Anuário Da Crítica - AICA 2014
Anuário Da Crítica - AICA 2014
Anuário Da Crítica - AICA 2014
Anuário da Crítica
2014
_
AICA / SP
_
O Anuário da Crítica é uma publicação digital sem fins
comerciais, iniciativa da Associação Internacional dos
Críticos de Arte / Secção Portuguesa. O seu objectivo é
reunir, num mesmo volume e em formato digital,
os textos mais significativos que os membros desta
associação escreveram durante o ano em apreço.
_
completa ao site da AICA/SP.
_
Anuário da Crítica is a non-commercial, digital
publication edited by the Portuguese Section of AICA -
Association Internationale des Critiques d’Art. Its main
goal is to gather and make available to the public the
most significant texts written by its associates each year.
_
include reference to AICA/SP’s website.
/
Os impasses do dentro e do fora: a internacionalização 07
da arquitectura portuguesa no novo milénio
_
Luís Santiago Baptista
_
Jorge Calado
_
Laura Castro
_
Rui Cepeda
_
Sílvia Chicó
_
Manuel Graça Dias
Claire de Santa Coloma: 123
Guia prático para fazer uma escultura básica de madeira
_
Pedro Faro
_
Pedro Faro
_
Sandra Vieira Jürgens
_
João Laia
_
Maria de Fátima Lambert
Arquivo, 168
Testemunho e Profanação
_
Pedro Lapa
_
Sérgio Mah
Encounters with Forms 205
_
Sérgio Mah
_
Sara Antónia Matos
_
Sara Antónia Matos
_
Ana Vaz Milheiro
_
Isabel Nogueira
_
Sofia Nunes
_
Sérgio Fazenda Rodrigues
_
João Silvério
_
João Silvério
/
Os impasses do dentro e do fora: 07
a internacionalização da arquitectura
portuguesa no novo milénio
Luís Santiago Baptista
_ _
“But is there an inside that lies deeper than any internal world, just as 1. A nível interna-
cional: Medalha de
the outside is farther away than any external world? The outside is not a Ouro de Arquitectu-
ra do Colégio de Co-
fixed limit but a moving matter animated by peristaltic movements, folds légio de Arquitectos
de Espanha (1988),
and foldings that together make up an inside: they are not something Medalha Alvar
other than the outside, but precisely the inside of the outside.” Aalto (1998), Prémio
Príncipe de Gales
da Universidade
de Harvard (1988),
Gilles Deleuze Prémio Mies van der
Rohe (1988), Prémio
Pritzker (1992),
Prémio Arnold W.
Siza Brunner Memorial
da Academia de
A internacionalização da arquitectura portuguesa está na Artes e Letras de
Nova Iorque (1998),
ordem do dia. Não por acaso, 2013 foi declarado pela Secretaria Prémio Imperiale da
Associação de Arte
de Estado da Cultura como Ano da Arquitectura. É um facto do Japão (1998),
Prémio Wolf das
indesmentível que esse processo de internacionalização Artes (2001), Leão
de Ouro de Melhor
tem sido amplamente apoiado na figura de Álvaro Siza. Projecto da Bienal
de Veneza (2002),
Desde a atribuição a Siza do Prémio Pritzker em 1992, na Prémio da Melhor
Trajectória Profis-
linguagem comum “o Nobel da Arquitectura”, a arquitectura sional em Arquitec-
tura II BIAU (2002),
portuguesa não mais deixou de estar nos escaparates do Prémio Vitruvio
do Museu Nacional
mundo disciplinar. O arquitecto português tem acumulado de Belas-Artes de
Buenos Aires (2002),
as mais altas distinções disciplinares1 e o seu trabalho tem Grande Prémio de
Urbanismo de Paris
sido publicado em extensas monografias internacionais.2 (2005), Leão de Ouro
Neste sentido, a primeira década do novo milénio deve ser 08
Porto 2001
Comecemos pelo ponto de partida, a Porto 2001 – Capital
Europeia de Cultura, um dos eventos onde a programação de
arquitectura, comissariada por Nuno Grande, ganharia grande
preponderância, em múltiplas exposições e conferências de
abrangência internacional. Foi aliás no seu âmbito que se
realizou uma importante exposição Arquitectura Portuguesa
Contemporânea 1991-2001, onde se propôs uma abordagem 09
Prototypo
Mas quando falamos de internacionalização, existem
momentos inesperados que apontam caminhos. O
lançamento da revista Prototypo em 1999, coordenada por
Diogo Seixas Lopes e Paulo Serôdio Lopes,31 apresentou-
se como um cometa na pacificada cultura arquitectónica
portuguesa. Apostando num distante mas dominante mundo
anglo-saxónico, a Prototypo avançava com uma estratégia
editorial inédita, onde “o trabalho recente de um arquitecto
português e outro internacional é apresentado lado a lado,
com uma extensiva cobertura da produção dos escritórios”
– Neil Denari vs. Carrilho da Graça, Morphosis vs. Aires
Mateus, Zaha Hadid vs. Souto de Moura, etc. As tensões
entre diferentes concepções arquitectónicas potenciavam
assim encontros imprevisíveis, produzindo efeitos críticos. 24
possível dos percursos que se desenham para a geração que 37. Pedro Gadanho;
Luís Tavares Pereira.
agora começa a construir e consolidar o seu discurso”. O ensaio «Introdução», in
Influx: Arquitectura
de Gadanho,38 no catálogo de Influx, procurava mapear essa Portuguesa Recente.
Porto: Civilização,
“evolução da arquitectura portuguesa dos últimos 10 anos”, 2003, pp. 8-14.
transmutar em experiência.
Na edição de 2008, comissariada por Aaron Betsky sob o tema
Out There: Architecture Beyond Building, a representação
portuguesa, perante um tema intrinsecamente estranho à
nossa cultura arquitectónica, eleva a fasquia com Cá Fora:
Arquitectura Desassossegada. Comissariada pelo filósofo José
Gil e pelo arquitecto Joaquim Moreno, apresenta-se uma
intervenção site-specific do arquitecto Souto de Moura e do
artista Ângelo de Sousa. A abordagem vinha na continuidade
da edição anterior, ou seja, nas palavras de Moreno,41 “o critério
curatorial era simples: em vez de um exposição monográfica
ou colectiva, em vez de um sucedâneo, uma experiência”.
Potenciando a desvantagem da distância aos pólos da bienal,
o pavilhão português aposta na forte presença urbana e na
ambiguidade entre o dentro e o fora, inerente às propriedades
reflexivas do espelho. Separadamente, Souto de Moura
propõe um enorme “outdoor” que reflecte a cidade do outro
lado do canal, através de “um espelho-pele do muro cortina da
modernidade arquitectónica”, enquanto Ângelo de Sousa joga 30
Trienal
Mas seria a uma outra escala e com outro alcance que a
arquitectura portuguesa se manifestaria internacionalmente.
Não sendo uma ideia nova – lembre-se as três edições da
Trienal de Arquitectura de Sintra ao longo dos anos 90 –, a
criação de um evento periódico de dimensão internacional
na área da arquitectura em Lisboa, proposta por José Mateus
à Secção Regional Sul da Ordem dos Arquitectos, apostava 35
L’Architecture d’Aujourd’Hui
No âmbito das publicações monográficas, uma destacou-
se pela subversão do modelo centrado na exemplaridade
das obras. Em 2006, o número especial da L’Architecture
d’Aujourd’Hui sobre Portugal, sequela de um mítico número
de 1976, realizado então no rescaldo da revolução, apresentava
uma abordagem problematizadora da arquitectura
portuguesa contemporânea. Centrava-se em textos críticos
de uma nova geração de autores, que procuravam enfrentar
a situação problemática do exercício da profissão.
Os depoimentos críticos eram veementes: José Capela70
discutia uma “arquitectura política” herdeira do SAAL,
interrogando-se: “Mas hoje que herança resta dessa era onde
a arquitectura servia primeiramente decisões políticas? Pode 50
Mas esse movimento para fora subentende igualmente 76. Joaquim Moreno,
José Pedro Sousa,
o expandir do campo disciplinar para além do projecto Diogo Seixas Lopes,
Carla Leitão, Inês
tradicional. Desde logo, as posições conquistadas no altamente Dantas, João Bravo
da Costa, Nancy
competitivo meio internacional, como o lugar de Curador de Diniz, etc.
_
78. Campos Costa,
moov, ateliermob,
blaanc, embaixada,
etc
_
Artes e Culturas Lusófonas. Gadanho na Holanda
e revista Conditions,
co-editada por Joana
Sá Lima, a partir de
Oslo.
Jorge Calado
_
Uma gigantesca retrospectiva dos retratos de David Bailey na
National Portrait Gallery de Londres.
London’.
As origens cockney não eram promissoras. Quem nascia e
crescia naqueles bairros pobres e degradados estava destinado
a ser pugilista, gangster ou músico. Com a Guerra e o Blitz,
a família mudou-se para East Ham. Bailey também não
aqueceu os bancos da escola; para mais, era disléxico. O que o
salvou foram as amizades e o serviço militar (que o levou até
Singapura e Malásia). Significativamente, a exposição abre
com um auto-retrato feito em Singapura e outro, gigantesco,
de Kate Moss, em 2013 – o alfa e ómega da carreira do autor.
Bailey considera Moss e a Shrimp os dois grandes modelos da
sua vida: “têm uma magia que eu não sei explicar”. (Quanto
aos dois actores mais interessantes, serão Jack Nicholson e
Johnny Depp.) O auto-retrato de 1957 mostra-o de calções e
tronco nu, reclinado na cama como uma odalisca, a postura
das mãos imitando a de Jacqueline Roque, a segunda mulher
de Picasso, numa reprodução barata de “Jacqueline vestida à
turca” (1955), por cima da cama. Picasso é o grande ausente
da exposição. Bailey idolatrava-o, mas não quis destruir o
mito, conhecendo-o e fotografando-o. Outra semi-ausência
é a Deneuve, apenas presente num retrato duplo com David
Bowie (1982).
À quarta foi de vez. Bailey conheceu Catherine Dyer em 1983,
o ano em que visitou a Austrália; três anos depois, casavam.
Mulher, musa e mãe dos três filhos de Bailey (Paloma, Fenton
e Sascha), Catherine é a única personalidade a merecer uma
secção própria da exposição: a sua face multiplica-se numa 56
fama da praxe.
Bailey criou mais de 350 capas para a Vogue francesa, mas o
interesse não está nem nos vestidos nem nos adereços, mas
em quem os usa. A fotografia de moda é apenas um pretexto
para viajar e se analisar a si próprio. “Não tiro fotografias.
Faço fotografias. […] São precisos montes de imaginação e
muita observação para ver o extraordinário”. Na galeria dos
retratos abundam os artistas. Bailey não gosta da palavra e
prefere chamar-lhes gente “visualmente literata”. “Artista?
Não sei o que isso significa. É como o amor”. Dali e Warhol
são dois casos em que a arte estava na personalidade, mais do
que na obra. Quanto a Francis Bacon (que o tentou seduzir
quando Bailey era um adolescente), era, simplesmente, o
maior pintor vivo. A câmara, porém, é o grande igualizador.
Os excessos da moda convivem bem com a estranheza
dos ritos e costumes das tribos de Papua Nova Guiné ou
dos Aborígenes australianos, neste desfile antropológico.
Próxima paragem – quem sabe? – Coreia do Norte.
O título, “Bailey’s Stardust”, aponta para o pó cósmico em
que todos nos tornamos. Duas fotografias emblemáticas de
Marianne Faithfull dão o mote: nos anos 1960, na força da
sexualidade, quando era namorada de Mick, e em 1999, já
uma forma amibóide de carnes flácidas. Faithfull está-se nas
tintas: “Desisti de me preocupar com a beleza, mas ainda me
preocupo com a verdade”. A caveira (humana ou de animais
de grande porte) é um motivo recorrente na fotografia de
David Bailey. “Sim, acabamos como arte, como escultura”, 58
_
Texto originalmente publicado em “Expresso” (Atual)
_
12 Abril 2014, pp. 12-15.
/
A escultura de Zulmiro de Carvalho: 59
a insubmissão da matéria
Laura Castro1
_ _
Associada à linguagem, à estética minimalista e ao movimento 1. Escola das Artes/
Centro de Investi-
minimalista dos anos 60 e 70 do século XX, a obra de Zulmiro gação em Ciência e
Tecnologia das Artes
de Carvalho propõe-nos coerência, constância e unidade, da Universidade Ca-
tólica Portuguesa.
atributos que lhe chegam, não apenas da homogeneidade
formal e da sobriedade da matéria inscritas na tendência
assinalada, mas de um entendimento da arte como fenómeno
espiritual que se afirmou ao longo do tempo sem vacilações.
Confundida frequentemente com uma arte que nada diz,
nada significa e nada representa, o minimalismo sugere e
comunica mais do que lhe atribui uma abordagem superficial
em que a materialidade teria a primeira e a última palavra.
Numa leitura simplista dos termos canónicos dos textos, por
exemplo, de Richard Wollheim (1923-2003), e sem atender
à dimensão instigante e especulativa dos documentos de Ad
Reinhardt (1913-1967) ou de Carl Andre (1935), a matéria, a
forma e a intervenção mínimas resultariam numa arte seca,
lisa, sem as perturbações que a intencionalidade subjectiva
lhe confere e sem as ondulações acidentais que a utilização
e a conformação a um material lhe impõem. Nestes termos,
o minimalismo é uma impossibilidade. A arte tem sempre
a capacidade de interpelar o espectador e de o provocar,
levando-o a ajustar ao respectivo referencial a leitura cumprida 60
da Palmeira.
A inauguração oficial ocorreu no âmbito das comemorações
do Dia Mundial da Água, ainda que no horizonte inicial
do convite não se perspectivasse uma relação com a
circunstância escolhida. O facto espelha uma apropriação
administrativa, política e celebrativa comum e a necessidade
de procurar pretextos episódicos para legitimar a instalação
de obras num espaço público, ao mesmo tempo que traz
à superfície a particular sensibilidade que a arte pública
suscita e o carácter dialogante da sua natureza.
Não nos surpreenderia que a encomenda espelhasse
determinada expectativa no quadro da retórica de
tradição marítima de Matosinhos, associada a um
repertório de celebração das suas actividades tradicionais
e a uma iconografia de memória, destinada a relembrar
acontecimentos que marcaram a história da comunidade.
O modo de actuar do escultor no domínio público
encontraria fora do território figurativo – que não é o seu –
e fora da matriz narrativa – que não é a sua – uma resposta
diversa e a obra resolver-se-ia num discurso pontuado por
alusões discretas ao mundo em volta (contexto marítimo),
aflorado por referências à história da arte e por comedidas
informações sobre o percurso do próprio autor (presença
de elementos arquitectónicos). O resultado foi uma obra
contida e muito vigiada, que recusa todo o elemento
acessório e supérfluo.
No entanto, até um escultor minimalista como Zulmiro de 67
Os problemas da escultura
De uma série de seis trabalhos dos anos 70, todos Sem
título (1978), consta o vocabulário material da escultura
que Zulmiro de Carvalho haveria de desenvolver. Esta
série, virtualmente expansível, verdadeiro inventário
experimental das possibilidades da escultura, expõe-se de
forma despretensiosa, com os suportes verticais encostados
à parede como se estivessem numa oficina. Fragmentos 68
contexto industrial do ferro – mas a relação entre duas idades 9. Fernando Pernes –
Metamorfose das es-
do homem como assinalou Fernando de Azevedo8. truturas primárias. In
Zulmiro de Carvalho.
Todos os materiais inventariados naquela série haveriam de Esculturas Recentes.
Porto: Cooperativa
ser usados em momentos posteriores. O mármore, o granito, Árvore, e Lisboa:
Galeria Quadrum,
a ardósia, por vezes articulados com ferro, aço, bronze e s.d. [1982].
_
Texto originalmente publicado em Zulmiro de Carvalho. Esculturas 1967-2012.
Galeria Municipal de Matosinhos, 13 de Dezembro de 2014 a 31 de Janeiro de
_
2015. Ed. Câmara Municipal de Matosinhos, 2014.
/
Historical (Cultural) Dysfunction 77
itself from the state, from religion, from the prevailing orders,
and groups that govern contemporary society’s production,
reproduction, and demand.
Coincidentally, all throughout the globe, a strong political
movement with a post-colonial discourse started to gain
relevance and importance in the geo-political arena: questions
of cultural perception developed, and ways of viewing and
of being viewed were reinvented. Meaning discourses—
essentially cultural—through the voice of Léopold Sédar
Senghor or Aimé Césaire culminated in the seventies.
The use given to history and historical narratives creates
the impression of unity. A unique and singular state that
is concerned with the idea that there are people destined
to live in isolation, to live deprived, to live without, to live
only one story drawn under vested interest (by the few), to
a convenient mesmerizing destiny involving the whole; as
Hobsbawn wrote, “traditions are invented by the sake of
political discourses or ideologies.” In the midst of the Cold
War, in the 1960s, the art community (artists, writers, and
photographers) stopped having a stable field to look for
references of belonging and being. Reality, as it was presented
and lived throughout the 40s and 50s, was too muddy and
illusory. It was shown as a perfect and ideal golden bowl,
though, with cracks invisible to the naked eye. Throughout
this historical period, photographers like the Swiss born
Robert Frank (b. 1924, Zürich. Lived and worked in the
USA), with his field project, The Americans (1958), or Diana 81
society for society’s sake. If, with the 60s, a more neutral,
aggressive and iconoclastic language emerged in the visual
arts (Robert Rauschenberg, William Eggleston, Ed Ruscha,
Bruce Nauman, just to name a few), in the following decade _
this approach was carried on further by the Düsseldorf
1. A series dedicated
School (Joseph Beuys, Gerhard Richter, Bernd & Hilla to the Great Famine
of 1932 – 1933 in
Becher, Andreas Gursky, Thomas Ruff, Thomas Demand, Ukraine, the Holodo-
mor (‘killing by hun-
Thomas Struth, and Candida Höfer) in Germany, or David ger’), when million
of people were forced
Hockney and John Davies in England, and Guy Le Querrec to starve to death
by Josef Stalin, with
and Raymond Depardon in France. At this point, artists had a death toll ranging
from 1.8 to 12 mil-
started to look into one of the most prominent subject of lion people. A paral-
lel can be made with
works in art history—the body, the self, the being. Alternative the Great Chinese
Famine, from 1958
realities had to be found or created: Helmut Newton’s (b. to 1962, in where
China experienced a
1920, Germany, d. 2004, US) and Richard Avedon’s (1923- monumental famine
that killed at least 45
2004, US) bodies of work are counterexamples of work that million people due to
essential two causes:
was developed by Yevgeniy Pavlov, with The Violin (1972), or natural disaster and
communist polices.
Yuri Rupin, with The Sauna (1975). Psychedelic, dissociative,
and deliriant discourses regarding one’s own place in the
world started to converge on a global scale. In the 1980s, the
work by Roman Pyatkovka (b. 1955, Ukraine) and Joel Peter
Witkin (b. 1939, US) shared some technical resemblance
when combining scratching the original film with the
conceptual exploration of representations of the human
body and flesh; or, a documentary approach to society in
Christian Boltanski’s, The Fantoms of the 30’s1 with poignant
mementos referring to the Jewish Holocaust. Photographers
played within a framework that contested theories of cultural 83
_
Bibliography:
Berger, J. (2008) Ways of Seeing. London: Penguin Classics.
Hobsbawn, E. and Ranger, T. (Ed.) (2012) The Invention of Tradition. Reissue
edition. Cambridge: Cambridge University Press.
Latour, B. (2001) ‘What is Iconoclash? Or Is there a world beyond the image
war?’, Bruno-Latour.org’s website [Online] [Accessed] Available from http://
www.bruno-latour.fr/node/64
Rogoff, I. (2006) ‘Irit Rogoff: What is a Theorist?’, Kein.org [Online] [Accessed
February 26th 2013] Available from http://www.kein.org/node/62
Warner Marien, M. (2002) Photography: A Cultural History. London: Laurence
_
King Publishing
/
Não Esquecer José Escada, 93
_
definição de Escada como “um príncipe fora do tempo”.
/
Let’s not forget José Escada, 102
Eugaria,September,2014
_
Note: This text, very modest insufficient rehearsal for the extensive understanding
of the Escada work , was prepared revisiting what about the painter wrote,
listening intently testimonies of his friends who knew him, both in times of Paris
and Portugal. I thank particularly the testimony of Maria Nobre Franco, Jorge
Martins and Maria Rolim, who propose the definition of Escada as “A Prince Out
_
of Time.”
/
Radicalidade, pastiche e afecto: 110
1. Radicalidade
Estaremos preparados para ler as tipologias espaciais, para
além do “estilo” ou da maneira que cada época encontrou para
as definir? Estaremos preparados para sentir as acumulações
da História recente com a mesma bonomia com que
olhamos os exemplos do passado? Não se situará a farmácia
Vitália, de Manuel Marques e Amoroso Lopes (Porto, 1932),
numa perigosa zona de fronteira entre o “tolerado” e o “não 111
2. Pastiche
Há um desgaste provocado pelo tempo que antecede a
chegada da decadência física dos objectos arquitectónicos, que
consegue, por efeitos da patina e do lento quebrar do brilho
novo, aumentar-lhes o charme.
O mainstream manifesta sempre repúdio pelo velho ou pelo
gasto, ainda que agora exulte com jeans rotas e esfarrapadas,
que relevam, talvez, da ideia do conforto atingido pelo uso e
pelo “agarrar” mais orgânico dos tecidos puídos aos corpos;
também se preferem blusões de cabedal coçados e com a pele
quebrada. Já as paredes sujas de escorrimentos ou com o reboco
desgastado, as cantarias de lioz abertas pela chuva com os
nódulos de cristais de pedra rasgados e integrando uma massa
de humidade e pó, ou as telhas faceadas de líquenes, ou escadas
exibindo o musgo à sombra, vigamentos tortos pela pressão das
fibras do lenho dentro, demoram a reunir consensos.
A esplêndida expressão facial de Samuel Beckett (1906-1989), 116
“Sob certo aspecto, a vida de uma estátua começa no dia em que ela
termina. Conclui-se a primeira etapa, pela qual, graças aos cuidados do
escultor, o bloco de pedra adquiriu forma humana; uma segunda etapa,
ao longo dos séculos, através de alternativas de adoração, admiração,
amor, desprezo ou indiferença, através de graus sucessivos de erosão e
de usura, irá levá-la, pouco a pouco, ao estado mineral informe do qual
a havia arrancado o seu escultor.”3
Interroguemo-nos, no entanto, sobre o conceito de integração 117
3. Afecto
Entendamos “afecto” como o “envolvimento” complexo
que a cada momento um arquitecto, consciente da História
dos lugares (mesmo que não “conhecedor” -- será para
o aprofundameto deste tipo de temas que se formam
equipas pluridisciplinares...), estabelece com o projecto,
questionando-o criticamente, avaliando-o de todos os lados
e facetadas margens.
Pode o arquitecto, inicialmente, andar em roda, tentando, 119
_
Atlântida: Revista de Cultura_2014 (Vol. LIX) Angra do Heroísmo: IAC_
Instituto Açoriano de Cultura, 143-153
_
ISSN: 1645-6815
/
Claire de Santa Coloma: 123
intuições da mão, as memórias seculares de uma raça humana 5. Id., Ibidem, p. 117.
Talvez porque “sem dar uma forma, nada me existe”6? Ou 7. ver: BATAILLE,
Georges, El Erotismo,
porque dar forma é humanizar? Tusquets, Barcelona,
2007.
Do seu investimento, muito físico, sobre a matéria – sobre a
madeira, neste caso –, respeitando as suas inconsistências,
irregularidades ou idiossincracias, explorando os desastres
da mão, releva a dimensão erótica do trabalho artístico.
Como? Ora, a actividade erótica, na perspectiva de Bataille,
seria sobretudo, ou
antes de tudo, uma exuberância da vida: o seu terreno seria
essencialmente o da violência, o da violação7. Note-se que
estas esculturas de Claire de Santa Coloma procuram chegar
a uma intimidade própria da material através de uma acção
que implica o talhe repetido de uma ferramenta, da mão da
artista, sobre o corpo dessa mesma matéria. Ora, para Bataille,
toda a operação do erotismo tem como fim a dissolução do
ser e o alcançar o seu ponto mais íntimo. Descontinuando-o? 126
_
de Março de 2014.
/
Claire de Santa Coloma: 128
“The artist that chops wood, hits the metal, moulds the clay, carves the
stone block, make us revive the past of an old man, without whom we
would not exist”
the hand, emphasizes the erotic dimension of the artwork. 7. ver: BATAILLE,
Georges, El Erotismo,
How? Now the erotic activity in view of Bataille, would be Tusquets, Barcelona,
2007.
over and above all, an exuberance of life: his field would
be essentially that of violence and rape7. Note that these
sculptures by Claire de Santa Coloma try to reach in the
material their own intimacy, through an action involving the
repeated cut of a tool, by hand of the artist, on the body of
the same matter. However, for Bataille, the entire operation
of eroticism is to order the dissolution of the self and reach
ones innermost point. By discontinuing it? What is at stake
in eroticism would be then, the dissolution of forms. But as
the French essayist recalls, in eroticism, life is discontinued
not condemned to disappear. That is, life is only questioned
should it be disturbed or possibly altered. So there is, in the
work of Claire de Santa Coloma, and with this expository
essay, a search for continuity, a willingness to enter, in a world 131
_
Text originally published as a leaflet for Claire de Santa Coloma’s exhibition at
Galeria 3+1, in Lisbon, on view between the 24th of January and the 15th of
_
March 2014.
/
Uma nova geração 132
‘cut’ the work of artists ‘off ’ from the world at large in order
to protect it (…)”1.
Sem imagens absolutas e formas narrativas lineares, as
práticas artísticas constroem-se hoje a partir de uma série _
de características mais dominantes: objetos materiais
1. Carolyn Christov-
ou imateriais, investigação, conhecimento, oralidade, Bakargiev, “World
Worlding: The Ima-
performatividade, reflexividade, imaterialidade, narrativas ginal Fields of Scien-
ce/Art and Making
instáveis, fragmentadas, conversas, sensibilidade à Patterns Together” in
Mousse – Contempo-
improvisação e a uma teatralidade afastada de normas e rary Art Magazine, nº
43 (April/May 2014),
códigos da disciplina, com a apresentação de “situações p. 76.
_
Texto originalmente publicado em Arq./a – Revista de Arquitectura e Arte.
_
Lisboa: Futurmagazine. N.º 114 (Jul./Ago.), pp. 122-125. ISSN: 1647-077X.
/
A condição contemporânea 142
Ecossistemas
Se a retrospectiva de Parreno formula uma análise da
condição contemporânea através de presenças fantasmáticas
assombradas pela ideia de morte, a exposição de Pierre
Huyghe no Centro Pompidou, também em Paris (até dia 6), 145
Condensações
Huyghe e Parreno pertencem a um grupo de artistas que
emerge na década de 1990 associado à chamada estética
relacional teorizada por Nicolas Bourriaud — uma prática
que toma como ponto de partida o conjunto de relações
humanas e o seu contexto social. Embora esta dimensão,
e principalmente a vertente participativa de Huyghe,
tenha perdido peso nos seus trabalhos mais recentes e,
consequentemente, nestas duas apresentações, ainda
se encontram diversos traços desse interesse anterior,
por exemplo no entendimento da exposição como uma
experiência híbrida de fição e realidade. Visualmente, as duas
exposições aparecem como objectos totalmente opostos. 148
_
_
Texto originalmente publicado em Ipsilon / Público, 2 de Janeiro 2014.
/
Prometheus fecit - 150
Coda:
O barro pode ser plano, quase inexistir em espessura,
espalmado de tal forma que é pintura absorvida no seu
suporte. Nos tempos primordiais, as pinturas nas paredes de
cavernas, tomaram por substância terras impregnadas em
água, gerando as tonalidades matriciais. As configurações
delineadas foram preenchidas e os mitos converteram-nas
em volumes, dando os homens augúrios de novas invenções.
Anos atrás, as peças em barro modeladas por Alighiero
Boetti ( Io che prendo il sole a Torino il 19 gennaio 1969, 1969),
Antony Gormley (Field for the British Isles, 2012) e por Gabriel
Orozco (My Hands are my heart, 1991) direcionaram-me
quando à abordagem da iconografia do corpo. No primeiro
caso, as unidades quase esféricas em barro, resultantes de
um congestionamento estético moldado pelo desígnio da
figura humana jacente. Confrontando, a relembrar-se por
certo, a verticalidade informalista de algumas das peças em
barro de Giuseppe Penone, caso de Soffio di Creta (1999), a
título de exemplo. No segundo caso, os 40.000 minúsculos
homúnculos em terracota invadiam os espaços afirmando 166
_
Castro(PT), Susana Piteira(PT)
/
Arquivo, 168
Testemunho e Profanação
Pedro Lapa
_
Pelos Caminhos de Ferro que tinham aberto a Península, rompiam cada
dia, descendo da França e da Alemanha (através da França), torrentes
de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos,
interesses humanitários. Cada manhã trazia a sua revelação, como
um sol que fosse novo.
Eça de Queirós
Carla Filipe
Uma parte destas coleções foram emprestadas por João Pedro 9. Giorgio Agamben,
Remnants of Aus-
Teixeira que é colecionador e também ferroviário de profissão. chwitz. Nova Iorque:
Zone Books, 1999,
Como parte integrante da exposição foi-lhe pedida a palavra p. 161.
através de uma visita guiada aberta ao público. As narrativas 10. Bruno Latour, Re-
assembling the Social:
e explicações que João Pedro Teixeira teceu sobre alguns dos An Introduction to
Actor-Network-Theo-
objetos apresentados constituíram um testemunho do que ry. Oxford: Oxford
University Press,
nenhum estudo etnográfico ou histórico poderiam revelar. 2005, p. 12.
_
Originalmente publicado em Carla Filipe, da cauda à cabeça. Lisboa, Berlim:
_
Archive Books, Museu Coleção Berardo, 2014.
/
Encontro com as formas 190
Sérgio Mah
_
Foi entre 1970 e 1971 que Ângelo de Sousa realizou um dos
seus desenhos mais célebres e programáticos: Catálogo de
formas ao alcance de qualquer um. Nele o artista explora e
dispõe várias formas elementares, linhas, espirais, cruzes,
arcos, grelhas, círculos, pontos, com diferentes cores e
níveis de espessura. O desenho é emblemático dessa mistura
peculiar entre espontaneidade, experimentação e erudição
tão característica numa prática artística que nunca se deixou
enredar ou domesticar por categorias e por intenções prévias,
fruto de uma atitude sempre disponível para se surpreender,
para descobrir na sequência de cada gesto, vivencial e
pulsional, porque a arte, esta arte, começa e afirma-se nos
movimentos contingentes e generativos que são imanentes à
sua produção, como um jogo prático que implica experiência
e descoberta.
Embora o trabalho de Ângelo de Sousa se tenha desmultiplicado
por várias disciplinas artísticas – desenho, pintura, escultura,
filme, fotografia – o desenho é reconhecidamente um
elemento estruturante e transversal a toda a sua obra. Neste
sentido, o catálogo de formas refere-se não só à simplicidade
e acessibilidade do desenho, mas também sobre como o
desenho – como conceito e como experiência das formas – 191
_
Originalmente publicado em Ângelo de Sousa. Encontros com as formas, Lisboa,
_
Fundação EDP, 2014, pp. 18-23.
/
Encounters with Forms 205
Sérgio Mah
_
Between 1970 and 1971 Ângelo de Sousa produced one of
his best known and most programmatic drawings: Catálogo
de formas ao alcance de qualquer um (Catalogue of forms
within anyone’s reach). In the drawing, the artist explores and
arranges various elementary forms, lines, spirals, crosses,
arches, grids, circles, points, using different colours and
degrees of thickness. This drawing typifies the particular
mixture of spontaneity, experimentation and erudition
that is such a characteristic feature of an artistic practice
which refused to be snared or tamed by categories and
prior intentions, the result of an attitude constantly open to
surprises, to discovering through each existential, pulsional
gesture, why art, this art, begins with and is affirmed through
the contingent and generative movements that are inherent
to its production, in the manner of a practical game involving
experience and discovery.
Though Ângelo de Sousa’s work has encompassed many
different artistic disciplines – drawing, painting, sculpture,
film, photography – drawing is clearly a fundamental element
throughout all his work. Thus the catalogue of forms refers not
only to drawing’s simplicity and accessibility, but also to the
way that drawing – as a concept and as a way of experiencing 206
strands of hair, lint, spider webs, his hands, and many images
of the ground (floors, earth, trailing vegetation), reflected in
the various films (mostly Super 8) that he made in the 1970s.
Over the years, thousands of photographs accumulated whose _
sole objective was to respond to this obsessive, creative and
1. ‘“A felicidade no
playful impulse to capture images. There was never really a gatilho”: Interview
with Ângelo de
collective theme, a project, a systematic tendency. He never Sousa’, conducted
by João Fernandes
produced for a specific purpose: ‘I wouldn’t say that I made and Miguel
Wandschneider, in
them for myself: I just made them.’1 However, in a brief Ângelo de Sousa. Sem
Prata, Museu de Arte
attempt to organise his photographic archive, he managed to Contemporânea de
Serralves, Edições
distinguish three major groups: the ‘umanistas’, encompassing ASA, Porto, p. 25.
_
Fundação EDP, 2014, pp. 18-23.
/
Dávida e Suspeição 220
Talvez não haja nada que possa ser dito sobre esta peça que
ela mesma não possa transmitir. Poderá acrescentar-se que
ela justifica a razão pela qual João Tabarra, a determinada
altura do seu percurso, passou a recorrer também à imagem
projectada, para além da fotografia. A imagem projectada,
em movimento, permite-lhe gerar uma espacialidade e
uma temporalidade que transgride a natureza da superfície
imagética, ou se quisermos, a natureza de ecrã. Sobretudo
quando a imagem é projectada, convocando para si o espaço
em redor, João Tabarra consegue colocar o espectador, não
perante mas dentro do próprio espaço ficcionado, habitando-o
como uma personagem. Sem resolver a ambiguidade actor/
espectador, o artista permite que aquele tome uma posição,
assumindo um papel no exercício crítico.
No lado oposto do espaço de exposição, encontra-se um
conjunto de projecções que, não sendo uma série, constroem
uma espécie de circularidade à volta do ridículo. Em Fatigue
[2002] ouve-se um comando oral que reforça a impossibilidade
de sair de um espaço e das regras conformadas. Sem
imagens de sujeitos, a obra personifica sujeitos e com um
conteúdo quase opressor poderá, porventura, representar
também as prescrições que, para o artista, regem o mundo
da arte (e da vida). Diga-se que está em causa um objecto/
sujeito limitado por forças constrangedoras, incapaz de se
libertar delas, como de resto se torna explícito também em
Linha de Costa [2007], uma projecção de tecto na qual o
artista está a ser empurrado, pela cabeça, para debaixo de 243
_
Tabarra, Lisboa: CAM-Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 15-31.
_
A autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
/
Gift and Suspicion 246
and disquiet. In this respect, the poetic and the political work
alongside each other in João Tabarra’s work, the public and
the private intersect in unpredictable ways under a stain of
suspicion.
The tour begins on the upper floor of the Modern Art Centre
(CAM), where the characterisation of a stereotypical figure in
Portuguese society is found. This work, entitled Portugueses
na Europa, announced the failure of the European Union
project as early as 1995, almost a decade after Portugal had
joined this highly asymmetric community. A biting form of
caricature, the image depicts a society which emigrated in
order to modernise and develop economically but failed to
undergo an equivalent degree of cultural change. Today, the
work stands as a portrait of lost causes, mirroring the current
state of the country through its dramatic downturn. Although
it is an early work, it already shows signs of the social concern
and criticism that has characterised the artist’s production
ever since. The work includes an artistic language which,
over time, has been increasingly refined in aesthetic terms
and which, in some cases, communicates almost exclusively
through poetry, making use of allusive figures and parables.
Behind this first work, which is installed in a purpose-built
black box, is Ballata del Suicidio, Working Class Angels. Para
Pasolini [2007], a piece which serves as a homage to the Italian
film-maker. With it, the artist suggests that excessive light
can blind, a theme which is otherwise close to João Tabarra’s
heart as he has always used light as a working material. 252
else that João Tabarra absorbed from the masters, it was the
lesson that revealing one’s fragility, becoming defenceless
(not raising protective barriers) can be the best way to attain
something that is dearly sought: genuine sincerity. This might
be the only possible truth, the gift that he seeks so that he can
offer it as evidence. Only sincerity will allow him to open his
eyes to the world again, with the ingenuousness of one who
is reborn.
There follows a series of works in which João Tabarra tackles
the idea of falling and subsequently getting up, of which
the exemplary piece is Defense Trois Mouvements I, II, III
[2001]. In this image of three trials, three moments, the artist
demonstrates that, when falling or being attacked, the body
tends to adopt the foetal position – the earliest position and
the one that theoretically condenses in itself the beginning
and the end.
The artist is always balanced on a knife edge and walking a
fine line, like the clumsy, irreverent young tightrope walker
shown in Balader Balancer [2002]. The stretch of wall along
which the artist moves belongs to a part of Lisbon that lies
between the founding structures of the Pombaline period
and a regenerated area which, despite its new buildings, is
in dubious taste, both socially and aesthetically. These works
are imbued with a decadent atmosphere, placing the bogged-
down character in muddy environments from which he tries
to escape or stagnant waters where he seeks to quench his
thirst by assuming an animal-like stance, as in Lake + Fool 255
essence of their works and seeking the gift that he also aims
to give to his neighbour. This is exemplified in Le Chercheur
[2004], in which the artist plays the role of a gold panner
who ingloriously tries to find gold in an urban fountain. It
is the portrait of a rescuer of lost worlds who feels powerless
and lonely in his work. Or the one who is reinvigorated in
the embrace of an embalmed wolf, as in Lake + Fool, The
Thing With Feathers [2000]. These images show a world
replete with oppositions: society and the solitude that can
be felt even by those who are part of it, the animal and the
human, the trash and the beauty of a white horse, (…) [2001],
exposing the discrepancy and discomfort of situations that
should apparently form part of a whole, completing itself.
Signs of helplessness can also be seen in Shuffle [2001], in
which the character carries a sort of mantle made from
several beach towels on his back, symbolising the weight
of history. In gazing at the infinite, at the immensity of the
sea and perhaps of civilisation, a place where all historical 261
red paint that highlights the subject’s mouth is the first sign
of the failure of the disguise. In Pose Maquillage Pose [2004],
which shows a face bruised by a beating, the artist is holding
a large loudspeaker in his hands, retaining the power of the
voice, the ability to make critical judgements, which, in spite
of everything, he does not use, instead remaining mute. The
works take on paradoxical aspects, allowing the weakest and
most daring side of the human condition to be seen. This is
what the artist whispers to the lion, the other great predator
of the ‘jungle’ besides man, in Confissão / Construção [2003]:
‘I only know how to live’, as if telling the animal that he has
no choice. The only thing that he knows and can do is to live,
and live intensely, without limits or safety nets.
The lower gallery of the CAM is largely devoted to fairies,
those paradigmatic, enigmatic and androgynous characters
that inhabit the artist’s world. They bring with them a mixture
of fantasy and terror that is typical of the dark side of fairy
tales. But the artistic system is not analogous to a fairy tale and
what João Tabarra aims to recreate is not an enchanted story.
He is a constructor of fictions that relate to the factual world
in a highly objective manner. The fairies dig out a wound in
the representation, breaking the enchantment and illusion of
the moment, preventing the spectator from forgetting that
a gap exists between fantasy and reality and that the work
of art belongs simultaneously to both. Otherwise, this is the
effect of the assembly table on which João Tabarra works.
Over the years he has been constructing the sequence like 263
the links between art and life, the time of one and of the other.
The work, which consists of 108 images that form a six-metre
long and three-metre high mosaic on the wall of the gallery,
consists of a detailed depiction of a bonsai tree. The tree was
photographed using a mechanical device that allowed the
camera to move around it, centimetre by centimetre, over the
course of several days, so that the sequence of parts was not
lost and the map of the miniature tree could be reconstructed.
Each fragment was enlarged, transposed onto paper and
subsequently reassembled until the whole had acquired the
size of a six-metre tree that stretches out horizontally in the
exhibition space. This piece, the artist’s most recent, adopts
a unique language in the context of his work. Devoid of
any figures, it turns on itself, metaphorically expressing the
process of construction. On its surface, it exposes the process
by which the image is composed and decomposed, the
grooves and gaps opened up by the assembly of the various
fragments as well as the junctions and maladjustments
arising from the act of joining these fragments together. It is
an image that declaredly explores the systems and supports
of representation. Moreover, it reveals the differing ways in
which subjects behave before an object or living being that
is represented in different shapes and sizes while remaining
the same object.
As on the upper floor, the arrangement of works on the lower
floor of the CAM extends almost symmetrically around the
gallery, allowing the spectator to follow the collection of 266
_
Tabarra, Lisboa: CAM-Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 129-145.
/
Arquitectura recente no Brasil: 272
A História Continua
Ana Vaz Milheiro
_
Itinerários Modernos
A relevância da arquitectura brasileira contemporânea tem
dependido muito da gestão interna da sua própria história.
“O sucesso da arquitetura moderna no Brasil foi de tal ordem
que logo tornou-se ela a nossa arquitetura corrente e popular”,
apontava Oscar Niemeyer na década de 1950 (Niemeyer,
1955, p. 18), sugerindo que no período que sucedeu à segunda
guerra mundial, a expressão moderna beneficiava no país de
um consenso generalizado e socialmente transversal. Uma
história que começou por enunciar-se enquanto narrativa
escrita, com o texto manifesto de Gregori Warchavchik,
Acerca da Architectura Moderna, de 1925, antes mesmo de
se tornar forma construída: “A nossa arquitetura deve ser
apenas racional, deve basear-se apenas na lógica, e esta lógica
devemos opô-la aos que estão procurando por força imitar
na construção algum estilo” (Warchavchik, 1925, 2006,
p. 36). Em 1939, na Feira Mundial de Nova Iorque, com o
pavilhão do Brasil (Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Paul Lester
Wiener, Burle Marx no paisagismo), esta história ganhou
visibilidade internacional. Mas aí era já de construção que se
tratava. Lucio Costa descodificava para as entidades oficiais
a linguagem poética e abstracta do pavilhão, atribuindo-lhe 273
Itinerários recentes
A arquitectura recente do Brasil não assenta na criação de
factos novos, mas na interpelação constante às potencialidades
deixadas em aberto pelo processo moderno. Não se trata
de enveredar por um neo-historicismo, na medida em que
a história da arquitectura do país é encarada como em
construção, e não como um património virtuoso. A difícil
reabilitação dos velhos edifícios do período 1925-1970, cuja
obsolescência física tem sido raramente travada, revela que
não existe claramente uma noção colectiva da sua condição
de monumento histórico. Construções recentes de Niemeyer
em alguns dos seus projectos emblemáticos dos anos de
1950, como o novo auditório no Parque do Ibirapuera (São
Paulo, 2002-2005), ou a Biblioteca Nacional (2002-2006) na
esplanada central dos ministérios em Brasília, confirmam
a regularidade destas intervenções. Apesar da falta de
protecção que pesa sobre os sítios históricos modernos, os
arquitectos estão, na generalidade, bastante conscientes do 284
_
Bibliografia citada
Amorim, Delfim (1964), “Programa sobre a cadeira de modelagem”, Delfim
Amorim Arquiteto, Recife: Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento
de Pernambuco, 1991.
Andreoli, Elisabetta; Forty, Adrian (2005), Brazil’s Modern Architecture,
London: Phaidon Press.
Bardi, Lina Bo (1951, 2009), “Bela criança”, Lina por Escrito – textos escolhidos
de Lina Bo Bardi, São Paulo: CosacNaify.
Bucci, Angelo; Puntoni, Alvaro; Vilela, José Oswaldo (1991), “Pavilhão do Brasil
na Expo 92 Sevilha”, Projeto, nº138.
Bullrich, Francisco (1969), New Directions in Latin American Architecture,
London: Studio Vista.
Cardozo, Joaquim (1956), “Dois episódios na arquitetura moderna brasileira”,
Módulo, nº4, Março.
Cavalcanti, Lauro (2006), Moderno e Brasileiro, Rio de Janeiro: Jorge Zahar
editor.
Costa, Lucio (s.d., 1995),” Texto esclarecedor redigido por solicitação do
comissário geral”, Registro de uma Vivência, São Paulo: Empresa das Artes.
Costa, Lucio (1967, 1995), “O urbanista defende a sua cidade”, Registro de uma
Vivência, São Paulo: Empresa das Artes. 300
Costa, Lucio (1969), “Brasília, hoje”, Binário, nº126, Março.
Ferro, Sérgio (2005),”Pour Finir Encore”, O Canteiro e o Desenho, São Paulo:
Vicente Wissenbach editor.
Governo do Estado Federal (1991), Relatório do Plano Piloto de Brasília,
Brasília: Governo do Estado Federal, Arquivo Público do DF, Companhia do
Desenvolvimento do Planalto Central, DPHADF.
Gouvêa, Luiz Alberto de Campos (1995), Brasília a Capital da Segregação e do
Controle Social, São Paulo: Câmara Brasileira do Livro.
Gropius, Walter (1954, 1987, 2003), “Um vigoroso movimento”, Alberto Xavier
(org.), Depoimento de uma geração – arquitetura moderna brasileira, São
Paulo: CosacNaify.
Guedes, Joaquim (1968), Depoimento, Acropole, nº 347, Fevereiro.
Lima, João Filgueiras (Lelé, 2004), O que é ser arquiteto, Rio de Janeiro, São
Paulo: Editora Record.
Moura, Rodrigo (2008), “O museu no sertão”, Adriano Pedrosa e Rodrigo
Moura (org.), Inhotim, Inhotim: Instituto Inhotim
Mumford , Eric (2000), The CIAM Discourse on Urbanism, 1928-1960,
Cambridge, Massachusetts/London, England: The MIT Press.
Niemeyer, Oscar (1955), “Problemas atuais da arquitetura brasileira”, Módulo,
nº3, Dezembro.
Niemeyer, Oscar (1973, 1974), “Extraits de l’interview accordee par Oscar
Niemeyer aux jornaux bresiliens (octobre 1973)”, L’Architecture d’Aujourd’hui,
nº171, Janvier/Fevrier.
Recamán, Luiz (2004), “Forma sem utopia”, Elisabetta Andreoli e Adrian Forty
(org.), Brazil’s Modern Architecture, London: Phaidon Press.
Reidy, Affonso Eduardo (1961, 1987, 2003), “Inquérito Nacional de
Arquitetura”, Alberto Xavier (org.), Depoimento de uma geração – arquitetura
moderna brasileira, São Paulo: CosacNaify.
Ribeiro, Demétrio; Souza, Nelson; Ribeiro, Enilda (1956), “Situação da
Arquitetura Brasileira” [tese aprovada no IV Congresso Brasileiro de
Arquitetos], Brasil - Arquitetura Contemporânea, nº7.
Schwartzman, Allan (2008), “Um lugar a se conhecer”, Adriano Pedrosa e
Rodrigo Moura (org.), Inhotim, Inhotim: Instituto Inhotim 301
Segawa, Hugo (1998), Arquiteturas no Brasil 1900-1990, São Paulo: Edusp
Ueda, Atsushi (1980), “Impressive scene of Brasília”, Process Architecture, nº
17, Agosto.
Warchavchik, Gregori (1925, 2006), “Acerca da Architectura Moderna”,
_
Arquitetura do Século XX e outros escritos, São Paulo: CosacNaify.
_
ISBN:9780714867496
/
A pintura como desejo de cinema; 302
parece ser a forma geral de sensibilidade que lhe é [ao cinema] 3. Ver diferentes
perspectivas
verdadeiramente essencial, na medida em que o cinema é uma arte em BONFAND,
Alain - Le cinéma
da visão. Do mesmo modo, as obras comummente designadas saturé. Essai sur
les relations de la
de cinema puro – os filmes de vanguarda – encontram-se peinture et desimages
en mouvement
conectadas, sobretudo, às problemáticas de expressão plástica»2. [2007]. Paris: Presses
Universitaires
Vejamos, a compreensão do cinema como arte do espaço de France, 2007;
MOULIN, Joelle –
não se opõe à montagem ou, se preferirmos, à ideia de tempo. Cinéma et peinture
[2011]. Paris:
Estamos a centrar-nos sobretudo na plasticidade da imagem, Citadelles, 2011.
_
Texto originalmente publicado em NOGUEIRA, Isabel - A pintura como desejo
de cinema; o cinema como desejo de pintura. In SABINO, Isabel (coord.) -
And Painting? E a Pintura? A Pintura Contemporânea em Questão. Lisboa:
CIEBA/Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2014, p. 125-
_
130.
/
Painting as the desire for cinema; 313
_
2014, p. 125-130. Also online.
/
As “Audições” da 324
_ _
Casa na Atalhada, São Miguel, Açores 1. Memória de Ana
Vieira em torno
Arq. Pedro Maurício Borges da prática do seu
trabalho – Catálogo
da exposição Ana
Vieira Muros de
Situada num povoado de ocupação predominantemente Abrigo/Shelter
Walls. Fundação
linear que bordeja o mar e que dele, assim como da terra, Calouste Gulbenkian
- Cam Centro de
retira a sua subsistência, a casa da Atalhada fica numa parcela Arte Moderna /
Presidência do
de limite, no lado sul da Ilha de São Miguel, terminando Governo Regional
dos Açores -
directamente sobre a costa. Este é um terreno análogo àquele D.R.A.C. - Museu
Carlos Machado,
que referencia as memórias açorianas e os trabalhos da artista Lisboa, 2011, ISBN
978-972-635-219-8
(CAM), pag.23.
plástica Ana Vieira onde, por várias vezes, nos descreve uma
sucessão de compartimentos exteriores que desembocam
numa única porta, por onde se acede à água — “Absorvi
esse espaço, a ambiguidade de ser simultaneamente aberto
e fechado, e ainda o facto de haver passagens, de implicar
tempo, cadências e percursos. A última porta dava para o
mar.”1 Se é essa relação especial de entrosamento com o meio
que marca a memória de Ana Vieira, é essa mesma relação
que, num encadeamento espacial, une esta casa e o local.
Construída com base numa afincada ginástica orçamental e
recorrendo ao conhecimento aprofundado dos construtores,
métodos e materiais da região, esta casa é fruto de uma atenção
dirigida à cultura local e produto de um acompanhamento 340
_
(Este texto suporta-se no filme A Minha Casa nos Açores — http://www.lamipa.
com/a-minha-casa-nos-acores/ —, nas várias conversas mantidas com o autor e
_
os moradores da casa, e na pontual vivência da mesma, desde 2005).
_
Agradecimentos a Pedro Maurício Borges, Emanuel Albergaria e Pedro Baía
/
O espelho nómada. 348
_
Texto escrito para o projecto ZONE, de Mark Themann,
EMPTY CUBE, 25 de Junho de 2014.
Junho 2014
_ 360
_
Zone de tudo aquilo que abole o pensamento
/
The nomadic mirror. 361
_
Text written for Mark Themann’s ZONE project,
EMPTY CUBE, 25 June 2014.
June 2014
_
The sentences that made up the performance:
_
AICA / SP - 2015
ISSN 2183-7163