumir o fato
tantes dos amigos e dos parentes e aí já viu... ocorrido, mostrará a eles o seu compromisso
— O que você comentou com os seus pais com a transparência e com a vontade de acer-
sobre isso? Disse Janaína. tar. Segredos em dependência química são
— Com meus pais? ‘Cê tá louca? Nada! como mercadorias perecíveis: se não revela-
— Ué, não combinamos logo no início que dos a tempo, apodrecem e se mostram por si
se você recaísse, chamaríamos os seus pais só – pelo cheiro que deixam, pelos bichos que
novamente para combinarmos uma estratégia atraem. Definitivamente, eles são um sinal de
mais intensiva para o seu tratamento? que as coisas não vão bem.
— Mas isso faz mais de dois meses! Fiquei — Está certo, está certo, eu vou contar.
esse tempo todo bem! Por causa de uma reca- — Vamos chama-los aqui ainda essa sema-
ída você vai chamar meus pais? Por quê? Vão na, né?
me internar? — Pode ser.
— Você não precisa de internação. Vamos — O mais importante nisso tudo, é que en-
chamar seus pais porque foi o combinado. tre nós, não houve segredos!
c a P í t u l o
44
Sérgio M. Duailibi
Sandra Marques
315
Políticas Públicas em dependência química para o Controle de Álcool, Tabaco e Drogas Ilícitas
316
prioritário de saúde e segurança pública nos pois a acessibilidade ao ATOD depende de fa-
países em desenvolvimento (Ameratunga et tores ligados às leis vigentes (federais, estadu-
al., 2006). ais ou municipais) e sua efetiva execução (im-
Basicamente, álcool, tabaco, e drogas plantação efetiva da fiscalização das normas
ilícitas são produtos de varejo sujeitos à rela- vigentes e punições decorrentes). O desejo
ção de oferta X demanda. Na Figura 1, a dis- de consumir estas substâncias (fatores indi-
ponibilidade representa um dos componentes viduais) cria uma demanda que estimula uma
fundamentais do consumo de substâncias psi- oferta, tanto maior quanto maiores forem os
coativas. Sem disponibilidade, não pode haver lucros que poderão ser obtidos com sua venda.
nenhum uso ou problemas associados. Isto Igualmente, o potencial para lucro encoraja os
tem que ser levado em consideração quando vendedores a estimularem a demanda através
considerarmos a legalização de drogas ilícitas, das promoções.(4)
Figura 1
Políticas Públicas em dependência química para o Controle de Álcool, Tabaco e Drogas Ilícitas
318
limitado de estudos internacionais teve resulta- Efeitos: absorção lenta dos produtos co-
dos conflitantes.(12,13,14) DiNardo e Lemieux mestíveis leva a um maior consumo. Risco maior.
encontraram que a descriminalização de ma- Nos adolescentes o índice de abuso chega aos
conha tinha um efeito positivo significante em níveis do álcool. Afeta o crescimento do cérebro,
relação à prevalência de uso de álcool por estu- desempenho escolar e trabalho.
dantes de cursos superiores.(15) Chaloupka e – Em relação ao crack podemos dizer que boa
Laixuthai (1997) encontraram que a freqüência parte de sua venda é sob a forma de “Mer-
de beber e a probabilidade de beber pesado era cado aberto” de venda de droga. Tais mer-
inversamente relacionado aos preços de cerveja cados tiveram efeitos devastadores noos
e positivamente ao preço de maconha.(16) Saffer bairros pobres das cidades. Esses mercados
e Chaloupka (1995) acharam evidência consis- produzem alterações importantes na saúde,
tente de uma relação complementar por álcool, segurança pública, controle e ordem social
maconha, cocaína, e heroína. da comunidade, caracterizadando-a por
Jeffrey Zinsmeister, em pesquisas no desordens, crimes e violência (Meares 1998;
Oregon (EUA), que legalizou o consumo em Weisburd & Mazerolle 2000). À medida que
2014, verificou que somente 30% da maconha os traficantes de drogas exercem controle
vendida hoje é legal. O impacto que se esperava sobre os espaços públicos, os residentes se
de redução do mercado paralelo não aconteceu, retiram, os crimes relacionados aumentam
pois o imposto aumenta preço e o tráfico perpe- (crimes violentos, porte de armas e pros-
tua-se oferecendo produtos diversos da maco- tituição) e a condição geral da comunida-
nha a um preço menor. O cultivo da planta hoje de se deteriora (Skogan 1990; Robinson &
não chama atenção e não tem denúncia de ile- Rengert 2000; Wilson & Kelling, 1982). Ao
galidade como antes. mesmo tempo, há um ciclo desastroso de
Em outros estados americanos: houve prisões de numerosos jovens traficantes de
incremento do uso frequente (mais de 20 ve- drogas, que vão sendo presos, apenas para
zes ao mês). Impacto no número de chamadas serem substituídos por um novo grupo de
e ocorrências policiais e aumento no número de jovens atraídos por recompensas econômi-
acidentes de trânsito e de trabalho. Crimes rela- cas e estilo de vida proporcionado pela ven-
cionados com as drogas tiveram um incremento da de drogas (Anderson 1990; Tonry, 1995).
de 9% ao ano. O aumento do consumo atingiu
mais os bairros, pobres e de população negra.... A migração de uma droga ilícita para
O Uruguai é um caso interessante: tripli- outra não é fato raro quando uma droga tem
cou nos últimos 03 anos o comércio ilegal. Hoje seu preço majorado ou “desaparece” do mer-
o panorama das empresas para cultivo e venda, cado.(20)
difere do que se propunha inicialmente ( estar
sob o controle público).
Outros dados interessantes em rela- Disponibilidade de varejo:
ção à maconha são os danos produzidos por
produtos comestíveis de maconha. Impactos: As disponibilidades de varejo são
Potência maior que a planta, por exemplo: representadas pelas facilidades de compra
Uma barra de chocolate-maconha pode con- e venda através dos mercados formal ou
ter 10/15 doses. informal.
Políticas Públicas em dependência química para o Controle de Álcool, Tabaco e Drogas Ilícitas
320
(pó), e 24% para crack.(20) Uma porcentagem ciamento para motoristas novatos.(1,5) A úl-
adicional de usuários (32% maconha, 23% co- tima prática é instituir processos terapêuticos
caína, e 19% de crack) informou ter comprado do tipo intervenções breves para bebedores
as drogas de amigos em lugar de negociantes, pesados.
indicando uma espécie de “varejo” praticado Algumas estratégias são bastante popu-
em redes sociais informais.(20) lares, porém não têm o impacto desejado quan-
do implementadas isoladamente (isto é, sem
políticas de intervenção regulatórias) por apre-
4. Custo-efetividade das políticas sentarem baixa efetividade e alto custo:(3,8)
preventivas • Promoção de atividades alternativas de
lazer e diversão “livres de álcool” (como
Considerando a importância do con- esportes) são ineficazes.(5)
sumo de ATOD para a segurança e saúde • Prevenção nas escolas: Seu custo é muito
pública, a OMS realizou um estudo com a alto em relação à sua efetividade.(5)
participação de vários especialistas de nove • Designação de serviços de transporte ou
países para avaliar o custo-efetividade de “designação do motorista da vez” para
diferentes políticas preventivas relacionadas prevenção do dirigir alcoolizado.
ao consumo de bebidas alcoólicas. Foi com- • Advertências nos rótulos das bebidas não
posta uma lista das dez “melhores práticas” são eficazes para mudar comportamentos
com base nos seguintes critérios: evidência relacionados ao consumo de álcool e não
de efetividade, existência de suporte cientí- são efetivos para diminuir o consumo en-
fico, possibilidade de transposição para dife- tre bebedores pesados.
rentes culturas e custos de implementação e • Mensagens publicitárias. Embora possua
sustentação.(1,5) apelo popular, a propaganda educativa
Cinco práticas são referentes a políticas nunca é tão bem produzida, nem possui os
de controle de álcool (regulatórias): 1) estabe- mesmos recursos e freqüência nos meios
lecimento (e fiscalização) de idade mínima le- de comunicação como a propaganda da
gal para compra de bebidas alcoólicas; 2) mo- indústria do álcool. Apresenta alguma efe-
nopólio governamental das vendas de bebida tividade quando é parte integrante de um
ou drogas no varejo; 3) restrição dos horários programa mais amplo de políticas. Proibir
ou dias de venda; 4) restrições de densidade a publicidade do álcool custa bem menos e
dos pontos de venda de álcool; 5) criação de é bem mais eficaz que qualquer medida de
impostos para o álcool. contra-propaganda.(3,5)
Outras quatro práticas estão direta-
mente relacionadas com o controle do beber
e dirigir: 1) redução do limite de concentração 5. Promoções/Propaganda
sanguínea do álcool permitida para dirigir; 2)
suspensão administrativa da licença de moto- Varejistas tentam aumentar a demanda
ristas que dirigem alcoolizados; 3) estabeleci- através da promoção de seus produtos. Especial-
mento de postos de fiscalização de sobrieda- mente em mercados altamente concentrados,
de; e 4) política de “tolerância zero” quanto ao companhias tendem a não competir somente
dirigir alcoolizado, por vários anos, no licen- através de preços mais atrativos, mas também
Políticas Públicas em dependência química para o Controle de Álcool, Tabaco e Drogas Ilícitas
322
drogas, levando potencialmente um maior nú- como a disponibilidade de drogas mais puras
mero de pessoas a experimentar e se tornarem e seringas e agulhas limpas poderiam prevenir
usuários regulares ou esporádicos. doenças como hepatite e AIDS, por exemplo.
Por outro lado, os estudos mostraram Esses dois argumentos têm apelo so-
que quanto maior o envolvimento com dro- mente em um nível superficial. O principal
gas, menor seria o impacto das leis em deter argumento contra a legalização, conforme
o consumo. No entanto, a lei serve para deter exposto anteriormente, é que o aumento da
um número substancial de pessoas a usar dro- disponibilidade de qualquer droga aumenta-
gas. Esse estudo mostra que qualquer efeito ria o consumo. Além disso, a ação direta de
dramático no status legal de uma droga é de- qualquer droga com potencial de criar depen-
saconselhável, pois as conseqüências seriam dência reforça a chance de que ela venha a ser
literalmente imprevisíveis com uma nítida usada novamente. As drogas que produzem
tendência a um aumento do consumo devido dependência ativam os circuitos cerebrais que
à falta de controles sociais disponíveis e à falta são normalmente ativados por reforçadores
de leis muito claras. naturais como fome, sexo. A ativação desses
Como visto, o desafio de uma política circuitos está na raiz do aprendizado que inicia
de drogas é buscar o balanço certo para cada o processo da dependência química. De forma
droga, mas sempre visando uma diminuição simplista, podemos dizer que devido ao fato
global do consumo. que essas drogas produzem prazer, o indiví-
duo terá maiores chances de querer repetir a
experiência, e este uso repetido mudará os cir-
7. Drogas Ilícitas: Debates sobre cuitos cerebrais, com grande chance de produ-
despenalização e legalização zir dependência. Mesmo nas pessoas que não
venham a desenvolver uma dependência ple-
Segundo René Ariel Dotti, despenali- na, o aumento da experimentação ou do uso
zar“é excluir ou reduzir a incidência das penas regular das várias drogas que estariam dispo-
privativas de liberdade”. Em outros termos, níveis acarretaria um aumento do número de
mantem-se o caráter ilícito da conduta, retira- problemas. Como as drogas hoje ilícitas acar-
-se o caráter repressivo da pena e suaviza-se a retam comprometimento das funções cogni-
reação estatal, através de penas alternativas ou tivas e motoras, no mínimo aumentariam o
medidas educativas. risco de vários tipos de acidentes e também
Com o aumento do custo social das diminuição da produtividade no estudo e no
drogas, existe a tendência de propor soluções trabalho.(5,20)
mágicas e simples como a legalização de todas Outro aspecto a ser levado em conside-
elas. Os proponentes dessa solução não apre- ração são os adolescentes. Teoricamente, eles
sentam uma clara operacionalização de como estão protegidos legalmente da venda de ci-
isso ocorreria, mas fornecem dois argumentos garros e álcool (o que no Brasil, não acontece
favoráveis: Devido à grande associação entre de forma satisfatória, haja vista a facilidade que
violência e drogas, argumentam que tirando menores de idade têm em comprar cigarros e
o lucro dos traficantes diminuiriam os crimes; bebidas alcoólicas em estabelecimentos comer-
além disso, acreditam que teríamos uma série ciais). Presumivelmente, após uma legalização
de benefícios em termos de saúde pública, tais das drogas, eles também estariam protegidos
Políticas Públicas em dependência química para o Controle de Álcool, Tabaco e Drogas Ilícitas
324
pendentes, mostrou que além do uso regular sumo de maior número de cigarros para
da heroína legal os usuários buscavam outra obter a mesma satisfação, com mais risco
fonte ilegal. de câncer; tentar outras fontes de nicoti-
Esses argumentos estão distantes de na: adesivos, gomas ; elevar a ingestão de
uma perspectiva puramente moral. Muita alimentos com vitamina C.
gente acha que não deveríamos legalizar as
drogas, pois têm uma objeção moral con- A chamada Redução de Danos repre-
tra o consumo uso de qualquer droga. Mas senta uma mala eclética cheia de propostas
também do ponto de vista da saúde pública políticas. No nível mais geral, esta proposta de-
é muito complicado legalizar as drogas, prin- fende que, se não podemos eliminar as drogas,
cipalmente em países como o Brasil em que pelo menos podemos diminuir os danos. A re-
o acesso ao tratamento adequado e de qua- forma legal não é a prioridade, mas sim a prá-
lidade é limitado a uma pequena parcela da tica concreta. Defende abertamente tolerância
população. A solução é buscar a prevenção e com os usuários de drogas, o que se transfor-
o tratamento baseados em evidências e não ma numa descriminalização de fato do uso de
somente em ideologias. substâncias. Busca-se a adesão ao tratamento
com todas as alternativas possíveis.
Existem dilemas teóricos e práticos com
8. Redução de Danos essa abordagem. Algumas questões permane-
cem sem resposta: Como medir a diminuição
Redução de Danos é uma estratégia de um dano em relação a outro? Será que di-
dasaúde pública que busca controlar possíveis minuindo o dano de alguns e facilitando o uso
consequências adversas ao consumo de dro- de muitos, não estaríamos simplesmente so-
gas psicoativas, lícitas ou ilícitas, sem, neces- mente aumentando o número de usuários?
sariamente, interromper esse uso. Ninguém pode ser contra a diminuição
Exemplos de Proposta de Redução de de danos na sociedade, pois é exatamente isso
Danos: que as políticas de drogas buscam. Como ob-
• Álcool: ingestão de água e líquidos não jetivo geral, é indiscutível. No entanto, não po-
alcoólicos e de vitaminas do complexo B, demos achar favorável a eventual diminuição
nutrição adequada, evitando atividades do dano de alguns indivíduos, se isso acarretar
incompatíveis com embriaguez. um excesso de facilitação ao uso de drogas na
• Crack: beber muito líquido; usar cachimbo população em geral, levando a um aumento
individual e com filtro; misturar maconha no número de usuários, tornando-se um pro-
com crack ou trocar o crack pela maconha. blema maior para a sociedade.
• Cocaína: beber muita água; usar equipa- O objetivo geral de uma política de re-
mento próprio seja para cheirar ou para se dução de danos deveria ser a redução da de-
injetar (seringas só individuais e limpas; manda total de consumo das drogas. Devemos
fracionar as doses; lavar as mãos antes de fazer a distinção entre micro e macro redução
preparar doses injetáveis; usar água destila- de danos. De uma forma esquemática a equa-
da; injetar lentamente para avaliar o efeito). ção é Dano Total das Drogas = Média de Dano
• Tabaco: reduzir o número de cigarros, não por Usuário x Uso total. Em relação ao uso to-
usar os “baixos teores” que levam ao con- tal, temos o número de usuários e a quantidade
Políticas Públicas em dependência química para o Controle de Álcool, Tabaco e Drogas Ilícitas
326
que cada um usa. A média de dano por usuário O domínio mais relevante é a Disponibilidade
tem dois vetores: o dano causado ao próprio Econômica.
usuário e o dano causado a outras pessoas. As evidências de pesquisa indicam de
forma veemente que, em todas as três catego-
rias de substâncias, o consumo diminui confor-
Considerações finais me o preço aumenta. Também há forte evidên-
cia para a inclusão da Disponibilidade Comercial
Foi apresentado um modelo causal de no modelo. Quando há restrições na disponi-
ATOD que identifica domínios que são teori- bilidade comercial de ATOD, tanto o consumo
camente relevantes e empiricamente ligados quanto os problemas associados diminuem.
entre álcool, tabaco e drogas ilícitas. O mode- Há fortes evidências de estudos descritivos do
lo identifica domínios essenciais que são im- Mercado de drogas ilícitas que demonstram
portantes para a prevenção efetiva. Em muitos que os esforços para reduzir sua disponibilida-
casos, alguns destes domínios são mais pode- de comercial teria impacto semelhante aos ob-
rosos que outros e merecem atenção especial. tidos com o álcool e o tabaco.
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Políticas Públicas em dependência química para o Controle de Álcool, Tabaco e Drogas Ilícitas
c a P í t u l o
45
Sandra Marques
329
MORTES
ANUAIS
ATRIBUÍVEIS
12,6%
AO TABAGISMO DE TODAS AS
As informações exibidas aqui são
MORTES QUE
parte de uma pesquisa colaborativa OCORREM NO PAÍS
coordenada pelo Departamento de
Avaliação de Tecnologias em Saúde SÃO ATRIBUÍVEIS AO
TABAGISMO
e Economia da Saúde do IECS e
conduzido por uma equipe de mais
de 40 pesquisadores e formuladores
de políticas de saúde de
universidades, centros de pesquisa e
instituições públicas da Argentina,
Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa
Rica, Equador, Honduras, México,
Paraguai, Peru
e Uruguai. Um modelo matemático
foi utilizado para estimar as
probabilidades que as pessoas têm
de adoecer ou morrer de cada uma
das doenças associados
com o tabagismo.
Os dados são de 2015 e referem-se
às pessoas com mais de 35 anos.
477.470
Doenças
cardíacas
378.594
DPOC
(doença pulmonar
obstrutiva crônica)
121.152 59.509
Pneumonia
AVC
46.650
(acidente
Outros 26.850
vascular cerebral) Câncer
cânceres
de pulmão
CÁNCER
477.470 59.509
PESSOAS
73.500
PESSOAS DIAGNOSTICADAS
INFARTOS SOFREM UM COM UM
E INTERNAÇÕES ACIDENTE
POR DOENÇAS
VASCULAR
CÂNCER
PROVOCADO
CARDÍACAS CEREBRAL PELO TABAGISMO
34.999
Doenças cardíacas
31.120
DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica)
MORTES 26.651
Outros cânceres
ANUAIS 23.762
ATRIBUÍVEIS Câncer de Pulmão
17.972
AO TABACO Tabagismo Passivo
10.900
Pneumonia
10.812
AVC (acidente vascular cerebral)
Total de 2005 Total até Total até Total até Total até Total até Total até
PNCT
a 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Capacitações 38 45 52 58 62 67 74
Municípios
198 295 337 426 474 503 581
capacitados
Unidades
451 750 923 1306 1582 1673 1805
capacitadas
Profissionais
1870 2518 3053 4446 5469 5756 6021
capacitados
Unidades
158 221 328 467 592 724 745
Credenciadas
Unidades em
137 224 318 467 592 610 631
atendimento
Gestão
Total de 2005
Estadual 2012 2013 2014 2015 2016 2017
a 2011
(2012-2015)
Capacitações 7 7 6 4 8 6
Municípios
97 42 89 48 144 78
capacitados
Unidades
299 173 383 276 184 132
capacitadas
Profissionais
648 535 1393 1023 294 265
capacitados
Unidades
63 107 102 162 163 21
Credenciadas
Unidades que
iniciaram o 87 94 112 162 127 21
atendimento
O estado possui 745 unidades cre- das ações para o cuidado da pessoa tabagista.
denciadas sendo que destas, 631 estão em O tratamento inclui avaliação clínica,
atendimento. abordagem mínima ou intensiva, individual ou
em grupo e, se necessário, terapia medicamen-
4- Realizar a avaliação dos indicadores tosa juntamente com a abordagem intensiva.
dos grupos de tratamento, seguindo O Ministério da Saúde disponibiliza todos os
os critérios do protocolo de diretrizes materiais de apoio e medicamentos utilizados
terapêuticas: para esse fim, como formas de adesão ao tra-
tamento do tabagismo pelos municípios, além
Planilhas de Informações de definir o financiamento dos procedimentos
Trimestralmente, as coordenações mu- a serem utilizados.
nicipais e Departamentos Regionais de Saúde Com a publicação da Portaria nº 1.035/
devem enviar à Coordenação Estadual, a pla- GM/MS de 31 de maio de 2004 e a Portaria
nilha de informações do tratamento do taba- nº 442/SAS/MS de 13 de agosto de 2004, jun-
gismo para o conhecimento dos indicadores to com seus anexos (Plano para Implantação
de cessação do hábito de fumar, abandono da Abordagem e Tratamento do Tabagismo no
da terapia e uso de medicamentos que fazem SUS, e Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêu-
parte do programa. ticas – Dependência à Nicotina), houve o reco-
É importante destacar que, ao ingressar nhecimento do tabagismo como dependência
no programa de tratamento do tabagismo, e, o tratamento foi ofertado no SUS.
as gestões de diversas instâncias assumem o Essas duas portarias foram revogadas
compromisso da organização e implantação após a publicação da Portaria nº 571/GM/
Legislação
Planilhas de Informações
Trimestralmente, as coordenações mu- Lei nº 13541, de 7 de maio de 2009, Lei Anti
nicipais e Departamentos Regionais de Saúde Fumo no Estado de SP, teve um papel funda-
devem enviar à Coordenação Estadual, a pla- mental na questão do tabagismo passivo, dimi-
nilha de informações do tratamento do taba- nuindo a exposição ambiental à fumaça do taba-
gismo para o conhecimento dos indicadores co e apoiando ambientes 100% livres de tabaco.
de cessação do hábito de fumar, abandono Lei AntiFumo, Decreto 8262/2014 ( 12/2014),
da terapia e uso de medicamentos que fazem Presidência da República, Lei federal para
parte do programa. todos os estados do Brasil.
Há vários projetos de Lei aprovados em
relação à publicidade e venda de produtos de-
Datas Comemorativas rivados de tabaco, e também para a retirada de
aditivos nos cigarros, no intuito de diminuir a
– O Dia Mundial sem Tabaco, comemora- atratividade de crianças e adolescentes para a
do anualmente em 31 de maio, foi criado em prevenção da iniciação.
1987 pela Organização Mundial da Saúde É importante salientar que as orienta-
( OMS ), como um alerta sobre as doenças e ções do PNCT estão de acordo com as princi-
mortes evitáveis relacionadas à dependência. pais diretrizes internacionais relacionadas ao
– O Dia Nacional de Combate ao Fumo, tratamento do tabagismo.
criado em 1986 e comemorado anualmen- Dessa forma, o SUS oferece ao fumante
te em 29 de agosto, tem como objetivo re- brasileiro que deseje parar de fumar um trata-
forçar as ações nacionais de sensibilização mento adequado, com metodologia embasada
e mobilização da população brasileira para em evidências científicas.
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12, 2010.
46
Marcelo Ribeiro
Cláudio Jerônimo da Silva
Sérgio Duailibi
Quirino Cordeiro
Alisson Paulino Trevizol
Ariadne Ribeiro
Luciane Ogata Perrenoud
Sônia Maria Motta Palma
Ronaldo Laranjeira
340
O CRATOD
NuPe: a necessidade de um
O Centro de Referência de Álcool, núcleo de pesquisa dentro do
Tabaco e Outras Drogas (CRATOD), é uma
CRATOD
unidade criada pelo Decreto nº 46.860, de 25
de junho de, tendo entre as suas finalidades,
(1) constituir-se como referência para a defi- O Núcleo de Pesquisas (NuPe) do Cen-
nição de políticas públicas para promoção de tro de Referência de álcool, tabaco e outras
saúde, prevenção e tratamento dos transtor- drogas (CRATOD) deu início às atividades
nos decorrentes do uso indevido de álcool, científicas em Janeiro de 2017. É dirigido pelo
tabaco e outras drogas; (2) desenvolver co- pesquisador Marcelo Ribeiro, professor-dou-
nhecimento e tecnologia dentro dessa área; tor associado da Universidade Federal de São
(3) oferecer modelos de cuidado e de aten- Paulo (UNIFESP), e composto por pesquisado-
dimento multidisciplinar de qualidade; (4) res e alunos de iniciação científica, mestrandos,
além de desenvolver e coordenar programas, doutorandos e pós-doutorandos de diferentes
cursos, projetos de capacitação, treinamento áreas da saúde e ciências humanas, envolvidos
ou aperfeiçoamento de recursos humanos, em estudos na área de dependências químicas
em consonância com sua especificidade. e não-químicas. São conduzidos estudos obser-
Todas essas ações devem se estruturar de vacionais visando a epidemiologia das adições
forma articulada e integrada com as demais e o fornecimento de dados para o desenvolvi-
unidades pertencentes ao Sistema Único de mento de políticas públicas em saúde mental, e
Saúde – SUS. o estudo das comorbidades associadas.
Desse modo, pensando em alcançar Estudos demonstram que outros qua-
os objetivos estabelecidos acima e diante do dros como o Trasntorno do Déficit de Aten-
panorama atual do país, a necessidade da ção e Hiperatividade (TDAH) levam ao início
organização de um núcleo de pesquisas se mais precoce do uso/abuso de substância,
tornou imprescindível para que fosse possí- maior gravidade do quadro e menor adesão
vel traçar o perfil dos heterogêneos usuários ao tratamento(10). O NuPe propõe com os
dentro de variados contextos sociais e objeti- estudos desenvolver novos tratamentos para
vando sistematizar os diversificados bancos transtornos de uso de substâncias e trans-
de dados advindos dos atendimentos rea- tornos dos impulsos, como novas técnicas
lizados no CRATOD, com o escopo de de- de neuromodulação.
Núcleo de Pesquisas do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas - NuPe CRATOD
342
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47
tencial). O prédio apresentava problemas es- Desta forma, foi realizado um plane-
truturais e espaços inutilizados. Alguns serviços jamento a curto/médio prazo a fim de im-
eram gerenciados pela DIR I, atual DRS (De- plantar os serviços necessários e documen-
partamento Regional de Saúde) tais como: lim- tos prioritários para operação da Unidade.
peza, limpeza da caixa d’água e realização do A seguir, breve histórico com as prin-
inventário físico. Cabe ressaltar que não havia cipais adequações para o funcionamento da
serviço de vigilância e segurança patrimonial. Unidade ao longo dos últimos anos:
ou técnica, mas acima de tudo, o profissional, O profissional que escolhe atuar na área
para prestar um bom serviço, deve estar livre de dependência química precisa gostar do que
de pré-conceitos e primeiras impressões (situ- faz, e saber que está sempre aprendendo e que
ação comum na área da saúde e muito maior cada dia é uma nova etapa em nossa vida. En-
no que se refere à dependência química) atu- tão, como o próprio nome da profissão diz e de
ando sempre com comprometimento e res- maneira clara, ser “SERVIDOR PÚBLICO” é
ponsabilidade. estar pronto a servir às necessidades públicas.
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48
Samuel Karasin
354
O pai tem cerca de setenta anos. Cara voluntariamente, já tem até a vaga. Sussurra,
de avô de novela, olhos brilhantes, barba num meio segredo: “ ele faz isso para poder
branca todo esperança. No fundo, o cansaço sair a hora que quiser”. Quer que eu o inter-
de quem se arrasta por anos de problemas. ne involuntariamente.
Começo dizendo o óbvio, internar não é curar, As historias se sucedem e se somam,
“não interno ninguém sem o médico atestar a sem que os rostos se apaguem.
necessidade” etc. Me interrompe e conta so- Desde 21 de janeiro de 2013, funcio-
bre o filho, sobre como um homem bonito, na no CRATOD – Centro de Referência de
inteligente virou uma pedra. Filho único, da Álcool, Tabaco e outras Drogas – um projeto
esperança fez-se a dor. Me conta sobre como pioneiro do Tribunal de Justiça de São Pau-
foi ter que entregar gás em seu fusca, como lo, em parceria com o Governo do Estado,
sua mulher chora todo dia, sobre a violên- para a apreciação de medidas de caráter ur-
cia que atribui à loucura da droga. Seu meni- gente em prol da população de dependen-
no sempre bom, a culpa sempre das drogas. tes químicos. Essa parceria, modelo único de
Acho que se compadece da minha impotên- interação judicial entre o Ministério Público
cia. Solidário, me agradece a honestidade. Me do Estado de São Paulo, a Ordem dos Ad-
junto a sua dor, resignado não prometo nada, vogados do Brasil, secção de São Paulo e a
só que faria o máximo para que ele tivesse Defensoria Pública do Estado de São Paulo,
uma avaliação e tratamento adequados. Não é a face mais atual da busca de atuação ju-
sei o que o convence, acho que o meu desam- dicial qualificada pela proteção à dignidade
paro. Me agradece muito. Da porta me pede humana, estatuído no artigo 5° da Consti-
um ultimo favor: “Doutor, veja como meu tuição Federal.
menino ficou...”. Da carteira, uma fotografia A ideia de um sistema integrado, ca-
muito dobrada: um quarto caiado de branco, paz de aproximar as instâncias de gestão e de
um magro rapaz de uns trinta anos, olhando atendimento da saúde mental e os operado-
vaziamente o nada. No tornozelo, um cadea- res do Sistema de Justiça, apesar de aparen-
do e uma corrente. temente revolucionária, é paradoxalmente,
Um homem veio por quatro dias se- algo bastante natural.
guidos, ficou durante todo o expediente, Da transformação de modelos de tra-
como se as paredes lhe dessem algum tipo tamento, do asilo/manicômio ao modelo hu-
de esperança. Seu companheiro, um usuá- manitário/ ambulatorial, muito da efetividade
rio de crack, estava perdido nas ruas, destino da lei 10.216/01 ficou para trás. Mais do que
incerto. Certo só o HIV e a sífilis. E o amor. isso, a ilusão de autossuficiência sistêmica
Amor de procurar na rua, de arrastar para gerou e gera um choque na linguagem dos
casa, de aceitar do jeito que as coisas são. No saberes da saúde mental e do universo jurí-
quarto dia, a ambulância traz o rapaz, ma- dico. Conceitos simples para quaisquer dos
gro, só olhos. Ninguém sorri, nesse ponto lados são usados de maneira diversa, com o
acho que só restam olhares. O homem bate prejuízo da compreensão pelo Judiciário da
na porta, delicado, com medo de incomodar. função da saúde e com o reverso da medalha,
Acha que fizemos muito, tem medo de atra- a critica à atuação do Judiciário, que por for-
palhar, de pedir demais. Me explica cons- ça de sua função constitucional se sobrepõe à
trangido, seu companheiro quer se internar decisão administrativa.
Mais do que egos feridos, o ruído na justiça, não pode sequer ser considerada como
conversa implica em prejuízo ao cidadão, seus miserável, já que a única coisa de que muitas
direitos e a efetividade dos dois sistemas. vezes dispõe é sua autonomia.
Nada mais exemplificativo que a gran- Como garantia dessa autonomia, con-
de e falsa questão da internação provisória. jugada com a necessidade de que essa popula-
Muito embora grande ênfase tenha sido ção e seus familiares tenham atendimento de
dada à chamada internação compulsória, fato saúde mental, assegurando-se o acesso ao sis-
é que a amplitude da iniciativa do E. Tribunal tema de saúde único – SUS, inverte-se a lógica
de Justiça de São Paulo passou desapercebida de intervenção estatal, tomando a decisão ju-
pela maioria da sociedade. Isso porque se pre- dicial como fator de compulsão do Poder Pú-
feriu a discussão sobre higienização, hipótese blico na realização de suas obrigações legais e,
sequer pensada em qualquer instancia judicial, ao mesmo tempo, como garantia das partes na
mas que povoa o imaginário dos profissionais hipótese eventual de internação compulsória
da saúde mental. prevista na Lei 10.216/01.
A divisão fictícia entre os “higienistas” Vale dizer, dado o contraditório, a obe-
e “libertários” ganhou mais corpo que a reali- diência dos princípios constitucionais e legais
dade e obscureceu as possibilidades e alcances que norteiam o direito à saúde e à dignidade
da iniciativa judiciária. Também sob essa ótica, humana, a mais estrita legalidade tem sido ob-
cada determinação de cumprimento judicial servada previamente a qualquer medida pura-
que visava garantir o direito de cuidado dos mente administrativa.
responsáveis pelo paciente e do paciente era Isso tem-se refletido nas estórias aci-
incialmente contrastada não sob o aspecto do ma. Não há promessas e nem soluções fá-
direito à vida, mas sob as fantasias de uma re- ceis. A multidisciplinariedade dada pelas
pressão incompatível com o direito moderno. equipes do CRATOD e o trabalho de todos
Deixou-se de perceber que se trata- os atores judiciários garantem a construção
va da primeira iniciativa de um Tribunal, em de soluções complexas e com efetiva instru-
criar um ponto de garantia de acesso ao di- mentalização, sempre com a proteção das
reito à saúde. Uma junção de todos os atores garantias individuas.
que garantem direito, da sociedade, do pa- Sem adentrar na falsa polêmica da in-
ciente, da família em prol da realização não ternação compulsória, a principal atividade do
da cura, mas do acesso ao tratamento, ga- posto de atendimento do CRATOD tem sido a
rantindo-se o dever de cuidado da socieda- garantia de acesso à saúde mental.
de e do Estado, a dignidade do paciente e o Evoluindo do modelo da internação to-
acesso à Justiça. De outra sorte, do ponto de tal em manicômio, da ideia de tratamento em
vista técnico de saúde, garantia-se o atendi- “regime fechado” – uso essa expressão como
mento de serviços paralelos como o resgate se reflete no imaginário popular, de tratamen-
emergencial, de assistência social, seguran- to exclusivamente em hospital ou clinica psi-
ça, etc, retirando a hipertrofia da atuação da quiátrica –, para o modelo ambulatorial, com
área de saúde e delimitando a responsabili- participação da família e da sociedade na cura,
dade da atuação dos profissionais. consolidou-se tal evolução com a lei 10.216/01.
É o caso de se destacar que a população A internação passou a ser a exceção,
atendida, e portanto privilegiada no acesso à sendo estabelecido o critério mínimo de risco
para o paciente ou para terceiros como única devem ser sempre precedidas de laudo psi-
causa determinante. Cessada a causa, cessa quiátrico, vê-se que o comparecimento do
a internação, continuando-se o tratamento. paciente ao CAPS ou ao médico é a porta de
Associando-se esse conceito com a criação entrada do sistema.
dos CAPS – centros de atenção psicossocial –, Sem esse comparecimento, o sistema
aparentemente estariam resolvidas as ques- pouco ou nada atua. Não há instrumentos
tões relativas à saúde mental, dentre as quais, para avaliar-se a condição de um paciente
aquelas associadas à drogadição. na rua, em casa ou em qualquer lugar, des-
No entanto, a desmobilização daquilo de que esse se recuse a comparecer perante
que era considerado um modelo autoritário de a avaliação.
atuação implicou a desmobilização de inúme- Assim, criou-se a falsa impressão de
ros mecanismos que são necessários também que a demanda não existe. Em um parado-
no modelo posterior. E muito pouco se fez, xo circular, não se nega o atendimento ao
para além do fechamento de vagas em ma- paciente, mas aquele só se efetiva com a
nicômios, para que houvesse efetividade no colaboração deste. Se em surto ou em esta-
atendimento à saúde mental. do de abstinência, ocorre a recusa, o Poder
Assim, o conceito de emergência em Público nada faz, não por respeito a supos-
saúde mental ( e portanto em drogadição) tos direitos do pacientes – e em tese con-
foi desconsiderado. Da mesma maneira, o trariando os direitos dos responsáveis pelo
suporte às famílias de dependentes ou pa- mesmo, ou o dever de cuidado previsto no
cientes é absolutamente insuficiente para as ECA, ou mesmo a lógica e necessária pro-
necessidades destas ou dos pacientes de cuja teção àqueles desprovidos de razão –, mas
cura deveriam participar. Esvaziaram-se os por falta de aparelhamento das instituições.
hospitais, mas as ruas e viadutos ganharam Assim, sem o comparecimento, não há de-
um sem número de novos moradores, por manda oficial e sem demanda oficial não se
pura insuficiência social. criam mecanismos e protocolos de atuação,
Não é o caso de se tratar aqui da se- perpetuando a crise.
gunda questão, muito embora seja fundamen- Assim, é pouco razoável pretender que
tal entender a drogadição sob uma perspectiva uma mãe tenha que levar seu filho a um CAPS,
multidisciplinar e não como uma questão só quando em surto, ou que aguarde um mês
de saúde. Isso por duas razões, a primeira pela até que a equipe se disponibilize a tanto. Ou
extensão do texto e a segunda porque as ques- mesmo que alguém tenha uma indicação para
tões sociais relevantíssimas da reinserção e da internação e não haja qualquer equipamento
cura do paciente não são abrangidas pela par- para sua remoção.
ceria, já que são cuidadas apenas as questões Nesse vácuo apela-se, equivocada-
emergenciais. mente, para a atuação policial, panaceia para
Embora não o aparentem, essas ques- todos os males, inclusive aqueles não previstos
tões de emergência em saúde mental são fun- constitucionalmente.
damentais para o funcionamento do sistema. Desse modo, a experiência de acesso ga-
Partindo da premissa que a decisão judicial rantida pelo projeto no CRATOD tem tentado
( internação compulsória) ou administrativa mudar esse estado de coisas, garantido o acesso
( internações voluntárias ou involuntárias ) de todos os envolvidos no problema da droga-
dição aos seus direitos, independentemente da sos e crianças são submetidas sejam um modo
ausência de atuação do Poder Publico. de vida alternativo. Mas certamente para todos
O projeto tem-se mostrado extrema- aqueles que já viveram a experiência de um en-
mente frutífero. Não para aqueles que espera- contro, de uma convergência, de reconhecer sua
vam ruas limpas ou soluções fáceis ou ainda para própria ignorância e o saber alheio, de sentir sua
aqueles que pretendem que as vivências cruéis contribuição e a acolhida do outro. De pequenos
e as explorações a que homens, mulheres, ido- olhares cheios de grandes esperanças.
Perspectivas
“À lei, não tinha
procedido por
embirra, por
ruindade. Mas a
gente quase somente
faz o que a bobagem
do mundo quer.“
Guimarães Rosa
“Uma estória de amor – Festa de Manuelzão”
| Corpo de Baile, 1956.
c a P í t u l o
49
Desafios e perspectivas
para os próximos 15 anos
Marcelo Ribeiro
361
Figura 1: Tipos de moradia, genericamente divididas em reabilitativas e suportivas, oferecidas pelo governo britânico para
usuários de substâncias psicoativas em recuperação. Extraído e adaptado de National Treatment Agency for Substance
Misuse – NHS, 2006 (12).
ço, desde que esse esteja comprometido com 8. Aumentar o repertório de técnicas
a lógica do atendimento baseado preferen- preventivas para o consumo de
cialmente na comunidade, de maneira mul- substâncias psicoativas.
tidisciplinar e preocupado com a inclusão Há uma enorme lacuna no que se re-
dos seus usuários, fazendo parte desse bojo, fere à construção de uma rede comunitária e
não apenas os aspectos socioeconômicos, institucional de prevenção no Brasil. Por ou-
mas igualmente as questões de gênero e de tro lado, inúmeros setores governamentais –
diversidade sexual. especialmente a Secretaria da Educação de
Além disso, grupos de mútua-ajuda, São Paulo – e setores da sociedade organiza-
tais como os grupos de Alcóolicos Anônimos, da, possuem experiências consideradas rele-
Narcóticos Anônimos e Amor Exigente ofere- vantes. Desse modo, fazem-se necessários,
cem uma rede de apoio informal e altamente para a próxima década, investimentos para a
capilarizada ao usuário de drogas e seus fami- criação de uma rede efetiva de prevenção ao
liares, a qual deve ser acessada e integrada ao consumo de drogas, desenvolvendo ou rein-
tratamento formal, sempre que possível. tegrando modelos, de acordo com as neces-
sidades de cada município.
7. Reduzir o estigma em relação
ao tratamento e à recuperação dos 9. Hierarquização da saúde mental.
usuários de substâncias psicoativas. As políticas públicas para saúde men-
O tratamento funciona (9, 10). O mes- tal foram estruturadas e privilegiam a toma-
mo é composto por uma série de medidas es- da de decisão no nível da atenção básica (17).
truturantes, que têm como objetivo não ape- Apesar de considerar que esse é o melhor
nas a abstinência estável, mas o treinamento contexto para o oferecimento de apoio e tra-
de habilidades sociais e a reinserção social dos tamento ao usuário de substâncias psicoativas
usuários da maneira mais ampla e efetiva pos- – assim como acontece com outros pacientes
sível. com necessidades crônicas – a experiência do
Nesse sentido, a visão de que os mo- CRATOD dos últimos anos tem demonstrado
delos de tratamento não ineficazes – restando que a linha de cuidados oferecida aos mesmos
assim para o usuário permanecer nessa con- seria mais equânime se contasse com equi-
dição indefinidamente, apenas reduzindo da- pamentos de maior complexidade dentro dos
nos, até o momento em que queira parar por territórios, capazes de prestar-lhes auxílio em
si só –, no intuito de protegê-lo, acabaram-lhe situações de crise.
por estigmatizá-lo, negando-lhe o direito a Nesse sentido, a ausência de modelos
um tratamento estruturado, de qualidade e voltados para o tratamento – inclusive nos
com dignidade. seus aspectos coercitivos, seja esse em regime
Dessa forma, faz-se necessário, na pró- ambulatorial, seja em regime de internação –
xima década, investir no desenvolvimento de aumenta o risco de o paciente ser negligen-
linhas de cuidado voltadas para o tratamento ciado pelo serviço de atenção primária, uma
dos usuários de substâncias psicoativas dentro vez que nesses casos, conta apenas com os
dos CAPS-AD, bem como valorizar e incenti- prontos-socorros em hospitais gerais, quase
var a recuperação entre os frequentadores dos sempre despreparados para o manejo agudo
serviços de saúde e de assistência social. desses casos ou com a hospitalidade dentro
dos CAPS-AD III, os quais não conseguem mem à retirada da substância psicoativa, mas
dar continência para usuários em situações de sim, à oferta de tratamento de forma diferen-
extrema gravidade – intoxicação com agitação ciada e complexa e idealmente relacionada
psicomotora, quadros psicóticos, tentativas de com atendimento sequencial nos CAPS-AD
suicídio, além de muitas outras. do território do usuário.
O CRATOD tem se posicionado e fun-
cionado dentro da rede como uma espécie de 10. Tomadas de decisão baseadas em
“CAPS-AD IV” (modelo novo a ser pensado), pesquisa e em evidências científicas
pois além de estar aberto para todos os seus produzidas dentro do próprio serviço.
pacientes de CAPS, ininterruptamente, conta A constituição do Núcleo de Pesqui-
com uma equipe médica consistente, capa- sa do CRATOD (NuPE) vem preencher uma
citada e disponível para o manejo dos casos lacuna presente na totalidade dos serviços
mais graves e das situações agudas. O fato de que trabalham com saúde mental: a cons-
possuir um ambiente e uma equipe estrutu- trução de indicadores capazes de nortear
rados para o atendimento desses pacientes, suas ações terapêuticas e assistenciais jun-
cria um ambiente mais acolhedor e propício to aos pacientes. Seria essencial, se na pró-
para a instituição de condutas apropriadas às xima década, as unidades de atendimento
necessidades do usuário naquele momento. pudessem coletar e analisar dados de modo
A internação psiquiátrica breve tam- sistemático, com divulgação dos resultados
bém deveria passar por uma nova discussão, e elaboração de planos de trabalho de ma-
pois as admissões nesses serviços não se resu- neira periódica.
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