Dificuldades No Cuidado em Saude para As Pessoas Q

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Ciência & Saúde Coletiva

cienciaesaudecoletiva.com.br DOI: 10.1590/1413-81232024293.17712022


ISSN 1413-8123. v.29, n.3

Dificuldades no cuidado em saúde para as pessoas que fazem 1

uso problemático de drogas: uma revisão integrativa

ARTIGOS DE REVISÃO ARTICLES REVIEWS


Healthcare difficulties among people who have a drug use problem:
an integrative review

Silvana Proença Marchetti (https://orcid.org/0000-0001-8169-7636) 1


Heloisa França Badagnan (https://orcid.org/0000-0001-9087-7671) 2
Leila Dumaressq (https://orcid.org/0000-0002-9314-2918) 3
Luís Fernando Farah de Tófoli (https://orcid.org/0000-0003-2262-8272) 4
Nicola de Campos Worcman (https://orcid.org/0000-0003-2595-919X) 5

Abstract The scope of this study was to unders- Resumo O estudo teve como objetivo conhecer
tand the difficulties involving healthcare for pe- as dificuldades para o cuidado em saúde de pesso-
ople with a drug use problem within the context as que fazem uso problemático de drogas, dentro
of specialized mental health services, both natio- do contexto dos serviços especializados em saúde
nally and internationally. It involves an integra- mental nacionais e internacionais. Trata-se de
tive review conducted in the PubMed, LILACS, uma revisão integrativa realizada nas bases de
Web of Science, SCOPUS, and EMBASE data- dados PubMed, LILACS, Web of Science, Scopus
bases, with the following key words: Drug Users; e Embase, com os descritores: usuários de drogas;
Mental Health Services; Health Care. Eighteen serviços de saúde mental; cuidado em saúde. Fo-
studies were selected, the inclusion criteria being ram selecionados 18 estudos, sendo os critérios
primary studies, available in full, published in de inclusão: estudos primários, disponíveis na
English, Spanish and Portuguese, between Janu- íntegra, publicados nos idiomas inglês, espanhol
ary 2016 and January 2021. The inclusion criteria e português, no período de janeiro de 2016 a ja-
1
Escola de Enfermagem were primary studies, available in full, published neiro de 2021. A partir da análise, identificou-se
de Ribeirão Preto,
in English, Spanish and Portuguese, during the que as dificuldades para o cuidado de saúde de
Universidade de São Paulo.
R. Prof. Hélio Lourenço period from January 2016 through January 2021. pessoas que fazem uso problemático de drogas es-
3900, Vila Monte Alegre. The analysis identified that the difficulties in he- tão ligadas às dimensões das políticas públicas em
14040-902 Ribeirão
althcare for people with a drug use problem are saúde, aos modelos de cuidados adotados e aos
Preto SP Brasil.
marchetti@gmail.com linked to the dimensions of public health policies, atores envolvidos, e que tais pontos se relacionam.
2
Centro Universitário models of care adopted, and the stakeholders in- Ressalta-se, ainda, a necessidade de formação es-
Serra dos Órgãos – Unifeso.
volved, and that these aspects are interrelated. It pecífica, bem como a condução de novas pesqui-
Teresópolis RJ Brasil.
3
Departamento de Saúde also emphasizes the need for specialized training, sas que abordem, com profundidade, a terapêuti-
Coletiva, Universidade as well as further in-depth research that addresses ca do uso problemático de drogas e a produção de
Estadual de Campinas.
the therapeutics of the drug use problem, and the novas tecnologias de cuidado em saúde para essa
Campinas SP Brasil.
4
Departamento de development of new healthcare technologies for população.
Psicologia Médica e this population group. Palavras-chave Usuários de drogas, Serviços de
Psiquiatria, Universidade
Key words Drug users, Mental health services, saúde mental, Cuidado em saúde
Estadual de Campinas.
Campina SP Brasil. Health care
5
Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade
Estadual de Campinas.
Campinas SP Brasil.
Cien Saude Colet 2024; 29:e17712022
2
Marchetti SP et al.

Introdução tanto, é crucial manter em mente as limitações


das categorias diagnósticas, razão pela qual op-
O uso problemático de substâncias psicoativas tamos por seguir o modelo da UNDCP e adotar
(SPA) é uma questão candente e atual tanto no o conceito intencionalmente mais amplo de “uso
Brasil quanto no mundo1,2. O uso problemáti- problemático”.
co engloba o uso de substâncias psicoativas que No Brasil, as políticas públicas em saúde
compreenda prejuízo pessoal, social e ou sani- voltadas ao cuidado das pessoas que fazem uso
tário relacionado ao padrão de consumo dessas problemático de drogas se iniciaram, de forma
substâncias3. O Programa de Controle de Drogas estruturada, em 2002. Foi a partir do arcabouço
da ONU (UNDCP) define o uso problemático da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica
de drogas com base em fatores como: demanda que emergiu a possibilidade dessas novas políti-
por tratamento, visitas a serviços de emergência, cas de cuidado para usuários de drogas se con-
morbidade relacionada a drogas, mortalidade solidarem. Ou seja, a implementação do cuidado
e questões sociais4. Essa definição compartilha baseado nas diretrizes do SUS e nos princípios da
alguns elementos com as classificações interna- Reforma Psiquiátrica – portanto de ordem terri-
cionais (CID-10 e o DSM-5) de transtornos por torial, comunitária, equânime, integral, e antima-
uso de substâncias psicoativas (TUSPA). No en- nicomial – é recente7.
tanto, o uso problemático de drogas é definido Apesar dos importantes avanços nos últimos
de forma menos específica do que termos como 20 anos, ainda vivemos complexas questões rela-
“dependência de drogas” e “abuso de drogas” ou cionadas a esse cuidado. De forma geral, o uso de
“uso prejudicial” em relação à gravidade e dura- drogas em nossa sociedade envolve aspectos não
ção dos sintomas. Embora a definição do UND- apenas de saúde e assistência social, mas de justi-
CP enfrente críticas por suas operacionalizações, ça e segurança. Essas instâncias têm grande influ-
consideradas vagas, o uso de critérios mais rigo- ência no que existe, hoje, nas práticas de cuidado.
rosos é desafiador devido à falta de dados epide- Quando nos referimos aos paradigmas de
miológicos globais5. cuidado para essa população, nos confrontamos
Estima-se que, no mundo, há 275 milhões de com princípios diferentes e, na maioria das vezes,
pessoas que já usaram drogas, o que correspon- antagônicos no Brasil: a redução de danos (RD)
de à prevalência global de 5,5%. Ainda, 36,6 mi- e a abstinência exclusiva. A primeira considera a
lhões de pessoas, 13% do número total de pesso- possibilidade de fazer uso da droga, conhecendo
as que usam drogas no mundo, têm diagnóstico os riscos à sua saúde para minimizá-los ou evitá
de TUSPA, que se trata de um dos marcadores -los. Ela se baseia no estímulo ao uso consciente
de uso problemático. Além disso, projeta-se que e responsável, além de ser uma alternativa menos
esses valores aumentem nos próximos dez anos¹. exigente ao difícil processo de interrupção ime-
A dependência é outra categoria incluída no uso diata do uso da substância. Vale lembrar que, no
problemático. No Brasil, a dependência de álco- paradigma da redução de danos, considera-se a
ol atinge 2,3 milhões de brasileiros entre 12 e 65 abstinência como um recurso possível, porém
anos. Em relação a outras substâncias, estima-se não se trata de uma condição necessária para o
que 1,2 milhão de indivíduos nessa faixa etária cuidado8,9.
apresentem alguma dependência de substâncias Já o paradigma da abstinência exclusiva se
psicoativas, exceto álcool e tabaco, representando sustenta no ideal da eliminação do uso de drogas
cerca de 13,6% daqueles que consumiram alguma como objetivo final. No que se refere ao cuida-
substância psicoativa no ano anterior à pesquisa6. do, entende-se que o uso de substâncias deve ser
Vale reiterar, porém, que as diversas catego- abandonado. Por isso, a abstinência como obje-
rias usadas para se definir o uso problemático de tivo final pode ser considerada uma estratégia
drogas enfrentam desafios significativos em ter- de cuidado de alta exigência, na qual a pessoa só
mos de consistência e abrangência. As definições tem possibilidade para ser cuidada se houver a
e critérios variam entre os sistemas de classifica- interrupção do uso de drogas8,9.
ção, o que pode resultar em dificuldades na iden- Esses paradigmas foram construídos dentro
tificação e tratamento de indivíduos afetados. de contextos culturais e históricos diferentes em
Além disso, a falta de dados epidemiológicos glo- todo o mundo. A droga sempre existiu, faz parte
bais e a variabilidade nas manifestações culturais da história da humanidade, e poderia ser inclu-
e sociais do uso problemático de drogas podem ída entre as necessidades humanas10. Por isso,
limitar a eficácia dos diagnósticos e a comparabi- quando destacamos os paradigmas associados ao
lidade dos estudos em diferentes contextos. Por- cuidado dessas populações, colocamos em análi-
3

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se não apenas as práticas do cuidado, mas a com- nam com o paradigma de abstinência exclusiva,
preensão das necessidades humanas e a própria com modelos de cuidado que se fundamentam na
concepção sobre droga. patologização do uso de drogas e com a medicali-
No Brasil vemos, hoje, que não há uniformi- zação como pilar do cuidado desses usuários15,16.
dade desses paradigmas de cuidado. As políti- Porém, o que de fato as literaturas nacionais
cas em saúde mental específicas para atenção às e internacionais apontam como dificuldades no
pessoas que fazem uso problemático de drogas, cuidado em saúde para as pessoas que fazem uso
como as portarias nº 336/GM/MS e nº 816/GM/ problemático de drogas? Esses dissensos encon-
MS, de 20027,11, instituem o modelo psicossocial trados nas políticas públicas brasileiras e estran-
a partir do paradigma de redução de danos. Se- geiras seriam fatores dificultadores do cuidado?
gundo Costa-Rosa12, o modelo psicossocial diz Há dissensos em outras instâncias sociais?
respeito a cuidados que legitimam os sujeitos de Dessa forma, conhecer o que se aponta sobre
sofrimento como cidadãos e, em sua complexi- as dificuldades no cuidado em saúde das pessoas
dade social, detentores de uma história própria que fazem uso problemático de drogas corres-
e uma subjetividade singular, perspectivas que ponde a uma estratégia para se repensar esse cui-
se contrapõem aos modelos hospitalocêntricos e dado e identificar para quais instâncias devemos
médico-centrados. Já o recente decreto nº 9.761, apontar nossos estudos sobre o cuidado dessa
de 11 de abril de 2019, torna pública uma nova população. Assim, espera-se encontrar um olhar
Política Nacional sobre Drogas (Pnad) que prio- com menos atravessadores morais e de mais den-
riza o cuidado dentro do paradigma da absti- sidade científica. Para isso, este estudo tem como
nência exclusiva, e porosa ao modelo de cuidado objetivo conhecer as dificuldades para o cuidado
psicossocial13. em saúde de pessoas que fazem uso problemático
Nota-se que desde 2016 não há implementa- de drogas nas literaturas científicas nacionais e
ção de novas políticas brasileiras que invistam nos internacionais, e dentro do contexto dos serviços
equipamentos de saúde e de saúde mental para o de saúde.
cuidado no território, de base comunitária e em
rede. O que se observa é um forte investimento fi-
nanceiro nas comunidades terapêuticas (CT), que Métodos
são instituições não governamentais organizadas
em residências coletivas para a permanência de Este estudo é uma revisão integrativa, que preten-
pessoas que fazem uso problemático de drogas. de agregar os resultados de achados em pesquisas
Segundo o Relatório de Inspeção Nacional de Co- publicadas, de forma a apresentar seus resultados
munidades Terapêuticas de 2008, elas se utilizam a partir de uma questão de pesquisa. Uma revi-
do paradigma de abstinência exclusiva, a partir de são permite que haja a incorporação de pesquisas
um modelo de cuidado asilar e, não raro, dentro com delineamentos diferentes, para assim definir
de uma lógica mercadológica. Isso as torna um conceitos, examinar teorias, revisar evidências e
equipamento distante do modelo de cuidado psi- analisar conceitos metodológicos de determinado
cossocial e dos princípios do SUS14. tema, de modo a aprofundar o assunto estudado.
Esses são alguns dissensos centenários no Também é possível, por meio desse método, o le-
Brasil sobre o tema de drogas e seu cuidado em vantamento de dados teóricos e práticos de ma-
saúde. No mundo, as drogas legais e as ilegais mo- neira sistemática e ampliada17,18.
vimentam bilhões de dólares, e envolvem pessoas Esta revisão adota, portanto, a seguinte per-
não apenas pelo consumo, mas pela produção, gunta de pesquisa: “Quais são as dificuldades no
distribuição e comércio. São encontradas em to- cuidado em saúde de pessoas que fazem uso de
dos os lugares do globo, dos espaços mais privi- drogas, no contexto dos serviços de saúde?”19.
legiados aos mais marginalizados. Isso significa Embora essas dificuldades se insiram dentro do
que o cuidado em saúde para as pessoas que usam grupo maior de dificuldades que atingem usu-
drogas é de interesse universal. E de acordo com ários e serviços em saúde em geral, por motivo
o contexto social, político, histórico e cultural, há de espaço, nesta revisão o escopo se centrou de
uma diversidade de estratégias em disputa15,16. forma específica no uso problemático de substân-
A ideia de proibir as drogas por meio da erra- cias.
dicação completa de seu uso, produção, distribui- As buscas foram realizadas nas bases de da-
ção e comércio é denominada, no campo das dro- dos MEDLINE (via portal PubMed da National
gas, como abordagem proibicionista. No campo Library of Medicine), LILACS (Literatura Latino
do cuidado, as propostas proibicionistas coadu- -Americana e do Caribe em Ciências da Saúde),
4
Marchetti SP et al.

Embase, Scopus e Web of Science. Fez-se o uso informação dos resultados entre eles. A avaliação
dos seguintes descritores controlados “drug users dos artigos quantitativos e qualitativos não apre-
/usuários de drogas”, “mental health/saúde men- sentou discordância entre os pares e, consequen-
tal”, bem como o descritor não controlado “he- temente, não houve a necessidade de um terceiro
alth care/cuidado em saúde”. Os descritores con- avaliador.
trolados das bases de dados foram estabelecidos Para análise dos artigos selecionados foi utili-
em consonância com o Medical Subject Heading zado o método de análise de conteúdo, na moda-
(MeSH) e os Descritores em Ciências da Saúde lidade temática, abordagem qualitativa proposta
(DeCS). Vale lembrar ainda que foi utilizado o por Minayo22. Segundo a autora, essa análise per-
booleano “AND” para combinar os descritores mite o conhecimento dos núcleos de sentidos no
entre eles. texto, e sua presença ou frequência geram signi-
Os critérios de inclusão foram artigos com ficados. Dessa forma, por meio da leitura exaus-
dados primários, disponíveis na íntegra, publica- tiva dos artigos, pudemos encontrar os sentidos
dos nos idiomas inglês, espanhol e português, no fundantes que deram origem aos temas, que mais
período de janeiro de 2016 a janeiro de 2021. A à frente serão analisados dentro do contexto his-
escolha desse período se deu a partir da justifica- tórico e sociocultural em que esse trabalho foi
tiva de que são os artigos mais atualizados sobre produzido22.
o tema. Também foram incluídos estudos com Segundo a mesma autora, há três fases para
diferentes metodologias e delineamentos de pes- o desenvolvimento da análise: pré-análise, ex-
quisa. Revisões, teses, dissertações, editoriais, ar- ploração do material e tratamento dos dados.
tigos duplicados e estudos que não responderam A primeira consiste na escolha dos documen-
às questões de pesquisa foram excluídos. Foi de- tos, orientada pelo objetivo do estudo, e assim a
lineado um instrumento de coleta de dados, uti- criação de indicadores que conferem unidade ao
lizando de forma adaptada as categorias título do contexto. A segunda etapa é o momento em que
artigo, autor, categoria e principais contribuições, os dados brutos são depurados em núcleos de
seguindo o modelo proposto por Ursi e Galvão20. sentidos, que mais tarde darão origem aos temas
Foram encontrados, no total, 56 artigos. Após para análise. Já a terceira e última etapa consiste
a aplicação dos critérios de exclusão (nove eram no tratamento desses temas analisados no con-
artigos com dados secundários; dois eram teses texto e na profundidade dos referenciais teóricos
e/ou dissertações; 21 foram artigos duplicados; utilizados.
um não estava disponível), totalizando 23 artigos.
Estes foram lidos na íntegra, e cinco foram exclu-
ídos por não responderem à questão de pesquisa. Resultados e discussão
Dessa forma, a amostra final foi de 18 artigos.
Após a seleção dos artigos, foi analisada a qua- Os 18 artigos encontrados estão dispostos na
lidade dos estudos, com a avaliação metodológi- Quadro 1, informando título do estudo, autoria,
ca dos estudos qualitativos (16 artigos) com base ano de publicação, país, metodologia utilizada
nos itens do instrumento Critical Appraisal Skills (qualitativa ou quantitativa) e o tipo de serviço
Programme (CASP), que permite a classificação ou programa de saúde. Vale lembrar que as difi-
dos artigos em: categoria A, que representa uma culdades no cuidado em saúde das pessoas que
boa qualidade metodológica – com escores entre fazem uso problemático de drogas foram consi-
seis e dez pontos; e categoria B, que representa deradas na leitura dos artigos a partir dos dados
artigos com qualidade metodológica satisfatória, primários apresentados nos trabalhos. Ou seja,
porém com risco de viés aumentado – com esco- os dados coletados foram retirados dos resulta-
res de pontuação abaixo de seis. dos dos estudos e, portanto, não foram analisa-
Para a avaliação da qualidade metodológica das as hipóteses originais dos manuscritos, mas
dos artigos quantitativos (dois artigos) foi utiliza- apenas os resultados primários, interpretados e
do o instrumento de Downs e Black21, que pos- compreendidos dentro do escopo desta revisão.
sibilita a verificação da validade e confiabilidade Do total de 18 artigos, 12 tratam do contexto
de estudos randomizados e não-randomizados, e brasileiro (nacionais) e seis foram realizados em
que, ainda, permite uma pontuação da qualida- outros países (internacionais). Após a leitura dos
de (por meio da validade interna e externa) dos artigos, os resultados foram organizados a partir
artigos. das dificuldades apontadas, de forma direta ou
Essas análises foram realizadas por dois ava- indireta, para o cuidado. As dificuldades foram
liadores e sem que houvesse qualquer troca de identificadas e organizadas em eixos temáticos.
5

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Quadro 1. Artigos selecionados para revisão.
Tipo de serviço ou
Título do estudo Autores Ano País Metodologia
contexto estudado
Desarticulação da Carvalho MFAA, 2017 Brasil Qualitativa Centro de Atenção
rede psicossocial Coelho EAC, Psicossocial Álcool
comprometendo a Oliveira JF, Araújo e outras Drogas
integralidade do cuidado RT, Barros AR (CAPS ad)
Making the case for syringe Adams JM 2020 EUA Qualitativo Programa de
services programs Serviços de Seringas
na Comunidade
(SSPs)
Percepção de profissionais Salles DB, Silva 2017 Brasil Qualitativo Centro de Atenção
da área de saúde mental ML Psicossocial Álcool
sobre o acolhimento ao e outras Drogas
usuário de substância (CAPS ad)
psicoativa em CAPSad
The construction of Conejo SP, Lisboa 2016 Brasil Qualitativa Projetos específicos
autonomy for professionals VCA, Caldeira na região de
who work with drug ARO, Garcia MRV Sorocaba- SP.
users: An analysis of two
intervention projects in the
largest asylum centre in Brazil
Acolhimento e cuidado à Carvalho MFAA, 2019 Brasil Qualitativa Centro de Atenção
pessoa em uso problemático Coelho EAC, Psicossocial Álcool
de drogas Oliveira JF, Freire e outras Drogas
AKS, Barros AR, (CAPS ad).
Luz RT
Association between mental Côté P et al. 2019 Canadá Quantitativa Montreal –
health service utilisation and Programa para
sharing of injection material PWID (people who
among people who inject inject drugs).
drugs in Montreal, Canada
Access to and use of Dengo-Baloi L 2020 Moçambique Qualitativa Moçambique
health and social services et al. – Programa para
among people who inject PWID
drugs in two urban areas
of Mozambique, 2014:
qualitative results from a
formative assessment
Perceived unmet need and E Hyshka et al. 2016 Canadá Quantitativa Pessoas em situação
barriers to care amongst de rua
street-involved people
Barreiras de acesso à saúde Friedrich MA, 2019 Brasil Qualitativa Consultório na rua
pelos usuários de drogas do Wetzel C, Camatta
consultório na rua MW, Olschowsky
A, Schneider JF,
Pinho LB et al.
continua

Dessa forma, os três grandes eixos que se torna- Políticas públicas


ram os temas desta análise e discussão foram po-
líticas públicas; modelos de cuidado; e atores. O eixo políticas públicas compõe o primeiro
eixo de análise do trabalho. As políticas públicas
são fundamentais na análise sobre as dificuldades
do cuidado, pois dizem respeito às tomadas de
6
Marchetti SP et al.

Quadro 1. Artigos selecionados para revisão.


Tipo de serviço ou
Título do estudo Autores Ano País Metodologia
contexto estudado
Objeto e tecnologias do Eslabão AD, Pinho 2017 Brasil Qualitativa Equipe Itinerante de
processo de trabalho de LB, Coimbra VCC, Saúde Mental
uma equipe itinerante em Lima MADS,
saúde mental Camatta MV,
Santos EO
Harm Reduction and Lago RR et al. 2017 Brasil Qualitativa Centro de Atenção
Tensions in Trust and Psicossocial Álcool
Distrust in a Mental Health e outras Drogas
Service: A Qualitative (CAPS ad)
Approach
O que pessoas que usam Machado AR, 2020 Brasil Qualitativo Centro de Atenção
drogas buscam em serviços Modena CM, Luz Psicossocial Álcool
de saúde? Compreensões ZMP e outras Drogas
para além da abstinência (CAPS ad)
Adesão ao tratamento Malvezzi CD, 2016 Brasil Qualitativa Centro de Atenção
pela equipe de um serviço Gerhardinger, HC, Psicossocial Álcool
de saúde mental: estudo Santos LFP, Toledo e outras Drogas
exploratório VP, Garcia APRF (CAPS ad)

Perceived need, barriers to Nguyen MX et al. 2019 Vietnã Qualitativa Clínicas com
and facilitators of mental atendimento
health care among HIV- médico a pessoas
infected PWID in Hanoi, HIV-infectadas que
Vietnam: a qualitative study. injetam drogas
Análise da articulação da Pinho LB, Silva 2017 Brasil Qualitativa Rede de Serviços
rede para o cuidado ao AB, Siniak DS, em Saúde Mental
usuário de crack Folador B, Araújo para Atendimento a
LB Usuários de Crack
(ViaREDE)
O papel da atenção básica Pinho LB, Siniak 2017 Brasil Qualitativa Serviços e
no cuidado ao usuário de DS Instituições do
crack: opinião de usuários, município de
trabalhadores gestores do Viamão- RS
sistema.
Experiências de Jorge MSB, Lima 2017 Brasil Qualitativa Centro de Atenção
adolescentes em uso de LL, Bezerra IC Psicossocial Álcool
crack e seus familiares com e outras Drogas
a atenção psicossocial e (CAPS ad), Centro
institucionalização de Atenção
Psicossocial Infantil
(CAPS i)
An Exploration of the Lago RR, Bógus 2020 Brasil Qualitativa Centro de Atenção
relational autonomy of CM, Peter E. Psicossocial Álcool
people with substance use e outras Drogas
disorders: constraints and (CAPS ad)
limitations
Fonte: Autores.

decisão de saúde, assistência social, segurança e O próprio termo política públicas foi citado
justiça, no Brasil e em outros países. Esse tema como o principal obstáculo ao cuidado das pes-
ainda abarca a regulação da produção, comercia- soas que fazem uso problemático de drogas em
lização, consumo e criminalização das drogas e sete artigos diferentes, sendo quatro brasileiros
sua interferência no cuidado. e três estrangeiros, o que aponta uma possível
7

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homogeneidade em relação a esta ser uma difi- cratização nos atendimentos e nos acolhimentos
culdade compartilhada por diversos países. No oferecidos, além da rigidez da dinâmica de enca-
entanto, os artigos estrangeiros têm como enfo- minhamentos e da acessibilidade limitada. Os ar-
que as questões relacionadas à acessibilidade dos tigos que mencionam entraves na acessibilidade
usuários aos serviços de saúde destinados à aten- são, majoritariamente, estrangeiros. Eles dizem
ção aos problemas decorrentes do uso de drogas. respeito à falta de recursos nas instalações des-
Já os artigos nacionais mencionam críticas sobre ses serviços; ao acesso limitado a bens materiais
a própria Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e como telefones, computadores e internet; e à falta
ao SUS como um dos principais entraves ao cui- de informações das pessoas sobre os serviços dis-
dado dessa população. poníveis para esse cuidado.
As redes que compõem o SUS, como a Rede Entende-se por burocratização, a partir da
de Atenção à Saúde (RAS) e a RAPS, são deno- análise dos artigos, os entraves encontrados em
minações para uma perspectiva intersetorial no agendamento, remarcação e horários de atendi-
cuidado em saúde. Elas são estruturas primárias mento desses dispositivos para a população que
na lógica do cuidado em saúde, dentro do SUS, faz uso problemático de drogas e seus familiares.
tanto para a compreensão teórica como prática A rigidez desses processos foi apontada como
desse cuidado23. Ainda que a organização dos uma dificuldade importante. Por outro lado, a
cuidados se diferencie de um país para outro, população que faz uso problemático de drogas
é possível encontrar duas dimensões de análise frequentemente encontra dificuldade na susten-
compartilhadas pelos artigos analisados: macro- tação dos horários agendados e nas rotinas dos
políticas e micropolíticas. serviços, fato que o próprio DSM-5 identifica
Em uma perspectiva macropolítica, os arti- como sintoma dos transtornos do uso de subs-
gos que apontam os problemas na rede de aten- tâncias. Ou seja, se essas idiossincrasias são iden-
ção à saúde apresentam os seguintes entraves: tificadas como características dessa população, é
baixo investimento nas atuais políticas públicas necessário, portanto, que sejam reconhecidas no
e na implementação de novas ações estratégicas e contexto do sistema de saúde público de forma a
comunitárias; e dificuldade na produção de for- garantir o vínculo dos usuários com o tratamen-
mação profissional continuada sensível às ques- to, sob o risco de esvaziamento das possibilidades
tões de saúde mental, em especial em drogas. de acolhimento e a ausência de cuidado.
No que diz respeito à realidade brasileira, Por fim, ainda sobre os questionamentos re-
sabe-se que o subfinanciamento é uma questão ferentes à análise das micropolíticas, são identifi-
crônica da saúde pública. Isso implica insuficiên- cadas dificuldades de encaminhamentos, ou seja,
cia de investimentos em ações territoriais e co- nas articulações das redes de saúde com outros
munitárias, e, portanto, insuficiência do próprio equipamentos, como assistência social, ou mes-
Sistema Único de Saúde brasileiro. mo para outros serviços de saúde. Identifica-se
Os artigos, de forma geral, também apontam que as pessoas que sofrem com o uso problemá-
que a ausência da formação continuada de profis- tico de drogas necessitam de atendimento de for-
sionais para atuarem no cuidado desses usuários ma integral, ampla e que garanta a reinserção no
são parte das dificuldades. A formação conti- ambiente familiar, social e laboral.
nuada permitiria que os agentes desses serviços O cuidado deveria abarcar a articulação en-
executassem o seu trabalho de forma mais quali- tre os serviços, entendendo que os sujeitos não
ficada, o que aumentaria a chance de adesão dos padecem apenas de um problema de saúde espe-
usuários aos serviços, a provisão de atendimento cífico. Quando há obstáculos à articulação dos
de melhor qualidade técnica e, consequentemen- dispositivos que compreenderão o cuidado da-
te, desfechos mais positivos em relação ao trata- quele usuário, o vínculo com o tratamento torna-
mento. se fragilizado pela percepção dos usuários, ou de
É importante destacar que os artigos que seus familiares, de que aquele conjunto de ações
mencionam as redes como os principais obstácu- não engloba suas necessidades de cuidado inte-
los enfrentados para o cuidado dos usuários são gral à saúde.
majoritariamente brasileiros. Essa especificidade
é importante, pois no Brasil a RAPS, inserida no Modelos de cuidado
SUS, é a principal forma de operacionalização das
ações de cuidado em saúde para essa população. As dificuldades no modelo de cuidado fo-
Do ponto de vista das micropolíticas, as ram citadas em dez artigos diferentes, todos de
principais dificuldades relatadas foram a buro- origem brasileira. Segundo Ayres24, “modelo de
8
Marchetti SP et al.

cuidado” pode ser definido a partir de duas pers- O modelo de redução de danos coaduna com
pectivas: a primeira seria o modelo de cuidado o modelo psicossocial de cuidado, pois ambos
usual, que é um conjunto de ações padronizadas compreendem o fenômeno das drogas como
nas práticas que apresentam um pano de fundo multifatorial e o usuário como protagonista de
de significados por aqueles que as realizam, de seu cuidado, associado aos diversos conhecimen-
forma que não há espaços para produção de ne- tos, e não apenas no saber médico. Porém, ambos
gociações desses significados. Em contrapartida, não são suficientes para sustentar a ideia de que a
uma segunda perspectiva aponta para uma pro- droga não deve ser proibida – por ser impossível
dução de cuidado construída a partir da conver- erradicá-la nas sociedades humanas –, o que ain-
gência de horizontes entre os diferentes saberes, da abre brechas para, em uma segunda análise,
de modo que essa produção chegue na gestão e haver práticas de cuidado psicossocial e de redu-
na operacionalização das tecnologias de cuidado ção de danos proibicionistas.
para as pessoas e as populações24. Dessa forma, é
possível compreender os paradigmas de redução Atores
de danos e de abstinência exclusiva como mode-
los de cuidado para pessoas que fazem uso pro- Atores são os indivíduos que têm papéis so-
blemático de drogas. ciais estabelecidos dentro de contextos. No que se
Todos os artigos que trouxeram o modelo de refere ao cuidado aos indivíduos que usam drogas,
cuidado como entrave, tanto os brasileiros quan- eles são os atores principais no processo, seguidos
to os estrangeiros, criticam os modelos curativos por seus familiares e pela equipe de saúde, sejam
e biomédicos, com apenas uma exceção. De ma- dos CAPS, APS, hospitais etc. Todos esses indiví-
neira geral, argumentam que eles ainda perma- duos compõem a rede viva de cuidado e são de
necem nas práticas e sustentam ações coercitivas grande importância no processo26. Nesta revisão,
e moralizantes. O modelo biomédico se refere às os atores foram identificados como agentes que
ações centralizadas no profissional médico, no trazem desafios para o cuidado em saúde das pes-
conhecimento biológico e em suas técnicas. Es- soas que fazem uso problemático de drogas. Entre
sas características se aproximam muito da “psi- os artigos analisados, as pessoas envolvidas foram
quiatria tradicional”, que se sustenta em ações apontadas como a dificuldade mais frequente no
exclusivamente médicas, voltadas às questões processo de cuidados.
biológicas. Os artigos ainda apontam que o mo- Em relação aos profissionais, as dificuldades
delo biomédico no cuidado em saúde das pessoas envolvendo esses atores surgiram em 12 diferen-
que fazem uso problemático de drogas não esti- tes artigos, 9 de origem brasileira e 3 estrangeiros.
mula o protagonismo dos sujeitos, além de crimi- Dentre as críticas mais preponderantes, a ausência
nalizá-los e estigmatizá-los. Vale destacar aqui os de formação adequada surgiu quatro vezes. Tanto
achados de um artigo que investigou o binômio a escassez de profissionais, quanto a alta rotativi-
confiança/desconfiança no modelo de cuidados dade, foram citadas duas vezes, o que traduz uma
da redução de danos, sendo este o artigo de ex- certa indisponibilidade de profissionais de saúde
ceção. Seus achados apontaram que, embora te- nos serviços especializados e levanta questões im-
nham manifestado certa confiança no modelo de portantes para além de um suposto desinteresse
cuidado da redução de danos, o que preponderou destes atores, como as condições de contratação
entre usuários, familiares e profissionais de saúde destes funcionários, salários e planos de carreira.
foi a desconfiança no modelo, uma vez que pare- Por fim, é fundamental citar a problemática dos
ce relativamente cristalizada a ideia de cuidados modelos de alta exigência exercida pelos profissio-
biomédicos dentro de uma perspectiva de absti- nais diante do usuário, o que pode tornar-se um
nência exclusiva25. grande empecilho ao tratamento. Entende-se por
Dessa forma, conclui-se que os modelos de alta exigência quando há uma demanda ou uma
cuidado foram apontados como instância de- expectativa expressa de que o paciente siga ins-
safiadora no cuidado em saúde das pessoas que truções e acabe por parar de usar a substância ou
usam drogas. Porém, ao mesmo tempo, a depen- seguir um plano de tratamento, o que pode levar
der de qual modelo está sendo praticado, este a um sentimento mútuo de frustração e abandono
pode ser entendido como potencializador. Todos do cuidado.
os artigos pontuam que o modelo de redução de Em relação às dificuldades envolvendo os
danos permite um cuidado que produz autono- usuários dos serviços, é importante salientar que
mia e evita a estigmatização, a criminalização e a essas aparecem em dez artigos, sendo cinco bra-
objetificação do usuário de drogas. sileiros e cinco estrangeiros (EUA, Moçambique,
9

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Vietnã e Canadá). A principal dificuldade no que tem formação específica na área ou o local de
diz respeito aos usuários, citada quatro vezes, é a trabalho não foi o de primeira escolha. Assim,
formação de vínculo, seja com o serviço, seja com a falta de conhecimento ou afinidade pode ge-
o escopo social. Há também um desafio recorrente rar dificuldade no processo do cuidado, e ainda,
relacionado à descrença em relação ao tratamento, quando encontra outro trabalho, o profissional
em especial na adaptação de modelos de interna- deixa o serviço e abre uma lacuna no cuidado ao
ção para modelos comunitários. Há ainda uma paciente. Mais além, abordam que esse processo
descrença devido ao número de recaídas que tive- de troca de profissionais pode gerar o afastamen-
ram, além de se entenderem sozinhos, sem apoio to do paciente e perdas no tratamento, além de
dos familiares no processo de tratamento. Além dificuldades para reconstruir vínculos. O mesmo
disso, é importante citar como desafio a ser su- ocorre nos processos de referência dos serviços
perado a comorbidade com outros problemas de especializados para os serviços da atenção primá-
saúde associados ao uso problemático de drogas, ria à saúde (APS). A mudança de equipe de aten-
que se torna um entrave maior à busca e à susten- dimento, a falta de conhecimento e afinidade de
tação do cuidado. Esse aspecto foi citado em dois cuidado às pessoas que usam drogas pode gerar
artigos brasileiros. o distanciamento do paciente e a descrença em
As pessoas que sofrem com o uso de drogas relação à continuidade do tratamento.
podem passar por rupturas sociais, frequentemen- Em resumo, os artigos revisados sugerem que
te deixando de acreditar que possam ser ajudadas os atores são um importante aspecto dos desafios
ou que possam mudar tal situação, vivenciando do cuidado em saúde para as pessoas que usam
sentimentos de culpa e cobrança. A desconfiança drogas, pois são estratégicos na construção desse
para retomar vínculos sociais, as comorbidades cuidado, por estarem envolvidos de forma dire-
associadas ao uso de drogas e a insatisfação com ta para a reinserção social e o cuidado integral.
os serviços de saúde reforçam essa descrença25. Ações de formação e especialização dos profis-
Em relação aos familiares, o estigma, o esgo- sionais de saúde também devem ser implemen-
tamento, o medo e a falta de conhecimento os le- tadas no que diz respeito à saúde mental, ao uso
vam a acreditar que o confinamento e a mudança problemático de drogas, ao acolhimento familiar
de ambiente são as únicas opções de tratamento. e à escuta qualificada, visto que serão eles os elos
É comum que os parentes esperem que locais de entre paciente, família e sociedade35.
tratamento confinado ofereçam aos pacientes o
que não é possível em casa: isolamento e proteção. Limitações do estudo
Porém, o afastamento e o tratamento fora de seu
meio social podem levar, justamente, ao afrouxa- Este estudo traz questões a partir de uma re-
mento dos vínculos familiares27. visão bibliográfica integrativa, por meio de pro-
Ainda no contexto dos atores, os profissionais duções de categorias e suas respectivas análises,
de saúde são atores importantes para a retomada porém encontra seus limites em seu caráter ex-
desse processo de ressocialização28. Assim, como ploratório. Ou seja, seu objetivo é produzir uma
Cotê e colaboradores29, Carvalho e colaborado- descrição e uma análise ampliada das dificulda-
res31 e Salles e Silva30 demonstraram, o acolhimen- des relacionadas ao cuidado de pessoas fazendo
to do paciente e da família pela equipe de saúde uso problemático de drogas, e não uma varredu-
pode ter papel fundamental no desfecho do cui- ra sistemática do tema. Além disso, o estudo é de-
dado. Os artigos mencionados sugerem que servi- limitado pelos mecanismos de busca e bases de
ços especializados em uso problemático de subs- dados selecionados, o que justifica o aparecimen-
tâncias foram descritos como aqueles que têm os to majoritário de artigos nacionais, mesmo que
profissionais que mais promovem esse cuidado. isso não configure problema grave, já que a aná-
Carvalho e colaboradores31 propõem que espaços lise se debruça sobre o contexto nacional. Ainda
com padrões menos rígidos de funcionamento assim, não se pode excluir a possibilidade de que
promovem maior acolhimento ao paciente. Ao ter outros insights pudessem ter sido evocados com
momentos para escuta livre, o profissional de saú- a ampliação do escopo de busca.
de ampliaria o sentido do cuidado e essa disponi- Por outro lado, ao nos determos nas dificul-
bilidade estreitaria o vínculo e promoveria apoio dades encontradas, foi possível observar o ema-
emocional28. ranhado de relações entre políticas públicas, mo-
Um fator de alerta presente em quatro estu- delos de cuidado e atores. Tais relações podem
dos30,32-34 é que, mesmo em serviços especializa- guiar estudos descritivos futuros e propostas de
dos, o profissional de saúde muitas vezes não intervenção.
10
Marchetti SP et al.

Considerações finais ficada, visto que serão eles os elos entre paciente,
família e sociedade. Portanto, possibilitarão a es-
O estudo possibilitou identificar que as dificul- colha de modelos mais adequados de tratamen-
dades para o cuidado em saúde de pessoas que to, bem como apoiarão a construção de políticas
fazem uso problemático de drogas estão ligadas específicas. Ressalta-se, ainda, a necessidade da
às dimensões das políticas públicas em saúde, condução de novas pesquisas que abordem com
aos modelos de cuidados adotados e aos atores profundidade a descrença dos atores, em especial
envolvidos, e que tais pontos se relacionam. A dos usuários, sobre o processo terapêutico do uso
literatura aponta a necessidade de promover a problemático de drogas, bem como a produção
formação e especialização dos profissionais de de novas tecnologias de cuidado em saúde para
saúde, pois estes proporcionam o acolhimento essa população.
ao indivíduo e aos familiares, com escuta quali-

Colaboradores Financiamento

SP Marchetti: concepção, elaboração da busca, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de


avaliação em pares dos artigos selecionados na Nível Superior – 001.
busca, análise da pesquisa, revisão do manuscrito
e coordenação da pesquisa. HF Badagnan: avalia-
ção em pares dos artigos selecionados na busca,
análise da pesquisa e revisão do manuscrito. L
Dumaressq, LFF Tófoli e NC Worcman: análise
da pesquisa e revisão do manuscrito. LFF Tófoli:
análise da pesquisa e revisão do manuscrito.
11

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Artigo apresentado em 16/01/2023


Aprovado em 13/06/2023
Versão final apresentada em 15/06/2023

Editores-chefes: Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura


da Silva

CC BY Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons

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