ET Vol 7 - 19. Crack, é possível vencer
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VENCER
SUMÁRIO
Após quatro anos em andamento, o Programa precisa ser avaliado para que o trabalho rea-
lizado pelos Ministérios da Justiça, da Saúde, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da
Educação e da Secretaria de Direitos Humanos, percebam, sob a visão dos Municípios brasileiros,
onde houve acertos e falhas, para que no futuro haja a possibilidade de desenvolver um trabalho
efetivo na redução dos índices de consumo de drogas no Brasil, no melhoramento da rede de aten-
ção ao dependente químico e na reinserção social e profissional dessa população estigmatizada.
Lançado em sete de dezembro de 2011, pelo Governo Federal, o Programa Crack, é possível vencer
previa um conjunto de atuações para o enfrentamento ao crack e outras drogas até dezembro de 2014.
Foram anunciadas ações para estruturar redes de atenção de saúde e assistência social para o atendimento
aos usuários de drogas e seus familiares, redução na oferta de crack e outras drogas ilícitas, pela repressão
ao tráfico, crime organizado e pela garantia de condições de segurança e também, ações para fortalecer
vínculos familiares e comunitários, reduzindo fatores de risco para o uso de drogas. O valor destinado foi de
R$ 4 bilhões.
Com a participação dos Ministérios da Justiça, da Saúde, do Desenvolvimento Social e Combate à Fo-
me, da Educação e da Secretaria de Direitos Humanos, o programa está baseado em três pilares: Cuidado,
Autoridade e Prevenção. Dentro desses pilares, em síntese, as ações foram estruturadas da seguinte forma:
Diretrizes
• Serviços diferentes para necessidades distintas;
• Ampliação dos serviços da Rede SUS preparada para o atendimento;
• Reinserção social; e
• Apoio integral aos usuários e familiares;
Ações
• Opções de acolhimento;
• Atendimento especializado para o usuário; e
• Atenção aos usuários nos locais de concentração do uso de crack.
Consultórios de rua:
• Aumento do número de consultórios de rua (308 até 2014), compostos com equipes de
profissionais de Saúde;
• Atendimento de 1,1 milhão de pessoas por ano, com foco na população em situação de
rua;
• Atendimento e encaminhamento para outras unidades de saúde e de assistência social
(CRAS e CREAS); e
• Acompanhamento por equipes de abordagem social na rua.
Enfermarias especializadas:
• Aumento das enfermarias especializadas com 2.460 novos leitos;
• 1.140 de leitos existentes readequados para crack e outras drogas;
• Tratamento hospitalar para casos de abstinência; e
• Internação de curta duração até a estabilidade clínica do paciente.
Comunidades Terapêuticas:
• Habilitação e financiamento de vagas de atendimento de saúde;
• Oferta de 10 mil vagas para atender a demanda.
Formação e Capacitação:
• 350 mil auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde;
• 11 mil profissionais;
• 100 mil alunos de cursos de graduação em saúde;
• 15 mil gestores e profissionais das Comunidades Terapêuticas;
• Incremento de 82% em novas vagas de residência médica em psiquiatria;
• 304 novas vagas em saúde mental para Residência Multiprofissional;
• 1.659 profissionais do CAPS-AD como teleconsultores;
Tem como objetivo a redução da oferta de drogas ilícitas no Brasil, tanto no âmbito nacio-
nal como local.
Diretrizes
• Articulação com as áreas de Saúde e Assistência Social;
• Enfrentamento ao tráfico e ao crime organizado;
• Parcerias com estados e Municípios para a promoção de espaços urbanos seguros;
• Fortalecimento das ações de inteligência e investigação;
• Interação nas cracolândias em parceria com a saúde e assistência social; e
• Enfrentamento ao tráfico de drogas e ao crime organizado.
Intervenção em Cracolândias:
• Orientação de usuários para serviços de acolhimento e tratamento;
• Policiamento ostensivo por meio de: bases móveis com videomonitoramento, câmeras de
videomonitoramento fixo, centrais de videomonitoramento, ações de capacitação de poli-
ciais para atuação ostensiva, articulação com estados e Municípios para revitalização de
espaços públicos e convivência comunitária; e
• Ações integradas de inteligência entre Polícia Federal e polícias estaduais para identifi-
cação e prisão de traficantes.
Adequação da Legislação:
• Aceleração no processo de queima de drogas apreendidas; e
• Implantação Nacional de informações de Segurança Pública, prisionais e sobre drogas
(Sinesp).
Visa reduzir fatores de risco e fortalecer fatores de proteção para a não utilização de drogas.
Diretrizes
• Prevenção nas escolas;
• Capacitação de profissionais das redes de saúde, segurança pública, educação, assis-
tência social, justiça, operadores do direito, lideranças religiosas e comunitárias;
• Disseminação contínua de informações e orientações sobre crack e outras drogas
Oficialmente o Observatório do crack foi lançado em maio de 2011 com objetivos de ofe-
recer informações aos gestores(as) municipais e à sociedade civil sobre como está organizado o
poder público para o enfrentamento ao crack e outras drogas, qual a participação da União, dos
Estados e dos Municípios no auxílio às vítimas dessa catástrofe social e de que forma a rede de
atenção aos usuários de drogas está estruturada no Brasil.
Com aceitação muito elevada por parte dos Municípios, foi implantada uma maneira práti-
ca, rápida e segura de desenvolvimento de pesquisa, onde os gestores(as) municipais passaram
a receber um login e uma senha de acesso ao questionário que é on-line. Com isso após o respon-
sável responder as questões, algumas informações selecionadas previamente pela equipe técnica
da CNM, são lançadas no portal praticamente em tempo real o que possibilita o desenvolvimentos
de estudos anuais sobre a temática.
Desde 2010 são coletados dados sobre o consumo e circulação de crack e outras drogas
no Brasil, e a cada pesquisa realizada a situação torna-se mais preocupante. Datado de 2012, o úl-
timo estudo obteve informações que o consumo de crack e outras drogas é um problema que atin-
ge 94% dos Munícipios pesquisados e que as áreas mais afetadas são a saúde, assistência social,
segurança e educação, respectivamente.
Ao decorrer dos anos percebemos que o uso de crack se alastrou por todas as camadas
da sociedade. A droga, que a princípio era consumida por pessoas de baixa renda, disseminou-se
por todas as classes sociais, sem distinção de credo, raça, cor ou religião. É visível que a maior
destruição concentra-se nas áreas de baixa renda, pois nesses lugares a desigualdade social é
gritante.
Mais uma vez fica constatado, corroborando resultados de pesquisas anteriores realizadas
pela Confederação Nacional de Municípios, que os Municípios brasileiros estão sendo os únicos a
enfrentar de forma direta o problema com o consumo e tráfico de crack e outras drogas.
Antes mesmo de analisar o Programa em si, é válido destacar que apesar de admitir que con-
sidera a droga um problema grave no Brasil, o governo reconheceu, no momento de seu lançamento,
que não sabia o perfil dos usuários, onde eles estavam e nem qual era a melhor forma de tratá-los. O
alicerce do investimento e a estruturação do mesmo foi feito com embasamento em uma pesquisa en-
comendada pela Presidência da República à Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, em maio de 2010, ao
custo aproximado de R$ 7 milhões e que só ficou pronta em setembro de 2013.
A problemática com a questão das drogas no Brasil levou o governo federal a lançar, en-
tão em 2010, o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, que recebeu duras
críticas em relação à insuficiência do orçamento destinado: somente R$ 410 milhões que seriam
repassados para os 26 estados e Distrito Federal. Para minimizar essas críticas, em dezembro de
2011, houve o lançamento do programa “Crack, É Possível Vencer”, que foi uma ampliação e inova-
ção do Plano Integrado. Agora com um investimento de R$ 4 bilhões a serem executados até 2014.
Vale ressaltar que não há menção sobre as equipes que irão compor o quadro de pessoal
destas unidades, ficando subentendido que serão custeadas com recursos próprios dos Municí-
pios, e dada à complexidade da demanda se faz necessária uma equipe multiprofissional, o que
acarreta em mais investimento por parte municipal.
Outro ponto criticado, agora por profissionais da área da Psicologia, foi a inclusão das Co-
munidades Terapêuticas como dispositivos do Sistema Único de Saúde, pois existiu a preocupa-
ção de que isso pudesse constituir o retorno do sistema manicomial. Esta lógica mostra-se contrá-
ria à do Sistema Único de Saúde – SUS, que defende a redução de danos e a integração social,
tendo em vista a co-responsabilização do usuário no seu tratamento.
Ao analisar a execução do Programa, verificou-se que a dotação inicial, ou seja, o valor pre-
visto, foi menor do que o valor anunciado. De acordo com números oficiais, que são correntes, pois
não está sendo considerada a inflação do período, o Governo Federal dotou R$3,5 bilhões e efeti-
vamente pagou 53,5% desse valor.
O primeiro ano após o lançamento do Programa teve o menor gasto do período, com apenas
5,4% da execução do valor da dotação atualizada. Já em 2013 a execução passou a ser de 52%
da dotação. Para finalizar, o ano de 2014 foi o melhor em despesas pagas, com resultado de 62%.
Se compararmos o quanto cada ente executou da dotação inicial, pode-se verificar que os
Municípios executaram mais de 79% do valor inicial, mais do que a média executada pelos entes
que foi de 53,5%. Os governos estaduais executaram mais de 58%, seguidos pelas instituições
sem fins lucrativos. O governo federal ficou em quarto, com apenas 24,9% das execuções. Isto de-
monstra que os Municípios são mais eficientes na execução do Programa, se comparados aos de-
mais entes.
O órgão que mais recebeu dotação e consecutivamente teve a maior execução foi o Minis-
tério da Saúde. Foram pagos mais de R$ 1,5 bilhão no período.
Com a ação de “Atenção à saúde da população para procedimentos em média e alta com-
plexidade” foram gastos mais de R$ 1,3 bilhão. Esta ação, entretanto, não é descrita em porme-
nores, o que implica salientar que não sabemos exatamente o que foi realizado. Como uma ação
macro ela pode englobar diversos tipos de atuação, mas como isto não é explicitado na execução
orçamentária torna-se impossível mensurar onde e quanto foi aplicado especificamente.
Para analisar melhor a execução, as ações foram classificadas pelos Eixos do Programa.
Cabe ressaltar que esta classificação foi realizada pela CNM em posse dos dados, e como algu-
mas ações são genéricas a instituição optou por agregar por semelhança de atividade descrita:
Ao analisar a tabela acima verifica-se que no Eixo Cuidado houve uma execução de 75,5%,
ou seja, dos R$ 2 bilhões previstos foram pagos R$ 1,5 bilhão. Já os Eixos Autoridade e Prevenção
tiveram apenas 25,4% e 19% respectivamente de execução.
Essa execução, com valores bem abaixo do que foi anunciado, impossibilita o aumento da
oferta de serviços de tratamento e atenção aos usuários de crack, o enfrentamento do tráfico de
drogas ilícitas e também as ações de prevenção previstas.
A última avaliação, feita com informações oriundas da Central Brasileira de Notícias – CBN,
que teve acesso aos dados do Ministério da Casa Civil, permitiu observar que a maioria das metas
lançadas em 2011 não foi cumprida.
Dos 308 Consultórios na Rua que seriam disponibilizados com equipes de profissionais de
saúde, apenas 123 estão em funcionamento, ou seja 40%. Deste modo, a população em situação
de rua, que seria a principal beneficiária, continua sem estratégias suficientes para auxiliar em suas
necessidades básicas.
Dos 3.600 leitos que seriam ofertados em Enfermarias Especializadas para tratamento hos-
pitalar de abstinências e intoxicações graves, bem como internação de curta duração, somente
800 foram efetivados o que corresponde a 22%. Este serviço, de suma importância, que atua como
retaguarda para Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e encaminha os usuários de drogas para
tratamento foi mais uma meta não alcançada, demonstrando a fragilidade na implementação de
uma rede adequada.
Já com relação as Comunidades Terapêuticas foram anunciadas 10 mil vagas. Essas são
instituições abertas, de adesão exclusivamente voluntária e voltadas a pessoas que buscam auxí-
lio para recuperação da dependência à droga. Prontas para receber esse público estão 75% de-
las, ou seja 7.501.
Para capacitar profissionais nas áreas de psiquiatria, qualificando dessa forma o serviço,
150 vagas iniciais foram divulgadas e 169 foram ofertadas, gerando um saldo positivo de 10% a
mais. Ainda citando a qualificação, 304 vagas para graduar multiprofissionais em Saúde Mental de-
veriam existir, mas somente 69% foram oferecidas.
Para capacitações que trabalham com a questão da Saúde Mental foram ofertadas 462.659
vagas com o objetivo de atualizar os trabalhadores no campo da atenção as situações de crise,
destas 74% foram efetivadas, ou seja, 340.227.
Para tratar a questão da prevenção o Programa previa capacitações por meio da Educação
à distância. Das 483 mil vagas a serem disponibilizadas, 90% foram concedidas.
Para contemplar a questão da segurança pública havia a previsão de 12.240 vagas para ca-
pacitação de policiais no enfrentamento ao tráfico de drogas e ao crime organizado. Destas ape-
nas 46% foram devidamente ofertadas, o que deixa a qualificação destes profissionais aquém do
necessário.
A última ação prevista nesta análise diz respeito a ampliação do Ligue 132, um serviço de
orientação, informação e aconselhamento sobre drogas, disponível 24 horas, todos os dias da se-
mana. Esta atividade teve 50% de sua meta concluída.
Essas informações nos permitem indagar que se existem Municípios que pactuaram e não
receberam possivelmente ocorre o contrário, ou seja, Municípios que não pactuaram e receberam
recurso. Entretanto, os Ministérios responsáveis pelo Programa não souberam informar o porquê a
primeira situação existe e também se a segunda é possível. As referências são desencontradas e
confusas.
A Confederação Nacional de Municípios deseja fazer uma crítica construtiva com relação ao
Programa, e não o contrário. A instituição reconhece o esforço na elaboração de políticas públicas
de enfrentamento às drogas, no entanto, os indicadores sociais, socioeconômicos, de segurança
pública, dentre outros, apontam um enorme desafio a ser enfrentado para que os resultados sejam
satisfatórios.
O primeiro ponto a ser levantado é em relação a própria criação do Programa. Não houve
uma participação ativa de gestores municipais nessa etapa tão fundamental para o êxito da ques-
tão. Nós entendemos que sem a participação dos Municípios, que é onde o problema aparece de
forma real e cotidiana, não há possibilidade verdadeira de sucesso de nenhum plano, programa
ou ação. Essa política verticalizada que o governo desenvolve dificulta e muito, principalmente pa-
ra os Municípios de pequeno e médio porte (que são maioria no Brasil), a terem acesso a qualquer
que seja a forma de financiamento.
Falando da execução orçamentária em si, o valor anunciado quando lançado o Programa foi de
R$ 4 bilhões, entretanto, o valor realmente previsto foi de R$3,5 bilhões, ou seja, 12,5% a menos do que
a prometido e deste último número foram executados somente 53,5%. Essas rubricas não permitiram
Os números permitem dizer que ainda há muito a ser implementado e melhorado para que
os usuários de drogas, seus familiares e a sociedade em geral tenham acesso à serviços básicos
como saúde, educação e segurança etc.
Das 18 metas propostas inicialmente pelo Programa Crack, é possível vencer somente 3
atingiram o previsto. Analisando apenas os equipamentos e serviços que seriam ofertados para
que a população tivesse acesso à redução de danos, tratamento, acompanhamento, atenção in-
tegral e continuada, os números são preocupantes, pois apenas 41% dos objetivos foram cumpri-
dos. Isto é um complicador, pois com informações obtidas nas pesquisas realizadas desde 2010
pelo Observatório do crack, um dos maiores problemas é o dependente químico ter acesso a es-
sas questões citadas acima.
Existente no Brasil há anos, a população usuária de crack foi tratada com truculência e ne-
gligência. Primeiramente uma droga utilizada pelas classes menos favorecidas, o tema era visto
como destinado unicamente à questão da segurança pública e os usuários eram encarcerados co-
mo criminosos. Foram muitos anos em que o Governo esteve com o foco errado.
Por último, mas não menos importante, colocamos a demora de mais de 20 anos para que
alguma iniciativa partisse do Governo Federal, ao menos para reconhecer que o problema existia
e estava sendo enfrentando sozinho, na linha de frente, pelos Municípios.