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Tese Idoso

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BAURU

Mantido pela Instituição Toledo de Ensino


CURSO DE DOUTORADO EM DIREITO
MÁRIO COIMBRA

CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO CIVIL DO


ESTADO NA OFENSA PELO PODER JUDICIÁRIO AO
PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL EM PROCESSO
ENVOLVENDO INTERESSE DE IDOSO

BAURU/SP
2015
MÁRIO COIMBRA

CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO CIVIL DO


ESTADO NA OFENSA PELO PODER JUDICIÁRIO AO
PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL EM PROCESSO
ENVOLVENDO INTERESSE DE IDOSO

Tese de Doutorado, apresentada ao


Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Direito (Área de Concentração: sistema
Constitucional de Garantia de Direitos),
Núcleo de Pós-Graduação, Centro
Universitário de Bauru, mantido pela
Instituição Toledo de Ensino, para a
obtenção do título de Doutor em Direito, sob
a orientação do Professor Doutor Flávio Luis
de Oliveira.

BAURU/SP
2015
MÁRIO COIMBRA

CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO CIVIL DO


ESTADO NA OFENSA PELO PODER JUDICIÁRIO AO
PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL EM PROCESSO
ENVOLVENDO INTERESSE DE IDOSO

Tese de Doutorado, apresentada ao


Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Direito (Área de Concentração: Sistema
Constitucional de Garantia de Direitos),
Núcleo de Pós-Graduação, Centro
Universitário de Bauru, mantido pela Instituto
Toledo de Ensino, para obtenção do título de
Doutor em Direito, sob a orientação do
Professor Doutor Flávio Luis de Oliveira.

BANCA EXAMINADORA

____________________________
Prof. Dr. Flávio Luis de Oliveira (orientador)
____________________________
Prof.Dr.Rui Carvalho Piva
____________________________
Prof.Dr. Sílvio Carlos Alvares
_______________________________
Prof. Dr.Gelson amaro de Souza
______________________________________
Prof.Dr.Richard Paulro Paes Kim

Bauru, 25 de junho de 2015


Sem desconsiderar a proteção de Deus, que sempre me guiou no
palmilhar cotidiano desta vida terrena, agradeço, inicialmente, aos meus pais Luiz
Geraldo Coimbra e Luzia Cauneto Coimbra pelo fomento à religião, à leitura e aos
atributos morais e sociais.
À minha adorada esposa Regina Lúcia de Almeida Coimbra, minha
companheira de viagem, pelo imprescindível apoio ao curso de doutorado.
Às minhas filhas Francislaine de Almeida Coimbra e Janaina de
Almeida Coimbra, cultoras da Ciência do Direito e, também, incentivadoras da minha
capacitação acadêmica.
Às minhas netas Ana Beatriz Coimbra .Strasser e Maria Fernanda
Coimbra Strasser pela pureza e beleza infantil que encantam a todos. . Enfim, nada
seria, nada conseguiria sem o apoio de minha iluminada família.
Reverencio o Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito da
Instituição Toledo de Ensino de Bauru, que me permitiu palmilhar, com cientificidade,
o caminho da alteridade.
Agradeço ao meu querido orientador, Professor Flávio Luis de
Oliveira, cujos ensinamentos na linha processual foram imprescindíveis para a
elaboração do presente trabalho.
À professora Doutora Eliana Franco Neme, coordenadora do programa
supra e aos professores Luiz Alberto David Araujo, Pietro de Jesús Alarcón, Vidal
Serrano Nunes Júnior e Walter Claudius Rothermburg pela reconstrução do saber
jurídico, que me fizeram cultuar, ainda mais, a Ciência do Direito.
Aos Drs. Rui Carvalho Piva e Sílvio Carlos Álvares, que integraram a
banca de qualificação, pelas oportunas ponderações de realinhamento do texto.
À secretaria acadêmica do programa de pós-graduação da Instituição
Toledo de Ensino, com especificidade à Cláudia, Alessandra e Marisa pelo
imprescindível apoio.
Aos diletos colegas do doutorado de quem obtive grande energia para
a conclusão do curso.
―É de maneira dissimulada que o adulto tiraniza o velho que
depende dele. Não ousa abertamente dar-lhe ordens, pois não
tem direito à sua obediência: evita ataca-lo de frente, manobra-
o. Na verdade, alega o interesse do ancião. A família inteira se
torna cúmplice. Mina-se a resistência do ancião, oprimindo-o
com cuidados exagerados que o paralisam...‖
(Simone de Beauvoir)

―As pessoas idosas são intermediárias entre o passado, o


presente e o futuro. Sua sabedoria e experiência constituem
verdadeiro vínculo vital para o desenvolvimento da sociedade‖.
(Kofi Annan).

.‖O direito de qualquer pessoa a obter justiça não será por nos
vendido, recusado ou postergado‖.
(Cláusula 40 da Magna Carta).
RESUMO

O direito do idoso vem se revestindo de uma nova especialidade fomentada não só


pelo crescente aumento populacional mas também pela conscientização comunitária
irradiada ao próprio legislador, em face da necessidade da proteção da pessoa
idosa, com a efetivação dos seus direitos fundamentais, como vida, saúde,
alimentação, educação, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania, liberdade
dignidade, respeito e convivência familiar e comunitária, conforme expressamente
impõe o artigo 6º da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). A referida lei inseriu, no
ordenamento jurídico brasileiro, todos os princípios e diretrizes internacionais
protetivas da pessoa idosa, estabelecendo mecanismos jurídicos de proteção dos
direitos fundamentais do idoso, tanto no âmbito vertical como no horizontal, não
deixando, também, de regular importante matéria previdenciária, civil e processual
civil de interesse do idoso. No que tange à área processual, dentre os direitos
fundamentais de suma importância contemplados pela Constituição Federal, merece
destaque o princípio da duração razoável do processo que impõe ao juiz o dever de,
impulsionar o processo com a devida celeridade, não permitindo a prática de atos
dilatórios e procrastinatórios .O desrespeito ao referido direito fundamental constitui
inegável violação ao princípio da proibição da proteção insuficiente. Anote-se que a
prestação jurisdicional tardia representa inegável injustiça, muitas vezes acarretando
efeitos deletérios aos interesses de uma ou de ambas as partes litigantes, com lesão
material e moral significativas. De fato, o legislador impôs a devida celeridade
processual no artigo 71 do Estatuto do Idoso, de forma que o processo deve
ultimar-se com a almejada tutela judicial, no menor prazo possível. O legislador
pretendeu, ao preceituar a celeridade aos processos que digam respeito a ações de
interesses de idosos, que o Estado-Juiz se estruturasse o bastante, para que a
aludida norma fosse cumprida. Se o próprio Estado impõe ao Poder Judiciário que
dê impulsividade diferenciada ao processo envolvendo interesse de idoso, no intuito
de torná-lo mais célere do que os demais, não pode omitir-se do aludido dever, sem
que advenham consequências pelo vilipêndio normativo.

Palavras-chave: Direitos do Idoso. Acesso à Justiça. Princípio da Duração Razoável


do Processo. Tutela Antecipada. Dano Moral Difuso. Indenização Civil.
ABSTRACT

The right of the elderly has been involved with a new specialty promoted not only by
the population growth that has been increasing, but also by community awareness
irradiated to legislator himself for the need for protection of the elderly, with the
enforcement of their fundamental rights such as life, health, food, education, culture,
sports, leisure, work, citizenship, freedom, dignity, respect and family and community
life, as expressly required by article 6 of Law nº 10.741 / 2003 (Elderly Statute).
Through this law all the principles and protective international guidelines for the
elderly entered the Brazilian legal system, establishing legal mechanisms of
protection of fundamental rights of the elderly in both the vertical and the horizontal
levels, and also, regulates important matters related to social security, civil and civil
procedure of interest to the elderly. Regarding the procedural area, among the
fundamental rights of paramount importance contemplated by the Constitution, it is
worth highlighting the principle of reasonable duration of the process that requires the
judge with the task of promoting the process with all due speed, not allowing the
practice of dilatory and procrastinate acts. Failure to comply to that fundamental right
is undeniable violation of the principle of the prohibition of insufficient protection. Note
that the delayed adjudication is undeniable injustice, often causing deleterious effects
to the interests of one or both disputing parties, with significant material and moral
injuries. In fact, the legislator has imposed the proper procedural celerity in article 71
of the Elderly Statute, so that the law suit should be finalized with the desired legal
protection, as quickly as possible. It was the legislator´s intention when he stipulated
the proper celerity to the procedures related to elderly law suits, that the Justice was
able to have a good structure so that the alluded law was enforced. If the state itself
imposes on the Judiciary Power to give differentiated impulsivity to procedures
involving interest of elderly in order to make it faster than the others, it can not be
omitted in the alluded duty, without furnished consequences by the vilification
normative.

Keywords: Elderly Rights. Access to Justice. Principle of Reasonable Duration of


Procedure. Injunctive Relief. Moral Diffuse Damage. Civil Damages.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ____________________________________________10

PARTE I - A TUTELA DOS DIREITOS DOS IDOSOS NAS


DIMENSÕES NACIONAL E INTERNACIONAL __________________14

1 OS DIREITOS MATERIAIS FUNDAMENTAIS DOS IDOSOS _____________ 14


1.1 Conceito e evolução histórica ___________________________________ 14
1.2 Dignidade da pessoa humana como pilastra dos direitos fundamentais ___ 18
1.3 Características e fundamentalidade formal e material dos direitos
fundamentais___________________________________________________ 21
1.3.1 A historicidade _____________________________________________ 21
1.3.2 Universalidade e internacionalização ____________________________ 22
1.3.3 Autonomia/ Irrenunciabilidade _________________________________ 24
1.3.4 Autogeneratividade e indivisibilidade __________________________ 24
1.3.5 A limitabilidade e a concorrência de direitos ______________________ 25
1.3.6 Maximização ou efetividade ___________________________________ 26
1.3.7 Fundamentalidade formal e material ____________________________ 27
1.4 Duplicidade de conteúdo jurídico-constitucional dos direitos fundamentais.
Eficácia vertical e horizontal. _______________________________________ 28
1.5 Proibições de intervenção e imperativos de tutela ___________________ 32
1.6 Efetividade dos direitos fundamentais nas relações privadas ___________ 36

2 OS DIREITOS MATERIAIS DOS IDOSOS EMOLDURADOS NO


ORDENAMENTO JURÍDICO ________________________________________ 39
2.1 O envelhecimento e os desafios da sociedade brasileira ______________ 39
2.2 O envelhecimento sob a tutela da ONU ___________________________ 48
2.2.1 Conferências regionais sobre idosos ____________________________ 52
2.3 Principais textos normativos protetivos dos direitos dos idosos _________ 55
2.4 O direito à vida ______________________________________________ 62
2.5 O direito à saúde _____________________________________________ 70
2.6 Do direito aos alimentos ______________________________________ 113
2.7 Do direito à moradia _________________________________________ 124
2.8 Do transporte público ________________________________________ 148
2.9 Do direito ao trabalho e aposentadoria ___________________________ 153
2.10 Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer _____________ 167
2.10.1 Do direito fundamental à educação ___________________________ 167
2.10.2 Do direito à cultura, ao esporte e ao lazer. ______________________ 192
2.11 Da aptidão para os atos da vida civil ____________________________ 201

PARTE II - A RESPONSABILIDADE DO ESTADO-JUIZ NA


EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS IDOSOS ___205

1 AS NUANCES DO DIREITO E O ESTADO JUIZ______________________ 205


1.1 Escorço histórico ____________________________________________ 205
1.1.1 Modalidades de ações _____________________________________ 211
1.2 Direito como norma __________________________________________ 231
1.3 O Poder Judiciário como edificador da justiça _____________________ 245
1.3.1 A função do Estado-juiz ____________________________________ 245
1.3.2 Origem e evolução do Poder Judiciário brasileiro _________________ 252
1.3.3 Direito e função jurisdicional como justiça _______________________ 270

2 O DIREITO FUNDAMENTAL DO ACESSO À JUSTIÇA ________________ 301


2.1 O acesso à justiça ___________________________________________ 301
2.2. Do princípio da duração razoável do processo ____________________ 310
2.3 O acesso à Justiça pelo idoso através do Ministério Público e Defensoria
Pública ______________________________________________________ 324
2.4 O acesso à justiça e a tutela do idoso pela O.A.B. e associações ______ 341
2.5 A celeridade processual das ações envolvendo interesses dos idosos e
alterações do CPC – projeto de lege ferenda _________________________ 344
2.5.1 Tutela provisória ___________________________________________ 349
2.5.1.1 Da tutela antecipada ______________________________________ 355
2.5.1.2 Da tutela de evidência _____________________________________ 367
2.5.2 Alterações no C.P.C. – proposta de lege ferenda _________________ 370
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA OFENSA À DURAÇÃO
RAZOÁVEL DO PROCESSO ______________________________________ 375
3.1 O dever de indenizar na omissão de julgar ________________________ 375
3.2 Alteração do fundo do idoso ___________________________________ 382

CONCLUSÃO ___________________________________________________ 384

BIBLIOGRAFIA _________________________________________________ 405

ANEXOS ________________________________________________436
1 PLANO DE AÇÃO INTERNACIONAL DE VIENA SOBRE O
ENVELHECIMENTO _____________________________________________ 436

2 SEGUNDA ASSEMBLEIA MUNDIAL SOBRE O ENVELHECIMENTO ___ 471

3 CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE A PROTEÇÃO DOS _________ 475


DIREITOS HUMANOS DOS IDOSOS ________________________________ 475

4 PROPOSTA DE LEGE FERENDA PARA ALTERAÇÃO DO NOVO CÓDIGO


DE PROCESSO CIVIL ____________________________________________ 504

5 PROPOSTA DE LEGE FERENDA PARA ALTERAÇÃO DO FUNDO


NACIONAL DO IDOSO E FUNDO ESTADUAL DO IDOSO _______________ 507

6 EMENTA ATINENTE À RECLAMAÇÃO N° 4.374/STF SOBRE BENEFÍCIO


PREVIDÊNCIÁRIO A IDOSOS PREVISTO PELA LOAS. _________________ 509

7 EMENTA ATINENTE AO RE/580963 – INCONSTITUCIONALIDADE DO


ARTIGO 34, PARÁGRAFO ÚNICO DO ESTATUTO DO IDOSO. ___________ 511
10

INTRODUÇÃO

O fenômeno natural do envelhecimento não revela, apenas, uma mera


preocupação do cidadão que já percorreu grande parte da linha temporal humana,
encontrando-se na faixa etária da pessoa idosa. Inserido no âmbito da ciência, o
envelhecimento humano sempre foi uma preocupação da medicina, com
especificidade, da geriatria. Também a sociologia e a gerontologia sempre
contribuíram com belíssimos trabalhos científicos, na área do idoso.

No entanto o idoso deixou de ser apenas estudado pela Geriatria,


Gerontologia e demais áreas científicas afins, para se transformar num importante
campo do Direito. O Estado brasileiro enfoca o idoso como a pessoa com idade igual
ou maior de 60 anos, cujo conceito se encontra normatizado no artigo 1º da Lei nº
10.741, de 1º de outubro de 2003.

O direito do idoso vem-se revestindo, assim, de uma nova


especialidade fomentada não só pelo crescente aumento populacional mas também
pela conscientização comunitária, irradiada ao próprio legislador, em face da
necessidade da proteção da pessoa idosa, com a efetivação dos seus direitos
fundamentais, como vida, saúde, alimentação, educação, cultura, esporte, lazer,
trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, respeito, convivência familiar e
comunitária, conforme expressamente impõe o artigo 6º do Estatuto do Idoso.

Registre-se que ocorreu um avanço extraordinário do número de


idosos no Brasil, com inversão da pirâmide populacional, representando, assim, um
acentuado desafio para a sociedade brasileira, já que, neste século XXI, a
população jovem será bem inferior ao número de idosos. Obviamente, as cifras
mundiais do nível de envelhecimento populacional são de igual forma preocupantes.
Por outro lado, o Estado brasileiro, ao contrário de outros países, como a Finlândia,
Dinamarca, Itália e outros, não se preocupou em se aparelhar adequadamente,
para lidar com este grande contingente de idosos que necessitam de políticas
públicas adequadas para a efetivação dos seus direitos fundamentais.

Tal omissão do Brasil é preocupante, em face do notório preconceito


que o idoso sofre, não só no âmbito familiar como também no social e profissional.
11

Com efeito, a despeito da capacidade do idoso, é comum recair, sobre ele, o


estereótipo da velhice, cultuado, historicamente, por uma sociedade que vivencia a
filosofia do ‗descartável‘. Dessa forma, a pessoa idosa é constantemente fustigada
no sentido de se aposentar, já que não se consegue, mais, produzir
adequadamente, no trabalho. Uma vez inserido no rol dos aposentados, reservam-
se ao idoso as festinhas da terceira idade, que muitas vezes representa a
infantilização da vida dos idosos, olvidando-se, até mesmo, o gestor público, tutor de
tais atividades, de que o idoso necessita ser inserido na atividade econômica,
política, cultural e social deste país. O mito da velhice traz, ainda, como
consequência deletéria, o nivelamento de todos os idosos, como se fossem eles um
grupo de pessoas imprestáveis.

É confortador saber, contudo, que os desafios já planificados para a


sociedade e o Estado brasileiro, em face das projeções demográficas da população
idosa e as necessidades intrínsecas à aludida faixa etária, passou, também, a
merecer a atenção internacional, especialmente das Nações Unidas, que caminha
para a elaboração de um tratado internacional de proteção à pessoa idosa. A
Organização dos Estados da América também caminha para a elaboração de um
tratado regional enfocando a mesma questão.

Todavia tão importante como os direitos já enfocados é o direito do idoso


ao pleno acesso à Justiça e ao processo justo, com obediência ao princípio da
duração razoável.

Não é por outra razão que o artigo 71 do Estatuto do Idoso impõe que o
julgador vele pela devida celeridade processual nas ações envolvendo interesse de
idoso, cujos feitos terão prioridade de tramitação, incluindo execução, atos
processuais e diligências judiciais.

O objetivo da presente tese reside na proposta de lege ferenda, visando


a alterar dispositivos do Código de Processo Civil, no sentido de autorizar o
magistrado a conceder a tutela provisória antecipada em processo envolvendo
interesse do idoso, até mesmo de ofício. Também consiste a proposta em fixar o
prazo de um ano, para que o magistrado ultime o processo quando houver interesse
de idoso, com a possibilidade de se prorrogar o prazo por igual período, nas ações
complexas. Também os tribunais regionais, bem como o Superior Tribunal de Justiça
12

e o Supremo Tribunal Federal terão o prazo de um ano, para julgar os recursos


interpostos em tais feitos,

Foram utilizados, como instrumentais, pesquisa bibliográfica, pesquisa


documental na Constituição, na legislação, tratados internacionais e na
jurisprudência.

Utilizou-se, na redação, o método dedutivo. A presente tese foi dividida


em duas partes e cinco capítulos.

A primeira parte enfocou a tutela dos direitos dos idosos nas dimensões
internacional e nacional. Em seu primeiro capítulo, foram estudados os direitos
materiais fundamentais dos idosos, com análise do seu conceito, evolução histórica
e a dignidade da pessoa humana como pilastra dos direitos fundamentais. Também
foram realizadas prospecções atinentes às características e fundamentalidade
formal e material dos direitos materiais, bem como da duplicidade de conteúdo
jurídico-constitucional dos direitos fundamentais; e, ainda, sobre proibições de
intervenção e imperativos de tutela e efetividade dos direitos fundamentais nas
relações privadas.

No segundo capítulo dessa primeira parte, foram trabalhados os direitos


materiais constitucionais dos idosos emoldurados no ordenamento jurídico, sem
olvidar, contudo, da análise do envelhecimento e dos desafios da sociedade
brasileira na aludida área, assim como dos textos elaborados protetivos dos idosos,
elaborados sob a tutela da ONU e as conferências regionais realizadas no mesmo
sentido.

A segunda parte tratou da responsabilidade do Estado-Juiz na


efetivação dos direitos fundamentais dos idosos. Em seu primeiro capítulo, foram
estudadas as nuances do Direito e o Estado-Juiz, com foco inicial para a evolução
do direito processual, desde o Império romano, além da análise destacada do direito
como norma. O Poder Judiciário recebeu a atenção neste capítulo, com análise da
sua origem, evolução histórica e função constitucional. Foi dado destaque, ainda,
sobre o enfoque do direito e função jurisdicional como justiça.

No segundo capítulo desta segunda parte, foi estudado o direito


fundamental de o acesso à Justiça, com especial atenção para o princípio da
duração razoável do processo e a própria efetividade do aludido acesso. Também foi
13

dado destaque ao acesso à Justiça e à tutela do idoso pelo Ministério Público,


Defensoria Pública, O.A.B. e associações. No referido capítulo, foram sugeridas
propostas de alteração do novo C.P.C. de lege ferenda, no sentido de se fixar prazo
para o julgador analisar os processos envolvendo interesse de idosos e, em caso de
descumprimento, que se reconheça, de ofício, o dever do Estado em depositar
quantia não inferior a cinco salários mínimos, no Fundo Nacional (Estadual) de
Justiça, a título de indenização.

O terceiro capítulo dessa segunda parte cuidou da responsabilidade civil


do Estado na hipótese de ofensa ao princípio da duração razoável do processo, nas
ações envolvendo interesse de idosos. Desse modo, discorreu-se sobre a
possibilidade legal da responsabilidade civil estatal, em caso de ofensa ao aludido
princípio e, ainda, sobre a criação do fundo de justiça, também como proposta de
lege ferenda.

A presente tese se justifica, em face da triste realidade vivenciada pelo


Judiciário brasileiro, que não consegue cumprir o princípio constitucional da duração
razoável do processo, e o idoso constitui um dos grupos vulneráveis que mais sente
a aludida omissão com graves efeitos deletérios na vida pessoal da pessoa idosa.
Não são poucos os casos em que o idoso vem a falecer anos depois da distribuição
da sua ação e a prestação jurisdicional somente é prolatada muito tempo depois da
sua morte.

Evidentemente a mera alteração legislativa, visando a tornar mais


célere o processo, em nada resolverá o gravíssimo problema vivenciado no Brasil,
se não houver a imposição de responsabilidade civil ao próprio Estado, pela
desobediência ao referido princípio constitucional.
14

PARTE I - A TUTELA DOS DIREITOS DOS IDOSOS NAS


DIMENSÕES NACIONAL E INTERNACIONAL

1 OS DIREITOS MATERIAIS FUNDAMENTAIS DOS IDOSOS


1.1 Conceito e evolução histórica

Preambularmente, é salutar esclarecer-se que há nítida distinção entre


as expressões direitos humanos e direitos fundamentais. Embora ambas as
expressões sejam corriqueiramente empregadas como sinônimos, já que os direitos
fundamentais não deixam, também, de ser humanos, leciona-se que o termo direitos
fundamentais se aplica aos direitos reconhecidos e positivados por determinado
Estado, no âmbito constitucional, ao passo que o termo direitos humanos refere-se
aos direitos constantes dos documentos internacionais que são ínsitos ao ser
humano, como pessoa, sem vínculo com a ordem constitucional local ―[...] e que,
portanto, aspiram à validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte,
que revelam um inequívoco caráter supranacional‖ .1

O conceito de direitos fundamentais recebe diferentes enfoques


doutrinários. Pode-se defini-lo, perfilhando o melhor conceito, como sendo direitos
públicos-subjetivos de pessoas físicas ou jurídicas inseridos ―em dispositivos
constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do
Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da
liberdade individual‖. 2

1
SARLETE, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional.11.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2012, p.2
2
DIMOULIS Dimitri; MARTINS, Leonardo. Definição e características dos direitos
fundamentais. In: LEITE, George Salomão: SARLET, Ingo Wolfgang.Direitos fundamentais e
Estado constitucional: estudos em homenagem a J.J. Gomes Canotilho.Coimbra/São Paulo:
Coimbra Editora e RT, 2009, p.119. Para Luigi Ferrajoli, direitos fundamentias podem ser definidos
como "todos aqueles direitos subjetivos que correspondem, universalmente, a todos os seres
humanos enquanto dotados de status de pessoas, de cidadãos ou pessoas com capacidade de atuar,
entendendo-se por 'direitos subjetivos', qualquer expectativa positiva (de prestações) ou negativa (de
não sofrer lesões) adstrita a um sujeito por uma norma jurídica, e por 'status' a condição de um
sujeito, prevista, também, por uma norma jurídica positiva, como pressuposto de sua idoneidade para
ser titular de situações jurídicas e/ou autor dos atos que são exercícios destas" (Los fundamentos
de los derechos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta, 2001, p.19).
15

Como não poderiam deixar de ser, os direitos fundamentais são frutos


de uma evolução histórica, sendo que a positivação de tais direitos resulta de lutas
homéricas entre indivíduos e Estado.

Pietro de Jesús Lora Alarcón ensina que estas lutas provocaram


movimentos sociais, como diversas revoluções, dentre elas, as Revoluções
Francesa, Inglesa e Russa, bem como o desencadeamento dos processos de
reforma agrária na Espanha e no México ―e, mais recentemente, as diversas
manifestações populares contra a discriminação, pela igualdade de gênero e pela
defesa do meio ambiente sadio.‖3

A evolução histórica dos direitos fundamentais ensejou


doutrinariamente a classificação de tais direitos em gerações ou dimensões.

Assim, aqueles de primeira dimensão, albergados tantos nas


declarações universais como no âmbito interno dos Estados, foram os individuais e
os direitos políticos.4 Anota Walter Claudius Rothemburg que os aludidos direitos,
nessa fase, foram simbolizados ―pela ideia de liberdade e caracterizam-se por ter
como titular ou sujeito ativo o ser humano individualmente (egoisticamente)
considerado, numa perspectiva universal e abstrata‖.5

Os direitos fundamentais de segunda dimensão nasceram vinculados


ao ideal de um Estado Social, objetivando a concreção "das necessidades mínimas
do ser humano."6

Ensina-se que os direitos fundamentais de segunda geração ou


dimensão podem ser enfocados como aqueles que, ―na órbita do ser humano,
irradiam a noção de igualdade. Sua feição deita raízes com o objetivo de conceder
alforrias sociais ao ser humano, preservando-o das vicissitudes do modelo
econômico e de segregação social‖7

3
Ciência política, Estado e Direito Público: uma introdução ao Direito Público da
contemporaneidade. São Paulo: Verbatim, 2011, p.271.
4
Cf. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988:
estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim,
2009, p.44.
5
Direitos fundamentais. São Paulo: Gen/Editora Método, 2014, , p.64.
6
GIMENEZ, Daniela Nunes Veríssimo. Ações afirmativas como instrumento dos direitos
fundamentais sociais à luz dos princípio da igualdade no ordenamento jurídico brasileiro. In:
LUNARDI, Soraya (Coord.). Direitos fundamentais sociais.Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012,
p.49).
7
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Op.cit., p.45. Acrescentam Daniela Ricther e Liane Tabarelli
16

Atinente aos direitos sociais, deve ser anotado que consubstanciam


eles numa alteração paradigmática do direito já que o Estado que tinha uma posição
abstencionista passou a ter uma postura ativa prestacional, objetivando corrigir
distorções sociais. ―A necessidade de compreensão das políticas públicas como
categoria jurídica se apresenta à medida que se buscam formas de concretização
dos direitos humanos, em particular os direitos sociais.8

O direitos sociais devem, assim, ser conceituados como um


subsistema dos direitos fundamentais que, à luz de uma parcela social vulnerável no
âmbito econômico, busca assegurar a tais grupos, através dos direitos prestacionais
e também pela normatização e controle das relações econômicas, bem como ―pela
criação de instrumentos assecuratórios de tais direitos atribuir a todos os benefícios
da vida em sociedade‖.9

Ainda sobre os direitos fundamentais sociais, ressalta Flávio Luís de


Oliveira que tais direitos afloraram em face da flagrante crise do modelo liberal
estatal, de forma que não bastava somente a defesa do cidadão na forma
preconizada, inicialmente, pelos direitos de primeira geração, e, sim, de todo o grupo
social. Outorgou-se, a partir de então, a todos os cidadãos o direito de compelir o
Estado a implementar políticas públicas "com o fim de se alcançar a igualdade
substancial entre as pessoas, já que a igualdade formal, garantida pela primeira
dimensão de direitos, se mostrou insuficiente".10

Leciona Rothemburg que esses direitos também são exigidos da


sociedade, por meio dos empregadores, das empresas etc. Aduz que os aludidos
direitos foram sacramentados por inspiração em ideologia socialista (o marxismo

que: "é no Estado de Bem-Estar Social que se dá a positivação dos direitos sociais, econômicos e
culturais, ou seja, daqueles direitos característicos de segunda dimensão. Esses direitos impõem, ao
Estado, o cumprimento de prestações positivas em que o Estado deve intervir na economia e
fornecer condições materiais para a sua concretização. A ênfase desses direitos consiste, portanto,
na base social." (A efetivação dos direitos sociais como pressuposto à concretização da dignidade da
pessoa humana e a jurisdição constitucional. In: GORCZEVSKI, Clóvis; REIS, Jorge Renato dos
(Orgs.).Direitos fundamentais sociais como paradigmas de uma sociedade fraterna.Santa Cruz
do Sul-RS: IPR, 2008, p.78
8
O conceito de política pública em direito.In: BUCCI, Maria Paula Dallarri (Org.). Políticas
públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p.03.
9
NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Op.cit.p.70.
10
Concretização de políticas públicas na perspectiva da desneutralização do poder judiciário.
In: LUNARDI, Soraya (Coord.). Direitos fundamentais sociais.Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012,
p.102.
17

com seu materialismo histórico).11

Os direitos de terceira dimensão têm, por escopo, a proteção do ser


humano como ente da humanidade, como a paz mundial, o direito à preservação do
patrimônio comum da humanidade etc. Os direitos fundamentais, em tal dimensão
passam a gravitar sobre a fraternidade.

Os aludidos direitos são vistos numa dimensão metaindividual porque


pertencem a todo o gênero humano projetando-se, ainda, para o futuro e o próprio
passado.12

Parte da doutrina enfatiza, ainda, os direitos fundamentais de quarta


dimensão, que consiste em sua globalização enfocada na universalização, no
âmbito institucional. Paulo Bonavides aponta como direitos que se moldam à referida
dimensão, ―o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.
Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão da
máxima universalidade [...]‖.13

O mesmo autor adota, ademais, o entendimento de que o direito à paz


pode ser enfocado como a quinta geração dos direitos fundamentais, sob a
justificativa de que: ―A dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal
que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento
de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos.‖.14

Perfilhando o mesmo entendimento de Paulo Bonavides, anota Raquel


Schlommer Honesko que "exatamente em função dos casos que a humanidade vive
hoje, com guerras por motivos cada vez mais fúteis[...], à paz deve ser dado um
lugar de destaque no âmbito da proteção dos direitos fundamentais". 15

11
Op.cit., p.65.
12
ROTHERMBURG, Walter Claudius Idem, ibidem.
13
Curso de Direito constitucional,26.ed..São Paulo:Mlheiros, 2011, p.571.
14
Op.cit., p.583.Acrescenta ao seu argumento as seguintes ponderações: "Vamos, por
conseguinte, retirar o direito à paz da invisibilidade em que o colocou o edificador da categoria dos
direitos da terceira geração.Para tanto, faz-se mister acender luzes, rasgar horizontes, pavimentar
caminhos, enfim descerrar o véu que encobre esse direito na doutrina ou o faz ausente dos
compêndios,das lições, do magistério de sua normatividade[...]" (idem, p.584).
15
Discussão histórico-jurídica sobre as gerações de direitos fundamentais: a paz como direito
fundamental de quinta geração. In: FACHIN, Zulmar (Coord.). Direitos fundamentais e cidadania.
São Paulo: Editora Método, 2008, p.196. Ressalta a autora, ainda, que "por isso, atualmente,
começa a se desenhar uma teoria para a quinta geração de direitos fundamentais, que tem como
finalidade a proteção do direito à paz como caminho necessário para a concretização de todos os
outros direitos fundamentais" (idem, p.197).
18

Fala-se, também, na concreção de direitos fundamentais de sexta


dimensão, em face da necessidade de se proteger a água potável no mundo inteiro,
por ser notória a sua escassez, tratando-se, por conseguinte, de um problema
crucial que aflige toda a população do planeta. Neste sentido, ensina Zulmar Fachin
que: ―O direito fundamental à água potável, como direito de sexta dimensão,
significa um acréscimo ao acervo de direitos fundamentais, nascidos, a cada passo,
no longo caminhar da Humanidade‖. 16

É imperioso observar-se que não se pode estabelecer pontos


estanques, para dimensionar os termos inicial e final de cada dimensão dos aludidos
direitos e, muito menos, estabelecer uma sucessão cronológica entre elas, conforme
já enfocado, em face do notório entrelaçamento entre eles.

1.2 Dignidade da pessoa humana como pilastra dos direitos fundamentais

Ao elencar direitos emoldurados de fundamentais, como a saúde, a


educação, a previdência, a proteção da criança, do idoso, do portador de deficiência
etc, a Constituição da República estabelece um ápice demarcatório de
características diferenciadoras dos demais direitos.

Registre-se que os direitos fundamentais são dotados de característica


diferenciadora que é a finalidade de concreção do princípio da dignidade da pessoa
humana. Assim, a inserção do aludido princípio como fundamento do Estado
brasileiro, objetivou ―[...] dentre outras coisas, atribuir uma unidade valorativa ao
sistema de direitos fundamentais‖.17

Quanto ao princípio da dignidade da pessoa humana, revestido do


mesmo status da cidadania, impõe-se o registro de que Kant analisou a dignidade
com grande cientificidade, enfocando-a sob dois aspectos: consistente o primeiro,
em considerar o homem como um fim em si mesmo e que, portanto, não pode ser
utilizado como simples meio instrumental, como uma coisa; quanto ao segundo,
deixou transparecer que a dignidade expressa o reconhecimento da liberdade e

16
Curso de Direito Constitucional, 5. ed., atual. e ampl.. Rio de Janeiro: Forense, 2012,
p.228.
17
DALLARI, Suelli; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Direito Sanitário.São Paulo: Verbatim,
2010,p.37.
19

autonomia do ser humano.18

Dessa feita, no contexto plasmado por Kant, pode-se afirmar que a


dignidade impõe que o homem seja tratado, na totalidade de suas relações sociais,
como sujeito, e não como objeto, o que implica no reconhecimento da sua
capacidade de autodeterminar-se no direito do livre desenvolvimento da
personalidade, fomentando-se que o indivíduo exercite suas próprias opções, ―sem
perder a autoestima nem o apreço da comunidade‖.19

Ensina-se, aliás, que ―a referência à dignidade da pessoa humana


parece conglobar em si todos aqueles direitos fundamentais, quer sejam os
individuais clássicos, quer sejam os de fundo econômico e social[...] 20.

Nesse sentido, é oportuna a observação de que ―esse princípio é a


base e a meta do Estado Democrático de Direito, não podendo ser contrariado nem
alijado de qualquer cenário‖.21

Flávia Piovesan traz importante colaboração ao tema, ao afirmar que:


―O valor da dignidade humana impõe-se como núcleo básico e informador do
ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a
interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988.‖.22

Adverte, contudo, Ingo Wolfgang Sarlet que a dignidade da pessoa


humana, no sentido enfocado, há de ser acolhida como um conceito inclusivo, uma
vez que sua aceitação não implica cristalizar a espécie humana acima das demais,
mas, acima de tudo, aceitar que "do reconhecimento da dignidade da pessoa
humana resultam obrigações para com outros seres e correspondentes deveres
mínimos e análogos de proteção".23

Como atributos da dignidade humana, podem ser citados: "a) respeito à

18
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela.
Lisboa: Edições 70, 2001, p.68-71.
19
VIVES ANTON, T.S.. Derecho Penal. Parte Especial. 2.ed. Valencia: Tirant lo Blanch,
p.276. apud. GRIMA LIZANDRA, Vicente. Los delitos de tortura y tratos degradantes por
funcionários públicos. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998. p.62.
20
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil.
v.I São Paulo: Saraiva, 1988. p.425.
21
NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.40.
22
PIOVESAN, Flávia.Temas de direitos humanos. São Paulo: Editora Max Limonad, 1998.
p.215.
23
Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, 9.ed,, rev. e atual., segunda
tiragem. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.44.
20

autonomia da vontade; b) respeito à integridade física e moral; c) não -coisificação


do ser humano e d) garantia do mínimo existencial".24

Merece registro, por oportuno, a seguinte lição de Gustavo


Zagrebelsky:

Nos Estados constitucionais modernos, os princípios morais do direito


natural foram incorporados ao direito positivo. As modalidades
argumentativas do direito constitucional se ‗abrem‘, assim aos discursos
metajurídicos, tanto mais se forem tomados em consideração os princípios
25
da Constituição..

Sobre a questão de toda pessoa ser sujeita de direitos e obrigações,


preleciona Ingo Wolfgang Sarlet que é salutar focar toda pessoa humana como
"titular de direitos fundamentais que reconheçam, assegurem e promovam,
justamente, a sua condição de pessoa (com dignidade) no âmbito de uma
comunidade".26

Pondera, ainda, o ilustre autor que, na hipótese de conflitos entre


princípios e direitos constitucionalmente contemplados, "o princípio da dignidade da
pessoa humana acaba por justificar (e até mesmo exigir) a imposição de restrições a
outros bens constitucionalmente protegidos, ainda que se cuide de normas de cunho
jusfundamental".27

Observa, a propósito, Robert Alexy, ao focar a dignidade humana como


direito inviolável,28 que ela é vista como direito absoluto, não só pelo fato de ser
tratada como regra e como princípio, mas também pelo fato de existir, no caso, ―um
amplo grupo de condições de precedência que conferem altíssimo grau de certeza

24
MARMELSTEIN, George.Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008,p.19.
25
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil.Ley, derechos, justicia.Traduccion de Marina
Gascón.Madrid: Editorial Trotta, 2008. p.116. Assinala ainda que: ―Nos princípios constitucionais
confluem, portanto, aspectos temáticos positivistas e jusnaturalistas. Não é difícil compreender que
justamente sobre isso (e, por conseguinte, sobre as declarações dos direitos e da justiça) as grandes
concepções do pensamento jurídico contemporâneo hajam podido encontrar compromissos
satisfatórios em seu conjunto [...](p.118)
26
Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais,9.ed.,rev e atual., segunda
tiragem. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.116.
27
Idem, p.136. No mesmo sentido, ensinam Taís Nader Marta e Cláudio José Amaral Bahia
assinalando que "no âmbito da ponderação de bens ou valores, o princípio da dignidade da pessoa
humana justifica, ou até mesmo exige a restrição de outros bens constitucionalmente protegidos,
ainda que representados em normas que contenham direitos fundamentais, de modo a servir como
verdadeiro e seguro critério para solução de conflitos de tal envergadura" (As relações privadas e os
direitos fundamentais. In: MARTA, Taís Nader; CUCCI, Gisele Paschoal (orgs.). Estudos de direitos
fundamentais.São Paulo: Verbatim, 2010, p.53-54.
28
Disposição normativa contida no artigo 1º, § 1º da constituição alemã.
21

de que, sob essas condições, o princípio da dignidade humana prevalecerá contra


os princípios colidentes‖.29 Acrescenta, ainda, o ilustre autor que: ―Nos casos em que
a norma da dignidade humana é relevante, sua natureza de regra pode ser
percebida por meio da constatação de que não se questiona se ela prevalece sobre
outras normas, mas tão-somente se ela foi violada ou não.‖30

Verifica-se, assim, que a consagração dos direitos fundamentais


sociais deve ser coroada como uma das grandes conquistas dos cidadãos na
contemporaneidade devendo ser o estandarte de todos os gestores públicos
comprometidos com os valores emoldurados na Constituição Federal.

1.3 Características e fundamentalidade formal e material dos direitos


fundamentais

Os direitos fundamentais se revestem de traços comuns que


demarcam a sua essencialidade e fenotipizam as características estruturais de seu
regime jurídico.31

1.3.1 A historicidade

Os direitos fundamentais, como outros institutos de relevo, são


produtos da história pelo fato de que: ‗A tônica dos direitos fundamentais é a
proteção do ser humano em suas diversas dimensões. Logo, irromperam na história
como resposta a agressões de várias espécies‖.32

Embora reconhecendo que a noção de direitos fundamentais aflorou


com o cristianismo, pelo fato de ter cristalizado o homem emoldurado à imagem e
semelhança de Deus‖, reconhece Vidal Serrano que a eclosão dos direitos
fundamentais foi fomentada de forma estruturante nas denominadas declarações de

29
Teoria dos direitos fundamentais. 2.ed, Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2012, p.111-112.
30
Idem, p.112.
31
Cf. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988. São
Paulo: Editora Verbatim, 2009, p.35.
32
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Idem, Ibidem.
22

direitos humanos, como a ― Magna Carta Libertatum, o Bill of Rights, a Declaração


de Direitos do Bom Povo de Virgínia e a Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789, na França. Esta, sem dúvida, a de maior significado‖.33

Ensina, ainda, Vidal Serrano que a declaração francesa já enunciada


fomentou a inserção de seus postulados humanísticos em diversas constituições
fazendo com que tais direitos fossem positivados nos ordenamentos jurídicos dos
referidos estados.34

Ainda atinente à historicidade ou temporalidade dos direitos


fundamentais, ensina Rothenburg que justamente este seu caráter temporal que traz
como consequência a sua continuidade histórica.35

É sempre atual a lição de Norberto Bobbio, quando discorrendo sobre a


evolução da relação entre Estado e cidadãos assevera:

[...] passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos


direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação
política, não mais predominantemente do ângulo do soberano, e sim
daquele do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria
individualista da sociedade em contraposição à concepção organicista
tradicional[...]os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são
direitos históricos, ou seja, nascido de modo gradual, não todos de uma vez
e nem de uma vez por todas36

A evolução histórica demonstra justamente esta cristalização dos


direitos do indivíduo outrora esquecido e desdenhado pelo Estado.

1.3.2 Universalidade e internacionalização

A universalidade é uma característica marcante de tais direitos, uma


vez que alcançam todas as pessoas, não se tratando de privilégio de classe ou

33
Idem, p.36.
34
Idem, p.37. Em complemento, ensina: ―Não propriamente como um epílogo, já que diversas
outras declarações a sucederam, mas como uma espécie de apogeu, sobreveio a Declaração
Universal de Direitos do Homem da ONU, em 1948, que, pautando um novo horizonte ético, em um
período de reconstrução de um mundo que ressurgia da Segunda Grande Guerra e dos horrores do
Holocausto, trouxe uma pletora de enunciados humanísticos até então não consagrados por
nenhuma outra declaração do gênero‖ (p.37).
35
Op.cit., p.16-17.
36
A era dos direitos. 9.ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,
1992, p.03 e 05.
23

grupo de pessoas.

Debruçando-se sobre a característica em comento, adverte


Rothemburg:

É preciso evitar que o caráter universal dos direitos fundamentais sirva


como vetor da massificação e opressão contra o reconhecimento das
particularidades de grupos minoritários ou dissidentes, quando, justamente,
os direitos fundamentais devem zelar pelo respeito às identidades e
diferenças [...] A validade universal não significa, portanto, uma necessária
e absoluta uniformidade.37

Paulo Bonavides, transcendendo o conceito clássico de universalidade,


ensina que a nova universalidade dos direitos fundamentais os insere, "desde o
princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficácia".38

Recorda Rothemburg que a Declaração de Viena, adotada pela


Conferência Mundial dos Direitos Humanos de 1993, traz a universalidade, como
uma das características dos direitos fundamentais, ao lado da indivisibilidade, da
interdependência e da inter-relação.39

Ensina, ainda, o aludido doutrinador que a internacionalização dos


direitos fundamentais se expande de forma crescente, não só em documentos
internacionais, como nas convenções protetivas de direitos humanos, como também
vêm sendo tais direitos prestigiados pelos organismos internacionais, como a Corte
de Haia, a Corte Europeia de Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, com a aplicação ―de sanções cada vez mais eficazes‖.40

Essa internacionalização constitui inegável garantia universal dos


cidadãos na fundamentalidade dos seus direitos que, aliás, já foi invocada em várias
julgados da nossa Corte constitucional.

37
Op.cit., p.07.
38
Op.cit.,p.573. Melhor explicitando o seu raciocínio preleciona que "a nova universalidade
procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade
de um indivíduo que antes de ser o home deste ou daquele país, de uma sociedade desenvolvida ou
subdesenvolvida, é, pela sua condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero
humano, objeto daquela universalidade" (idem, p.574).
39
Op.cit., p.08. Anota, ainda, como documentos internacionais que albergam direitos com tal
característica, a Convenção e o Protocolo relativos ao estatuto dos refugiados – ONU, 1951 a 1966;
a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de discriminação contra a Mulher – ONU,
1979; a Convenção Interamericana par Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, 1994;
a Declaração de Pequim, 1995; a convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização
Internacional do Trabalho – OIT, 1989; Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas, 2007 (p.08).
40
Idem, p.09.
24

1.3.3 Autonomia/ Irrenunciabilidade

A irrenunciabilidade constitui, também, um dos traços essenciais dos


direitos fundamentais, já que são eles irrenunciáveis, por serem inatos no homem.
Admitir a sua renúncia implicaria em se ferir a própria dignidade da pessoa humana.

A aludida característica dos direitos fundamentais se caracteriza pelo


fato de que seus titulares não podem renunciá-los. Ensina-se ―que o próprio titular
não está moralmente autorizado para prescindir deles. O sistema moral encontra-se
imunizado contra si mesmo‖.41

Evidentemente, tais direitos podem deixar de ser exercidos, o que não


se confunde com a sua renúncia.42

Rothemburg prefere palmilhar a tese de que os direitos fundamentais


são autônomos. Neste sentido, cita, como exemplo da autonomia dos direitos
fundamentais, o caso da recusa à transfusão de sangue dos adeptos da seita
Testemunha de Jeová.43

Sobre a aludida autonomia é interessante observar-se que o Estatuto


do Idoso lhe dá pleno direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for mais
favorável. Nesse sentido, dispõe o artigo 17:

Art. 17. Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é


assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado
mais favorável.

1.3.4 Autogeneratividade e indivisibilidade

Os direitos fundamentais são marcados, ainda, pela sua


autogeneratividade, já que, a despeito de se revestirem de tais características, em

41
LAPORTA, J. Francisco. El concepto de los derechos humanos.In: DIAZ, Ramón Soriano;
CABRERA, Carlos Alarcon; MOLINA, Juan Mora (Coords). Diccionario crítico de los derechos
humanos. Andalúcia: Universidad Internacional de Andalucía, 2000, p.24.
42
Muito a propósito, preleciona Vidal Serrano Nunes Junior que "partindo-se da premissa de
que os direitos fundamentais nasceram e se expandiram para a proteção do ser humano, pensado
como ser dignitário de direitos mínimos, a aceitação da renúncia dos mesmos consistiria em negação
da sua fundamentalidade e, por via de consequência, na sua desconstituição enquanto categoria
jurídica" (A vida social na Constituição de 1988. São Paulo: Verbatim, 2009, p.39).
43
Op.cit., p.11.
25

face do status constitucional, não se pode olvidar que constituem eles a própria
pilastra de legitimação da ordem constitucional, edificando, assim, ―uma
supraconstitucionalidade autogenerativa.‖44 Assevera Vidal Serrano que: a sua
incorporação e proteção pelo direito constitucional positivo ―não faz desaparecer o
momento anterior – de jusnaturalismo, de divinalização ou, de modo geral, de uma
concepção de justiça desenraizada da idéia de Estados soberanos ou de ordens
jurídicas específicas‖.45

Quanto à indivisibilidade, a aludida característica evidencia que cada


direito fundamental não pode ser dividido no que tange ao seu conteúdo elementar,
o mesmo ocorrendo ―sob o ângulo dos diversos direitos fundamentais, no sentido de
que não se podem aplicar apenas a alguns dos direitos fundamentais reconhecidos
e ignorar outros‖.46

1.3.5 A limitabilidade e a concorrência de direitos

A limitabilidade se insere como uma das características dos direitos


fundamentais, já que, ―muito embora, por natureza, devam sempre ser maximizados,
interpretados ampliativamente, não são absolutos, e, sim, limitáveis. Isso se dá...em
virtude da possibilidade de ocorrência do fenômeno da colisão de direitos‖. 47

Gilmar Ferreira Mendes ressalta que se pode falar em colisão de


direitos fundamentais, "quando se identifica conflito decorrente do exercício de
direitos individuais por diferentes titulares. A colisão pode decorrer, igualmente, de
conflito entre direitos individuais do titular e bens jurídicos da comunidade" 48

Por ser a solução de tais conflitos complexa, o mesmo autor, citando


várias decisões da Corte Constitucional alemã, ensina:

44
Cf. NUNES JUNIOR, Vidal Serrano.Op.cit.,p.38.
45
Idem, ibidem.
46
ROTHEMBURG, Walter Claudius. Op.cit., p.15.
47
Cf. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Op.cit., p.39.
48
Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 4 ed., rev e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2012, p.84. Complementa o conceito, lecionando: "Tem-se, pois, autêntica colisão, apenas
quando um direito individual afeta, diretamente, o âmbito de proteção de outro direito
individual.Tratando-se de direitos submetidos a reserva legal expressa, compete ao legislador traçar
os limites adequados, de modo a assegurar o exercício pacífico de faculdades eventualmente
conflitantes" (idem, p.85).
26

A análise dessas decisões demonstra a complexidade e a relevância do


processo de ponderação na prática da Corte Constitucional. Uma tentativa
de sistematização da jurisprudência mostra que ela se orienta pelo
estabelecimento de uma 'ponderação de bens tendo em vista o caso
concreto' (Güterabwägung im KonKreten Fall), isto é, de uma ponderação
que leve em conta todas as circunstâncias do caso em apreço (Abwägung
aller Umstände des Einzelfalles).49

Os direitos fundamentais são, também, caracterizados pela


possibilidade da sua concorrência ou cumulação, uma vez que um mesmo titular
pode acumular, ao mesmo tempo, dois ou mais direitos de tal natureza. 50

Adverte, Rothermburg, no entanto, que na hipótese de dois ou mais


direitos fundamentais se colidirem ou concorrerem entre si não poderá haver a
opção absoluta de um deles, em detrimento dos demais. A questão deve ser
resolvida pelo critério da proporcionalidade, a fim de que haja o máximo aproveito
dos direitos colidentes, com um mínimo de prejuízo. 51

1.3.6 Maximização ou efetividade

Embora, historicamente, a positivação dos direitos fundamentais passe


a ser uma realidade na contemporaneidade, a sua efetivação nem sempre se
harmoniza com os catálogos constitucionais, exigindo-se, assim, dos cultores do
direito o máximo de empenho, para que se possa extrair de tais direitos a máxima
efetividade no mundo fenomênico, para que a realidade social possa, de fato, ser
iluminada pela força irradiante, característica dos aludidos direitos.

Desse modo, anota Rothemburg que a maximização ―inclui o princípio


da proibição de proteção insuficiente dos direitos fundamentais, que é a versão
positiva da proporcionalidade, quer dizer, é inadmissível deixar de implementar
adequadamente os direitos fundamentais‖.52

Outro princípio intrinsicamente ligado com a maximização é o da


proibição do retrocesso, já que a maximização exige que se não permita que o

49
Idem, p.100.
50
Vidal Serrano Nunes Junior exemplifica, a questão da concorrência citada, com a realização
de uma passeata. "Aqueles que a integram estão, a um só tempo, exercendo o direito de reunião
(itinerante) e de manifestação do pensamento" (Op.cit., p.41|).
51
Op.cit., p.29.
52
Op.cit.,, p.35.
27

Estado-legislador ou mesmo o Estado-administrador recue na positivação dos


direitos fundamentais, de forma que o aludido princípio impõe que se mantenha o
nível de concretização dos direitos já alcançados obstando-se, assim, a sua
supressão ou enfraquecimento.53

1.3.7 Fundamentalidade formal e material

No que tange à fundamentalidade formal e material dos direitos


fundamentais, registre-se que a formal decorre do sistema constitucional positivo, de
forma que somente a Constituição é que pode apontar quais direitos se revestem de
tal status. Como bem explicita George Marmelstein: ―[...]pode-se dizer que, sob o
aspecto jurídico-normativo, somente podem ser considerados como direitos
fundamentais aqueles valores que foram incorporados ao ordenamento
constitucional de determinado país‖..54

A fundamentalidade material, por sua vez, reveste-se de acentuada


importância, já que tal denominação decorre do fato de os direitos fundamentais
serem "elementos constitutivos da Constituição material, contendo decisões
55
fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade". Dissertando
sobre a importância da fundamentalidade material, ensina Ingo Wolfgang Sarlet que:
o conceito da fundamentalidade material permite ―a abertura da Constituição a
outros direitos fundamentais não constantes de seu texto e, portanto, apenas
materialmente fundamentais, assim como a direitos fundamentais situados fora do
catálogo, mas integrantes da Constituição formal[...]. 56

Quanto aos direitos fundamentais positivados na Constituição da


53
Cf. ROTHEMBURG. Idem, p.36.
54
Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008 p.19. Afirma, em complemento
que: Dentro dessa concepção, pode-se dizer que não há direitos fundamentais decorrentes da lei. A
fonte primária dos direitos fundamentais é a Constituição. A lei, quando muito, irá densificar, ou seja,
disciplinar o exercício do direito fundamental, nunca criá-lo diretamente‖ (p.20) .No mesmo sentido
preleciona Luiz Guilherme Marinoni: "A Constituição confere dignidade e proteção especiais aos
direitos fundamentais, seja deixando claro que as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata (art.5º, § 1º, CF), seja permitindo a conclusão de que os direitos
fundamentais estão protegidos não apenas diante do legislador ordinário mas também contra o poder
constituinte reformador - por integrarem o rol das denominadas cláusulas pétreas (art.60, § 4º, IV,
CF)." (Técnica processual e tutela dos direitos, 3.ed., rev e atual., 2010, p.130).
55
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 11. ed., rev e atual.. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.75.
56
Idem, ibidem.
28

República, Canotilho os denomina de ―direitos fundamentais formalmente


constitucionais, porque eles são enunciados e protegidos por normas com valor
constitucional formal‖.57

Quanto à fundamentalidade material, o ilustre autor lusitano também


perfilha o entendimento doutrinário já enfocado, lecionando que esses direitos
situados fora do catálogo constitucional devem ser chamados direitos materialmente
fundamentais. Explica:[...] trata-se de uma ‗norma de fattispecie aberta‘, de forma a
abranger, para além das positivações concretas, todas as possibilidades de ‗direitos‘
que se propõem no horizonte da acção humana‖.58

Canotilho chama a atenção para a necessidade de se estabelecerem ,


com segurança, quais direitos não são positivados pela Constituição da República e
que se revestem de ―dignidade suficiente para serem considerados fundamentais‖. 59
Anota que: ―A orientação tendencial de princípio é a de considerar como direitos
extraconstitucionais materialmente fundamentais os direitos equiparáveis pelo seu
objeto e importância aos diversos tipos de direitos formalmente fundamentais‖. 60

Verifica-se, assim, a máxima importância que se reveste a


fundamentalidade material dos direitos fundamentais que são irradiados pela própria
Constituição, em seu artigo 5º, § 2º.

1.4 Duplicidade de conteúdo jurídico-constitucional dos direitos fundamentais.


Eficácia vertical e horizontal.

A evolução dos direitos fundamentais fez com que pudessem eles ser
enfocados hodiernamente, não só como direitos subjetivos individuais mas também
como elementos objetivos fundamentais.61

57
Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.403.
58
Idem, p.403-404.
59
Idem, p.404.
60
Idem, ibidem.
61
Explicitando esta dupla dimensão dos direitos fundamentais, leciona George Marmelstein
que: "os direitos fundamentais, na sua dimensão subjetiva, funcionariam como fonte de direitos
subjetivos, gerando para os seus titulares uma pretensão individual de buscar a sua realização
através do Poder Judiciário. De outro lado, na sua dimensão objetiva, esses direitos funcionariam
como um 'um sistema de valores' capaz de legitimar todo o ordenamento, exigindo que toda a
interpretação jurídica leve em consideração a força axiológica que deles decorre"(Curso de Direitos
29

Anota José Gomes Canotilho que se pode apontar um fundamento


como subjetivo, "quando se refere ao significado ou relevância da norma
consagradora de um direito fundamental para o indivíduo, para os seus interesses,
para a sua situação da vida, para a sua liberdade".62 Ao discorrer sobre a dimensão
objetiva dos direitos fundamentais, observa o mesmo autor que "se fala de uma
fundamentação objetiva de uma norma consagradora de um direito fundamental,
quando se tem, em vista o seu significado para a coletividade, para o interesse
público, para a vida comunitária".63

Ao inserir os direitos fundamentais como direitos subjetivos públicos,


ensina Gilmar Ferreira Mendes que ao focar-se os direitos fundamentais como
direitos contra o Estado, prima facie, ―[...] então parece correto concluir que todos os
Poderes e exercentes de funções públicas estão diretamente vinculados aos
preceitos consagrados pelos direitos e garantias fundamentais‖. 64

Não se pode olvidar, contudo, que, a despeito da potencialidade da


subjetivação da norma de direito fundamental, gravita, sobre ela, inegável valoração,
fazendo com que se revista, também, de eficácia irradiante. Neste sentido, explica
Luiz Guilherme Marinoni que "as normas que estabelecem direitos fundamentais, se
podem ser subjetivadas, não pertinem somente ao sujeito, mas a todos aqueles que
fazem parte da sociedade".65

Ana Carolina Izidório Davies, estabelecendo os limites das referidas


dimensões dos direitos fundamentais, ensina que: ―A dimensão subjetiva se presta
ao atendimento do Estado Social, posto que enriquece o indivíduo de um rol de
direitos subjetivos face ao Estado.‖ 66

Lecionando sobre a dimensão objetiva de os direitos fundamentais na

Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p.282.


62
Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p.535.Citando um julgamento do
Tribunal Constitucional espanhol sobre direitos fundamentais como direito subjetivo, anota Chincilla
Herrera: "Os direitos fundamentais e as liberdades públicas são direitos individuais que têm o
indivíduo por sujeito ativo e o Estado por sujeito passivo, à medida que tendem a reconhecer e a
proteger âmbitos de liberdade ou prestações que os poderes públicos devem outorgar ou facilitar
àqueles" (Qué son y cuáles son los derechos fundamentales? Bogotá: Temis, 1999, p.17-18)
63
Idem, ibidem..
64
Op.cit., p.116.
65
Op.cit.,p.131.Acrescenta o autor que "uma das mas importantes consequências da
dimensão objetiva está em estabelecer ao Estado um dever de proteção dos direitos fundamentais"
(idem, ibidem).
66
Políticas públicas: a forma ideal de concretização da dimensão objetiva dos direitos
fundamentais. In: SIQUEIRA, Dirceu Pereira; ANSELMO, José Roberto (Orgs.). Estudos sobre os
direitos fundamentais e inclusão social. Birigui: Boreal Editora, 2010, p.30.
30

acepção axiológica, explica Fabio Resende Leal que estes irradiam valores
fundantes juridicizados de determinada sociedade na Constituição. Essa inserção
constitucional vincula todos os poderes públicos aos direitos fundamentais não só na
sua promoção, como na sua proteção. Ensina, ainda, que esse dever de proteção
67
alcança o Estado, em suas funções legislativa, administrativa e jurisdicional.

Como exemplos de eficácia irradiante de normas consagradoras de


direitos fundamentais, podem ser citados os artigos 196 e 208 da Constituição
Federal que tratam, respectivamente, das políticas públicas da saúde e da
educação. Embora esteja presente a subjetivação dos aludidos direitos
fundamentais, alcançam a todos os cidadãos coletivamente considerados.

Sobre a questão das políticas públicas aqui mencionadas, merece ser


destacado o ensinamento de Patrícia Villela que, no seu entender, ―é inerente ao
ordenamento jurídico e encontra sentido e força no Direito, que é uma das áreas a
disciplinar as relações entre Estado, Administração Pública e Sociedade‖.68

Ainda sobre liberdades públicas, não se pode olvidar a seguinte lição


de Geraldo Ataliba:

Três princípios devem ser considerados como fulcro em torno do qual se


ergue o edifício das instituições republicanas, no direito positivo brasileiro,
operando como suas premissas básicas. Ao mesmo tempo, ele é serviente
dos valores nele encerrados, no contexto de uma relação indissociável de
recíproca vocação. São, com igual importância, os princípios da legalidade,
da isonomia e da intangibilidade das liberdades públicas, expandidos em
clima no qual se asseguram a certeza e a segurança do Direito. Tal é o grau
de evidência da transcendência desses princípios, que facilmente se verifica
estarem na base da república. Bem se vê que todos eles têm como ponto
de partida, a noção de representatividade, baseada na teoria da soberania
69
popular.

No que tange à eficácia dos direitos fundamentais com vinculação não


só dos poderes públicos mas também das entidades privadas, denomina-se eficácia

67
A celeridade processual como pressuposto da efetividade dos direitos fundamentais.
Curitiba: Juruá, 2011, p.36.
68
VILLELA, Patrícia. Ministério Público e políticas públicas.Rio de Janeiro: Lumens Juris,
2009. p.vii. Explica a autora que: ―As políticas públicas compreendem as escolhas e as ações das
autoridades legitimamente eleitas no exercício de um estatuto governamental disciplinado pelo
Constituinte. Pautam-se por conteúdos previamente consignados no cosmos normativo, os quais são
submetidos a ponderações concretas diante da gama de alternativas jurídica e faticamente
possíveis[...].(P.vii).
69
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3.ed. atual. por Rosolea Miranda Golgosi.
São Paulo: Malheiros, 2011, p.119.
31

vertical, em suas dimensões objetiva e subjetiva, quando focadas as relações entre


o Poder Público e os cidadãos. A eficácia horizontal, também denominada de
eficácia privada ou eficácia em relação a terceiros, é aquela decorrente das
relações entre particulares.70

O artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, embora estabeleça uma


aplicação imediata dos direitos fundamentais, é omisso quanto aos entes que se
devem submeter a tal preceito. A constituição Portuguesa, neste sentido, foi mais
feliz em sua redação, uma vez que estabeleceu, expressamente, no seu artigo 18/1:

Artigo 18º-1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos,


liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades
públicas e privadas.

A despeito, contudo, da omissão normativa no texto constitucional


brasileiro, da eficácia horizontal, a nossa doutrina acolheu a aludida tese, que teve o
seu prelúdio na segunda metade do século XX, na Alemanha, mais precisamente
nos anos 50 e início dos anos 60, e se irradiou por toda a Europa. O referido instituto
também alcançou os Estados Unidos sob a denominação de state action. Anota
Gilmar Ferreira Mendes que:

A propósito da state action, o assunto têm sido objeto de instigantes


estudos e julgamento nos Estados Unidos, os quais tem reconhecido a
aplicação de direitos fundamentais para os casos em que estão envolvidos
direitos civis (The Civil Rights Cases), acordos privados (Private
Agreements) ou, ainda, sob a alegação de que a questão decidida demanda
71
um conceito de função pública (The Public Function Concept).

O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de enfrentar o tema,


em importantes decisões, conforme se verifica nos REs 158.215, 160.222 e 201.819.

Há discrepância, no entanto, sobre se a eficácia horizontal deve incidir


de forma imediata (direta) ou mediata, por meio do legislador.

Para aqueles que perfilham a tese da eficácia imediata, os direitos

70
Anota Alexei Julio Estrada que "[...]uma influência dos direitos fundamentais sobre o direito
privado não era de tudo estranho à concepção ideológica da teoria do Estado a partir da Revolução
Francesa. A declaração de 1789 não se dirigia exclusivamente contra as intervenções estatais;
apontava também contra os privilégios corporativos e clericais, contra as prerrogativas econômicas e
sociais no direito privado" (La eficacia de los derechos fundamentales entre particulares. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2001, p.31).
71
Op.cit., p.132.
32

fundamentais têm aplicação direta nas relações entre particulares. Frisa Marinoni
que, em tal hipótese, "além de normas de valor, teriam importância como direitos
subjetivos contra entidades privadas portadoras de poderes sociais ou mesmo
contra indivíduos que tenham posição de supremacia em relação a outros
particulares".72

Para os adeptos da eficácia mediata, os direitos fundamentais somente


poderiam ser aplicados em tais relações, por meio de normas de direito privado.
Leciona Gilmar Ferreira Mendes:

Segundo esse entendimento, compete, em primeira linha, ao legislador a


tarefa de realizar ou concretizar os direitos fundamentais no âmbito das
relações privadas. Cabe a este garantir as diversas posições fundamentais
relevantes mediante fixação de limitações diversas. Um meio de irradiação
dos direitos fundamentais para as relações privadas seriam as cláusulas
gerais (Generalklauseln) que serviriam de porta de entrada (Einbruchstelle)
dos direitos fundamentais no âmbito do direito privado.73

Adverte o mesmo autor que, qualquer que seja a tese escolhida sobre
a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, a pacificação das
aludidas teses está longe de ser harmonizada. 74

1.5 Proibições de intervenção e imperativos de tutela

Os direitos fundamentais se revestem de substancial significado, ao


serem emoldurados, na Constituição como direitos de proteção ou de defesa contra
eventual lesão por parte do Poder Público ou de particulares.

Assim, torna-se imperioso observar-se que, enquanto os direitos


fundamentais, em sua função de imperativos de tutela, expressam uma omissão do
Estado, frente a uma intervenção, na hipótese da função de proibições de
intervenção "se trata simplesmente de controlar, segundo os direitos fundamentais,
uma disciplina já existente, isto é, uma norma, um acto da administração ou

72
Op.cit., p.134.
73
Op.cit., 127. Assinala o autor que, embora o Tribunal Constitucional alemão tenha repelido
a possibilidade de aplicação imediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares,
decidiu aquela Corte que "a ordem de valores formulada pelos direitos fundamentais deve ser
fortemente considerada na interpretação do direito privado".(idem, p.126).
74
Op.cit., 131.
33

similar".75

Deve ser focado, por primeiro, o legislador ordinário, uma vez que,
embora a Constituição Federal não se tenha referido, expressamente, à proteção
do denominado núcleo essencial dos direitos fundamentais, asseverou,
explicitamente, a proteção dos direitos e garantias individuais, com a petrificação
estabelecida pelo seu artigo 60, § 4º, inciso IV.76

Ocorre, porém, que o próprio texto constitucional estabelece restrições


a determinados direitos fundamentais, que serão normatizados pelo legislador
ordinário. Cite-se, por exemplo, a hipóteses mencionada pelo artigo 5º, inciso II, que
dispõe sobre a possibilidade da comunicação telefônica, dentre outras, ser violada
por ordem judicial, nos termos preconizados pelo legislador.

Noutras hipóteses, o exercício do direito fundamental depende da


edição normativa do legislador ordinário, como se verifica no inciso LXXVI do citado
artigo.

Há que se invocar, por conseguinte, a aplicação do princípio da


proporcionalidade ou da proibição do excesso, que pressupõe a aferição da
necessidade e a adequação da intervenção legislativa.77

A liberdade de conformação do legislador não pode ferir, portanto, o


aludido princípio sob pena de vício de inconstitucionalidade substancial.

Neste sentido, ensina Gilmar Ferreira Mendes que "o subprincípio da


adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas se mostrem
aptas a atingir os objetivos pretendidos", ao passo que o "subprincípio da
necessidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeite) significa que nenhum meio
menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos
objetivos pretendidos".78

75
CANARIS, Claus -Wilhelm. Direitos fundamentais e Direito privado. Tradução de Ingo
Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2006, p.115.
76
Assinala Gilmar Ferreira Mendes que: "a não admissão de um limite ao afazer legislativo
tornaria inócua qualquer proteção fundamental" (Op.cit., p.61).
77
Cf. .MENDES, Gilmar Ferreira. Idem, p.73.
78
Op.cit., p.75. Ensina, ainda, que "a doutrina identifica como típica manifestação do excesso
de poder legislativo, a violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso
(verhältnismässigkeitsprinzip; Übermassverbot) que se revela mediante contraditoriedade,
incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins[...]A aferição da
constitucionalidade da lei em face do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso
contempla os próprios limites do poder de conformação outorgado ao legislador" (idem, p.72-73).
34

Verifica-se, portanto, que qualquer norma que contrariar os direitos


fundamentais consagrados pela Constituição Federal deverá ser julgada
inconstitucional, de forma que o legislador ordinário deverá, sempre, pautar-se pela
estrutura axiológica de tais direitos.79

Acrescente-se, por oportuno, que a efetivação de alguns direitos


constitucionais depende da regulação legislativa imposta pela Constituição, como se
vê, por exemplo, na hipótese do artigo 7º, inciso XX, que dispõe sobre a proteção do
mercado de trabalho da mulher.

Pode ocorrer, dessa feita, a denominada inconstitucionalidade por


omissão do legislador. Ademais, se há o dever de legislar por parte do Parlamento,
aflora para o cidadão, destinatário de tal direito potencial, um direito à legislação.

Como imperativo de tutela, a Constituição Federal instituiu, no artigo


103, § 2º , a ação de inconstitucionalidade por omissão, visando a declarar a mora
do legislativo.80 Também criou o instituto do mandado de injunção no artigo 5º, inciso
LXXI, para permitir a efetividade dos direitos fundamentais, em face da omissão do
legislativo que deixar, eventualmente, de disciplinar o exercício dos direitos
fundamentais.

Os direitos fundamentais, na sua função de proibição de intervenção,


alcança também o Poder Legislativo, no que tange à proibição do retrocesso.

Embora o Brasil tenha edificado, na Constituição de 1988 um inegável


Estado Social de Direito, consolidando inúmeros direitos fundamentais, é
preocupante a possibilidade de supressão ou restrição de alguns direitos, em face
de crises econômicas vivenciadas pelo próprio Estado, como recentemente ocorreu
em alguns Estados europeus, com a supressão ou a diminuição de direitos sociais.

A vinculação do legislador ao núcleo essencial dos direitos

79
Cf. MARMELSTEIN, George. Op.cit., p.246.
80
Preleciona Paulo Hamilton Siqueira Jr que, em tal caso, "a decisão tem caráter obrigatório e
mandamental. No caso de órgão administrativo, o texto constitucional fixa o prazo de trinta dias para
a adoção de providências necessárias. No caso do Poder Legislativo, tendo em vista a autonomia dos
Poderes, não há fixação de prazo. apenas fixa-se judicialmente a omissão, podendo ensejar ação de
perdas e danos, se da omissão ocorrerem prejuízos[...]Segundo nosso entendimento, na medida em
que a declaração de inconstitucionalidade por omissão é realizada em tese, seus efeitos são erga
omnes, aproveitando a todos e revestindo-se da autoridade da coisa julgada. O alcance da decisão
se faz sentir ex nunc, pois é a partir da decisão que surge a omissão constitucional e vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e
municipal". (Direito processual constitucional, 6.ed..São Paulo: Saraiva, 2012, p.317-319).
35

fundamentais, no entanto, decorre do próprio princípio da dignidade da pessoa


humana, de forma que lhe é vedado ingerência nesses direitos, para eventualmente
suprimir ou diminuí-los. Não se pode nem mesmo tergiversar sobre proposta de
emenda constitucional, em tal sentido, em face da disposição contida no artigo 60, §
4º, inciso IV Da Constituição Federal. Aliás, cabe ao Estado garantir ao cidadão um
mínimo existencial, que deve ser compreendido como "o conjunto de prestações
materiais que asseguram a cada indivíduo uma vida com dignidade, que
necessariamente só poderá ser uma vida saudável, que corresponda a padrões
qualitativos mínimos[...]".81

Não se pode olvidar, ainda, a vinculação do Poder Executivo à


efetividade dos direitos fundamentais, onde se destacam os imperativos de tutela,
que gravitam sobre o aludido poder, alcançando não só os órgãos integrantes da
Administração direta mas também os da indireta, inclusive as pessoas de direito
privado, que exercem atividades públicas, como na hipótese de Organizações
Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.82

Não se pode olvidar, inclusive, que o Poder Executivo, notadamente


na esfera federal, exerce posição de destaque na República Federativa do Brasil, já
que a ampla maioria das políticas públicas do país são instituídas pela União, quer
pela iniciativa de projetos de lei, quer diretamente nas hipóteses da desnecessidade
da intervenção do Estado-Legislador.

De fato, a efetividade dos direitos fundamentais se concretiza,


mediante a execução de políticas públicas, como "política de segurança, política de
saúde, política de educação, política de democratização dos meios de comunicação
etc".83

81
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso: algumas
notas sobre o desafio da sobrevivência dos direitos sociais num contexto de crise. In: PAULA,
Alexandre Sturion de (Coord.): Ensaios constitucionais de direitos fundamentais.Campinas:
Editora Servanda, 2006, p.338-339.
82
Cf. Vide, neste sentido, lição de Gilmar Ferreira Mendes. Op.cit., p.119.
83
AITH, Fernando. Políticas públicas de Estado e de governo: instrumentos de consolidação
do Estado Democrático de Direito e de promoção e proteção dos direitos humanos. In: BUCCI, Maria
Paula Dallari (Org.). Políticas Públicas.São Paulo: Saraiva, 2006, p.219. Complementa o autor,
lecionando: "A elaboração dessas políticas deve estar em consonância com os ditames da
Constituição e dos demais instrumentos normativos do ordenamento jurídico, bem como deve sempre
ter, como finalidade, o interesse público, a promoção e proteção de direitos, em especial aqueles
reconhecidos como direitos humanos."(idem, p.219).
36

1.6 Efetividade dos direitos fundamentais nas relações privadas

Segundo já explicitado, denomina-se eficácia vertical, em suas


dimensões objetiva e subjetiva, quando focadas as relações entre o Poder Público e
os cidadãos. A eficácia horizontal, também denominada de eficácia privada ou
eficácia em relação a terceiros, é aquela decorrente das relações entre particulares.

Ainda nas relações privadas, como já exposto, aplicam-se os ditames


oriundos dos imperativos de tutela e proibições de intervenção, bem como do
princípio da proibição da proteção insuficiente.

Não se pode olvidar que na colisão de direitos fundamentais entre


particulares, embora, em princípio, se deva invocar, tão somente, a mediação do
direito privado, alguns danos decorrentes desses conflitos ferem, substancialmente,
os preceitos constitucionais ensejando, assim, a jurisdição constitucional, para
resguardar a tutela de tais direitos.

Se a pactuação oriunda de um contrato de trabalho é regida pela


autonomia privada, o Estado não pode omitir-se na questão de a operária ser
compelida, mediante cláusula contratual, a ser submetida, diariamente, à revista
íntima, determinada pelo empregador, para desestimular rapinações de lingeries.
Trata-se, por conseguinte, de ofensa manifesta à dignidade da operária com grave
vilipêndio ao princípio da dignidade da pessoa humana, que passa a exigir a tutela
de proteção do Estado, não só desestimulando o empregador com sanções
administrativas mas também exercendo a tutela pela prestação jurisdicional com a
condenação de danos morais, consagrados pela Constituição Federal e pela
legislação ordinária.84

Ao justificar a incidência dos direitos fundamentais nas relações


privadas, observa Ingo Wolfagang Sarlet que, no Estado Social de Direito, não só o
Estado ampliou suas atividades mas também a sociedade se insere, cada dia mais,
no exercício do poder, de forma que a liberdade individual não apenas carece de
proteção contra os Poderes Públicos "mas também contra os mais fortes no âmbito
da sociedade[...], como dão conta, entre tantos outros, os exemplos dos deveres de

84
Vide RE 160.222/RJ.
37

proteção na esfera das relações de trabalho e a proteção dos consumidores". 85

Merece registro o fato de que a violação aos direitos fundamentais, nas


relações privadas pode partir do próprio direito privado. Claus-Wilhelm Canaris
ensina que "essa fundamentação reside, sobretudo, na circunstância de, para o
cidadão, as leis de direito privado poderem ter efeitos ofensivos inteiramente
semelhantes aos das leis de direito público".86

A questão do legislador ordinário, ao regular determinadas relações


privadas, privilegiar a parte mais forte no sentido econômico, é bem analisada por
Laércio Becker. De forma lúcida, critica algumas leis de impacto social, como a Lei
nº 9.514/97 que criou o Sistema Financeiro Imobiliário. Assevera que o leilão
extrajudicial nele previsto "reflete uma ideologia tecnocrática, que, por motivos
outros, também impregna os outros procedimentos especialíssimos em exame". 87
Anota que a justificativa básica do SFI e de seus instrumentos de direito material e
processual é "visivelmente dromocrática: o apelo à velocidade nos negócios". 88

É interessante observar-se, no entanto, que as normas de direito


privado podem se destinar à concreção de imperativos de tutela de direitos
fundamentais. Assinala Canaris que pode ocorrer, até mesmo, que elas atuem
simultaneamente, interferindo, de um lado, nos direitos fundamentais de uma parte,
ao mesmo tempo em que assegura a proteção dos direitos fundamentais da outra.
Cita o seguinte exemplo:

[...] o Tribunal Constitucional Federal afirmou, recentemente – e a meu ver


com razão –, que a Lei de Protecção contra os Despedimentos...visa
satisfazer o imperativo, resultante do artigo 12 da LF, de proteção do
trabalhador contra a perda do seu posto de trabalho; mas, simultaneamente,
uma tal proteção contra os despedimentos constitui , por outro lado, uma
limitação dos direitos fundamentais contrapostos do empregador, em
89
especial da sua autonomia privada.

85
A eficácia dos direitos fundamentais.11.ed., rev e atual., Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012, p.386. Ao discorrer sobre a dupla função dos direitos fundamentais, no que tange a
sua subjetivação e à eficácia irradiante para o ordenamento, ensina Alexei Julio Estrada: "Esta dupla
qualificação, na qual os dois elementos coexistem em uma relação de tensão, é o resultado da
implantação da denominada teoria objetiva, que redunda em uma ampliação do conteúdo dos direitos
fundamentais, os quais não se limitam a atuar na relação do indivíduo com o poder público, uma vez
que, como valores supremos que se irradiam para todo o ordenamento jurídico, também informam as
relações recíprocas entre particulares e limitam a autonomia privada, ao mesmo tempo que atuam
como mandatos de atuação e deveres de proteção para o Estado" (Op.cit., p.67).
86
Op.cit.,p.24.
87
Contratos bancários: execuções especiais. São Paulo: Malheiros, 2002, p.198.
88
Idem, ibidem.
89
Op.cit., p.34.
38

Os direitos fundamentais igualmente alcançam as relações privadas


quanto à função de proibições de intervenção. É pedagógico o exemplo ocorrido em
1950 na Alemanha. Erich Lüth, Presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo,
desenvolveu um boicote contra o file Unsterbliche Geliebte de Veit Harlan, diretor do
filme Jud Süss, produzido durante o 3º Reich. Harlan, então, ingressou com ação
perante o Tribunal estadual de Hamburgo, objetivando que Lüth se abstivesse de
conclamar o boicote ao o referido filme, com fundamento no § 826 do Código Civil,
cujo pedido foi acolhido por aquele tribunal. Lüth interpôs recurso à Corte
Constitucional que deu procedência ao recurso. Ficou enfatizado por aquela Corte
que "decisões de tribunais civis, com base em leis gerais de natureza privada,
podem lesar o direito de livre manifestação de opinião consagrado no art.5º, I, da Lei
Fundamental".90 Canaris critica a decisão enfocada, uma vez que bastaria ao
Tribunal Constitucional Federal, ao acolher o recurso, ter "aplicado os direitos
fundamentais, pura e simplesmente, na sua função de proibições de intervenção e
de direitos de defesa[...]".91

Registre-se que a despeito, no entanto, do inegável avanço ocorrido em


nossos tribunais, a respeito da aludida matéria, a efetividade dos direitos
fundamentais nas relações privadas ainda sofre percalços nos pretórios, como, por
exemplo, nas lides que gravitam sobre planos privados de assistência à saúde,
onde grandes operadoras, focando o contrato como mero ato negocial, conseguem
reiteradas tutelas judiciais para não prestarem assistência à saúde dos seus
clientes, nos procedimentos de alto complexidade (tomografia computadorizada,
ressonância magnética), num grave vilipêndio aos seus direitos fundamentais.

90
Apud MENDES, Gilmar Ferreira. Op.cit., p.127.
91
Op.cit., p.47.
39

2 OS DIREITOS MATERIAIS DOS IDOSOS EMOLDURADOS NO


ORDENAMENTO JURÍDICO

2.1 O envelhecimento e os desafios da sociedade brasileira

Preambularmente, destaca-se, na categoria dos ―novos direitos‖, o


direito do idoso. O idoso deixou de ser apenas estudado pela Geriatria e
Gerontologia, para se transformar num importante campo do Direito. O Estado
brasileiro enfoca o idoso como a pessoa com idade igual ou maior de 60 anos, cujo
conceito se encontra normatizado no artigo 1º da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de
2003.92

O referido conceito amolda-se àquele acolhido pela convenção


Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, aprovada pela
Assembleia Geral da OEA, no dia 15 de julho de 2015, conforme se verifica no artigo
2º daquele documento.93

Leciona-se, nesse sentido, que o direito do idoso vem se revestindo de


uma nova especialidade fomentada, inicialmente, por um imperativo demográfico, já
que o aumento populacional de idosos é crescente. Também a aludida
especialidade é fomentada pelo incremento dos gastos com pensões e seguridade
social, com notório impacto orçamentário, bem como pelo próprio impacto da
comunidade que, em face do aumento da população idosa, que acarreta, por
consequência, o afloramento da figura do cuidador, em cuja atividade gravita um
série de questões legais a serem resolvidas. Há que se acrescer, ainda, o fato dos
idosos terem, hodiernamente, maior visibilidade política tratando-se, ainda, de uma
classe com razoável articulação.94

92
Antes do Estatuto do Idoso, a Lei nº 8.842/94 já definia o idoso, em seu artigo 2º, como a
pessoa maior de 60 anos.
93
Vide anexo.
94
SILVA, Anna Cruz da Araújo Pereira da. Um jovem direito: direito do idoso. Revista A
terceira Idade. São Paulo: SESC, v.20, n.45, p.25-37, jun.2009. Acrescenta que : ―O surgimento desta
nova disciplina se deve ainda à tendência à especialização dos Direitos Humanos, justificada pela
necessidade de se tutelar grupos, muitas vezes minoritários...que por sua maior fragilidade
careceram de especial proteção‖ (p.28).
40

É inegável que a população mundial está envelhecendo e no Brasil se


descortina uma realidade não menos preocupante nessa seara. Pesquisa realizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística aponta que em 1999, a proporção
de idosos, no Brasil, era de 9,1%, enquanto , em 2009, este índice já se encontrava
no patamar de 11,3%.95 No corrente ano, a população de idosos, no Brasil já atingiu
23,5 milhões de pessoas, suplantando, por si só, a população de países europeus,
como a França e a Inglaterra, que possuem uma população que gravita entre 14 e
16 milhões, respectivamente.96

Merece registro o fato de que o Brasil, perfilhando uma tendência


mundial, se utilizou da idade cronológica de 60 anos, para denominar a pessoa
idosa. A doutrina internacional classifica a pessoa idosa pela idade cronológica97,
estabelecendo para tal parâmetro a camada populacional de 60 a 65 anos. Há,
ainda, o critério da idade fisiológica, que se refere ao processo de envelhecimento
físico. ―Se relaciona, muito mais, com a perda da capacidade funcional e com a
diminuição gradual da densidade óssea, o tono muscular e a força que se produz
com o passar dos anos‖.98Por último, aflora o critério da idade social que, para
Sandra Huenchuan, consiste naquele comportamento ínsito a uma determinada
idade cronológica. Para a aludida autora a idade da velhice consiste numa histórica
construção social ― que possui o significado que o modelo cultural outorga aos
processos biológicos que a caracterizam...Uma expressão ligada à idade social é a
da ‗terceira idade‘, considerada como uma maneira amável de se referir à velhice‖.99

Retomando a questão demográfica no Brasil, é interessante observar-


se que a população idosa não chamou a atenção no período de 1975 a 2000, onde o
seu crescimento foi tímido, mas atingirá um avanço extraordinário no período de
2000 a 2025 e explodirá no período de 2025 a 2050. Com efeito, em 2030, 20% da

95
Cf. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística . Pesquisa nacional por amostra
de domicílios. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
96
Cf. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Envelhecimento demográfico e lugar do idoso no ciclo
da vida brasileira.In: TRENCH, Belkis; ROSA, Tereza Etsuko da Costa (Orgs.). Nós e o outro:
envelhecimento, reflexões, práticas e pesquisa. São Paulo: Instituto de Saúde, 2011, p.08.
97
Idade estabelecida por anos de vida.
98
HUENCHUAN, Sandra. Los derechos de las personas mayores: aspectos teórico-
conceptuales sobre los derechos humanos de las personas mayores. Santiago de Chile.Nações
Unidas/CEPAL, 2013, p.04. Acrescenta que: ―Um termo associado à idade fisiológica é o de
senilidade, ou seja, o processo que se manifesta naqueles sujeitos que sofrem um nível de
deterioração física ou mental – ou ambos – que os impede de desenvolver com normalidade sua vida
social e íntima‖ (p.04).
99
Op.cit., ibidem.
41

população brasileira terão 60 anos ou mais, sendo que, em 2050, os idosos, no


Brasil, atingirão a cifra de 63 milhões de pessoas, numa proporção de 172 idosos
para cada 100 jovens.100

Merece atenção, ainda, o fato de que o índice de envelhecimento, no


Brasil, se elevou de 31,7 em 2001, para o patamar de 51,8 em 2011, numa
proporção preocupante, já que, atualmente, no Brasil há uma pessoa de 60 anos ou
mais para duas pessoas com idade inferior a 15 anos.101

Esse avanço extraordinário do número de idosos, no Brasil, com


inversão da pirâmide populacional, representa um acentuado desafio para a
sociedade brasileira, já que, neste século XXI, a população jovem será bem inferior
ao número de idosos. Obviamente, as cifras mundiais do nível de envelhecimento
populacional são de igual forma preocupantes. Impõe-se o registro de que de 1950 a
1982, a população de idosos no mundo saltou de 200 milhões para 400 milhões
alcançando o patamar de 600 milhões de pessoas idosas. Calcula-se que, em 2025,
os idosos, no mundo, atingirão a cifra de 1.100 milhões para alcançar o número de
2.000 milhões em 2050. Como se não bastasse tal fato, mais de 70% dos idosos
estarão residindo, em tal época, nos países em desenvolvimento, como o Brasil.102

Tal questão não escapou à argúcia de Zulmar Fachin para quem a


contemporaneidade , defronta-se com o problema do envelhecimento humano, cujo
fenômeno não atinge apenas os países europeus, mas também. o Brasil‖.103

Sublinhe-se, contudo, que países mais desenvolvidos como os Estados


Unidos, Dinamarca, Finlândia, Itália e outros conseguiram estruturar-se, para dar
melhor qualidade de vida à população idosa, inclusive, para aqueles com
diminuição da incapacidade funcional, com incremento considerável na expectativa
de vida. Neste sentido leciona Nilson Tadeu Reis Campos Silva assinalando:

Essa diminuição do número de incapacitados, naqueles países tem sido


registrada mesmo com o aumento daquela população, o que se credita,

100
Cf. <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=34054&janela=1>.
Acesso: 05/11/13.
101
Cf. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional por amostra
de domicílios. Rio de Janeiro: IBGE, 2012, p.28.
102
Cf. SáNCHEZ, Ernesto García.El maltrato a los ancianos em el ámbito familiar.
Albacete: Espanha, 2007, p.45.
103
Apresentação da obra de SILVA, Nilson Tadeus Reis Campos. Direito do idoso: tutela
jurídica constitucional. Curitiba: Juruá Editora, 2012.
42

basicamente, ao acesso a novas tecnologias que diminuem a incapacitação


derivada de patologias; ao poder aquisitivo da sociedade: e às políticas
públicas estatais voltadas aos cuidados dos idosos, e, sobretudo, à
educação. 104

Esse elevado número de idosos não é fruto apenas do avanço da


105
medicina e de melhores condições socioeconômicas . De fato, se a expectativa
de vida do brasileiro gravitava em torno de 33 anos no início do século XX,
alcançando a média de 50 anos no meio do aludido século, em 2010, essa
expectativa já alcançava 73,5 anos, com projeção para 75 , no ano de 2025.106
Paralelamente a esta conquista do homem, verifica-se, de forma explícita, uma
queda irreversível na taxa de fecundidade. O Brasil tinha uma taxa de fecundidade 6
nos anos 70, e, neste início de século, foi reduzida a 1,9. Assim, se um casal tem
menos de dois filhos, constitui uma inegável prognose de que a população está
começando a encolher. A queda acentuada da taxa de fecundidade, em menos de
três décadas, é preocupante, já que, à medida que ocorre um envelhecimento
progressivo na sociedade, menos jovens são inseridos no seu meio.107

Preleciona Alexandre Kalache que esses são inegáveis desafios que


pretendemos construir, inseridos numa sociedade com um número menor de
trabalhadores na classe produtiva, ao mesmo tempo em que se aumenta os grupos
mais dependentes, como os jovens e idosos. ―A questão, então, é saber se este
grupo ‗economicamente produtivo‘ irá gerar os meios econômicos suficientes para
manter as pensões, para manter a educação, a saúde das crianças, o
desenvolvimento‖.108

104
Direito do idoso: tutela jurídica constitucional. Curitiba: Juruá, 2012, p.103.
105
Anotam com cientificidade Abilio Costa Rosa e Tereza Etsuko da Costa Rosa que: ―Apesar
da complexidade envolvida no processo de envelhecimento, a Medicina contemporânea, tem
recortado essencialmente um fenômeno biológico sobre o qual tem-se debruçado cada vez com
maior atenção, tendo trazido inegáveis conquistas no que diz respeito à melhora das condições de
vida e ao aumento da longevidade.(Envelhecimento, tempo e desejo na hipermodernidade. In:
TRENCH, Belkis; ROSA, Tereza Etsuko da Costa (Orgs.). Nós e o outro: envelhecimento,
reflexões, práticas e pesquisa. São Paulo: Instituto de Saúde, 2011, p.321.
106
Cf. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Op.cit., p.08.
107
Cf. KALACHE, Alexandre. Conferência Magna - O século do envelhecimento: qual
sociedade queremos construir?In:Anais da 2ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa/A
avaliação da rede nacional de proteção e defesa dos direitos da pessoa idosa: avanços e desafios.
Brasília: Secretaria de Direitos Humanos/Presidência da República, 2010, p.08/10.
108
Op.cit., p.11. Pode-se complementar o aludido texto com a seguinte observação do IBGE:
―O envelhecimento da população, caracterizado pelo aumento da proporção de idosos em relação à
população total, é um fenômeno já bastante evidente em países desenvolvidos. Como esse
fenômeno ocorre de forma acelerada no Brasil, rapidamente ganha importância na agenda de
43

É alentador, por outro lado, saber-se que os idosos atualmente, se


revestem de grande capacidade contributiva para o desenvolvimento econômico,
social e cultural, além de desempenhar papéis importantes no seio familiar.109

Neste sentido, é importante registrar-se a observação feita pela ONU


atinente à questão dos idosos:

As pessoas mais velhas têm, cada vez mais, sido vistas como contribuintes
para o desenvolvimento; e suas habilidades para melhorar suas vidas e
suas sociedades devem ser transformadas em políticas e programas em
todos os níveis. Atualmente, 64% de todas as pessoas mais velhas vivem
em regiões menos desenvolvidas – um número que deverá aproximar-se de
80% em 2050.110

A despeito, contudo, da capacidade do idoso, comumente recai sobre


ele o estereótipo da velhice,111 cultuado, historicamente, por uma sociedade que
vivencia a filosofia do ‗descartável‘. Assim, a expressão ―recolhimento interior‖ é
usada eufemisticamente, para fomentar o afastamento do idoso do trabalho; a
inatividade, por sua vez, representa a rotulação dos aposentados, além das
festinhas da terceira idade, que muitas vezes representa a infantilização da vida dos
idosos, cujos comportamentos sociais emolduram sobremaneira o pensamento
social, numa contramão evidente da necessidade premente da inserção do idoso na
atividade econômica, política, cultural e social do país. O mito da velhice traz, ainda,

políticas sociais. As questões que emergem com o envelhecimento populacional estão relacionadas
ao mercado de trabalho, à previdência social, bem como ao sistema de saúde e de assistência social
dos idosos‖ (Pesquisa nacional por amostra de domicílios. Rio de Janeiro: IBGE, 2012, p.240).
109
É preocupante, contudo, a seguinte advertência de Abílio Costa-Rosa e Tereza Etsuko da
Costa Rosa : ―Alardeia-se como um triunfo a presença social de uma grande massa de indivíduos,
crescendo em progressão ampliada, com idades cada vez mais avançadas Mas o que a sociedade
atual reserva aos velhos além de uma vida mais alongada no diversionismo e no consumo?‖ (Op.cit.,
p.322).
110
ONUBR. A ONU e as pessoas idosas. Disponível em: <http://www.onu.org.br/a-onu-em-
acao/a-onu-e-as-pessoas-idosas. Acesso em: 16/11/2013.
111
Sobre a questão do idoso e do velho merece destaque a observação de J.R. Nascimento:
―Idoso é quem vive uma longa vida...a idade causa a degenerescência das cédulas...velho é quem
perdeu a jovialidade, a velhice causa a degenerescência do espírito. Você é idoso quando ainda
sonha...Você é idoso quando ainda aprende...Você é idoso quando ainda ousa...você é velho quando
apenas dorme; você é velho quando já nem mais ensina; você é velho quando sequer tenta. Para o
idoso, a vida se renova a cada dia que começa...para o velho, a vida se acaba um pouco mais a cada
noite que termina. Para o idoso, o dia de hoje é o primeiro do resto de sua vida...para o velho, todos
os dias parecem o último da longa jornada. Para o idoso, o calendário está repleto de amanhãs...para
o velho o calendário só tem ontens. Você é idoso quando ainda se exercita, quando ainda leva uma
vida ativa...você é velho quando somente descansa durante horas infindas que se arrastam
destituídas de sentido. Você é idoso quando ainda tem planos e projetos e ainda acredita na vida e
no futuro...você é velho quando só tem saudades e descrê de todos e de tudo. Você é idoso quando
curte o que lhe resta da vida...você é velho quando sofre o que o aproxima da morte[...]‖.. (Anos
dourados...Anos sonhados, 3.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001,. P.93/96.
44

como consequência deletéria, o nivelamento de todos os idosos como se fosse uma


massa uniforme do gênero do imprestável.112

Estas características imputadas ao idoso generalizam um modelo


consubstanciado em desígnios negativos, cujo estigma social se encontra em
contradição com o fato de que ―existem diversos velhos e diferentes possibilidades
de viver a velhice: a velhice não é uma situação homogênea e os velhos não são
iguais‖.113

Registre-se que:

Frequentemente, é para poucos o direito à terra, à água, à educação , à


saúde, ao trabalho, à participação e o acesso aos resultados dos avanços
científicos. O mundo, muitas vezes, é hostil com o diferente e, em geral, o
transforma em desigual. Os avanços tecnológicos, a modernidade, parecem
incompatíveis com seres menos ágeis, não tão perfeitos fisicamente ou com
rostos envelhecidos.114

Interessante pesquisa desenvolvida pela Fundação Perseu Abramo e


SESC aponta que a chegada da velhice foi associada, preponderantemente, a
aspectos negativos, não só entre os idosos, com um percentual de 88%, como
também entre os não idosos entrevistados, numa acentuada proporção de 90%. A
referida pesquisa aponta outro aspecto não menos importante, já que o desânimo
acometido pelas pessoas e a perda de vontade de viver foram apontados por 35%
dos idosos e por 28% dos não idosos, como sinal de que a pessoa ficou idosa.
Também a dependência física foi apontada, como característica da velhice, por um
percentual de pouco mais de ¼ dos entrevistados (idosos e não idosos). Contudo a
maioria dos idosos, ao ser indagados como se sentiam em tal idade, responderam
positivamente (69%), enquanto as respostas negativas foram colhidas por
aproximadamente 2/5 dos entrevistados, que focaram suas queixas nas debilidades
físicas e nas doenças.115

Deve-se, portanto, anotar a ponderação de que não se deve focar a


velhice como doença, devendo ser colocada em seu lugar, ―uma nova visão de um

112
Vide MINAYO, Maria Cecília de Souza. Op.cit., p.11.
113
CÔRTE, Beltrana et alii. Velhice, mídia, violência. In. GUGEL, Maria aparecida; MAIO,
Ladya Gama (Orgs.). Pessoas idosas no Brasil. Brasília: Instituto Atenas/AMPID, 2009, p.31.
114
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB. Fraternidade e pessoas
idosas. Texto-base Campanha da Fraternidade 2003: São Paulo: Editora Salesiana, 2001, p.19.
115
Idem, p.26.
45

tempo em que se pode optar por algo com menos constrangimentos, quanto aos
rumos que se quer imprimir a essa última etapa da vida, fazendo dela uma síntese
criadora‖.116

Registre-se que dos idosos entrevistados, somente aqueles maiores de


70 anos se sentem como tais já que a maioria expressa o sentimento de não ser
idoso. Merece ser destacado que:

[...] a sensação de velhice é partilhada gradualmente com o aumento da


idade: sentem-se idosos apenas um terço dos que estão entre 60 e 64 anos
(31%, pouco mais da metade dos que estão entre 70 e 74 anos (53%) e
cerca de sete em cada 10 idosos que estão com 80 anos ou mais (71%).
Mesmo neste segmento dos mais velhos, ainda 28% afirmaram que não se
sentiam idosos. A população idosa aponta, em média, os 70 anos e 7
meses como o momento da chegada à velhice, contra 68 anos e 11 meses
indicados pelos adultos (25 a 59 anos) e 66 anos e 3 meses pelos jovens
(16 a 14 anos).117

A pesquisa aponta, ainda, que os fatores marcantes, no lado positivo


desta faixa etária, gravitam para a experiência de vida, a sabedoria, ao tempo livre
vivenciado pelos idosos, à proteção familiar; e novos direitos sociais, como
prioridade em filas, transporte gratuito, descontos em eventos culturais e a
independência econômica e financeira para a maioria deles. O lado negativo
apontado pelos idosos e não idosos, com relação à imagem da velhice, está
relacionado com as debilidades físicas, a dependência física e, ainda, a
discriminação social contra a pessoa idosa.118

Apesar de os entrevistados apontarem avanços sociais destinados a


melhorar a vida dos idosos, registraram, nas críticas negativas, a falta de respeito
dos jovens para com os idosos e, ainda, a questão da saúde não só pela qualidade
ruim de atendimento nas unidades de saúde mas também pela opção moderna de
produtos industrializados. A ampla maioria dos não idosos (85%) e os idosos (80%)

116
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Op.cit., p.14.
117
CÔRTE, Beltrana et alii. Op.cit., p.26.
118
Idem, p.26/27. Quanto às debilidades físicas apresentadas por idosos merece registro a
observação de Márcio Pochman, para quem ―o envelhecimento populacional traz uma série de
desafios para a sociedade, dado que altera a demanda por políticas públicas e a distribuição dos
recursos disponíveis. Uma das certezas que se tem para o futuro próximo é a de um crescimento a
taxas elevadas do contingente de idosos vivendo mais tempo. Por outro lado, a certeza da
continuação nos ganhos, em anos vividos, é acompanhada pela incerteza a respeito das condições
de saúde, renda e cuidado que experimentarão os longevo―. (anotação de capa. In: CAMARANO,
Ana Amélia (Coord.). Características das Instituições de Longa Permanência para Idosos – região
Centro-Oeste. Brasília: IPEA; Secretaria de Direitos Humanos/Presidência da República, 2008).
46

reconheceram que existe preconceito contra os idosos no Brasil, com a ressalva de


que muitos poucos (4% dos não idosos ) admitem que são preconceituosos em
relação à velhice.119

O preconceito de idade ou contra a velhice120 é tratado pela


gerontologia como etarismo, podendo ser considerado uma espécie de racismo.
Preleciona Mário Filizzola que, ―do mesmo modo como age o racista, guiado por seu
preconceito, o etarista é conduzido por preconceito contra os velhos‖. 121

Um exemplo típico de preconceito em relação ao idoso é relatado, com


percuciência, por Norbert Elias:

Uma experiência de juventude assumiu certa significação para mim agora


que sou mais velho. Assisti a uma conferência de um físico muito conhecido
em Cambridge. Ele entrou devagar, arrastando os pés, um homem muito
velho. Eu me surpreendi pensando: ‗Por que ele arrasta os pés assim? Por
que não pode caminhar como um ser humano normal‘ Na hora me corrigi: ‗
Não pode evitar, é muito velho. 122

Na realidade, o preconceito contra a pessoa idosa, no país, ―é mais


forte do que o preconceito racial: incorporado sem crítica, envolve toda a sociedade
e é aceito pelas próprias pessoas de idade‖.123

Neste sentido, anota Paulo Roberto Barbosa Ramos que a sociedade


brasileira enfoca a velhice de forma negativa e, a despeito de caminharmos
naturalmente, para essa etapa da vida, os brasileiros fazem de tudo, para evitar a
velhice.124

119
Idem, p.27.
120
Os gerontólogos enfocam a velhice como ―uma etapa da vida na qual, em decorrência da
alta idade cronológica, ocorrem modificações de ordem biopsicossocial que afetam a relação do
indivíduo com o meio‖ (Salgado, Marcelo Antônio. Velhice, uma nova questão social. São Paulo:
SESC-CETI, 1980, p.29. Márcia Dourado, Doutora em Psiquiatria, leciona, contudo, que ―a velhice é
um conceito inserido em um repertório cultural historicamente delimitado, que atravessa o estatuto de
um processo biológico inerente ao ser humano, para o de uma construção social. (A velhice e seus
destinos.In: Revista A Terceira Idade. São Paulo: SESC, v.17, n.37, out./2006, p.09.
121
A velhice no Brasil. Rio de Janeiro: Cia Brasileira de Artes Gráficas, 1972, p.19.
122
A solidão dos moribundos. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p.79.
Acrescenta o ilustre autor: ―Minha espontânea reação juvenil à visão de um velho é típica da espécie
de sentimentos que a visão dos velhos suscita hoje, e talvez ainda mais em tempos passados, em
pessoas saudáveis nos grupos de ‗idade normal‘ (ibidem).
123
BARRETO, Maria Lectícia Fonseca. Admirável mundo velho. São Paulo: Editora Ática,
1992, p.24.
124
A proteção constitucional da pessoa idosa. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria (Orgs.).
Doutrinas essenciais-direitos humanos. São Paulo: R.T., v.IV, 2011, p.860.
47

Ademais, não se pode olvidar que o culto ao corpo, à força física, ao


beleza e ao vigor corporal e à ideologia produtivista constituem características
marcantes da sociedade do pós-modernismo, o que desfavorece a velhice, com
imagem ligada à decrepitude, fragilidade e muitas vezes, à pobreza.125

Registre-se, por oportuno, que, embora a pós-modernidade conduz as


pessoas à ideia de estarem numa era de abundância e conforto, a realidade social
evidencia um contingente de pessoas idosas vivenciando um estado de grave
vulnerabilidade social sem moradia digna, sem acesso à saúde pública, sem
benefício previdenciário digno, desprovidos de convívio familiar ou submetidos à
violência física e moral pela própria família.

É digno de nota o libelo redigido por Simone Beuvoir sobre o sistema


mutilador que recai sobre o idoso:

A palavra ‗refugo‘ diz bem o que quer dizer. Contam-nos que a


aposentadoria é o tempo da liberdade e do lazer: poetas gabaram ‗as
delícias do porto‘. São mentiras deslavadas. A sociedade impõe à imensa
maioria dos velhos um nível de vida tão miserável que a expressão ‗velho e
pobre‘ constitui quase um pleonasmo; inversamente: a maior parte dos
indigentes são velhos. O lazer não abre ao aposentado possibilidades
novas; no momento em que é, enfim, libertado das pressões, o indivíduo vê-
se privado de utilizar sua liberdade Ele é condenado a vegetar na solidão no
enfado, decadência pura. O fato de que um homem nos últimos anos de sua
vida não seja mais que uma marginalizado evidencia o fracasso de nossa
civilização: essa evidência nos deixaria engasgados se considerássemos os
velhos como homens, com uma vida atrás de si, e não como cadáveres
ambulantes.126

É necessário, portanto, analisar-se a dignidade da pessoa idosa tanto


no plano vertical como no horizontal, no sentido de analisar a sua efetividade tanto
nas relações Estado-pessoa idosa, quanto no respeito devido ao idoso nas relações
privadas.127

Como bem pondera Marília Anselmo Viana da Silva Berzins, os direitos


humanos e o respeito nunca envelhecem. ―Viver mais vem acompanhado de muitos

125
Cf. ROSA, Abílio; ROSA, Tereza Etsuko da Costa.Op.cit., p.321.
126
A velhice. Trad. Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p.13-
14.
127
Denomina-se eficácia vertical , em suas dimensões objetiva e subjetiva, quando focadas
as relações entre o Poder Público e os cidadãos. A eficácia horizontal, também denominada de
eficácia privada ou eficácia em relação a terceiros, é aquela decorrente das relações entre
particulares.
48

desafios. Ao se viver mais, espera-se que a dignidade, o respeito e condições


favoráveis sejam, também, incorporados à vida cotidiana das pessoas idosas‖.128

2.2 O envelhecimento sob a tutela da ONU

Os desafios já planificados à sociedade e ao Estado brasileiro, em


face das projeções demográficas da população idosa e as necessidades intrínsecas
à aludida faixa etária passou, também, a merecer a atenção internacional,
especialmente das Nações Unidas que, por meio da Resolução 33/52, convocou,
em 1982, uma Assembleia Mundial Sobre o Envelhecimento, realizada na cidade de
Viena, onde se aprovou o Plano de Ação Internacional de Viena Sobre o
Envelhecimento.

Merece atenção o referido documento, desde o seu prólogo, que realça


o desejo da Assembleia Geral, no sentido de que:

[...] as sociedades reajam mais plenamente ante as consequências


socioeconômicas do envelhecimento das populações e ante as
necessidades especiais das pessoas de idade[...]Em consequência, o Plano
de Ação Internacional deverá ser considerado parte integrante das
principais estratégias e programas internacionais, regionais e nacionais
formulados em resposta a importantes problemas e necessidades de
caráter mundial. Suas metas principais são fortalecer a capacidade dos
países para abordar de maneira efetiva o envelhecimento de sua população
e atender às preocupações e necessidades especiais das pessoas de mais
idade, e fomentar uma resposta internacional adequada aos problemas do
envelhecimento com medidas para o estabelecimento da nova ordem
129
econômica internacional[...]

O aludido plano elencou sete áreas prioritárias para o envelhecimento:


saúde e nutrição, proteção a consumidores idosos, habitação e ambiente, família,
bem-estar social, segurança e emprego e educação.

Para Anna Cruz de Araújo Pereira da Silva, o referido plano foi de


extraordinária importância para o coroamento de uma consciência universal de

128
Direitos humanos e políticas públicas. In: BORN, Tomiko. Cuidar Melhor e Evitar a
Violência – Manual do Cuidador da Pessoa Idosa. Brasília: Secretaria de Direitos
Humanos/Presidência da República, 2008, p.33.
129
Tradução do Prof. Sérgio Antônio Carlos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Vide
texto no Anexo. Disponível em:,http://www.ufrgs.br/e-psico/publicas/humanização/prologo.html.
Acesso em: 16/11/2013.
49

atenção ao idoso, contribuindo, ainda, para a elaboração da Carta de Princípios


para as pessoas idosas, a eleição do ano de 1999, como o Ano Internacional do
Idoso, bem como para a elaboração do Segundo Plano de Ação ao de Madri, para o
Envelhecimento.130

Em 1991, a ONU, na Assembleia Geral realizada naquele ano, aprovou


a Resolução nº 46/91, que estabeleceu princípios a serem seguidos pelos Estados-
Parte na proteção da população idosa.

O primeiro princípio inserido naquele documento consubstancia-se na


independência do idoso, que deve ter acesso a alimentação, água, alojamento,
vestuário e saúde com dignidade, assegurados mediante a garantia de rendimentos,
apoio familiar e comunitário. Deve, assim, ter o direito ao trabalho ou a outras fontes
de rendimento; o direito de participar da decisão da retirada da sua vida ativa; o
direito a programas adequados de educação e formação; o direito de residir em
ambiente seguro e no próprio domicílio, quanto tempo for possível.

O segundo princípio consiste na participação do idoso, que deve


permanecer integrado na sociedade, participando na formulação e execução das
políticas públicas diretamente ligadas ao seu bem-estar, bem como partilhar os seus
conhecimento e aptidões com as gerações mais jovens. O idoso deve, ainda, ter a
oportunidade de auxiliar sua comunidade, prestando serviços à coletividade,
respeitada sua capacidade e, ainda, de constituir movimentos e/ou associações de
idosos.

O terceiro princípio gravita sobre a assistência, no sentido de que os


idosos devem ter a proteção da família e da comunidade e o acesso à saúde, quer
no âmbito preventivo, quer no curativo, objetivando manter um estado de bem-estar
físico, mental e emocional. Deve o idoso ter o direito de acesso aos serviços sociais

130
O papel da ONU na elaboração de uma cultura gerontológica.In: Revista A Terceira
Idade. São Paulo: SESC, v.18, n.39, jun./2007, p.33. Acrescenta que a ―Conferência de Viena
delineou o panorama sob o qual se construiu a nova tendência demográfica, apontando a importância
da combinação de fatores como declínio das taxas de mortandade infantil e natalidade e os avanços
em nutrição, saúde básica, controle de doenças infecciosas. Mais que isso, quebrou o mito de que o
desafio do envelhecimento é mais notado em países – assim chamados –desenvolvidos; em 1975
mais da metade dos cidadãos maiores de 60 anos vivia em países em desenvolvimento. Esclareceu-
se que, ainda que o fenômeno do envelhecimento seja global, cada país deve reconhecer sua
tendência demográfica e se estruturar de acordo com sua população para otimizar seu
crescimento...Para o pensamento expresso em Viena, a criação e a implementação de políticas para
a terceira idade eram direito de soberania e, ao mesmo tempo, responsabilidade do Estado.‖ (p.33-
34)
50

e jurídicos, com o objetivo de assegurar a sua autonomia, proteção e assistência.


Também o idoso deve ter todas as condições de usufruir dos direitos humanos e
liberdades fundamentais, quer residam com suas famílias ou instituições de
assistência ou tratamento.

O quarto princípio é a realização pessoal do idoso, que deve receber


condições em todos os níveis, visando ao desenvolvimento do seu potencial.
Também deve ter acesso aos recursos educativos, culturais, espirituais e recreativos
da sociedade.

O quinto princípio consiste no respeito à dignidade do idoso, que tem o


direito de viver com dignidade e segurança, sem ser explorado física ou
mentalmente. O idoso deve ser tratado de forma justa, independente de idade, sexo,
cor , etnia, merecendo ser valorizado, não importando sua contribuição
econômica.131

Vinte anos depois da primeira assembleia, mais precisamente em abril


de 2002, a ONU realiza a Segunda Assembleia Mundial Sobre o Envelhecimento, na
cidade de Madrid. Merece destaque, preambularmente, o discurso de Kofl Annan,
Secretário-Geral da ONU, que consignou a sua preocupação com os idosos no
mundo. Sublinhou que:

As pessoas idosas são intermediárias entre o passado, o presente e o


futuro. Sua sabedoria e experiência constituem verdadeiro vínculo vital para
o desenvolvimento da sociedade[...]Com o aumento da população idosa,
multiplicar-se-ão esses desafios. É preciso que comecemos a nos preparar
para enfrentá-los desde agora. Devemos elaborar um novo plano de ação
sobre o envelhecimento, adaptado às realidades do século XXI[...]Espero
também que enviem ao mundo uma mensagem mais geral: que as pessoas
idosas não são uma categoria à parte. Todos envelheceremos algum dia, se
tivermos esse privilégio. Portanto, não consideremos os idosos como um
grupo à parte, mas, sim, como a nós mesmos seremos no futuro. E
reconheçamos que todas os idosos são pessoas individuais, com
necessidades e capacidades particulares, e não um grupo em que todos
são iguais porque são velhos.132

131
Vide elucidativo diagrama sobre tais princípios em PIÑERO, Luiz Rodrigues;
HUENCHUAN, Sandra. Los derechos de las personas mayores em el ámbito internacional,
módulo 2. Santiago de Chile: Nações Unidas/CEPAL, p.11.
132
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plano de ação internacional sobre
envelhecimento, 2002. Trad. Arlene Santos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos,2003. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/programas/plano-de-
acao-internacional-para-o-envelhecimento>. Acesso em 18.12.2013.
51

Os textos elaborados na referida assembleia representaram uma


explicita e extraordinária posição favorável da ONU aos grandes movimentos
sociais e científicos, no sentido de que os Estados devem preparar-se com políticas
públicas adequadas, para enfrentar no século XXI, não só os problemas advindos do
aumento da população idosa no mundo mas também insertar programas protetivos
dos direitos humanos inerentes ao homem em tal faixa etária; e, ainda, desenvolver
política de conscientização positiva do envelhecimento, visando a superar os
estereótipos ínsitos à população idosa, dentro do foco de se estruturar uma
―Sociedade para Todas as Idades‖, que foi o tema principal do evento..

Depreende-se, dos referidos textos, que é de fundamental importância


que o envelhecimento ocupe lugar de destaque em todas as prioridades assinaladas
para o desenvolvimento, não só no âmbito interno dos Estados como também no
plano internacional.

Como bem observado pelo Centro de Informação das Nações Unidas


em Portugal:

Ao aprovar os textos, a Assembleia expressou também o seu


empenhamento em garantir um envelhecimento activo, por meio da
promoção de estilos de vida saudáveis, de acesso aos serviços, do
investimento nos serviços sociais e da protecção do direito de as pessoas
idosas continuarem a trabalhar, se assim o desejarem. Foi também
prestada especial atenção ao impacte do VIH/SIDA nas pessoas idosas e
às suas necessidades em matéria de habitação, educação e lazer. Entre
outras questões abordadas nos textos figuram a solidariedade
intergeracional e a protecção das pessoas idosas em situações de conflito
armado, nomeadamente de ocupação estrangeira. ―As potencialidades das
pessoas idosas são uma base sólida de desenvolvimento futuro, permitindo
que a sociedade conte cada vez mais com as competências, experiência e
sabedoria dos idosos para que se aperfeiçoem por iniciativa própria e
contribuam activamente para o aperfeiçoamento da sociedade em geral‖,
afirma a Declaração. Nos termos dos documentos, a responsabilidade
primordial pela aplicação do Plano de Acção de Madrid recai sobre os
governos, mas as suas parcerias com a sociedade civil, o sector privado e
as próprias pessoas idosas também são ressaltadas, o mesmo acontecendo
com a cooperação internacional na área do envelhecimento. 133

Discute-se, atualmente, sobre a necessidade de as Nações Unidas


assumirem, positivamente, a universalidade dos direitos humanos dos idosos , por
intermédio através de um tratado, para compelir as nações a assumirem, com maior
responsabilidade, os referidos direitos. Nesse sentido, anotam Luiz Rodrigues-

133
Segunda Assembleia Mundial Sobre Envelhecimento em Madrid: Aprova plano de acção e
declaração política, p.1-2. Disponível em: <http://www.onuportugal.pt> . Acesso em : 17/11/2013.
52

Piñero e Sandra Huenchuan que os direitos das pessoas idosas não foram
contemplados com especificidade num tratado ou convenção, como nas hipóteses
dos direitos das mulheres, das crianças e das pessoas com deficiência. Realçam,
contudo, que, a despeito da não positivação dos direitos no almejado tratado, os
direitos humanos das pessoas idosas tem chamado atenção da comunidade
internacional e que há um pensamento consensual atinente a um mínimo de direitos
a um conteúdo mínimo dos direitos da pessoas idosas. .134

2.2.1 Conferências regionais sobre idosos

O prelúdio do século XXI foi marcado pela preocupação da


comunidade internacional com a violação dos direitos dos idosos e, até mesmo, pela
necessidade de catalogar e normatizar tais direitos, o que fomentou a concreção de
políticas internacionais e regionais em favor da pessoa idosa.

Frise-se que, a partir da celebração da 2ª Assembleia Mundial sobre o


Envelhecimento, em 2002 intensificou-se, entre os países, a vontade política de não
só catalogar os direitos da pessoa idosa mas também de desenvolver uma política
efetiva de proteção ao idoso.

Focando as ações regionais em favor da pessoa idosa, a Comissão


Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (CEPAL) já
realizou três conferências regionais intergovernamentais desde 2003 seguindo o
delineamento do Plano de Ação Internacional de Madrid sobre o Envelhecimento,
mas respeitando as especificidades da América Latina e Caribe.

Lecionando sobre os avanços de tais conferências, observa Sandra


Huenchuan que em cada uma das Conferências regionais sobre o envelhecimento
―têm-se examinado os avanços dos países com respeito à vigência e aplicação dos

mecanismos jurídicos e de política pública dirigidos a promover, proteger e respeitar


os direitos humanos das pessoas idosas‖.135

134
Op.cit., p.03
135
Los derechos de las personas mayores: las normas y politicas regionales y
nacionales sobre las personas mayores, módulo 3. Santiago de Chile: Nações Unidas/CEPAL,
2013, p.03.
53

A 1ª Conferência Regional Intergovernamental, com o tema ―Para uma


Estratégia Regional de Implementação para a América Latina e Caribe do Plano de
Ação Internacional de Madrid sobre o Envelhecimento‖, se realizou em 2003 e teve,
por escopo, a implementação, na América Latina e Caribe, do Plano de Ação
Internacional de Madrid sobre o Envelhecimento. A estratégia, naquela conferência,
foi inserir, como primeiro objetivo a ser adotado pelos países, a promoção dos
direitos humanos das pessoas idosa, além de recomendar a ― elaboração de
legislações específicas que definam e protejam estes direitos, de conformidade com
as padronizações internacionais e a normativa pactuada pelos Estados a respeito‖.136

As principais recomendações debatidas naquela conferência foram:

Quanto ao desenvolvimento de pessoas idosas: proteção dos direitos


humanos; acesso a oportunidades de crédito; acesso a empregos decentes;
aumento de cobertura de pensões contributivas e não contributivas; fomento
de participação das pessoas idosas. Quanto à saúde e bem estar na
velhice: acesso universal aos serviços de saúde integral; promoção de
comportamentos e ambientes saudáveis; regulação dos serviços de cuidado
a longo prazo; formação de recursos humanos em geriatria e gerontologia;
controle do estado de saúde da população idosa. Quanto aos entornos
propícios e favoráveis: acessibilidade do entorno físico; sustentabilidade e
adequação dos sistemas de apoio; promoção de uma imagem positiva da
velhice e do envelhecimento.137

A 2ª Conferência Regional foi realizada em Brasília, de 04 a 06 de


dezembro de 2007, com o tema ―Na direção de uma Sociedade para todas as
Idades e de Proteção Social embasada em Direitos‖, em cuja conferência foi
elaborada a Declaração de Brasília. Merece relevo no aludido documento a
solicitação aos países membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU que
sopese a possibilidade da designação de um relator especial encarregado de velar
pela promoção e proteção dos direitos humanos da pessoa idosa. Também as
delegações presentes na Conferência mais uma vez reafirmaram a necessidade de
os governos se sensibilizarem com a necessidade de se elaborar uma convenção
sobre os direitos humanos da pessoa idosa tutelada pela ONU.138

As principais recomendações daquela Conferência foram:

136
HENCHUAN, Sandra. Idem, p.04.
137
Idem, ibidem.
138
Cf. HENCHUAN, Sandra. Op.cit., p.05.
54

Quanto à segurança econômica: acesso ao trabalho decente na velhice;


aumento da cobertura dos sistemas de segurança social (contributivos e
não contributivos). Quanto à saúde: maior atenção às pessoas idosas
portadoras de deficiências; acesso equitativo aos serviços de saúde;
supervisão das instituições de longa permanência para idosos; acesso ao
sistema de saúde para as pessoas idosas portadoras de HIV. Quanto aos
entornos: fomento da educação contínua; acessibilidade dos espaços
públicos e adaptação das casas; eliminação das discriminações e violências
na velhice; reconhecimento da contribuição das pessoas idosas com a
economia do cuidado.139

A Terceira Conferência Regional, com o tema: ―Envelhecimento,


Solidariedade e Proteção Social: a hora de avançar até a igualdade‖, foi realizada
na cidade de San Jose da Costa Rica, no período de 08 a 11 de maio de 2012.

A referida conferência, sem demérito para a importância das duas


anteriores, avançou, sobremaneira, na concreção da responsabilidade dos Estados
com os direitos humanos da pessoa idosa na América Latina e Caribe. Os países
presentes à conferência se comprometeram a:

Avançar rumo a um Estado proativo que assuma um papel protagônico e


dinâmico com um duplo objetivo: por uma parte, prevenir os efeitos do
rápido envelhecimento da população nos sistemas de proteção social e, por
outra, introduzir novos dispositivos que permitam incrementar sua cobertura
e qualidade, para atender as necessidades das pessoas por toda a vida.
Superar as desigualdades que reproduzem os sistemas de proteção social e
que afetam os grupos mais desprotegidos. Se pretende superar as
iniquidades que se originam desde as tenras idades e que logo se traduzem
em desvantagens e limitações, para viver uma velhice digna. Avançar até o
reconhecimento e a inclusão do cuidado nas políticas públicas para a
autonomia das pessoas idosas. Para isso se propõe abordar o cuidado e a
dependência como um assunto de responsabilidade coletiva, que deve ser
sustentado mediante prestações e serviços que maximizem a
independência das pessoas idosas e o bem estar das famílias. Fortalecer as
capacidades nacionais para que sejam efetivos os direitos das pessoas
idosas. Isso implica o cumprimento das leis, o desenvolvimento de
instituições públicas, a dotação de recursos humanos, um adequado
orçamento, a participação efetiva das pessoas idosas, entre outros
aspectos. 140

No firme propósito de elaborar um tratado internacional protetivo dos


direitos humanos das pessoas idosas, a ONU aprovou, em 20 de dezembro de
2012, em sua Assembleia Geral, a Resolução 67/139, no sentido de que o grupo
de trabalho, já composto para tal fim, examine todas as propostas para a
elaboração de um instrumento jurídico internacional contemplativo de promoção e

139
Idem, ibidem.
140
Cf. . HENCHUAN, Sandra. Op.cit., p.06.
55

proteção dos direitos e da dignidade das pessoas idosas que não estejam
suficientemente previstos nos mecanismos existentes e que necessitam, portanto,
de uma maior proteção internacional. Seguindo o mesmo propósito, o Secretariado
das Nações Unidas, realizou uma consulta a todos os Estados membros, em março
de 2013, buscando sugestões em relação aos seguintes aspectos atinentes a um
novo instrumento protetivo de direitos humanos das pessoas idosas: a) propósitos;
b) princípios gerais; c) definições – em particular, de velhice e da pessoa idosa ; d)
igualdade e não discriminação aplicadas à pessoa idosa; e) direitos humanos
específicos a serem incluídos; e f) mecanismos de supervisão nacionais e
internacionais.141

2.3 Principais textos normativos protetivos dos direitos dos idosos

No que tange ao compromisso interno do Estado brasileiro na defesa


dos interesses dos idosos, percebe-se, pela leitura de todos os textos protetivos dos
direitos humanos albergados pelas constituições brasileiras anteriores a 1988, que
nenhuma delas teve uma preocupação especial com os direitos e garantias da
pessoa idosa.

A Constituição Política do Império do Brasil de 1824, bem como a


Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 silenciaram a
respeito de tais direitos e garantias.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934


instituiu no Título IV, que tratava da Ordem Econômica e Social, mais precisamente
no artigo 121, alínea h, a previdência social, dentre outros direitos, determinando
sua composição ―mediante contribuição igual da União, do empregador e do
empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de
acidentes do trabalho ou de morte‖.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, por sua vez,


estabeleceu no seu artigo 137, alínea m, o seguro de velhice, também estendido às
hipóteses de invalidez, de vida e para os casos de acidentes do trabalho.

141
NAÇÕES UNIDAS. Boletín 11: envejecimiento y desarrolho en America Latina y el Caribe.
Santiago de Chile :CELADE/CEPAL, 2013, p.04.
56

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1946,


embora tenha consagrado um Estado Democrático e retomado a ideia de uma
democracia social, não transcendeu o texto normativo da previdência social
instituindo-a no seu artigo 157, inciso XVI, com o escopo de assegurar a
maternidade e proteger os beneficiários das consequências da ―doença, da velhice,
da invalidez e da morte‖.

A Constituição de 1967 se limitou a também referir-se à previdência


social para garantia da velhice, além da maternidade, seguro-desemprego, da
doença, invalidez e morte, conforme se verifica no seu artigo 158, XVI.

É percuciente, portanto, a observação de Roberto Mendes de Freitas Jr


quando afirma que é ―forçoso concluir, pois, pela total indiferença do legislador
brasileiro, ao longo da história do país, como os direitos e garantias da pessoa
idosa‖.142

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representou


a quebra de paradigma em relação à proteção dos direitos fundamentais do homem,
não se olvidando de explicitar a pessoa idosa, conforme se verifica nos artigos 203,
V, 229 e 230.

Apesar de a Constituição não fazer menção expressa ao idoso noutros


textos, um dos fundamentos da República Federativa no Brasil constitui, justamente,
a dignidade da pessoa humana, conforme expressamente estabelecido no artigo 1º,
inciso III, que, combinado com os objetivos fundamentais da República descritos no
artigo 2º, dá a segurança que nenhum vilipêndio aos direitos fundamentais da
pessoa idosa poderá ser tolerado, devendo, aliás, ser reprimido, nos termos do
Estatuto do Idoso, e outros textos normativos que serão analisados no presente
trabalho.

Aliás, palmilha-se o entendimento de que a interpretação extensiva dos


artigos citados no parágrafo anterior ―seria suficiente, para garantir aos idosos todos
os direitos concedidos aos demais cidadãos, sendo prescindível a promulgação de
qualquer outro texto legislativo‖.143

142
Direitos e garantias do idoso. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.02.
143
FREITAS Jr, Roberto Mendes.,p.05. Observa, contudo, o autor que ―Não é essa, contudo,
a realidade da cultura jurídica brasileira, que até hoje sofre os reflexos do positivismo, dominante
durante o século XIX‖ (p.06).
57

Não se pode olvidar, contudo, da oportuna advertência de que diversas


causas que gravitam sobre a realidade do idoso podem motivar a ruptura da norma
constitucional, ―pela falta de consciência social, pelo desconhecimento das normas,
pela preferência de interesses privados. Esta heterogeneidade de causas eleva a
dificuldade em alcançar soluções efetivas‖.144

Quanto à legislação ordinária protetiva dos direitos dos idosos, merece


atenção, inicialmente, a Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974, que instituiu o
amparo previdenciário para maiores de setenta anos de idade e inválidos, conforme
texto preambular da lei.

O artigo 1º da aludida lei contemplava os idosos maiores de setenta


anos que estivessem definitivamente incapacitados para o trabalho, e não
exercessem nenhuma atividade remunerada, e que não fossem mantidos por
pessoas de que dependessem obrigatoriamente, e que não tivessem outro meio de
prover o próprio sustento. Havia, contudo, a exigência de que o beneficiário fosse
segurado do antigo INPS pelo período de 12 meses, de forma consecutiva ou não,
vindo a perder a condição de segurado ou que tivesse a comprovação do exercício
de atividade remunerada pelo período de cinco anos, consecutivos ou não, incluída
no antigo regime do INPS ou FUNRURAL, mesmo sem filiação à Previdência Social
ou, ainda, que tivesse ingressado no regime do INPS, após 60 anos de idade, sem
direito aos benefícios regulamentares.

Com o advento da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93)


o Brasil incorporou, diretamente, alguns princípios estabelecidos pela ONU, que
aprovou a Resolução da ONU nº 46/91, aprovada na Assembleia Geral de 1991. A
referida resolução, conforme exposto, no item anterior (2.2), proclamou alguns
princípios a serem seguidos pelos Estados-partes na proteção da população idosa,
como independência, participação do idoso, assistência, realização pessoal do idoso
e respeito a sua dignidade.

Cite-se, como exemplo, o disposto no artigo 20 da aludida lei que


instituiu o benefício da prestação continuada, que consiste na garantia de um salário
mínimo mensal ao beneficiário idoso com 65 anos idade ou mais, além da pessoa
com deficiência, que não possui meios de prover a sua subsistência nem de tê-la

144
GÁLVEZ, Rosa de couto et alii. La protección jurídica de los ancianos. Madrid: Editorial
Colex, 2007, p.18.
58

provida por sua família.

A Lei nº 8.842/94, que dispôs sobre a Política Nacional do Idoso, que


teve por escopo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para
promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade, conforme
expressa redação inserida no seu artigo 1º, representou uma quebra de paradigma
no tratamento do Estado brasileiro à pessoa idosa, em face do reconhecimento
normatizado de amplos direitos reconhecidos aos referidos indivíduos, como o
direito à cidadania, o respeito social, não discriminação, informações sobre o
envelhecimento, participação, capacitação, atualização, cultura, esporte, lazer,
saúde, educação, previdência, trabalho, habitação e assistência social.

A referida lei foi devidamente regulamentada pelo Decreto nº 1.948/96.


O aludido teto normativo também criou o Conselho Nacional do Idoso com atuação
deliberativa na política nacional do idoso.

Registre-se que, ―como órgãos superiores permanentes, deliberativos e


paritários (art.6º da Lei 8.842 de 04/01/1994), os conselhos devem estar livres de
qualquer condição de subordinação de caráter clientelístico, partidário e político‖.145

No âmbito da saúde, foi instituída, no ano de 1999, a Política Nacional


do Idoso, por meio da Portaria nº 1.395/GM, de 10 de dezembro de 1999, que teve
como propósito basilar a promoção do envelhecimento saudável, a manutenção e a
melhoria, ao máximo, da capacidade funcional dos idosos, a prevenção de doenças,
a recuperação da saúde dos que adoecem e a reabilitação daqueles que venham a
ter a sua capacidade funcional restringida, de modo a garantir-lhes permanência no
meio em que vivem, exercendo, de forma independente, suas funções na
sociedade.

Em janeiro de 2004, entrou em vigência a Lei nº 10.741/2003, o nosso


Estatuto do Idoso, que utilizando-se de um critério etário no artigo 1º, culminou por
admitir como pessoa idosa toda aquela com idade igual ou superior a 60 (sessenta)

145
BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos do Idoso. Quer um conselho? Guia prático
para a criação de conselhos e fundos estaduais e municipais de defesa dos direitos da pessoa
idosa. Brasília: Presidência da República/Secretaria de Direitos Humanos, 2013, p.13. Cartilha
editada pelo Ministério Público de Pernambuco também explicita que :―Cabe ao Conselho
acompanhar, propor e fiscalizar as políticas públicas na área do idoso. Apenas diante do
conhecimento da realidade e das necessidades apresentadas pela população idosa é que o Conselho
será capaz de identificar as propostas mais adequadas para a população do seu território‖ (Ministério
Público de Pernambuco. Idoso no exercício da cidadania. Recife: MPPE, 2013, p.27.
59

anos. A referida lei inseriu no ordenamento jurídico brasileiro todos os princípios e


diretrizes internacionais protetivas da pessoa idosa, estabelecendo mecanismos
jurídicos de proteção dos direitos fundamentais do idoso, tanto no âmbito vertical
como no horizontal, não deixando, também, de regular importante matéria
previdenciária, civil e processual civil de interesse do idoso.146

Como bem definiu Roberto Mendes de Freitas Jr, ―trata-se, na verdade,


de verdadeiro microssistema jurídico, vez que regulamenta todas as questões que
envolvem a pessoa idosa, tanto no aspecto do direito material como no tocante ao
direito processual ou substantivo‖.147

O Senador Paulo Paim, autor do projeto de lei que originou a Lei nº


10.741/03, enfoca que o envelhecer constitui um processo natural da vida e que o
referido processo precisa ser encarado com cuidado e respeito. Assevera, no
entanto, que muitos idosos vivenciam uma realidade cruel, cujo cerceamento de
direitos decorre não só de cerceamento de direitos da sociedade como também da
própria família.148

Valter Claudius Rothenburg enaltece a importância de as


especificidades das diferenças atinentes às minorias serem tuteladas por estatutos
próprios, sem desconsiderar, contudo, a ―possibilidade, sempre presente, de ilusão e
diversionismo‖. 149

146
Registra Anita Liberalesso Neri, ao analisar os fatos pretéritos à aprovação da Lei nº 8.842
e do Estatuto do Idoso, que ―A Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso tiveram uma
gestação longa: sabe-se que, em 1976, foi realizado o I Seminário Nacional de Estratégias de Política
Social do Idoso, reunindo profissionais de Geriatria, Gerontologia e técnicos das áreas da Saúde e da
Previdência Social. Desmobilizados durante os governos militares, voltaram a atuar e a pressionar o
poder público e os políticos até a efetivação da promulgação da Lei 8.842 e sua regulamentação dois
anos mais tarde. Quanto ao Estatuto do Idoso, sabe-se que tramitou no Congresso a partir de 1997 e
que foi gerado por iniciativa do movimento dos aposentados, pensionistas e idosos vinculados à
Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionista..‖ (As políticas de atendimento aos
direitos da pessoa idosa expressas no Estatuto do Idoso. In: Revista A Terceira Idade.São Paulo:
SESC, v.16, n.34, out./2005, p.08.
147
Direitos e garantias do idoso. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.03.
148
O direito de envelhecer com dignidade. Revista Senatus. Brasília: Senado Federal, v.07, n.01,
p.92-116, 2007. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/publicacoes/revistaSENATUS/pdf/Senatus_Vol7.pdf.> Acesso em
29/12/2013.
149
Prefácio da obra de SILVA, Nilson Tadeu Reis Campos. Direito do idoso: tutela jurídica
constitucional. Curitiba: Juruá Editora, 2012. Ensina, em complemento: ―Adiro à tendência
contemporânea no campo dos direitos fundamentais (direitos humanos) de afirmação das diferenças
por meio do estabelecimento de regimes jurídicos (estatutos) próprios. Isso se verifica tanto em
relação aos documentos jurídicos internacionais quanto nacionais. Corresponde a uma expectativa
dos respectivos grupos e, portanto, a uma reivindicação política. Projeta tais expectativas no plano
simbólico do Direito, que cumpre uma função importante‖.
60

Clodoaldo de Oliveira Queiroz após discorrer sobre a reverência


direcionada aos idosos no Oriente, Europa e América do Norte, não só pela sua
produção no passado mas igualmente pela experiência de vida, também aplaude o
legislador brasileiro pela concreção do Estatuto do Idoso, pelo fato de que os
brasileiros não respeitam os seus idosos. Leciona que para obstar a triste realidade
de desrespeito com a pessoa idosa e propiciar-lhe efetiva proteção, o legislador, em
hora propícia, premiou a sociedade com um código, denominado Estatuto do
idoso.150

Nilson Tadeu Reis Campos Silva critica o legislador brasileiro pelo


excesso de tutela por especificidades de faixa etária. Para o ilustre autor, como já
não bastassem os Estatutos da Criança e do Adolescente e do Idoso, em face da
aprovação da Emenda Constitucional 65, de 13.07.2010, o ordenamento jurídico
será brindado, em breve, com o Estatuto da Juventude. Assim, se haverá absoluta
prioridade às crianças, adolescentes e ao jovem, que será definido como aquele
situado na faixa etária de 15 aos vinte e nove anos de idade, sobrará o adulto entre
trinta aos cinquenta e nove anos de idade como um área do Direito, ―um Ser
abandonado e desencaixado desse mosaico cubista de especificidades etárias em
que se transformou a Constituição Federal‖.151

No entanto a aludida asserção não merece encômio, já que a lei


criticada trouxe inegáveis conquistas não só no âmbito do direito material como
processual, facilitando, até mesmo, ao julgador a cristalização de direitos
fundamentais de idosos, que são diuturnamente violados não só no âmbito familiar
como também no social.

Exemplifique-se com a hipótese de constantes abandonos de idosos,


os quais não encontram amparo perante o gestor público. A medida protetiva,
prevista pelo Estatuto do Idoso, permite que o Estado-Juiz obrigue o gestor a
albergar o aludido idoso numa ILPI,152 pública ou privada, a expensas do Poder
Público.

Também já foram interpostas milhares de ações civis públicas pelo


Ministério Público e Defensoria Pública, buscando a efetivação de políticas públicas
150
Os direitos fundamentais dos idosos. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria (Orgs.).
Doutrinas essenciais-direitos humanos. São Paulo: R.T., v.IV, 2011, p.816.
151
Op.cit., p.134.
152
Instituição de Longa Permanência para Idosos
61

albergadas pelo Estatuto do Idoso.

Como não bastasse o alicerçamento da cultura jurídica propiciada pela


lei em comento, não se pode olvidar do seu caráter educativo, que vem permeando
toda a sociedade brasileira atinente à necessidade da proteção dos direitos dos
idosos.

Nem mesmo as denominadas filas preferenciais citadas pelo autor


devem ser vistas apenas pelo viés capitalista. Nasceu ela do atendimento
preferencial imediato e individualizado imposto pelo Estatuto aos órgãos públicos e
privados prestadores de serviços à população, pelo que se depreende do disposto
no artigo 3º, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03.

Se algumas filas preferenciais estão sendo transformadas em guetos


sociais, cabe ao gestor público ou, mesmo, ao Ministério Público, ou Defensoria
Pública compelir o órgão faltante a cumprir, efetivamente, a disposição normativa
citada, estruturando-se adequadamente, para que o referido atendimento seja
célere.

Ademais não se pode olvidar que o desprezo social pelo idoso reflete,
com força exponencial, no parlamento e no próprio gestor público, que são
impregnados com o mesmo preconceito já enfocado. No entanto a forte pressão
social de seguimentos que atuam na proteção da pessoa idosa, que começam a se
fortificar, até mesmo em nível internacional, levou o parlamento brasileiro a aprovar
o Estatuto do Idoso.

Assim, a imperatividade normativa usada, como força instrumental,


pelas instituições públicas tutoras dos direitos da pessoa idosa, como o Ministério
Público, por exemplo, reveste-se de fundamentalidade essencial, para que o idoso
ocupe o seu lugar de pessoa na família e na sociedade.

Mesmo sem desconsiderar o papel negativo do Estatuto do Idoso,


como símbolo, como anotou o ilustre professor Nilson, não pode ser afastado o seu
papel positivo. Como bem preleciona Walter Claudius Rothenburg: ―A função
simbólica pode ser considerada, então, uma faceta da função instrumental do Direito
– não a única, talvez sequer a mais importante, porém uma função com potencial
62

positivo‖.153

Sepultar o Estatuto do Idoso, com o epitáfio ―Aqui jaz quem nunca


viveu‖, como fez o personagem narrado por Joaquim Manuel de Macedo, no
romance ―A carteira do meu tio‖, com a Constituição do Império do Brasil, que foi
sucessivamente apunhalada pelos sacrílegos, que fingiam amá-la, dependerá da
omissão de cada um dos amantes do Direito e da Justiça. 154

2.4 O direito à vida

A vida constitui o bem mais precioso do ser humano, sendo sua


inviolabilidade a primeira a receber destaque constitucional, pelo que se depreende
do disposto no artigo 5º, caput, da nossa Carta.

Verifica-se, assim, pela própria disposição do texto constitucional


citado, que todos os cidadãos têm um direito subjetivo fundamental à vida, sendo
que esta garantia não admite nenhum forma de restrição ou distinção; ―[...] protege-
se a vida humana de quem quer que seja, independentemente da raça, sexo, idade
ou condição social do sujeito passivo.155

Não é por outra razão que ensina Luis María Díez-Picazo Giménez que
o valor ou o bem jurídico protegido pelo direito à vida consiste justamente na
convicção já sedimentada de que toda vida humana é digna de ser vivida. O direito à
vida constitui o suporte físico ―de todos os demais direitos fundamentais e, por sua
óbvia conexão com a ideia de dignidade da pessoa, é inquestionável que sua
titularidade corresponde a todos os seres humanos, qualquer que seja sua
nacionalidade‖.156

Nelson Hungria já afirmava que ―a vida é pressuposto da personalidade

153
Direito Constitucional. São Paulo: Verbatim, 2010, p.54.
154
Vide ROTHERMBURG, Walter Claudius. Direito Constitucional, p.55.
155
PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro, v.4, Parte Especial, São Paulo:
RT, 2014, p. 60-61. Acrescenta o ilustre autor que ―A proteção de tão relevante bem jurídico é
imperativo de ordem constitucional...A garantia da vida humana não admite restrição ou distinção de
nenhuma espécie. Ou seja, protege-se a vida humana de quem quer que seja, independentemente
da raça, sexo, idade ou condição social do sujeito passivo...em razão da indisponibilidade e da
incontestável magnitude do bem jurídico protegido – a vida humana –, é irrelevante, em princípio, o
consentimento da vítima‖. (ibidem).
156
Sistema de derechos fundamentales, 4.ed., Cizur Menor/Navarra/Espanha:
Civitas/Thomson Reuter/Aranzadi, 2013, p.203/204.
63

157
e é o supremo bem individual‖ . Este dado é explicitado com maior cientificidade
por Magalhães Noronha, que, ao dissertar sobre o tema, leciona que : ―A vida é um
bem jurídico individual e social. Cada indivíduo tem o direito de gozá-la e desfrutá-la,
incumbindo ao Estado assegurar as condições de sua existência. Cabe-lhe a tutela
desse bem [...]‖.158

Merece registro, ainda, a lição de que o direito à vida, para quem já se


encontra inserido neste mundo, ―não representa apenas o direito de não ser morto,
mas no direito de viver. É correlato, assim, a uma série de obrigações, não apenas
negativas mas também positivas por parte dos demais‖. 159

Afirma-se, com acerto, que ―a vida é, sem dúvida, o princípio de tudo. É


160
o bem primeiro que justifica a existência dos demais direitos fundamentais‖. Neste
sentido, pode-se concluir que ―o direito à vida, visto como o período compreendido
entre o nascimento e a morte, e um direito inato, adquirido no nascimento, e é
intransmissível, irrenunciável, indisponível e inviolável‖.161

Ensina-se, ainda, que o desrespeito a tal direito mancharia o


ordenamento jurídico de injusto. ―Nenhum povo permanece no tempo quando o
desrespeita. E a decadência das civilizações normalmente coincide com o
desrespeito pela injusta ordem legal a tal direito.‖162

Não é por outra razão que dispõe o artigo 230 da Constituição da


República que :

Art.230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as


pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade e bem-estar

157
Comentários ao Código Penal. 3.ed, rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p.15.
158
Direito Penal, 23.ed., v.2. Atualizada por Dirceu de Mello. São Paulo: Saraiva, 1988, p.14-
15.Acrescenta que: ―É ela o bem supremo da pessoa e tanto basta, para, assegurar-se sua defesa e
proteção. Igualmente é um bem social e, por isso, indisponível pelo indivíduo. Existe um interesse
ético-político do Estado na conservação da vida humana[...]‖ (p.15).
159
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Direito à moradia. Revista de Informação Legislativa. Brasília:
Senado Federal, v.32, n.127, p.49-54, jul/set., 1995
160
CANUTO, Elza Maria Alves. Direito à moradia urbana. Belo Horizonte: Editora Fórum,
2010, p.152.
161
Idem, p.153. Complementa a autora, ensinando: ―O direito à vida antecede o princípio
constitucional da dignidade humana, pois este só se justifica com a existência daquele. A vida,
protegida constitucionalmente, não é uma vida qualquer: deve ser uma vida digna, pois a Constituição
traz a dignidade humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito‖ (p.154)
162
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Fundamentos do direito natural. In: PIOVESAN, Flávia:
GARCIA, Maria (Orgs.). Doutrinas essenciais: direitos humanos. São Paulo: R.T., 2011, v.II,
p.617. Conclui o autor que ―O mais fundamental direito natural do ser humano é portanto, aquele que
tem à vida‖ (ibidem).
64

e garantindo-lhes o direito à vida.


§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados
preferencialmente em seus lares.
§ 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos
transportes coletivos urbanos.

Observa-se, dessa maneira, pelo referido dispositivo constitucional,


que o direito de amparo do idoso tem sede constitucional e, além de tais direitos,
expressamente catalogados, nunca é demais relembrar-se que os direitos
fundamentais são de conteúdo aberto, de forma que não necessariamente devem
estar esculpidos na Constituição formal. Assim o manto constitucional de proteção
ao idoso deve ser estendido, a todo direito fundamental, em sentido material.

Não subsiste dúvida de que o direito de amparo da pessoa idosa se


reveste de natureza de fundamentalidade formal e material, alcançando todos os
direitos contidos nos artigos 2º e 3º do Estatuto do Idoso, por força da extensão do
artigo 5º, § 2º, já enfocado.

Não se pode afastar, por oportuno, a brilhante ponderação de Fabiana


Rodrigues Barletta, que, ao discorrer sobre o tema, enfoca que, ainda que fosse
suprimido o disposto no preceito constitucional enfocado, o direito de amparo da
pessoa idosa se revestiria da condição de fundamentalidade implícita, pelo fato de
estar subentendido pela ―dimensão axiológica que possui e que se abraça com a
tábua de valores constitucionais, afinal, tal direito é consectário do princípio da
dignidade da pessoa humana na circunstância especial de estar envelhecida e de
necessitar de cuidados especiais‖.163

A preocupação da Constituição Federal com o dever de amparo à


pessoa idosa tem interessante precedente histórico digno de registro.

Anota Georges Minois que os Incas, sob o império de Manco Capac, 164
no século XII, estabeleceu uma nova organização, para propiciar segurança aos
idosos, sendo que, anteriormente, os índios matavam e comiam os velhos daquele
território. Leciona que os velhos conservavam, nessa sociedade, o papel tradicional
de arquivos vivos. Ensina, ainda, que os idosos se transmudavam em conselheiros
dos soberanos. Acrescenta que os idosos formavam, em cada tribo, um conselho

163
O direito à saúde da pessoa idosa. São Paulo: Saraiva, 2010,
p.83.
164
Primeiro Rei da cidade de Cuzco, região dos Andes, Peru.
65

informal e que o príncipe contava, também, com um conselho de anciãos que


atuavam como seu guia.165

O direito à vida decorre, ainda, do princípio da proteção integral do


idoso consagrado no artigo 2º do Estatuto do Idoso e para consagrar esse direito,
assim como os demais catalogados no ordenamento jurídico, a referida lei
estabelece medidas de proteção gerais e específicas e delineia toda a política de
atenção aos interesses dos idosos, disciplinando, inclusive, o funcionamento de
entidades de acolhimento e eventuais infrações e sanções administrativas. Não se
olvidou, ainda, o Estatuto do Idoso de dispor sobre o acesso à Justiça, à atuação do
Ministério Público, bem como à proteção judicial dos interesses difusos, coletivos e
individuais indisponíveis ou homogêneos dos idosos. Também os bens jurídicos
protegidos pela referida lei receberam tutela penal específica nos artigos 96 a109.

Essa preocupação com o direito à vida do idoso e a sua proteção


integral, bem como a sua reinserção na sociedade, não passou despercebida ao
Papa João Paulo II que, em pronunciamento no período quaresmal de 2005,
assinalou:

Alcançar a idade madura, na visão bíblica, é sinal da benevolência


abençoada do Altíssimo. Desta forma, a longevidade apresenta-se como um
especial dom divino. Gostaria de convidar a refletir sobre este tema durante
a Quaresma, para aprofundar a consciência do papel que os idosos estão
chamados a desempenhar na sociedade e na Igreja, e dispor assim o
coração para o acolhimento amoroso que lhes deve ser sempre reservado.
Na sociedade de hoje, graças, também, ao contributo da ciência e da
medicina, assiste-se a um prolongamento da vida humana e a um
consequente incremento do número dos anciãos. Isto exige que se dedique
uma atenção mais específica ao mundo da chamada "terceira" idade, para
ajudar os componentes a viverem plenamente, as suas capacidades,
pondo-as ao serviço de toda a comunidade. A assistência aos idosos,
sobretudo quando passam por momentos difíceis, deve ser preocupação
dos fiéis, especialmente nas Comunidades eclesiais das sociedades
166
ocidentais, onde o problema está particularmente presente.

165
Histórica da velhice no Ocidente. Tradução de Serafim Ferreira. Lisboa: Editorial
Teorema, 1999, p.25-26. Acrescenta que: ―o Inca mandou, por duas vezes, o príncipe herdeiro, Maita
Capac, visitar o reino, em companhia de homens de idade e experientes, para que conhecesse os
seus problemas e os aprendesse a governar. As velhas mulheres têm um papel médico e tidas como
sábias...Os velhos do povo ficavam a cargo da comunidade, os camponeses deviam trabalhar a sua
terra logo após a dos domínios do Sol e gratuitamente...Os armazéns públicos forneciam os cereais e
um tributo especial era cobrado em forma de tributo (sic), que consistia em fabricar roupas e calçado
para os velhos, sendo isentados de impostos os índios que tivessem mais de cinquenta anos‖.(p.26).
166
Mensagem de sua santidade, o Papa João Paulo II, para a quaresma de 2005.
Disponível em:
<http://www.pastoraldapessoaidosa.org.br/images/stories/pdf/mensagemdopapajpauloiiquaresma200
5.pdf> . Acesso: 05 de março de 2014.
66

Merece registro o fato de que a dignidade da pessoa humana, na


expressão de Ingo Wolfgang Sarlet, ―é, essencialmente, uma qualidade inerente à
pessoa humana viva, mais precisamente, expressão e condição da própria
humanidade da pessoa‖.167 Preleciona, ainda, que ―A vida (e o direito à vida)
assume, no âmbito desta perspectiva, a condição de verdadeiro direito a ter direitos,
constituindo, além disso, pré-condição, a condição da própria dignidade da pessoa
humana‖.168

É digna de nota, ainda, a lição do referido autor, no sentido de que o


direito à vida se encontra umbilicalmente vinculada ao direito à saúde e que a
denegação dos serviços essenciais, como a saúde, se equipara à imposição da
pena de morte ao indivíduo, cujo único delito, foi justamente o de não ter a mínima
condição de custear o atendimento necessário .169

Quanto à proteção da vida do idoso, não se trata apenas de obstar


ataques homicidas, mas de protegê-lo de toda forma de violência que possa colocar
em risco sua vida. Não é por outra razão que a Lei nº 8.842/94 estabelece como
princípio, dentre outros, o dever da família, da sociedade e do Estado de velarem
pelo respeito à vida do idoso, pelo que se verifica no seu artigo 3º, inciso I:

Art.3º A política nacional do idoso reger-se-á pelos seguintes princípios:


I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso
todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida[...].

O Estatuto do Idoso, por sua vez, de forma mais ampla, estende tal
responsabilidade também à comunidade, dispondo, no seu artigo 3º:

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder


público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte ao lazer,
ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à
convivência familiar e comunitária.

Registre-se que à violência física que vitima o idoso se acrescentam


outras formas de violência não menos preocupantes que gravitam sobre a pessoa

167
A eficácia dos direitos fundamentais, 11.ed., rev e atual.. Porto Alegre, 2012, p.326.
168
Idem, ibidem.
169
Idem, p.329.
67

idosa, como o abuso psicológico, o abuso sexual, o abandono, a negligência e a


própria autonegligência.

O Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 737/GM, de 16 de maio


de 2001, editou o Plano Nacional de Redução de Morbimortalidade por acidentes e
violências, com os seguintes dados preocupantes atinentes à pessoa idosa:

Os maus-tratos contra os idosos, aqui consideradas as pessoas a partir dos


60 (sessenta) anos de idade, dizem respeito às ações únicas ou repetidas
que causam sofrimento ou angústia – ou, ainda, a ausência de ações que
são devidas –, que ocorrem numa relação em que haja expectativa de
confiança (Action of Elder Abuse, 1995; Unpea,1998). Embora não se
disponha de dados estatísticos sobre incidência e prevalência, sabe-se, a
partir de estudos realizados em outros países, sobretudo nos Estados
Unidos, Canadá e Inglaterra (Pillemer & Wolf, 1988; Podnieks, 1989; Ogg
and Bennett, 1992) que a violência contra os idosos existe e manifesta-se
sob diferentes formas: abuso físico, psicológico, sexual, abandono e
negligência. Some-se a essas formas de violência, o abuso financeiro e a
autonegligência. Cabe ressaltar que a negligência, conceituada como a
recusa, omissão ou fracasso por parte do responsável pelo idoso, é uma
forma de violência presente tanto em nível doméstico quanto institucional,
levando muitas vezes ao comprometimento físico, emocional e social,
gerando, em decorrência, aumento dos índices de morbidade e mortalidade.
Os idosos mais vulneráveis são os dependentes física ou mentalmente,
sobretudo quando apresentam déficits cognitivos, alterações de sono,
incontinência e dificuldades de locomoção, necessitando, assim, de
cuidados intensivos em suas atividades da vida diária (Eastman, 1994).
Uma situação de elevado risco é aquela em que o agressor é seu
dependente econômico. Aliam-se a esse outros fatores de risco: quando o
cuidador consome abusivamente álcool ou drogas, apresenta problemas de
saúde mental ou se encontra em estado de elevado estresse na vida
cotidiana.170

Os maus tratos físicos ou violências físicas dizem respeito ao uso da


força física, para ―compelir os idosos ―a fazerem o que não desejam, para feri-los,
provocar-lhes dor, incapacidade ou morte‖.171

O abuso psicológico, também conhecido como violência psicológica ou


maus- tratos psicológicos, refere-se às denominadas ―agressões verbais ou gestuais

170
Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria737.pdf. Acesso em:
27.11.13, p.11-12. Verifica-se, pela portaria enfocada que morbimortalidade consiste no ―conjunto das
ocorrências acidentais e violentas que matam ou geram agravos à saúde e que demandam
atendimento nos serviços de saúde‖. (p.02).
171
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano de ação
para enfrentamento da violência contra a pessoa idosa. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos,
2007, p.12.
68

com o objetivo de aterrorizar os idosos, humilhá-los, restringir sua liberdade ou isolá-


los do convívio social‖.172

No que tange ao abuso sexual ou violência sexual, ―referem-se ao ato


ou jogo sexual de caráter homo ou hetero-relacional, utilizando-se pessoas idosas.
Esses agravos visam a obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio
de aliciamento, violência física ou ameaças‖.173

O abandono ―é uma forma de violência, que se manifesta pela


ausência ou deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares
de prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção‖174.

A negligência pode ser conceituada como:

recusa, omissão ou omissão de cuidados devidos e necessários aos idosos,


por fracasso da parte dos responsáveis familiares ou institucionais. A
negligência é uma das formas de violência contra os idosos mais presentes
no país. Ela se manifesta frequentemente, associada a outros abusos que
geram lesões e traumas físicos, emocionais e sociais, em particular, para as
que se encontram em situação de múltipla dependência ou incapacidade. 175

A autonegligência ―diz respeito à conduta da pessoa idosa que ameaça


sua própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados a si mesma‖. 176

Outra forma de violência preocupante contra a pessoa idosa é o abuso


financeiro ou econômico, que se refere à exploração ilegal do idoso, quer pelas
instituições financeiras, que, utilizando-se de fraudes ou cláusulas contratuais
abusivas, acabam por explorar, ilegalmente, o idoso nos denominados empréstimos
consignados e também pelos próprios familiares pelo uso não consentido ou
fraudado dos recursos da pessoa idosa. Na concepção do plano federal supra o
abuso financeiro ou econômico ―consiste na exploração, imprópria ou ilegal, dos
idosos ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros e
patrimoniais. Esse tipo de violência ocorre, sobretudo, no âmbito familiar‖.177

Centrando análise no próprio atentado à vida dos idosos, verifica-se


que a ocorrência de homicídios se situa em terceiro lugar, na escala de mortes

172
Idem, p.13.
173
Idem, ibidem.
174
Idem, ibidem.
175
Idem, ibidem.
176
Idem, ibidem..
177
Idem, ibidem.
69

violentas, praticadas em relação aos idosos. A primeira causa decorre da violência


178
no trânsito, enquanto a segunda está relacionada às quedas dos idosos. Aliás,
chama atenção, no plano supra, a observação de que:

As quedas , causadas pela instabilidade visual e postural, comuns à idade,


representam os principais acidentes entre os idosos. Um terço desse grupo
que vive em casa e a metade dos que vivem em instituições sofrem pelo
menos, uma queda anual. A fratura de colo de fêmur é a principal causa de
hospitalização por queda. Cerca de metade dos idosos que sofrem esse tipo
de fratura falecem dentro de um ano; a metade dos que sobrevivem fica
totalmente dependente do cuidado de outras pessoas, aumentando os
custos da atenção à saúde e retirando pelo menos um familiar da atividade
econômica ativa, por um longo período.179

As taxas de suicídio são muito significativas para a população acima de


60 anos, alcançando quase o dobro da média das demais idades. 180

Em face do alto índice de violência contra a vida do idoso, no Brasil


leciona Alexandre de Oliveira Alcântara que para alterar essa realidade, impõe-se ― a
participação de todos. O Estado mediante políticas públicas direcionadas para a
proteção do idoso...a sociedade civil organizada, por meio de campanhas
educativas...a família, por intermédio de mais afeto[...]181

Agregue-se, também, que o direito à vida se encontra atrelado a outros


direitos fundamentais sociais do idoso, como a saúde, os alimentos e moradia
digna, por exemplo, de forma que, muitas vezes, caberá ao Estado assegurar
condições materiais de sobrevivência ao idoso, ofertando-lhe não só moradia mas
também os próprios alimentos. Ensina-se, aliás, que a proteção da vida não requer
do Estado, simplesmente, mecanismos de defesa à integridade total do ser humano,
mas, principalmente, atitudes concretas dele para a efetivação desse direito
178
Sobre a questão da queda dos idosos, observa-se que ―o envelhecimento populacional
vem acompanhado de um aumento crescente e acelerado de doenças crônico-degenerativas e de
eventos incapacitantes, entre os quais a queda. As quedas são problemas comuns e frequentemente
devastadores entre os idosos, estando no ranque entre os mais sérios problemas clínicos que
atingem essa população, sendo também causa de substancial razão de mortalidade e morbidade,
além de contribuírem para a imobilidade e para a institucionalização precoce [...]‖ (DIAS, Roberta
Bolzani de Miranda; PORTELLA, Marilene Rodrigues; TOURINHO FILHO, Hugo. Queda em idosos:
fatores de risco, consequências e medidas preventivas. In: Revista A Terceira Idade. São Paulo:
SESC, v. 22, n. 51, jul./2011, p.21.
179
Portaria nº 737/GM-2001.
180
Observa Alexandre de Oliveira Alcântara que, ―enquanto para o Brasil, em todas as idades
as taxas foram de 3,5/100.000, em 1991; e de 4,00/100.000, em 2000, para o grupo acima de 60
anos, elas são de 6,87/100.000 em 1991 e sobem para 7,49/100.000, em 2000‖ (A velhice no
contexto dos direitos humanos. In: GUGEL, Maria Aparecida; MAIO, Iadya Gama (Orgs.). Pessoas
idosas no Brasil. Brasília: Instituto Atenas/AMPID, 2009, p.18.
181
Idem, p.19.
70

fundamental, cuja eficácia depende da prestação de serviços públicos, no sentido de


que os tutelados não sofram graves intimidações à sua liberdade .182

2.5 O direito à saúde

A Constituição da Organização Mundial da Saúde conceitua saúde, em


seu preâmbulo, como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e
não meramente a ausência de doença ou enfermidade".183

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, por


sua vez, estabelece, no seu artigo 12, conceito semelhante de saúde, normatizando
que:

1. Os Estados-partes, no presente Pacto, reconhecem o direito de toda


pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental. 2. As
medidas que os Estados-partes, no presente Pacto, deverão adotar, com o
fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que
se façam necessárias para assegurar: a) a diminuição da mortinatalidade e
da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças; b) a
melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;
c) a prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas,
profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças. d) a criação
de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços
médicos em caso de enfermidade.

Assinale-se, por oportuno, que o Protocolo de São Salvador Adicional à


Convenção Americana de Direitos Humanos, em matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, adotou, também, o mesmo conceito de saúde da OMS,
estabelecendo, no artigo 10, que:

1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o desfrute do mais alto
nível de bem estar físico, mental e social.

Merece ser enfocado que, até a metade do século XX, o conceito de

182
BARLETTA, Fabiana Rodrigues.Op.cit., p.154.
183
Adverte Nadia Rejane Chagas Marques: ―A esse respeito, cumpre admitir-se que
dificilmente alguém se encontrará em completo bem-estar e que é mais factível predicar que a
‗saúde‘, em vez de um estado de perfeição pouco realista, abrange uma condição de equilíbrio
variável. Resultado de longa evolução na concepção, do que seja a sanidade, em si mesma
considerada, a saúde constitui um direito humano e fundamental, passível de proteção e tutela do
Estado‖ (O direito à saúde no Brasil: entre a norma e o fato. Porto Alegre: Nuria Fabris Editora,
2012, p.45-46.
71

saúde gravitava sobre parâmetros negativos, já que era vista como mera ausência
de enfermidade. Explicitando tal fase histórica, ensina o costarriquenho Roman A.
Navarro Fallas que o indivíduo só possuía saúde quando o médico não detectava
nenhuma enfermidade ao examiná-lo. Também o indivíduo era detentor de saúde
quando rastreada alguma moléstia, o médico obtia êxito na cura do doente.
―Coerente com esse paradigma, as instituições e serviços de saúde se dedicavam a
curar pessoas enfermas, sem dedicar tempo e recursos na prevenção e promoção
da saúde‖.184

Discorrendo, ainda, sobre a evolução histórica do conceito de saúde,


preleciona Sueli Gandolfi Dallari :

O atual conceito de saúde pública começa a se delinear no Renascimento,


correspondendo, praticamente ao desenvolvimento do Estado Moderno,
embora possam ser encontradas normas jurídicas dispondo sobre matéria
sanitária, desde os primórdios da história dos povos. Nesse período, um
fato importante, para a compreensão do conceito de saúde pública foi a
preocupação das cidades em prestar cuidados aos doentes pobres em seus
domicílios ou em hospitais, aumentando o poder das cidades em matéria de
higiene.185

Sueli Gandolfi Dallari e Vidal Serrano Nunes Júnior realçam a


importância da Constituição da Organização Mundial da Saúde , não só no que
tange à evolução do conceito de saúde mas também por consolidar o entendimento
da ideia de saúde como um bem coletivo.186

Para os referidos doutrinadores, a saúde deve ser definida como o


"bem fundamental que, por meio da integração dinâmica de aspectos individuais,
coletivos e de desenvolvimento, visa a assegurar ao indivíduo o estado de completo
bem-estar físico, psíquico e social".187

Alguns cientistas repudiam o conceito dado pela OMS no documento


em epígrafe, sob o argumento de que equipara bem estar e saúde, que raramente
estão juntos, transformando-se, assim, o conceito numa utopia, sem considerar,

184
Derecho a la salud:un análisis a la luz del Derecho Internacional, el Ordenamiento
Jurídico Costarricense y la Jurisprudencia Constitucional. San José,Costa Rica: Editorial
Juricentro, 2010, p.63.
185
Políticas de Estado e políticas de governo: o caso da saúde pública. In: BUCCI, Maria
Paula Dallari.Políticas públicas:reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006,
p.247
186
Direito Sanitário.São Paulo: Verbatim, 2010, p.08-09.
187
Idem, p.13.
72

ainda, o fato de se tratar de "uma definição estática e apresentar dificuldades para


sua medição objetiva".188

Neste sentido, Gonzalo Piedrola Gill prefere conceituar saúde "como


um estado de bem-estar físico, mental e social com capacidade de funcionamento, e
não só ausência de enfermidade ou indisposição".189

Leciona-se que a noção de saúde pública, atingida na


contemporaneidade começou a ser desenhada por ocasião do Estado liberal
burguês do final do século XVIII, em cujo período a assistência pública aglutinando a
assistência social e médica, consistia em "matéria dependente da solidariedade de
vizinhança, na qual o Estado deveria envolver-se apenas se as ação das
comunidades locais fosse insuficiente".190

A partir da segunda metade do século XIX, a saúde pública passou a


ser uma prioridade política, sendo que a partir do início do século XX, já se encontra
"instaurada a proteção sanitária como política de Estado".191

Leciona-se que a saúde na contemporaneidade se revestiu de um


fundamental direito humano, constituindo, ainda, um relevante investimento social.
De fato, como os governos têm como meta a melhoria da saúde de todos os
cidadãos torna-se imprescindível investimentos em políticas públicas de saúde
capazes de garantir a efetividade da saúde pública.192

No que tange ao Brasil, a Constituição da República estabelece:

Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitários às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

188
FALLAS, Roman A. Navarro. Op.cit., p.64.
189
Medicina preventiva y salud pública.10.ed. Barcelona: Masson, 2001, p.03.
190
DALLARI, Sueli Gandolfi.Op.cit. p.249.
191
Idem, p.250.
192
STURZA, Janaína Machado; CASSOL, Sabrina. Do direito à saúde no Brasil ao diritto alla
salute na Itália: breves apontamentos sociojurídicos. In:GORCZEVSKI, Clóvis; REIS, Jorge Renato
dos (Orgs.). Direitos fundamentais sociais como paradigmas de uma sociedade fraterna.Santa
Cruz do Sul-RS:IPR, 2008, p.359. Complementam as autoras, lecionando que: ―Todavia garantir o
acesso igualitário a condições de vida saudável e satisfatória, a cada ser humano, constitui um
princípio fundamental de justiça social e, portanto, exige, também, uma grande produtividade
complexa por parte da sociedade e do Estado, sendo necessária a intensificação dos esforços para
coordenar as intervenções econômicas, sociais e sanitárias, através de uma ação integrada‖ (p.359).
73

A nossa Carta ainda estabeleceu a relevância pública das ações e


serviços de saúde, ditando :

Artigo 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo


ao Poder Público dispor, nos termos da lei,sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito
privado.

O Sistema Único de Saúde foi erigido em dogma constitucional


normatizado pelo artigo 198 da Constituição da República, com as diretrizes da
descentralização, assistência integral e participação da comunidade.

Para que o Estado brasileiro, por meio de todas as esferas da


federação, possa cumprir tal dever de assistência com eficácia, foi estabelecido o
referido sistema com direção única, por intermédio de uma rede descentralizada,
regionalizada e hierarquizada.

É oportuno o registro da lição de Mônica de Almeida Magalhães, ao


afirmar:

As três esferas da federação têm obrigações recíprocas e permanentes com


relação à saúde, de tal forma que se uma delas não cumpre adequadamente
suas obrigações, a outra deve fazê-lo. O fato de existir uma diretriz de
descentralização não significa que, uma vez aperfeiçoada esta, os demais
entes possam se afastar de suas obrigações constitucionais. Antes, o Texto
Maior foi enfático ao proclamar a existência de um sistema único, que envolve
responsabilidade permanente e solidária de todos os entes da federação.193

O cumprimento das aludidas obrigações insere-se no âmbito da


atenção primária, secundária e terciária, diante de unidades referenciadas e
contrarreferenciadas.

É digno de nota a observação de que: ―O direito à saúde, além de


qualificar-se como condição fundamental que assiste a todas as pessoas, representa
consequência constitucional indissociável do direito à vida.‖ 194

Com especificidade ao idoso, observa-se que a pessoa, em tal faixa,


etária vivencia uma condição física mais adversa do que o jovem, já que usufruir de
saúde, enquanto jovem, constitui um acontecimento inteiramente natural. De fato,

193
O Sistema Único de Saúde e suas diretrizes constitucionais. São Paulo: Verbatim,
2009, p.79.
194
MARQUES, Nadia Rejane Chagas. Op.cit., p.44.
74

―permanecer saudável na velhice significa triunfar num entorno de adversidades que


envolvem o ser envelhecido‖.195

O Estatuto do Idoso, neste sentido, foi muito preciso, ao vincular o


direito à vida do idoso à sua saúde e dignidade, ao dispor, em seu artigo 9º:

Art.9º. É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à


saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um
envelhecimento saudável e em condições de dignidade‖.

A aludida disposição normativa leva à inarredável conclusão de que os


idosos, em face da sua condição física peculiar, merece toda a atenção do Estado
no sentido de que sua saúde deve ser preservada a todo custo e, ―quando
deficitária, precisa ser reabilitada com primazia, pois a queda na saúde de um idoso
pode significar a perda da vida em dignidade‖.196

O usufruir da saúde pelo idoso deve, de fato, ser focado como


prioridade, já que, sem condições físicas e mentais favoráveis, não poderá ele ter
acesso à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e ao
trabalho. Com efeito, ―em condições deficitárias de saúde, o entusiasmo do ancião é
usurpado , retiram-se dele, também, por conseguinte, as condições de se dedicar às
atividades culturais , ao esporte e ao lazer‖.197

Pode-se afirmar que paralelamente à previdência ou assistência, a


saúde compõe o que Fabiana Rodrigues Barletta denomina de tríade básica
tornando-se o componente essencial, ―para que haja vida em dignidade nas idades
longevas e para que direitos posteriores tenham condições de se exercerem, razão
de elevá-la à categoria de direito e social prioritário‖.198

O Estado brasileiro não descuidou, legislativamente, da proteção da


saúde da pessoa idosa. Além do disposto nos artigos de 196 a 200 da Constituição
Federal, cujos direitos se destinam a todos os que necessitem dos serviços de

195
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. O direito à saúde da pessoa idosa. São Paulo: Saraiva,
2010, p.60. A aludida autora faz importante observação atinente ao artigo 9º do Estatuto do Idoso
lecionando que ―é importante ressaltar o conteúdo normativo do artigo em comento , pois ele agrega
à vida saudável àquela que se dá em condições de dignidade. De nada adianta ao idoso estar vivo
se não goza de bem-estar físico, psíquico e social, pois, sem esses predicados, não há que se falar
em vida nas condições de dignidade a que toda pessoa humana tem direito‖ (p.60).
196
Idem, p.61.
197
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Op.cit., p.61.
198
Idem, p.62.
75

saúde pública no Brasil, a Lei nº 8.842, de 04 de janeiro de 1994 199, que institui,
como política de Estado, a Política Nacional do Idoso no Brasil, dispôs, no seu
artigo 10, inciso II :

Art. 10 Na implementação da política nacional do idoso, são competências


dos órgãos e entidades públicos:
[...]
II - na área de saúde: a) garantir ao idoso a assistência à saúde, nos
diversos níveis de atendimento do Sistema Único de Saúde; b)
prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso, mediante
programas e medidas profiláticas; c) adotar e aplicar normas de
funcionamento às instituições geriátricas e similares, com fiscalização pelos
gestores do Sistema Único de Saúde; d) elaborar normas de serviços
geriátricos hospitalares; e) desenvolver formas de cooperação entre as
Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios e
entre os Centros de Referência em Geriatria e Gerontologia para
treinamento de equipes interprofissionais; f) incluir a Geriatria como
especialidade clínica, para efeito de concursos públicos federais, estaduais,
do Distrito Federal e municipais; g) realizar estudos para detectar o
caráter epidemiológico de determinadas doenças do idoso, com vistas a
prevenção, tratamento e reabilitação; e h) criar serviços alternativos de
saúde para o idoso;

De forma mais incisiva, o Estatuto do Idoso não só estabeleceu, no seu


artigo 3º, o direito à saúde do idoso como uma obrigação prioritária do Estado, da
família, da comunidade e da sociedade como também impôs, no seu artigo 9º, o
dever do Estado de implementar ―políticas sociais públicas que permitam um
envelhecimento saudável e em condições de dignidade‖.

Com o escopo de não permitir nenhuma escusa na meta de efetivar


toda política pública necessária, para garantir, de forma prioritária, a devida atenção
integral, universal e igualitária, tanto no âmbito da prevenção como no
restabelecimento da saúde do idoso, o artigo 15 da aludida lei estabeleceu as
seguintes diretrizes para o SUS:

Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio


do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e
igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a
prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a
atenção especial às doenças que afetam, preferencialmente, os idosos. §
1o A prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão efetivadas por
meio de:
I – cadastramento da população idosa em base territorial;
II – atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios;
III – unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas
áreas de geriatria e gerontologia social;

199
A referida lei foi regulamentada pelo Decreto nº 1.948/96.
76

IV – atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que


dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para
idosos abrigados e acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem
fins lucrativos e eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos
meios urbano e rural;
V – reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das
sequelas decorrentes do agravo da saúde. § 2o Incumbe ao Poder Público
fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de
uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos
ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

A preocupação do Estatuto em assegurar ao idoso, prioritariamente,


atenção integral a sua saúde decorre da constatação pública de que o
envelhecimento da população em países, como o Brasil, ocorreu de forma
vertiginosa, suplantando, em velocidade, o próprio desenvolvimento econômico e
social, resultando, daí, uma sociedade envelhecida antes que o Estado e a
sociedade se preparassem, de forma gradativa, para garantir a prestação devida de
serviços assistenciais, em todos os níveis, aos cidadãos em tal faixa etária. Urge,
portanto, adequar o país, com a maior urgência possível, destas estruturas que não
foram montadas no decorrer da linha temporal humana em nosso território.

Leciona-se que este processo de transição demográfica vivenciada


pelo Brasil acarreta alterações profundas em todos os seguimentos da vida em
sociedade. ―Mas, sem dúvida, um dos setores mais atingidos é o da saúde, tanto
pelas repercussões nos aspectos assistenciais como pela crescente demanda de
novos recursos e estruturas‖.200

Aliás, conforme dito anteriormente, esse processo de profundas


mudanças sociais decorrentes do envelhecimento populacional foi fruto de intensos
debates na I Assembleia Mundial Sobre o Envelhecimento, ocorrida em Viena, em
1982, cujo documento, elaborado naquele evento internacional, recomendou a
adoção de estratégias e programas voltados à proteção da pessoa idosa.

A II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento realizada sob o


auspício da ONU, produziu o documento denominado ―Plano de ação Internacional

200
QUEIROZ, Zally Pinto Vasconcelos; PRADO, Adriana Romeiro Almeida. Mudanças
adequadas aos usuários idosos: humanização do atendimento na instituição hospitalar.
Revista A Terceira Idade. São Paulo: SESC, v.21, n.49, nov./2010, p.09. Acrescentam que: ―Assim
sendo, pode-se dizer que a longevidade traz, consigo, a maior incidência e prevalência de doenças
crônicas que exigem novas propostas em atenção à saúde, constituindo um enorme desafio para os
países em desenvolvimento, como o Brasil, onde se constata uma superposição epidemiológica:
coexistem doenças transmissíveis e crônico-degenerativas. Essa situação provoca maior demanda
pelos serviços de saúde[...]‖ (p.10).
77

sobre o Envelhecimento‖, de extraordinária importância para o desenvolvimento de


ações afirmativas voltadas à proteção do idoso.

No que tange à Declaração Política, constante do documento, chama


atenção o disposto no artigo 14:

Artigo 14 Reconhecemos a necessidade de conseguir progressivamente a


plena realização do direito de todos de desfrutar do mais alto grau de saúde
física e mental que possam obter. Reafirmamos que alcançar o mais alto
grau possível de saúde é objetivo social de suma importância no mundo
inteiro, e para que se torne realidade, é preciso adotar medidas em muitos
setores sociais e econômicos fora do setor da saúde. Comprometemos a
proporcionar aos idosos acesso universal e em condições de igualdade à
assistência médica e aos serviços de saúde, tanto de saúde física como
mental, e reconhecemos que têm aumentado as necessidades de uma
população que envelhece. Por isto, é preciso adotar novas políticas,
especialmente em matéria de assistência e tratamento, promover meios de
vida saudáveis e ambientes propícios. Favorecemos a independência e a
integração dos idosos e suas possibilidades de participarem, plenamente,
em todos os aspectos da sociedade. Reconhecemos a contribuição dos
idosos para o desenvolvimento mediante, sua função de zeladores.201

Antes, mesmo, da II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento e do


próprio Estatuto do Idoso, o Governo brasileiro implementou a primeira versão da
Política Nacional de Saúde do Idoso, detalhada na Portaria nº 1.395/GM, de 10 de
dezembro de 1999.

É interessante observar-se que o Ministério da Saúde reconheceu


expressamente, na aludida portaria, a dificuldade na implementação da referida
política nacional de saúde, ressalvando que:

Estudos têm demonstrado que o idoso, em relação às outras faixas etárias,


consome muito mais recursos do sistema de saúde e que este maior custo
não reverte em seu benefício. O idoso não recebe uma abordagem médica
ou psicossocial adequada nos hospitais, não sendo submetido também a
uma triagem rotineira para fins de reabilitação.
A abordagem médica tradicional do adulto hospitalizado – focada em uma
queixa principal e o hábito médico de tentar explicar todas as queixas e os
sinais por um único diagnóstico, que é adequada no adulto jovem – não se
aplica em relação ao idoso. Estudos populacionais demonstram que a
maioria dos idosos – 85% – apresenta, pelo menos, uma doença crônica e
que uma significativa minoria – 10% – possui, no mínimo, cinco destas
patologias (Ramos, LR e cols, 1993). A falta de difusão do conhecimento
geriátrico junto aos profissionais de saúde, tem contribuído decisivamente
para as dificuldades na abordagem médica do paciente idoso.

201
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plano de ação internacional sobre
envelhecimento, 2002. Trad. Arlene Santos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos,2003, p.22.Disponivel em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/programas/plano-
de-acao-internacional-para-o-envelhecimento> . Acesso em 18.12.2013.
78

A maioria das instituições de ensino superior brasileiras ainda não está


sintonizada com o atual processo de transição demográfica e suas
consequências médico-sociais. Há uma escassez de recursos técnicos e
humanos, para enfrentar a explosão desse grupo populacional no terceiro
milênio.
O crescimento demográfico brasileiro tem características particulares, que
precisam ser apreendidas mediante estudos e desenhos de investigação
que deem conta dessa especificidade. O cuidado de saúde destinado ao
idoso é bastante caro e a pesquisa, corretamente orientada, pode propiciar
os instrumentos mais adequados para uma maior eficiência na adoção de
prioridades e na alocação de recursos, além de subsidiar a implantação de
medidas apropriadas à realidade brasileira.
A transição demográfica, no Brasil, exige, na verdade, novas estratégias
para fazer frente ao aumento exponencial do número de idosos
potencialmente dependentes, com baixo nível socioeconômico, capazes de
consumir uma parcela desproporcional de recursos da saúde destinada ao
financiamento de leitos de longa permanência... Tanto a dependência física
quanto a mental constituem fatores de risco significativos para mortalidade,
mais relevantes até que as próprias doenças que levaram à dependência,
visto que nem todo doente torna-se dependente, conforme revelam estudos
populacionais de segmentos de idosos residentes em diferentes
comunidades (Ramos, L. R. e cols., 1993). No entanto, nem todo
dependente perde sua autonomia e, neste sentido, a dependência mental
deve ser objeto de atenção especial, na medida em que leva, com muito
mais frequência, à perda de autonomia. Doenças como depressão e
demência já estão, em todo mundo, entre as principais causas de anos
vividos com incapacidade, exatamente por conduzirem à perda da
independência e, quase que necessariamente, à perda da autonomia.
Os custos gerados por essa dependência são tão grandes quanto o
investimento de dedicar um membro da família ou um cuidador para ajudar
continuamente uma pessoa que, muitas vezes, irá viver mais 10 ou 20 anos,
requerendo uma atenção que, não raro, envolve leitos hospitalares e
institucionais, procedimentos diagnósticos caros e sofisticados, bem como o
consenso freqüente de uma equipe multiprofissional e interdisciplinar, capaz
de fazer frente à problemática multifacetada do idoso.
Dentro desse contexto é que são estabelecidas novas prioridades dirigidas
a esse grupo populacional, que deverão nortear as ações em saúde, nesta
202
virada de século.

A referida portaria traz um conceito diferenciado de idoso saudável com


foco na autonomia funcional do indivíduo, preconizando:

A maior parte dos idosos é, na verdade, absolutamente capaz de decidir-se


sobre seus interesses e organizar-se sem nenhuma necessidade de ajuda
de quem quer que seja. Consoante os mais modernos conceitos
gerontológicos, esse idoso, que mantém sua autodeterminação e prescinde
de qualquer ajuda ou supervisão, para realizar-se no seu cotidiano deve ser
considerado um idoso saudável, ainda que seja portador de uma ou mais de
uma doença crônica.
Decorre, daí, o conceito de capacidade funcional, ou seja, a capacidade de
manter as habilidades físicas e mentais necessárias para uma vida
independente e autônoma. Do ponto de vista da saúde pública, a
capacidade funcional surge como um novo conceito de saúde, mais
adequado para instrumentalizar e operacionalizar a atenção à saúde do
idoso. Ações preventivas, assistenciais e de reabilitação devem objetivar a

202
Introdução da descrição da política nacional constante do anexo à portaria citada.
79

melhoria da capacidade funcional ou, no mínimo, a sua manutenção e,


sempre que possível, a recuperação dessa capacidade que foi perdida pelo
idoso. Trata-se, portanto, de um enfoque que transcende o simples
diagnóstico e tratamento de doenças específicas.
A promoção do envelhecimento saudável e a manutenção da máxima
capacidade funcional do indivíduo que envelhece, pelo maior tempo
possível – foco central desta Política –, significa a valorização da autonomia
ou autodeterminação e a preservação da independência física e mental do
idoso. Tanto as doenças físicas quanto as mentais podem levar à
dependência e, consequentemente, à perda da capacidade funcional.203

A Política Nacional de Saúde do Idoso tem como pilastra sete diretrizes


essenciais, a iniciar pela promoção do envelhecimento saudável.

Objetiva, com tal diretriz, a implementação de ações educativas, no


sentido de que as pessoas idosas e aquelas em processo de envelhecimento
passem a se preocupar com suas capacidades funcionais, desenvolvimento de
forma precoce, hábitos saudáveis de vida e, por consequência, a abstenção de
comportamentos nocivos à saúde, como o culto ao tabagismo, alcoolismo,
automedicação, devendo ser acrescentado o sedentarismo, os quais devem ser
eliminados da vida cotidiana do indivíduo. Como hábitos saudáveis, devem ser
estimulados a alimentação adequada e balanceada, a prática regular de exercícios
físicos e o desenvolvimento de rotinas diárias prazerosas que possam atenuar o
estresse.

Frise-se que a vida, na contemporaneidade, embora tenha


sedimentado conquistas inegáveis de melhor conforto à civilização humana, também
acarretou hábitos nocivos a um envelhecimento saudável, como a realização de
tarefas diárias, muitas vezes sem nenhum esforço físico. Nas edificações
verticalizadas, por exemplo, é rotineiro para a ampla maioria dos usuários, a não
utilização de escadas, mesmo para o seu deslocamento ao andar imediatamente
inferior.

Merece registro, nesse sentido, a advertência de que a longevidade,


nestas circunstâncias, pode representar um problema irradiando a questão para os
aspectos físicos, psíquicos, econômicos e sociais. ―Esses anos vividos a mais
podem representar não uma extensão de vida plena de significados, mas um
momento de decepções e angústias‖.204

203
Introdução da descrição da política nacional constante do anexo à portaria citada.
204
PEREIRA, Maria Angélica Leite; RODRIGUES, Mineia Carvalho. Capacidade funcional
80

Ao analisar a diretriz política citada, Ana Cristina Passarella Brêtas


pondera que a promoção do envelhecimento saudável implica em analisar o
envelhecimento como um processo que descreve uma trajetória do útero ao túmulo
―na perspectiva da saúde como um consumo de vida. Pensar na promoção significa
chegar antes de qualquer agravo ou chegar junto ao agravo e minimizá-lo‖.205

Como segunda diretriz, foi destacada a manutenção da capacidade


funcional do idoso.

Neste sentido, devem ser priorizadas ações preventivas de agravos à


saúde e detecção precoce de problemas de saúde potenciais ou já instalados, cujo
avanço poderá pôr, em risco, as habilidades e a autonomia dos idosos.

É imperioso observar-se que, ―embora a grande maioria dos idosos


seja portadora de, pelo menos, uma doença crônica, nem todos ficam limitados por
ela. Muitos levam uma vida perfeitamente normal‖. 206

A vacinação destaca-se como importante medida preventiva de agravo


à saúde, devendo ser aplicadas as vacinas contra o tétano, a pneumonia
pneumocócica e a influenza, que representam problemas sérios entre os idosos, no
Brasil, e que são as preconizadas pela Organização Mundial da Saúde – OMS –
para essa faixa etária.

Também, como propósito de manutenção da capacidade funcional do


idoso, a referida diretriz dá a devida atenção à detecção precoce de enfermidades
não transmissíveis, como a hipertensão arterial, diabetes melito e a osteoporose.

Preconiza que tais atividades deverão ser desenvolvidas junto às


próprias unidades básicas de saúde contando com a ação imprescindível das
equipes da Estratégia da Saúde da Família ou de equipes congêneres, o que
customiza custos imprescindíveis ao cumprimento das metas do SUS em tal área.

em pessoas idosas. Revista A Terceira Idade. São Paulo: SESC, v.20, n. 45, jun./2009, p.70.
Acrescentam: ―Tais mudanças vêm propiciando a aquisição de hábitos potencialmente lesivos à
saúde e à qualidade de vida, como a redução dos níveis de atividades físicas inerentes às atividades
habituais, favorecendo, com isto, que os fatores de risco relacionados à instalação de estados
patológicos ocorram com maior incidência na população‖ (p.70)
205
Políticas públicas de saúde para o idoso. Revista A Terceira Idade. São Paulo: SESC,
v.13, n.24, p.44, abr./2002.
206
ROCHA, Cristiano Andrade Quintão Coelho. Avaliação da capacidade funcional de
indivíduos institucionalizados com acidente vascular encefálico. In: Revista A Terceira Idade.
São Paulo: SESC, v. 22, n.51, jul./2011, p.63. Acrescenta o ilustre autor: ―Na verdade, o que mais
importa nessa etapa da vida, é a autonomia, ou seja, a capacidade de determinar e executar seus
próprios desígnios‖ (ibidem).
81

A terceira diretriz, não menos importante, é a assistência às


necessidades de saúde do idoso, que será efetivada em nível ambulatorial,
hospitalar e domiciliar. No primeiro nível, é imprescindível a consulta médica
procedida pelo geriatra, a fim de que se possa alcançar um impacto expressivo na
assistência, com o escopo, inclusive, de reduzir as taxas de internação hospitalar e
em clínicas de repouso, que causam efeitos deletérios a pacientes nesta faixa etária.
Como bem preconizado pela portaria, a consulta deve ser feita de forma abrangente
para que se possam obter informações relevantes, não só para a identificação de
―problemas não apenas relacionados aos sistemas cardiorrespiratório, digestivo,
hematológico e endócrino-metabólico como também aos transtornos
neuropsiquiátricos, nos aparelhos locomotor e geniturinário‖ 207.

Não se podem ignorar, na análise dessa diretriz, importantes críticas


direcionadas ao SUS, não só pela ausência mas também pela inserção de
equipamentos e ações numa rede de amparo à saúde do idoso. Como bem observa
Ana Cristina Passarella Brêtas: ― a maior parte das ações ainda não estão
vinculadas aos equipamentos básicos de saúde, às Unidades Básicas de Saúde e
Unidades de Saúde da Família.‖.208

A assistência, em nível hospitalar, alcança, com maior cuidado, os


pacientes inseridos no grupo de totalmente dependentes, sujeitos a internações
prolongadas, reinternações sucessivas e de pior prognóstico, de forma que os
profissionais de saúde devem estar preparados, para identificar esse grupo que
merece uma assistência mais sofisticada pela precariedade do seu estado de
saúde.209

207
Item 3.3 das diretrizes da política nacional constante do anexo à portaria citada.
208
Op.cit., p.45. Ensina, em complemento: ―A assistência, de uma maneira global, é dada, de
forma segmentada pela porta de entrada do pronto socorro e do pronto atendimento. Qual é o risco
de assistir, principalmente o idoso, pela porta de entrada do pronto socorro? Estaremos sempre
trabalhando a consequência, jamais a causa da patologia, pois cada vez quem atende o paciente é
um profissional diferente e portanto desconhecerá bem a história do usuário do serviço. As condutas
nem sempre serão igualitárias e isso pode colocar em risco a própria saúde do indivíduo‖ (p.46)
209
Conforme preconiza a aludida portaria: ― Essa assistência será pautada na participação de
outros profissionais, além de médicos e enfermeiros, tais como fisioterapeutas, assistentes sociais,
psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, dentistas e nutricionistas. Dessa forma, a
disponibilidade de equipe mínima, que deve incluir obrigatoriamente um médico com formação em
geriatria, de equipamentos e de serviços adequados, será pré-requisito para as instituições públicas
estatais ou privadas – conveniadas ou contratadas pelo SUS –, que prestarem assistência a idosos
dependentes internados‖ (item 3.3.).
82

A referida portaria introduziu, em boa hora, o denominado hospital-dia


geriátrico, que é uma forma intermediária entre a internação hospitalar e a
assistência domiciliar. Tal serviço se destina a assegurar ―a assistência técnica
adequada para pacientes cuja necessidade – hidratação, uso de medicação
endovenosa, quimioterapia e reabilitação – e de orientação. para cuidadores não
justificarem a permanência em hospital‖.210

No que tange à internação domiciliar, foi ela disciplinada pela Portaria


nº 2.259, de 19 de outubro de 2006. A referida internação é definida pela aludida
portaria, nos seguintes termos:

Art. 2º Definir como Internação Domiciliar, no âmbito do SUS, o conjunto de


atividades prestadas no domicílio a pessoas clinicamente estáveis que
exijam intensidade de cuidados acima das modalidades ambulatoriais, mas
que possam ser mantidas em casa, por equipe exclusiva para este fim.

Os serviços de internação domiciliar devem ser estruturados com


equipes multiprofissionais compostas de, no mínimo, médico, enfermeiro e técnico
ou auxiliar de enfermagem. Também deverá haver equipes matriciais de apoio. Pela
disposição do artigo 8º, inciso I, da aludida portaria, os idosos foram catalogados
como grupo populacional prioritário de tais serviços.

Acrescente-se que a assistência domiciliar do idoso se encontra


expressamente prevista no artigo 15, inciso IV, do Estatuto do Idoso, sendo que a
Lei nº 12.896, de 18 de dezembro de 2013, acresceu os §§ 5º e 6º ao aludido artigo,
para priorizar o atendimento domiciliar do idoso, não só quando tal contato for de
interesse do poder público mas principalmente na hipótese de idoso enfermo, que
necessitar de perícia médica para a elaboração de laudo de saúde para o exercício
dos seus direitos sociais e de isenção tributária, quando os peritos deverão se dirigir
à residência do idoso.

A assistência domiciliar ao idoso é de fundamental importância na


contemporaneidade, vez que o número de idosos que moram sós triplicou no
período de 1992 a 2012. De fato, o incremento de novos idosos, que vivem em tal
situação, passou de 1,1 milhão para 3,7 milhões no referido período, o que equivale
a 215%. Assinale-se que o número de idosos, acima de 60 anos, entre os referidos

210
Item 3.3. da portaria supra.
83

marcos temporais passou de 11,4 milhões para 24,8 milhões, num crescimento de
117%.211

O aumento considerável de idosos que moram sem familiares e/ou


acompanhantes vem chamando a atenção dos pesquisadores, sendo oportuno
observar-se que, entre os idosos que moram em tal situação, 65% são mulheres,
devendo ser acrescentado que as mulheres estão muito mais longevas. Apenas
para comparar com o número expressivo de mulheres que vivem sozinhas, o
percentual de homens idosos que vivem em tal condição passou de 31% para 35%,
nas últimas décadas.212

Em face desse grande contingente de idosos que moram


desacompanhados, até mesmo dos denominados cuidadores, foi desenvolvida a
tecnologia denominada teleassistência. Por meio de uma central que funciona 24
horas, o idoso, que porta uma pulseira com identificação e alarme, é monitorado. Em
caso de alguma anomalia, como queda de pressão arterial, o alarme dispara e o
idoso é socorrido imediatamente. 213

Registre-se, contudo, que a aludida tecnologia ainda não foi


incorporada ao SUS, tratando-se de serviço prestado unicamente por empresas
particulares.

Deve ser lembrado, ainda nesta diretriz de assistência, por se tratar de


um serviço de excelência, o Programa de Acompanhante de Idosos, desenvolvido
pelo Município de São Paulo, para atender a população idosa daquele território.

Pode-se definir o aludido programa como:

[...] É uma modalidade de cuidado domiciliar biopsicossocial a pessoas


idosas em situação de fragilidade clínica e vulnerabilidade social, que
disponibiliza a prestação dos serviços de profissionais da saúde e

211
COLLUCCI, Cláudia. Número de idosos que moram sós triplica. Folha de São Paulo,
São Paulo, 25 de dezembro de 2013, Caderno B, Saúde + ciência, p. 05
212
Idem, ibidem. Acrescenta que: ―Essas mudanças, associadas ao aumento da longevidade,
têm levado as pessoas a verem com mais naturalidade a decisão de um idoso morar sozinho, de
acordo com Marília Berzins, doutora em saúde pública pela USP e presidente do Observatório da
Longevidade. ‗O que antes era tido como sinal de abandono, agora é visto como autonomia‖ (p.05).
213
Idem, ibidem. ―Pioneira no mercado brasileiro, a TELEHELP atende 6.000 idosos em 19
Estados. Quase 80% deles moram sozinhos. A idade média é de 79 anos e, em 50% dos casos são
eles próprios que contratam o serviço. O carro-chefe da empresa é uma aparelho instalado na
residência do idoso que, em caso de emergência, com um único toque, aciona uma central de
atendimento 24 horas‖ (idem, ibidem).
84

acompanhantes de idosos, para apoio e suporte nas Atividades de Vida


Diárias (AVD‘s) e para suprir outras necessidades de saúde e sociais.
O Programa Acompanhante de Idosos apresenta-se como um desafio na
reconstrução das práticas de saúde, ao valorizar o cuidado como prática do
humano, ao voltar-se para a prestação de serviços à pessoa idosa em
situação de fragilidade. O Programa interage com os sujeitos pelas ações
de saúde desenvolvidas e valoriza suas necessidades, oferecendo
acolhimento, vínculos e responsabilização na organização dos serviços. Ao
se cuidar das pessoas idosas do programa – nas diversas dimensões do
conceito –, cuida-se da dimensão e condição humana[...]O grupo ou
conjunto de pessoas e serviços existentes ou construídos constitui-se no
que denominamos rede. Essa rede exerce, ao longo da vida, inúmeras
funções, desde as afetivas, como dar e receber atenção, carinho, conforto,
às mais instrumentais, quando temos alguma dificuldade ou limitação.
Essas funções se alteram ou se alternam, dependendo da necessidade,
como por exemplo, os auxílios para cuidados pessoais, para atividades em
214
casa, auxílios financeiros e outros.

A quarta diretriz consiste na reabilitação da capacidade funcional


comprometida. A referida diretriz leva em consideração que as causas de
dependência funcional podem ser evitadas, em sua maioria e em vários casos, são
passíveis de reversão com a aplicação de técnicas de reabilitação física e mental,
desde que sejam elas instituídas com a maior rapidez já que a precocidade da
aplicação de tais técnicas estatisticamente revelam resultados primorosos.

A reabilitação da capacidade funcional do idoso pressupõe a ação de


uma equipe multiprofissional, composta de integrantes das áreas de medicina,
fisioterapia, terapia ocupacional, enfermagem, nutrição, fonoaudiologia, psicologia e
serviço social.

Pelo que se observa no texto da portaria citada, o referido plano tem


por escopo, ―além da necessidade de prevenir as doenças crônicas que acometem
os que envelhecem, procurar-se-á, acima de tudo, evitar que essas enfermidades
alijam o idoso do convívio social, comprometendo sua autonomia‖.215.

A quinta diretriz refere-se à capacitação de recursos humanos


especializados. Objetiva a diretriz enfocada que o setor de saúde possa contar com
pessoal qualificado e com quantidades suficientes, para assegurar o direito à saúde
à população idosa. Serão referenciados Centros Colaboradores de Geriatria e
Gerontologia, que terão a função de capacitar os profissionais, para prestarem a

214
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE. Documento Norteador Programa Acompanhante
de Idosos. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, 2012, p.22/25.
215
Item 3.4 do anexo da Portaria 1.395/GM de 10 de dezembro de 1999.
85

devida cooperação técnica, demandada em todas as áreas governamentais


envolvidas na proteção ao idoso.

A sexta diretriz tem, por escopo, o apoio ao desenvolvimento de


cuidados informais. Gravita sobre o cotidiano dos idosos, que mantêm alguma
incapacidade funcional, a ação de agentes envolvidos nos cuidados formais
integrados por profissionais e instituições de saúde, que prestam tal forma de
atendimento sob a forma de prestação de serviços, bem como aqueles que se
dedicam aos cuidados informais de atenção aos idosos, que são compostos por
membros da família, amigos próximos aos idosos e, ainda, os vizinhos, sendo que
tais atividades recaem, com acentuada maioria, nas mulheres. Neste sentido, é
oportuno o registro da seguinte observação constante da portaria em exame:

Na cultura brasileira, são essas pessoas que assumem para si as funções


de provedoras de cuidados diretos e pessoais. O papel de mulher cuidadora
na família é normativo, sendo, quase sempre, esperado que ela assuma tal
papel. Os responsáveis pelos cuidados diretos aos seus idosos doentes ou
dependentes geralmente residem na mesma casa e se incumbem de
prestar a ajuda necessária ao exercício das atividades diárias destes
idosos, tais como higiene pessoal, medicação de rotina, acompanhamento
aos serviços de saúde ou outros serviços requeridos no cotidiano, por
exemplo, ida a bancos ou farmácias.216

A diretriz, portanto, dá grande relevo às ações de tais cuidadores e


impõe o desenvolvimento de uma parceria entre os profissionais de saúde que
atuam no território em que reside o idoso e esses cuidadores, os quais devem ser
capacitados em relação a doenças crônico-degenerativas, que eventualmente esteja
lidando; e como acompanhar o tratamento prescrito.

Esta integração entre os profissionais de saúde e os cuidadores


informais é exitosa, à medida que ocorre uma sistematização das tarefas a serem
desenvolvidas na própria moradia do idoso, devendo ser privilegiadas àquelas
atinentes à ―promoção da saúde, à prevenção de incapacidades e à manutenção da
capacidade funcional do idoso dependente e do seu cuidador, evitando-se, assim,
na medida do possível, hospitalizações, asilamentos e outras formas de segregação
e isolamento‖.217

216
Item 3.6 do anexo da Portaria 1.395/GM, de 10 de dezembro de 1999.
217
Item 3.7 do anexo da Portaria 1.395/GM, de 10 de dezembro de 1999.
86

A sétima diretriz enfoca o apoio a estudos e pesquisas. Propõe o plano


em análise que esse apoio seja levado a efeito pelos Centros Colaboradores de
Geriatria e Gerontologia. As fontes financeiras de tais estudos e pesquisas deverão
ser as agências de ciência e tecnologia regionais e/ou federais. Dispõe, ainda, o
aludido plano que ―Caberá ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Ciência
Tecnologia, em especial, o papel de articuladores, com vistas a garantir a efetividade
de ações programadas de estudos e pesquisas desta Política Nacional de Saúde do
Idoso‖.218

Objetivando implementar a criação e organização das redes estaduais


de assistência à saúde do idoso, com o escopo de efetivar a política nacional
referida, o Ministério da Saúde elaborou a Portaria nº 702/SAS/MS, de 12 de abril de
2002,

A referida portaria, além de estabelecer a necessidade de os gestores


estaduais do SUS implantarem as respectivas redes estaduais de assistência à
saúde do idoso, delineou, ainda, a necessidade da criação, organização, habilitação
e cadastramento dos denominados Centros de Referência em Assistência à Saúde
do Idoso.

A estrutura dos referidos centros foi disciplinada pelo § 3º da referida


portaria, nos seguintes termos:

§3º Entende-se, por Centro de Referência em Assistência à Saúde do


Idoso, aquele hospital que, devidamente cadastrado como tal, disponha de
condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos
específicos e adequados para a prestação de assistência à saúde de idosos
de forma integral e integrada, envolvendo as diversas modalidades
assistenciais, como a internação hospitalar, atendimento ambulatorial
especializado, hospital-dia e assistência domiciliar, e tenha capacidade de
se constituir em referência para a rede de assistência à saúde dos idosos.

Impõe-se a observação de que a mencionada portaria foi


complementada pela Portaria nº 249/SAS/MS, de 16 de abril de 2002 que
normatizou a forma de cadastramento dos Centros de Referência citados para a
efetivação e operacionalização das redes estaduais de assistência à saúde do idoso.

218
Item 3.7 do anexo da portaria supra.
87

Com o advento do Estatuto do Idoso, ―a proteção da saúde passou a


ser vinculada ao SUS, em todos os níveis de atenção, ampliando o papel do Poder
Público‖.219

Quatro anos depois do advento das portarias já enfocadas, o Ministério


da Saúde determinou, expressamente, a revisão de tais textos, por meio da
publicação da Portaria nº 2.528/GM, de 19 de outubro de 2006, para adequá-las ao
novo texto integrante da nova portaria que apresentou a segunda versão da Política
Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, readequando-a aos novos desafios, inclusive,
normatizados pelo Estatuto do Idoso.

Pelo que se observa na parte introdutória do anexo da referida portaria:

[...] embora a legislação brasileira relativa aos cuidados da população idosa


seja bastante avançada, a prática ainda é insatisfatória. A vigência do
Estatuto do Idoso e seu uso como instrumento para a conquista de direitos
dos idosos, a ampliação da Estratégia Saúde da Família que revela a
presença de idosos e famílias frágeis e em situação de grande
vulnerabilidade social e a inserção ainda incipiente das Redes Estaduais de
Assistência à Saúde do Idoso tornaram imperiosa a readequação da Política
Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI)... Cabe destacar, por fim, que
a organização da rede do SUS é fundamental para que as diretrizes dessa
Política sejam plenamente alcançadas. Dessa maneira, torna-se imperiosa
a revisão da Portaria nº 702/GM, de 12 de abril de 2002, que cria os
mecanismos de organização e implantação de Redes Estaduais de
Assistência à Saúde do Idoso e a Portaria nº 249/SAS, de 16 de abril de
2002, com posterior pactuação na Comissão Intergestores Tripartite. A meta
final deve ser uma atenção à saúde adequada e digna para os idosos e
idosas brasileiras, principalmente para aquela parcela da população idosa
que teve, por uma série de razões, um processo de envelhecimento
marcado por doenças e agravos que impõem sérias limitações ao seu bem-
estar. .220

A readequação do referido plano nacional, como não poderia deixar de


ser, repercutiu nas próprias diretrizes estabelecidas no primeiro plano. Com efeito,
as novas diretrizes foram redirecionadas às seguintes áreas:

a) promoção do envelhecimento ativo e saudável; b) atenção integral,


integrada à saúde da pessoa idosa; c) estímulo às ações intersetoriais,
visando à integralidade da atenção; d) provimento de recursos capazes de
assegurar qualidade da atenção à saúde da pessoa idosa; e) estímulo à
participação e fortalecimento do controle social;
f) formação e educação permanente dos profissionais de saúde do SUS na
área de saúde da pessoa idosa; g) divulgação e informação sobre a Política

219
SANTOS, Marcelo Moreira dos. Direito à saúde da pessoa idosa. In: GUGEL, Maria
Aparecida; MAIO, Iadya Gama (Orgs.). Pessoas idosas no Brasil. Brasília: Instituto Atenas/AMPID,
2009, p.93.
220
Introdução do anexo da Portaria 2.528/GM, 2006.
88

Nacional de Saúde da Pessoa Idosa para profissionais de saúde, gestores e


usuários do SUS;
h) promoção de cooperação nacional e internacional das experiências na
atenção à saúde da pessoa idosa; e apoio ao desenvolvimento de estudos e
pesquisas221

Quanto à promoção do envelhecimento ativo e saudável, o novo plano


incorpora as recomendações da Organização Mundial de Saúde, no sentido de que
tanto o governo, as organizações internacionais e a sociedade civil devem e
preocupar-se no sentido de desenvolverem políticas e programas focados na
melhoria da saúde, participação e segurança da pessoa idosa. O cidadão idoso não
deve, mais, ser considerado como sujeito passivo dos projetos engendrados pelo
Estado, e, sim, um agente das ações voltadas à pessoa idosa, ―numa abordagem
baseada em direitos, que valorize os aspectos da vida em comunidade, identificando
o potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo do curso da vida.‖222
A atenção integral, integrada à saúde da pessoa idosa, constitui
importante diretriz que deve ser imposta ao SUS em todas as suas instâncias.
Pressupõe que o SUS seja devidamente estruturado e hierarquizado em redes
especiais voltadas à saúde do idoso, facilitando o seu acesso a todos os níveis de
atenção (primária, secundária e terciária), envolvendo os gestores estaduais e
municipais, uma vez que a União atua no referido projeto como ente fomentador e
financiador de tais redes. A atenção básica, principalmente, deve ser fortalecida com
o envolvimento dos profissionais de saúde, para que se preste uma saúde de
excelência neste nível de atenção, em face da importância dos trabalhados
desenvolvidos pela Estratégia da Saúde da Família e UBS na efetivação da saúde
do idoso. A atuação integrada das unidades de saúde, em rede, pressupõe, ainda, a
atuação eficaz das unidades especializadas nos níveis secundário e terciário. Como
bem exposto na referida portaria, devem ser planificados programas, objetivando:

Incorporação, na atenção básica, de mecanismos que promovam a melhoria


da qualidade e aumento da resolutividade da atenção à pessoa idosa, com
envolvimento dos profissionais da atenção básica e das equipes do Saúde
da Família, incluindo a atenção domiciliar e ambulatorial, com incentivo à
utilização de instrumentos técnicos validados, como de avaliação funcional
e psicossocial. Incorporação, na atenção especializada, de mecanismos que
fortaleçam a atenção à pessoa idosa: reestruturação e implementação das
Redes Estaduais de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa, visando a
integração efetiva com a atenção básica e os demais níveis de atenção,

221
Item 3 do anexo da portaria supra.
222
Item 3.1 do anexo da portaria supra.
89

garantindo a integralidade da atenção por meio do estabelecimento de


fluxos de referência e contra-referência; e implementando de forma efetiva
modalidades de atendimento que correspondam às necessidades da
população idosa, com abordagem multiprofissional e interdisciplinar, sempre
que possível; contemplando, também, fluxos de retaguarda para a rede
hospitalar e demais especialidades, disponíveis no Sistema Único de
Saúde.223

O estímulo às ações intersetoriais, visando à integralidade das ações,


também constitui uma diretriz importante a contribuir para a sedimentação do plano
enfocado, já que a intersetorialidade é uma realidade inafastável das ações voltadas
à pessoa idosa, de forma que na atuação de órgãos governamentais e não
governamentais, em tal área, devem tais órgãos trabalhar conjuntamente e na
valorização dos parceiros, objetivando a concreção de ações exitosas voltadas ao
interesse da população idosa. Como se não bastasse tal fato, ―a organização do
cuidado intersetorial dispensando a essa população evita duplicidade de ações,
corrige distorções e potencializa a rede de solidariedade‖ 224.

O provimento de recursos, para assegurar qualidade na atenção à


saúde da pessoa idosa, é de máxima importância, já que,sem o financiamento
adequado de tais programas, o plano em exame não alcançará nenhuma das metas
objetivadas.

O estímulo à participação e fortalecimento do controle social deve ser


fomentado nas Conferências Estaduais e Municipais de Saúde,que são colegiados
de máxima importância para a implantação e operacionalização de programas e
ações voltadas ao interesse da pessoa idosa. De fato, ―devem ser estimulados e
implementados os vínculos dos serviços de saúde com os seus usuários,
privilegiando os núcleos familiares e comunitários, criando, assim, condições para
uma efetiva participação e controle social da parcela idosa da população.‖ 225

223
Item 3.2 do anexo da portaria supra. Não se pode olvidar, por oportuna, da seguinte
ponderação feita por Leila Auxiliadora José de Sant‘ana: ―Para a criação do modelo de atenção
integral à saúde do idoso, deve-se buscar o mapeamento da rede de serviços formais e informais em
todos os níveis de governo, nas áreas sociais, assistenciais, educacionais, de esporte e lazer,
turismo, cultura e de saúde (promoção e assistência social, previdência, unidades educacionais e de
saúde, universidades, igrejas e pastorais, instituições de longa permanência, associações, conselhos
e grupos sociais), entre outras existentes, visando ao trabalho intersetorial‖ (O que considerar para a
construção do modelo de atenção à saúde do idoso no SUS? In: Revista A Terceira Idade. São
Paulo: SESC, v. 20, n. 44, p.53, fev./2009.
224
Item 3.3. do anexo da portaria supra.
225
Item 3.5 do anexo da portaria supra.
90

A divulgação e informação sobre a Política Nacional de Saúde da


Pessoa Idosa para profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS constitui
diretriz importante, já que, à medida em que haja popularização, apoio e
engajamento de usuários, profissionais de saúde e gestores na concreção de um
projeto de tamanha magnitude, todas as metas serão alcançadas com a rapidez
necessária à importância do projeto. Ademais, a referida diretriz propõe prover apoio
técnico e/ou financeiro a projetos ―de qualificação de profissionais que atuam na
Estratégia Saúde da Família e no Programa de Agentes Comunitários de Saúde,
para atuação na área de informação, comunicação e educação popular em atenção
à saúde da pessoa idosa‖226, o que é de fundamental importância para o
fortalecimento dos programas e ações voltadas à implementação da saúde da
pessoa idosa.

A promoção de cooperação em níveis nacional e internacional das


experiências na atenção à saúde da pessoa idosa constitui diretriz não menos
importante, já que o compartilhamento de experiências exitosas em tal área poderá
contribuir para o aperfeiçoamento de projetos e ações voltadas ao interesse de tal
população.

O apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas é, também, uma


diretriz importante para a concreção do plano nacional em exame, mas já estava
contemplada, como diretriz, no plano anterior.

É importante esclarecer-se que, antes da publicação da segunda


versão da Política Nacional da Saúde do Idoso, o Ministério da Saúde publicou a
Portaria nº 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006, cujo documento histórico, no âmbito
do SUS, estabeleceu o pacto pela saúde, em 2006, no anexo I, enquanto o anexo II
instituiu o Pacto pela Vida e foi conceituado por aquele documento como ―o
compromisso entre os gestores do SUS em torno de prioridades que apresentam
impacto sobre a situação de saúde da população brasileira‖.227

Acrescente-se que, dentre as seis prioridades estabelecidas pelos


gestores do SUS, no documento citado, o idoso mereceu destaque em primeiro
lugar. Além das diretrizes ali focadas, que foram repetidas na segunda versão da

226
Item 3.6 do anexo da portaria supra.
227
Anexo II da Portaria 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006.
91

política nacional citada, o pacto pela vida também catalogou ações estratégicas
voltadas à saúde da pessoa idosa, que foram assim delineadas:

Ações estratégicas: Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa - Instrumento de


cidadania com informações relevantes sobre a saúde da pessoa idosa,
possibilitando um melhor acompanhamento por parte dos profissionais de
saúde. Manual de Atenção Básica e Saúde para a Pessoa Idosa - Para
indução de ações de saúde, tendo, por referência, as diretrizes contidas na
Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Programa de Educação
Permanente à Distância - Implementar programa de educação permanente
na área do envelhecimento e saúde do idoso, voltado para profissionais que
trabalham na rede de atenção básica em saúde, contemplando os
conteúdos específicos das repercussões do processo de envelhecimento
populacional para a saúde individual e para a gestão dos serviços de saúde.
Acolhimento - Reorganizar o processo de acolhimento à pessoa idosa nas
unidades de saúde, como uma das estratégias de enfrentamento das
dificuldades atuais de acesso. Assistência Farmacêutica - Desenvolver
ações que visem a qualificar a dispensação e o acesso da população idosa.
Atenção Diferenciada na Internação - Instituir avaliação geriátrica global
realizada por equipe multidisciplinar, a toda pessoa idosa internada em
hospital que tenha aderido ao Programa de Atenção Domiciliar. Atenção
domiciliar – Instituir esta modalidade de prestação de serviços ao idoso,
valorizando o efeito favorável do ambiente familiar no processo de
recuperação de pacientes e os benefícios adicionais para o cidadão e o
sistema de saúde.228

Em 2009, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.048/MS, de 03


de setembro de 2009, que aprovou o Regulamento do SUS. A referida portaria
revogou a Portaria nº 2.528/GM, de 2006, que ditou a segunda versão da Política
Nacional de Saúde do Idoso, mas manteve o seu conteúdo.

Conforme dispõe o artigo 354 daquela portaria, ―a Política Nacional de


Saúde da Pessoa Idosa está aprovada nos termos do Anexo XLVIII a este
Regulamento.‖

Merece, contudo, o registro de parte da observação lançada no item 3


desta terceira versão repaginada da Política Nacional de Saúde do Idoso constante
do anexo XLVIII da Portaria nº 2.048/MS, de 2009:

Envelhecer, portanto, deve ser com saúde, de forma ativa, livre de qualquer
tipo de dependência funcional, o que exige promoção da saúde em todas as
idades. Importante acrescentar que muitos idosos brasileiros envelheceram
e envelhecem apesar da falta de recursos e da falta de cuidados específicos
de promoção e de prevenção em saúde. Entre esses estão os idosos que
vivem abaixo da linha de pobreza, analfabetos, os sequelados de acidentes
de trabalho, os amputados por arteriopatias, os hemiplégicos, os idosos

228
Anexo II da portaria supra.
92

com síndromes demenciais; e para eles também é preciso achar respostas


e ter ações específicas.229

Importa acrescer-se que a Política Nacional de Saúde do Idoso, ao


estabelecer as responsabilidades institucionais dos gestores do SUS, dispõe que:

Caberá aos gestores do SUS, em todos os níveis, de forma articulada e


conforme suas competências específicas, prover os meios e atuarem para
viabilizar o alcance do propósito desta Política Nacional de Saúde da
230
Pessoa Idosa - PNSPI.

Neste sentido, a referida política nacional harmoniza-se com a


Declaração e Programa de Ação de Viena, elaboradas na Conferência Mundial
sobre Direitos Humanos, realizada naquela cidade, no período de 14 a 25 de junho
de 1993, cujo documento preconiza, no item 24, que:

[...] Os Estados têm uma obrigação de adoptar e manter medidas


adequadas a nível nacional, sobretudo nos domínios da educação, da
saúde e da assistência social, com vistas à promoção e protecção dos
direitos das pessoas pertencentes a sectores vulneráveis das suas
populações, e a garantir a participação das que, de entre elas, se mostrem
interessadas em encontrar uma solução para os seus próprios problemas.
Os Estados têm uma obrigação de adotar e manter medidas adequadas a
nível nacional, sobretudo nos domínios da educação, da saúde e da
assistência social, com vista à promoção e protecção dos direitos das
pessoas pertencentes a sectores vulneráveis das suas populações, e a
garantir a participação das que, dentre elas, se mostrem interessadas em
encontrar uma solução para os seus próprios problemas.. 231

As diretrizes do mencionado plano nacional, acrescidas das


disposições normativas do Estatuto do Idoso, voltadas à efetivação da saúde da
população idosa, levaram alguns entes governamentais a implementarem, em suas
áreas de atuação, importantes projetos garantidores da saúde integral da população
idosa.
Por primeiro, em face da importância de tais unidades de saúde para a
população idosa, deve ser mencionado o Centro de Referência do Idoso, que se
destina a proporcionar assistência integral à saúde do idoso. Atualmente funcionam,
na cidade de São Paulo, dois CRIs financiados pela Secretaria Estadual de Saúde.
O CRI Norte, situado no Complexo Hospitalar do Mandaqui, funciona na Avenida

229
Item 3 do anexo XLVIII da Portaria nº 2.048/MS de 2009.
230
Item 4 do anexo XLVIII da Portaria nº 2.048/MS de 2009.
231
Disponível em http://styx.nied.unicamp.br/todosnos/documentos-internacionais/doc-
declaracao-e-programa-de-acao-de-viena-1993/view. Acesso em 22/01/2014.
93

Voluntários da Pátria nº 4.301, naquela cidade. A referida unidade especializada,


além da assistência médica, em suas diferentes especialidades, oferece setores de
terapia ocupacional e assistência social, além de espaços de lazer, com sala de
leitura, teatro, coral e cursos, dentre outros. O CRI é classificado como ambulatório
de atenção secundária do Sistema Único de Saúde (SUS), especializado na
atenção à saúde do idoso. A missão do CRI consiste em:

Prestar assistência interdisciplinar ambulatorial à pessoa idosa, por meio de


ações de prevenção, diagnóstico, terapia, reabilitação e de atividades do
Centro de Convivência, potencializando o envelhecimento ativo. Realizar a
gestão de doenças crônicas não transmissíveis, propondo modelos
inovadores de assistência à saúde. Contribuir na construção e
fortalecimento das políticas públicas voltadas ao envelhecimento
populacional.232

O CRI Norte é gerenciado pela Organização Social de Saúde


Associação Congregação de Santa Catarina (OSS/ACSC) 233, mediante contrato de
gestão, celebrado com a Secretaria Estadual de Saúde, sendo dotado de uma
infraestrutura de 5.000 metros quadrados, divididos em consultórios (médico,
multiprofissional e odontológico), salas de exames, emergência, reabilitação,
cozinha experimental, sala de atividades de vida diária, Centro de Convivência,
auditório, anfiteatro para 180 pessoas e um prédio de apoio administrativo com salas
de treinamento. Tem como objetivos:

Prestar atendimento ambulatorial secundário aos idosos referenciados das


Unidades Básicas de Saúde e Serviços de Saúde da Zona Norte.• Ofertar
vagas de atendimento médico- assistencial e Serviço de Apoio Diagnóstico
conforme a demanda de rede da saúde através da oferta de vagas da
Central de Regulação e Oferta de Serviços de Saúde (CROSS). • Participar
de implantação de políticas públicas da pessoa idosa advindas da
Secretaria do Estado da Saúde (SES). • Capacitar as redes de atenção à

232
Disponível em: http://www.crinorte.org.br/sobre-cri.php. Acesso em 19/12/2013.
233
As Organizações Sociais de Saúde foram disciplinadas, no âmbito federal, pela Lei n°
9.637, de 11 de maio de 1998. Trata-se de uma qualificação jurídica conferida pela União a pessoas
jurídicas de direito privado, desde que não tenham fins lucrativos, as quais devem prever em seus
estatutos o exercício de atividades direcionadas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento
tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à saúde e à cultura (art.1°). O Estado de
São Paulo, inspirando-se no governo da União, editou a Lei Complementar n° 846/98, que restringiu,
inicialmente, a ação das OS nas áreas da saúde e cultura. Posteriormente, foi editada a Lei
Complementar nº 1.095/09 que estendeu a possibilidade de se estabelecer contrato de gestão com
OS também nas áreas do esporte e no atendimento ou promoção dos direitos das pessoas com
deficiência.Acrescente-se que outros Estados, como Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Santa
Catarina e vários municípios também editaram suas leis estaduais e municipais disciplinando a
atuação das OS naqueles territórios.
94

saúde (RAS) do Sistema Único de Saúde e a comunidade aos cuidados da


pessoa idosa.234

O CRI de São Miguel Paulista está localizado na zona leste da cidade


de São Paulo, mais precisamente na Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, nº 34. A
referida unidade de saúde funciona num edifício de quatro andares, sendo que, em
dois deles, funciona a assistência médica nas áreas de geriatria, ortopedia,
oftalmologia, ginecologia, cardiologia, psiquiatria, urologia, neurologia, odontologia
(colocação de prótese dentária), psicologia e audiometria, além de setores como
terapia ocupacional e assistência social. Nos demais pisos, funcionam sala de
leitura, coral, pintura, crochê, cursos e bailes da terceira idade, além de uma
ouvidoria, sala de vacinação e Infocentro.

Merece registro o fato de que, em 2012, o Governo do Estado de São


Paulo criou o Programa ―São Paulo Amigo do Idoso‖, adotando modelo sugerido
pela Organização Mundial de Saúde, em cujo programa é contemplada a
implantação de 04 Centros de Referência da Saúde do Idoso nas Regiões de
Ribeirão Preto, Campinas, ABC e Baixada Santista, que se somarão às duas
unidades atualmente em funcionamento, na cidade de São Paulo. Os novos CRIs se
constituirão em polos regionais de envelhecimento ativo e, ainda, em centros
formadores geriátricos, estruturados com gabinetes de várias especialidades
médicas voltadas à saúde do idoso, além das atividades educacionais, culturais e de
lazer. O referido programa instituiu, ainda, o selo da cidade amiga do idoso, visando
à integração de todos os municípios ao referido projeto. Trata-se de ações
integradas nas áreas de Desenvolvimento Social, Saúde, Esporte e Turismo.235

234
Disponível em: http://www.crinorte.org.br/sobre-cri.php. Acesso em 19/12/2013
235
Verifica-se pelo próprio Manual ―De como se tornar um Município amigo do idoso‖ de que
o Governo de São Paulo ―Para incentivar os municípios a se associarem ao Estado no trabalho de
promoção da qualidade de vida da terceira idade, foi criado o Selo Município Amigo do Idoso. Para
terem direito a ele, os prefeitos devem cumprir quatro etapas, que começam com a adesão ao
Programa até chegar ao Selo Pleno. Na sequência, as cidades devem criar o Conselho Municipal do
Idoso, cujo papel é fiscalizador. As prefeituras também devem comprometer-se a traçar plano de
metas, fazer o diagnóstico das políticas já existentes e incluir ações nos Planos Municipais de Saúde
e Assistência Social, por exemplo. Depois, os municípios têm de apresentar avaliação e diagnóstico
dos benefícios implantados previstos no Programa. Aqueles que se comprometerem com os critérios
para a aquisição do Selo Pleno, receberão recursos do Fundo Estadual do Idoso. O Programa São
Paulo Amigo do Idoso também prevê o repasse de recursos para a construção de dois importantes
equipamentos da área de assistência social:‖ (Disponível em:
http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/portal.php/programas_spamigodoidoso. Acesso em
21/12/2013
95

Projetos semelhantes foram implantados noutros Estados, como por


exemplo, o Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso de
Salvador, que objetiva atender o idoso que necessitar de atenção especializada na
área de geriatria e/ou gerontologia, por meio de ―avaliação multidimensional, por
equipe interdisciplinar, com vistas à manutenção ou recuperação da sua saúde
física, mental e funcional, adequando seus déficits às novas realidades, mantendo-o
socialmente ativo e dentro do contexto familiar.‖.236

Também se encontra instalado, em Vitória, Espírito Santo, o Centro de


Referência de Atendimento ao Idoso (CRAI), que oferece atendimento integral aos
idosos que necessitem de uma intervenção especializada. O atendimento é
desenvolvido por equipe interdisciplinar, abrangendo profissionais das áreas de
geriatria, gerontologia, psicologia, enfermagem, fisioterapia, nutrição, terapia
ocupacional e assistência social.237

Em Niterói funciona o Centro de Referência em Assistência à Saúde do


Idoso, que disponibiliza consultas individuais nas áreas de geriatria, neurologia,
homeopatia clínica, psicologia, terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudiologia,
nutrição, enfermagem e serviço social. Também são desenvolvidas atividades em
grupo terapêutico, nas áreas de psicoterapia, fisioterapia, terapia ocupacional,
reabilitação cognitiva para pacientes com demências, grupo de estimulação da
memória, grupo de Parkinson, grupo de educação física. Atividades em grupo para
promoção de saúde: oficinas de teatro, origami, grupo de convivência, grupo de
ginástica harmônica, oficina de autocuidado.238

Sabe-se, contudo, que se trata de um equipamento de alto custo e que


ainda se encontra desprovido em vários territórios brasileiros.

Outro equipamento de saúde de fundamental importância para a saúde


do idoso é o Centro Dia que foi estruturado à luz da Política Nacional da Saúde do
Idoso. O Centro dia pode ser definido como:

236
Disponível em : www.saude.ba.gov.br/index.php?option=com_content...id, Acesso em
21/12/2013.
237
Disponível em; http://www.vitoria.es.gov.br/semus.php?pagina=centrodereferencia. Acesso
em 21/12/2013.
238
Disponível em: http://servicos.uff.br/content/centro-de-refer%C3%AAncia-em-
assist%C3%AAncia-%C3%A0-sa%C3%BAde-do-idoso. Acesso em 21/12/2013.
96

[...] um programa de atenção integral às pessoas idosas que, por suas


carências familiares e funcionais não podem ser atendidas em seus próprios
domicílios ou por serviços comunitários; proporciona o atendimento das
necessidades básicas, mantém o idoso junto à família, reforça o aspecto de
segurança, autonomia, bem-estar e a própria socialização do idoso.239

O referido projeto se destina a alcançar os idosos que possuem


limitações para o exercício da vida diária e que, a despeito de conviverem com suas
famílias, não recebem, delas, atendimento em tempo integral. O Centro dia
desenvolve atividades para o atendimento das necessidades pessoais básicas do
idoso, atividades terapêuticas e socioculturais.

A aludida unidade presta atendimento aos idosos, que apresentam


algum grau de dependência e semi-dependência e necessitam de cuidados médico-
sociais; e, como já explicitado, apesar de terem família, não recebem dela apoio
integral. Recebem, assim, apoio nas áreas de assistência, de saúde, abrangendo,
inclusive, psicologia, fisioterapia, atividades ocupacionais, lazer e apoio sócio-
familiar, conforme as necessidades dos usuários, objetivando, sempre, ―a melhoria
de sua qualidade de vida e integração comunitária‖.240

O programa ―São Paulo Amigo do Idoso‖, lançado pelo Governo de


São Paulo, contempla a construção de 100 Centros-Dia do idoso, a serem
construídos ―em municípios de médio e grande porte que não possuem esse
serviço‖241.

Conforme explicitado, a Política Nacional da Saúde do Idoso


catalogou, como importante, programa a ser desenvolvido pelos entes públicos, a
assistência domiciliária, também conhecida como atendimento domiciliário, que
consiste no serviço prestado ao idoso com algum nível de dependência, ―com vistas
à promoção da autonomia, permanência no próprio domicilio, reforço dos vínculos
familiares e de vizinhança‖.242

239
SECRETARIA DE POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL/MPAS. Normas de
funcionamento de serviços de atenção ao idoso no Brasil (Portaria MPAS/SEAS nº 73, de 10 de maio
de 2001). Brasília: Ministério da Previdência e Assistência Social. Disponível em
http://www.saudeidoso.icict.fiocruz.br/index.php?pag=polit. Acesso em 21/12/2013.
240
Idem, ibidem.
241
São Paulo é o primeiro Estado do país com o selo ―Amigo do Idoso‖. Disponível em:
http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=219.196. Acesso em 21/12/2013.
242
SECRETARIA DE POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL/MPAS. Normas de
funcionamento de serviços de atenção ao idoso no Brasil (Portaria MPAS/SEAS nº 73, de 10 de maio
de 2001). Brasília: Ministério da Previdência e Assistência Social, p.74. Disponível em
http://www.saudeidoso.icict.fiocruz.br/index.php?pag=polit. Acesso em 21/12/2013.
97

Trata-se de um serviço público de grande impacto na prevenção e


recuperação da saúde do idoso, por se revestir dos seguintes objetivos específicos:

Aumentar a autonomia do idoso, para que possa permanecer vivendo em


sua residência por maior tempo possível. Manter a individualidade do idoso,
adaptando com flexibilidade as peculiaridades concretas do ambiente onde
será dada a intervenção. Respeitar a memória física e afetiva da pessoa
idosa, buscando sua autonomia. Prevenir situações carenciais que
aprofundam o risco da perda de independência.· Criar ou aprimorar hábitos
saudáveis com respeito à higiene, à alimentação, prevenir quedas ou
acidentes. · Reforçar os vínculos familiares e sociais. Recuperar
capacidades funcionais perdidas para as atividades de vida diária.·
Respeitar e observar as características/particularidades regionais.· Integrar
e estabelecer parceria com os gestores públicos e privados da área de
243
saúde. Prestar atendimento especializado de saúde.

Conforme exposto, a Política Nacional de Saúde do Idoso preconizou,


como diretriz primeira, a promoção do envelhecimento saudável. Como ação
preventiva, diante de tal diretriz, estabeleceu-se a necessidade de se prestigiar a
vacinação, em massa, dos idosos, notadamente contra a influenza.

Assim, como resultado da mencionada diretriz, foi desenvolvido o


Programa Nacional de Imunizações, que tem por objetivo vacinar a população igual
ou maior de 60 anos, objetivando a reduzir a morbimortalidade por influenza e suas
complicações, ―além de outras doenças imunopreveníveis de grande prevalência
nesta faixa etária.‖244

A política nacional enfocada também preconizou a necessidade de se


operacionalizarem, no Brasil, centros especializados referenciados em nível
secundário e até mesmo, terciário, para garantir, de forma prioritária, a integralidade
da saúde ao idoso. Como a osteoporose atinge, estatisticamente, milhares de idosos
no Brasil, foram aprovados pelo Ministério da Saúde o protocolo clínico e as
diretrizes terapêuticas para o tratamento da osteoporose.

Conforme dispõe o artigo 1º, § 1º, daquele protocolo:

Art. 1º. § 1º - Este Protocolo, que contém o conceito geral da doença,


critérios de diagnóstico, critérios de inclusão/exclusão de pacientes no
protocolo de tratamento, esquemas terapêuticos preconizados para o
tratamento da Osteoporose e mecanismos de acompanhamento e avaliação

243
Idem, ibidem.
244
Sistema de Indicadores de Saúde e Acompanhamento de Políticas do Idoso.. Disponível
em: http://www.saudeidoso.icict.fiocruz.br/index.php?pag=ind_pol&pol=p_nac_imu. Acesso em
21/12/2013.
98

deste tratamento, é de caráter nacional, devendo ser utilizado pelas


Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na
regulação da dispensação dos medicamentos nele previstos.245

Ainda no âmbito do envelhecimento saudável, detectaram-se inúmeras


internações de idosos por neoplasia de laringe, traqueia e pulmão, relacionados com
o tabagismo. Diante dessa diretriz, foi lançado o Programa Nacional de Controle do
Tabagismo, por meio da Portaria GM/MS, nº 1.035, de 31 de maio de 2004,
objetivando reduzir o número de fumantes no Brasil e, por consequência, a
morbimortalidade relacionados ao tabagismo. As estratégias do referido programa
gravitam principalmente sobre:

[...] prevenção da iniciação ao tabagismo, proteção da população contra a


exposição ambiental dos produtos de tabaco através de ações educativas e
de mobilização de políticas e iniciativas legislativas e econômicas. Para
consolidar o Programa, busca-se ampliar o acesso à abordagem e
tratamento do tabagismo para a rede de atenção básica e de média
complexidade do Sistema Único de Saúde – SUS.246

No Brasil, ainda falecem milhares de idosos homens por câncer de


próstata cujas mortes poderiam ter sido evitadas caso houvesse uma ação
preventiva mais eficaz dos órgãos de saúde. Contudo o exame preventivo de
próstata encontra barreiras muitas vezes intransponíveis em resistências alicerçadas
em estereótipos de masculinidade. Diante de tal fato, foi desenvolvida a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, com o seguinte objetivo:

Promover a melhoria das condições de saúde da população masculina do


Brasil, contribuindo, de modo efetivo, para a redução da morbidade e
mortalidade dessa população, através do enfrentamento racional dos
fatores de risco e mediante a facilitação ao acesso, às ações e aos serviços
de assistência integral à saúde.247

A campanha nacional do novembro azul vem de encontro ao objetivo


do aludido programa, no sentido de permitir um envelhecimento saudável da
população masculina, com atuação exitosa no tratamento das doenças do trato
genital masculino.

245
Idem, ibidem.
246
Idem, ibidem.
247
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de ações
programáticas estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem p.38.
Disponível em: < http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2008/PT-09-CONS.pdf.> Acesso
em: 11.11.2014.
99

Da mesma forma, as inúmeras mortes das mulheres com câncer de


mama ou de colo uterino, atingindo, principalmente as idosas, levou o SUS a
desenvolver e a implementar a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da
Mulher, com o seguinte objetivo:

Promover a melhoria das condições de vida e saúde das mulheres


brasileiras, mediante a garantia de direitos legalmente constituídos e
ampliação do acesso aos meios e serviços de promoção, prevenção,
assistência e recuperação da saúde em todo território brasileiro. Contribuir
para a redução da morbidade e mortalidade feminina no Brasil,
especialmente por causas evitáveis, em todos os ciclos de vida e nos
diversos grupos populacionais, sem discriminação de qualquer espécie.
Ampliar, qualificar e humanizar a atenção integral à saúde da mulher no
Sistema Único de Saúde.248

A expectativa maior de vida, na contemporaneidade, traz novos


desafios à medicina, que ainda não encontrou solução científica para a prevenção e
a cura das denominadas demências, figurando, dentre elas, com maior incidência, a
doença de Alzhemeir.

A gravidade da aludida doença e os transtornos causados ao paciente


e à própria família e dentre as diretrizes preconizadas pela Política Nacional de
Saúde do Idoso, levou o SUS a implementar, na sua rede, o Programa de
Assistência aos Portadores de Doença de Alzhemeir. A Portaria nº 491, de 23 de
setembro de 2010, estabeleceu o protocolo clínico e as diretrizes terapêuticas para o
tratamento da Doença de Alzhemeir.

Observa-se, pelo mencionado documento, que:

O tratamento da DA deve ser multidisciplinar, envolvendo os diversos sinais


e sintomas da doença e suas peculiaridades de condutas. O objetivo do
tratamento medicamentoso é propiciar a estabilização do comprometimento
cognitivo, do comportamento e da realização das atividades da vida diária
(ou modificar as manifestações da doença), com um mínimo de efeitos
adversos. Desde a introdução do primeiro inibidor da acetilcolinesterase, os
fármacos colinérgicos donepezila, galantamina e rivastigmina são
considerados os de primeira linha, estando todos eles recomendados para o
tratamento da DA de leve a moderada. 249

248
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de ações
programáticas estratégicas,. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, p.67.
Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2007/politica_mulher.pdf> . Acesso em:
11.11.2014.
249
Sistema de Indicadores de Saúde e Acompanhamento de Políticas do Idoso.. Disponível
em: http://www.saudeidoso.icict.fiocruz.br/index.php?pag=ind_pol&pol=p_nac_imu. Acesso em
21/12/2013.
100

Frise-se que, mesmo com o incremento da expectativa de vida no


Brasil, diante dos avanços da medicina e do culto a hábitos saudáveis, não se pode
fugir do denominado envelhecimento primário que atua, de forma progressiva no
organismo humano, afetando-o gradualmente, a depender de cada indivíduo,
conforme seu comportamento diário, como dieta, exercícios físicos etc, bem como o
envelhecimento secundário, que está ligado ―às alterações ocasionadas por doenças
associadas ao envelhecimento, como, por exemplo, a demência senil[...]‖. 250

Apesar de milhares de pessoas idosas contarem com um bom vigor


físico e mental, o idoso ainda é estereotipado como pessoa portadora de profunda
debilidade física e mental. Como se não bastasse a postura social preconceituosa
em relação aos indivíduos provectos, a situação se agrava em relação ao idoso
portador com transtorno mental que sofre discriminação, até mesmo entre seus
próprios familiares, já que o portador de transtorno mental, por si só, arca com uma
carga pesada de preconceito social. O problema do idoso, acometido de transtorno
mental, é agravado ainda mais, em face do ―foco de atenção das políticas públicas
de saúde mental, está voltado para os problemas da população adulta, não
atendendo, na maioria das vezes, demandas específicas dirigidas aos idosos‖. 251

É lamentável e preocupante o comportamento de profissionais de


saúde que, diante do quadro clínico de um idoso portador de transtorno mental não
lhe prescreverem nenhum tratamento, impulsionados pela crença de que ―o
tratamento psicoterapêutico, na velhice, é algo impossível de evoluir, sob a alegação
de que esses pacientes estão próximos do final da vida‖.252

Deve ser comemorado, em contrapartida, o fato de que a reforma


psiquiátrica, no Brasil, delineada pela Lei nº 10.216/01, trouxe avanços significativos
para o tratamento dos pacientes com transtornos mentais, em que a implantação da
―rede de serviços substitutivos em saúde mental se vem, progressivamente,
sobrepondo ao modelo hospitalocêntrico e manicomial de características
253
excludentes e reducionistas‖.

250
FALCÃO, Deusivania Vieira da Silva; CARVALHO, Isalema Santos. Idosos e saúde
mental.: demandas e desafios. In: FALCÃO, Deusivania Vieira da Silva; ARAÚJO, Ludgleydson
Fernandes de (Orgs.). Idosos e saúde mental. Campinas: Papirus Editora, 2010, p.12.
251
Idem, bidem.
252
Idem, p.14.
253
Idem, p.19. Acrescentam as autoras que ―sendo uma proposição de mudança
paradigmática, a reforma psiquiátrica enfrenta vários desafios, entre os quais a formação de recursos
101

Não se pode desconsiderar o fato de que milhares de idosos, no Brasil,


sofrem de hipertensão arterial e diabetes mellitus. A análise precoce de tais doenças
é de fundamental importância, para evitar agravos aos pacientes e possibilitar um
envelhecimento saudável, conforme preconizado pela política nacional enfocada.

Assim, foi lançado pelo SUS, para implementação, em toda a rede, do


Plano Nacional de Reorganização da Atenção a Hipertensão Arterial e Diabetes
Mellitus. O referido plano tem por escopo estabelecer diretrizes e metas, visando à
atenção, dentro do SUS, aos pacientes portadores de tais doenças ―mediante a
reestruturação e a ampliação do atendimento básico, voltado para a hipertensão
arterial e o diabetes mellitus, com ênfase na prevenção primária, na ampliação do
diagnóstico precoce e na vinculação de seus portadores na rede básica de
saúde‖254.

O cadastramento territorial da população idosa, a que se refere o artigo


15, § 1º, inciso I, do Estatuto do Idoso, transcende a mera questão estatística, para
tornar-se instrumento necessário e valioso, para que o gestor público possa
quantificar e qualificar os serviços de saúde específicos ao atendimento da aludida
população idosa.

Pelo que se depreende da própria disposição normativa contida no


referido preceito, trata-se de uma das estratégias de prevenção e manutenção da
saúde do idoso. ―Esse cadastro populacional determina não apenas os riscos e o
perfil epidemiológico das pessoas idosas de determinado território, vez que serve
para definir os recursos a serem repassados.‖255 Deve ser observado, por oportuno,
que a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa prevê no item 5.3, alínea b, ―a
elaboração de inquérito populacional para levantamento da estratificação das
condições de risco social da população idosa brasileira‖.256

Observa-se, pelas normas contidas no artigo 15 do Estatuto do Idoso a


preocupação do legislador com que sejam estruturadas, em todos os territórios,

humanos, capazes de superar estigmas e preconceitos que cincundam a figura do louco e da


loucura‖ (p.21).
254
Sistema de Indicadores de Saúde e Acompanhamento de Políticas do Idoso.. Disponível
em: http://www.saudeidoso.icict.fiocruz.br/index.php?pag=ind_pol&pol=p_nac_imu. Acesso em
21/12/2013.
255
SANTOS, Marcelo Moreira dos. Op.cit., p.95.
256
Vide anexo XLVIII da Portaria nº 2.048/GM, de 03 de setembro de 2009.
102

unidades ambulatoriais equipadas com profissionais das áreas de geriatria e


gerontologia.

Importa acrescer-se que a geriatria constitui ―uma especialidade


médica que lida com o envelhecimento. Abrange desde a promoção de um
envelhecer saudável, até o tratamento e a reabilitação do idoso‖.257

A gerontologia, por sua vez, ―é o estudo do envelhecimento em todos


os seus aspectos biológicos, psicológicos, sociais e outros‖.258 A referida disciplina,
como bem anota Marco Antônio Vilas Boas, tem ―um caráter mais sociológico no seu
contexto. Trata o idoso no seu todo, como homem na sociedade e seus problemas
multidisciplinares‖.259

Ao dissertar sobre direitos humanos e pesquisas em Gerontologia,


leciona Mônica de Ávila Todaro que, em face do notório envelhecimento
populacional e do aumento da expectativa de vida, afloram novos desafios e
conquistas a serem deslindados como ―o reconhecimento da diversidade humana e
das necessidades específicas dos vários segmentos sociais, assegurar
oportunidades para uma adequada qualidade de vida; e a promoção de uma
sociedade boa para todos‖.260

Como já foi explicitado, em face da importância da geriatria e


gerontologia para a prevenção e manutenção da saúde do idoso, a Política Nacional
de Saúde do Idoso erigiu tais disciplinas como fundamentais na formação dos

257
SOCIEDADE BRASILEIRA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA. O que é geriatria?
Disponível em: www.sbgg.org.br. Acesso em 26/12/2013. A Enciclopédia BARSA conceitua geriatria
como ―parte da medicina que estuda os problemas relativos à saúde e às doenças dos velhos...a
geriatria visa, além do aspecto orgânico, ao lado psicológico e emocional da pessoa idosa em seus
diversos estágios de senectude[...]A geriatria visa não apenas a prolongar a vida mas também a
proporcionar ao indivíduo idoso existência útil e vigorosa. É possível controlar e retardar a progressão
de muitos distúrbios da idade avançada, quando se instituem medidas profiláticas em tempo
oportuno‖ (BARSA, Enciclopédia. Rio de Janeiro-São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil
Publicações Ltda, v. 08, 1994, p.207-.208).
258
SOCIEDADE BRASILEIRA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA. O que é gerontologia?
Disponível em: www.sbgg.org.br. Acesso em 26/12/2013.
259
Op.cit., p.36.
260
Direitos humanos e pesquisa em Gerontologia no Brasil. Revista A Terceira Idade. São
Paulo: SESC, v. 21, n.49, p.26-38, nov./2010. Acrescenta que ―o surgimento de cursos de graduação
e a consolidação dos cursos de pós-graduação e das associações de especialistas em Gerontologia
trouxeram um avenço maior na área de pesquisa em Gerontologia, demonstrando a importância de
trabalhos que se baseiam em dados científicos para o desenvolvimento de investigações sobre o
envelhecimento. Assim sendo, acredita-se que estudos científicos, a respeito do idoso, possibilitam e
possibilitarão um cuidar efetivo e eficiente desses profissionais, quando do trato com a população
idosa‖ (idem, ibidem).
103

profissionais de saúde, de forma que passaram elas a serem inseridas como


disciplinas curriculares na grade de ensino de tais profissionais.

Quanto aos demais itens descritos no artigo 15, § 1º, do Estatuto do


Idoso, foram eles comentados na análise das diretrizes estabelecidas pela política
nacional já mencionada.

Dentre a integralidade à saúde do idoso, destaca-se a dispensação


gratuita de medicamentos à pessoa idosa que deles necessitar, especialmente os de
uso contínuo, assim como as próteses, órteses e outros recursos relativos ao seu
tratamento, habilitação e reabilitação, conforme determina o artigo 15, § 2º, do
estatuto supra. A mesma disposição normativa já estava contida no artigo 9º, inciso
V, do Decreto nº 1.948/96, que regulamentou a Política Nacional de Saúde do Idoso,
estabelecida pela Lei nº 8.842/94.

A assistência farmacêutica deve ser definida como ―[...]conjunto de


atividades relacionadas ao acesso a medicamentos e a outros insumos destinados a
propiciarem a saúde dos indivíduos, seja pela cura de patologias, seja pela simples
melhora da qualidade de vida do paciente‖.261

A aludida dispensação passa, necessariamente, pelo levantamento do


perfil básico do quadro de idosos no território, para, a seguir, serem selecionados os
medicamentos fundamentais àquela população. Efetuado o levantamento do perfil
dos usuários e selecionados os medicamentos, ―programam-se sua distribuição e o
método clínico de atuação, que deve incluir também a avaliação da utilização e da
qualidade do medicamento‖.262

Não se deve olvidar, ainda, que, no campo farmacêutico, a evolução


tecnológica impulsiona novas pesquisas, sendo inegável o aprimoramento científico
do setor nas últimas décadas. No entanto os programas e protocolos clínicos
também devem estar ―em absoluta consonância com a evolução tecnológica da área
médica, disponibilizando-se à população medicamentos eficazes para o tratamento
das doenças‖.263

261
MAPELLI JÚNIOR, Reynaldo; COIMBRA, Mário; MATOS, Yolanda Alves Pinto Serrano de.
Direito sanitário. São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo/Imprensa Oficial, 2012, p.99.
262
Idem, ibidem.
263
Idem, p.100.
104

Como bem observado por Reynaldo Mapelly Júnior, Mário Coimbra e


Yolanda Alves Pinto Serrano de Matos: ―a garantia de acesso, de forma equânime,
às ações e serviços de saúde, conforme determinado no texto constitucional, inclui,
de maneira inafastável, a assistência farmacêutica‖.264

É interessante observar que pela própria política nacional de


medicamentos, a dispensação de medicamentos, na ampla maioria dos territórios, é
de responsabilidade dos gestores estaduais e municipais, sendo que ao Ministério
da Saúde foi atribuída a responsabilidade em definir políticas gerais e fomentar a
pesquisa.

No que tange ao financiamento das despesas atinentes à dispensação


de medicamentos, registre-se que o artigo 19-U da Lei Orgânica da saúde dispõe:

Art. 19-U. A responsabilidade financeira pelo fornecimento de


medicamentos, produtos de interesse para a saúde ou procedimentos de
que trata este Capítulo será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite.

Seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde, o Brasil


passou a adotar a lista de medicamentos essenciais, devendo ser observado que a
Política Nacional de Medicamentos passou a adotar, como sua primeira diretriz, a
manutenção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, conhecida entre os
técnicos da saúde, como RENAME.
Deve ser registrada, no entanto, a seguinte ponderação atinente às
listas de medicamentos essenciais.

A RENAME é a lista de medicamentos essenciais de âmbito nacional e


serve como norte para a elaboração de lista de medicamentos pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios, que deverão levar em conta,
265
também, os dados epidemiológicos regionais e o perfil de sua população.

264
Idem, ibidem.
265
Idem, p.107. Ensinam os autores que ―cada município deve elaborar sua lista de
medicamentos essenciais, de acordo com o perfil epidemiológico de sua população, como, por
exemplo, a Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME) da cidade de são Paulo...é
importante esclarecer que a lista de medicamentos essenciais é instrumento, para viabilizar garantias
mínimas à população, e não pode servir, para limitar o acesso integral do indivíduo aos tratamentos
que se mostrarem necessários à manutenção de sua saúde, até porque as patologias mais comuns,
de modo que terapias relevantes para o tratamento de alguns quadros de saúde podem estar
excluídas de seu rol. O fundamental, tanto para pedido administrativo quanto para eventual ação
judicial, é haver evidência científica da necessidade do produto fármaco ou do insumo terapêutico‖
(ibidem).
105

No que tange aos componentes da assistência farmacêutica há


subdivisão entre componentes básicos, estratégicos e especializados.

O componente básico tem, por escopo, o fornecimento de


medicamentos e ―demais insumos mais comuns, prevalentes e prioritários passíveis
de tratamento em nível primário (baixa complexidade), pelos programas voltados à
atenção básica‖.266

O componente estratégico da assistência farmacêutica são aqueles


destinados ao ―tratamento de doenças com perfil endêmico, que tenham impacto
socioeconômico e que se constituam em autênticos problemas de saúde pública‖.267

O componente especializado, por sua vez, que era conhecido,


anteriormente, como aquele de alto custo, se destina ao tratamento de doenças de
custo elevado, ―seja pelo alto valor unitário do medicamento, seja pela cronicidade
da doença, que torna, bastante oneroso o seu dispêndio em razão do tempo de
tratamento‖.

Convém frisar-se, ainda, que o fornecimento de medicamentos, pela


via administrativa, deve obedecer aos critérios de diagnóstico, ―indicação de
tratamento, inclusão e exclusão de pacientes, esquemas terapêuticos,
monitoramentos, acompanhamento e demais parâmetros contidos nos protocolos
clínicos e diretrizes terapêuticas estabelecidos pelo Ministério da Saúde‖. 268

Deve ser advertido de que o SUS não pode ser compelido a entregar
ao idoso todo medicamento prescrito pela área médica.

O medicamento experimental, por exemplo, que é aquele que se


encontra em fase de testes, e não liberado para a venda, cuja compra não pode ser
imposta ao gestor público ―até mesmo pelo fato de não haver certeza quanto à
segurança para o próprio autor da demanda‖. 269

No que se refere ao medicamento novo, embora, em princípio, devam


ser observados as diretrizes e os protocolos clínicos adotados pelo SUS, o gestor
poderá ser compelido, judicialmente, a fornecê-lo aos usuários do SUS, quando este

266
Idem,, p.108.
267
Idem, ibidem.
268
Idem, p.110.
269
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 11. ed., rev. e atual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.333.
106

não dispuser de medicamento de efeito similar. O registro na ANVISA constitui


ponto nodal da questão, já que o registro do medicamento na aludida agência
constitui garantia à saúde pública. No entanto o Estado-Juiz poderá excepcionar até
mesmo tal fato, quando, no caso concreto, ficar evidenciada a necessidade da
terapêutica prescrita.270

Quanto à assistência por meio de próteses, órteses e outros recursos


determinada pelo artigo 15, § 2º, segunda parte do Estatuto do Idoso, é necessário
observar-se que, conforme deliberação da Câmara Técnica de Implantes da
Associação Médica Brasileira, a prótese deve ser entendida como um ―dispositivo
permanente ou transitório, que substitui, total ou parcialmente, um membro, órgão
ou tecido‖, enquanto que órtese é ―um dispositivo permanente ou transitório,
utilizado, para auxiliar as funções de um membro, órgão ou tecido, evitando
deformidades ou sua progressão e/ou compensando insuficiências funcionais‖. 271

A assistência por meio de próteses e órteses se faz em nível


secundário e alcança o idoso com deficiência. Nas diretrizes traçadas pela Política
Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, observa-se que:

Já no nível de atenção secundária, os serviços deverão estar qualificados,


para atender às necessidades específicas das pessoas portadoras de
deficiência advindas da incapacidade propriamente dita. Nesse nível, por
conseguinte, será prestado o tratamento em reabilitação para os casos
referendados, mediante atuação de profissionais especializados para tal e
utilização de tecnologias apropriadas (tais como fisioterapia, terapia
ocupacional, fonoaudiologia, avaliação e acompanhamento do uso de
órteses e próteses, entre outras....Será fundamental, nesse nível, o
fornecimento de órteses, próteses, equipamentos auxiliares, bolsas de
ostomia e demais itens de tecnologia assertiva necessária.272

Merece registro, por se tratar de um centro de excelência na área de


reabilitação, A Rede de Reabilitação ―Lucy Montoro‖ que foi instituída no âmbito do
Estado de São Paulo, mediante o Decreto nº 52.973, de 12 de maio de 2008, como

270
Vide acórdão ilustrativo da posição atual do STF sobre a dispensão gratuita de
medicamentos na STA 175, AGr/CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.17/03/2010, DJe
076, de 30/04/2010.
271
Definição de prótese, órtese e materiais especiais – Câmera Técnica de Implantes – AMB.
Disponível em http://guilhermepitta.com/?p=3624. Acesso em 26 de dezembro de 2013.
272
MINISTÉRIO DA SAÚDE/Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Saúde da
Pessoa Portadora de Deficiência, item 3.5, p.40. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_pessoa_deficiencia.pdf. Acesso
em 26/12/2013.
107

instrumento da rede SUS da Política Estadual de Saúde da Pessoa com Deficiência


Física, conforme expressamente previsto no artigo 1º do referido decreto.

A aludida rede é composta, nos termos do artigo 2º do decreto


enfocado, de unidades de nível secundário e terciário, com a seguinte disposição:

I - hospitais de reabilitação, destinados a pessoas com deficiência física que


necessitem de cuidados intensivos de medicina de reabilitação; II- centros
de medicina de reabilitação, destinados ao atendimento de pacientes
ambulatoriais em regime de hospital-dia ou em turnos de 4 (quatro) horas;
III - centros de assistência multidisciplinar, unidades de reabilitação
inseridas em Ambulatórios Médicos de Especialidades - AMEs ou em
estrutura similar.

Acrescente-se que os hospitais e os centros de medicina de


reabilitação são referenciados para os serviços de maior complexidade, os quais
devem ser estruturados com aparatos tecnológicos e profissionais qualificados para
que se possa garantir aos pacientes o melhor diagnóstico e recursos terapêuticos.

Conforme dispõe o artigo 4º, I do mencionado decreto, os usuários


SUS terão ―acesso às ofertas de órteses, próteses e cadeira de rodas, assim como
às adaptações destas últimas[...]‖

Verifica-se, assim, pela disposição normativa do decreto enfocado que


a rede em exame foi estruturada com o objetivo de:

[...] proporcionar o melhor e mais avançado tratamento de reabilitação para


pacientes com deficiências físicas incapacitantes, motoras e sensório-
motoras. A Rede realiza programas de reabilitação específicos, de acordo
com as características de cada paciente. Os tratamentos são realizados por
equipes multidisciplinares, compostas por profissionais especializados em
reabilitação, entre médicos fisiatras, enfermeiras, fisioterapeutas,
nutricionistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais,
273
educadores físicos e fonoaudiólogos.

É interessante observar-se que a Rede Lucy Montoro conta, desde


2009, com uma unidade móvel destinada a atender as demandas mais urgentes de
fornecimento de órteses, próteses, cadeiras de rodas e meios auxiliares de

273
INSTITUTO DE MEDICINA FÍSICA E REABILITAÇÃO. Saiba, mais, sobre a Rede de
Reabilitação. Disponível em http://lucymontoro.bwebsite.com.br/redelucymontoro/a-rede-de-
reabilitacao-lucy-montoro. Acesso em 27/12/2013. Atualmente, a rede citada encontra-se em
funcionamento nos seguintes locais: Ribeirão Preto, Vila Mariana, São José do Rio Preto, Campinas,
Clínicas, Lapa, São José dos Campos, Umarizal, Jaú, Presidente Prudente, Santos, Mogi Mirim e
Fernandoópolis..
108

locomoção em todo o território paulista. A referida unidade encontra-se montada


sobre uma carreta com 15 m de comprimento e 2,60m de largura. A referida unidade
é dotada:

[...] de elevador hidráulico para atender cadeirantes ou pessoas em maca; a


Unidade dispõe de banheiro adaptado, um consultório médico, sala de
espera e oficina de órteses e próteses, composta por salas de prova, de
máquinas e de gesso. Profissionais da área da saúde realizam atendimento
multiprofissional: médicos fisiatras, técnicos de órtese e prótese,
fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e enfermeiros.274

Verifica-se, assim, que o gestor público deve disponibilizar ao idoso


com deficiência todos os recursos possíveis, para que o referido agravo seja
amenizado e possa o cidadão usuário viver com o mínimo de dignidade.

Como exemplo de tais aparatos que devem ser disponibilizados aos


usuários, além daqueles que já foram citados, pode-se afirmar que: ―[...] para o
idoso com dificuldade de enxergar, hão de ser colocados, nas vias públicas, sinais
sonoros, para que ele possa transitar com segurança e autonomia‖.275

O Estatuto do Idoso também não descuidou dos denominados planos


de saúde que de forma rotineira, discriminavam a população idosa, pela cobrança de
valores diferenciados nas pactuações contratuais. O artigo 15, § 3º, veda,
expressamente, a cobrança diferenciada de valores ao consumidor de igual ou maior
de 60 anos de idade. Verifica-se, assim, que, em nenhuma circunstância, o idoso
poderá ser discriminado, ―porque ele é um cidadão integral, como qualquer outro,
com base no princípio da isonomia contido na Carta Maior, onde todos são iguais
perante a lei‖.276

274
Idem, ibidem.
275
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Op.cit., p.34. Acrescenta, anotando que: ―De igual modo,
devem ser destinados ao idoso que sofra agravos auditivos, sinais visuais com o mesmo objetivo de
lhe propiciar condições de tráfego, com liberdade e autonomia. Barreiras arquitetônicas nas vias
pública, no interior dos edifícios públicos e privados, no acesso ao transporte e nas vias de
comunicação, em massa ou não, também devem ser transpostas para que o idoso com mobilidade
reduzida possa gozar de acesso no caráter mais extenso possível, não só no ambiente urbano, como
também no rural‖ (p.34).
276
VILAS BOAS, Marco Antônio. Estatuto do idoso comentado. 2.ed. Rio de Janeiro:
Forense., p.40. Anota, ainda, o autor que: ―Pode existir aumento, mas, quando ocorrer justificável
modificação de índices econômicos levados pela conjuntura real do País e compatível com todas as
outras faixas de idades e pessoas. O que não pode haver é o reajuste diferenciado para o idoso. Não
é admissível uma majoração de índices somente em relação a uma determinada classe de pessoas,
penalizando-as injustificadamente...O que se pretende dizer é que deve existir um procedimento
regular para a atualização dos planos, em molde igualitários. O aumento de preços motivado pela
corrosão do valor monetário, ou outras injunções previstas, não autoriza o repasse somente sobre os
109

Impõe-se o registro de que a Constituição da República expressamente


permitiu que a iniciativa privada prestasse assistência à saúde, nos termos do artigo
199 da nossa Carta.

A Lei Orgânica da Saúde, por sua vez, disciplinou a participação das


empresas privadas na área de saúde, dispondo, em seus artigos 20, 21 e 22:

Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela


atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente
habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção
e recuperação da saúde.
Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão
observados os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de
direção do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às condições para seu
funcionamento.

Procurando disciplinar os planos e seguros privados de assistência à


saúde, o Estado brasileiro aprovou a Lei nº 9.656/98, que normatizou os planos
privados de assistência à saúde, bem como estabeleceu requisitos para o
funcionamento das denominadas operadoras de planos de assistência à saúde. Por
se tratarem de contratos de consumo, também são aplicadas, nas referidas
pactuações, as normas estabelecidas pelo Código do Consumidor.

Os denominados planos de saúde podem ser definidos como:


―contratos cujo objeto é a transferência onerosa de riscos à iniciativa privada
referentes à futura necessidade de assistência médica e hospitalar‖.277

Embora se trate, juridicamente, de um contrato a título oneroso, o


usuário do plano é inquestionavelmente a parte vulnerável. Com efeito, trata-se de
contratos de adesão em que o consumidor não é livre nas concreções das
disposições contratuais.

Aflora, aí, a necessidade do Estado de proteger a parte mais


vulnerável, notadamente no caso enfocado, em que as desigualdades entre os
pactuantes é cristalina. Como já foi explicitado no primeiro capítulo (item 1.3), a
eficácia dos direitos fundamentais vincula, não só o poder público mas também os
entes privados. Denominam-se eficácia vertical , em suas dimensões objetiva e
subjetiva, quando focadas as relações entre o Poder Público e os cidadãos. A

ombros dos idosos.‖. (ibidem).


277
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Op.cit., p.185.
110

eficácia horizontal, também denominada de eficácia privada ou eficácia em relação a


terceiros, é aquela decorrente das relações entre particulares.

Ensina-se que é de fundamental importância considerar-se nos


aludidos contratos, a fragilidade do consumidor idoso, vez que nas relações
contratuais, por exemplo, celebradas entre operadoras de plano de saúde e pessoa
idosa, em face da grande força econômica de tais operadoras haverá sempre
desvantagens aos direitos dos aludidos consumidores hipervulneráveis devendo o
Estado protegê-los. 278

Tal intervenção estatal protetiva em favor do usuário, especialmente o


idoso, decorre, desse modo, da eficácia horizontal dos direitos fundamentais que se
refletem entre os contratantes, na hipótese citada, em decorrência da
fundamentalidade social albergada pelo artigo 6º da Constituição da República. Tal
incidência dessa fundamentalidade relativiza o princípio da livre iniciativa privada, já
que, a despeito de a nossa Carta permitir que as grandes empresas que operam no
setor tenham o seu lucro decorrente das pactuações aqui mencionadas; os seus
benefícios econômicos são reduzidos em decorrência da própria fundamentalidade
do objeto do contrato, que é o direito à saúde, albergado pela Constituição.

Quanto à regulação dos planos de saúde, assinale-se que a Agência


Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é uma importante autarquia criada pela Lei
nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, com o escopo de normatizar, regular, controlar e
fiscalizar todas as atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. A
ANS reveste-se da natureza de uma agência reguladora, sendo que, no nosso
modelo, se trata de uma autarquia especial, dirigida por um órgão colegiado, com a
responsabilidade de regulamentar e fiscalizar a prestação dos serviços de saúde aos
cidadãos que pactuaram com as operadoras citadas.

Ensina-se que tal modalidade de regulação assemelha-se ao modelo


inglês, vez que se busca harmonizar os interesses dos setores público e privado na
execução dos aludidos serviços que antes que eram mantidos pelo monopólio

278
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Idem, p.196. Acrescenta a autora que ―[...]parece claro o
poder uma operadora de planos de saúde diante do consumidor idoso, que nela deposita a confiança
de ter suas legítimas expectativas atendidas, quando moribundo. Por conta disto, a eficácia horizontal
dos direitos fundamentais entre particulares se revela tão importante, pois se demonstra capaz de
humanizar as relações onde, por desigualdades explícitas, possa ser violada a dignidade da
pessoa[...]‖ (p.196).
111

estatal, ―[...]visando a reconfigurar a regulação estatal, a competição em mercados e


o controle das tarifas, para se obter eficiência‖.279

Tal qual à criança e ao adolescente, foi assegurado, também ao idoso


internado em unidade hospitalar, o direito a acompanhante, após avaliação da
necessidade pelo profissional de saúde, para permitir-lhe uma melhor assistência,
conforme expressa disposição normativa contida no artigo 16 da referida lei.
Eventual negativa do referido direito pelo médico que presta assistência ao paciente
deverá ser precedida de manifestação por escrito.280

A questão enfocada foi regulamentada pela Portaria nº 280/GM, do


Ministério da Saúde, de 07 de abril de 1999, que impõe a todos os hospitais
públicos, contratados ou conveniados com o SUS, a obrigatoriedade de
acomodação de acompanhantes de idosos internados (art.1º).

Foram excetuadas apenas as hipóteses da internação de unidade de


tratamento intensivo ou naquelas situações clínicas em que, por questão técnica,
não é recomendável a presença de acompanhante junto ao internado, devendo tal
hipótese ser devidamente formalizada pelo médico assistente (art.2º).

O direito a ter um acompanhante vem de encontro à dignidade da


pessoa idosa, não só para fiscalizar se essa está recebendo um tratamento
humanizado como também para acionar a equipe de enfermagem em alguma
anormalidade intercorrente. Assinale-se que a hospitalização, dependendo do grau
de vulnerabilidade do idoso, sempre desenvolve traumas psicológicos nocivos à
própria saúde do idoso.

279
GREGORI, Maria Stela. Planos de saúde: a ótica da proteção do consumidor, 3.ed.
rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2011, p.64. Acrescenta a autora que ―os entes reguladores são
dotados de independência decisória, autonomia financeira, administrativa e gerencial. Os diretores
são nomeados pelo Presidente da República, previamente aprovado pelo Senado Federal, para
exercer mandatos fixos e não coincidentes, protegidos de exoneração ad nutum, pois somente
poderão perder o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de
processo administrativo disciplinar. A função essencial das Agências, objetivamente, é a de executar
as políticas do Estado de orientação e planejamento da economia, com vistas à eficiência do
mercado, corrigindo ou ao menos atenuando suas falhas, por meio de intervenção direta nas
decisões dos setores econômicos, tais como formação de preços, competição, entrada e saída do
mercado, garantias de operação etc‖(p.65).
280
Cf. VILAS BOAS, Marco Antônio. Op.cit, p.44.
112

Registre-se a advertência de que: ―A hospitalização é percebida pelos


idosos como uma ruptura do seu cotidiano, trocando as condições usuais de
habitação por um ambiente estranho e geralmente ameaçador‖.281

O direito ao acompanhante surge, em face da vulnerabilidade do idoso,


―que enseja cuidados especiais, a fim de , na medida do possível, torna-la menos

intensa e causadora de menores sofrimentos à pessoa humana, que, além de muito


fragilizada por conta da idade, se encontra ademais doente‖.282

O respeito à dignidade da pessoa idosa foi sobrelevado pelo legislador


no artigo 17 do Estatuto, ao dispor que o idoso tem o direito de optar pelo tratamento
de saúde que lhe for reputado mais favorável.

O próprio SUS estabelece protocolos clínicos que causam extremo


desconforto ao paciente idoso e também impõe o uso de medicamentos com efeitos
colaterais mais nocivos. O paciente idoso deve ser instruído sobre o melhor
tratamento a que tem direito, sem colocar em risco a sua saúde e a própria vida.
Caso o procedimento médico hospitalar lhe possa causar risco de morte, deve ele
ser informado. Não é incomum o procedimento cirúrgico ser de alto risco, mas
também a sua não realização poderá acarretar a morte do paciente. 283

Quando o idoso não dispõe de saúde mental, para discernir sobre o


tratamento adequado, tal decisão passará ao seu curador ou familiares, ou, ainda,
ao próprio médico, quando ocorrer iminente risco de vida, e não houver tempo hábil
para consulta a curador ou membro familiar, conforme dispõe, expressamente, o
artigo 17, parágrafo único, do Estatuto.

281
QUEIROZ, Zally Pinto Vasconcelos; PRADO, Adriana Romeiro Almeida. Mudanças
adequadas aos usuários idosos: humanização do atendimento na instituição hospitalar. São
Paulo: SESC, Revista A Terceira Idade, v.21, n.49, p.7-25, nov./2010. Acrescentam que os idosos na
hospitalização {...] perdem a sua identidade, deixam de usar a sua roupa, passam a uma condição de
passividade e impotência e geralmente são apenas informados sobre o seu tratamento, alimentação,
horários, etc.‖ (p.7-25).
282
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Op.cit., p.35.
283
Observa Fabiana Rodrigues Barletta, ao dissertar sobre o tema, que: ―A autodeterminação
do paciente idoso deve ser preservada tendo em vista que o Direito lhe garante, enquanto capaz, o
livre desenvolvimento de sua personalidade. Portanto, o trabalho dos médicos de dar ciência acerca
da doença, de suas particularidades, dos tipos de intervenções possíveis ou não, das consequências
de determinado medicamento ou de determinada conduta médica, deve ser desenvolvido da forma
mais qualificada e individualizada, atendendo às necessidades de um enfermo em condições muito
peculiares[...] (Op.cit., p.43 ).
113

No que tange ao respeito à dignidade do idoso na terapêutica prescrita


ensina Ana Cristina Passarella Brêtas que há um pressuposto valioso nessa
interligação das áreas de saúde e da Gerontologia:

[...]a vida pertence ao próprio indivíduo. Compete ao profissional da área da


saúde orientar, jamais impor padrão de comportamento, compete-lhe
mostrar onde está o interruptor, porque quem deve ―acender a luz‖ é o
próprio indivíduo. Do ponto de vista da formação profissional na área da
saúde significa mudar, completamente, os paradigmas. Em minha
atuação...significa inverter o modelo de ensino, afirmar que ao indivíduo
doente compete, também, a decisão sobre a sua própria vida, sobre os
cuidados e a terapêutica prescrita. A decisão não é apenas do profissional
de saúde, como tem sido entendida, na maior parte das vezes, de forma
autoritária e centralizadora.284

Deve ser considerado, no entanto, que o direito do idoso de prestar


consentimento ao procedimento médico sofre inegável exceção perante a
supremacia do interesse coletivo, que prevalece inegavelmente, em face do direito
individual.

O médico, diante da possibilidade de a doença contraída pelo idoso,


numa situação epidêmica ou nas hipóteses de moléstias infectocontagiosas,
contaminar outras pessoas, deverá seguir todo o procedimento imposto pelos
protocolos clínicos, que muitas vezes repercute, até mesmo, na liberdade do idoso
de ir e vir, podendo ocorrer vacinação compulsória, bem como a proibição de
entrada em determinados ambientes.

2.6 Do direito aos alimentos

A realidade social brasileira revela que há milhares de idosos no Brasil


cujos rendimentos, pelo trabalho ou aposentadoria, são responsáveis pela
manutenção de suas famílias, inclusive netos.

De fato, ―há idosos que, além de se abastecerem, fornecem alimentos


aos seus dependentes, funcionando como verdadeiros arrimos de família‖. 285

284
Políticas públicas de saúde para o idoso. In: Revista A Terceira Idade. São Paulo:
SESC, v.13, n.24, p.42-43 abr./2002.
285
Idem, p.63
114

Márcia Botelho de Oliveira e Neuza Maria da Silva, ao analisar as


atividades laborais dos aposentados que, a despeito do benefício previdenciário,
continuam a trabalhar, constataram que os homens laboram em atividades como
camelôs, carpinteiros, pintores de parede e motoristas de caminhão, enquanto que
as mulheres desenvolvem, principalmente, atividades remuneradas ligadas à área
doméstica, como costura, faxinas em domicílio, lavagem de roupa, produção de bolo
e doces, etc. ―Um dos motivos de esses idosos continuarem trabalhando, mesmo
depois de se aposentarem é a necessidade de socorrer, financeiramente, filhos e
netos, pois esses aposentados afirmam saber o quanto a família depende dessa
ajuda‖ 286.

Aliás, a convivência do idoso com sua família é de fundamental


importância para a sua estabilidade psíquica e emocional. De fato, o seu
afastamento da família pode levá-lo, muitas vezes, ao estado de depressão e causar
a sua própria morte.

Neste sentido, leciona-se que o convívio com a família é imprescindível


para a estabilidade emocional, física e psíquica da pessoa idosa.287

Não se pode, contudo, olvidar, em contrapartida, daqueles idosos que


não dispõem de recursos para a sua subsistência, aflorando, aí, o dever de
solidariedade dos parentes e, subsidiariamente, da sociedade e do Estado.

Ensina-se, a propósito, que na velhice quando todos deveriam sentir-


se devedores dos idosos, em face da contribuição realizada na sociedade no
decorrer da vida, ― [...] inexplicavelmente é quando a pessoa idosa manifesta uma
maior fragilidade econômica e tem maior dificuldade, para alcançar os recursos
básicos, para desfrutar de uma ‗vida digna‘288.

286
A influência do gênero e a participação da mulher na solidariedade entre gerações.
Revista A Terceira Idade. São Paulo: SESC, v.23, n.54, p.33-46, jul./2012. Acrescentam que: ―Os
homens aposentados auxiliam seus filhos duas vezes menos que as aposentadas nas atividades
domésticas. Esse estudo também mostrou que apenas 6,6% das mulheres de baixa renda, que
trabalham fora, têm empregada doméstica. Isto porque são as avós que ajudam as filhas , assumindo
a tarefa de prover e educar os netos‖ (idem, ibidem).
287
RIBEIRO, Maria Aparecida. Perfil dos idosos no município de Ji-Paraná (RO). Revista A
Terceira Idade. São Paulo: SESC, v.17, n.37, p.49-64, out.2006. Acrescenta a autora, lembrando que:
―A maior parte da população idosa entrevistada vive, ainda, com o cônjuge e os filhos. Isso é positivo,
pois a família é a base estrutural de uma pessoa. Todo ser humano necessita de companhia,
principalmente os idosos, já que, nessa faixa de idade, muitos não têm, mais, condições físicas de
manter a socialização com pessoas fora da família‖ (p.64).
288
GÁLVEZ, Rosa de Couto et alii. La protección jurídica de los ancianos. Madrid: Editorial
115

Como se não bastasse a disposição normativa do artigo 1.694 do


Código Civil, que autoriza que parentes, cônjuges ou companheiros postulem uns
dos outros os alimentos de que necessitem, para viver de modo digno com a sua
condição social, alcançando, inclusive, as despesas atinentes à educação, o
Estatuto do Idoso determina, em seu artigo 3º, que é dever da família, da
comunidade, da sociedade, bem como do Estado garantir ao idoso, de forma
prioritária, dentre outros, o direito à alimentação.

Também dispõe em seus artigos 11 e 12:

Art.11. Os alimentos serão prestados ao idoso na forma da lei civil.


Art. 12. A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os
prestadores.

Os aludidos alimentos, conforme posição já consolidada na doutrina,


devem ser compreendidos de forma ampla, suplantando a mera alimentação digna,
a fim de alcançar o suficiente para a sobrevivência do idoso.

Merece registro, por oportuna, a lição de que os alimentos, no sentido


lato da palavra, devem ser compreendidos na seguinte dimensão:

Por se destinar à manutenção do necessitado, os alimentos civis devem ser


conceituados de forma ampla, abrangendo não apenas os alimentos in
natura mas também todos os valores materiais indispensáveis à
subsistência do alimentado, como, por exemplo, habitação (incluindo
pagamento de água, luz, gás etc), transporte, saúde, educação, contratação
de um cuidador caso o idoso não possa praticar os atos cotidianos sem o
auxílio de terceiro etc;. em suma, os alimentos civis devem ser fixados de
forma a manter o padrão de vida do alimentado, desde que o alimentante
289
tenha condições econômico-financeiras para suportar tal encargo.

Neste sentido, dispõe o artigo 1920 que:

Art.1920. O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a


casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.

É digno de nota o fato de que, pela disposição do artigo 1694, § 1º, do


Código Civil, a fixação dos alimentos deve ser feita levando-se em consideração não
só as necessidades do alimentando mas também dos recursos do alimentante.

Colex, 2007, p.24.


289
FREITAS JÚNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e garantias do idoso. 2.ed., São Paulo:
Atlas, 2011, p.80.
116

Também não menos importante é o teor da norma contida no artigo


1696 do mesmo estatuto, que estabelece a reciprocidade na prestação de alimentos
entre pais e filhos, sendo tal responsabilidade extensiva a todos os ascendentes, a
se iniciar pelos parentes mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Como complemento, dispõe o artigo 1697 que, na ausência de


ascendentes, a obrigação alimentar recai sobre os descendentes, respeitada a
ordem de sucessão. Na ausência, também, dos descendentes, a responsabilidade
enfocada recai sobre os irmãos, quer sejam germanos ou unilaterais. Assim,
respeitada a ordem estabelecida pelo Código Civil, a obrigação alimentar recai,
inicialmente, sobre os ascendentes e somente na ausência destes é que a aludida
responsabilidade é transferida aos descendentes, ficando, em último lugar os
irmãos.

O Estatuto do Idoso, contudo, focando privilegiar o idoso alimentando


deu a ele o direito de escolher, entre os responsáveis pela obrigação alimentar, qual
deles deverá prestar os alimentos, conforme expressa disposição contida no artigo
12 da referida lei.

Não se pode argumentar que há antinomia entre as disposições dos


artigos 11 e 12 do Estatuto do Idoso, em face de o primeiro determinar a aplicação
das normas do Código Civil e o segundo, prevendo a solidariedade alimentar entre
os corresponsáveis legais.

Ensina-se, com acerto, que:

Não se entrevê tal antinomia, porque, no que o artigo 12 do Estatuto não


excepcionou, vigem as normas civis em relação aos alimentos, no que diz
respeito a significarem direito para o alimentando, não só à alimentação em
si mas também ao sustento, à cura, ao vestuário e à casa, na medida do
binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante, sem
prejuízo de se conceder, judicialmente, ao beneficiário do encargo
majoração, redução ou até exoneração no quantum recebido em caso de
mudança na situação financeira de quem o supre, na forma do art. 1.699 do
Código Civil, e de assegurar que quem fornece alimentos deverá fazê-lo
sem desfalque do necessário ao seu sustento, na dicção do art. 1.695
também do Código Civil.290

Na realidade, o Estatuto do Idoso quis privilegiar o idoso que,


necessitando de alimentos, tem a opção de exigir do parente mais abastado,

290
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Op.cit., p.64-65.
117

independente da ordem estabelecida pelo Código Civil, a prestação alimentar, em


face do princípio da solidariedade estabelecido pela lei mencionada.

Caso um dos responsáveis pela obrigação alimentar seja compelido a


prestar os alimentos enfocados, deve, por sua vez, utilizar-se do disposto no artigo
283 do Código Civil que dispõe que:

Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito de exigir de
cada um dos codevedores a sua quota, dividindo-se, igualmente, por todos
a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de
todos os codevedores.

Frise-se que o próprio Estatuto do Idoso ressalva que deve ser


aplicada, no que couber, a lei civil, na prestação alimentar, já que o valor dos
alimentos deve ser pautado pela disposição do Código Civil (art.1694, § 1º), que
estabelece, como diretriz, a constatação não da necessidade do alimentando como
também a possiblidade econômico-financeira do alimentante, ―visando a garantir a
proporcionalidade na fixação dos alimentos, equilibrando as necessidades do idoso
e os recursos financeiros disponíveis do obrigado.‖291

Não se pode olvidar, ainda, que, na fixação dos alimentos, por se tratar
de uma obrigação alimentar de caráter personalíssimo, deve ser levada em
consideração a capacidade econômico-financeira do próprio alimentante, e ―não sua
renda familiar, incluindo eventuais valores recebidos pelo cônjuge ou atual
companheiro, pois o mesmo não é parte na demanda, tampouco possui obrigação
legal de suportar encargo alimentar dos parentes de seu consorte‖. 292

Freitas Júnior traz importante ponderação afirmando que não basta o


mero vínculo de parentesco, para que o idoso possa acionar o parente, visando à
prestação alimentícia. Leciona que é necessário que:

[...] exista vínculo afetivo entre alimentante e alimentando, entre cuidador e


paciente, para tornar certa a obrigação, com fundamento na necessária
solidariedade familiar. Não havendo qualquer relação de afetividade entre
as partes, não se pode impor a obrigação alimentar, tampouco o dever de

291
PIARDI, Sônia Maria Demeda Groisman; ZAPELINI, Annie Elise . Idem, p.72.
Acrescentam que: ―a pensão deve ser estipulada em´percentual, sobre os rendimentos auferidos pelo
alimentante, considerando-se somente as verbas de caráter permanente, excluindo-se as de natureza
eventual (como horas extras), podendo ser determinado o desconto em folha de pagamento ou sobre
proventos de aposentadoria e pensão percebidos pelo obrigado‖ (p.73).
292
FREITAS JÚNIOR, Roberto Mendes de. Op.cit., p.81.
118

cuidado, apenas com base na relação de parentesco, vez que ausente o


fundamento para tanto, ou seja, o vínculo afetivo...Incabível, assim, falar-se
que o idoso tem direito absoluto de receber alimentos e cuidados de seus
filhos, apenas em face do que dispõe o Código Civil e o Estatuto do
Idoso,...O que dizer sobre o idoso, que, apesar de constar como pai na
certidão de nascimento, sequer participou do crescimento do filho? E o
idoso que rompeu relações com os filhos, e, muitas vezes, sequer conhece
293
os netos, já adultos, apenas por sua intolerância ou idiossincrasia?

No que tange ao ônus de demonstrar a necessidade do alimentando


aplica-se, na hipótese, o princípio da inversão do ônus da prova, ‗por presumida a
impossibilidade de o demandante autossustentar-se. Cabe ao devedor a obrigação
de comprovar que o idoso possui condições de se manter, sob pena de ter que lhe
prestar alimentos‖.294

É imperioso observar-se que tem inteira aplicação, no caso em exame,


o disposto no artigo 1.699 do Código Civil, no que se refere à mutabilidade do valor
da prestação alimentar. Determina a norma ali contida :

Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação


financeira de quem os supre ou na de quem os recebe, poderá o
interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração,
redução ou majoração do encargo.

A revisional de alimentos, no caso enfocado, é o caminho indicado aos


interessados, quer para majorar o valor da prestação, na hipótese de o idoso
necessitar de maior amparo financeiro, quer para restringi-la, no caso dele
necessitar de despesas menores ou mesmo diante de eventual redução ou
impossibilidade financeira do alimentante, cujo rito procedimento será aquele
normatizado pela Lei nº 5.478/68.

Visando a garantir, com a maior celeridade possível, a prestação de


alimentos à pessoa idosa, o Estatuto do Idoso permite que haja a celebração de
acordo alimentício perante o Promotor de Justiça ou Defensor Público, entre o
alimentante e o alimentando, cujas autoridades referendarão o aludido acordo, que

293
Idem, p.93. O autor fundamenta sua doutrina no seguinte Acórdão (ementa) ―Alimentos –
Solidariedade Familiar – Descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. É descabido o
pedido de alimentos, com fundamento no dever de solidariedade, pelo genitor que nunca cumpriu
com os deveres inerentes ao poder familiar, deixando de pagar alimentos e prestar aos filhos os
cuidados e o afeto de que necessitavam em fase precoce do seu desenvolvimento. Negado
provimento ao apelo (TJRS – 7ª Câmara Cível, AP.70013502331, j.15.01.2006‖ (p.94).
294
Idem, p.81.
119

tem força de título extrajudicial, pelo que se depreende da expressa disposição


normativa dos artigos 13 da lei supra e 585, II, do Código de Processo Civil.

É digno de nota o fato de que a aludida transação somente pode


gravitar sobre o valor da prestação alimentícia, ―porquanto o direito a alimentos, em
si, é indisponível, não podendo ser objeto de transação‖.295

A pensão alimentícia, em caso de lide, deve ser distribuída ao Juízo da


Vara da Família do local em que reside o idoso ou o alimentante, a critério do autor,
cuja ação poderá ser proposta, até mesmo, pelo Ministério Público, em caso de
vulnerabilidade, nos termos do artigo 74, inciso II do Estatuto do Idoso. Quando na
comarca não houver Juízo Especializado, a distribuição será feita ao Juízo Cível.

Quanto à transmissibilidade da responsabilidade alimentar aos


herdeiros do devedor, decorre ela do disposto no artigo 1.700 do Código Civil e é
limitada pela força da herança.

Como bem leciona Freitas Júnior, o fato de a responsabilidade


alimentar do devedor transmitir-se aos herdeiros não retira dela sua natureza
personalíssima, já que a cobrança ―está limitada à disponibilidade do espólio, ou
seja, o alimentado só poderá cobrar o valor que puder ser suportado pelo espólio do
alimentante, ainda que o valor total da obrigação alimentar seja superior‖. 296

O direito à prestação de alimentos transcende os parentes, na hipótese


do idoso, para alcançar o próprio Estado.

Neste sentido, dispõe o artigo 14 do Estatuto do Idoso:

Art. 14. Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas


de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no
âmbito da assistência social.

Leciona-se, diante de tal imposição legal, que a família foi erigida em


primeira e maior responsável pelo seu idoso, vindo em segundo plano, a sociedade
figurando o Estado, como terceiro responsável. Assim, diante da inexistência da
família ou diante da impossibilidade dela ter condições de alimentar o idoso e, ―[...]
tampouco existam, na sociedade, recursos disponíveis para garantir sua

295
Idem, p.74.
296
Op.cit., p.82.
120

subsistência, entra, em cena, o Poder Público como terceiro obrigado,


297
caracterizando, assim, a responsabilidade subsidiária do Estado‖ .

O dever supletivo do Estado de suprir as necessidades básicas do


idoso, pela própria disposição normativa do artigo em exame, se concretiza por meio
da assistência social.

Diante da impossibilidade de a família e/ou parentes assegurarem os


alimentos ao idoso, deve ser providenciada a sua inclusão na rede SUAS, visando
especialmente ao recebimento do benefício da prestação continuada.

A assistência social enfocada tem seu fundamento, primeiro, na


Constituição da República, que dispõe, em seu artigo 203, inciso V:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por
objetivos:
[...]
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme
dispuser a lei.

O aludido benefício de prestação continuada foi disciplinado pela Lei nº


8.742, de 07 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social) , mais
precisamente pelo artigo 20, § 3º, da referida lei, que preceitua:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-


mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e
cinco) anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.

Assinale-se que o referido benefício alcançava, inicialmente, tão


somente os idosos com 70 anos ou mais. No entanto, em face do advento do
Estatuto do Idoso, o referido limite foi alterado para 65 anos de idade, conforme
expressa disposição normativa contida no artigo 34 da referida lei.

O benefício de prestação continuada foi regulamentado pelo Decreto nº


1.744/95, que estabeleceu os seguintes requisitos, para que o interessado pudesse
usufruir do aludido benefício legal: idade de 65 anos ou mais; não exercício de

297
PIARDI, Sônia Maria Demeda Groisman; ZAPELINI, Annie Elise . Idem, p.79.
121

atividade remunerada e renda familiar mensal per capita, inferior a ¼ (um quarto) do
salário mínimo.

Importa acrescentar-se que se um membro da família já recebe o


B.P.C., tal fato não constitui óbice, para que o idoso também possa usufruir do
mencionado benefício, pelo que se depreende do disposto no artigo 34,parágrafo
único, do Estatuto do Idoso.

Trata-se de um benefício de extrema importância, a fim de que o idoso


possa garantir uma renda básica para a sua subsistência. Leciona-se:

Nos dez primeiros anos de sua vigência, o número de idosos atendidos


cresceu 25 vezes, principalmente em decorrência da mudança na legislação
que alterou a idade mínima para recebimento do benefício de 67 para 65
anos. Com a entrada, em vigor, do Estatuto do Idoso, em 2004, mais idosos
passaram a receber o benefício, que, em 2007, atingiu mais de 1,3 milhão
de beneficiários.298

A aludida observação vem de encontro ao documento Política


Nacional de Assistência Social – PNAS/2004, Norma Operacional Básica –
NOB/SUAS que discorrendo sobre o avanço da assistência social, no Brasil, realça
que:

O BPC constitui uma garantia de renda básica, no valor de um salário


mínimo, tendo sido um direito estabelecido diretamente na Constituição
Federal e posteriormente regulamentado a partir da LOAS, dirigido às
pessoas com deficiência e aos idosos a partir de 65 anos de idade,
observado, para acesso, o critério de renda previsto na Lei. Tal direito à
renda se constituiu como efetiva provisão que traduziu o princípio da
certeza na assistência social, como política não contributiva de
responsabilidade do Estado. Trata-se de prestação direta de competência
299
do Governo Federal, presente em todos os Municípios.

Questão interessante versa sobre a exigência objetiva estabelecida


pelo artigo 20, § 3º, da LOAS e pelo seu decreto regulamentador, quanto à renda
familiar per capita, inferior a ¼ do salário mínimo.

Com efeito, após a inserção normativa do aludido benefício, o Estado


brasileiro criou outros benefícios sociais com critérios mais elásticos do que aqueles
298
SIQUEIRA, Maria Eliane Catunda de. Velhice e políticas públicas. In: NERI, Anita
Liberalesso (Org.). Idosos no Brasil: vivências, desafios e expectativas na terceira idade. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo/Edições SESC, 2007, p.210.
299
SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL/MDS. Política Nacional de Assistência
Social – PNAS/2004. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2005, p.34.
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial>. Acesso em 02/01/2014.
122

exigidos para o BPC, como a Lei nº 10.836/04, que criou a bolsa família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei
10.219/01, que criou o Bolsa Escola; e a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de
garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.

Diante de tal postura do Estado brasileiro e, em face do princípio da


dignidade da pessoa humana, várias decisões judiciais foram proferidas,
determinando que o gestor público conceda o benefício em exame, mesmo ausentes
os requisitos formais já referidos, em face do real estado de miserabilidade das
famílias dos idosos beneficiados.

Alias, na Reclamação nº 4374/PE, com acórdão relatado pelo Ministro


Gilmar Mendes, o pleno da Suprema Corte, em julgamento realizado no dia 18 de
abril de 2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial do artigo 20, § 3º da
LOAS, por entender que se verificou, a partir da edição da mencionada lei , um
processo de inconstitucionalização ―decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas
dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro)‖. 300

O próprio parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso foi julgado,


parcialmente inconstitucional, pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, no RE nº
580.963/Pr, com repercussão geral, em julgamento realizado no dia 18/04/2013, por
não dissipar injustiças apuradas em inúmeros casos concretos, nas hipóteses em
que a família do idoso já contempla membros com deficiência ou com benefício
previdenciário.301

Aliás, dissertando sobre a norma em exame, lecionam Walter Claudius


Rothenburg et al, que não se computa no cálculo, para fins de concessão de
benefício ao idoso que necessita do B.P.C., o mesmo benefício assistencial já
concedido, anteriormente, a outro idoso da mesma família. Ressaltam que, embora
o Estatuto do Idoso, preveja a cumulação de benefícios assistenciais por idosos do
mesmo grupo familiar, é necessário observar que há outras situações similares que
também permitem a cumulação. Exemplificam que: ―Se um dos integrantes da

300
Vide ementa do acórdão no anexo 5.
301
Vide ementa do acórdão no anexo 6
123

família também receber benefício assistencial, porém na condição de deficiente, a


cumulação deve ser possível, pois haverá semelhança de situações‖ 302

Por estar o idoso inserido na rede SUAS, ensina-se que eventual ação
judicial, visando ao recebimento do aludido benefício, poderá ser interposta contra
qualquer dos entes federados, conjunta ou isoladamente, sob o fundamento de que
a divisão meramente administrativa ―implementada pelos entes federados, para a
realização das diferentes ações e serviços que visam à efetividade dos direitos
sociais, não pode ser oposta aos seus beneficiários‖.303

Registre-se, ainda, que, em face do caráter de subsidiariedade do


benefício citado, poderá o gestor buscar a desoneração de prestar o benefício em
Juízo, caso comprove que algum familiar possa prestar alimentos ao idoso. 304

Não pode ser olvidada, também, a hipótese de o idoso ser compelido a


pagar prestação alimentícia a eventuais parentes. No entanto, para que o idoso
possa assumir tal responsabilidade, o alimentando terá que respeitar a ordem de
proximidade de parentesco imposta pelo artigo 1.697 do Código Civil.

Neste sentido, leciona-se que: ―[...] o avô somente será obrigado a


prestar alimentos ao neto, se o pai deste comprovar não possuir condições
financeiras, para suportá-los ou se for falecido‖.305

Verifica-se, portanto, que os preceitos do Estatuto do Idoso, na questão


dos alimentos, estão voltados, de fato, à peculiaridade da situação da pessoa idosa
e que, portanto, deve receber, em tese, tratamento diferenciado do legislador.

302
Assistência e previdência social em conexão com os direitos fundamentais: análise de
casos. In: CANOTILHO, JJ. Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula
Barcha (Coords.). Direitos fundamentais sociais. São Paulo: Saraiva, 2010, p.189.
303
PIARDI, Sônia Maria Demeda Groisman; MARTINS, Annie Elise Zapelini. Op.cit., p.79.
Justificam as autoras que: ´‖É incabível o pleito de um ente federado demandado numa ação de
fornecimento de alimentos a idoso, de citação de outro ente federado para integrar o polo passivo da
demanda. É adequada a permanência do ente acionado pelo idoso no polo passivo da ação, até
porque, dada a condição de idoso, a urgência e a relevância do assunto discutido judicialmente – o
fornecimento de alimentos está intimamente ligado ao direito à vida-, o chamamento de outro ente
federado à lide atrasaria muito o julgamento, que deve ser célere e preferencial, nos termos do art. 71
do Estatuto do Idoso‖ (p.80).
304
Idem, ibidem.
305
Idem, p.81. Acrescentam as autoras, contudo, que: ― [...]a ação de alimentos pode ser
proposta contra o pai e avô, caso reste evidente que o genitor não possui condições de arcar sozinho
com o encargo, porquanto a doutrina é pacífica no sentido da admissibilidade do pedido de
complementação, pelo avô, do alimentando da pensão prestada pelo pai‖ (ibidem).
124

2.7 Do direito à moradia

A moradia constitui um direito fundamental social por estar


intrinsicamente ligada à dignidade da pessoa humana.

Merecem destaque, contudo, alguns conceitos ligados ao lugar onde o


indivíduo fixa sua habitação , de interesse jurídico, como o domicílio que, para fins
legais, consiste no lugar onde ele fixa sua residência com animo definitivo306, ou,
mesmo, o local onde exerce sua atividade profissional.307

Percebe-se, portanto, que o domicílio é erigido como ―sede jurídica da


pessoa, onde ela se presume presente para efeitos de direito e onde exerce ou
pratica, habitualmente, seus atos pessoais e negócios jurídicos‖.308

A residência, por sua vez, é o lugar em que o indivíduo habita, ―com


intenção de aí permanecer, mesmo que dele se ausente temporariamente‖. 309

Quanto ao direito de moradia e de habitação, embora os aludidos


termos venham sendo utilizados, como sinônimos, pela doutrina e, até mesmo, pela
jurisprudência, compartilha-se, aqui, da lição de Flávio Pansieri, no sentido de que
há nítida diferença entre eles.

Como bem ensina o ilustre autor, o direito à moradia está


intrinsicamente ―conectado com a pessoa, com os direitos da personalidade,
fundado na garantia da dignidade da pessoa humana. Enquanto a habitação vem
sendo utilizada, para se referir às questões de cunho patrimonial ligadas ao
morar‖.310

Deve-se citar, como exemplo nítido da diferença entre elas, a questão


da alienabilidade e hereditariedade inerentes aos direitos reais, que é adequada à
habitação. Contudo tais institutos não se aplicam à moradia, ―porque, neste caso,

306
Artigo 70 do CC.
307
Artigo 72 do CC.
308
SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à moradia e de habitação, 2.ed. São Paulo:
RT, 2009, p.30.Noutras palavras acentua o autor que ―o domicílio se considera como uma
qualificação jurídica atribuída pela lei para reconhecer-se o local da pessoa e o centro de suas
atividades, ainda que de forma presumida e permanente‖ (p.41).
309
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 11.ed, São Paulo: Saraiva, 1995,
v.1, p.108.
310
Eficácia e vinculação dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2012, p.25.
125

esta se falando de direitos da personalidade, que, por sua vez, são intransmissíveis
em razão da infungibilidade dos direitos inatos à pessoa‖.311

Aliás, o direito à moradia, que deve ser visto como o direito à moradia
digna, decorre do princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, deve ser
refutado o entendimento de alguns civilistas que entendem que há transitoriedade
na noção de moradia, o que não é verdade, já que tal característica é da habitação,
e não da moradia, que, como visto, constitui um bem da personalidade tendo, por
conseguinte, caráter permanente.312

Leciona-se, com acerto, que, na habitação:

[...]o elemento volitivo da pessoa, ao pretender habitar determinado local,


configura-se como temporário, embora a locução habitatio, de habitare,
tenha o significado de residir, morar, trazer habitualmente, que, em sentido
geral, quer exprimir o local em que se mora ou se reside, ou em que,
habitualmente – disposição duradoura adquirida pela repetição frequente de
um ato, uso ou costume-, se encontra a pessoa, significando, praticamente,
a morada, a casa, a vivenda em que alguém habita.313

Pode-se, assim, conceituar habitação: como a permissão outorgada a


alguém, ― para fixar-se em um lugar determinado, para atender aos seus interesses
naturais da vida cotidiana, mas de forma temporária ou acidental, tratando-se de
uma relação, de fato, entre sujeito e coisa, sendo objeto de direito‖.314

A moradia, embora apresente um conceito muito próximo de habitação,


com ela não se confunde. Ensina-se que: ―A moradia consiste em bem irrenunciável
da pessoa natural, indissociável de sua vontade e indisponível, a qual permite a sua
fixação em lugar determinado, bem como a de seus interesses naturais na vida
cotidiana [...]. ‖315

311
Idem, p.26.
312
Vide por todos quanto à crítica a tais civilistas SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Op.cit.,
p.42, nota 34.
313
Idem, p.43.
314
SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Op.cit., p.44. Utilizando-se de conceito mais amplo,
explica o autor que habitação, pode ser conceituada como ―o direito ao exercício de uma faculdade
humana conferida a alguém por norma jurídica ou por outrem, permitindo a fixação em um lugar
determinado, não só física, como também onde se fixam os interesses naturais da vida cotidiana,
exercendo-os, porém, de forma temporária ou acidental, iniciando-se e extinguindo-se obre
determinado local ou bem, tratando-se de uma relação de fato, sendo, porém, a relação humana e
imóvel objeto de direito, logo tutelável juridicamente‖ (p.45).
315
Idem, p.44. Também conceitua o autor a moradia como ―um bem da personalidade, com
proteção constitucional e civil. É, portanto, um bem irrenunciável da pessoa natural, indissociável da
sua vontade e indisponível, exercendo-se, de forma definitiva, pelo indivíduo; secundariamente, recai
126

Sérgio Iglesias Nunes de Souza traz importante diferença entre


moradia, residência e habitação. Ensina o referido autor que:

[...] moradia é elemento essencial do ser humano e um bem


extrapatrimonial. Residência é o simples local onde se encontraria o
indivíduo. E a habitação é o exercício efetivo da moradia sobre determinado
bem imóvel...Dessa forma, a moradia também é uma qualificação
legal,reconhecida como direito inerente a todo ser humano, notadamente
em face da natureza de direito essencial referente à personalidade humana.
316

Como a moradia está conectada com os direitos da personalidade, os


quais foram insculpidos no Código Civil, mais precisamente nos artigos de 11 a 21, é
imperioso observar-se que tais direitos, na expressão de Orlando Gomes, nasceram
da necessidade de proteger a pessoa humana ―contra práticas e abusos atentatórios
à sua dignidade‖.317

Ensina, ainda, o grande mestre baiano que os direitos de


personalidade são ―absolutos, extrapatrimoniais, instransmissíveis, imprescritíveis,
impenhoráveis, vitalícios e necessários‖. Por sua própria natureza, opõe-se erga
omnes, implicando o dever geral de abstenção.318

Perfilhando tese semelhante, ensina o Prof. Fábio Maria de Mattia que


a elaboração da teoria dos direitos da personalidade tem o seu foco na ―reação
surgida contra o domínio absorvente da tirania estatal sobre o indivíduo‖.319

Leciona que, além de direitos da personalidade, são utilizadas outras


terminologias, como Direitos essenciais e fundamentais da pessoa, Direitos da
própria pessoa, Direitos personalíssimos, Direitos de Estados e Direitos inatos.
Ressalva, no entanto, que a primeira expressão é a que foi consagrada no meio
forense. Quanto à afirmação de que os direitos humanos são, em princípio, os
mesmos da personalidade, com fundamento em Arturo Valencia Zea, ensina o
aludido autor que:

o seu exercício em qualquer pouso ou local, mas é objeto de direito e protegido juridicamente‖
(p.45/46).
316
Idem, ibidem.
317
Direitos de personalidade. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal,
v.03, n.11, p.39-48, set./1966.
318
Idem, ibidem.
319
Direitos da personalidade: aspectos gerais. Revista de Informação Legislativa. Brasília:
Senado Federal, v. 14, n.56, p.247-277, out./dez/1977.
127

[...] quando falamos dos direitos humanos, referimo-nos aos direitos


essenciais do indivíduo em relação ao direito público, quando desejamos
protegê-los contra as arbitrariedades do Estado. Quando examinamos o
direito da personalidade, sem dúvida nos encontramos diante dos mesmos
direitos, porém sobre o ângulo do direito privado, ou seja, relações entre
particulares, devendo-se, pois, defende-los frente aos atentados
perpetrados por outras pessoas. 320

Enfatiza, ainda, o Prof. Fábio que os direitos da personalidade integram


a categoria dos direitos subjetivos e podem ser classificados como direito à
integridade física, direito à integridade intelectual e direito à integridade moral. 321

Retornando ao tema moradia, como foco no âmbito internacional, sem


desconsiderar os inegáveis avanços na positivação de direitos fundamentais na
Constituição do México, de 1917, e na Conceição de Weimar, de 1919, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948, ao catalogar direitos econômicos,
sociais e culturais, representou, no âmbito internacional, um reconhecimento de
importância vital para os povos, no sentido de que o homem passasse a ser
respeitado como sujeito de direitos.

Merece destaque, no referido documento, o preceito contido no artigo


XXV, 1, que dispõe:

Artigo XXV-1.Toda Pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de


assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Ingo Wolfgang Sarlet destaca a importância do aludido documento para


a sedimentação do direito à moradia, no direito internacional, ensinando que, a partir
―do citado dispositivo, já no âmbito do direito internacional convencional, o direito à
moradia passou a ser objeto de reconhecimento expresso em diversos tratados e
documentos internacionais[...]‖322

O Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, de


1966, também incorporou, em seu texto, o direito à moradia como direito humano,
estabelecendo, em sua parte III, artigo 11:

320
Idem, ibidem.
321
Idem, ibidem.
322
O direito fundamental à moradia na Constituição. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria
(Orgs.). Doutrinas Essenciais: direitos humanos. São Paulo: RT,2011, v.III, p.688.
128

Art. 11, § 1º . Os Estados-partes, no presente Pacto, reconhecem o direito


de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua
família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim
como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes
tomarão medida apropriadas, para assegurar a consecução deste direito,
reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação
internacional fundada no livre consentimento.323

Destacam-se, ainda, no âmbito internacional, duas conferências


promovidas pela ONU, que gravitaram sobre assentamentos humanos, sendo a
primeira realizada em Vancouver, conhecida como Habitat I, e a segunda realizada
em Istambul, Turquia, em 1996, conhecida como Agenda Habitat II, que é
reconhecida como o mais completo documento na matéria.324

É importante realçarem os seguintes pontos da Declaração de


Stambul:

8. Nós reafirmamos nosso compromisso com a total e progressiva


realização do direito a moradias adequadas, conforme estabelecido em
instrumentos internacionais. Com essa finalidade, deveremos procurar a
participação dos nossos parceiros públicos, privados e não-governamentais,
em todos os níveis, para a garantia legal de posse, proteção contra
discriminação e igual acesso a moradias adequadas, a custos acessíveis,
para todas as pessoas e suas famílias.
9. Nós trabalharemos para expandir a oferta de moradias a custos
acessíveis permitindo que os mercados funcionem com eficiência e de
maneira social e ambientalmente responsável, estimulando o acesso a terra
e ao crédito e assistindo aqueles que não têm condições de serem
atendidos pelo mercado imobiliário. [...]
15. Esta conferência em Istambul marca uma nova era de cooperação, uma
Era da cultura da solidariedade. À medida que entramos no século XXI,
Oferecemos-nos uma visão positiva dos assentamentos humanos
sustentáveis, um senso de esperança para o nosso futuro comum e um
estimulo para enfrentarmos um desafio verdadeiramente válido e
comprometedor, o de construirmos, juntos, um mundo onde todos possam
viver em uma casa segura,com a promessa de uma vida decente, com
dignidade, boa saúde, segurança, felicidade e esperança.325

323
O referido pacto foi ratificado pelo Brasil em 24/01/1992 e promulgado pelo Decreto nº 591,
de 06/07/92. Anota Sérgio Iglesias, ao comentar a ratificação do Brasil ao aludido pacto, que: ―A
proteção do direito à moradia como direito humano deu-se, para o cenário internacional, como uma
técnica de plano de desenvolvimento social adotado pelo Estado brasileiro, cuja adoção das medidas
legislativas deve permitir a facilitação do exercício da moradia, propiciando a utilização de lugares
que lhe reservem o seu pleno exercício, sem se questionar a necessidade da efetiva propriedade,
mas que assegure, principalmente às classes econômicas menos favorecidas no capitalismo, o
exercício desse direito como forma de garantia de um nível de vida tido como adequado pelos
organismos internacionais. Dessa forma, as medidas político-legislativas que restrinjam o direito à
moradia, segundo o referido Pacto Internacional, seriam atentatórias ao direito‖. (Op.cit., p.64).
324
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op.cit., p.690.
325
Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-
apoio/legislacao/moradia-adequada/declaracoes/declaracao-de-istambul-sobre-assentamentos-
humanos. Acesso em: 20/01/2014.
129

Sob a égide da ONU, foi editada a Declaração sobre o Direito ao


Desenvolvimento, adotada pela Resolução 41/128 da Assembleia Geral das Nações
Unidas, de 04 de dezembro de 1986, de importância vital para o fomento aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais de todos os indivíduos.

Já no preâmbulo do aludido documento, percebe-se a preocupação da


ONU em estabelecer uma diretriz humanitária ao desenvolvimento econômico,
colocando o bem-estar da população e a justa distribuição dos benefícios como
meta de toda política econômica.

Merece destaque, no entanto, dentre os vários preceitos importantes


da referida Declaração, o artigo 8º, que dispõe:

Artigo 8 1. Os Estados devem tomar, a nível nacional, todas as medidas


necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e devem
assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para todos em seu acesso
aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação,
habitação, emprego e distribuição equitativa da renda. Medidas efetivas
devem ser tomadas, para assegurar que as mulheres tenham um papel
ativo no processo de desenvolvimento. Reformas econômicas e sociais
apropriadas devem ser efetuadas com vistas à erradicação de todas as
injustiças sociais.326

Verifica-se, assim, que o reconhecimento do direito à habitação, no


documento enfocado, traz, como corolário o dever do Estado, para assegurar o
referido direito imprescindível ao desenvolvimento da pessoa humana.

Merece registro, por oportuna, a lição de que:

Dessa forma, atribuído o direito ali referido como habitação, uma vez que,
em sentido internacional, não houve, propriamente, uma efetiva
diferenciação de moradia, determinou-se o respeito a tal direito
fundamental, sem distinção de qualquer espécie, já que a moradia é tratada
como norma fundamental do direito internacional, na área dos direitos
327
humanos.

Ainda sob a égide da ONU pode ser citada a Convenção Internacional


sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 que
estabeleceu, no seu artigo 5º, preceitos protetivos de direitos humanos atinentes à
moradia, ao dispor:

326
Disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-ao-
Desenvolvimento/declaracao-sobre-o-direito-ao-desenvolvimento.html. Acesso em: 21/01/2014.
327
SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Op.cit., p.66.
130

Artigo V
De conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2,
Os Estados Partes comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação
racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada uma à igualdade
perante a lei, sem distinção de raça , de cor ou de origem nacional ou
étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos:
d) Outros direitos civis, principalmente,
i) direito de circular livremente e de escolher residência dentro das fronteiras
do Estado,
e) direitos econômicos, sociais, culturais, principalmente:
iii) direito à habitação.328

Também a Agenda 21, adotada na Conferência das Nações Unidas,


sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro,
focou o direito à moradia como importante diretriz governamental, visando a
assegurar o bem-estar econômico, social, psicológico e físico da pessoa humana
tratando do tema no capítulo 7, a saber:

7.6. O acesso à habitação segura e saudável é essencial para o bem-estar


físico, psicológico, social e econômico das pessoas, devendo ser parte
fundamental das atividades nacionais e internacionais. O direito à habitação
adequada enquanto direito humano fundamental, está consagrado na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Apesar disto, estima-se que,
atualmente, pelo menos 1 bilhão de pessoas não disponham de habitações
seguras e saudáveis e que, caso não se tomem as medidas adequadas,
esse total terá aumentado drasticamente, até o final do século e além.
7.8. O objetivo é oferecer habitação adequada a populações em rápido
crescimento e aos pobres atualmente carentes, tanto de áreas rurais como
urbanas, por meio de uma abordagem que possibilite o desenvolvimento e a
melhoria de condições de moradia ambientalmente saudáveis.
7.9. As seguintes atividades devem ser empreendidas:
(a) Como primeiro passo rumo à meta de oferecer habitação adequada a
todos, todos os países devem adotar medidas imediatas, para oferecer
habitação a seus pobres sem teto, ao passo que a comunidade
internacional e as instituições financeiras devem empreender ações
voltadas para apoiar os esforços dos países em desenvolvimento, para
oferecer habitação aos pobres;
(b) Todos os países devem adotar e/ou fortalecer estratégias nacionais para
a área da habitação, com metas baseadas, quando apropriado, nos
princípios e recomendações contidos na Estratégia Mundial para a
Habitação até o Ano 2000. As pessoas devem ser protegidas, legalmente,
da expulsão injusta de seus lares ou suas terras.329

Em âmbito regional, não se pode olvidar da Declaração Americana dos


Direitos e Deveres do Homem, aprovada na 9ª Conferência Internacional Americana
de Bogotá, em abril de 1948.

328
Disponível em http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=94836.
Acesso em: 21/01/2014.
329
ONU. Disponível em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/agenda21.pdf. Acesso em:
19/03/2015.
131

O direito à habitação foi expressamente reconhecido na mencionada


Declaração, em seu artigo XI, com o seguinte teor:

Artigo XI. Toda pessoa tem direito a que sua saúde seja resguardada por
medidas sanitárias e sociais relativas à alimentação, roupas, habitação e
cuidados médicos correspondentes ao nível permitido pelos recursos
públicos e os da coletividade.

A questão do domicílio e residência foi também tratada na Declaração


Americana, conforme se verifica nos seguintes preceitos:

Artigo VIII. Toda pessoa tem direito de fixar sua residência no território do
Estado de que é nacional, de transitar por ele livremente e de não
abandoná-lo senão por sua própria vontade.
330
Artigo IX. Toda pessoa tem direito à inviolabilidade do seu domicílio.

No que diz respeito ao direito interno, apesar da importância da


moradia, como direito fundamental social, somente veio a adquirir sua
fundamentalidade formal expressa com a Emenda constitucional nº 26, de 2000,
que, dando nova redação ao artigo 6º, inseriu o referido direito no preceito
fundamental do artigo 6º da nossa Carta.

Registre-se, por oportuno, que, antes da aludida Emenda


constitucional, outros dispositivos constitucionais já tratavam do tema moradia, como
se verifica, v.g., no disposto no artigo 7º, IV, que insere o salário mínimo, como um
direitos dos trabalhadores, capaz de atender suas necessidades básicas e de sua
família, dentre elas, a moradia. Também constitui exemplo o artigo 23, IX que
dispõe sobre a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios
na concreção de programas ―de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico‖. O usucapião especial previsto nos artigos
183 e 191 da nossa Carta pressupõe o exercício da moradia sobre o imóvel a ser
usucapido, como um dos requisitos essenciais do instituto.

Anota Ingo Wolfgang Sarlet, que tais preceitos ―apontam para a


previsão ao menos implícita, de um direito fundamental à moradia já antes da
recente consagração via emenda constitucional‖.331

330
Disponível em http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm.
Acesso em: 21/01/2014.
331
Op.cit., p.692.
132

Pode-se afirmar, contudo, que o referido direito fundamental social já


se encontrava incorporado ao ordenamento interno brasileiro, em face da ratificação
pelo Brasil dos principais tratados internacionais sobre direitos humanos,
notadamente o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de
1966 e da disposição normativa contida no artigo 5º, § 2º da Constituição Federal. 332

Mas, ainda que nenhum documento internacional, ou, mesmo, preceito


constitucional contemplasse o direito à moradia, como direito fundamental, tal
característica emerge da própria essência da moradia, já que tal direito ―integra o
333
direito à subsistência, que é expressão mínima do direito à vida‖,

Nesta linha de raciocínio, Sérgio Sérvulo da Cunha assim conceitua


direito à moradia:

O direito à moradia consiste na posse exclusiva, e com duração razoável,


de um espaço onde se tenha proteção contra a intempérie, e, com
resguardo da intimidade, as condições para a prática dos atos elementares
da vida: alimentação, repouso, higiene, reprodução, comunhão. Trata-se de
334
direito erga-omnes

Não há como se dissociar, portanto, o direito à moradia do princípio da


dignidade da pessoa humana, de forma que já bastaria a fundamentação em tal
princípio para exigir do Estado prestações positivas, tendo em vista assegurar, no
mínimo, um alojamento decente para o indivíduo desabrigado.335

Aliás, o direito à moradia encontra-se albergado pela garantia do


mínimo existencial, que deve ser compreendido, em sua dimensão positiva, como

332
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op.cit., p.692/693. No mesmo sentido, ensina Flávio Pansieri,
que: ―Ainda sobre o reconhecimento, ao menos do ponto de vista material do Direito à Moradia, deve-
se frisar que o Brasil é signatário desde 1966 do Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos
e Culturais; e assim, pelo disposto no próprio art. 5º, § 2º da CF/88, esse direito ao menos na
perspectiva material, deveria ser considerado desde 1988 como norma de Direito Fundamental.‖
(Eficácia e vinculação dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2012, p.46.
333
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Direito à moradia. Revista de Informação Legislativa. Brasília:
Senado Federal, v.32, n.127, p.49-54, jul./set.1995.
334
Idem, p.50.
335
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia na Constituição. In:
PIOVESAN, Flávia: GARCIA, Maria (Orgs.). Doutrinas essenciais: direitos humanos. São Paulo:
RT, 2011, v.III, p.692. Perfilhando o mesmo raciocínio ensina Elza Maria Alves Canuto que: ―A
inclusão desse direito pela EC 26/2000 evidenciou a proteção implícita do artigo 1º da Carta Magna,
que estabelece, como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa
humana, pressupondo, necessariamente, a moradia, tornando-a um direito essencial e robustecido
com a sua expressa menção no artigo 6º da CF/88‖ (Op.cit., p.170).
133

―todo o conjunto de prestações materiais indispensáveis para assegurar a cada


pessoa uma vida condigna (portanto saudável) [...].‖336

Merece registro, por oportuna, a lição de que é de relevância observar


que a garantia do mínimo existencial não depende da positivação no texto
constitucional para o seu reconhecimento, vez que decorre da própria proteção da
vida e da dignidade da pessoa humana. Embora a Constituição da República não
consagrou expressamente um direito geral à garantia do mínimo existencial, os
próprios direitos sociais específicos ―[...] acabaram por abarcar algumas das
dimensões do mínimo existencial, muito embora não possam e não devam ser (os
direitos sociais) reduzidos pura e simplesmente, a concretizações e garantias do
mínimo existencial‖.337

Não se pode confundir o mínimo existencial com o mínimo vital ou o


mínimo de sobrevivência, já que não pode o Estado contentar-se com a mera
garantia da vida humana, já que se deve garantir, também, uma certa qualidade de
vida. Leciona, nesse sentido, Karine da Silva Cordeiro :

Há de se garantir, em suma, um standard de vida que corresponda às


exigências do princípio da dignidade da pessoa humana. Atingido esse
padrão, certamente estarão atendidas as condições materiais necessárias
para que os indivíduos entendam e sejam capazes de exercer plenamente
os direitos e liberdades fundamentais[...]pode-se dizer que levar uma vida
digna significa ter esse conjunto de capacidades básicas. Como
decorrência, o mínimo existencial deve contemplar os meios que assegurem
aos indivíduos, no contexto da sociedade em que vivem, essas
capacidades, ou seja, que lhes propiciem realizar, caso assim o desejem, as
funcionalidades correspondentes. 338

Esta característica do direito à moradia permite a sua classificação


como direito subjetivo fundamental, acarretando o exercício do direito prestacional
em sentido estrito, de forma a figurar no polo passivo o Estado, como maior ente
assegurador de tal direito, sem desconsiderar, evidentemente, a dimensão negativa
do aludido direito, em que também entes particulares são chamados à
corresponsabilidade.

336
SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais, o direito a uma vida digna
(mínimo existencial) e o direito privado: apontamentos sobre possível eficácia dos direitos sociais
entre particulares. In: ALMEIDA FILHO, Agassiz; MELGARÉ, Plínio (Orgs.). Dignidade da pessoa
humana\; fundamentos e critérios interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p.394.
337
SARLET, Ingo Wolfgang. Idem, ibidem.
338
CORDEIRO, Karine da Silva. Direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012, p.120 e 125.
134

Não se pode desconsiderar, a lição de Flávio Pansieri para quem:

No que toca especificamente ao Direito à Moradia, este se constitui em


Direito Subjetivo Fundamental, em diversas situações, quando, por
exemplo, pode ser contraposto a qualquer ato administrativo ou normativo
que atente contra o referido direito; quando pode ser arguido na modalidade
de direito prestacional em sentido estrito para a tutela do direito das
crianças, idosos e deficientes para garantia de um mínimo essencial deste
direito, que, por sua vez, retrata o núcleo de nosso sistema, que é a
dignidade humana.339

Desta relação jurídica, portanto, advinda do referido direito subjetivo


fundamental, há a notória responsabilidade geral do Estado de propiciar
genericamente o exercício da moradia, através ―de confisco – art.243 da
Constituição; distribuição de terras públicas; desapropriação, assentamentos;
financiamentos, políticas e programas habitacionais, etc‖.340 Também aquele que
necessita de moradia esta legitimado a agir no polo ativo buscando do Estado, pelo
menos um abrigo decente, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

Não se pode desconsiderar a lição de que:

[...] sem um lugar adequado para proteger-se a si próprio e a sua família


contra as intempéries, sem um local para gozar de sua intimidade e
privacidade, enfim, de um espaço essencial para viver com um mínimo de
saúde e bem estar, certamente a pessoa não terá assegurada a sua
dignidade, aliás, por vezes não terá sequer assegurado o direito à própria
existência física, e, portanto, o seu direito à vida‖.341

O direito à moradia, no entanto, reveste-se não só da característica de


direito prestacional, mas também uma feição defensiva. Ensina-se, aliás, que ―como
direito de defesa (negativo) a moradia encontra-se protegida contra a violação por
parte do Estado e dos particulares, no sentido de um direito da pessoa a não ser
privada de uma morada digna[...]‖342

339
Op.cit., p.70.
340
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Op.cit., p. 52. Acrescenta o autor que: ―Se não há terrenos
públicos suficientes ou em condições que satisfaçam o direito à moradia, deve o Estado busca-los em
mãos de particulares, atendidos os direitos e garantias integrantes do estatuto da propriedade‖ (p.52).
341
SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia na Constituição. In: PIOVESAN,
Flávia; GARCIA, Maria (Orgs.). Doutrinas essenciais: direitos humanos. São Paulo: RT, 2011, v.III,
p.696.
342
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11.ed.. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012, p.335. É oportuno, ainda, o registro da seguinte lição do autor‖: ―Os
direitos fundamentais sociais de cunho prestacional, encontram-se, por sua vez, a serviço da
igualdade e da liberdade material, objetivando, em última análise, a proteção da pessoa contra as
necessidades de ordem material e a garantia de uma existência com dignidade‖ (O direito
135

Frise-se, ainda, que o direito à moradia embora possa ser exercido


individualmente, inclusive, com a tutela judicial, reveste-se de natureza
transindividual não só pela sua dimensão social, mas também pela imposição
constitucional da função social da propriedade e da própria cidade, conforme se
verifica no disposto nos artigos 170, III 182, 183, 184 e 186 da Constituição da
República. Verifica-se, assim, que o aludido direito transcende o mero direito
individual para agregar-se a todos os cidadãos coletivamente considerados.

Como bem ensina Elza Maria Alves Canuto:

Classificar o direito à moradia, como difuso343, decorre da sua qualificação


em direito social, prevista no artigo 6º da CF/1988. Os direitos
transindividuais têm, naturalmente dimensão social e configuram novas
categorias políticas e jurídicas e, a par de tratar-se de uma situação aflitiva
para o povo brasileiro, o fato de não estarem efetivados não os diminui.
Devem ser encontrados meios para que esses direitos sejam efetivados e
consolidado o Estado Social, preconizado pela CF/1988...É com esse
espírito interpretativo que se analisam o direito à moradia, como difuso, e a
sua proteção e defesa por todos, e cada um, como critério para, na
dogmática jurídica, realizar o direito social a uma sadia e digna qualidade de
vida, fundamento dos direitos individuais em sua característica
transindividual.344

A despeito, contudo, da fundamentalidade formal e material do direito à


moradia, não se pode olvidar que milhares de brasileiros e estrangeiros aqui
residentes estão excluídos de uma moradia digna.

Tal vilipêndio ao referido direito constitucional decorre evidentemente


da preocupante taxa de urbanização desordenada no Brasil que, em 2011, já havia
atingido o patamar médio de 85% atingindo o Rio de Janeiro a taxa de 97,4% e São
Paulo o percentual de 96,8%. Acrescente-se que:

A Região Sudeste concentra 42,0% da população brasileira em seu


território, com 82,1 milhões de habitantes. São Paulo (21,6%) e Minas
Gerais (10,2%) são as Unidades da Federação com as maiores proporções

fundamental à moradia na Constituição. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria (Orgs.). Doutrinas
essenciais: direitos humanos. São Paulo: RT, 2011, v.III, p.694.
343
Ensina Rodolfo Camargo Mancuso que, embora na acepção vernacular as expressões
coletivo e difuso, pela ambiguidade dos termos, possam aparentemente ser confundidas como
sinônimas, perfilha aquele autor, na concepção da melhor doutrina, tese contrária, no sentido de que
é ―difuso o interesse que abrange número indeterminado de pessoas unidades pelo mesmo fato,
enquanto interesses coletivos seriam aqueles pertencentes a grupos ou categorias de pessoas
determináveis, possuindo uma só base jurídica que se nos afigura conveniente e útil a tentativa de
distinção entre esses dois interesses‖ (Interesses difusos, 6.ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: RT,
2004, p.85/86). .
344
Op.cit., p.179/180.
136

de população residente. A concentração da população nas regiões


metropolitanas também se dá de forma bem diferenciada: enquanto a
Região Metropolitana do Rio de Janeiro detém 73,7% da população do
estado, as Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte e Salvador totalizam
cerca de ¼ da população de seus re4spectivos estados.345

Observa-se que no decorrer da linha temporal humana brasileira


ocorreu um processo acentuado de ―mutação das pessoas do campo para os
centros citadinos, provocando significativa concentração humana, frequentemente
em descompasso com as condições ali oferecidas‖.346

Em decorrência de tal fato nasceu a ―urbanização como o fenômeno


social que denuncia o aumento da concentração urbana em proporção superior à
que se processa no campo‖.347

Acrescente-se que para defrontar-se com os problemas advindos da


urbanização aflorou a urbanificação que consiste na ―aplicação dos princípios e
normas urbanísticas que visam eliminar os efeitos danosos da urbanização e
proporcionar melhores condições para a ocupação dos espaços habitáveis pela
coletividade‖.348

Ensina-se que a efetivação do bem-estar de todos no território urbano


pressupõe o combate exitoso das desigualdades sociais nos aludidos espaços
urbanos, além de política pública e ambiental, através de políticas inclusivas
irradiada pelo princípio da igualdade, a fim de que o acesso à moradia digna seja
oportunizada a todos.

345
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores
sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2012,
p.24.
346
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. 3.ed., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.07. Anota, ainda, o autor que: ―Atualmente é contínuo
esse processo de mutação, e cada vez mais intenso, não se podendo deixar de reconhecer que as
cidades se tornam mais atraentes quanto maior for o processo de urbanização. Com ele fica à mostra
o desenvolvimento social, econômico e político das cidades, geradores, como regra, da satisfação
dos interesses gerais, satisfação da qual costumam estar distantes as áreas rurais‖. (p.08).
347
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Idem, ibidem. Acrescenta que: ―não se trata, na
verdade, de constatar a concentração humana nos centros populacionais como um fator estático:
aqui o fenômeno é efeito, e não causa. Cuida-se, isto sim, de verificar o processo de mutação social,
perpetrado pela fuga das áreas rurais para os centros urbanos, e as causas que provocam essa
transformação. Em tempos mais remotos, o campo chegou a ter imensa relevância no contexto das
sociedades. Modernamente, contudo, as populações, movidas inicialmente pelo desenvolvimento da
industrialização e depois por inúmeras outras causas, passaram a buscar os espaços habitáveis das
cidades‖. (p.07/08).
348
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Idem, p.08. Anota o autor que sem a urbanificação
―as concentrações humanas ficarão sempre à mercê das consequências gravosas oriundas da
desorganização e da ocupação caótica das áreas citadinas‖ (p.08).
137

Assim visando disciplinar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal


que dispõe sobre a política urbana, foi editada a Lei nº 10.257/01 (Estatuto da
Cidade). A aludida lei já estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana no seu
artigo 2º estabelecendo que a ―política urbana tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana[...]‖.É
importante ressaltar que o direito à moradia foi insculpido no inciso I do aludido
artigo.

A lei enfocada, reconhecendo a fundamentalidade do direito à moradia,


oportuniza ao gestor público trazer à corresponsabilidade social o proprietário de
imóvel urbano, quanto à obrigação de parcelamento, edificação e utilização de solo
urbano, permitindo a desapropriação de imóvel com pagamento de títulos, pelo não
cumprimento do fim social da propriedade, bem como o próprio usucapião especial
de imóvel urbano, conforme expressa disposições normativas contidas nos artigos 8º
e 9º da lei citada. O usucapião especial é um exemplo claro da eficácia horizontal do
direito fundamental social mencionado.

Trata-se, assim, de um grande instrumento normativo para que o


gestor público possa propiciar moradia digna aos cidadãos. Tamanha é a
importância do direito à moradia que vem ele a cada dia recebendo maior atenção
do Direito Internacional, por se tratar na realidade de um direito composto.

Não pode ser olvidado, evidentemente, que as nossas cidades não


estão adaptadas para a devida recepção aos idosos. Frise-se que:

Os que envelhecem têm direito à cidade que ajudaram a construir. As


cidades são acolhedoras? Permitem a acessibilidade física e social aos
idosos? Os meios de transporte garantem essa acessibilidade? As cidades
são pensadas para os velhos? Existem praças como lugar possível de lazer
e descanso? Os velhos fazem parte da paisagem urbana? Entende-se a
acessibilidade como uma cadeia formada por distintos elos: urbanístico,
arquitetônico, de transporte e de comunicação, os quais devem funcionar
absolutamente entrelaçados. A cidade, do jeito que está não atende às
necessidades dos velhos. É pouco receptiva aos mais idosos. Temos que
pensar nela a partir da velhice vivida, o que significa estudar os próprios
velhos e adaptar a cidade às suas necessidades. Com a idade, os
elementos responsáveis pela necessária interação homem/ambiente
começam a se deteriorar: mobilidade reduzida, menor capacidade visual e
auditiva, lentidão, sensível diminuição na coordenação e na capacidade de
simultaneidade de reações, maior dificuldade de interpretação de cenários
complexos ou com excesso de informação. 349

349
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Op.cit., p.25.
138

De fato, o vilipêndio ao aludido direito acarreta, por consequência, a


vulneração de outros direitos fundamentais. Ensina-se, nesse sentido, que a
violação ao direito à moradia ameaça o próprio trabalho, cujo acesso fica difícil
assegurar ou mesmo manter. Também a ausência de moradia coloca em perigo a
integridade física e mental do cidadão, vez que vive ele sob pressão frequente de
um aluguel que não pode arcar. ―Dificulta o direito à educação, à saúde e ao livre
desenvolvimento da personalidade, impraticáveis em moradias abarrotadas,
carentes das condições mínimas de habitabilidade‖. 350

Com especificidade à pessoa idosa, o Estatuto do Idoso não se


olvidou da importância da moradia digna preconizando no artigo 37 que:

Art.37. O idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou


substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar,
ou, ainda, em instituição pública ou privada.

Conforme já explicitado, o número de idosos no Brasil que optaram por


viver só vem aumentando gradativamente a cada ano e já há programas
habitacionais típicos para idosos que vivem em tal situação familiar.

O Programa Vila Dignidade instituído pelo Governo do Estado de São


Paulo, Decreto nº 54.285/2009, pode ser citado como exemplo de projeto para
atender tais idosos e consiste na edificação de moradias assistidas em pequenas
vilas direcionadas à referida população,‖ incorporando os preceitos do desenho
universal, e com áreas de convivência social, garantindo acompanhamento social
permanente ao público beneficiado, integrado à rede de serviços do Município‖.351.

O Município de São Paulo também vem investindo em projetos para


atender exclusivamente ao público idoso independente, como a Casa dos Idosos na
Vila Mariana, a Casa dos Idosos na Santa Cecília, a Casa Simeão no Brás, o sítio
das Alamedas na Moóca e a Vila dos Idosos no Pari.

350
PISARELLO, Gerardo; DESC(Observatório). Vivienda para todos: um derecho en (de)
construcción. Barcelona: Icaria editorial, 2003, p.25. Anota o autor que ―[...]de acordo com o Centro
das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (CNUAH), uns 100 milhões de mulheres e
homens em todo o mundo são, literalmente, pessoas sem teto. Algo mais de 30 milhões, por sua vez,
são crianças de rua que se vêm forçadas a dormir ao ar livre e a assumir como moradia formas
miseráveis de abrigo: cortiços, ônibus velhos, calçadas, plataformas de estação, ruas e taludes de
rodovias, porões, escadas, telhados...refugios de alumínio e lata‖ (p.31).
351
Programa Vila Dignidade. Disponível em:
<http://www.cdhu.sp.gov.br/programas_habitacionais/provisao_de_moradias/vila-dignidade.asp.>
Acesso em 24/01/2014.
139

Outras iniciativas, como o programa Vila dos Idosos, realizado pela


COHAB, na cidade de São Paulo, consistente na construção de 145 habitações
exclusivamente para idosos, surgiu, como já explicitado, em face da demanda
crescente de idosos que desejam viver só ou por não terem família ou por preferirem
viver longe dela, em face da impossibilidade de convívio mútuo com os familiares.

Merece registro, ainda, o fato de que algumas construtoras brasileiras


estão edificando residências, sob a forma de condomínios exclusivos para idosos da
classe média e alta, que não mais queiram morar com os filhos para manter a
independência e privacidade, ou mesmo para aqueles não possam morar com eles,
por múltiplos fatores. Tais condomínios, além de preservar quanto possível a
independência do idoso, lhe propicia uma moradia confortável, sem a
responsabilidade, por exemplo, de manter uma empregada doméstica, recebendo,
ainda, assistência médica-odontológica e inúmeras opões de lazer de
entretenimento.352

Assinale-se, contudo, que são poucos os territórios no Brasil que


contam com programas similares destinados a atender o idoso que deseja morar
sozinho, ou pelo menos, ter um quarto apenas para ele, para que possa também ter
direito à privacidade

O Brasil deveria se inspirar na Dinamarca que criou uma nova política


de habitação e serviços para a população idosa, fundamentada no princípio do
respeito ao direito do idoso de viver com independência.

Ensinam Andréa Holz Pfutzenreuter e Ricardo de Souza Moretti, ao


discorrerem sobre esta nova política na Dinamarca, que:

A comissão ‗Eldrekommissionen‘ trabalhou, entre 1979 a 1981, para


estabelecer sua política de atuação, na qual até mesmo o idoso mais frágil,

352
Cf. Condomínio para a terceira idade. Revista Veja, seção guia. São Paulo: Editora Abril,
ano 47, n.10, p.82, 05.03.2014. Acrescenta a matéria que: ―a maioria das residências segue o padrão
de um pequeno flat: espaço privativo inclui apenas quarto, banheiro, e, às vezes, uma sala de estar.
A ênfase recai sobre os serviços e as áreas comuns. Os bons condomínios oferecem uma grande
gama de atividades aos residentes, desde fisioterapia e hidroginástica até salão de jogos e aulas de
memória, artesanato e música. Nos mais luxuosos, costuma haver ainda academia, salão de beleza,
sala de cinema e biblioteca. A ideia é que o residente crie a rotina que mais lhe agrade: se é caseiro
no temperamento, encontrará tudo aquilo que quer ou de que necessita ao seu redor; se é ‗saideiro‘ e
está com boa saúde, por ir e vir quanto quiser, mas terá sempre o amparo de uma infraestrutura
completa. É possível inclusive procurar uma situação semelhante à qual se estava habituado; embora
os edifícios sejam mais comuns, há também residências com jardim para o pessoal que sempre
gostou de morar em casa e acha que não vai se adaptar a um apartamento.‖ (p.82/83).
140

que vive em uma casa imprópria às suas necessidades, deve mudar-se


para uma que atenda as suas deficiências. A palavra chave é ‗flexibilidade‘
das casas e dos serviços, sendo que as instituições deveriam dar lugar a
habitações adequadas...Assim, foram criados muitos serviços de
atendimento aos idosos, principalmente aos mais frágeis: ajuda domiciliar,
enfermagem distrital 24 horas, serviços de refeição, de sistema de alarme,
de ajuda com o jardim, a retirada de neve, centros diurnos de atendimento,
entre outros. ...é essencial apreender com as experiências internacionais,
com suas regulamentações e implementações distintas e dividir o
conhecimento.353

O próprio artigo 38 do Estatuto do Idoso impõe que, nos programas


habitacionais públicos o subsidiados com recursos do tesouro, haja uma reserva de
pelo menos 3% das unidades habitacionais para os idosos, sendo oportuno observar
que as unidades reservadas aos idosos devem estar, preferencialmente, no
pavimento térreo.

Há iniciativas interessantes, em alguns territórios, como o de Bauru,


que concedeu isenção tributária aos idosos carentes, detentores de um único
imóvel, quanto ao pagamento do imposto predial e territorial urbano, conforme Lei
Municipal nº 4.271/97.

Para os idosos que não têm família ou não há condições de convívio


com os familiares, a Secretaria de Estado de Assistência Social, vinculada ao
Ministério da Previdência e Assistência Social, ao regulamentar a Polícia Nacional
do Idoso, fez a previsão da denominada República de Idosos, que é definida pelo
documento Normas de Funcionamento de Serviços de Atenção ao Idoso no
Brasil, como:

[...]alternativa de residência para os idosos independentes, organizada em


grupos, conforme o número de usuários, e co-financiada com recursos da
aposentadoria, benefício de prestação continuada, renda mensal vitalícia e
outras. Em alguns casos a República pode ser viabilizada em sistema de
354
auto-gestão.

O mesmo documento prevê a residência do tipo Casa-lar, destinada a


idosos de renda insuficiente para a subsistência e que estão afastados da família ou
não têm condições de conviver com os familiares.

353
Políticas públicas para a habitação do idoso. Análise de algumas iniciativas do
município de São Paulo. Revista A Terceira Idade. São Paulo: SESC, v.18, nº 39, p.7-22, jun./2007.
354
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. Normas de Funcionamento de
Serviços de Atenção ao Idoso no Brasil. Item 4.1. Disponível em
http://www.sbgg.org.br/profissionais/arquivo/politicas_publicas/8.pdf. Acesso em 25/01/2014.
141

O aludido programa é definido pelo documento enfocado como:

Residência em casa lar é uma alternativa de atendimento que proporciona


uma melhor convivência do idoso com a comunidade, contribuindo para sua
maior participação, interação e autonomia. É uma residência participativa
destinado a idosos que estão sós ou afastados do convívio familiar e com
renda insuficiente para sua sobrevivência. Trata-se de uma modalidade de
atendimento, que vem romper com as práticas tutelares e assistencialistas,
visando o fortalecimento da participação, organização e autonomia dos
idosos, utilizando sempre que possível a rede de serviços local.355

A família substituta a que se refere o artigo 37 do Estatuto do Idoso


recebe a denominação de família acolhedora na regulamentação citada, tendo como
objetivo atender os idosos em situação de abandono, sem família ou
impossibilitados de conviver com seus familiares. O referido programa é definido
pelo mencionado documento como:

É um Programa que oferece condições para que o idoso sem família ou


impossibilitado de conviver com a mesma, receba abrigo, atenção e
cuidados de uma família cadastrada e capacitada para oferecer este
atendimento. As famílias deverão ser cadastradas e capacitadas para
oferecer abrigo às pessoas idosas em situação de abandono, sem família
ou impossibilitada de conviver com as mesmas. Esse atendimento será
continuamente supervisionado pelos órgãos gestores.356

Verifica-se, contudo, que o legislador cataloga a família natural como o


primeiro direito de convivência do idoso. É no seio familiar que o idoso mantem a
sua autoestima elevada sendo natural a convivência fraterna entre os seus membros
devendo o idoso receber todo o amparo da família na defesa de sua dignidade e
bem-estar, garantindo-lhe o direito à vida e sua participação ativa na comunidade,
conforme preconiza o artigo 230 da Constituição Federal.

João Paulo II, em inspirada carta dirigida aos anciãos, datada de 1º de


outubro de 1999, adverte que:

O lugar mais natural para viver a condição de ancianidade continua a ser


aquele ambiente onde ele é ―de casa‖, entre parentes, conhecidos e
amigos, e onde pode prestar ainda algum serviço. Na medida que, com o
aumento da vida média, cresce a faixa dos anciãos, será sempre mais
urgente promover esta cultura de uma ancianidade acolhida e valorizada,
não marginalizada. O ideal é que o ancião fique na família, com a garantia
de ajudas sociais eficazes, relativamente às necessidades crescentes que

355
Vide item 7.1 do aludido documento.
356
Vide item 3.1. do documento supra.
142

supõem a idade ou a doença. Existem, porém, situações em que as


próprias circunstâncias aconselham ou exigem o ingresso em ―Lares de
terceira idade‖ a fim de que o ancião possa gozar da companhia de outras
pessoas e usufruir de uma assistência especializada.357

Também constitui dever constitucional dos filhos maiores ―de ajudar e


amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade‖, nos termos do artigo 229 da
nossa Carta.

Leciona-se, no que tange à responsabilidade dos filhos de cuidarem


dos pais idosos, que:

Essa assistência deveria ser feita pelos filhos. Essa troca de


responsabilidades é muito interessante. Os filhos, que um dia foram
assistidos pelos pais, agora teriam que retribuir essa consideração. Com
isso, a Constituição entra no âmbito familiar, delega atribuições para os
filhos, responsabilizando-os pelo trato aos pais que chegarem à velhice...O
assistir refere-se à assistência, no sentido mais amplo da palavra, que diz
respeito à moradia, alimentação e saúde...a pessoa idosa deve ser tratada
como um problema social, porém o locus desse problema se encontra na
famílias, que tem o dever de ampará-la.358

Não se pode olvidar, no entanto, que a sociedade do século XXI é


marcada por graves problemas sociais e econômicos o que força os membros da
família urbana a trabalharem fora do lar, inclusive, as mulheres, rompendo, assim,
com a clássica proteção do idoso, em que a esposa ou uma filha ficava retida em
casa cuidando do idoso ou de algum membro acamado.

Pensando justamente nos problemas sociais e econômicos que afligem


a família moderna e o acentuado envelhecimento da população, que a Política
Nacional do Idoso prevê o amparo da pessoa idosa diretamente na família natural
consistindo o aludido programa no ―atendimento prestado ao idoso independente,
pela sua própria família, com vistas a manutenção da autonomia, permanência no
próprio domicílio preservando o vínculo familiar e de vizinhança.‖359 Trata-se de um

357
Carta aos anciãos. Disponível em:
http://www.pastoraldapessoaidosa.org.br/images/stories/pdf/carta_aos_anciaos_joaopauloii.pdf.
Acesso em: 04/03/2014.
358
MORAES, Cristina de Cássia Pereira; SOUZA, Rindo Bento de. Os caminhos da
cidadania: a legislação brasileira referente à pessoa idosa. Revista de Informação Legislativa.
Brasília: Senado Federal, v.46, n.184, p.227-244, out./dez. – 2009.
359
Vide item 2.1 do documento supra. O referido programa, conforme expressamente previsto no
mencionado item tem por objetivos: Oferecer uma suplementação financeira a família que não tem
condições de prover as necessidades básicas do idoso. · Manter a autonomia do idoso para que
possa permanecer vivendo em sua residência por maior tempo possível. · Fortalecer os vínculos
familiares e sociais · Estimular hábitos saudáveis com respeito a higiene, a alimentação, prevenir
143

auxílio financeiro prestado diretamente à família que não tem condições financeiras
de manter nem mesmo as necessidades básicas do idoso. Este auxílio é utilizado
comumente para custear o pagamento de salário de um cuidador para o idoso.

Em alguns territórios, em face da enorme demanda, já há cursos de


capacitação para cuidadores de idosos ministrados pelo gestor público ou por
Organizações Não Governamentais que atuam na defesa dos direitos dos idosos.

Estudo desenvolvido pela Universidade de São Paulo comprovou que


cresce, a cada ano, o número de cuidadores de idosos que também se encontram
na faixa etária de 60 anos, que, por sua vez, necessitam da atenção do gestor
público.

De 362 casos analisados pela equipe da aludida universidade, 38%


dos cuidadores têm mais de 60 anos, sendo que 75% dos cuidadores ou são
mulheres ou filhos do idoso. Tal contingente de cuidadores de idosos suscita o
questionamento de muitos deles também estão doentes e necessitam também do
amparo do gestor público. É oportuno o registro da seguinte matéria jornalística
elaborada sobre a pesquisa desenvolvida pela USP:

A preocupação dos especialistas é que muitos cuidadores idosos também


precisam de atenção à saúde, mas estão desassistidos pelas famílias e pelo
poder público. No Congresso Brasileiro de Geriatria, que aconteceu na
semana passada em Belém (PA), os especialistas defenderam que o
governo crie com urgência alternativas de cuidados para idosos que moram
sozinhos ou apenas com o cônjuge também idoso. Cuidadores profissionais
pagos pelo Estado ou estímulo financeiro aos cuidadores familiares são
360
algumas delas.

A família natural é definida pelo documento citado como:

[...]um conjunto delimitado de relações sociais baseadas em elos de


sangue, adoção e aliança socialmente reconhecidos, reconhecimentos este
que tanto pode ser costumeiro como legal. Enquanto instituição, pode ser
entendida como um conjunto de normas e regras, historicamente
constituídas, que regem as relações de sangue, adoção, aliança, definindo
a filiação, os limites do parentesco e outros fatos presentes.361

quedas ou acidentes. · Prevenir situações de carência.


360
Idosos que cuidam de idosos. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 de maio de 2014,
Caderno C7 Saúde +ciência.
361
Vide item 2.1. do documento supra.
144

Como é de extrema relevância a permanência no idoso no seio familiar


para que não haja a ruptura dos laços familiares, devendo a sua internação asilar
ser utilizada como ―ultima ratio‖, a Política Nacional do Idoso, aqui enfocada, prevê,
ainda, o programa denominado assistência domiciliária ou atendimento domiciliário.

Consiste o referido programa no atendimento ―prestado à pessoa idosa


com algum nível de dependência, com vistas a promoção da autonomia,
permanência no próprio domicilio, reforço dos vínculos familiares e de
vizinhança.‖.362

O referido auxílio é salutar para o propósito da política nacional referida


em manter o idoso no seio familiar pelas inúmeras razões positivas já mencionadas.

Embora a família seja o local ideal para que o idoso tenha um


envelhecimento saudável não se pode ignorar que a realidade social e familiar do
século XXI, motivada pela baixa fecundidade, com a convivência de parceiros
divorciados de outros casamentos, com a convivência também de filhos oriundos de
casamentos diversos, traz muitas vezes uma quebra de afetividade que repercute
negativamente no dever ético de cuidado do idoso inserido na família. Tal efeito
deletério faz aflorar o sentimento de descarte do idoso, que é visto como um estorvo
pela família, o que fomenta os maus tratos e a sua natural internação numa
Instituição de Longa Permanência para Idosos, quer por iniciativa direta da família,
quer por iniciativa do próprio idoso que se vê praticamente expulso do lar.

Nesse sentido, leciona-se que a atenção aos idosos, em situação de


vulnerabilidade, já não é mais exclusividade da família e tem sido terceirizada a
organizações estranhas ao seio familiar , motivada pelas novas estruturas dos
arranjos familiares e pela ―inexistência de um sistema formal de suporte
incorporando a família e a comunidade, como ocorre em países desenvolvidos‖. 363

362
Vide item 8.1 do documento supra. O referido programa é caracterizado ― por ser um serviço de
atendimento público ou privado a domicílio às pessoas idosas através de um programa
individualizado, de caráter preventivo e reabilitador, no qual se articulam uma rede de serviços e
técnicas de intervenção profissional focada em atenção à saúde, pessoal, doméstica, de apoio
psicossocial e familiar, e interação com a comunidade. Pode ser de natureza permanente ou
provisório, diurno e/ou noturno, para atendimento de idosos dependentes ou semi-dependentes, com
ou sem recursos e mantendo ou não vínculo familiar.‖ (item 8.1. do documento supra)
363
CAMARANO, Ana Amélia. Instituições de longa permanência e outras modalidades de
arranjos domiciliares para idosos. In: NERI, Anita Liberalesco (Org.). Idosos no Brasil: vivências,
desafios e expectativas na terceira idade. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,/SESC,
2007, p.173.
145

A violência doméstica contra o idoso364 é uma realidade universal


tratando-se de gravíssima conduta, em face da fragilidade da vítima. Justamente
onde o idoso deveria receber amparo, segurança e amor fraternal, acaba por sofrer
toda sorte de violência, como abandono, privações de água e alimentos, ofensas
morais e físicas. Não são poucos os casos de apropriações de pensões de idosos
por parte do familiar curador seguidas das modalidades de violência já catalogadas.
Na realidade, a violência ―acontece como uma quebra de expectativa positiva da
pessoa idosa em relação àquelas que as cercam, sobretudo os filhos, cônjuges,
parentes, cuidadores, a comunidade e a sociedade em geral‖. 365

Nesse sentido, ensina Ernesto García Sanchez que: ―O mundo violento


em que nos movemos atualmente é bom caldo de cultura para que as partes mais
débeis da sociedade sejam as vítimas dos excessos de seus opressores.‖ 366

Não se pode desconsiderar, ainda, o fato de que a violência


intrafamiliar vitimando o idoso, a despeito dos inúmeros avanços legislativos e o
contínuo apoio dado pela imprensa, é pouco denunciada e, por isso, o seu registro
policial é ínfimo se comparado à realidade dos fatos.

Agregue-se que o cenário vem se modificando à medida em que o


Estado vai se aprimorando não só na apuração de tais condutas, mas também na
própria recepção das denúncias que, atualmente, poderão ser feitas pessoalmente
na Delegacia de Proteção à Pessoa Idosa, Defensoria Pública, Ministério Público,
CRAS367, CREAS368 e outras unidades públicas, quer por telefone ou mesmo pela
internet.

364
Sobre as formas de violência contra o idoso, vide no presente trabalho, o item 2.4 Do
direito à vida.
365
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Violência e maus-tratos contra a pessoa idosa. É
possível prevenir a superar. In: BORN, Tomiko (Org.). Manual do cuidador da pessoa idosa.
Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008, p.38. Cataloga a autora os vários tipos de
maus-tratos contra os idosos, com a classificação reconhecida pela Organização Mundial da Saúde,
a saber: ―abusos físicos, abusos psicológicos, abandonos, negligências, abusos financeiros e auto-
negligências, os quais já foram comentados no item 2.4 do presente trabalho.
366
El maltrato a los ancianos em el ámbito familiar. Albacete/Espanha: Altaban, 2007, p.20
e 21. Acrescenta o autor : ―Porém, o que resulta por si mesmo repugnante em sua versão genérica,
produz maior desassossego, todavia, quando se pensa na violência que pode se produzir no interior
desse recinto que é o lar, cuja natureza parece destinada a proporcionar serenidade, sossego,
harmonia e equilíbrio emocional a seus componentes... O maltrato de pessoas idosas deixou de ser
uma questão de interesse privado. As mudanças tanto sociais, como legislativas provocaram
alterações no estado de coisas tirando numa dimensão pública, o que era simplesmente um delito
para converter o assunto num problema social de relevância e urgente solução‖ (p.21)
367
Centro de Referência de Assistência Social.
368
Centro de Referência Especializado de Assistência Social.
146

Como se trata de um problema mundial, a ONU, desde 2006,


proclamou o dia 15 de junho, como o Dia Mundial de Conscientização da Violência
contra a Pessoa Idosa, o que vem contribuindo para a intensificação dos debates a
respeito da violência intrafamiliar vitimando os idosos.

Em face da possibilidade do idoso sofrer tais modalidades de violência


no seio familiar é que há a possibilidade de ser ele, por iniciativa própria ou do poder
público, inserido em família substituta, Casa-lar, República ou mesmo numa
Instituição de Longa Permanência para Idosos.

É imperioso observar que o Estatuto privilegia a autonomia do idoso,


de forma que, quando possível, será ele ouvido e orientado, sob a melhor forma de
acomodá-lo numa moradia digna, quando tornar-se inviável a sua permanência na
família natural.

A Instituição de Longa Permanência Para Idosos, embora seja a última


alternativa viável para a acomodação do idoso, em face da natural quebra da
autoestima, desempenha um papel importante nos territórios para albergar os idosos
desamparados.

Não é por outra razão que o artigo 37, § 1º do Estatuto do Idoso dispõe
que:

§ 1º A Assistência integral na modalidade de entidade de longa


permanência será prestada quando verificada inexistência de grupo familiar,
casa-lar, abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da
família.

As Normas de Funcionamento de Serviços de Atenção ao Idoso no


Brasil já mencionadas trata a modalidade de atendimento propiciada pela ILPI como
Atendimento Integral Institucional.

O referido documento define o referido programa como:

[...] aquele prestado em uma instituição asilar, prioritariamente aos idosos


sem famílias, em situação de vulnerabilidade, oferecendo-lhes serviços nas
áreas social, psicológica, médica, de fisioterapia, de terapia ocupacional, de
enfermagem, de odontologia e outras atividades especificas para este
369
segmento social.

369
Vide item 9.1 das referidas normas. Verifica-se no mesmo item que ―Tratam-se de estabelecimento
com denominações diversas, correspondentes aos locais físicos equipados para atender pessoas
com 60 anos e mais, sob regime de internato, mediante pagamento ou não, durante um período
147

Tais instituições são divididas em modalidades dependendo do nível de


dependência dos idosos por elas atendidos.

Assim, a modalidade I se destina a atender os idosos com


independência para as atividades da vida diária, ainda que necessitem de algum
equipamento de apoio, como bengala, andador, cadeira de rodas, etc.

A modalidade II, nos termos do item 9.2 do documento citado, é aquela


que atende idosos independentes e dependentes ―que necessitam de auxílio e de
cuidados especializados e que exijam controle e acompanhamento adequado de
profissionais de saúde‖.370

A modalidade III se destina a idosos ―dependentes que necessitam de


apoio total, no mínimo, em uma Atividade da Vida Diária (AVD). Necessita de uma
equipe interdisciplinar de saúde.‖371

Verifica-se pela disposição normativa do artigo 37, em exame, que a


instituição dedicada ao atendimento integral deverá colocar em local externo visível
a sua atividade de abrigamento, sob pena de interdição, sem desconsiderar o fato
de que devem cumprir as normas da ABNT e somente funcionar com os devidos
alvarás, especialmente os da vigilância sanitário e do corpo de bombeiros.

A identificação externa obrigatória ―se presta a garantir a lisura e a


decência da entidade. Evita-se, assim, que pessoas inescrupulosas desvirtuem a
nobre finalidade do atendimento e a substitua por interesses subalternos e
escusos‖.372

O mesmo artigo, em seu parágrafo terceiro, impõe que tais entidades


mantenham a instituição em condições de habitualidade, além de tratar os internos

indeterminado e que dispõe de um quadro de recursos humanos para atender às necessidades de


cuidados com assistência, saúde, alimentação higiene, repouso e lazer dos usuários e desenvolver
outras atividades que garantam qualidade de vida. São exemplos de denominações: abrigo, asilo, lar,
casa de repouso, clínica geriátrica ancianato. Estes estabelecimentos poderão ser classificados
segundo as modalidades, observando a especialização de atendimento‖
370
Vide item 9.2. do documento supra. Verifica-se que esta modalidade de instituição não
pode receber idosos portadores de deficiência física acentuada e doença mental incapacitante.
371
Vide item 9.3. do documento supra. Observa-se, no mesmo item que a aludida modalidade de ILPI
visa ―garantir aos idosos em estado de vulnerabilidade serviços de atenção biopsicossocial, em
regime integral, de acordo com as suas necessidades, priorizando sempre que possível, o vínculo
familiar e a integração comunitária‖
372
VILAS BOAS, Marco Antonio Estatuto do idoso comentado. 2.ed. Rio de Janeiro:
Gen/Forense, 2009, p.83.
148

com máxima dignidade, com alimentação regular e higiene adequada às normas


sanitárias, conforme já explicitado.

Embora tais projetos albergados pela Política Nacional do Idoso sejam


um avanço na tutela dos seus direitos fundamentais não se pode desconsiderar,
contudo, veementes críticas direcionadas à P.N.I., nesses vinte anos de existência já
que efetivamente não decolou ―e, por vezes, tornou-se ‗nômade‘, sediada em
diferentes ministérios, e ‗acéfala‘, por períodos sem coordenação técnica, o que
revela o desinteresse do Estado pela velhice‖. 373

2.8 Do transporte público

A Constituição Federal estabeleceu no seu artigo 230, § 2º importante


benefício ao idoso, no âmbito do transporte público, garantindo às pessoas idosas,
maiores de 65 anos de idade, a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

O Estatuto do Idoso especificou em que consistiu a dimensão da


gratuidade no transporte enfocado, preceituando que:

Art. 39. Aos maiores de sessenta e cinco anos fica assegurada a


gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semiurbanos,
exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados
paralelamente aos serviços regulares.

Preambularmente é inegável mencionar que na contemporaneidade, na


qual as relações multiformes se tornaram a tônica da sociedade, afloram, a cada dia,
com mais veemência, as necessidades coletivas, dentre as quais há aquelas de
importância vital para a própria edificação da vida social, como a questão do
transporte coletivo, denominadas necessidades coletivas essenciais.374

O transporte público coletivo é um serviço público de extrema


relevância para a coletividade, sem o qual seria impossível imaginar a mobilidade
urbana, bem como a movimentação de massas entre municípios contíguos, entre
município de diferentes Estados e até mesmo entre territórios transnacionais.

373
PAZ, Serafim Fortes. Política nacional do idoso: considerações e reflexões. Revista a
Terceira Idade, edição especial. São Paulo: SESC, v.24, n.58, p.23-35, nov.2013.
374
Cf. PRADO, Luiz Regis. Op.cit., p.60.
149

Pode-se definir serviço público louvando-se na lição de Odete


Medauar:

[...] diz respeito à atividade realizada no âmbito das atribuições da


Administração, inserida no Executivo. E refere-se a atividade prestacional,
em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como, por
exemplo, água, energia elétrica, transporte urbano.375

A Lei nº 12.587/2012 define o transporte público coletivo, como ―serviço


público de transporte de passageiros acessível a toda a população mediante
pagamento individualizado, com itinerários e preços fixados pelo poder público‖. 376

A mesma lei define transporte público coletivo intermunicipal de caráter


urbano como ―serviço de transporte público coletivo entre Municípios que tenham
contiguidade nos seus perímetros urbanos‖.377

Também define o transporte público coletivo interestadual de caráter


urbano, como ―serviço de transporte público coletivo entre Municípios de diferentes
Estados que mantenham contiguidade nos seus perímetros urbanos‖.378

O transporte coletivo internacional de caráter urbano é definido pela lei


enfocada como ―serviço de transporte coletivo entre Municípios localizados em
regiões de fronteira cujas cidades são definidas como cidades gêmeas‖.379

Merece registro os princípios norteadores da Política Nacional de


Mobilidade Urbana definidos no artigo 5º da mencionada lei, como:

o
Art. 5 A Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada nos
seguintes princípios: I - acessibilidade universal; II - desenvolvimento
sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais; III -

375
Direito Administrativo moderno. 13.ed., rev. e atual. São Paulo: R.T., 2009, p.323. Maria
Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, conceitua serviço público como ―toda atividade material que a lei
atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de
satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente
público‖. (Direito Administrativo, 23.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.102.Celso Antônio Bandeira de
Mello, de forma mais ampla, define serviço público como ―toda atividade de oferecimento de utilidade
ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente
pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou
por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de
prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos
como público no sistema normativo‖ (Curso de Direito Administrativo, 27.ed., rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2010, p.671.
376
Art.4º, inciso VI da lei supra.
377
Art.4º, inciso XI da lei supra.
378
Art. 4º, inciso XII da lei supra.
379
Art. 4º, inciso XIII da lei supra.
150

equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo; IV -


eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte
urbano; V - gestão democrática e controle social do planejamento e
avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; VI - segurança nos
deslocamentos das pessoas; VII - justa distribuição dos benefícios e ônus
decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços; VIII - equidade no uso
do espaço público de circulação, vias e logradouros; e IX - eficiência,
eficácia e efetividade na circulação urbana.

Anote-se que o Estatuto do Idoso disciplinou a gratuidade do transporte


coletivo interestadual no artigo 40 daquela lei, dispondo que:

Art. 40. No sistema de transporte coletivo interestadual observar-se-á, nos


termos da legislação específica: I – a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas
por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-
mínimos; II – desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor
das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com
renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos. Parágrafo único. Caberá
aos órgãos competentes definir os mecanismos e os critérios para o
exercício dos direitos previstos nos incisos I e II

Quanto ao transporte interestadual verifica-se que houve uma restrição


do benefício, no sentido de que somente haverá duas vagas gratuitas por veículo,
sendo que o idoso que não conseguir tal gratuidade em face do preenchimento
antecedente das vagas, terá direito a um abatimento da passagem, de no mínimo
50%, sendo que tanto na gratuidade como no abatimento do preço da passagem
deverá comprovar renda igual ou inferior a dois salários mínimos.

O benefício aludido pelo artigo 40 foi regulamento pelo Decreto nº


5.934, de 18 de outubro de 2006.

O referido decreto define, no artigo 2º, inciso II, o serviço de transporte


interestadual de passageiro como sendo aquele ― que transpõe o limite do Estado,
do Distrito Federal ou de Território‖.

Como o referido serviço de transporte se concretiza através de


deslocamento nas denominadas linhas, o próprio decreto se encarregou de defini-las
no artigo 2º, inciso III como ―serviço de transporte coletivo de passageiros
executado em uma ligação de dois pontos terminais, nela incluída os
seccionamentos e as alterações operacionais efetivadas, aberto ao público em geral,
de natureza regular e permanente, com itinerário definido no ato de sua delegação
ou outorga‖.
151

Acrescente-se que o benefício enfocado alcança todo o sistema de


transporte coletivo interestadual convencional, nos modais rodoviário, ferroviário e
aquaviário.380

Para que o idoso possa ingressar nos veículos citados é imprescindível


a apresentação do bilhete de viagem do idoso que é definido pelo artigo supra, no
seu inciso V como ―documento que comprove a concessão do transporte gratuito ao
idoso, fornecido pela empresa prestadora do serviço de transporte, para possibilitar
o ingresso do idoso no veículo‖.

O regulamento em exame impõe no artigo 3º, § 2º que o idoso deve


providenciar nos pontos de venda da transportadora a expedição de um único
Bilhete de Viagem do Idoso, com antecedência mínima de 03 horas antes do horário
de partida do ponto inicial da linha de transporte, lhe sendo facultado solicitar a
expedição de bilhete de viagem de retorno, desde que respeitados os procedimentos
da venda de passagem da empresa transportadora. As reservas de assentos
deverão ser mantidas até o horário definido pelo artigo em comento 381

No dia da viagem, o idoso deverá comparecer ao terminal do embarque


até trinta minutos antes da partida, sendo que na hipótese de idosos não terem
manifestado interesse na viagem até o horário determinado pelo decreto, a empresa
poderá colocar as poltronas à venda.

Tanto o Bilhete de Viagem do Idoso e o bilhete da passagem com


desconto para os excedentes das vagas de gratuidade não podem ser transferidos,
nos termos do artigo 3º, § 6º do aludido decreto.

O artigo 4º do mencionado regulamento disciplina o desconto no preço


da passagem para aqueles idosos que não conseguiram a gratuidade a que se
refere o artigo 40 do Estatuto do Idoso impondo que nas viagens com distância de
até 500 km, o idoso deve adquirir o seu bilhete no máximo, com seis horas de
antecedência. Nas viagens com quilometragens superiores a 500 km. O bilhete deve
ser adquirido no máximo, com doze horas de antecedência.
380
Para o referido decreto incluem-se na condição de serviço convencional, nos termos do
artigo 3º, § 1º: I- os serviços de transporte rodoviário interestadual convencional de passageiros,
prestado com veículo de características básicas, com ou sem sanitários, em linhas regulares; II - os
serviços de transporte ferroviário interestadual de passageiros, em linhas regulares; e III - os serviços
de transporte aquaviário interestadual, abertos ao público, realizados nos rios, lagos, lagoas e baías,
que operam linhas regulares, inclusive travessias
381
Cf. art.3º, §§ 2º e 3º do decreto supra.
152

A prova de idade, nos termos do artigo 6º, § 1º do citado regulamento,


poderá ser feita com a apresentação do original de qualquer documento de
identidade, com fé pública e que tenha foto.

A comprovação de renda do idoso, conforme dispõe o artigo 6º, § 2º do


referido decreto, poderá ser feita através da Carteira de Trabalho e Previdência
Social, devidamente atualizada; contracheque de pagamento ou documento
equivalente expedido pelo empregador; carnê de contribuição para o INSS; extrato
de pagamento de benefício ou declaração fornecida pelo INSS ou outro regime de
previdência social público ou privado e, ainda, documento ou carteira expedida pelas
Secretarias Estaduais ou Municipais de Assistência Social ou congêneres.

É interessante observar que o Estatuto não disciplinou a concessão do


benefício enfocado no transporte coletivo intermunicipal. A doutrina critica a
incongruência do Estatuto em estabelecer a gratuidade ao transporte interestadual e
omitir-se quanto ao transporte coletivo intermunicipal.

Ensina-se, com acerto, que ―com base no Estatuto, o idoso pobre pode
viajar gratuitamente de um Estado da Federação para outro, mas não de um
município para outro, dentro do próprio Estado‖.382

Importa acrescentar que no Estado de São Paulo, a Lei nº 15.187, de


29 de outubro de 2013 reduziu a idade para a concessão do aludido benefício,
autorizando o Poder Executivo a implementar a gratuidade às pessoas maiores de
sessenta anos, nos transportes públicos de passageiros operados pelo METRO,
Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e Empresa Metropolitana de
Transportes Urbanos (EMTU), conforme artigo 1º da aludida lei.

Também a Lei Estadual nº 15.179, de 23 de outubro de 2013 concedeu


às pessoas idosas maiores de sessenta anos, a gratuidade no serviço
intermunicipal de transporte coletivo de passageiros de característica rodoviária
convencional, até o limite de dois assentos por veículo, conforme se verifica no seu
artigo 1º, caput, . A citada lei foi regulamentada pelo Decreto nº 60.085, de 23 de
outubro de 2013. O referido decreto, seguindo a diretiva da lei estadual, considerou
o idoso a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos e ainda definiu o
serviço intermunicipal de transporte coletivo de passageiros de característica

382
VILAS BOAS, Marco Antônio. Op.cit., p.91.
153

rodoviária convencional, como o serviço regular de transporte coletivo ―que transpõe


o limite de cada município, circunscrito ao Estado de São Paulo, com origem e
destino em terminais rodoviários, oferecido em ônibus tipo rodoviário convencional,
com especificação própria e que não permite o transporte de passageiros em pé‖.

2.9 Do direito ao trabalho e aposentadoria

Além da sua fundamentalidade contida na Constituição Federal, nos


artigos 5º, XIII e 6º e pormenorizados nos artigo 7º ao 11, de onde se extrai o direito
ao trabalho e o direito do trabalho, o valor social do trabalho se reveste de um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil, expressamente contido no artigo 1º,
inciso IV na nossa Carta. Também a ordem social tem como base o primado do
trabalho, conforme expressamente dispõe o artigo 193, sendo que a ordem
econômica também se fundamenta na valorização do trabalho humano, nos termos
do artigo 170. A Constituição ainda impôs a necessidade de serem desenvolvidas
políticas públicas na área da educação direcionadas, dentre outras, à formação do
trabalho, conforme dispõe o artigo 214, inciso IV. Também o artigo 5º, § 2º e § 3º,
previu uma ―cláusula de abertura material do catálogo de direitos fundamentais,
dando margem, por exemplo, que as convenções da OIT e demais tratados sobre
direito do trabalho adquirissem dimensão própria na ordem constitucional
brasileira‖383

Ensina-se que o fato de a Constituição da República ter inserido as


normas do direito do trabalho no título dos direitos e garantias fundamentais e não
no capítulo da ordem econômica e social, constitui inegável conquista inerente à
cidadania social, já que o direito trabalhista não pode ser olvidado pelo capítulo das
garantias, sob pena de se fomentar a supressão da liberdade de trabalho e a própria
situação de exploração de mão-de-obra, até mesmo sob forma escravagista. No
entanto, não se pode olvidar que ―[...] os processos de flexibilização e de

383
VERONESE, Alexandre. ―Artigo 6º‖. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA,
Walber de Moura (Coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro, Forense,
2009, p.362/363.
154

desregulamentação dos direitos trabalhistas tendam a levar o direito do trabalho de


volta ao campo do econômico, ou seja, do mercado pura e simplesmente [...]‖. 384

No âmbito internacional merece destaque, por oportuno, o disposto no


artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que dispõe que:

Art. 23, § 1º Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de


emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o
desemprego.

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de


1966385 também albergou o aludido direito fundamental dispondo no seu artigo 6º
que:

Art.6º, § 1º. Os Estados Membros no presente Pacto reconhecem o direito


de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um
trabalho livremente escolhido ou aceito e tomarão medidas apropriadas
para salvaguardar esse direito.
§ 2º As medidas que cada Estado Membro no presente Pacto tomará, a fim
de assegurar o pleno exercício desse direito, deverão incluir a orientação e
a formação técnica e profissional, a elaboração de programas, normas
técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico, social
e cultura constante e o pleno emprego produtivo em condições que
salvaguardem aos indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas
fundamentais.

A Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, contida na


Resolução XXX, aprovada na IX Conferência Internacional Americana, realizada em
Bogotá, em abril de 1948, assinala, dentre outros preceitos importantes, que:

Art.14. Toda pessoa tem o direito ao trabalho em condições dignas e o


direito de seguir livremente sua vocação, na medida em que for permitido
pelas oportunidades de emprego existentes. Toda pessoa que trabalha
tem o direito de receber uma remuneração que, em relação à sua
capacidade de trabalho e habilidade, lhe garanta um nível de vida
conveniente para si mesma e para a sua família.

384
REIMANN,Marcos Francisco; KUYUMIJAN, Márcia de Melo Martins. Direito humano e
direito social: para onde vai o trabalho? Revista de Informação Legislativa: Brasília: Senado
Federal, v.38, n.50. abr./jun., p.145/155, 2001. Acrescentam que: ―[...]no que refere ao direito à vida,
temos fundamentos para considerar os direitos ao trabalho e do trabalho como inseridos dentro dos
direitos humanos. O direito à vida supõe o gozo desse direito com dignidade e em condições
decentes. Os direitos humanos, entretanto, não existem dissociados. Estão todos interligados: civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais. Na construção da cidadania, que, em nossa visão, é
essencial para o desenvolvimento, assim como deve ser uma decorrência natural dele, caminham
juntos, interligam-se, cominam-se, complementam-se‖ (op.cit., p.152).
385
Foi adotado pela Resolução nº 2.200 A, de 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo
Brasil, em 24 de janeiro de 1992 e promulgado em 06 de julho de 1992,a través do Decreto nº 591/92.
155

O Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos


em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, assinado em San Salvador,
El Salvador, em 17 de novembro de 1998, também não descuidou dos direitos
humanos inerentes às relações laborais, dispondo que:

Art. 6º, § 1º. Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que inclui a
oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por
meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida ou
aceita.
§ 2º Os Estados Membros comprometem-se a adotar medidas que
garantam plena efetividade do direito ao trabalho, especialmente as
referentes à consecução do pleno emprego, à orientação vocacional e ao
desenvolvimento de projetos de treinamento técnico-profissional,
particularmente aos destinados aos deficientes. Os Estados Membros
comprometem-se também a executar e a fortalecer programas que
coadjuvem um adequado atendimento da família, a fim de que a mulher
tenha real possibilidade de exercer o direito ao trabalho.
Art. 7º Condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho. Os Estados
Membros neste Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho, a que se
refere o anterior, pressupõe que toda pessoa goze do mesmo em condições
justas, equitativas e para o que esse Estados garantirão em suas
legislações[...]

Não se pode também desconsiderar importantes documentos da


Organização Internacional do Trabalho386, como a Convenção de nº. 111 realizada
em Genebra em 1958, sobre discriminação em matéria de emprego e profissão.387
Dispõe o artigo 1º da referida Convenção que:

Art. 1º. Para os fins desta Convenção, o termo ―discriminação‖


inclui:
a) toda distinção, exclusão ou preferência, feita com base em raça, cor,
sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que
tenha por

386
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi instituída pelo Tratado de Versalhes de
1919. A Declaração de Filadélfia de 1944, deu completude àquele documento finalizando, assim, toda
a estrutura da aludida organização. Frise-se que todos os Estados-membros das Nações Unidas são
considerados automaticamente também membros da OIT. O referido ente é composto de a
Conferência ou Assembleia Geral, que é o órgão de deliberação do referido órgão; o Conselho de
Administração que exerce a função executiva e de administração e a Repartição Internacional do
Trabalho, que é a secretaria do órgão enfocado. ―As Convenções da OIT possuem natureza de
tratados internacionais multilaterais, estabelecendo normas obrigatórias àqueles Estados que as
ratificarem...Após a aprovação da Convenção pela Conferência Internacional do Trabalho, o governo
do Estado-membro deve submetê-la ao órgão nacional competente no prazo máximo de 18 meses. A
ratificação da Convenção ocorre por meio de ato formal do chefe de Estado, dirigido ao Diretor-Geral
da Repartição Internacional do Trabalho‖ ( GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do
trabalho. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.132/133).
387
A referida Convenção entrou em vigor em 15 de julho de 1960 e foi ratificada pelo Brasil,
em 26 de novembro de 1965.
156

efeito anular ou impedir a igualdade de oportunidades ou de tratamento no


emprego ou na ocupação;
b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito
anular ou impedir a igualdade de oportunidades ou tratamento no emprego
ou na ocupação, conforme pode ser definido pelo Membro em questão,
após consultar organizações representativas de empregadores e de
trabalhadores, se as houver, e outros organismos convenientes.
Art.2º Todo Membro, onde vigore esta Convenção, compromete-se a
formular e aplicar uma política nacional para promover, por meios
adequados às condições e à prática nacionais, a igualdade de
oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e ocupação, visando
a eliminação de toda discriminação nesse sentido.

A Convenção de nº 122, relativa à política de emprego, de 1964


reveste-se também de importância por versar sobre a política ativa visando
promover o pleno emprego.388

Dispõe o artigo 1º da aludida Convenção que:

Art. 1º, § 1º. Com o objetivo de estimular o crescimento e o desenvolvimento


econômico, de elevar os níveis de vida, de atender às necessidades de
mão-de-obra e de resolver o problema do desemprego e do subemprego,
todo membro formulará e aplicará, como um objetivo essencial, uma política
ativa visando promover o pleno emprego, produtivo e livremente escolhido.
§ 2º Essa política deverá procurar garantir:
a)que haja trabalho para todas as pessoas disponíveis em busca de
trabalho;
b) que esse trabalho seja o mais produtivo possível;
c) que haja livre escolha de emprego e que cada trabalhador tenha todas as
possibilidades de adquirir as qualificações necessárias para ocupar um
emprego que convier e de utiliza, neste emprego, suas qualificações, assim
como seus dons, qualquer que seja sua raça, cor, sexo religião, opinião
política, ascendência nacional ou origem social.
§ 3º. Essa política deverá levar em conta o estado e o nível de
desenvolvimento econômico assim como a relação entre os objetivos de
emprego, e os outros objetivos econômicos e sociais, e será aplicada
através de métodos adaptados às condições e usos nacionais

Também a Convenção de nº 168 da O.I.T, relativa à promoção do


emprego e proteção contra o desemprego, de 1º de junho de 1988 concretizou
importantes conquistas quanto ao direito ao trabalho, inclusive, com especificidade
ao idoso, dispondo em seu artigo 2º que:389

Art. 2º. Todo membro deverá adotar medidas apropriadas para coordenar o
seu regime de proteção contra o desemprego e a sua política de emprego.

388
A referida convenção entrou em vigor no âmbito internacional, em 17/07/66. No Brasil foi
aprovada pelo Decreto Legislativo nº 61, de 30 de novembro de 1966, sendo ratificada em 24 de
março de 1969, através do Decreto Legislativo nº 66.499, de 27 de abril de 1970.
389
O Brasil ratificou a aludida Convenção, em 24 de março de 1993 e promulgada, em 21 de
julho de 1998, através do Decreto nº 2.682/98.
157

Para esse fim, deverá providenciar que o seu sistema de proteção contra o
desemprego e, em particular, as modalidades de indenização do
desemprego, contribuam para a promoção do pleno emprego produtivo,
livremente escolhido, e que não tenham como resultado dissuadir os
empregadores de oferecerem emprego produtivo, nem os trabalhadores de
procurá-lo.
Artigo 7º. Todo Membro deverá formular, como objetivo prioritário, uma
política destinada a promover o pleno emprego, produtivo e livremente
escolhido, por todos os meios ade3uqados, inclusive a seguridade social.
Esses meios deverão incluir entre outros, os serviços do emprego e a
formação e orientação profissionais.
Artigo 8º , § 1º. Todo Membro deverá se esforçar para adotar, com reserva
da legislação e da prática nacionais, medidas especiais para fomentar
possibilidades suplementares de emprego e a ajuda ao emprego, bem como
para facilitar o emprego produtivo e livremente escolhido de determinadas
categorias de pessoas desfavorecidas que tenham ou possam ter
dificuldades para encontrar emprego duradouro, como as mulheres, os
trabalhadores jovens, os deficientes físicos, os trabalhadores de idade
avançadas, os desempregados durante um período longo, os trabalhadores
migrantes em situação regular e os trabalhadores afetados por
reestruturações.
§ 3º. Todo Membro deverá procurar estender progressivamente a promoção
do emprego produtivo a um número maior de categorias que aquele
inicialmente coberto.

Não se pode desconsiderar, ainda, a Encíclica Laboren Exercens, de


14 de setembro de 1981, que preconiza que:

[...] E no entanto, com toda esta fadiga — e talvez, num certo sentido, por
causa dela — o trabalho é um bem do homem. E se este bem traz em si a
marca de um bonum arduum — « bem árduo » — para usar a terminologia
de Santo Tomás de Aquino, 18 isso não impede que, como tal ele seja um
bem do homem. E mais, é não só um bem « útil » ou de que se pode
usufruir, mas é um bem « digno », ou seja, que corresponde à dignidade do
homem, um bem que exprime esta dignidade e que a aumenta. Querendo
determinar melhor o sentido ético do trabalho, é indispensável ter diante dos
olhos antes de mais nada esta verdade. O trabalho é um bem do homem —
é um bem da sua humanidade — porque, mediante o trabalho, o homem
não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias
necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num
certo sentido, « se torna mais homem ». Sem esta consideração, não se
pode compreender o significado da virtude da laboriosidade, mais
exactamente não se pode compreender por que é que a laboriosidade
haveria de ser uma virtude; efectivamente, a virtude, como aptidão moral, é
algo que faculta ao homem tornar-se bom como homem. 19 Este facto não
muda em nada a nossa justa preocupação por evitar que no trabalho,
mediante o qual a matéria é nobilitada, o próprio homem não venha a sofrer
uma diminuição da sua dignidade[...].390

390
Sumo Pontífice João Paulo II. Carta Encíclica Laboren Exercens. Item 9. Trabalho e dignidade da
pessoa. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-
ii_enc_14091981_laborem-exercens_po.html. Acesso em: 04 de março de 2014. Em carta dirigida
aos participantes da 2ª Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, o Papa João Paulo II também
observou que: ―Uma ajuda para a solução dos problemas relacionados com o envelhecimento da
população provém sem dúvida do inserimento efectivo do idoso na sociedade, utilizando o contributo
da experiência, conhecimentos e sabedoria que ele pode oferecer. De facto, os idosos não devem ser
considerados como um peso para a sociedade, mas como um recurso que pode contribuir para o seu
158

Esse reconhecimento internacional e nacional da fundamentalidade do


direito ao trabalho leva à inafastável conclusão de que:

[...] o trabalho é uma atividade fundante da condição humana, inclusive na


maturidade. Nesse contexto, está imbicado com a concepção em que o
trabalho é configurado como uma necessidade: trabalho necessário para a
vida do homem.391

Com especificidade à pessoa idosa, a fundamentalidade do direito ao


trabalho encontra-se explicitada no artigo 3º do Estatuto do Idoso que normatiza ser
dever da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar à
pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito ao trabalho, dentre
outros direitos ali catalogados.

Como bem ensinam Cilene Swain Canôas e José Walter Canôas:

Essa população, apta para suas atividades laborais, não pode ser
dispensada do trabalho, pois engrossará rapidamente a massa de
aposentados, ou não. Esses indivíduos terá sobrevida para além dos 60
anos no Brasil[...]É preciso, portanto, um novo olhar sobre a velhice: o
homem é capaz de aprender e produzir sempre, desde que não tenha
algum tipo de impedimento que comprometa o seu desempenho, fato que
pode ocorrer em qualquer fase da vida, independente da idade cronológica.
Essa visão é fundamental para que se possa pensar na inclusão social do
velho. A velhice é um tempo de perdas e aquisições, assim como as outras
fases da vida. 392

Em complemento, o artigo 26 da mesma lei reafirma o direito do idoso


à atividade laboral e já preconiza que o empregador deve levar em consideração
suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.

bem-estar. Não só podem dar testemunho de que existem aspectos da vida, como os valores
humanos e culturais, morais e sociais, que não se medem em termos económicos e funcionais, mas
oferecer também o seu contributo eficaz no âmbito do trabalho e no da responsabilidade. Trata-se,
por fim, não só de fazer algo pelos idosos, mas de aceitar também estas pessoas como
colaboradores responsáveis, com modalidades que o tornem realmente possível, como agentes de
projectos partilhados, em fase de programação, de diálogo ou de realização.É importante também
que estas políticas se completem com programas formativos destinados a educar as pessoas para a
velhice durante toda a sua existência, tornando-as capazes de se adaptarem às mudanças, cada vez
mais rápidas, no modo de viver e de trabalhar. Uma formação centrada não só no fazer, mas e
sobretudo no ser, atenta aos valores que fazem apreciar a vida em todas as suas fases e na
aceitação tanto das possibilidades como dos limites que a vida encerra‖. Disponível em:
http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/2002/documents/hf_jp-
ii_let_20020410_assembly-ageing_po.html. Acesso em: 05 de março de 2014.
391
CANÔAS, Cilene Swain; CANÔAS, José Walter. Trabalho e qualidade de vida para além
dos 45 anos. Revista A Terceira Idade. São Paulo: SESC, v.19, n.42, p.22-29, jun.2008.
392
Op.cit., p.26 e 27.
159

Em face do aludido preceito, deve o empregador adaptar o ambiente


de trabalho do idoso ―livre de barreiras físicas e psicológicas, com o ambiente
devidamente dimensionado nos aspectos ergonômicos‖.393

Ensina-se, aliás, que, a despeito do modelo vivenciado nas relações


laborais concentra-se na faixa etária de maior produtividade do ser humano, cujo
ciclo refere-se dos 25 aos 50 anos de idade, o período seguinte, em que o indivíduo
caminha para o envelhecimento, não o incapacita para que tenha uma vida
produtiva.394

Mais incisivo, o artigo 27 veda em qualquer trabalho ou emprego, a


discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos.
Ressalva, inclusive, que o primeiro critério de desempate em concurso público será
a idade devendo a preferência recair sobre o candidato aprovado de idade mais
elevada.

Os referidos preceitos encontram-se em sintonia não só com a


Convenção de nº 111 da OIT já explicitada, mas também com o disposto no artigo
7º, XXX, da Constituição da República que veda a discriminação de trabalhadores,
no momento da admissão, dentre outros motivos, por questão de idade.

Mesmo antes do Estatuto do Idoso, a Lei nº 8.842, de 04 de janeiro de


1994, que instituiu a Política Nacional do Idoso, inseriu como um dos seus princípios
catalogados no artigo 3º, a ação do Estado para que o idoso não sofra nenhuma
discriminação. Também introduziu como política pública, a inserção de mecanismos
que obstem a discriminação da pessoa idosa quanto à participação no mercado de
trabalho, no setor público e privado, conforme disposição normativa contida no artigo
10, inciso IV da lei enfocada. O seu Decreto regulamentador, de nº 1.948/96 também
dispõe em seu artigo 11 que o Ministério do Trabalho deverá desenvolver
mecanismos para obstar que o idoso sofra discriminação no mercado de trabalho.

Anota Maria Aparecida Gugel que a discriminação constitui uma ação


ou omissão que tem por escopo a restrição de direitos de pessoas ou de grupos,

393
GUGEL, Maria Aparecida. Trabalho e profissionalização para a pessoa idosa. In: GUGEL,
Maria Aparecida; MAIO, Iadya Gama (Orgs.). Pessoas idosas no Brasil. Brasília: AMPID/Atenas,
2009, p.135.
394
Cf. GODOY, Rui Martins; RIBEIRO, Regina Célia Sodré. Programas de preparação para
a aposentadoria: uma responsabilidade social das empresas. Revista A Terceira Idade. São
Paulo: SESC, v.16, n.34, p.34-49, out.2005.
160

com repercussão negativa no âmbito das relações laborais, podendo se manifestar


nesta área, ―diretamente, quando contém determinações e disposições gerais que
estabelecem distinções fundamentadas em critérios proibidos e já definidos em lei‖,
mas também sob a forma indireta, ―quando situações, regulamentações ou práticas
aparentemente neutras criam desigualdades em relação às pessoas‖. 395

O artigo 28 do Estatuto do Idoso vem de encontro à aludida política,


dispondo nos seus incisos I e III que:

Art. 28. O Poder Público criará e estimulará programas de:


I – profissionalização especializada para os idosos, aproveitando seus
potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas;
III – estimulo às empresas privadas para admissão de idosos ao trabalho.

A normatização de tal direito descortina no Brasil uma realidade


chocante já que a realidade demonstra um enorme contingente de pessoas idosas
marginalizadas da vida ativa da sociedade, num grave vilipêndio aos seus direitos
fundamentais.

Adverte Danilo Santos de Miranda para a grave ― [...] ausência de

efetivas políticas sociais para esse segmento etário, nos níveis municipal, estadual e
federal, sem nos esquecermos do papel decisivo da iniciativa privada, que não pode
abdicar de suas responsabilidades sociais‖. 396

As normas protetivas dos direitos inerentes à atividade laboral do idoso


defrontam-se, evidentemente, com um mercado de trabalho hostil alimentado por
uma cultura secular da pouca ou quase inexistente utilização da mão de obra da
pessoa idosa, por serem vistos como improdutivos.

Ensina-se, a propósito, que:

Por causa dos estereótipos correntes sobre velhice e envelhecimento, os


trabalhadores mais velhos tendem a ser vistos como obsoletos,
improdutivos, resistentes à mudança e desmotivados. Essas avaliações são
apontadas como justificativas para não investir neles, visto que pouco se
acredita no retorno dos custos do seu treinamento, e enfim para afastá-los
do trabalho, para que seus erros não prejudiquem a organização. 397

395
Op.cit., , p.131.
396
Apresentação. Revista A Terceira Idade. São Paulo: SESC, v.13, n.24, p.05, abr.2002.
397
NERI, Anita Liberalesso. Envelhecer bem no trabalho: possibilidades individuais,
organizacionais e sociais. Revista A Terceira Idade. São Paulo: SESC, v.13, n.24, p.07-27,
abr.2002. A CNBB observou na Campanha da Fraternidade de 2003 que: ―A questão do trabalho para
o idoso é bastante difícil no Brasil. Quanto mais o tempo passa, mais difícil encontrar um emprego.
161

Há, contudo, exceções positivas especialmente no que tange a


empresas que sentem a necessidade de investimento numa imagem ética mais
conservadora de tradições, onde os trabalhadores idosos são mais valorizados,
como ―em hotéis e pousadas; fábricas de remédios, fraldas e comida para bebês;
empresa de seguro..., que tendem a valorizar a presença de pessoas mais velhas,
quer na produção e na administração, quer na propaganda de seus produtos‖. 398

Enfrentando o mito de que os adultos mais velhos e os idosos não têm


nada a oferecer à sociedade, adverte Anita Liberalesso Neri que tal mito é falso, em
face da equivocada vinculação entre produtividade e emprego formal.399

Considerando que em 2020, os idosos representarão 13% da


população ativa no país, as normas citadas representaram um grande avanço social
no país quanto à proteção dos direitos fundamentais da pessoa idosa. De fato, não
se pode olvidar que idade avançada não significa incapacidade e também não obsta
que o individuo possa ― [...] exercer atividade remunerada, de forma profissional e
competente...o idoso, assim como qualquer outro cidadão capaz, tem o direito ao
exercício de atividade profissional, observadas as limitações decorrentes do
envelhecimento[..]‖.400

Assinale-se que as disposições normativas dos artigos 26 e 27 do


Estatuto do Idoso, como já explicitado, constituem um grande escudo jurídico para
obstar qualquer tipo de discriminação em relação ao trabalhador idoso.

Assim, muitas vezes, é a própria sociedade que o condena à inatividade, improdutividade e


dependência. E há os que alegam que a velhice traz prejuízos à saúde física e mental. Fica evidente,
por detrás dessas concepções, uma visão reducionista da pessoa humana, que só vale pelo que se
produz, e não pelo que é. Além disso, nem sempre o mais jovem produz mais que o mais idoso.
Aliás, essa discriminação acontece quase que exclusivamente com os mais pobres. É curioso notar o
caso de muitos dirigentes idosos que se mantêm longamente no poder. (Op.cit., p.31).
398
Idem, ibidem. Anota a autora que: ―O fato de os trabalhadores mais velhos serem mais
eficientes em muitas atividades que requerer persistência, precisão, experiência, capacidade de
solução de problemas práticos, pontualidade, assiduidade e cuidado, bem como o fato de se
mostrarem flexíveis e motivados a enfrentar desafios, desmentem muitos dos estereótipos correntes
sobre o envelhecimento.‖ (p.11).
399
Op.cit. p.13. Anota que: ―Este mito é recorrente no trabalho, do qual os mais velhos são
muitas vezes expulsos com a desculpa de que estão ultrapassados. No entanto, em ocupações
tradicionais, baseadas na experiência, ou mesmo em organizações modernizadas, os adultos mais
velhos podem usar sua experiência e seu conhecimento sobre as técnicas produtivas e sobre a
cultura organizacional, par atuarem como mentores. O desemprego dos adultos mais velhos e dos
idosos é mais devido à falta de oportunidades educacionais e de treinamento em serviço e aos
preconceitos do que ao envelhecimento em si mesmo[...]‖ (p.13 e 19).
400
FREITAS JÚNIOR, Roberto Mendes. Direitos e garantias do idoso, 2. ed., São Paulo:
Atlas, 2011, p.102/103.
162

Tamanha foi a preocupação do legislador com a discriminação na área


laboral que tipificou como crime punível com pena de reclusão de seis meses a um
ano e multa a conduta do agente em impedir o acesso de alguém a qualquer cargo
público por motivo de idade, o mesmo ocorrendo em relação à conduta de negar à
vítima, por motivo de idade, emprego ou trabalho, conforme expressamente dispõem
os incisos I e II do artigo 100 do Estatuto do Idoso.

Aliás, a discriminação do idoso na área laboral é mundial e chamou a


atenção do Parlamento Europeu que na Resolução RC-B5-0239/02 sobre a
Segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento tratou do assunto nos itens 4,
5 e 07, a saber:

4. Convida os Estados-Membros a apoiarem os idosos através da promoção


do trabalho independente, incentivando nomeadamente o desenvolvimento
das pequenas empresas e das microempresas, e garantindo o acesso dos
idosos ao crédito, sem discriminações em função do género;
5. Convida os Estados-Membros a eliminarem as barreiras etárias no
mercado de trabalho oficial e a evitarem a ocorrência das desvantagens
sentidas pelos trabalhadores mais idosos a nível do emprego, por exemplo,
através da aplicação dos princípios da reforma flexível e da diversidade etária
às políticas e práticas de emprego, ou da eliminação dos desincentivos ao
trabalho para além da idade da reforma, protegendo, nomeadamente, os
direitos de pensão adquiridos;
7. Convida a Comissão Europeia e as outras instituições europeias a
procederem à abolição do limite de idade no recrutamento de pessoal;401

Frise-se que apesar de o legislador ter sido incisivo no artigo 27,


vedando a discriminação negativa por idade , inseriu uma discriminação positiva
pela mesma idade, quando o candidato idoso disputar uma vaga no concurso
público, cujo primeiro critério de desempate eleito pelo legislador foi a idade mais
elevada dos candidatos.

Quanto à tutela contida no artigo 27 anota Anita Liberalesso Neri que


se trata de prescrição ilusória. Adverte que:

[...] a discriminação no trabalho, excede o âmbito do preconceito contra os


idosos. Ela ocorre também com adultos, que são excluídos por critérios de
gênero, raça, aparência e classe social. A sociedade brasileira sempre
escondeu a adoção de critérios etários e de raça para a admissão ao

401
Resolução do Parlamento Europeu sobre a Segunda Assembleia Mundial das
Nações Unidas sobre o Envelhecimento. Disponível em:
<http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+MOTION+B5-2002-
0239+0+DOC+XML+V0//PT>. Acesso em: 05/03/2014.
163

trabalho. Na maioria dos contextos de trabalho, as pessoas já são


discriminadas a partir dos 40 anos. 402

É imperioso observar que o legislador não pode ignorar a realidade do


mundo fenomênico e há profissões em que o idoso, em tese, não tem condições
físicas e psíquicas para exercê-la, em face do exaustivo esforço físico e/ou mental
impróprio para a sua idade. Por esta razão o artigo 27 prevê a exceção da não
admissibilidade do idoso quando a natureza do cargo for incompatível com a sua
condição física e mental. No entanto, somente o caso concreto é que irá apontar
eventual incapacidade da pessoa idosa para ocupar o cargo pretendido já que há
idosos com capacidade física e mental superior até mesmo dos mais jovens.403

Verifica-se, assim, que é ―possível a imposição de limite máximo para


ingresso em funções e cargos públicos, desde que a natureza do cargo assim exija,
observados os princípios da razoabilidade e do interesse público‖.404

Ressalte-se, contudo, que se o candidato ao cargo público, a despeito


de contar com 60 anos de idade, demonstrar estar apto física e mentalmente ao
exercício das funções atinentes ao cargo pleiteado, não pode sofrer restrições no
edital de concurso. É imperioso que o edital contenha todas as funções e/ou
atribuições e tarefas que o funcionário terá que exercer. O cumprimento dessa
exigência pela comissão de concurso, ―[...] tem um efeito direto para todos os
candidatos idosos em potencial quanto à decisão de prestar o concurso, de acordo
com seu discernimento de estar ou não habilitado para o exercício daquelas
funções‖. 405

Merece registro, pela importância do tema, a Súmula 683 do Supremo


Tribunal Federal, do seguinte teor:

O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em


face do artigo 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela
natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

402
Atitudes e preconceitos em relação à velhice. In: NERI|, Anita Libralesso (Org.). Idosos no
Brasil: vivências, desafios e expectativas na terceira idade. São Paulo: SESC/Nacional,
403
Menciona-se como exemplo da aludida exceção, a não contratação ―de um idoso para
atuar como salva-vidas em uma praia com mar constantemente agitado. O exemplo, todavia, é
bastante genérico, e caso o idoso comprove possuir condições física de atuar como salva-vidas, não
será possível negar-lhe o emprego apenas com fundamento na idade avançada‖ (FREITAS Júnior,
Roberto Mendes. Op.cit., p.103.
404
Idem, ibidem.
405
GUGEL, Maria Aparecida. Op.cit., p.140/141.
164

O fomento à profissionalização especializada para os idosos e o


estímulo às empresas privadas para a admissão da pessoa idosa constituem uma
posição positiva do Estado brasileiro no sentido de que, em face das inegáveis
dificuldades do idoso em ser admitido por uma empresa ou mesmo de exercer
atividade econômica autônoma, cabe ao Estado desenvolver mecanismos protetores
visando concretizar a política pública preconizada pelo legislador.

Nunca é demais relembrar que numa sociedade que cultua os


indivíduos pela posse e/ou pela profissão, o afastamento do cidadão da sua
atividade laboral pelo fato de ter envelhecido representa inegavelmente um
retrocesso na sua vida social. ―Sem a oportunidade de trabalhar, algumas pessoas
se sentem esvaziadas e sem propósito na vida, o que pode ocasionar uma ruptura
identitária ou o redimensionamento de seus projetos e objetos de identificação‖ 406

Uma experiência que deve ser lembrada é o Selo Paulista de


Diversidade, instituído pelo Decreto Estadual nº 52.080, de 22 de agosto de 2007
com o objetivo de estimular as organizações públicas e privadas e da sociedade civil
a inserir a diversidade na sua gestão de recursos humanos, com alcance à pessoa
idosa.

Conforme destaque no site da Secretaria de Emprego e Relações de


Trabalho, ―tal política pública difunde o conceito que a força de trabalho
diversificada, antes de ser vista como responsabilidade social ou exigência legal,
deve ser vista como estratégia empresarial de sucesso e sobrevivência em um
mercado globalizado e em constante mudança‖.407

Marco Antônio Vilas Boas, lecionando sobre o tema, anota que: ―A


ordenação legislativa que se assiste abandonou (felizmente) a simples engrenagem
mesquinha da produção capitalista que nasceu para criar dinheiro a qualquer preço,
mesmo à custa do sacrifício e da proliferação da injustiça entre os homens[...]‖408

406
CELICH, Lilian Sedrez; BALDISSERA, Micheli. Trabalho após a aposentadoria:
influência na qualidade de vida do idoso. Revista A Terceira Idade: São Paulo: SESC, v.21, n.49,
p.53-66, nov.2010.
407
Selo Paulista da Diversidade. Disponível em:
<http://www.emprego.sp.gov.br/emprego/selo-paulista-da-diversidade/>. Acesso em: 05/03/2014.
408
Estatuto do idoso comentado, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.66. Ensina, em
complemento: ―Já disseram que a diferença entre os moços e os velhos é que os moços, um dia
foram incendiários, quando velhos, ajudaram a apagar o incêndio que eles próprios provocaram. É a
antítese entre a vocação inflamada do jovem contra a segurança e estabilidade dos idosos. O jovem
tem a graça, o idoso, a sabedoria.‖ (p.66).
165

Pautado pelo respeito à dignidade do trabalhador idoso, o artigo 28,


inciso II da Lei nº 10.741/03 impõe que o Poder Público faça uma preparação para a
sua aposentadoria, com antecedência mínima de um ano, através de fomento a
novos projetos sociais, de acordo com o interesse do idoso, com a devida ciência
sobre os seus direitos sociais e de cidadania.

Aliás, merece registro a feliz observação da C.N.B.B.:

A aposentadoria deveria ser um tempo de realização de antigos sonhos,


mas para a maioria da população significa uma grave queda do poder
aquisitivo e o início de uma nova luta para pagar o aluguel, a alimentação,
os remédios. O sistema de aposentadoria adotado no Brasil ainda reforça
muitas injustiças e desigualdades sociais, não possibilitando ao aposentado
desfrutar uma vida com qualidade.409

No que tange à aposentadoria e sua preparação é digno de nota a lição


de que: ―É um direito adquirido pelo trabalhador e não uma sentença de morte. Mas,
pela própria demanda socioeconômica e pelo aumento da longevidade, corre o risco,
atualmente, de perder a característica de premiação para assumir a de punição‖.410

Esta responsabilidade ficou a cargo do INSS, conforme se verifica pela


disposição normativa do artigo 6º do Decreto nº 1.948, de 03 de julho de 1996, que
regulamentou a Lei nº 8.842/94 que instituiu a Política Nacional do Idoso.

É digno de nota o fato de que o Estatuto do Idoso reduziu o prazo


mínimo para que o idoso seja preparado para sua aposentadoria já que a Lei nº
8.842 havia instituído o prazo de dois anos para a aludida preparação, conforme
expressa redação contida no seu artigo 10, inciso IV, alínea c.

Assinale-se que a realidade do mercado de trabalho denuncia que


muitos idosos, após serem agraciados com a aposentadoria, continuam trabalhando.
Sobre tal realidade leciona-se que:

[...]um dado relevante que deve ser considerado é que um número


significativo de entrevistados (67%) afirma continuar trabalhando apenas
por necessidade financeira, 23% pelo crescimento intelectual e apenas 10%
pela manutenção do convívio social. Os baixos valores dos benefícios
previdenciários, somados ao prolongamento da vida, têm feito com que
muitos idosos continuem trabalhando para garantir um renda que supra as

409
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB. Op.cit., p.29.
410
GODOY, Rui Martins de; RIBEIRO, Regina Célia Sodré. Op.cit., p.36/37.
166

necessidades individuais e familiares, por muitos continuam sendo chefes


de família, ou ainda pra evitar queda brusca do padrão de vida.411

No entanto, ainda que seja louvável a preparação do trabalhador para


a sua aposentadoria, merece registro o fato de que a 2ª Assembleia Mundial sobre o
Envelhecimento, realizada em Madrid, em 2002 ressaltou na Declaração Política,
artigo 12 que:

Art.12. As expectativas dos idosos e as necessidades econômicas da


sociedade exigem que possam participar na vida econômica, política, social
e cultural de suas sociedades. Os idosos devem ter a oportunidade de
trabalhar até quando queiram e de serem capazes de assim o fazer, no
desempenho de trabalhos satisfatórios e produtivos e de continuar a ter
acesso à educação e aos programas de capacitação. A habilitação de
idosos e a promoção de sua plena participação são elementos
imprescindíveis para um envelhecimento ativo. É preciso oferecer sistemas
adequados e sustentáveis de apoio social a pessoas idosas (grifei).412

A despeito de todos os avanços normativos, inclusive, no âmbito


internacional não se pode desconsiderar que é muito forte o preconceito contra a
pessoa idosa em todas as áreas havendo a necessidade de que a referida questão
cultural seja superada. Há até mesmo o preconceito implícito que, a despeito da
força impactante na sociedade economicamente ativa, não sofre críticas nem
mesmo de organizações civis voltadas à defesa da pessoa idosa.

411
CELICH, Kátia Lilian Sedrez; BALDISSERA, Micheli. Op.cit., p.61.Anotam que: ―[...]mesmo
que a maioria dos idosos entrevistados (67%) relate estar trabalhando por uma questão de
necessidade financeira, já que essa renda tem implicações determinantes em sua vida, eles
conseguem perceber que trabalhar é bom. Para 93,3% o fato de permanecerem ativos no trabalho
interfere de maneira positiva em suas vidas, no sentido de que 46,66% se sentem úteis para a
sociedade, 16,66% consideram estar desfrutando boa saúde, 30% permanecem trabalhando, pois o
trabalho faz com que se sintam capazes, e para 13,33% significa ter independência. Apenas para
6,66% o fato de continuar trabalhando interfere de maneira negativa em suas vidas, restringindo as
possibilidade de lazer e de liberdade[...].‖ (p.62/63).
412
ONU. Plano de ação internacional sobre o envelhecimento, 2002. Tradução de Arlene
Santos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2003, p.21.
167

2.10 Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer

2.10.1 Do direito fundamental à educação

Preambularmente o direito fundamental à educação encontra-se


amparo na Declaração Universal dos Direitos Humanos que assegura, em seu artigo
26, que:

§ 1º. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, esta baseada no mérito.
§ 2º. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol
da manutenção da paz.

Não poderia ser olvidada a Constituição da UNESCO (Organização das


Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), adotada em Londres, em
16 de novembro de 1945, e emendada pela Conferência Geral em inúmeras
sessões posteriores. No próprio preâmbulo da aludida Organização, vê-se a sua
magnitude para o direito à educação a todos os povos. É oportuno o registro de
parte daquele documento, onde se destaca que:

[...] Por esses motivos, os Estados-Partes desta Constituição, acreditando


em oportunidades plenas e iguais de educação para todos, na busca
irrestrita da verdade objetiva, e no livre intercâmbio de ideias e
conhecimento, acordam e expressam a sua determinação em desenvolver e
expandir os meios de comunicação entre os seus povos, empregando esses
meios para os propósitos do entendimento mútuo, além de um mais
verdadeiro e mais perfeito conhecimento das vidas uns dos outros; Em
consequência, eles, por este instrumento criam a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, com o propósito de fazer
avançar, através das relações educacionais, científicas e culturais entre os
povos do mundo, os objetivos da paz internacional, e do bem-estar comum
da humanidade, para os quais foi estabelecida a Organização das Nações
Unidas e que são proclamados em sua Carta[...]413

413
UNESCO. Constituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura. Disponível em:< http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001472/147273por.pdf>. Acesso
em: 12.11.14. O artigo 1º da referida Constituição realça o propósito da UNESCO que consiste em
―[...]contribuir para a paz e para a segurança, promovendo colaboração entre as nações através da
educação, da ciência e da cultura, para fortalecer o respeito universal pela justiça, pelo estado de
direito, e pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, que são afirmados para os povos do
mundo pela Carta das Nações Unidas, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião‖.
168

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de


1966, de forma mais abrangente, também dispôs sobre o direito à educação,
estabelecendo:

Art.13, § 1º. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de


toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao
pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua
dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades
fundamentais. Concordam, ainda, que a educação deverá capacitar todas
as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos
os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das
Nações Unidades em prol da manutenção da paz.
[...]4 Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação
de base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou
não concluíram o ciclo completo de educação primária.

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a


Educação, Ciência e Cultura, na sua 18ª Sessão, realizada em Paris, no período de
17 de outubro a 23 de novembro de 1974 aprovou a Recomendação da UNESCO
sobre a Educação para a compreensão, Cooperação e Paz Internacionais e a
Educação Relativa aos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, cujo
documento, reafirmando a responsabilidade da UNESCO quanto ao estímulo e
apoio de todas as iniciativas dos Estados membros de assegurarem a educação
para todos, com a promoção da justiça, da liberdade, dos direitos humanos e da paz,
estabeleceu, inicialmente, um conceito de educação, preceituando no seu
preâmbulo que:

A palavra "educação" designa todo o processo da vida social por intermédio


do qual os indivíduos e grupos sociais aprendem a desenvolver,
conscientemente, no seio e em benefício das comunidades nacional e
internacional, o conjunto das suas capacidades, atitudes, aptidões e
conhecimentos pessoais. Este processo não se limita a quaisquer
atividades em concreto.414

Quanto aos princípios orientadores, merece destaque o item 5 daquele


documento, que disciplina:

414
UNESCO. Recomendação da UNESCO sobre a Educação para a Compreensão,
Cooperação e Paz Internacionais e a Educação Relativa aos Direitos Humanos e Liberdades
Fundamentais. Disponível em: http://direitoshumanos.gddc.pt/3_20/IIIPAG3_20_2.htm. Acesso em:
12.11.14
169

Conjugando aprendizagem, formação, informação e ação, a educação


internacional deverá promover o adequado desenvolvimento intelectual e
emocional do indivíduo. Deverá desenvolver um sentido de
responsabilidade social e de solidariedade para com os grupos menos
favorecidos e levar ao respeito do princípio da igualdade na vida quotidiana.
Deverá, também, ajudar a desenvolver qualidades, aptidões e capacidades
que permitam à pessoa adquirir uma consciência crítica dos problemas
existentes nos níveis nacional e internacional;, compreender e explicar os
factos, as opiniões e as ideias, trabalhar em grupo, aceitar a livre discussão
e nela participar, respeitar as regras de procedimento elementares em
qualquer discussão e basear julgamentos de valor e decisões numa análise
racional dos factos e fatores pertinentes.415

Ainda no âmbito internacional, merece registro a Declaração Mundial


sobre Educação para Todos, cujo acordo foi firmado por 155 delegações
governamentais, que estiveram presentes na Conferência Mundial sobre Educação
para Todos Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, realizada em
Jomtien, Tailândia, no período de 05 a 09 de março de 1990, que se
comprometeram a garantir uma educação básica para crianças, jovens e adultos
isenta de qualquer discriminação.
No próprio preâmbulo da aludida declaração, verifica-se a preocupação
daquelas delegações com os graves problemas enfrentados por vários países em
assegurarem o aludido direito a todos os cidadãos. Anota aquele documento que:

[...] mais de 960 milhões de adultos – dois terços dos quais mulheres são
analfabetos, e o analfabetismo funcional é um problema significativo em
todos os países industrializados ou em desenvolvimento; - mais de um terço
dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas
habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e
ajuda-los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e
culturais[...]Relembrando que a educação é um direito fundamental de
todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro;
Entendendo que a educação pode contribuir para conquistar um mundo
mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, e que,
ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a
tolerância e a cooperação internacional; Sabendo que a educação, embora
não seja condição suficiente, é de importância fundamental para o
progresso pessoal e social...Reconhecendo que uma educação básica
adequada é fundamental para fortalecer os níveis superiores de educação e
de ensino, a formação científica e tecnológica e, por conseguinte, para
alcançar um desenvolvimento autônomo[...]Art. 1º, 3. Outro objetivo, não

415
O item 7 da referida Recomendação deve, também, ser destacado por impor aos Estados
membros a implantação de uma política pública na área de educação, que assegure a eficácia da
educação em todas as suas formas. Neste sentido, dispõe o referido preceito que: ―Cada Estado
Membro deverá formular e aplicar políticas nacionais destinadas a aumentar a eficácia da educação
em todas as suas formas e a reforçar o respectivo contributo para a compreensão e cooperação
internacionais, manutenção e desenvolvimento de uma paz justa, realização da justiça social, respeito
e realização dos direitos humanos e liberdades fundamentais e erradicação dos preconceitos, das
concepções erróneas, das desigualdades e de todas as formas de injustiça que comprometam a
realização de tais objetivos.‖
170

menos fundamental do desenvolvimento da educação, é o enriquecimento


dos valores culturais e morais comuns. É nesses valores que os indivíduos
e a sociedade encontram sua identidade e sua dignidade. 4. A educação
básica é mais do que uma finalidade em si mesma. Ela é a base para a
aprendizagem e o desenvolvimento humano permanentes, sobre a qual os
países podem construir, sistematicamente, níveis e tipos mais aditados de
educação e capacitação.416

A V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, realizada


em Hamburgo, Alemanha, em julho de 1997, trouxe, como legado, a elaboração de
um importante documento internacional de fomento à educação, conhecido como
Declaração de Hamburgo.

Merece destaque o seu artigo 2º, que, realçando a importância da


educação para a cidadania, dispõe:

A educação de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um


direito: é a chave para o século XXI; é tanto consequência do exercício da
cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Além
do mais, é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico
sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do
desenvolvimento socioeconômico e científico, além de ser um requisito
fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar
ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça. A educação de adultos
pode modelar a identidade do cidadão e dar um significado à sua vida. A
educação ao longo da vida implica repensar o conteúdo que reflita certos
fatores, como idade, igualdade entre os sexos, necessidades especiais,
idioma, cultura e disparidades econômicas.417
Dez anos após a redação da Declaração Mundial sobre a Educação
para Todos, na Tailândia, 180 países se reuniram na cidade de Dakar, no Senegal,
em abril de 2000, onde se realizou a Cúpula Mundial de Educação.

Merece destaque, no aludido documento, os seguintes compromissos


assumidos pelos países presentes:

1. Reunidos em Dakar em abril de 2000, nós, participantes da Cúpula


Mundial de Educação, comprometemo-nos a alcançar os objetivos e as
metas de Educação Para Todos (EPT) para cada cidadão e cada
sociedade. 2. O Marco de Ação de Dakar é um compromisso coletivo para a

416
Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10230.htm. Acesso em:
29/01/2015. Merecem registro, ainda, os seguintes preceitos: ―Art.2º, 3. A concretização do enorme
potencial para o progresso humano depende do acesso das pessoas à educação e da articulação
entre o crescente conjunto de conhecimentos relevantes com os novos meios de difusão desses
conhecimentos.
417
Disponível em: http://www.fe.unicamp.br/gepeja/arquivos/VConfintea.pdf. Acesso em:
12.11.14. O artigo 5º também merece ser realçado, por reconhecer a multiplicidade das conquistas
advindas da educação na economia, cultura e sociedade, o fomento à coexistência, à tolerância e
participação dos cidadãos na vida ativa da comunidade e da sociedade, e o inegável preparo para os
desafios do convívio social.
171

ação. Os governos têm a obrigação de assegurar que os objetivos e as


metas de EPT sejam alcançados e mantidos. Essa responsabilidade será
atingida de forma mais eficaz por meio de amplas parcerias no âmbito de
cada país, apoiada pela cooperação com agências e instituições regionais e
internacionais..6. A educação enquanto um direito humano fundamental é a
chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a
paz e a estabilidade dentro e entre países e, portanto, um meio
indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades e
economias do século XXI. Não se pode mais postergar esforços para atingir
as metas de EPT. As necessidades básicas da aprendizagem podem e
devem ser alcançadas com urgência.418

Ainda no âmbito internacional, merece registro a XV Conferência


Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo419, realizada em Salamanca,
Espanha, nos dias 14 e 15 de outubro de 2005, em cujo evento se elaborou a
Declaração de Salamanca. No que se refere à educação, chama a atenção o item 6
daquele documento, que foca a educação como um dos instrumentos essenciais,
para fomentar um desenvolvimento sustentável e enfrentar os desafios da pobreza e
da desigualdade. Neste sentido dispõe o aludido preceito:

A democracia constitui um fator de coesão do espaço ibero-americano.


Consideramos que é necessário desenvolver uma agenda ibero-americana
que reforce a qualidade das nossas democracias e a sua capacidade de
responder às expectativas dos cidadãos, quanto à proteção dos seus
direitos e à satisfação das suas necessidades socioeconômicas. Nesse
sentido, não há nada mais urgente que conseguir um desenvolvimento
sustentável e enfrentar os desafios da pobreza e da desigualdade. É
preciso, portanto, empenhar esforços de fortalecimento institucional, e
conceber e implementar políticas públicas de inclusão social, concentradas
na educação e no direito ao trabalho em condições de dignidade, e num
contexto de crescente produtividade, para todos os cidadãos, que
contribuam para a redução da mortalidade infantil e da desnutrição crónica,
e que universalizem o acesso aos serviços de saúde.420

418
Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/UNESCO-
Organiza%C3%A7%C3%A3o-das-Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas-para-a-
Educa%C3%A7%C3%A3o-Ci%C3%AAncia-e-Cultura/declaracao-de-dakar-educacao-para-todos-
2000.html. Acesso em: 29/01/2015.
419
Nos termos do artigo 1º dos Estatutos da OEI: ―A Organização dos Estados Ibero-
americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura ou Organización de Estados Ibero-americanos
para la Educación, la Ciencia y la Cultura, anteriormente denominada "Escritório de Educação Ibero-
americana" é um Organismo Internacional de caráter governamental para a cooperação entre os
países ibero-americanos nos campos da educação, da ciência, da tecnologia e da cultura no contexto
do desenvolvimento integral. Suas siglas são "OEI" e seus idiomas oficiais, o espanhol e o
português.‖.
420
XV Conferência Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo – 2005.
Declaração de Salamanca. Item 6. Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OEI-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Dos-Estados-Ibero-
Americanos-Para-a-Educa%C3%A7%C3%A3o-a-Ci%C3%AAncia-e-a-Cultura/xv-conferencia-ibero-
americana-de-chefes-de-estado-e-de-governo.html. Acesso em: 12.11.2014
172

O item 12 se reveste de importância, por consagrar a tese da


conversão da dívida externa dos países da América Latina em investimentos sociais,
com destaque para a educação. Dispõe aquele preceito:

Com o objetivo de aumentar os investimentos que promovam a inclusão


social e de contribuir para o alívio da dívida externa na América Latina e no
quadro da procura de mecanismos inovadores, comprometemo-nos a
encorajar o maior número de credores bilaterais e multilaterais para a
utilização do instrumento de conversão de dívida por investimento social e,
em especial, em educação. Nesta linha, comprometemo-nos a manter o
exercício de debate e reflexão que conduza à adoção de um Pacto Ibero-
Americano para a Educação, na linha da Declaração de Toledo, para a
promoção de um desenvolvimento com equidade e justiça social.421

No âmbito regional, o direito à educação merece destaque,


inicialmente, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, redigida
na IX Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá, em abril de 1948.

O artigo 12 do aludido documento realça o direito fundamental à


educação como um instrumento essencial, não só para a subsistência do cidadão,
mas também para que ele se torne útil a sua sociedade. Neste sentido, estabelece
aquele preceito:

Artigo 12. Toda pessoa tem direito à educação, que deve inspirar-se nos
princípios de liberdade, moralidade e solidariedade humana. Tem,
outrossim, direito a que, por meio dessa educação, lhe seja proporcionado o
preparo para subsistir de uma maneira digna, para melhorar o seu nível de
vida e para poder ser útil à sociedade .O direito à educação compreende o
de igualdade de oportunidade em todos os casos, de acordo com os dons
naturais, os méritos e o desejo de aproveitar os recursos que possam
proporcionar a coletividade e o Estado. Toda pessoa tem o direito de que
lhe seja ministrada, gratuitamente, pelo menos, a instrução primária.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, por sua vez, estabelece


no seu artigo 26:

Artigo 26. Desenvolvimento progressivo. Os Estados-Membros


comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como
mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a
fim de conseguir, progressivamente, a plena efetividade dos direitos que

421
Também houve preocupação com a transformação do ensino superior, no sentido de
redirecioná-lo a efetivamente a alavancar o desenvolvimento e a inovação tecnológica, no sentido de
propiciar melhor qualidade e acesso dos povos ibero-americanos aos bens e serviços dos referidos
países, inclusive, propiciar que os aludidos povos sejam declarados livres do analfabetismo até 2015,
conforma consta no item 13 do aludido documento.
173

decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e


cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos,
reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos
disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

O Protocolo Adicional à Convenção Interamericana sobre Direitos


Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assinado em San
Salvador, El Salvador, em 17 de novembro de 1998, pelos Estados Membros da
OEA estabeleceu, no seu artigo 13 importantes preceitos atinentes ao direito à
educação. Dispõe o referido artigo:

§ 1. Toda pessoa tem direito à educação.§2. Os Estados Membros neste


Protocolo convêm em que a educação deverá orientar-se para pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e
deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos, pelo pluralismo
ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela justiça e pela paz. Convêm,
também, em que a educação deve capacitar todas as pessoas para
participarem, efetivamente, de uma sociedade democrática e pluralista,
conseguir uma subsistência digna, favorecer a compreensão, a tolerância e
a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou
religiosos e promover as atividades em prol da manutenção da paz.§3. Os
Estados Membros neste Protocolo reconhecem que, a fim de conseguir o
pleno exercício do direito à educação: a) O ensino de primeiro grau deve ser
obrigatório e acessível a todos gratuitamente. b) O ensino de segundo grau,
em suas diferentes formas, inclusive o ensino técnico e profissional de
segundo grau, deve ser generalizado e tornar-se acessível a todos, pelos
meios que forem apropriados e, especialmente, pela implantação
progressiva do ensino gratuito. c) O ensino superior deve tornar-se
igualmente acessível a todos, de acordo com a capacidade de cada um,
pelos meios que forem apropriados e, especialmente, pela implantação
progressiva do ensino gratuito. d) Deve-se promover ou intensificar, na
medida do possível, o ensino básico para as pessoas que não tiverem
recebido ou terminado o ciclo completo de instrução do primeiro grau. e)
Deverão ser estabelecidos programas de ensino diferenciado para os
deficientes, a fim de proporcionar instrução especial e formação a pessoas
com impedimentos físicos ou deficiência mental .

No âmbito do Brasil, a Constituição da República de 1988 enfoca o


direito à educação como direito fundamental social no seu artigo 6º, dando, contudo,
maior realce ao artigo 205, preceituando:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
174

Também os princípios e garantias modulados pelo Direito Internacional


foram albergados pela Constituição da República nos artigos 206 e 208, com as
seguintes redações:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I -
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;II -
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e
o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade
do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos
profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e
títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público,
na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial
profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos
termos de lei federal.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para
todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva
universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino;IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças
até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino,
da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI -
oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII -
atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por
meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde. § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e
gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do ensino
obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente. § 3º - Compete ao Poder
Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a
chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

Como não poderia deixar de ser, houve a preocupação do Constituinte


com um conteúdo mínimo a ser ministrado no ensino fundamental, bem como com o
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, conforme se verifica
no artigo 210 da Constituição da República.

A histórica resistência do gestor público brasileiro em aplicar recursos


indispensáveis, para assegurar o referido direito fundamental a todos os cidadãos,
levou a Constituição a impor a aplicação mínima de 18% em educação, dos
impostos arrecadados pela União e o percentual mínimo de 25% aos Estados,
Distrito Federal e Municípios, pelo que se depreende da redação normativa do artigo
212.
175

Também as conquistas da universalidade do ensino e a garantia de


qualidade equidade já assegurados nos documentos internacionais expostos, foram
consagrados pela Constituição da República, que dispõe, no seu artigo 212, § 3º :

Art.212. § 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao


atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a
universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do
plano nacional de educação.

Embora consagrada na nossa Constituição como direito fundamental


prestacional, por vezes tal direito sofreu percalços na evolução histórica das
constituições brasileiras.

Registre-se que o aludido direito foi inserido na Constituição Política do


Império do Brasil de 1824, no rol de direitos civis e políticos, dispondo o artigo 179
daquela Carta:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos


Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira
seguinte:
XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.
XXXIII. Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos
das Sciencias, Bellas Letras, e Artes

Observa, contudo, Mateus Gomes Viana, em percuciente observação a


respeito do exercício de tal direito à época, que:

O texto constitucional era liberal na forma, porém a existência do Poder


Moderador o tornava impotente. O centralismo e o autoritarismo do monarca
não tinham a educação como prioridade. Nossa primeira Constituição foi
emendada pelo Ato Adicional de 1834, que determinou a gratuidade da
educação primária aos cidadãos. No entanto, não havia estabelecimentos
de ensino para todos, sem falar que o conceito de cidadão excluía os
escravos, que àquela época compunham parte considerável da população.
Ademais, não havia consciência social nem vontade política para que a
educação fosse preocupação do estado.422

É digno de registro que o Imperador D. Pedro I editou, em 15 de


outubro de 1827,423 a primeira lei brasileira, disciplinando a escola primária.424
Merecem registro alguns dos seus artigos, a saber:

422
A exigibilidade constitucional do direito à educação. Fortaleza: Revista Científica da
Faculdade Lourenço Filho, v.06, n.01, p.105-123, 2009.
423
A referida lei era conhecida como Lei das Escolas das Primeiras Letras.
176

Art. 1o Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, havera as


escolas de primeiras letras que forem necessárias.
Art. 6o Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de
aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais
gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios
de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana,
proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a
Constituição do Império e a História do Brasil.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil ,de 1891, foi


omissa quanto à gratuidade e obrigatoriedade do ensino, limitando-se a consolidar a
separação entre a Igreja e o Estado, ditando, em seu artigo 72, § 6º:‖ Será leigo o
ensino ministrado nos estabelecimentos públicos‖. É digno de nota, no entanto, que
o artigo 35 daquela constituição atribui ao Congresso, embora não privativamente, a
função de:

Art.35, § 2º Animar, no paiz, o desenvolvimento das letras, artes e sciencias,


bem como a immigração, a agricultura, a indústria e o commercio, sem
privilégios que tolham a acção dos governos locaes;
§ 3º Crear instituições de ensino superior a secundário nos Estados;
§ 4º Prover à instrucção secundária no Districto Federal

A ausência de preceitos garantidores de direito à educação bem revela


a pouca importância da educação para a sociedade da época.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934, foi


redigida sob a inspiração da Constituição de Weimar, de 1919, e da Constituição
Republicana espanhola, de 1931. ―A Lei de 1934 foi elaborada de acordo com o
pensamento jurídico da época, o qual, nascido depois da Primeira Grande Guerra,
busca a racionalização do poder‖.425

O direito à educação ganhou destaque no capítulo II do título V, ao lado


da cultura, dispondo o seu artigo 149:

Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e
pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a
estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores
da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a
consciência da solidariedade humana.

424
15 de outubro passou a servir de referência para a comemoração do dia do professor.
425
POLETTI, Ronaldo. Constituições brasileiras, 3.ed. Brasília: Senado Federal,
subsecretaria de Edições Técnicas, 2012, v.III, p.13,
177

Também houve a preocupação da Constituição com o investimento na


educação e impôs no seu artigo 156, a vinculação constitucional de recursos na
aludida área, dispondo que:

Art 156 - A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento,
e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda
resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas
educativos.
Parágrafo único - Para a realização do ensino nas zonas rurais, a União
reservará no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no
respectivo orçamento anual.

A gratuidade do ensino primário e sua frequência obrigatória, bem


como a meta de extensão do ensino gratuito a um patamar ulterior ao primário
receberam destaque no artigo 160, parágrafo único, alíneas a e b, cujos preceitos
dispunham:

Art.160. Parágrafo único - O plano nacional de educação constante de lei


federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39, nº 8, letras a e e , só se
poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às seguintes normas:
a) ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos
adultos;
b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de
o tornar mais acessível.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1937, foi outorgada


por Getúlio Vargas, em 10 de novembro daquele ano, após o golpe político por ele
desferido, inaugurando, no Brasil, o Estado Novo, ditado com acentuado
autoritarismo.

No que tange à educação, aquela Carta também consagrou sua


gratuidade e obrigatoriedade, quanto ao ensino primário, dispondo, no seu artigo
130:

Art. 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém,


não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais
necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não
alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma
contribuição módica e mensal para a caixa escolar.

Também a nova Constituição enfoca o ensino prevocacional


profissional às classes menos favorecidas como o primeiro dever do Estado.
Também obrigou as indústrias a criarem escolas de aprendizes para os filhos de
178

seus operários, estendendo, ainda, tal dever aos sindicatos econômicos, no sentido
de que também criem escolas para os filhos dos associados. Neste sentido,
dispunha o artigo 129:

Art. 129 [...] O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes


menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado.
Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino
profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e
dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua
especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus
operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse
dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem
como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo
Poder Público

Acrescente-se que durante o Estado Novo, se editaram as


denominadas Leis Orgânicas do Ensino. Assim, foi instituído o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI), por meio do Decreto-lei nº 4.048, de 22 de janeiro
de 1942. O ensino industrial foi regulamentado, por meio do Decreto-lei nº 4.073,
de 30 de janeiro do mesmo ano. O Decreto-lei nº 4.244, de 09 de abril do referido
ano regulamentou o ensino secundário. Mediante o Decreto-lei nº 6.14, foi
regulamentado o ensino comercial, mas o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC) somente foi criado em 1946, após a suplantação do Estado
Novo.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, foi enfocada no


capítulo II do Título VI e inseriu nos textos voltados ao tema, os mesmos princípios
das Constituições de 1891 e 1934.

A educação volta a ser tratada como direito fundamental acessível a


todos, garantindo, ainda, a gratuidade do ensino primário ministrado pelo Poder
Público.

As empresas com mais de cem empregados foram compelidas a


manter o ensino primário gratuito tanto aos servidores como aos seus filhos. As
mesmas empresas foram obrigadas a manter cursos de capacitação gratuitos aos
seus empregados menores.

Não se olvidou, ainda, o Poder Constituinte de vincular receitas


oriundas dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, devendo a
179

União aplicar nunca menos de 10% e os Estados, Distrito-Federal e Municípios o


percentual mínimo de 20% da referida receita.

Houve, ainda, expressa preocupação com a capacitação dos alunos


integrantes da rede pública de ensino, impondo a assistência educacional àqueles
que assim necessitarem, para assegurar plenas condições de eficiência escolar a
todos os alunos.

Tais princípios e diretrizes foram inseridos nos artigos 166, 168, 169 e
172 daquela Constituição, os quais dispunham:

Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve
inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana.
Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional;
II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao
primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos;
III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais
de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os
seus servidores e os filhos destes;
IV - as empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em
cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma
que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores;
Art 169 - Anualmente, a União aplicará nunca menos de dez por cento, e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte por cento
da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do
ensino.
Art 172 - Cada sistema de ensino terá obrigatoriamente serviços de
assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condições
de eficiência escolar

A Constituição do Brasil, de 1967, promulgada pelo Congresso


Nacional, em 24 de janeiro de 1967, com entrada em vigor, em 15 de março daquele
ano, foi elaborada sob a égide do regime militar, cujo governo perdurou no período
de 1964 a 1985.

Em face do interesse dos militares na redação de uma nova Carta,


visando à legalização do golpe de Estado de 1964, em 06 de dezembro de 1966 foi
ultimado o projeto de constituição elaborado pelo então Ministro da Justiça Carlos
Medeiros Silva e por Francisco Campos.

Em 07 de dezembro daquele ano, o Presidente General Humberto


Castelo Branco convocou o Congresso Nacional, por meio do Ato Institucional nº
04, para discutir, votar e promulgar o referido projeto de Constituição, no período de
180

12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967. O mesmo ato institucional já


marcou a data de 24 de janeiro de 1967, como o dia solene para a promulgação da
referida Constituição.

A educação foi tratada no título IV da nova Carta, que destacou a sua


universalidade e a gratuidade do ensino primário, no artigo 168, com a seguinte
redação:

Art 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola;


assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da
unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana.
§ 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas:
I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional;
II - o ensino dos sete aos quatorze anos è obrigatório para todos e gratuito
nos estabelecimentos primários oficiais;
III - o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para
quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou
insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá
o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o
posterior reembolso no caso de ensino de grau superior;

Também a referida Carta compeliu as empresas comerciais, industriais


e agrícolas a manterem o ensino primário gratuito aos seus empregados e aos seus
filhos, conforme se verifica no artigo 170 daquela Constituição.

O recrudescimento do regime militar, no Brasil, levou à edição do


famigerado Ato Institucional nº 05, de 13 de dezembro de 1968, bem como do Ato
complementar nº 38, editado na mesma data, que decretou o recesso do Congresso
Nacional.

Concentrou-se no Poder Executivo Federal a atribuição do processo


legislativo, levando, assim, os militares a editarem a Emenda Constitucional nº 01,
de 17 de outubro de 1969. Na realidade, foi elaborada uma nova Constituição
outorgada pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica
Militar, cuja Carta passou a ter vigência, a partir de 30 de outubro daquele ano, em
cuja data o general Emílio Garrastazu Médici tomou posse como Presidente da
República.

A educação foi tratada no título IV, nos artigos de 176 a 178, com
redação semelhante às disposições constitucionais da Carta de 1967 já anotadas.
181

Verifica-se, assim, que a educação, pela sua importância para o próprio


desenvolvimento do país, sempre foi destacada pelas nossas cartas, em menor ou
maior grau, atingindo sua magnitude com a Constituição de 1988.

De fato bem ensina Jean-Jacques Rousseau, em sua obra Emílio ou


da Educação:

Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo,


temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de
juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos, adultos, é-
nos dado pela educação. 426

Nunca é demais relembrar que é a educação constitui instrumento


fundamental, para que o homem possa sobreviver com dignidade na
contemporaneidade.

Uma vez mais, é imperioso o registro da lição de Rousseau:

No estado em que já se encontram as coisas, um homem abandonado a si


mesmo, desde o nascimento, entre os demais, seria o mais desfigurado de
todos. Os preconceitos, a autoridade, a necessidade, o exemplo, todas as
instituições sociais em que nos achamos submersos abafariam nele a
natureza e nada poriam no lugar dela. Ela seria como um arbusto que o
acaso fez nascer no meio do caminho e que os passantes logo farão
morrer, nele batendo de todos os lados e dobrando-o em todos os
sentidos. 427

Rousseau era cético quanto à educação ministrada pelos colégios.


Afirmava: ―Não encaro como uma instituição pública esses estabelecimentos
ridículos a que chamam colégios‖.428Registra:

Nosso verdadeiro estudo é o da condição humana. Quem, entre nós, melhor


sabe suportar os bens e os males desta vida é, a meu ver, o mais bem
educado; daí decorre que a verdadeira educação consiste menos em
429
preceitos do que em exercícios.

426
Emílio ou da educação. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão europeia do livro, 1968,
p.10.
427
Op.cit., p.09.
428
Op.cit., p.14. Ressalta, contudo, que ―Há em muitas escolas, e sobretudo na Universidade
de Paris, professores que amo, que muito estimo, e que acredito muito capazes de instruir a
juventude, se não fossem forçados a obedecer aos usos estabelecidos. Exorto um deles a publicar o
projeto de reforma que concebeu. Ser-se-á enfim tentado a curar o mal, ao ver que não é sem
remédio‖ (p.14).
429
Op.cit., p.16.
182

Vê-se pelos próprios preceitos constitucionais enfocados, que a


educação constitui uma das pilastras do regime democrático social, de direito e
também um instrumento fundamental para possibilitar aos cidadãos igualdade de
oportunidades sociais.

Muito a propósito, ensina Messias Costa:

O país certamente não pode conviver com o elevado grau de injustiça que
se manifesta em vários aspectos da vida social. A desigualdade gera
insatisfações e desequilíbrios e põe em risco a convivência democrática. A
consolidação da nação brasileira só pode ser concretizada através da
democratização das oportunidades sociais, ou seja, através da
universalização de uma educação fundamental de boa qualidade que dê a
cada cidadão o instrumental básico necessário para funcionar
430
adequadamente na sociedade moderna, complexa e pluralista.

Aliás, ao contrário da sociedade estamental vivenciada no passado, a


educação deve fomentar o desenvolvimento intelectual do indivíduo, pois a escola
focada no homem, sem as amarras de classes, credo religioso ou político, privilégios
sociais e dinheiro, ―irá revelar e desenvolver, em cada um, seus dotes inatos, seus
valores intrínsecos, suas aptidões, talentos e vocações‖.431

Como bem ensina John Locke:

A educação é que dá brilho às outras qualidades e as torna úteis para ele,


proporcionando-lhe a estima e a benevolência daqueles que o rodeiam.
Sem uma boa educação todas as outras qualidades não conseguem senão
fazê-lo passar por um homem orgulhoso, pedante, vão ou tonto. Num
homem mal educado, a coragem passa por brutalidade. O saber converte-
se em pedantismo; a graciosidade em piada; os costumes sensíveis
parecem rusticidade; a boa natureza, servilismo; e não há qualidade boa
que a má educação não diminua e desfigure para sua própria
desvantagem...Ninguém se contenta com diamantes em bruto, nem os usa
quem quer parecer bem. Quando estão polidos e montados é quando
ganham todo o seu brilho. As boas qualidades são a riqueza substancial do
espírito; mas a boa educação é que lhes dá relevo.432

430
O Brasil e seu futuro: um estudo das fragilidades nacionais. São Paulo: Editora Alfa
Omega, 1997, p.21.
431
CUNHA, Luiz Antônio. Educação e desenvolvimento social no Brasil, 9.ed. Rio de
Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1986, p.34. Complementa o autor que: ―Se Voltaire temia a
instrução das massas como perigosa à ordem social, Diderot, ao contrário, incentivava-a, como o fez
em carta à imperatriz russa Catarina, aconselhando-a à criação de uma universidade. Dizia ele ser
desejável que todos soubessem ler, escrever e contar, desde os ministros de Estado até o último dos
camponeses‖ (p.38).
432
Alguns pensamentos sobre a educação. Trad. Madalena Requixa. Coimbra: Almedina,
2012, p.174. Acrescenta o ilustre autor que: ―A instrução é necessária, mas deve ser colocada em
segundo lugar, como um meio de adquirir qualidades mais elevadas. Procurem, pois, algo que saiba
formar discretamente os costumes do seu discípulo; coloquem o vosso filho em mãos que possam,
na medida do possível, garantir a sua inocência, desenvolver e alimentar as suas boas inclinações,
183

No que tange à educação, no Estado brasileiro, ensina Luiz Antônio


Cunha, debruçando-se sobre os preceitos constitucionais e legais reguladoras da
matéria, que:

O estudo das metas do Estado brasileiro deixa claro o papel atribuído à


educação no desenvolvimento. O objetivo é a construção de uma sociedade
aberta no país, definida como sendo aquela onde inexistam barreiras
objetivas que impeçam qualquer indivíduo de realizar suas potencialidades
pessoais. É definida, também, pela institucionalização de um caminho
adequado para a realização dessas potencialidades, que é a educação
escolar.433

Lamenta-se, contudo, o inarredável fracasso do Estado em propiciar


uma educação de qualidade, como desejam a Constituição Federal e o Plano
Nacional de Educação, sendo que as experiências exitosas,em algumas escolas
públicas, podem ser comparadas a pequenas ilhas num grande oceano de um
completo descaso com a educação.

Anota, com efeito, Juan Carlos Tedesco, ao analisar a questão da


educação na América Latina que:

Com respeito à qualidade da educação, a crescente diferença interna


coloca sérias dúvidas sobre a capacidade do Estado, para garantir um
mínimo de homogeneidade qualitativa associada à ideia de unidade e
identidade nacional e cultural.[...]As informações estatísticas disponíveis
expõem, claramente, que a eficiência dos sistemas educativos é baixa e
que – nos últimos anos e em algumas regiões como América Latina – a
situação se tem agravado...A relativa incapacidade do Estado em garantir
este sucesso educativo mínimo responde a múltiplos fatores de ordem
cultural, político, econômico e pedagógico.434

corrigir docemente e curar as más inclinações, fazendo-o adquirir bons hábitos. Este é o ponto mais
importante. Uma vez alcançado, a instrução pode ser adquirida por acréscimo e, a meu ver, em
condições fáceis, simples de imaginar‖ (p.280).
433
Op.cit., p.51. Anota, contudo, o autor que: ―Os setores de mais baixa renda na sociedade
brasileira têm menos chances de entrar na escola; quando entram, fazem-no mais tardiamente e em
escolas de mais baixa qualidade. Isso faz com que seu desempenho seja mais baixo e, em
consequência, sejam reprovados mais frequentemente Por isto, e devido, também, à migração e ao
trabalho ‗precoce‘, evadem-se com maior frequência. Todos esses fatores determinam uma profunda
desigualdade no desempenho escolar das crianças e de jovens das diversas classes sociais‖ (p.169).
434
El rol del Estado en la educación. In: FRANCO, Maria Laura P.B.; ZIBAS, Dagmar M.L.
(Orgs.). Final do século: desafios da educação na América Latina. São Paulo: Cortez Editora,
1989, p.23. Complementa o autor que: ―A equidade na distribuição da educação não é só um
problema de quantidade de anos de estudo e sim do caráter socialmente significativo dos
conhecimentos aos quais se acessam no período de escolarização. Neste sentido, a equidade se
digne pela possibilidade de garantir a toda à população o acesso a uma base mínima homogênea de
conhecimentos, valores, habilidades, destrezas, etc. que constituem tanto a expressão cultural da
unidade nacional, como o meio através da qual é possível uma participação social ativa e
consciente‖ (p.31).
184

De fato, a educação, no Brasil, a despeito de inúmeros projetos


salvíficos, ainda não se descortinou para um salto de qualidade não de interesse das
elites, mas que atinja, efetivamente, a escola pública, a fim de que a ampla maioria
da população possa ser inserida na sociedade, econômica e politicamente, e ativa
deste país.

Não se pode olvidar, neste sentido, a lição de Paulo Freire, para quem:
―[...] a educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente fundamental
entre nós. Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma
força de mudança e de libertação‖.435

Ensina, com proficiência, A. de Almeida Oliveira, que é do máximo


interesse da sociedade que não se tenha homens ignorantes e sem acesso à
educação. Aduz que: ―Na ignorância e na falta de educação é que reside a fonte da
miséria e da desordem, dos crimes e dos vícios de toda a sorte, como é nestes
males que estão as principais causas dos perigos e desprezos sociais‖ 436.

Tal lição constitui um grande libelo ao Brasil, que ainda possui um


índice de analfabetismo funcional de 20,3%, conforme apontou o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística.437

No que tange à pessoa idosa, ensina Johannes Doll que: [...] a


educação, ao longo de toda a vida e na velhice é considerada um instrumento
fundamental à determinação de uma velhice bem sucedida‖.438

O artigo 3º, complementado pelo artigo 20, do Estatuto do Idoso


contempla, com absoluta prioridade, o direito à educação do idoso, além de outros
direitos.

Mais incisivos, dispõem os artigos 21 e 25 da mesma lei:

435
Educação como prática da liberdade, 16.ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1985,
p.36. Complementa o autor que: ―Nunca pensou, contudo, o Autor, ingenuamente, que a defesa e a
prática de uma educação assim, que respeitasse no homem a sua ontológica vocação de ser sujeito,
pudesse ser aceita por aquelas forças, cujo interesse básico estava na alienação do homem e da
sociedade brasileira na manutenção desta alienação.‖ (p.36).
436
O ensino público.. Brasília: Senado Federal, 2003, v. 4, p.71.
437
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Séries históricas e estatísticas. Taxa de
analfabetismo funcional. Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?t=taxa-
analfabetismo&vcodigo=PD384. Acesso em: 21/04/2014.
438
Educação, cultura e lazer: perspectivas de velhice bem-sucedida. In: NERI, Anita
Liberalesso (Org.). Idosos no Brasil: vivências, desafios e expectativas na terceira idade. São
Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo/Edições SESC, SP, 2007, p.109/110.
185

Art. 21. O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à


educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos
programas educacionais a ele destinados.
§ 1o Os cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas
de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua
integração à vida moderna.
Art. 25. O Poder Público apoiará a criação de universidade aberta para as
pessoas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de
conteúdo e padrão editorial adequados ao idoso, que facilitem a leitura,
considerada a natural redução da capacidade visual.

A Lei nº 8.842, de 04 de janeiro de 1994, que instituiu a Política


Nacional do Idoso, dispõe, em seu Capítulo IV, que disciplina as ações
governamentais voltadas aos cidadãos em tal faixa etária, que, na área de
educação, o Estado brasileiro irá:

Art. 10, III - na área de educação:


a) adequar currículos, metodologias e material didático aos programas
educacionais destinados ao idoso;
b) inserir nos currículos mínimos, nos diversos níveis do ensino formal,
conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de forma a eliminar
preconceitos e a produzir conhecimentos sobre o assunto;
c) incluir a Gerontologia e a Geriatria como disciplinas curriculares nos
cursos superiores;
d) desenvolver programas educativos, especialmente nos meios de
comunicação, a fim de informar a população sobre o processo de
envelhecimento;
e) desenvolver programas que adotem modalidades de ensino à distância,
adequados às condições do idoso;
f) apoiar a criação de universidade aberta para a terceira idade, como meio
de universalizar o acesso às diferentes formas do saber;

A despeito da importância de tais preceitos e do seu caráter cogente, o


o Plano Nacional de Educação, já aprovado pelo Senado não contempla a
educação da pessoa idosa como prioridade, o que evidencia a ausência de uma
política de educação voltada ao idoso, o que constitui grande vilipêndio ao direito
fundamental em exame.

A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº


9.394/96) não enfoca a educação para a pessoa idosa, o que evidencia um
clarividente preconceito cultural que contagiou o próprio legislador.

Observa Alexandre de Matos Guedes:

Quando se trata do tema educação relativa à pessoa idosa, constatamos


que o problema não é jurídico, mas cultural, na medida em que temos
desde a primeira metade da última década do século passado normas
jurídicas que têm o idoso como integrante do processo de ensino, seja
186

como aluno, seja como parte da estrutura de conhecimento, objeto do


processo educacional. [...]em termos de políticas públicas de educação, os
jovens e adultos ocupam lugar secundário e o idoso, lugar terciário, pois o
preconceito advindo da concepção da velhice como ‗final‘ da vida, com a
qual o ambiente escolar – supostamente reservado para aqueles que ainda
irão se preparar para a vida – não seria compatível...a única explicação
existente para não colocar o idoso como integrante da categoria de ‗jovens
e adultos‘ (arft.37, da LDB) é justamente o preconceito cultural, pois há
representação, com direito à menção expressa, no referido diploma, a
dispositivos relativos à educação de pessoas com deficiência, militares,
indígenas e afrodescendentes. 439

Frise-se que, dentre as propostas aprovadas pela 2ª Conferência


Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, realizada em Brasília, no período de 18 a 20
de março de 2009, se destaca:

1.Propor alteração na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e no Plano de –


‗Educação da Pessoa Idosa – EPI‘, prevendo recurso para a criação e
manutenção de Unidades de Educação da Pessoa Idosa (UEPI), garantindo
a educação formal e prevendo adequação curricular, metodológica, de
materiais didáticos, espaço físico ergonomicamente adequado e horários
flexíveis para assegurar e garantir o ensino fundamental e médio nas rede
municipal, estadual e federal, nas zonas rurais e urbanas...3. Inserir
conteúdos voltados ao processo do envelhecimento em todos os níveis e
modalidades do ensino formal, em cumprimento do art. 22 do Estatuto do
Idoso, com respectivas regulamentações do Conselho Nacional de
Educação e Conselhos Estaduais de Educação. 4. Adequar e ampliar o
acesso da pessoa idosa à metodologia da Educação de Jovens e Adultos
(EJA) em todas as esferas de governo, visando à educação de qualidade
para esse segmento. 5. Destinar recursos para implantação dos programas
Universidade Aberta, Escola Aberta e curso de inclusão digital nas
Universidades e escolas, para atender às pessoas idosas em níveis
fundamental e médio, em horários e espaços adequados[...]440

Enquanto tais propostas não forem efetivadas pelo poder público resta
aos idosos inscreverem-se no programa Educação de Jovens e Adultos (EJA) que
consiste numa modalidade de ensino com foco nos jovens e adultos que não tiveram
acesso ou, mesmo, não concluíram os ensinos fundamental e médio. Ressalte-se,
contudo, que o EJA não contempla o idoso, em seu programa educacional.

439
A educação e a pessoa idosa. In: GUGEL, Maria Aparecida; MAIO, Iadya Gama (Orgs.).
Pessoas idosas no Brasil. Brasília: Instituto Atenas; AMPID, 2009, p.106. Acrescenta o autor que:
―Apesar de sua inegável especificidade como categoria humana, conforme estipulava inclusive a Lei
nº 8.842/94, primeiro diploma a tratar da Política Nacional do Idoso, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB – Lei nº 9.394/96), que lhe é posterior em dois anos, negou-se a estabelecer políticas
detalhadas em relação aos maiores de 60 (sessenta) anos, na condição de público discente ou
elemento específico a ser abordado nos currículos‖ (p.106).
440
Secretaria de Direitos Humanos/Presidência da República. Anais da 2ª Conferência
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. Avaliação da rede nacional de proteção e defesa dos
direitos da pessoa idosa .. Eixo 6: Educação, cultura, esporte e lazer: avanços e desafios.
Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010, p…82/83.
187

Aliás, até mesmo o EJA vem passando por percalços no Brasil, em


face da ausência de recursos e de uma política pública exitosa voltada ao
imprescindível soerguimento da educação no país, em todos os níveis.

Muito a propósito, os delegados do Seminário Nacional de Educação


de Jovens e Adultos, reunidos em Natal, no período de 08 a 10 de novembro de
1996 já alertavam, naquela época, que:

A ausência de políticas públicas mais efetivas de médio e de longo prazo


conduz à fragmentação, dispersão e descontinuidade dos programas de
EJA. Configurando antes programas de governo que políticas de Estado, as
iniciativas vinculadas à EJA mostram-se particularmente vulneráveis à
descontinuidade político-administrativa, ficando à mercê de interesses
momentâneos ou alterações nas gestões políticas. Ocupando lugar
secundário nas políticas educacionais, atribuem-se à EJA recursos
insuficientes; faltam informações sobre os montantes de recursos a ela
destinados, bem como critérios claros para sua distribuição e liberação.
Dispondo de financiamento escasso, os programas de EJA não contam com
recursos materiais e humanos condizentes com a demanda por atender.
Essa modalidade de ensino padece da falta de profissionais qualificados, de
materiais didáticos específicos e de espaços físicos adequados, problemas
estes agravados pela discriminação dos cursos e alunos por parte dos
dirigentes das unidades educativas e pela ausência de um processo
sistemático de acompanhamento, controle e avaliação das ações
desenvolvidas.441

Acrescente-se que o EJA, em face das suas características, não


atende as necessidades fundamentais do idoso no âmbito da educação, como
desejam a Constituição da República e o Estatuto do Idoso.

Sobre a necessidade de o idoso ter uma formação educacional


especial, ensina Rita de Cássia da Silva Oliveira:

A educação ocupa papel fundamental na formação crítica do idoso, para


que tenha condições de manter-se ativo e consciente da sua própria
velhice. É por meio da ação pedagógica que se oportuniza uma maior
inserção social, além da formação da pessoa idosa, como ator social,
mobilizado em rede, que terá possibilidade de articulação e passará a exigir
mais respeito, dignidade e um compromisso sociopolítico a propósito dos
seus direitos[...]. A educação, além de direito para o idoso, representa a
possibilidade de mudanças conceituais em relação ao envelhecimento e à
velhice. Uma ação educacional que contemple essa temática dentre um de

441
Documento final do Seminário Nacional de Educação de Jovens e Adultos. In: PAIVA,
Jane; MACHADO, Maria Margarida; IRELAND, Timoth (Orgs.). Educação de jovens e adultos: uma
memória contemporânea 1996-2004. Brasília: Secad/MEC; UNESCO, 2007, p.20. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13165&Itemid=913. Acesso
em: 21/04/2014.
188

seus eixos conduz à reflexão em relação ao processo de envelhecimento


populacional, bem como facilita a própria aceitação da condição de idoso.442

Observa Johannes Dool que as pesquisas sobre idosos, no aspecto


educacional, somente despertaram interesse nos anos de 1970, merecendo registro
o fato de que a primeira universidade da terceira idade foi instalada em Toulouse,
em 1973. Frisa que todo o esforço na área educacional foi direcionada para abarcar
a população infanto-juvenil, e somente no século XX é que a educação voltada para
o público adulto é que passou a ter mais interesse. No Brasil, o foco na ação
educacional do idoso aflorou, de forma explícita, em 1977, ―com o surgimento do
projeto das Escolas Abertas da Terceira Idade do SESC, inspirado nas
universidades da terceira idade‖.443

Lembrando o trabalho desenvolvido por Paulo Freire e também pela


UNESCO, que passou a focar a educação numa outra dimensão, no sentido de
desenvolver o ser humano como um todo, anota Johannes Dool que o conceito
ampliado de educação, que passou a abarcar o conhecimento adquirido fora da
instituição escola, resultou na divisão entre educação formal, não formal e informal.
A primeira, decorrente da educação clássica, ―organizada em instituições específicas
de ensino...e conduz, normalmente, a um determinado nível de instrução,
oficializado por um diploma‖.444A segunda, que é a educação não formal, é aquela
que acontece fora do sistema escolar, oriunda de cursos, seminários, palestras etc.,
caracterizadas, além da atividade educacional consciente, pelo fato de serem
desenvolvidas fora do ambiente escolar e desprovidas, portanto, das normas da

442
A pesquisa sobre o idoso no Brasil: diferentes abordagens sobre educação nas
teses e dissertações (de 2000 a 2009). Revista Acta Scientarum Education. Maringá: EDUEM, v.35,
n.01, p.79-87, jan.-june, 2013.Acrescenta a autora que: ―A educação é considerada um direito
fundamental, que está incluso em algumas políticas públicas destinadas para o público idoso, todavia
ainda não existe política alguma que referencie exclusivamente a educação para a pessoa
idosa.[...].A educação permanente possibilita o desenvolvimento do idoso integral. Dessa maneira, ela
deve oportunizar que realmente esse idoso se desenvolva, independentemente da classe social ou
situação de marginalização em que o indivíduo esteja inserido, permitindo que o desenvolvimento
intelectual, social, cultural e político ocorra‖. (p.83).
443
Educação e envelhecimento – fundamentos e perspectivas. Revista a Terceira Idade.
São Paulo: SESC, v.19, n.43, p.7-26, out.2008. Acrescenta que: ―O contesto que favoreceu o
interesse na educação de adultos se deve às múltiplas mudanças e transformações que aconteceram
durante esse século. Mudanças que não só afetaram o mundo do trabalho, as formas de produção e
distribuição, mas também as formas de comunicação, as estruturas das sociedades e das famílias, as
formas de governo e das relações humanas. A institucionalização de mudanças constantes levou à
necessidade de se adaptar constantemente, de continuar a aprender, mesmo depois da formação
inicial da escola. Neste contexto, cresce o interesse em pensar uma educação de adultos como uma
nova postura do homem moderno‖ (p.12).
444
Op.cit., p.13.
189

educação formal, podendo ser ―desenvolvidas, para atender interesses específicos


ou de determinados grupos‖.445Quanto à educação informal, ensina que ela ―se
refere a uma educação pela convivência, em que haja uma intencionalidade
expressa ou uma organização específica para alcançar determinados objetivos‖. 446

Conclui o autor, ao se debruçar sobre as principais teorias


educacionais, que: ―[...] esta perspectiva ampliada de uma teoria educacional
consegue, agora, também abranger processos educacionais em diferentes espaços
e em todas as idades, adequando-se, dessa forma, mais à discussões educacionais
atuais‖.447

Verifica-se, ainda, que, suplantada a fase de atendimento meramente


assistencialista, em que se focou o idoso como pessoa capaz de aprender, muitas
instituições como universidades ou instituições de educação continuada passaram a
implementar atividades educacionais com pessoas idosas, como o programa
‗elderhostel‖, em que se fundem a ideia de viagem e o turismo com atividades
educacionais.448

O Brasil apresenta um modelo de universidade da terceira idade, que


oferece cursos e atividades voltadas para o idoso, como projeto de extensão. No
modelo adotado, comumente, pelas instituições brasileiras ―existe uma interação
com a universidade em geral por intermédio dos docentes...; mas também por meio
de um certo intercâmbio com alunos, que podem trabalhar nesse projeto, como
bolsistas, voluntários ou fazer estágios‖.449

445
Idem, ibidem.
446
Idem, ibidem.
447
Idem, p.14. Complementa, assinalando: ―Assistimos agora nas sociedades
contemporâneas a uma nova ‗desinstitucionalização‘ da educação, que não fica mais restrita às
escolas, nem à infância e juventude. Educação é vista hoje como um processo que deve acontecer
durante toda a vida, tanto em instituições formais (escola, universidade), quanto de forma não-formal,
como em cursos de atualização, palestras, encontros, debates, etc.‖(p.14).
448
Cf.DOOL, Johannes. Op.cit., p.16.Registra o autor que: ―No início foram principalmente
universidades que abriram as casas de estudantes durante as férias para os idosos, e hoje existe
toda uma rede, com possibilidades de viajar e estudar, para pessoas com mais de 55 anos, o que
torna o ‗elderhostel‘ o mundialmente maior programa educacional para idosos‖ (p.17).
449
Idem, ibidem. Acrescenta Johannes Dool que: ―Além dos grupos de convivência e das
universidades da terceira idade, encontramos hoje também outras formas de trabalho educacional,
como palestras, oficinas ou encontros para idosos. Gostaria de destacar ainda uma forma que, à
primeira vista, pode não parecer um trabalho educacional: o trabalho político nos conselhos
municipais e estaduais dos idosos, nas conferências do idoso ou nos fóruns regionais, em que o
engajamento de pessoas idosas leva a aprendizagens significativas em uma perspectiva de
educação informal‖ (p.18).
190

Atualmente, há mais de 200 universidades abertas à terceira idade no


Brasil. Ensina-se, aliás, que:

As universidades de pessoas idosas estão cada vez mais disseminadas


pelo Brasil, constituindo-se no lugar ideal da aprendizagem e
proporcionando a elas conhecimentos práticos e teóricos relativos ao
processo de envelhecimento, além de atividades físicas, socioculturais e
artísticas que possam interessar-lhes. A educação da pessoa idosa deve
permitir aos estudantes da terceira idade a oportunidade de se
expressarem, de aprenderem, de realizarem suas aspirações educativas, de
concretizarem seus sonhos e desejos, que não puderam ser satisfeitos nas
etapas anteriores da vida.450

A Universidade de São Paulo desenvolveu o Projeto ―Universidade


Aberta à Terceira Idade‖ que é mantido nas unidades de São Paulo, Bauru, Lorena,
Piracicaba, Pirassununga, Ribeirão Preto e são Carlos. O candidato deve ter idade
mínima de 60 anos e pode matricular-se nas disciplinas regulares oferecidas pela
USP. Os alunos têm o direito apenas a um atestado de participação, não recebendo
diploma.

A Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ (UNESP)


criou a Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI), vinculada à Pró- Reitoria de
Extensão Universitária ( PROEX) implantada em todos os seus campus, de forma
que o idoso pode matricular-se nas disciplinares regulares apresentadas pela
UNATI em cada unidade da UNESP.

Há outras universidades públicas do país que também desenvolvem


projetos similares, inclusive, instituições privadas, como a PUC de São Paulo que
desenvolveu o projeto Universidade Aberta à Maturidade, que recebe matrículas de
alunos acima de 40 anos.

É interessante observar-se que:

O curso de extensão cultural Universidade Aberta à Maturidade é uma


proposta de educação permanente para pessoas de ambos os sexos, com
mais de 40 anos, interessadas em reciclar e atualizar seus conhecimentos.
Baseado na ―Pedagogia do Prazer‖ de Piaget, Rogers e Paulo Freire, o
curso trabalha com o princípio da espontaneidade e da participação ativa
dos alunos. Há palestras de variados assuntos, com o objetivo de dar
suporte ao aluno para lidar com a passagem do tempo. São trabalhados
451
os aspectos biológicos, sociais e psicológicos do envelhecimento .

450
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB. Op. cit., p.94.
451
PUC-SP, Pós-graduação, Especialização e MBA. Disponível em:
<http://www.pucsp.br/pos-graduacao/especializacao-e-mba/universidade-aberta-a-maturidade>.
191

Os referidos cursos, em sede universitária, e mesmo o Programa


Educação de Jovens e Adultos, ensejam aos idosos a possibilidade de novas
conquistas individuais e sociais. Aliás, a educação constitui um instrumento
fundamental, também para preparar o idoso para a sua necessária inserção
intergeracional. Experiência desenvolvida no curso do EJA, ministrado numa das
unidades escolares da rede do Serviço Social da Indústria de São Paulo (SESI-SP),
consistiu no fato de alunos idosos, previamente selecionados, passarem a se
corresponder, por cartas, com crianças da 4ª Série do ensino Fundamental I,
vespertino. O fato de as crianças receberem cartas de idosos que elas não
conheciam foi fundamental para a sua formação atinente às coisas da vida que elas
ainda não vivenciaram. Em contrapartida, quando os idosos receberam as cartas
enviadas pelas crianças, observaram as pesquisadoras Divina F. Santos e Nadia
D.R. Silveira que aqueles manuscritos:

[...] com inúmeras ilustrações – pequenos desenhos feitos pelas crianças ou


ainda adesivos tanto nas cartas quanto nos envelopes-, além de abusarem
das cores. Essa nova forma de comunicação os influenciou imediatamente
e a alegria tomou conta do grupo de idosos, pois perceberam que foram
aceitos pelas crianças e que elas não se limitavam em apenas escrever.
Notaram, deste modo, a existência de uma comunicação diversificada e
personalizada, rica em cores e recursos gráficos.452

Ademais, inserir o idoso no processo educativo consiste em prepará-lo


para o pleno exercício da cidadania. Ensina-se que a educação é imprescindível
para a cidadania para assegurar o acesso as direitos fundamentais, ―[...] como
saúde, moradia, transporte, trabalho, assistência social, além da própria educação.
Assim, educar para a cidadania é a principal atribuição de uma educação
comprometida com os direitos humanos‖.453

Acesso em: 22/04/2014.


452
A escrita como possibilidade coeducativa: aproximando gerações. Revista a Terceira
Idade. São Paulo: SESC-SP, v.21, n.49, p.67-81, nov.2010. Complementam as autoras que: ―Com o
passar do tempo, observou-se que os ganhos indiretos deste trabalho foram muito significativos, em
virtude das falas e das expressões dos alunos, sobretudo dos idosos...Nas cartas foram encontradas
palavras de estímulo, de incentivo, de angústia, de amizade, de conforto e de
aconselhamento.‖(p.72).
453
SILVEIRA, Nadia Dumara Ruiz. Educação, envelhecimento e cidadania. In: BARROSO, Áurea
Eleotério Soares (Coord.). São Paulo: Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento
Social/Fundação Padre Anchieta, 2009, p.28. Disponível em:
http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/biblioteca/publicacoes/vo
lume7_Educacao_e_cidadania.pdf. Acesso em: 22/04/2014. Leciona, ainda, a autora que: ―A
educação para a transformação contribui para o enfrentamento de desafios, como o das pessoas
mais velhas que se tornam resignadas, inferiorizadas e conformistas em face das agressões de um
192

Registre-se, ainda, que, dentre os vários benefícios que a educação


disponibiliza aos idosos, pode ser destacada a sua preparação para o domínio do
uso do computador e da internet para várias atividades da vida civil, como já ocorre
com a camada populacional mais jovem.

Pesquisa realizada pelo SESC/FPA demonstra que 88% dos idosos


pelo menos conhece, de vista, um computador, mas tão somente 8¨% já utilizou tal
tecnologia. A escolarização, entre os idosos, tem grande repercussão no uso do
computador, já que 99% dos idosos com formação educacional em ensino médio já
viram um computador e 41% fizeram uso efetivo dele. Dos idosos que nunca foram à
escola, 68%¨viram um computador e apenas 1% já o utilizou.454

Verifica-se, assim, a importância de se direcionar, também, o processo


educativo no Brasil para atender a demanda da população idosa, sendo imperiosa,
portanto, a implementação de uma política educacional especifica para tal camada
populacional.

2.10.2 Do direito à cultura, ao esporte e ao lazer.

Preambularmente deve ser enfocado que a Constituição da República


assegura, no seu artigo 215:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização
e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional.
§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta
significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,
visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do
poder público[...]

mundo que rotiniza a vida, impedindo ou dificultando o relacionamento humano e o entendimento da


própria realidade, que se constitui em um vir a ser contínuo pelo processo intenso de mudanças de
valores, de práticas, de modos de viver.‖ (p.21).
454
Cf. DOLL, Johannes. Op.cit., p.118.
193

Não menos importante, o artigo 216 normatiza o patrimônio cultural


brasileiro, enquanto o seu parágrafo primeiro impõe ao poder público a promoção e
a proteção do referido patrimônio.

Vê-se, pelas disposições supra, que a Constituição da República não


só instituiu a cidadania cultural como direito fundamental social, como também
impôs ao gestor público o dever de promover e proteger o patrimônio cultural
brasileiro.

Tal enfoque não escapou à argúcia de Paulo Freire, que, debruçando-


se sobre a existência humana, ensina:

É um ser aberto. Distingue o ontem do hoje. O aqui do ali. Essa


transitividade do homem faz dele um ser diferente. Um ser histórico. Faz
dele um criador de cultura[...]É neste sentido que se pode afirmar que o
homem não vive autenticamente enquanto não se acha integrado com a sua
realidade. Criticamente integrado com ela. E que vive inautêntica enquanto
se sente estrangeiro na sua realidade. Dolorosamente desintegrado dela.
Alienado de sua cultura.455

No que tange ao direito da pessoa idosa à cidadania cultural decorre


ele não só dos preceitos constitucionais em exame, como também do artigo 3º do
Estatuto do Idoso, que reafirma o aludido direito fundamental, como, ainda, dos
artigos 20 e 23 da mesma lei.

Questão interessante suscitada pelo artigo 23 do referido estatuto


consiste no seu direito de participar de atividades culturais e de lazer, com desconto
de pelo menos 50% nos ingressos, bem como o acesso preferencial aos aludidos
locais.

Quanto ao direito à denominada meia entrada, como é conhecido


popularmente o mencionado direito, trata-se de discriminação positiva em que o
próprio Estado intervém na atividade econômica, para garantir efetividade da
participação do idoso nas atividades culturais.

Aliás, constitui dever do Estado tutelar a pessoa idosa, assegurando


sua participação, na comunidade, em todas as atividades voltadas a sua formação
educacional, cultural e social, pelo que se depreende da redação normativa do artigo
230 da Constituição da República.
455
Educação: atualidade brasileira. 2.ed. São Paulo: Cortez Editora; Instituto Paulo Freire,
2001, p.10/11.
194

Registre-se que a Lei nº 12.933, de 26 de dezembro de 2013, que


disciplina o benefício do pagamento da meia entrada em espetáculos artístico-
culturais e esportivos no Brasil, embora se refira no seu preâmbulo à pessoa idosa,
a Presidente da República vetou o § 7º, que se referia ao benefício concedido ao
idoso, sob o argumento de que:

Os benefícios voltados às pessoas idosas já estão totalmente regulados


o o
pelo Estatuto do Idoso - Lei n 10.741, de 1 de outubro de 2003. Por essa
razão, o Congresso Nacional decidiu, ao longo da tramitação do projeto de
lei, excluir eventuais referências aos idosos, restando este único dispositivo
que não guarda relação com o restante da matéria.456

É interessante assinalar-se que o Supremo Tribunal Federal


reconheceu até mesmo a competência concorrente dos Estados-membros de
legislarem sobre a matéria da meia entrada reconhecendo a constitucionalidade da
lei estadual paulista que concedeu meia entrada aos estudantes matriculados em
estabelecimentos de ensino do Estado de São Paulo. É oportuno o registro da
ementa do V. Acórdão que tem inteira aplicação ao caso aqui enfocado.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.


7.844/92, DO ESTADO DE SÃO PAULO. MEIA ENTRADA ASSEGURADA
AOS ESTUDANTES REGULARMENTE MATRICULADOS EM
ESTABELECIMENTOS DE ENSINO. INGRESSO EM CASAS DE
DIVERSÃO, ESPORTE, CULTURA E LAZER. COMPETÊNCIA
CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO
FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO.
CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA.
MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS 1º,
3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. É
certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um
sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa
circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só
intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples
instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas
e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano
de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado
pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre
iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas
também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita
também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem
pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a
livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as
providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação,
à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da
Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser
preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O
direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de

456
Mensagem nº 611, de 26 de dezembro de 2013.
195

complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de


457
inconstitucionalidade julgada improcedente.

Acrescente-se que o idoso tem acesso preferencial aos referidos


eventos merecendo destaque as críticas que se avolumam a cada dia, quanto às
denominadas filas preferenciais.

Para Alexandre de Matos Guedes, tais filas devem ser focadas como
discriminatórias já que idosos e pessoas com deficiências são colocadas em
―guetos‖ ,separadas das ―pessoas normais‖. Ensina que a aludida prática reveste-se
de evidente impacto negativo sobre os próprios grupos de acesso preferencial , bem
como sobre os demais que introjetam ―[...] o indelével entendimento de que essas
categorias especialmente protegidas são ‗apartadas‘ da normalidade, de modo a se
acreditar que devem ser infantilizadas e não podem tem um convívio com os demais
componentes da sociedade‖.458

Contudo, embora não se possa desconsiderar as oportunas


ponderações do autor, não se pode olvidar que as filas também asseguram maior
proteção àquelas pessoas portadoras de debilidades físicas que devem ter a
garantia da ocupação preferencial inclusive dos assentos nos aludidos espetáculos,
antes da liberação do acesso aos demais consumidores, para se evitarem eventuais
esbarrões e quedas de tais cidadãos preferenciais.

Quanto ao desporto, dispõe o artigo 217 da Constituição da República


que o Estado deve fomentar as práticas desportivas tanto formais como as não-
formais, por se tratar de um direito de todos os cidadãos.

Quanto ao direito do idoso ao acesso às práticas desportivas, a Política


Nacional do Idoso, instituída pela Lei nº 8.842/94, já havia consagrado o aludido
direito, no seu artigo 10, inciso VII, e, no sentido de que deve o poder público:

e) incentivar e criar programas de lazer, esporte e atividades físicas que


proporcionem a melhoria da qualidade de vida do idoso e estimulem sua
participação na comunidade.

457
ADI 1950-SP. Tribunal Pleno, rel. Ministro Eros Grau, j.03/11/2005, DJ 02/06/2006.
458
A educação e a pessoa idosa. In: GUGEL, Maria Aparecida; MAIO, Iadya Gama (Orgs.).
Pessoas idosas no Brasil. Brasília: Instituto Atenas; AMPID, 2009, p.111.
196

Com o advento do Estatuto do Idoso, o referido direito voltou a ser


reafirmado nos artigos 3º e 20 da referida lei.

No entanto, como bem observa Naide Maria Pinheiro, a despeito da


previsão legislativa, ―observou-se, na prática, a omissão do Poder Público, no
tocante à criação de políticas tendentes a garantir esporte e lazer aos idosos‖.459

Embora não haja um fomento em nível nacional, por parte da União da


prática esportiva entre os idosos, alguns Estados, como São Paulo, vêm realizando,
anualmente, os denominados Jogos Regionais do Idoso (JORI) e Jogos Abertos do
Idoso (JAI), sob a responsabilidade da Coordenadoria do Esporte e Lazer da
Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, em parceria
com o Fundo Social de Solidariedade.

A referida coordenadoria, a cada ano, edita portarias regulamentando o


evento. Quanto aos jogos de 2014 foi editada a Portaria nº G. Cel. 10/2014, ditando
o seu artigo 1º , que:

Artigo 1º - Os Jogos Regionais do Idoso e os Jogos Abertos do Idoso – JAI


- organizados e realizados pela Secretaria de Estado de Esporte, Lazer e
Juventude, Fundo Social de Solidariedade, Secretaria de Desenvolvimento
Social, Secretaria da Educação e Secretaria da Saúde, têm por objetivos
valorizar e estimular a prática esportiva, como fator de promoção de saúde
e bem estar, resgatando a autoestima para melhor convívio social dos
idosos do Estado de São Paulo.460

É necessário, contudo, que as práticas esportivas alcancem todos os


idosos no território nacional, impondo-se, assim, que a União fomente a referida
política pública, para que todos os Estados e Municípios possam implementá-las nos
respectivos territórios.

Ensina-se que:

Além da saúde corporal e da redução do estresse, a atividade física tem


uma outra característica importante: favorece a sociabilidade, ensinando o
459
Cultura, esporte e lazer: direitos da pessoa idosa. In: GUGEL, Maria Aparecida; MAIO,
Iadya Gama (Orgs.). Pessoas idosas no Brasil. Brasília: Instituto Atenas; AMPID, 2009, p.122.
460
Disponível em: http://www.selj.sp.gov.br/regulamentos_2014/JORI.pdf. Acesso em:
30/04/2014. Conforme dispõe o art.6º da referida portaria os referidos jogos abrangem as seguintes
modalidades esportivas: 01. Atletismo Masculino/Feminino;02. Bocha Misto; 03. Buraco
Masculino/Feminino; 04. Coreografia Misto ; 5. Damas Masculino/Feminino; 06. Dança de Salão
Misto; 07. Dominó Masculino/Feminino; 08. Malha Misto; 09. Natação Masculino/Feminino; 10. Tênis
masculino/Feminino; 11. Tênis de Mesa Masculino/Feminino; 12. Truco Misto; 13. Voleibol Adaptado
Masculino/Feminino; 14. Xadrez Masculino/Feminino.
197

trabalho em equipe e facilitando o relacionamento das pessoas na busca de


objetivos comuns. Quando bem organizada, constante prazerosa promove
benefícios à saúde e propicia maior longevidade, amenizando as alterações
fisiológicas, funcionais, sócio afetivas e psíquicas comuns ao
envelhecimento[...]O esporte para idosos tem como finalidade promover o
bem estar e a saúde, a melhoria da condição física e a interação social,
podendo ser praticado de forma competitiva ou como atividade recreativa e
de lazer. Desenvolvido por meio de uma prática que permite o acesso a
todos, apresenta atividades reorganizadas em seus elementos básicos
como regras, equipamentos e metodologia, respeitando-se os limites,
interesses e necessidades de cada um.461

Quanto ao lazer, constitui ele um direito fundamental social


expressamente inserido no artigo 6º da Constituição da República.

A consagração do direito ao lazer, como direito fundamental, se


harmoniza com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que dispõe que:

Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a


limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Como já explicitado, a Lei nº 8.842/94, que instituiu a Política Nacional


do Idoso, impõe, no seu artigo 10, inciso VII, que o Poder Público deverá incentivar e
criar programas de lazer para a melhoria da qualidade de vida do idoso e estimular
sua participação na comunidade.

O Estatuto do Idoso reafirmou a fundamentalidade do referido direito no


seu artigo 3º, c.c. o artigo 20, assegurando, no artigo 23, o desconto de 50% para o
idoso nos ingressos para eventos de lazer, dentre outros.

É interessante observar-se que o idoso é focado pela sociedade como


uma pessoa que possui todas as características ideais, para usufruir do lazer já que
além de aposentado goza de tempo livre para tal atividade.

No entanto este estereótipo que recai sobre o idoso encontra-se


desvinculado da realidade social brasileira.

461
Comissão de estudos sobre esportes para idoso do SESC SP – SOUZA, Maria Aparecida
Ceciliano de (Coord.). Esporte para idosos: uma abordagem inclusiva. Revista A Terceira Idade.
São Paulo: SESC, v.16, n.33, p.7-21, jun.2005. Acrescentam os professores da aludida comissão
que ―O adulto velho possui uma memória motora construída ao longo da vida que pode ser explorada
por meio do resgate das habilidades motoras como andar, correr, saltar, saltitar, arremessar, rebater,
quicar, entre outras, mesmo com pessoas que nunca vivenciaram a prática de esportes. Como o
estímulo à prática e à variação de movimentos, o que era apenas uma habilidade torna-se uma
diversidade de experiências motoras, onde os movimentos vivenciados pelo próprio aluno geram uma
relação corpo – objeto – espaço – tempo, que facilitará a datação gradual e o aprendizado dos
movimentos específicos do esporte‖ (p.14).
198

Com efeito, apenas uma minoria de idosos podem, de fato, usufruir do


lazer. Além dos problemas financeiros, que afligem grande parte dos idosos, cuja
aposentadoria é insuficiente, até mesmo, para a sua subsistência, não se pode
olvidar que grande parte dos idosos têm responsabilidades familiares e sociais, o
que reduz substancialmente o tempo para o lazer.

Ensina Minéia Carvalho Rodrigues, da Universidade Federal de Goiás,


que:

Com relação aos idosos, as condições econômicas são um entrave para o


lazer, uma vez que há uma queda em sua renda a partir do momento em
que se aposentam. As pessoas idosas que possuem apenas a
aposentadoria como recurso financeiro, vivem em dificuldades econômicas
sem acesso ao lazer, pois os gastos com atendimento médico e remédios
consomem boa parte de sua renda. Esse acesso se torna ainda mais difícil
quando consideramos a mercadorização do lazer dominado pela iniciativa
privada. A quantidade de tempo livre é outro problema, apesar de alguns
estudiosos considerarem os idosos como tendo tempo de sobra, esta
realidade não abrange a todos. Não podemos esquecer que estas pessoas
em sua maioria possuem algumas obrigações familiares, religiosas e
sociais que limitam o tempo que poderia ser destinado ao lazer.462

Nunca é demais relembrar-se que o lazer constitui uma necessidade


absoluta do idoso, no sentido de que alcance uma qualidade de vida que lhe
possibilite um mínimo de dignidade.

Também o lazer constitui instrumento social de fundamental


importância, para que se possa extirpar a solidão do idoso.

Leciona-se nesse sentido que à medida que se diminui o contato do


idoso com o mundo exterior, o seu universo social também vai regredindo. Aliás, a
maior parte dos amigos ou já faleceram ou o poder de deambulação encontra-se
limitado em decorrência de doenças crônicas ou em decorrência do natural processo
de envelhecimento. ―No entanto, independentemente de viver só ou em companhia
de alguém, a pessoa idosa tende a sentir-se solitária. Essa solidão quase sempre

462
As novas imagens do idoso veiculadas pela mídia: transformando o envelhecimento
em um novo mercado de consumo. Revista da UFG. Goiânia: UFG, ano V, v.5, n.02, dez.2003, on
line. Disponível em: http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/idoso/imagens%20.html. Acesso em:
30/04/2014. Acrescenta a ilustre professora que: ―Grande parte das pessoas idosas não tem acesso
aos espaços de lazer, desconhecendo a importância e os benefícios que este pode lhe oferecer. Abrir
possibilidades de acesso é fundamental, uma vez que, por meio das experiências de lazer o idoso
aprenderá a gostar tanto do lazer como de si mesmo. Desta forma, faz-se necessário minimizar para
o idoso as barreiras de acesso ao lazer buscando, neste trabalho, uma participação de todas as
camadas da sociedade de diferentes sexos, idades, etnias etc. Ações concretas são imprescindíveis
para que a população idosa sinta os benefícios do lazer‖.
199

conduz à depressão, e esta pode contribuir para acelerar o processo de


envelhecimento‖.463

Focando os efeitos positivos do lazer sobre a qualidade de vida do


idoso, ensina Aline Oliveira Dias que no que tange à saúde física, as práticas de
lazer ―direcionadas ao exercício físico podem ocasionar ganhos motores, cognitivos,
os quais, por sua vez, conduzirão a outra dimensão de qualidade de vida, pois
poderão auxiliar o idoso a prolongar seu nível de independência‖ .464

Um dos projetos que permitem não só o lazer do idoso, mas também a


sua inserção na cidadania cultural do país é o Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos para Idosos, mantido pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Pela Resolução CNAS, nº 109/09, o referido serviço:

Tem por foco o desenvolvimento de atividades que contribuam no processo


de envelhecimento saudável, no desenvolvimento da autonomia e de
sociabilidades, no fortalecimento dos vínculos familiares e do convívio
comunitário e na prevenção de situações de risco social. A intervenção
social deve estar pautada nas características, interesses e demandas dessa
faixa etária e considerar que a vivência em grupo, as experimentações
artísticas, culturais, esportivas 10/43 e de lazer e a valorização das
experiências vividas constituem formas privilegiadas de expressão,
interação e proteção social. Devem incluir vivências que valorizam suas
experiências e que estimulem e potencialize a condição de escolher e
decidir.465

Registre-se, contudo, que o referido projeto pode ser desenvolvido no


Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), mas somente alcança os

463
NASCIMENTO, Maria Cristina Rubelsperger et alii. Qualidade de vida na terceira idade. In:
Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços sociais; Associação Nacional de
Gerontologia/Seção Rio de Janeiro. Envelhecer com cidadania: quem sabe um dia? Rio de
Janeiro: ANG-RJ/CBCISS, 2000, p. 124. Acrescentam as autoras que: ―Em decorrência destas
observações, ressalta-se a necessidade de promover junto a pessoas desta faixa etária estimulação
constante no sentido de leva-las à consciência do quanto pode ser ampliada sua capacidade de
receber e avaliar novas situações e desafios, de integração e ressignificação do momento presente e
de real participação no contexto sócio cultural em que vivem. Abandonando este caminh0, temos à
frente o risco de nos deparamos cada vez mais com pessoas que preferem ter, e3m sua autoimagem,
as características ora destas como sendo a única forma de serem aceitas e reconhecidas pelo grupo
social‖ (p.124).
464
Idoso, lazer, grupos de convivência: uma comparação entre participantes, não-
participantes e egressos. 2012. 154 f. Dissertação (Mestrado) - Escola de Educação Física,
Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Universidade Federal de Minas Gerais, Bel.o Horizonte, 2012.
Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br>. Acesso em 01/05/2014.
465
Disponível em: < http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/entidades-de-assistencia-
social/copy_of_legislacao-2011/resolucoes/2009/Resolucao%20CNAS%20no%20109-
%20de%2011%20de%20novembro%20de%202009.pdf >. Acesso em: 01/05/2014.
200

idosos em vulnerabilidade social, sendo insuficiente, portanto, para satisfazer as


exigências do Estatuto do Idoso. Aliás, os poucos recursos do CRAS não
possibilitam nem mesmo que a referida unidade do SUAS cumpra o seu papel
institucional.

Acrescente-se que o Centro de Referência do Idoso, conforme já


exposto no item 2.5, constitui importante instrumento, para assegurar à pessoa idosa
atividades culturais e de lazer imprescindíveis a sua qualidade de vida.

No entanto trata-se de equipamento de alto custo e que se encontra


instalado em poucos territórios, como na cidade de São Paulo.466

No que tange ao dever das Instituições de Longa Permanência para


Idosos de promover, nos termos do artigo 50, inciso IX, do Estatuto do Idoso, o
lazer dos seus internos, além de atividades educacionais, culturais e esportivas,
observa-se que tal dever vem sendo negligenciado por tais instituições, conforme
anota Nide Maria Pinheiro.467

Na ampla maioria das ILPIS, a única distração dos idosos internos é


observar as programações da TV.

Observam, contudo, Marcos Filipe Guimarães Pinheiro e Christianne


Luce Gomes que a maior parte das programações são de qualidades
questionáveis.468

Verifica-se, assim, que, a despeito do avanço legislativo ocorrido no


Brasil, na tutela dos direitos da pessoa idosa, não há, na prática uma efetivação dos
referidos direitos fundamentais. Na realidade, a lazer propiciado pelo poder público
no Brasil se resume, na maioria dos territórios, a pequenas excursões regionais
desenvolvidas pelos gestores municipais, o que constitui vilipêndio aos preceitos
normativos enfocados.

466
Vide item 2.5 Do direito a saúde.
467
Op.cit., p.124.
468
Lazer, velhice e instituição asilar: reflexões baseadas na revisão de literatura e nos
Trabalhos apresentados no encontro nacional de recreação e lazer (2001-2005). Revista A
Terceira Idade. São Paulo: SESC, n.18, v.40, p-.27-38, out.2007. Advertem, ainda: ―Com as
limitações provenientes do envelhecimento, outras atividades como leitura (que exige boa visão) e
atividades manuais (podem requerer boa visão e coordenação motora fina) vão sendo deixadas de
lado ou substituídas. Com o declínio da audição, até mesmo o rádio pode ser inutilizado e a TV, como
possibilidade de lazer – sendo esse lamentavelmente visto apenas como distração e entretenimento
para os internos -, ganha cada vez mais espaço nesse ambiente‖ (p.38).
201

2.11 Da aptidão para os atos da vida civil

Segundo já explicitado, a Constituição da República preconiza em seu


artigo 230 que é dever de todos, inclusive do Estado, de amparar a pessoa idosa e
defender sua dignidade e bem-estar. No entanto, a própria Constituição estabelece
ditames ofensivos à própria dignidade da pessoa idosa.

Mesmo diante de uma realidade que denota que o idoso, hoje, com 70
anos de idade, pode continuar contribuindo com a Administração Pública e com a
própria comunidade o artigo 40 da nossa Carta dispõe, em seu § 1º, inciso II que o
servidor que completar a aludida idade será aposentado compulsoriamente, com
proventos proporcionais ao tempo de contribuição.

Não se pode ignorar que há uma preocupação do legislador com a


eficiência do serviço público, sendo prudente que aquele que não mais consegue
contribuir com o seu trabalho seja aposentado com um justo benefício
previdenciário.

Contudo constitui manifesto vilipêndio à dignidade do servidor idoso


afastá-lo, compulsoriamente, do serviço público, mediante mero requisito objetivo da
idade denotativo de sua incapacidade laboral.

Evidentemente, a aposentadoria deve ser enfocada como um prêmio


social ao servidor que trabalhou, durante vários anos, em prol da sociedade, quer no
serviço público ou privado.

O parlamento brasileiro começou a rediscutir a questão da


aposentadoria compulsória e o Projeto de Emenda Constitucional nº 457/05 propõe
alteração da redação da referida norma constitucional, alterando a aposentadoria
compulsória para 75 anos de idade.

A aludida PEC foi promulgada, em 07 de maio de 2015, nos termos do


artigo 60, § 3º da Constituição da República, cuja redação agracia, transitoriamente,
os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal
de Contas da União com a aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade,
enquanto que a situação jurídica dos demais funcionários públicos será regulada por
lei ordinária.
202

A referida alteração, se concretizada em votação de segundo turno da


Câmara dos Deputados será promulgada pelo Congresso Nacional, porque já fora
votada e aprovada anteriormente pelo Senado Federal, com a mesma redação.

Assinale-se que consolidada a aprovação da PEC enfocada e posterior


lei ordinária, o vilipêndio à dignidade e à cidadania do idoso será apenas
amenizada, porque também há idosos com mais de 75 anos que produzem muito
mais do que os jovens servidores.

Será muito mais sábio o poder reformador, se, ao alterar o dispositivo


constitucional para 75 anos, inserir a salvaguarda de que o servidor poderá
continuar exercendo sua função pública, se estiver apto física e mentalmente para
permanecer na Administração Pública, mediante laudo subscrito por dois peritos
médicos da área de recursos humanos, cujo exame deverá ser renovado
anualmente.

É digna de nota a percuciente observação de Nilson Tadeu Reis


Campos Silva, que, ao atentar para a idade dos senadores em exercício, em
setembro de 2010, constatou que:

Incoerentemente com esse cenário de incapacidade da população idosa a


atual composição do Senado Federal, a quem a Constituição Federal
comete, dentre outras, a competência privativa para processar e julgar
presidente da república e ministros do Supremo Tribunal Federal, registra
dentre os 81 senadores em exercício, 44 com idade igual ou superior a 60
469
anos, e 10 senadores com idade igual ou superior a 70 anos.

Discorrendo sobre a questão da maior idade exigida pela Constituição


da República, para que um cidadão seja um senador da república, explica Pedro
Robson Pereira Neiva que:

Esses resultados sugerem que a idade não exerce , de fato, um papel


importante na definição dos resultados políticos. No entanto, ela ainda é
importante na percepção que temos do Senado como uma casa onde estão
os políticos mais experientes, capazes de decidir sobre os assuntos mais
complexos e controversos. Ainda que o efeito seja mais simbólico que
efetivo, a idade mais avançada dos senadores (em seu conjunto)
complementam a função que a Casa tem, ainda que pouco discutida, de
decidir sobre os assuntos mais importantes da República.470

469
Op.cit., p.136.
470
Senador brasileiro: um conselho de anciãos? Revista de Informação Legislativa.
Brasília: Senado Federal, ano 47, n.187, jul./set. 2010.
203

Atualmente, o Senado Federal conta com vinte senadores acima de


setenta anos, dentre os quais, quatro se encontram acima de oitenta anos e um,
com noventa anos.471

Outra demonstração da incapacidade objetiva, presumida pela própria


Constituição da República, reside na disposição normativa contida no artigo 14, § 1º,
inciso II, alínea ―b‖ .

Ensina-se, aliás, que esse favor constitucional deve ser enfocado, na


realidade, ―como fator de exclusão social do idoso, e só pode ser explicada pela
menor valia a ele atribuída pelo ordenamento jurídico, uma vez que, sob o pretexto
de amparo, despe o idoso da própria condição de cidadania[...] ―.472.

Deve ser observado, ainda, que não são poucos os idosos que perdem
o poder de deambulação, mas que mantêm a saúde mental preservada, sendo que,
em tal hipótese, necessitam do apoio de terceira pessoa, para auxiliá-los. O novo
Código Civil instituiu uma nova modalidade de curatela, para que a pessoa do
curador possa cuidar dos negócios que o idoso indicar, conforme se verifica no
artigo 1.780 do Código Civil.

Quando o idoso sofre de transtorno mental, a ponto de lhe impedir o


exercício dos atos da vida civil, o legislador soluciona a questão com a curatela
tradicional, precedida da interdição, total ou parcial, do curatelado, nos termos do
artigo 1.772 do Código Civil.

Questão angustiante gravita sobre a hipótese de o idoso que necessitar


ser interditado, e não ter parentes próximos na ordem estabelecida pelo artigo 1.768
da mesma lei.

É possível, então, que a nomeação recaia sobre estranhos, nos termos


do artigo 1.755, § 3º, do Código Civil, mas em algumas comarcas, há enorme
dificuldade em tal nomeação.

Alguns juízes nomeiam advogados previamente cadastrados, que


recebem um pró-labore fixado na sentença, para o exercício da curatela. Contudo tal

471
Disponível em: http://ww.senado.gov.br/senadores ,Acesso em: 23/06/2014.
472
SILVA, Nilson Tadeu Reis Campos. Op.cit., p.135. Ensina, em complemento: ―Assegurar a
participação do idoso na comunidade, defender sua dignidade e bem-estar, garantindo a ele o direito
à vida, como determina o art.230 da Constituição de 1988, não implica trata-lo como incapaz, e sim,
como igual aos demais seres humanos‖ (p.137).
204

providência onera, ainda mais, o idoso, já que os honorários do curador são


deduzidos do próprio benefício do idoso.

Merece encômio a proposta de alteração do Código civil proposta por


Nilson Tadeu Reis Campos, no sentido de que o artigo 1767 do Código Civil, que
dispõe sobre a curatela, passe a contar com inciso específico para o idoso, com a
advertência de que a concessão da curatela atentará para a melhor alternativa
visando à manutenção da autonomia da pessoa curatelada ,podendo, inclusive, o
exercício da curatela recair sobre pessoa jurídica.473

Verifica-se, ainda, que o idoso maior de sessenta anos, que


eventualmente venha a contrair matrimônio, não tem liberdade, para fixar o regime
de bens com a sua nubente por expressa vedação do artigo 1.641, inciso II do
Código Civil, que impõe, no caso, o regime de separação de bens.

A restrição do artigo 1.641 do Código Civil, uma vez mais fere a


dignidade da pessoa idosa e vem sendo repelida pela doutrina e jurisprudência.

Como bem anota Milton Paulo de Carvalho Filho:

[...] o caráter protetivo do legislador, ao tratar do casamento de pessoa


maior de 60 anos, estende-se à união estável, com o intuito de evitar a
existência de um relacionamento exclusivamente interesseiro ou o chamado
‗golpe do baú‘. Contudo, a jurisprudência e a doutrina observam que o
referido dispositivo (art.1.641, II) fere os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica e da intimidade, bem
como a garantia do justo processo da lei, esse tomado na acepção
substantiva, firmando entendimento no sentido de que a norma contida no
artigo em exame, que repete aquela contida no art. 258, parágrafo único, II,
do Código Civil anterior, não foi recepcionada pela Constituição da
República. Isso porque o nubente ou o companheiro com 60 anos ou mais é
plenamente capaz para o exercício de todos os atos da vida civil e para a
livre disposição de seus bens. Não há justificativa a amparar o intuito da
disposição legal de reduzir a autonomia do cônjuge ou do companheiro, em
474
evidente contrariedade à Lei Maior.

Deve ser extirpada, por conseguinte, a norma enfocada pela sua


manifesta inconstitucionalidade.

473
Op.cit., p.209.
474
Comentário ao art.1.725. In: PELUZO, Ministro Cezar (Coord). Código Civil Comentado:
doutrina e jurisprudência, 2.ed., rev. e atual. Barueri: Editora Manole, 2008, p.1.867. Vide brilhante
acórdão paradigmático proferido na Ap. Cível n.007.512-4/2-00, 2ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de são Paulo, relator: Des.. Cézar Peluzo, j. 18.08.98.
205

PARTE II - A RESPONSABILIDADE DO ESTADO-JUIZ NA


EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS
IDOSOS

1 AS NUANCES DO DIREITO E O ESTADO JUIZ

1.1 Escorço histórico

Sabe-se que, desde a pré-história da humanidade, o homem passou a


viver em grupos e, em decorrência da sua própria evolução natural, regras de
conduta foram surgindo e sendo impostas por essas sociedades primitivas, visando
à própria sobrevivência da espécie.

Pode-se afirmar que o direito nasceu de forma espontânea, em face


das crenças naturais e da vida dos povos, dando origem, assim, ao direito
consuetudinário e também, mais tarde, pela obra consciente do Estado, originando,
dessa forma, o Direito legislativo.475

Ensina, a propósito, Tobias Barreto que a observação histórica e


etnológica evidencia que:

Todos os povos que que atravessaram os primeiros, os mais rudes


estágios do desenvolvimento humano, têm o uso da linguagem; todos
procuram meios de satisfazer às suas necessidades, o que dá nascimento a
uma indústria; todos enfim são artífices das armas com que caçam e
pelejam, dos vasos em que comem e bebem, dos aprestos com que se
476
adornam, e até dos túmulos em que descansam .

Dentre os povos antigos, merece destaque, contudo, o povo romano,


que alcançou inegável evolução à frente de outros povos, não só no direito, como
475
SOHM, Rodolfo. Instituciones de derecho privado romano – historia y sistemas.
17.ed. Tradução do alemão por W. Roces. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1936,
p.14/15. Acrescenta que o direito consuetudinário ―nasce da convicção e obriga, porque, brotando da
consciência do povo, se impõe pelo uso mesmo e por força da sua íntima necessidade. A lei se
embasa na sanção, por meio da qual os representantes do Poder público dão expressão à sua
vontade de legislar e na publicação...;o costume promana do uso, acompanhado da opinio
necessitatis ou convicção jurídica[...]A lei e o Direito consuetudinário são potenciais equivalentes; o
costume não só pode suprir a lei, mas também modifica-la e até derrogá-la ‖ (p.15).
476
Estudos de Direito. Campinas: Bookseller, 2000, p.144.
206

também em diversas outras áreas do conhecimento.

Ensina, aliás, que Roma ―era um povo constituído de juristas, e o


monumento de suas leis foi, durante séculos, para todas as civilizações posteriores,
a base de suas respectivas organizações jurídicas‖.477

Não é por outra razão que Justiniano já explicitava no seu Digesto 478a
diferença entre direito público e privado, ensinando que:

Direito público é o que se volta ao estado da res Romana, privado o que se


volta à utilidade de cada um dos indivíduos, enquanto tais. Pois alguns são
úteis publicamente, outros particularmente. O direito público se constitui nos
sacra, sacerdotes e magistrados. O direito privado é tripartido: foi, pois
479
selecionado ou de preceitos naturais, ou civis, ou das gentes.

Ao lado do comportamento público imposto aos cidadãos romanos,


estrangeiros, servos e escravos, Roma se preocupou, desde os primórdios, com
assegurar o exercício de direitos ínsito à vida privada dos indivíduos sob o seu jugo.

Neste sentido, Gayo, em sua célebre lição, deixou consignado:

477
PODETTI, J. Ramiro. Teoria y técnica del processo civil. Buenos Aires: Ediar Editores,
1963, p.27. Leciona-se que a história de Roma pode ser dividida em cinco períodos ou etapas. O
primeiro período, conhecido por direito arcaico ou época monárquica se estendeu desde a origem do
povo romano até a promulgação das XII Tábuas, por volta de 450 a.C, onde ocorreram as primeiras
magistraturas republicanas. O segundo período, conhecido por republicanos, que se iniciou na data
citada estendeu-se até a época de Augusto, que motivou o aparecimento do Principado. A terceira
etapa, conhecida por direito clássico, estendeu-se do ano 27 a.C até 285 d.C, em cujo ano
Diocleciano foi entronado imperador, iniciando-se a época do Império. O quarto período se iniciou em
285 d.C alcançando o ano de 527 d.C., com o coroamento de Justiniano, como imperador do Oriente,
sndo conhecido na história como período pós clássico.(Cf. RASCÓN, César. Op.cit., p.34).
478
Merece ser observado que Justiniano, ao assumir o poder no Oriente, nomeou uma
comissão de dez membros visando à compilação das constituições imperiais vigentes, cujo trabalho
ficou conhecido como Nouus Iustinianus Codex. Visando deslindar a questão dos iura (direito contido
nas obras dos jurisconsultos), nomeou três de tal comissão, para elaborar um manual destinado aos
estudantes, como introdução ao Direito inserido no Digesto, trabalho esse que ficou conhecido por
Institutiones (Institutas). Posteriormente, Justiniano promoveu alterações legislativas, mediante as
Noellae constitutiones (novelas). O conjunto de tais trabalhos compostos das Institutas, Digesto,
Código e das Novelas foi nominado pelo francês Dionísio Godofredo, em 1538, por Corpus iuris
Civillis (Cf. MOREIRA ALVES. José Carlos. Direito romano. 10. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense,
1996, v.I, p.46-48).
479
JUSTINIANUS, Caesar Flavius. Digesto de Justiniano. Trad. Hélcio Maciel França
Madeira. 2.ed. São Paulo: R.T.: Osasco: Centro Universitário FIEO-UNIFEO,2000, Livro I, p.15-16.
Acrescenta o célebre imperador que o ―direito natural é o que a natureza ensinou a todos os animais.
Pois este direito não é próprio do gênero humano, mas de todos os animais que nascem na terra ou
no mar, comum também das aves. Daí deriva a união do macho e da fêmea, a qual denominamos
matrimônio; daí a procriação dos filhos, daí a educação. Percebemos, pois, que também os outros
animais, mesmo as feras, são guiados pela experiência deste direito. O direito das gentes é aquele
do qual os povos humanos se utilizam. O que permite facilmente entender que ele se distancia do
natural, porque aquele é comum a todos os animais e este é comum somente aos homens entre si‖
(p.16).
207

1. Todos os povos que são regidos por lei e costumes usam um direito que,
em parte, lhes é próprio e, em parte, é comum a todos os homens, pois o
direito que cada povo promulga para si mesmo esse lhe é próprio e se
chama direito civil, direito inerente à própria cidade, mas o direito que a
razão natural constituiu entre todos os homens e entre todos os povos que
o observam, chama-se direito das gentes, como se disséssemos o direito
que todos os povos usam. Assim, também, o povo romano usa de um
direito que, em partem lhe é próprio e, em parte, comum a todos os
homens...2. Os direitos do povo romano constam, assim, de leis, plebiscitos,
senatusconsultos, constituições imperiais, editos dos que tem o direito de
promulga-los e respostas dos prudentes. 480

Os jurisconsultos romanos definiam o direito como a arte do bom e do


equitativo. Ulpiano ensinava que: ―É preciso que aquele que há de se dedicar ao
direito primeiramente saiba de onde descende o nome ‗direito‘ (ius). Vem, pois, de
‗justiça´. De fato, como Celso elegantemente define, direito é a arte do bom e do
justo‖.481

Aliás, Ulpiano comparava o exercício do direito ao sacerdócio.


482
Observa Ortolan que este império da razão ―do bem e da equidade, como dogma
constituinte do direito, se manifesta em inúmeros fragmentos dos jurisconsultos
romanos‖.483

A leitura de tais fragmentos evidencia que o vocábulo ius expressava o


justo e da sua aplicação aflorava a justiça. Desse modo, sendo o direito elaborado
pelos homens sábios e sensatos, ―estes desenvolviam a técnica à justiça como
constante e perpétua vontade de dar a cada um seu direito‖.484

480
GAIUS. Institutas do jurisconsulto Gaio. Trad. J. Cretella Jr e Agnes Cretella. São Paulo:
R.T., 2004, p.37. Acrescenta, ainda, que: ―3. Lei é o que o povo romano ordena e constitui. Plebiscito
é o que a plebe manda e constitui. Plebe, entretanto, difere de povo, porque a denominação povo
abrange todos os cidadãos, incluídos também os patrícios, ao passo que a denominação plebe
significa os demais cidadãos, com exclusão dos patrícios...4..Senatusconsulto é o que o senado
manda e constitui, tendo força de lei, embora isso tenha sido posto e dúvida. 5. Constituição imperial
é o que o imperador ordena mediante decreto, edito ou epístola. ...6. Editos são ordens dadas pelos
que têm o direito de editá-las. Ora, o direito de promulgar editos têm-no os magistrado do povo
romano, mas o mais amplo dos direitos é dos editos dos dois pretores, o urbano e o peregrino...7.
Respostas dos prudentes são as sentenças e as opiniões daqueles a quem é permitido constituir o
direito.[...]‖ (p.37-38).
481
JUSTINIANUS, Caesar Flavius.Op.cit.,, p.15.
482
Tal pensamento de Ulpiano pode ser extraído do seguinte fragmento: ―Jus este ars boni et
aequi, cujus méritos quis nos sacerdotes appellet. Justitiam manque colimus, et boni et aequi notitiam
profitemur, aequum ab iniquo separantes, licitum ab illicito discernentes; bonos nos solum metu
poenarum, verum etiam praemiorumm qnoque exhortatione efficere cupientes: veram, nisi fallor,
philosophiam, nos simulatam afrfectantes‖ (Dig.1.1.1.§1,Fr.Ulp), apud ORTOLAN, M. .Esplicacion
histórica de Las Instituciones del Emperador Justiniano.Trad. Dom Francisco Perez de Anaya.
Madrid: Estabelecimiento Tipográfico de D. Ramon Rodriguez de Rivera, T.I, 1847, p.17.
483
Op.cit., p.16.
484
RASCÓN, César. Síntesis de historia e instituciones de derecho romano.4.ed. Madrid:
208

No entanto depreende-se pelo próprio texto de Gayo já mencionado


que os juristas romanos empregavam a palavra ius como direito , em dois sentidos
diferentes: ―um objetivo, como norma,485 e outro subjetivo, como faculdade ou
interesse‖.486

. Quanto à pessoa ser sujeito de direitos, é imperioso observar-se que


o fato de a pessoa nascer no território romano não era suficiente para que se
reconhecessem todos os seus direitos. A palavra pessoa era empregada como
sinônima de ser humano, sendo oportuno frisar-se que a pessoa iniciava sua
existência com o nascimento, de forma que o ―nasciturus‖ 487 não era considerado
pelo direito romano, salvo para alguns efeitos, como a regra segundo a qual ―o
status de um filho se determinava como se houvesse nascido no momento da
concepção, com o que se queria evitar que nascera escravo o filho de uma mulher
que era escrava no momento do parto e livre no da concepção‖.488

Por ocasião das Leis Sencia e Papia Papea, editadas na época de


Augusto, determinava-se que os nascimentos de filhos de justas núpcias deveriam
ser levados a registro, no prazo de trinta dias, a contar do nascimento com vida. A
referida inscrição constituía a prova do nascimento e a condição de cidadão romano,
sendo digno de registro o fato de que, no aludido documento, constava o nomes dos
pais e o da criança.

Voltando à questão da capacidade jurídica e do exercício dos direitos


civis, um dos primeiros requisitos exigidos para a plena capacidade civil, em tal
civilização, consistia no status de ser livre, ou seja, o indivíduo deveria nascer de
mãe livre ou, mesmo, de escrava, desde que, no momento da concepção, se
tratasse de mulher livre. Também a plena capacidade era alcançada por aqueles

Tecnos, 2011, p.21.


485
Pelo que se depreende do Digesto de Justiniano os ―preceitos de direito são estes: viver
honestamente, não lesar outrem, dar a cada um o seu‖ (Op.cit., p.19).
486
RASCÓN, César.Op.cit., p.21.Ensina-se, a propósito, que o direito, no sentido objetivo,
―equivale à ordem jurídica e pode definir-se como o conjunto de normas que regulam a convivência
dentro da sociedade humana e regem de um modo coativo, ou seja, que pode impor-se pela força em
caso de necessidade[...]Denomina-se direito subjetivo a faculdade concedida ao indivíduo pelo Direito
objetivo para proteção de seus interesses racionais. Todo direito subjetivo deve, portanto, sua
existência ao objetivo...‖( SOHM, Rodolfo. Instituciones de derecho privado romano – historia y
sistemas. 17.ed. Tradução do alemão por W. Roces. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado,
1936, p.11/12).
487
Aquele que foi concebido e não nasceu.
488
RASCÓN, César. Op.cit.,, p.140.
209

escravos alforriados que obtivessem, portanto, a liberdade.489

Depreende-se, assim, que o escravo ou servo não tinham capacidade


jurídica, já que não eram considerados sujeitos de direitos. Aliás, Gayo deixou
registrado, em sua obra, que: ―se dividem, também as coisas em corporais e
incorporais. São corporais as coisas tangíveis, como um fundo, um escravo, um
vestido, o ouro, a prata e outras inumeráveis coisas‖.490

No entanto, os escravos podiam realizar negócios jurídicos, mas tudo


que adquiriam pertencia ao seu proprietário. Por outro lado, se realizasse um ato
ilícito, recaía sobre o proprietário a responsabilidade objetiva, mas este poderia
entregar o próprio escravo para reparar o prejuízo causado.491.A condição de
escravo podia ser extirpada por decisão estatal, como prêmio aos serviços
prestados pelo escravo ou em face de algumas circunstâncias. O Imperador Cláudio,
promulgou uma Constituição em que concedia a liberdade ao escravo que
encontrasse enfermo ou em idade avançada e fosse abandonado pelo seu
proprietário. No entanto a forma usual de o escravo perder tal condição era por meio
da manumissão.492

Registre-se que somente o cidadão romano era detentor da


capacidade jurídica plena. Quando um escravo era alforriado, obtendo, assim, a sua
liberdade, adquiria a cidadania do seu senhor. A referida cidadania era obtida pelo
nascimento, sendo que o aludido status era obtido pelos filhos de cidadãos romanos,

489
Leciona César Rascón que ―o escravo nascia com tal condição ou era feito escravo.
Nascia escravo o filho de mãe escrava, e as causas mais frequentes para que um homem livre se
convertesse em escravo eram os prisioneiros de guerra e a condenação a trabalhos forçados nas
minas. Caía também em escravidão aquele que era entregue a um povo estrangeiro para satisfazer
uma responsabilidade de Roma, el iudicatus e o confessuri in iure (o que havia confessado perante o
magistrado) vendido trans Tiberim, o que era vendido trans Tiberim porque sobre ele exercia a pátria
postestas; o que deixava de cumprir voluntariamente o serviços militar ou não se submetia ao
censo...o ladrão surpreendido em flagrante delito. Em virtude de um senadoconsulto Claudiano do
ano 52 d.c., a mulher livre que mantivesse relações com um escravo, após ser advertida três vezes
pelo dono do servo, se tornava escrava daquele‖ (idem, p.143).
490
Op.cit.,p.85.
491
Cf. Rascón, César. Op.cit., p.143. Complementa o autor esclarecendo que as famílias ricas
de Roma recorriam a preceptores escravos, de origem grega, para alfabetizarem seus filhos. Ensina,
ainda, que ―era muito frequente que os romanos pusessem o cuidado da sua saúde nas mãos de
médicos escravos, também gregos, que tinham um alto preço e chegavam a converter-se em
pessoas de confiança de seus donos, exercendo grande influência sobre eles, como no caso de
Jenofonte, médico e amigo de Cláudio; foram eles que introduziram a medicina hipocrática em Roma
criando escolas e renovando os métodos de curas tradicionais exercidos pelo paterfamilias no seio do
grupo familiar‖ (idem, p.143/144).
492
Cf. Rascón, César. Op.cit., p.144. Por meio do instituto da manumissão, o senhor libertava
o seu escravo, renunciando ao poder que detinha sobre ele.
210

no momento da sua concepção. Como já observado, o Estado também concedia


cidadania aos escravos em alguns casos, como na hipótese do escravo abandonado
detentor de enfermidade ou de idade avançada. 493

Além das regalias políticas e jurídicas concedidas aos cidadãos


romanos, no ano de 493 a.C, Roma subscreveu um tratado com os povos vizinhos
ao Lácio,494 sendo que a estes latinos da primitiva federação e com os habitantes
das antigas colônias fundadas por Roma, cujos povos passaram a ser conhecidos
por latinos antigos ―e podiam realizar negócios, contrair matrimônio, fazer
testamento e ser tutores ou pupilos, tudo isto conforme o direito romano‖.495

Frise-se, por oportuno, que o status de cidadão permitia ao indivíduo


exercer os direitos que o ordenamento romano reconhecia, o que se aproxima
daquilo que o moderno direito denomina de direitos subjetivos.

Como já observado, havia o Jus Civile, reservado, privativamente, aos


cidadãos de Roma e o direito das gentes (jus Gentium). Neste sentido, ensina-se
que o Direito Romano congrega duas classes de instituições:

Umas, formalistas, que são as procedentes do antigo jus civile; outras livres
de formas, as que adquirem força jurídica com o contato do comércio
romano com o mundial: as primeiras, reservadas às relações entre
cidadãos: as segundas, acessíveis também aos estrangeiros ou peregrinos.
Aquelas instituições formam o que se chama jus civile privativo e peculiar:
jus proprium civium Romanorum; nas outras veem os romanos um Direito
comum a todos os povos, embasado no sentimento de equidade, igual em
todos os homens, e na lei natural das coisas. 496

Pode-se afirmar que ―a ideia do jus gentium foi o primeiro passo para
uma desnacionalização do direito. A exigência fundamental do jus civile fazia

493
Cf. Rascón, César. Idem, p.145. Anota o autor que o direito romano somente se aplicava
aos cidadãos romanos onde quer que se encontrassem, o que significa que tinha o caráter pessoal e
não territorial. O cidadão se regia pelo direito romano, com a consequência de que nas relações
jurídicas de quem tinha tal condição se aplicava o direito romano pelos tribunais de justiça romanos e,
ao mesmo tempo, o cidadão devia cumprir as obrigações que resultavam da aplicação do direito
romano. Isso implica também no reconhecimento tanto de faculdades de caráter política, como votar
nas assembleias, ocupar magistraturas ou servir no exército, como de direitos de natureza pública e
privada, por exemplo, os de realizar negócios jurídicos válidos sujeitos à norma romana, contrair
matrimônio romano, fazer testamento ou atuar em juízo‖ (Idem, ibidem).
494
Local onde Roma foi fundada.
495
Ráscon, César. Idem, p.146.
496
SOHM, Rodolfo. Instituciones de derecho privado romano – historia y sistemas.
Op.cit., p.61/62.. Adverte o autor que não se ―pretende afirmar com isto a ideia de um ‗Direito Natural‘
de caráter filosófico: o jus gentium foi sempre parte do Direito romano positivo e concreto, modelado
pela necessidade do comércio pelas fontes jurídicas romanas, particularmente pelo Edito pretório‖
(idem, p.62).
211

depender da civitas romana a participação de suas disposições.‖ 497

É digno de nota o que os romanos entendiam por lei, em sentido


estrito: ―[...] o preceito geral do sumo imperante, o qual todos seus súditos estão
obrigados à obedecer [...]‖ .498

Observa-se, assim, a grande sensibilidade dos juristas romanos,


quanto ao conceitos normativos, inclusive, no que tange à imperatividade da lei .

1.1.1 Modalidades de ações

Nos tempos primitivos de Roma, tal qual noutros povos, imperava a


justiça privada, onde os contendores se valiam, ordinariamente, da força, para
resolver o litígio. A ação, portanto, foi o caminho encontrado na evolução processual
do direito romano para a composição do litígio de forma pacífica, ―de modo que,
antes da sua existência, não se podia falar de direito subjetivo já que a única via
para dar satisfação àquele era a força‖.499

Ortolan, ao comentar ―As Instituições do Imperador Justiniano‖ ensina


que a ação era enfocada pelos jurisconsultos da época como ―o recurso à
autoridade para fazer valer seus direitos de um modo qualquer, já demandando, já
se defendendo; o ato, mesmo, de recorrer, assim, ao poder instituído[...]‖.500

Aliás, Justiniano ensinava que ― a ação outra coisa não é senão o

497
BARRETOS, Tobias. Op.Cit., p.147. Acrescenta o autor que a civitas romana ―era uma
base muito estreita, que só podia aguentar o edifício político de um povo guerreiro e conquistador.
Mas essa base alargou-se, e em vez de civitas, o senso prático de Roma lançou mão do princípio da
libertas como fundamento da sua nova vida jurídica. Já não era preciso ser cidadão romano, bastava
ser humano livre, para gozar das franquias e proventos do direito[...]A cultura romana, tornando-se
cultura greco-latina, pela invasão e influência do helenismo, cuja mais alta expressão foi a filosofia,
recebeu em seu seio grande número de ideias então correntes sobre a velha trilogia: Deus, o homem
e a natureza[...]‖ (p.148).
498
SALA, Don Juan. Digesto Romano-Español, Tomo I. Madrid: Imprenta Del Colegio de
Sordo-Mudos, 1844, p.09.
499
Rascón, César. Idem, p.180.
500
ORTOLAN, M. Esplicacion histórica de Las Instituciones del Emperador
Justiniano.Trad. Dom Francisco Perez de Anaya. Madrid: Estabelecimiento Tipográfico de D. Ramon
Rodriguez de Rivera, T.II, 1847, p.534. Explica o autor que ação passou posteriormente a ter
sentidos. ―Assim, num sentido figurado, a ação não é já o ato, mas o direito de executar o dito ato; ou
seja, o direito de formalizar este recurso à autoridade[...]num terceiro sentido figurado, o mesmo que
o segundo, não é já nem o ato, nem o direito de executá-lo, e sim o meio, a forma que se coloca à
disposição para a apresentação deste recurso. Temos, pois, três significados diferentes da palavra
ação: na primeira, a ação é um fato; na segunda, um direito; na terceira, um meio, uma forma. Estas
três significações são todas usadas na linguagem jurídica‖ (Idem, ibidem).
212

direito de perseguir, em juízo aquilo que nos é devido‖.501

Embora a doutrina esclareça que a palavra actio tinha várias


significações, chama a atenção o instituto da ação processual que ―pressupunha a
existência de uma organização suprafamiliar, posto que se tratava de evitar que as
controvérsias se resolvessem mediante a defesa privada dos interesses‖. 502

Não se pode olvidar da pertinente lição de Schialoja, para quem: ―Actio


é em substância um sinônimo de actus...actio quer dizer actus e se refere também
ao que nos chamamos de atos jurídicos‖..503

Angustia a doutrina sobre o momento em que se poderia denominar a


forma de resolução de litígio, no direito romano, de processo civil.

Leciona-se que, muito, provavelmente, a origem do processo civil


romano aflorou na recepção pelo Estado do sistema de arbitragem privado, que era
uma característica dos processos primitivos da época histórica romana. 504

Ensina-se que, durante o período de vigência da ―ordem dos juízos


privados‖ (ordo iudiciorom privatorum), a administração da justiça se constituía em
atos voluntários das partes, no sentido de que requerente e requerido acordavam
numa espécie de contrato arbitral denominado litis contestatio, que terceira pessoa
ditasse uma decisão, que deveria ser aceita por elas.505

Anota Rodolfo Sohm que:

A litis contestatio – formulação ou definição do processo – deve seu nome ao


chamamento solene de testemunhas que primitivamente traziam as partes

501
Institutas do Imperador Justiniano. Tradução: Edison Bini. São Paulo: Edipro, 2001,
p.197. Adverte Vittoiro Scialoja que estava definição deve ser enfocada apenas ―[...]como a definição
de um dos múltiplos aspectos com que se nos apresenta o conceito de ação‖ (Procedimiento civil
romano: ejercicio y defensa de los derechos. Tradução de Santiago Sentis Melendo e Marino
Ayerra Redin. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1954, p.95.
502
RASCÓN, César. Op.cit., p.180. Esclarece o autor que a resolução mediante a defesa
privada significava o uso da força.
503
Procedimiento civil romano: ejercicio y defensa de los derechos. Tradução de
Santiago Sentis Melendo e Marino Ayerra Redin. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-américa,
1954, p.96. Ensina, ainda: ―Este significado que está em uso no mais antigo direito, apresenta
também vestígios no direito mais recente. Entre esses atos havia alguns de importância capital, que
eram os atos que se deviam cumprir para obter a execução de juízo ou a decisão de um ponto
controvertido e como estavam estabelecidos pela lei determinadas formas em que estes atos solenes
deviam modelar-se se chamavam legis actiones‖.(p.96).
504
Cf. RASCÓN, César, idem, ibidem.
505
Cf. RASCÓN, César. Op.cit., p.180. Complementa o autor que os litigantes, após
acordados, fixavam os termos do litígio e escolhiam o juiz, que era um particular e não um magistrado
nem um funcionário. (ibidem).
213

para que dessem fé do ato. É um contrato de arbitragem referendado pela


autoridade, que deve sua força jurídica e sua sanção pública – base da
execução – à intervenção confirmatória do magistrado presente. Este a
denega – denegatio actionis – se, por razões materiais ou processuais,
estima infundado ou indigno de proteção o direito que se aduz. Em
contrapartida, a confirmação da litis contestatio equivale a um direito com o
que se proclama a admissibilidade da demanda[...].506

A evolução histórica do processo civil romano aponta, inicialmente,


para a ―ordem dos juízos privados‖ (ordo iudiciorum privatorum) e, depois, o
processo extraordinário de cognição oficial (cognitio extra ordinem), ―em que o juiz
era um funcionário que conhecia do litígio do princípio ao fim‖. 507

O processo civil da época clássica romana encontrava-se dividido em


dois tempos distintos consubstanciados no procedimento in jure e no procedimento
in judicio.

O procedimento in jure se processava perante o magistrado ou outra


autoridade detentora do poder jurisdicional do Estado. Este poder, em Roma,
passou a ser exercido por um pretor e nas províncias pelos governadores.508

Retomando a questão das legis actiones caracterizadoras do


procedimento in jure, ensina Gayo que:

As ações empregadas pelos antigos denominavam-se ações da lei, ou pelo


fato de se originarem das leis (pois, na época, não existiam ainda os editos
do pretor, que mais tarde introduziram várias ações), ou por se adaptarem
às palavras das próprias leis, conservando-se, por isso, imutáveis, como os
termos das leis.509

Aliás, as antigas leis romanas disciplinavam, para cada direito


reconhecido, ―a legis actio com que havia que proceder os eventuais juízos. Se não
havia especial designação na lei, devia-se proceder em sacramento‖510.

As legis actiones eram em número de cinco. Alguns autores preferem


classificá-las como cinco procedimentos, a saber: legis actio sacramento, legis actio
per iudicis postulationem; legis actio per condictionem; legis actio per manus

506
Instituciones de derecho privado romano: historia y sistema, 17.ed. Tradução de W.
Roces. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1936, p.597.
507
Cf. RASCÓN, César, idem, p.181.
508
Cf. SOHM, Rodolfo. Op.cit., p.594.
509
Institutas do jurisconsulto Gayo. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São
Paulo: RT, 2004, p.182.
510
SCIALOJA, Vittorio. Op.cit., p.132.
214

iniectionem; legis actio per pignoris capionem.511

Quanto à legis actio sacramento ou actio sacramenti, destinava-se a


casos para os quais não havia previsão na lei, de forma que a ação de sacramento
era genérica.

O presente procedimento se iniciava comparecendo as partes perante


o magistrado, para expor suas pretensões e, concomitantemente, prestar
garantias.512

Anota Fiuza que: ―Fazia-se o depósito do sacramento ou a promessa


mediante caução. Em seguida, cada parte ratificava seu direito perante o
magistrado, que lhes indicava um juiz (ou arbiter, decemviri, centumviri,
recuperatores)‖ .513

As ações de sacramento eram in personam e in rem.

Assevera Gayo que a ação é in personam, quando o autor age contra


quem se obrigou com ele, por contrato ou por delito, ou seja, quando o autor
pretende uma prestação de dar, fazer ou prestar alguma coisa.514 Anota, ainda, que
a ação é in rem, quando o autor pretende que alguma coisa corpórea se torne dele
ou quando exerce um direito sobre ela, ―como o direito de uso, de usufruto, de
passagem, de caminho, de aqueduto, de elevar a construção, ou de vista. Ou, então,
quando a ação do nosso adversário é negativa‖.515

511
Cf. FIUZA, César. Op.cit., p.27.
512
O sacramentum consistia no depósito que as partes faziam no litígio sacramental após
comparecerem perante o magistrado afirmando solenemente seus direitos preparando a litis
contestatio. A quantia do lítigio depositada pela parte sucumbente era considerada perdida.
(Cf.SOHM. Op.cit., p.600).
513
Idem, p.28. Anota, ainda: ―O juiz decidia, e a parte perdedora perdia a soma do
sacramento e ou caução‖ (p.28). É interessante a observação de Gayo quanto à actio sacramenti:
―Esse tipo de ação era tão perigoso para os litigantes de má-fé, como hoje é a ação certae creditae
pecuniae, por causa da sponsio perdida pelo réu que nega imprudente e da restipulatio perdida pelo
autor, que pede o pagamento do indevido. A parte vencida pagava, a título de multa. A soma do
sacramentum,era destinada ao erário, oferecendo-se ao pretor fiadores responsáveis pelo
pagamento‖ (Op.cit.p.183).
514
Op.cit., p.181.
515
Idem, ibidem. Complementa Gayo explicitando que quando ―[...]se se tratasse de ações in
rem, as coisas móveis e as semoventes, suscetíveis de serem levadas ou conduzidas a juízo,
pleiteavam-se do seguinte modo. O autor reclamante, empunhando a varinha tomava a coisa, um
homem, por exemplo, dizendo: digo que este homem é meu por direito dos quirites, segundo sua
situação jurídica. Assim como disse, vê que o toquei com a varinha e, ao mesmo tempo, tocava o
homem com a varinha. O réu dizia e fazia o mesmo. Quando as duas partes tinham pleiteado, o
pretor dizia: larguem, ambos, o homem, e eles o largavam. O primeiro reclamante interrogava o
reclamado assim: peço que digas a que título vindicaste; e o segundo respondia: exerci meu direito
tocando a varinha. Em seguida, o primeiro reclamante dizia: já que pleiteaste injustamente, desafio-te
215

É oportuna a observação de que: ―Nesta fase embrionária, o


procedimento se celebrava mediante a pronúncia pelas partes de afirmações
contrapostas juramentadas (sacramentais), que eram reforçadas com a promessa de
uma quantidade à similitude de uma aposta ―.516

Quanto à legis actio per iudicis postulationem, explica Scialoja que


―[...]as partes expunham perante o magistrado, em forma solene, a controvérsia que
se debatia entre eles e demandava com estas solenes palavras a designação de um
juiz ou de um árbitro para resolver a questão‖.517

A forma solene exposta pelas partes é exemplificada por Gayo: ―Eu


digo que tu me deves pagar dez mil sestércios, por causa da sponsio. Peço-te que
confirmes ou negues o que digo. O autor dizia ainda: já que negas, peço, oh! Pretor,
que indiques um juiz ou um árbitro‖.518

Este tipo de ação somente era utilizada, quando uma lei impunha a
sua utilização para determinado tipo de controvérsia, sendo muito mais vantajosa do
que ação por sacramento, uma vez que, nessa a parte sucumbente perdia a
importância que depositava como garantia da sanção.. Por outro lado, o demandado
pelo procedimento aqui descrito não corria o risco, com a sua negativa, de outra
soma além daquela efetivamente devida.519

Ensina Fiuza que a referida ação ―[...]se reserva a créditos certos ou a


juízos divisórios, inclusive heranças, condomínios etc. Era também admitida para

ao sacramentum de quinhentos asses. O contratante dizia também o mesmo: e eu te desafio. A


provocação ao sacramentum era de quinhentos asses, nas ações relativas a coisas de valor superior
a mil asses e de cinquenta, nas coisas de valor inferior. Procedia-se com os mesmos atos da ação in
personam. Depois o pretor concedia vindiciae a um dos litigantes, constituindo-o possuidor precário e
ordenando-lhe que prestasse à parte contrária caução litis et cindiciarum, isto é, caução pelas coisas
e frutos. O pretor, por sua vez, recebia também das partes outra caução pelo sacramentum,
destinado ao erário. As partes usavam a varinha em lugar da lança para simbolizar o justo domínio,
pois acreditavam que eram proprietárias principalmente do que fora arrebatado ao inimigo‖(p.184).
516
VENTURINI, Carlos; DEGENEFFE, Margarita Fuenteseca. El juez em Roma: funciones Y
responsabilidad. Madrid: Fundación Coloquio Jurídico Europeo, 2010, p.56. Anotam os autores que:
―[...]a aposta inicialmente consistia na promessa de cinco cabeças de gado ou cinco ovelhas,
oferecidas como sacrifício expiatório por haver ofendido a divindade. Posteriormente, a aposta tinha
um importe fixo de 500 ou 50 asses, tendo em conta se o valor do litígio era superior ou inferior a
1000 asses...As quantidades apostadas ademais tinham efeito sancionador do litigante temerário,
posto que o vencedor obtinha sua devolução, enquanto que a quantidade do vencido servia de
expiação por haver injuriado aos deuses‖ (p.56).
517
Op.cit., p.142.
518
Op.cit., p.185.
519
Cf. SCIALOJA. Op.cit. p.143.
216

créditos fundados em stipulationes‖.520

A legis actio per condictionem, possivelmente introduzida pelas leis


Silia e Calpurnia, promulgadas aproximadamente em 200 a.C., se destinava às
hipóteses de pagamento de dívidas. A lei Silia disciplinou a ação para as hipóteses
de dívidas cujo objeto fosse de quantia certa, ao passo que a segunda lei
disciplinou o procedimento para qualquer outro tipo de dívida de coisa certa.521

Nessa ação, o autor citava o demandado, para que ambos se


apresentassem perante o juiz, no prazo de 30 dias.

Gayo apresenta a seguinte fórmula para o aludido procedimento: ―Digo


que tu me deves pagar dez mil sestércios. Peço-te que confirmes ou que negues o
que digo. Se o adversário negasse a dívida, o autor dizia: já que negas, exijo que
compareças dentro de trinta dias, a fim de teres, diante de ti, um juiz‖. 522

A legis actio per manus iniectionem regulava uma ação executiva


autorizada por uma lei, por apreensão corporal do devedor, notadamente, em
decorrência da previsão na Lei das XII Tábuas523, para a hipótese do
descumprimento da sentença por parte da parte sucumbente.

É oportuno o registro da seguinte observação de Gayo:

O autor dizia: Por não ter me haveres pago dez mil sestércios, a que foste
condenado a pagar-me, eu lanço a mão sobre ti, por causa dos dez mil
sestércios. Ao mesmo tempo, agarrava em uma parte qualquer do corpo do
devedor. Ao condenado não lhe era permitido repelir a mão que o prendia,
agindo pessoalmente, mas nomeava um representante (vindex), para agir
em lugar dele. Quem não tivesse representante era levado para casa pela

520
Op.cit., p. 29
521
Cf. RASCÓN, César. Op.cit., p.189.
522
Op.cit., p.186.
523
Atinente à Lei das XII Tábuas ensinam Javier Paricio e A. Fernández Barreiro que: ―O
primeiro grande monumento jurídico romano foi a lei das XII Tábuas, nome que provem de sua
publicação em doze tábuas de madeira. Foram redigidas por uma comissão de dez pessoas
(decemviri legibus scribundis) e sua realização obedeceu à pretensão plebeia de que o direito
estivesse fixado por escrito. Apesar de algumas inovações por parte dos decemviros, a maior parte
dos preceitos recolhidos são oriundos dos mores, que acaso já se encontravam compilados em
prévias coleções pontificais. Assim, pois, a legislação decemviral vem a ser a fixação por escrito do
direito tradicional anterior custodiado pelos pontífices e sua transcendência não radica tanto nos
preceitos recolhidos como em sua publicação. Ademais, apesar de as XII Tábuas terem sido
superadas em grande medida, com o transcurso do tempo, nunca foram derrogadas de forma
expressa...Os preceitos conservados permitem apreciar um estilo sumamente conciso, simples e
elegante na redação, que adota ordinariamente a forma condicional em seu início e imperativa na
conclusão. Sem dúvida alguma, as XII Tábuas constituem uma clara manifestação do gênio jurídico
romano‖ (História del derecho romano y su recepción europea. 9.ed. Madrid: Marcial Pons, 2010,
p.53).
217

mão do autor e amarrado.524

Leciona Fiuza que quem era credor por sponsio e não recebesse o
crédito em seis meses, podia se utilizar do aludido procedimento. Também quem
cobrasse juros usurários ou recebesse legado de mais de 1.000 asses podia ser
constrangido a restituí-los pela ação citada.525

Leciona Scialoja que foi a Lex Furia quem determinou que o


recebimento de um legado de mais de 1.000 asses levaria o agente a ser
constrangido a devolvê-lo mediante o procedimento citado. Quanto às usuras
proibidas, a Lex Marcia determinou que o agente que assim procedesse deveria
restituir o quádruplo daquilo que cobrou ilicitamente.

Essa modalidade de manus iniectio era conhecida pelos jurisconsultos


romanos como pura, já que era exercida, diretamente, sem a fixação por sentença.
Tratava-se de uma forma atenuada de manus iniectio, porque o executado podia
livrar-se da apreensão e atuar como vindex de si mesmo, assumindo, diretamente, o
risco da contestação, aguardando-se, assim, o pronunciamento judicial. Na
realidade, esse procedimento não se revestia, na essência, de um meio de
execução, sendo, na prática, uma legis actiones cognitiva.526

A legis actio per pignoris capionem foi criada pelo costume militar de se
permitir que o militar penhorasse bens de quem lhe devia o soldo.
Ensina GAYO que:

Foi ela introduzida pelos costumes da vida militar, pois se permitia ao


soldado, para receber o soldo, penhorar o dinheiro do responsável pelo
pagamento, no caso em que este se recusasse a efetuá-lo. O dinheiro pago
como soldo chamava-se dinheiro militar (aes militare). Também se podia
tomar, como penhor, o dinheiro destinado à compra de um cavalo, dinheiro
denominado equestre (aes equestre). Finalmente, se autorizava o penhor
do dinheiro necessário a comprar cevada para o cavalho, denominando-se
este dinheiro para a cevada.527

Como já explicitado, além do costume militar, o aludido procedimento


foi disciplinado por lei, que ―confere a certos créditos privilegiados força de execução

524
Op.cit., p.186.
525
Op.cit., p.30.
526
Cf. SCIALOJA. Op.cit., p.152.
527
Op.cit., p.188.
218

direta, mediante sequestro extrajudicial dos bens do devedor‖.528

Registra Rodolfo Sohm que se ―[...] o devedor, se dentro de


determinado prazo, não resgatasse as coisas embargadas – para o qual,
provavelmente, teria que pagar uma soma em conceito de pena – perderia sua
propriedade[...]‖.529

O mesmo autor aponta que o devedor tinha um caminho aberto para


recorrer contra o embargo, suscitando um litígio com a instituição perante o
magistrado de um judicium. 530

O sistema das legis actiones passou a conviver com o processo


formular inserido pela Lex Aebutia, que foi promulgada entre 199 e 126 a. C. Os dois
sistemas perduraram conjuntamente, até as Leges Juliae promulgadas no período
de 27 a.C./14 d.C.531

Explica Scialoja, que no decorrer do procedimento in iure no sistema


das legis actiones, a lide se tornava determinada e certa entre as partes e havia a
necessidade de se estabelecer uma modulagem jurídica, eficaz e irrevogável, bem
como em que esfera e, diante de quais condições e modalidades haveria de
desenvolver o juízo. Assim, como o juiz devia, em face da litis contestatio, fixar os
limites e o estado da questão que havia de formar o objeto de seu iudicium,
comçeva, desde então, a redigir uma instrução escrita, assinalando os pontos
essenciais da lide, bem como os termos em que havia sido contestada.. Essa
instrução escrita (fórmula) era encaminhada ao iudex para ―ulterior procedimento e
decisão definitiva da causa por meio da sentença‖.532

Neste sentido, leciona Ovídio A.Baptista da Silva, ao dissertar sobre a


matéria que:

Embora uma corrente de romanistas admita a existência da litis contestatio


no período das legis actiones...a função por ela desempenhada aparece
mais compreensível no momento da introdução do processo formulário, com
a bipartição da relação processual entre procedimento in jure e apud
jucidium, quando a litis contestatio passa a corresponder ao ato de

528
SOHM, Rodolfo. Op.cit., p.607.
529
Idem, ibidem. Anota o autor que o embargante ―[..]geralmente, exercita seu direito
destruindo os bens sequestrados – pignora caedere se chama isto-, porque a finalidade do embargo,
neste caso, mais que cobrar a dívida, é castigar a contumácia do devedor‖ (p.607).
530
Idem, ibidem.
531
Cf. FIUZA. Op.cit., p.32.
532
SCIALOJA. Op.cit., p.158.
219

encerramento da primeira fase do processo, desenvolvida perante o pretor.


533

Pode-se afirmar, assim, que a fórmula consiste numa espécie de


instrução escrita, em que o magistrado ―nomeia o juiz e fixa os elementos sobre os
quais este deverá fundamentar sua sentença, concedendo-lhe o mandato mais ou
menos determinado para uma condenação eventual ou para absolvição[...]‖. 534

Como bem anota José Reinaldo de Lima Lopes:

O processo formular caracteriza-se por uma divisão nítida em duas fases: a


primeira chamada in iure, ocorre perante o magistrado (autoridade pública)
propriamente dito, o pretor. Sua tarefa é objetivamente organizar a
controvérsia, transformando o conflito real num conflito judicial: por isso, a
função do pretor poder ser descrita como a de administrar a justiça, não a
de julgar. A segunda fase e chamada apud iudicem, ou in iudicium: a
controvérsia desenvolve-se então perante um juiz (iudex) ou árbitro
(cidadão particular).535

Gayo explicita o processo formular, ensinando que se compõe ele de


quatro partes: demonstrativo, intentio, adiudicatio, condemnatio. Para o aludido
jurista demonstratio consiste na ―[...] parte da fórmula, inserida no princípio, com a
finalidade de explicar o motivo da ação[...]‖. Intentio ―e a parte da fórmula que
contém a pretensão do autor[...]‖. Adiudicatio ―é a parte da fórmula que permite ao
juiz entregar a coisa a um dos litigantes, como na ação de partilha entre coerdeiros,
ou na demarcação entre vizinhos‖. Condemnatio ―é a parte da fórmula em que se
concede poder ao juiz para condenar ou absolver[..]‖.536 Acrescenta que:

Nem todas as partes da fórmula se encontram sempre reunidas, pois umas

533
Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. São Paulo: R.T., 1996, p.72.
Acrescenta o autor: ―se pudéssemos estabelecer uma equivalência entre a litis contestatio romana e
a estrutura do processo civil moderno, poderíamos sugerir que este instituto correspondesse ao ato
por meio do qual se encerrava a fase postulatória, com a consequente inalterabilidade da instância,
resultando estabelecidos pelo pretor os limites da controvérsia, seja pela fixação do conteúdo da
ação, seja, eventualmente, pela admissão das exceções suscitadas pelo demandado‖ (p.72/73).
534
SCIALOJA, idem, p.159.
535
O direito na história. 4.ed. São Paula: Atlas, 2012, p.34-35. Complementa o autor:
―[...]que nem pretor e nem juiz são juristas. Os juristas (jurisperitos, jurisconsultos, jurisprudentes)
colaborarão de várias maneiras com o juiz e o pretor, mas não fazem parte do ‗aparelho judicial‘...é
no quadro do processo formular que elementos fundamentais da jurisprudência clássica romana se
formam. Os juristas, que mais tarde se incorporarão ao corpo de auxiliares diretos do imperador
(príncipe), começam como consultores particulares dos magistrados (pretores), juízes (árbitros) e
partes do processo formular. A flexibilização do direito civil, em geral, dá-se dentro do processo
formular, assim como a entrada da retórica grega e dos princípios de direito natural ou de direito dos
povos, em oposição ao direito civil romano tradicional‖ (p.35).
536
Op.cit., p.192.
220

aparecem, outra não. Na verdade, encontra-se às vezes só a intentio, como


nas fórmulas prejudiciais, onde se indaga se alguém é liberto, ou qual é o
valor de um dote. Ao contrário, a demonstrativo, a adiudicatio e a
condemnatio nunca se encontram isoladas, porque inútil é a demonstratio
sem a intentio ou a condemnatio. São inúteis igualmente a condemnatio
sem a demonstratio ou a intentio, motivo pelo qual não se encontram
separadas.537

Rodolfo Sohm denomina estas partes de ordinárias, para diferenciá-las


das extraordinárias, que são aquelas ―[...]que não são típicas da fórmula em
nenhuma modalidade de ações, mas são inseridas obedecendo-se às necessidades
de cada caso. São estas partes a exceptio e a praescriptio‖.538

Embora a exceptio não constituísse elemento essencial de nenhuma


ação poderia ser apresentada, em alguns casos, no interesse do demandado. Sohm
ensina que a finalidade de a exceptio, nos casos cabíveis, era justamente deixar
sem efeito a condenação, ainda que o demandante houvesse demonstrado a
verdade da intentio. O pretor, em face da interposição da exceptio, proíbe o juiz de
condenar se os fatos nela arguidos resultarem fundados. Os fundamentos dessa
modalidade excepcional de defesa eram apresentados na primeira oportunidade
concedida no processo, perante o magistrado, em cuja oportunidade o demandado
requeria expressamente, que a excpetio fosse incorporada à fórmula. Exemplifica
com a hipótese de o demandado ter contraído um empréstimo de 1oo sestercios do
demandante, cuja dívida foi perdoada por este sem a necessária formalidade
legal.Embora o Direito Civil não desse validade a esse perdão fora das prescrições
legais, o pretor poderia dar amparo ao perdão informal da dívida, mediante a
apresentação da exceptio.539

A praescriptio podia ser interposta em favor do autor ou do


demandado. Esclarece Caio que, nas prescrições em favor do autor, poderia ser
citado o exemplo de obrigações assumidas pelo devedor no sentido de pagar ao

537
Idem, ibidem. No mesmo sentido explica César Rascón acrescentando, porém, que: ―[...]
nem todas as fórmulas tinham as mesmas características. ...nos juízos divisórios, assim chamados
porque as partes litigantes pretendiam repartir uma coisa comum, a condemnatio se substituía por
uma adiudicatio na qual se pedia ao juiz que se atribuísse a cada um o que lhe corresponderia da
coisa, e que intentio e demonstratio apareciam separadas unicamente em algumas fórmulas: as in ius
conceptae cuja intentio era incerta. Nas demais a demonstratio estava fundida com a intentio, como
ocorria, por exemplo, na actio certae creditae pecuniae, que era utilizada para reclamar o devido por
um contato de mútuo ou empréstimo de dinheiro ou coisas fungíveis, cuja fórmula era mais
simples‖(Op.cit., p.191).
538
Instituciones de derecho privado romano: historia y sistema. 17.ed.. Trad. W. Roces.
Madrid: Editorial Revista de Decho Privado, 1936, p.627.
539
Op.cit., p.651.
221

credor prestações mensais ou anuais. Caso fosse necessário cobrar as prestações


vencidas resguardando-se as futuras ainda não vencidas, anota que:

[...] se quisermos reclamar e deduzir em juízo as prestações devidas,


deixando, porém, inteiras as prestações futuras, devemos agir mediante
este preceito: que a ação seja limitada a prestação vencida, porque, do
contrário, agindo sem esta prescrição mediante fórmula onde pedimos coisa
incerta, cuja intentio é concebida nos seguintes termos: tudo o que parecer
que N. Negídio deve dar ou fazer a A. Agério, deduziremos, em juízo, a
obrigação inteira, isto é, também as prestações futuras. Quanto à parte
deduzida em juízo, antes do prazo convencionado na obrigação, não
poderemos conseguir condenação, nem nos é permitido renovar a demanda
a respeito dela.540

As prescrições poderiam, também, ser interpostas pelo demandado,


como na hipótese da pessoa que reivindicava parte da herança contra quem a
541
possuía por inteiro. Explica Sciaoloja que o pretenso herdeiro que reivindicava
uma coisa singular da herança, devida, tinha que demonstrar que, de fato, era
herdeiro, a fim de provar seu direito de propriedade sobre aquela coisa. Podia
ocorrer, no entanto, que o autor se valesse da qualidade de herdeiro, para
reivindicar toda herança que se encontrava na posse do demandado. Assim se
instituía-sse a prescrição em favor do demandado, para que a reivindicação da coisa
singular não prejudicasse a herança citada.542

O processo civil romano também contemplou os denominados


procedimentos extraordinários. Anota César Fiuza que: Presentes em cada um dos
períodos da história do Direito Processual Romano, esses procedimentos incomuns,
fora da regra, muitas vezes prenunciavam a vinda de um nova fase processual
[...]‖.543

Registre-se que, já no período formulário, em alguns casos o


magistrado deixava de remeter as partes para o iudex, de forma que ele mesmo
544
instruía e julgava o processo, nascendo, assim, a extraordinária cognitio.

540
Op.cit., p.216.
541
Cf. Fiuza. Op.cit., p.33.
542
Op.cit., p.165.
543
Op.cit., p.46. Acrescenta o autor que, na realidade, ―[...] as várias fases do processo civil
romano se misturavam em alguns momentos. Na verdade, nenhuma delas nasceu de repente, de
maneira sub-reptícia, como que por decreto. No fim do período das legis actiones, já se pode divisar o
processo formular. Já nos meados do período formular, pode-se detectar o processo extraordinário.
Essa uma das razões da denominação ‗procedimentos extraordinários‘, ou seja, procedimentos que
fogem à regra‖ (p.45-46).
544
Cf. Fiuza. Op.cit., p.46.
222

Observa Leonardo Campos Victor Dutra que, embora, até o final do


século III d.C., não houvesse vedação à escolha pelas partes dos árbitros
privados...o Império Romano abandonou, gradativamente, a arbitragem privada,
visto que ―passou a perceber que essa forma de arbitragem permitia um menor
controle do Estado nos julgamentos das controvérsias, e, consequentemente,
prolação de decisões sem aderência ao paradigma de estado‖. 545

Fiuza enfoca duas vantagens da extraordinária cognitio. A primeira


decorria do fato de ser mais rápido o processo. ―Em segundo lugar e por fim, o
magistrado, por instruir e julgar ele mesmo, não tinha o dever de supervisionar o juiz,
ganhando tempo que poderia ser precioso‖.546

José Reinaldo de Lima Lopes observa que o procedimento


extraordinário constituiu a terceira grande fase do direito romano. Ensina que:

Ao contrário do processo formular, a divisão de tarefas entre pretor e juiz vai


desaparecer e o pedido das partes para conseguir uma fórmula em boa-fé
também se altera. O resultado será uma valorização dos juristas, a
centralização dos poderes de julgamento em único órgão e a novidade do
recurso ou apelação.547

Frisam os historiadores que o referido procedimento surgiu


paralelamente ao processo formular, sem, contudo, substituí-lo no início. Assim,
concomitantemente ao funcionamento tradicional da justiça, com a divisão de tarefas
entre pretor e juiz, aflorou esta nova forma de julgamento, de forma concentrada,
cuja intervenção passou a ser feita pelo príncipe, que passou a criar delegados para
julgar em seu nome. O imperador, no entanto, tanto avocava casos para julgamento,
como também ouvia queixas contra sentenças proferidas, funcionando essa fase
como apelo, conhecido por supplicatio ou recursos. O julgamento dos apelos não
era feito, ordinariamente, pelo imperador e , sim, por algum membro do seu
conselho, o que fomentou o aparecimento da cúria e tribunal central do império,
dando espaço, assim, ao aparecimento de grandes juristas que atuavam em tais
funções.548

545
Processo constitucional, devido processo legal e as funções do estado democrático. In:
CASTRO, João Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona. Direito processual. Belo
Horizonte: PUC Minas/Instituto de Educação Continuada, 2011, p.22.
546
Idem, p.47.
547
Op.cit., p.40.
548
Cf. Lima Lopes. Op.cit., p.41.
223

Essa modalidade de procedimento extraordinário alcançava as


questões atinentes aos fideicomissos, alimentos, estado, honorários de advogados,
médicos etc.549

É interessante observar-se que a atuação eficaz dos pretores gerou o


denominado direito pretoriano destinado à ―[...] utilidade pública, visando corroborar,
,suprir ou corrigir o direito civil‖.550 Frise-se que o aludido direito nasceu do poder de
magistrado dos pretores, ―[...]sua honra daí ( ius honorarium) de agentes da cidade
(povo) e seu império. Seu poder de magistrados permitia-lhes promulgar anualmente
a sua ‗política‘ no exercício do cargo por meio do edito‖.551

Discorrendo sobre a vantagem do procedimento extraordinário, ensina


Elaine Harzheim Macedo que, enquanto o procedimento civil do período republicano
era estritamente arbitral, como já visto, ficando a intervenção do Estado limitada a
aplicar meras sanções, quando houvesse descumprimento da decisão do árbitro, o
Estado Romano, aos poucos se foi ocupando de atividades judiciárias mais
relevantes . Assinala que o novo processo, dando origem ― [...] ao procedimento que
passou a ser conhecido como cognitiones extraordinem, ,em contrapartida ao
tradicional ordo iudiciorum privatorum, significava exatamente uma intervenção de
fora da ordem normal do processo‖.552

Os interditos possessórios nasceram justamente desse poder de


polícia dos pretores. De fato, no exercício do aludido poder e aferindo a angústia do
posseiro, proibia que a posse fosse violada. Daí o fato de o interdito ser enfocado
como exceção e não como ação.

É digno de nota o fato de que o direito quiritário era o direito romano


antigo (ius quiritium ou juis civile) já que os cidadãos romanos eram conhecidos
também por quirites ou civis. Observa Lima Lopes que o ius quirituium não era
invocado pelo estrangeiro pela simples razão de que lhe era vedado o uso de tal
direito. Assim, para que o estrangeiro recebesse proteção do Estado romano,
deveria haver um tratado de amizade entre sua cidade e Roma. Acrescenta que,
como o ius quiritium era um direito herdado e não se poderia usufruí-lo por

549
Cf. FIUZA. Op.cit., p.47.
550
Lima Lopes.Op.cit., p.37.
551
Lima Lopes. Idem, ibidem.
552
Jurisdição e processo: crítica histórica e perspectivas para o terceiro milênio. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.35.
224

convenção trazia como consequência o fato de que ―o dominium ex iure quiritum era
a ‗propriedade‘ romana plena sobre determinados bens e para a determinadas
pessoas, portanto. Era um status do qual gozavam apenas os pais de família..553

Em complemento, ensina Alice de Souyza Birchal que os interditos


podem ser considerados a primeira forma de um processo cautelar e que, de fato,
os interdicta surgiram com a figura do pretor urbano (241 a.C). Como não havia a
actio para proteger a posse de boa fé e pacífica daqueles que não tinham domínio,
―[...] foram criados os interditos, com o fim de se evitar a autodefesa e de se
preservar a ordem pública (interesse público a ser protegido pelo pretor)‖.554

Ensina-se que a grande criatividade do pretor na formação e aplicação


do Direito, suplantando com tal dinamismo, as próprias fontes do jus civile, ―[...]
concedendo ações que este não dava, suprimindo a atividade do árbitro, decidindo
contra o ordenamento estabelecido, apresenta afinidade com os mecanismos da
tutela antecipada‖.555

Leciona também José Rogério Cruz e Tucci que o interdito é um nítido


instrumento de criação pretoriana e que, em face da ―impossibilidade da tutela de
determinados conflitos por meios ordinários, sendo concebido, para que fosse
mantida a paz social[...]‖.556

Gayo, por sua vez, anota que, nos interditos, o pretor mandava fazer
ou proibia que se fizesse algo e que o pretor ou procônsul se utilizava de tal
procedimento, quando havia litígio entre as partes atinente a posse ou quase posse.
. Leciona que se pode falar em interditos, quando o pretor ―proíbe que se faça
alguma coisa, como, por exemplo, quando ordena que não se faça violência a quem
possui sem vício, ou que não se faça coisa alguma em lugar sagrado.557

Acrescente-se que os interditos, após o final do século III a.C passaram

553
Idem, p.38.
554
Relato histórico-evolutivo das ações cautelares no mundo ocidental. In: FIUZA, César
(Coord.). Direito processual na história. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.217.
555
MIRANDA FILHO, Juventino Gomes.O caráter interdital da tutela antecipada. Belo
Horizonte, Del Rey, 2003, p.139.
556
A posse e os interditos na experiência romana. Revista de Direito Civil, imobiliário,
agrário e empresarial. v. 7, n. 23, p. 26-42, jan. - mar. 2003. p. 28. Ensina, em complemento: ―o
escopo era a tranquilidade da coletividade, isto e, da urbe romana...Depreende-se, claramente...a
preponderância do interesse público sobre o particular, quando da concessão, pelo pretor, de um
interdito. Daí podermos dizer que o interesse a ser tutelado era predominantemente público – mesmo
porque...ao pretor incumbia, dentre outros encargos, a administração da res publica‖ (p.28).
557
Op.cit., p.218.
225

a confundir-se com as próprias ações ordinárias, sendo que, ―no período clássico,
durante o procedimento formulário, teve uma aplicação ampla, e, em certas matérias
determinadas chegou a ser aplicado quase exclusivamente, sobretudo em matéria
possessória‖.558

Justiniano assim define o aludido instituto:

Os interditos eram fórmulas e expressões verbais mediante as quais o


pretor ordenava ou proibia a feitura de alguma coisa, o que ele, sobretudo,
realizada quando havia contenda entre alguns em torno da posse ou da
quase-posse. A divisão maior dos interditos é em proibitórios, restitutórios
ou exibitórios. Os proibitórios proíbem que se faça algo...Os restitutórios
ordenam que se proceda à restituição de alguma coisa...os exibitórios
ordenam que se exiba[...]559

Observa Scialoja que, nos interditos, o primeiro ato imposto pelo


magistrado é um ato de império, que propicia, após o desenvolvimento de um
procedimento de caráter judicial que resulta, por consequência, em uma obediência
ou desobediência a essa ordem. Conclui:

Há, pois, no procedimento dos interditos, um primeiro momento decisivo, de


caráter mais administrativo que judicial; porque o magistrado se interpõe
entre as partes contendoras não como juiz supremo e, sim, como
autoridade que lhes impõe um mandato...O mandado emanado do
magistrado com império é obrigatório para as partes, precisamente porque
560
estão sujeitas ao império do magistrado[...]

Giuseppe Gandolfi também enfoca o tema com cientificidade


lecionando que:

A doutrina se ocupa do interdito entre os institutos de direito processual,


como forma de tutela emanada da potestade pretoriana. Na realidade se
trata de uma ordem do magistrado, in iure561, a pedido de uma pessoa
contra outra...Se deduz que o pretor se pronunciava sua decisão valendo-se

558
Cf. SCIALOJA. Op.cit., p.312. Vide, ainda, p.183.
559
Institutas do Imperador Justitiniano. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2001,
p.221.
560
Op.cit., p.312.
561
Como bem ensina Rodolfo Sohm: ―O procedimento in iure se desenvolve perante o
magistrado ou autoridade encarregada da jurisdição que administra e representa, dentro deste setor,
os poderes soberanos do Estado. Depois da criação da pretura exercem este cargo, em Roma, o
pretor, nas províncias – a partir de uma certa época – os governadores. In iure se alega e examina a
questão de direito aduzida. Se já nesta primeira fase – portanto, antes de se nomear o juiz arbitral – o
adversário reconhece a razão da demanda – confessio in iure – ou uma das partes se remite ao
juramento da outra, a respeito da existência ou inexistência do direito que se aduz – jusjurandum in
iure delatum – não se passa adiante[...]‖ (Op.cit., p.595).
226

dos preceitos contidos no édito perpétuo.562

Scialoja leciona que os romanos se utilizavam, comumente, dos


interditos da actio per sponsionem, no sentido de que as partes estipulavam
reciprocamente, uma sponsio, pela qual uma das partes se dirigia a outra, exigindo
o pagamento de determinada quantia. Assim, caso o demandado não tivesse razão
na demanda e em consequência, desobedecido ao pretor, deveria pagar a sponsio
estipulada. Caso o demandado tivesse razão e o juiz nomeado lhe desse ganho de
causa, caberia ao autor pagar a sponsio estipulada. Com a fixação da sponsio a
parte demandada poderia pedir a nomeação de um juiz, para que este julgasse se
era lícita a exibição ou restituição, cujo procedimento demandava mais tempo. ..
Agrega, ainda, a lição de que, com o decorrer do tempo, em alguns interditos, foi
omitida a sponsio e, após o magistrado emitir o interdito, como na hipótese de exibir
ou restituir alguma coisa, estabelecia-se um processo mais simplificado. O próprio
pretor já determinava a nomeação de um juiz para julgar aquela demanda, no
sentido de verificar se, de fato, uma parte deveria exibir ou restituir à outra a coisa
litigiosa.563

É imperioso observar-se que nos interditos simples, como no


restitutórios ou exibitórios, em que uma das partes era o autor e a outra o
réu,564após o pretor proceder ao interdito, a parte a quem foi direcionada a ordem
pretoriana tinha o direito de pedir, imediatamente, um árbitro (juiz) e, por
consequência, uma fórmula arbitral, para a composição da lide. O juiz nomeado, em
face da fórmula arbitral, emite sua decisão e, assim, o demandado poderia restituir
ou exibir o que o árbitro ordenou e, então, a lide se encerrava, sem nenhuma outra
sanção. Porém, se o demandado não cumprisse a decisão, sofria a sanção
pecuniária. Para o autor, esse procedimento era também vantajoso, já que, em face
de eventual perda da lide, não sofria nenhuma pena, salvo na hipótese de iudicium
caluminiae, que alcançava o litigante de má fé, que pagava uma sanção equivalente

562
Contributo allo studio del processo inbterdittale romano. Milano: Dott. A. Guiffrè
Editore, 1955, p.01. Acrescenta que a doutrina se divide quanto à origem do procedimento interdital.
Para uma corrente, o instituto já existia no tempo do processo por legis actiones, enquanto outra
aponta sua origem para o período do processo formulário (p.117).
563
Op.cit., p.314.
564
Gaio explica que ―[...]nos interditos simples, uma das partes é o autor e a outra o réu,
como, por exemplo, nos interditos restitutórios ou exibitórios, porque autor é quem deseja a exibição
ou restituição da coisa, e réu é aquele que deve exigir ou restituir[...]‖ (Op.cit., p.222).
227

ao décimo do valor da coisa.565

Sobre a questão de o réu cumprir ou não a ordem pretoriana é digno


de registro a seguinte lição de César Fiuza:

Seja como for, consistiam os interditos em ordens emanadas do magistrado,


a requerimento de alguém que se se julgasse prejudicado por outrem. Este
cumpria ou não cumpria a ordem. Se a cumprisse, encerrava-se a questão.
Se a não cumprisse, instaurava-se procedimento apud iudicem, para que o
iudex decidisse que tinha razão. Em outras palavras, o iudex verificava a
veracidade dos fatos, esclarecendo se tinha ou não havido desobediência à
ordem do magistrado. Se a conclusão fosse favorável ao réu, significava
que a ordem não tinha sido descumprida. Se fosse favorável ao autor, o
significado seria inverso.566

Verifica-se, dessa forma, pela doutrina de Scialoja, que segue a


maioria dos doutrinadores, a ordem emanada do pretor ―era condicional, pois, não
sendo obedecida, nascia a questão de perquirir-se da coexistência de condições, as
quais o magistrado tinha examinado no momento em que prolatou a ordem‖. 567

Observa José Rogério Cruz e Tucci que outros doutrinadores, como


Gandolfi, enfocavam o interdito como uma ordem emanada ―num caráter hipotético e
incondicional, com força vinculante, decidindo a lide‖. Ressalta, contudo, que essa
posição não é correta, já que ―o comando exarado pelo pretor, não tinha natureza
absoluta e definitiva, sendo, na maioria das vezes, possível a instrução de um
processo per formulas‖.568

Ensinam, ainda, Flávio Luís de Oliveira e Carlos Eduardo de Freitas


Fazoli que de início o direito, no Direito Romano era tutelado por meio dos
interditos, enquanto que as pretensões569 eram protegidas mediante as ações; e,

565
Cf. Scialoja. Op.cit., p.331-332.
566
Op.cit., p.48.
567
TUCCI, José Rogério e. Op.cit., p.30.
568
Op.cit., p.30. Assinala, ainda: ―A cognição realizada pelo pretor (causae cognitio) era
sumária. Examinava-se tão somente os pressupostos de fato, e, em seguida, concedia (edere ou
editio interdicti), ou quando fosse caso, denegava (denegatio interdicti) o intedito postulado, tutelando-
se, assim, o estado atual da coisa – daí, e porque não afirmar, ter a ordem característica cautelar.
Concedido o interdito, duas hipóteses emergiam: ou a ordem era acatada, pondo fim a controvérsia;
ou a parte interessada podia provocar a instauração de um procedimento ordinário...a ordem se
caracterizava pela provisoriedade, podendo ser rela ratificada pelo iudex unus ou tribunal, e, até
mesmo, ser revogada; eliminado, destarte, seu caráter hipotético e condicional‖ (p.31).
569
Anotam os ilustres professores que: ― Obrigação (sentido lato) é o gênero do qual o dever
jurídico e a obrigação em sentido estrito são espécies. Numa relação jurídica, o direito se opõe ao
dever. Já a pretensão se opõe à obrigação em sentido estrito. Primeiro nasce o direito. Em momento
posterior, após a violação do direito, pode surgir a pretensão‖ (A garantia constitucional à tutela
interdital: a especificidade da tutela específica. Revista Novos Estudos Jurídicos, n.12-1, jan.2007.
228

com o decorrer do tempo, esta diferença foi extirpada570. Acrescentam que o


procedimento interdital poderia ser usado na defesa dos direitos fundamentais.
Lecionam que:

Procedimento semelhante seria mais rápido, teria natureza constitucional e


seria apto a proteger os direitos fundamentais liminarmente. Um
procedimento específico para a proteção de direitos fundamentais (e não
meras pretensões) entre particulares. Em outras palavras, a especificação
da tutela específica, pois tudo o que é interdital (direito tutelado
liminarmente) é antecipado (satisfativo), mas nem tudo o que é antecipado
(satisfativo) é interdital...Havendo direito e prova pré constituídas, a
concessão da tutela impõe-se de pronto. Procedimento dessa índole tem
fundamento constitucional, leva em conta o direito protegido, o momento da
prova e a sua existência pré constituída. Os direitos fundamentais são
públicos, indisponíveis e preexistem à manifestação estatal. Os seus atos
executórios devem ser céleres e eficazes, sob pena da não concretização
dos direitos previstos em nossa Constituição. Podemos distinguir, portanto,
os procedimentos em constitucionais e infraconstitucionais. Àqueles, com
característica interdital, são aptos a proporcionar a adequada tutela jurídica
aos direitos fundamentais.571

Anotam, também, os professores Flávio Luís e Carlos Eduardo que os


interditos passaram a tutelar os direitos mais importantes da época e, ainda, que o
interesse tutelado fosse diretamente do particular, tanto o interesse social, como a
ordem pública acabavam por ser protegidos indiretamente.572

Não se pode olvidar, ainda, da importante lição de Humberto Theodoro


Júnior que dissertando sobre os interditos, observa:

O certo, pois, e que nos interditos se abreviavam o caminho para as

Disponível em: http://livros-e-revistas.vlex.com.br/vid/tutela-interdital-especificidade-fica-59087583.


Acesso em: 16/08/14.
570
O direito fundamental ao procedimento adequado; o procedimento interdital como garantia
de inclusão social. In: ALARCÓN, Pietro de Jesus Lora; NUNES, Lydia Neves Bastos Telles.
Constituição e inclusão social. Bauru: EDITE, 2007, p.184. Complementa Galeno Lacerca,
ensinando que: ―As relações jurídicas mais importantes pertinentes aos direitos absolutos, eram
amparadas pelos interditos, emanados diretamente do poder de imperium do magistrado, ao passo
que aquelas meramente obrigacionais conduziam as partes desavindas à actio, com juízo privado, de
conteúdo indenizatório...A sabedoria das instituições romanas legou-nos, na verdade, dois sistemas
autônomos de processo civil: um, voltado à obtenção de mandado inquisitório, por vezes liminar,
concedido mesmo sem a presença da parte contrária, mediante cognição sumária das afirmações do
autor, aceitas como verazes, ante a revelia do demandado e se conforme com o edito; outro,
destinado à solução de um contraditório manifestado desde o início, com a presença obrigatória das
partes desprovido, portanto, de mandado concreto e relegada a causa à cognição privada‖ (Tutela
antecipatória e tutela interdital. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa (Coord.). Estudos de Direito
Processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.183/184).
571
Idem, p.184-185.
572
A garantia constitucional à tutela interdital: a especificidade da tutela específica.
Revista Novos Estudos Jurídicos, n.12-1, jan.2007. Disponível em: http://livros-e-
revistas.vlex.com.br/vid/tutela-interdital-especificidade-fica-59087583. Acesso em: 16/08/14.
229

medidas de efetividade da tutela jurisdicional e com eles se dava o ‗mais


dilatado passo na direção da justiça com um sentido social,
consequentemente de caráter publicístico. Concentrando no pretor a
cognição sumária dos fatos e a expedição imediata de ordens cogentes,
emanadas de seu imperium, a parte conseguia resultados satisfativos de
sua pretensão, sem passar pelo tortuoso caminho dos procedimentos in iure
e apud iudicem e sem necessidade de aguardar o penoso e demorado
recurso à actio iudicati.573

Lima Lopes ensina que, além da importância dos pretores, com a


laicização completa do direito romano, a partir do século IX a.C, os plebeus
passaram, também, a ter acesso ao colégio de pontífices, sendo que as fórmulas
passam, agora, a ser de domínio de mais pessoas.574 Afloram, aí, aqueles que se
dedicavam ao direito, recebendo o nome de juristas. Pertencente a uma categoria
aristocrática, sua atividade não é enfocada como profissão, e, sim como função
pública revestida de honra e dignidade. Não eram remunerados, mas detinham
grande influência, prestígio e popularidade. "Prestam um serviço à cidade...mas
prestam-no, dando conselhos aos pretores, aos seus amigos, aos seus clientes,
dependentes, e a outros que os procurem para distintas coisas‖.575

Esclarece Lima Lopes que, durante o Dominato,576 o jurista


independente perdeu o seu lugar já que o centralismo imposto em tal período
transformou os jurisprudentes em funcionários encarregados de aplicar os
precedentes já cristalizados, visando a propiciar a garantia da uniformidade e o
respeito de todos ao poder central. Também auxiliavam na elaboração da legislação
imperial. Em face do papel crescente da legislação imperial a função dos juristas
―[..]deixa de de ser somente o de dar conselhos aos pretores, aos juízes e às partes

573
O procedimento interdital como delineador dos novos do Direito Processual Civil
Brasileiro. Revista de Processo. São Paulo, v. 25, n. 97, p. 227-240, jan.-mar.2000. p. 234.
574
O direito na história: lições introdutórias. 4.ed. São Paulo: Atlas, p.41.
575
LOPES, José Reinaldo de Lima.Idem, p.42. Acrescenta o autor que os juristas não
advogavam no foro já que a advocacia declamatória e retórica era considerada inferior. ―Suas tarefas
variavam: podiam das conselhos aos particulares sobre negócios e contratos, assim como podiam
preparar a seu pedido as operações e documentos (instrumenta) ou suas minutas. Podiam também
das conselhos aos pretores sobre como enquadras os casos novos ou como criar novos remédios.
Tanto falavam em casos hipotéticos, quanto podiam estar junto do pretor na fase in iure do processo.
Da mesma forma com os juízes, aos quais auxiliavam eventualmente respondendo a perguntas nos
casos difíceis e duvidosos. Nestas circunstâncias agiam sempre como um perito: não eram
magistrados e nem juízes, não eram funcionários. Durante os séculos II e III d.C.,sua atividade
criativa superou a dos pretores...Mais tarde sua criatividade será também posta diretamente a serviço
do príncipe legislador, auxiliando a redação das constituições imperirais‖ (p.42).
576
Dominato refere-se ao período em que Diocleciano dividiu o império romano em dois:
império do ocidente e império do oriente (285 d.C. a 565 d.C.).
230

para ser especialmente o de assessorar o príncipe ou imperador‖.577

Acrescente-se que aflorou em Roma, o interesse na codificação da


jurisprudência clássica. Em 438 d.C. foi publicado o Código Teodosiano, por
determinação de Teodósio II, imperador do Oriente. Este código foi revogado no
Oriente, pela codificação de Justiniano.

Aliás, em seu Digesto, Justiniano deixou esculpida uma estrutura


filosófica de direito de extraordinária cientificidade, já que se cercou no Império do
Oriente, de juristas de extraordinária capacidade, que conseguiram condensar
toda a jurisprudência do Direito Romano na aludida obra. Frise-se que não só o
Digesto, mas também todo o Corpus Iuris Civilis constituíram um grande legado não
só para os Estados que afloraramm no decorrer das centúrias, mas ainda todos os
cultores do Direito. É digno de nota a lição contida no Digesto578 de que:

Com base neste direito Celso nos denomina sacerdortes: pois cultuamos a
justiça e professamos o conhecimento do bom e do justo, separado o justo
579
do iniquo, discernindo o lícito do ilícito[...] .Justiça é a vontade constante e
perpétua de dar a cada um o seu direito.[...].580Mas também um filósofo da
grande sabedoria estóica Crisipo, assim começa no livro que fez ‗sobre as
normas‘: ‗a lei é a rainha de todas as coisas divinas e humanas. É preciso,
pois, que seja superior tanto aos bons quanto aos maus e que seja conduta
e mestra dos animais que a natureza quis que convivessem civilmente, daí
então que seja a norma do justo e do injusto, que obriga serem feitas as
coisas que devem ser feitas, que proíba as que não devem ser
581
feitas.[...]. Mas o que foi recebido contra a razão do direito não há de ser
levado às suas consequências. Não podemos seguir a regra de direito
naquelas coisas que foram estabelecidas contra a razão do
direito.[...].582Conhecer as leis não é reter as palavras delas, mas a sua
força e majestade.583

O estudo da civilização romana leva à notória conclusão da sua


extraordinária influência para o Ocidente em várias áreas, especialmente no Direito.

577
Op.cit., p.44.
578
Digesto de Justiniano. Tradução de Hélcio Maciel França Madeira. 2.ed. São Paulo: RT;
Osasco: UNIFEO/2000, livro I, p. 15, 19, 43, 46 e 47.
579
D. 1.1.1.1 Cuius mérito quis nos sacerdotes appellet: iustitiam manque colimus et boni et
aequi notitiam profitemur, aequum ab illicito discernentes...
580
D.1.1.10pr. Ulpianus libro primo regularum. Justitia est constans et perpetua coluntas ius
suum cuique tribuendi.
581
D.1.3.2 Marcianus libro primo institutionum.[...]Sed et philosophus summae stoicae
sapicentiae Chrysippus sic incipit libro, quem fecit[...].
582
D.1.3.14. Paulus libro XIII d edictum. Quod vero contra rationem iuris receptum est, no est
producendum ad consequentias.
583
D.1.3.17. Celsus libro XXVI digestorum. Sciere leges non hoc est verba eraum tenere, sed
vim ac potestatem.
231

1.2 Direito como norma

Como já explicitado, o direito é fruto da evolução humana sendo,


portanto, produto da cultura do homem. Afirma-se, aliás, que o direito, como produto
da cultura, evidencia:

[...]ser ele um efeito, entre muitos outros, desse processo enorme de


constante melhoramento e nobilitação da humanidade; processo que
começou com o homem, que há de acabar somente com ele, que, aliás,
não se distingue do processo mesmo da história.584

Toda regra de direito representa uma composição delineada pelo


Estado-legislador, visando a superar um conflito de interesses entre uma situação
fática relevante e um complexo de valores cultuados pela sociedade.

Frise-se que a palavra direito tanto pode ser direcionada para


expressar uma norma jurídica particular, como um conjunto de normas ordenadas
em institutos e sistemas que se conhecem por ordenamento jurídico, extraindo-se
daí, por exemplo, as expressões Direito Romano, Direito italiano, Direito alemão,
Direito brasileiro etc.585

Noberto Bobbio esclarece que a vida humana encontra inserida em


mundo de normas e só na aparência se vivencia a liberdade, já que, na realidade,
―estamos envoltos em uma rede muito espessa de regras de conduta que, desde o
nascimento até a morte, dirigem, nesta ou naquela direção, as nossas ações‖.586

É interessante frisar-se que, enquanto a teoria normativa textualiza


que o fenômeno oriundo da experiência jurídica é a regra de conduta, a teoria do
direito, como instituição esclarece que o direito somente existe dentro de uma

584
BARRETO, Tobias. Op.cit., p.133.
585
Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 8.ed. Trad. Maria Celeste
Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UNB, 1996, p.19.
586
Teoria da norma jurídica.Trad.Fernando Pavan Baptista/Ariani Bueno Sudatti. São Paulo:
Edipro, 2001, p.23-24. Acrescenta o autor que ―a maior parte destas regras já se tornaram tão
habituais que não nos apercebemos mais da sua presença. Porém, se observarmos um pouco, de
fora, o desenvolvimento da vida de um homem através da atividade educadora exercida pelos seus
pais, pelos seus professores e assim por diante, nos daremos conta que ele se desenvolve guiado
por regras de conduta[...]Toda a nossa vida é repleta de placas indicativas, sendo que umas mandam
e outras proíbem ter um certo comportamento. Muitas destas placas indicativas são constituídas por
regras de direito. Podemos dizer desde já, mesmo em termos ainda genéricos, que o direito constitui
uma parte notável, e talvez também a mais visível, da nossa experiência normativa[...]. A história se
apresenta então como um complexo de ordenamentos normativos que se sucedem, se sobrepõem,
se contrapõem, se integram‖.(p.24-25).
232

―sociedade ordenada por meio de uma organização, ou uma ordem social


587
organizada‖ , denominada instituição. Na realidade, a aludida teoria concebe o
direito fora do Estado já que o direito pode ser produzido por outras fontes, como
agrupamentos sociais fora do Estado. Explica Noberto Bobbio que a polêmica entre
monistas e pluralistas é meramente de palavras. Assim, os adeptos do monismo,
ou seja, que o direito é apenas aquele oriundo do Estado, utiliza a palavra ―direito‘
em seu sentido estrito. Aqueles adeptos do pluralismo, no sentido de que o direito
pode ser produzido por grupos sociais diversos do Estado, se utiliza da palavra
―direito‖ no seu sentido mais amplo.588

Enfrentando as várias nuances que gravitam sobre o termo relação


jurídica, adverte Bobbio que não se resume ela numa mera relação entre dois
sujeitos já que se qualifica, pelo fato de um deles ser o titular de um direito,
enquanto sobre o outro , sujeito passivo, recai a titularidade de um dever e
obrigação. O direito e o dever dessa relação derivam de um regra, de forma que o
direito ―não passa do reflexo subjetivo de uma norma permissiva, o dever não é
senão o reflexo subjetivo de uma norma imperativa (positiva ou negativa)‖. 589

Ressalta, contudo, Miguel Reale que: ―nenhuma norma jurídica conclui


ou exaure o processo jurígeno, porquanto ela mesma suscita, no seio do
ordenamento e no meio social, um complexo de reações estimativas, de novas
exigências fáticas e axiológicas‖.590

Por esta razão, não se pode conceber o direito como meramente


normativo, já que, como ponte entre o complexo fático e de valores ensejadores da
sua criação e as inúmeras relações fático-jurídicas que decorrem da sua aplicação
no desenvolver da linha temporal humana, sofre ele naturais variações semânticas
―em virtude da intercorrência de novos fatores, condicionando o trabalho de exegese

587
BOBBIO, Norberto. Op.cit.,p.29. Informa o autor que a teoria do direito como instituição foi
elaborada por Santi Romano para quem ―os elementos constitutivos do conceito de direito são três: ―a
sociedade, como base de fato sobre a qual o direito ganha existência; a ordem, como fim a que tende
o direito, e a organização, como meio para realizar a ordem.‖ (ibidem).
588
Op.cit., p.34.
589
Idem, p.42.Acrescenta Bobbio que ―o que caracteriza a relação jurídica não é o conteúdo,
mas a forma...Em outras palavras: dado um vínculo de interdependência entre relação jurídica e
norma jurídica, nós não diríamos que uma norma é jurídica porque regula uma relação jurídica, mas
sim que uma relação é jurídica porque é regulada por uma norma jurídica...Relação jurídica é aquela
que, qualquer
590
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17.ed.. São Paulo: Saraiva, 1996, p.563-564.
233

e de aplicação dos preceitos‖.591

Questão interessante, que não pode ser olvidada, consiste no


correlacionamento normativo, de forma que, quando uma norma entra em vigência
irá se relacionar-se com as demais preexistentes, sendo inegável a influência de
uma sobre as outras. De fato, ―as normas jurídicas nunca existem isoladamente,
mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si‖. 592 Este
agregamento, bem como a sua ordenação em institutos e sistemas geram o
conjunto denominado ordenamento jurídico.593

Verifica-se, dessa forma, que uma norma jurídica não pode ser
analisada de per si, como se ―fosse uma proposição lógica em si mesma,
inteiramente válida e conclusa, pois o seu significado e a sua eficácia dependem de
sua funcionalidade e de sua correlação com as demais normas do sistema‖ 594

Por esta razão, adverte Noberto Bobbio que ―o Direito não é norma,
mas um conjunto coordenado de normas, sendo evidente que uma norma jurídica
não se encontra jamais só, mas um está ligada a outras normas com as quais forma
um sistema normativo‖.595

Pode-se afirmar, portanto, invocando o normativismo jurídico concreto,


que toda ―regra de Direito só tem vigência e eficácia na unidade do ordenamento‖ 596

Dentre as definições de direito como norma, merece ser destacada a


que descreve a norma jurídica como aquela ―cuja execução é garantida por uma
sanção externa e institucionalizada‖.597 Aliás, para Bobbio, o que rotineiramente se

591
Idem, p.564. Complementa Miguel Reale que ―entre o início da vigência de uma norma
legal e a sua revogação, os preceitos jurídicos têm aplicação ou eficácia, ‗vivem‘, em sua, como
instrumentos de vida que são, através dos atos interpretativos, da crítica da doutrina , das decisões
dos juízes, dos administradores e dos tribunais[...]‖(p.564).
592
BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico.8.ed., Trad. Maria Celeste Cordeiro
Leite dos Santos. Brasília: UNB, 1996, p.17.
593
Cf. REALE, Miguel. Op.cit., p.565.
594
Idem, ibidem. Complementa o ilustre filósofo que é imprescindível, no caso, ―ultrapassar a
expressão particular e fragmentária dos preceitos jurídicos, a fim de que o sentido que lhes é próprio,
rigorosa e devidamente captado, seja, depois, completado e até mesmo dinamizado em função e à
luz dos restantes preceitos em vigor‖ (p.565-566).
595
BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico.8.ed., Trad. Maria Celeste Cordeiro
Leite dos Santos. Brasília: UNB, 1996, p.21.
596
REALE, Miguel. Op.cit., p.567.
597
BOBBIO, Norberto. Op.cit., p.27. Acrescenta que, na realidade, ―quando se fala de uma
sanção organizada como elemento constitutivo do Direito, nós nos referimos não às normas em
particular, mas ao ordenamento normativo tomado em seu conjunto, razão pela qual dizer que a
sanção organizada distingue o ordenamento jurídico de qualquer outro tipo de ordenamento não
implica que todas as normas daquele sistema sejam sancionadas, mas somente que o são em sua
234

denomina de Direito ―é mais uma característica de certos ordenamentos normativos


que de certas normas‖.598

Bobbio ainda equaciona a questão da eficácia daquelas normas


formalmente válidas, mas sem eficácia, já que nunca foram aplicadas. Para o
grande filósofo italiano:

A dificuldade se resolve, ainda nesse caso, deslocando-se a visão da norma


singular para o ordenamento considerado em seu conjunto, e afirmando-se
que a eficácia é um caráter constitutivo do Direito, mas só se com a
expressão ‗Direito‘ for entendido que nos estamos referindo não à norma
em particular, mas ao ordenamento. O problema da validade e da eficácia,
que gera dificuldade insuperáveis desde que se considere uma norma do
sistema (a qual pode ser válida sem ser eficaz), diminui se nos referirmos ao
ordenamento jurídico, no qual a eficácia é o próprio fundamento da
validade.599

Após refutar as teses que procuram explicitar a distinção entre normas


jurídicas e as demais modalidades de normas, por considerar tais fórmulas
incompletas, Bobbio leciona que a proposição mais comum, para focar a norma
jurídica dentre as demais foi destacá-la pelo seu conteúdo, de forma que podem ser
albergadas neste critério, todas as teorias que enaltecem a norma jurídica em face
do escopo de regular uma relação intersubjetiva, o que aflora a característica da
bilateralidade, diversamente da Moral, que se consubstancia na unilateralidade. 600
Ressalva, no entanto, que tal critério apenas é suficiente para diferenciar o direito da
moral, mas insuficiente para destacá-lo das normas sociais, já que estas, à similitude
das jurídicas, também regulam ―as relações sociais dos indivíduos e, por isto
têm,também, como conteúdo, as relações intersubjetivas‖.601

Por esta razão, a imposição do critério da finalidade específica das


normas jurídicas nasceu naturalmente, para explicitar que, enquanto as normas

maioria‖ (p.29).
598
Idem, p.28.
599
Op.cit, p.29. Anota Eduardo García Máynez que a possibilidade de que exista um direito
formalmente em vigência, mas desprovido de eficácia, somente é possível, quando estamos diante
de um preceito isolado. ―Esta separação entre positividade e validez formal não pode ser admitida
em relação com todo um sistema jurídico[...] Não é possível admitir – no que toca a todo um sistema
jurídico – o divórcio entre positividade e validez formal‖ (Introducción Al Estudio del Derecho.
51.ed. .Mexico: Editorial Porrua, 2000, p.39-40.
600
Explica o caráter da bilateralidade da norma jurídica pelo fato de que ―a norma jurídica
institui ao mesmo tempo um direito a um sujeito e um dever a um outro; e a relação intersubjetiva, ao
constituir o conteúdo típico da norma jurídica, consistiria precisamente na relação de
interdependência entre um direito e um dever‖ (Teoria da norma jurídica, p.147-148).
601
Idem, p.148.
235

sociais regulam relações intersubjetivas genéricas, as normas jurídicas disciplinam


relações intersubjetivas específicas, sendo que a sua especificidade é dada pelo fim
a que o ―ordenamento normativo jurídico se propõe no confronto com todos os
outros ordenamentos normativos vigentes naquela determinada sociedade. .E este
fim é a conservação da sociedade‖.602 Critica Bobbio tal critério, porque um preceito
pode se revestir-se de norma social numa sociedade e na outra se caracterizar
como norma jurídica. Assim, tal norma apenas evidencia que, se uma norma, numa
sociedade, se reveste de juridicidade, é porque é considerada essencial para ela,
sendo insuficiente, portanto, para diferenciar a norma jurídica das demais. 603

Bobbio ainda relaciona a solução apresentada por parte da doutrina


com a fórmula do sujeito que estabelece a norma, para diferenciar a jurídica dos
demais preceitos existentes na sociedade. Assim, a norma jurídica é aquela fixada
pelo poder soberano. Neste sentido, tal característica advém do mais autêntico
positivismo jurídico, ―segundo o qual o soberano não apenas edita as normas
essenciais para a conservação da sociedade, mas também as normas estabelecidas
pelo soberano tornam-se essenciais, só pelo fato de que se fazem valer, de igual
forma, recorrendo à força‖604

Como a crítica à teoria positivista citada leva à reflexão do seu oposto,


que é a teoria jusnaturalista, na sua acepção mais ampla, Bobbio insere um
contraponto à fórmula positivista, ensinando que não podem ser consideradas
jurídicas todas as regras, mas tão somente aquelas revestidas de determinados
valores, devendo ser destacada a justiça, que é o supremo valor inspirador do
direito. Critica , no entanto, a doutrina jusnaturalista, pela dificuldade em se definir o
termo justiça. 605

Aliás, das críticas encetadas à teoria positivista, é oportuno o registro


da crítica de Ronald Dworkin, para quem a influência do positivismo jurídico diminuiu
sobremaneira, nas últimas décadas, a ponto de e sse sistema filosófico deixar de
―ser uma força importante, tanto na prática jurídica quanto na educação jurídica. O

602
Idem, ibidem.
603
Para o aludido filósofo ―o critério do fim é insuficiente porque o juízo sobre para que serve
o fim (idos é, conservação da sociedade) varia de tempos em tempos, de lugar para lugar.‖ (Idem,
ibidem).
604
Acrescenta que só quem detém o poder está em posição de decidir o que é essencial, e de
tornar efetivas as suas decisões[...]‖. (Idem, p.149)..
605
Idem, p.150.
236

Estado se tornou demasiado complexo, para adequar-se à austeridade


606
positivista‖.

Continuando na explanação das teorias que tentam explicitar as


características específicas das normas jurídicas, para diferenciá-las das demais,
Bobbio esclarece que há um quinto grupo que tenta explicar a natureza específica
das normas jurídicas na maneira como são elas recebidas pelos destinatários, sendo
que o aludido grupo é caracterizado por duas vertentes. A primeira enfoca que a
norma jurídica é aquela cuja obediência é feita pelas vantagens que dela possam
ser extraídas, satisfazendo-se, assim, com a mera adesão exterior, diferenciando-se,
portanto, da norma moral que exige apenas uma obediência interior desprovida de
constrangimento. A segunda se orienta, pelo fato de que a norma jurídica somente é
caracterizada, quando o seu destinatário está convencido da sua obrigatoriedade e
age impulsionado por um estado de necessidade, ao passo que as normas não
jurídicas ―são caracterizadas por um menor senso de dependência do sujeito
passivo frente a elas, por uma obrigação não incondicionada à livre escolha do
fim‖.607 Critica, no entanto, tais posições doutrinárias, pelo simples fato de que ora
aproximam as normas jurídicas das normas sociais, ora aproximam as aludidas
normas das normas morais.608

O ilustre filósofo entende que os critérios enfocados não são


exclusivos, mas integrativos, de forma que é inócua a disputa de eventual
superioridade entre eles. Dá especial realce ao critério que caracteriza a norma no
momento da resposta à violação, que é a sanção, de forma que ―todo sistema
normativo implica o expediente da sanção‖.609

Pondera Bobbio, com proficiência, no entanto, que, se é verdade que


toda sanção pressupõe a violação da norma e que todo sistema normativo sofre

606
A Justiça de Toga. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2010,
p.299. Complementa afirmando que: ―A tese de que o direito de uma comunidade consiste apenas
nas determinações explícitas dos órgãos legislativos parece natural e conveniente quando os códigos
legislativos explícitos podem pretender suprir toda a legislação de que uma comunidade necessita.
Contudo, quando a transformação tecnológica e as inovações comerciais superam o provimento do
direito positivo – como ocorreu intensamente nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial -,
os juízes e as outras autoridades judiciais devem voltar-se para princípios mais gerais de estratégia e
justiça, de modo a adaptar e fazer o direito evoluir em resposta às novas necessidades. Portanto,
parece artificial e despropositado negar que esses princípios também participam da definição do que
é o direito‖. (p.299-300).
607
Idem, p.151.
608
Idem, ibidem.
609
Idem, p.154.
237

violações numa sociedade real, nem todas as normas vilipendiadas acarretam as


mesmas consequências. Iniciando pelas normas morais, explica que a única
consequência a sua desobediência é o sentimento de culpa e de perturbação, que é
o remorso. O legislador moral apela a um estado de espírito que ninguém quer
vivenciar, para estimular o destinatário a cumprir sua norma, mas toda a
consequência de sua transgressão não transcende a consciência do indivíduo,
tratando-se, portanto, de sanção puramente interior. Adverte, contudo, que ―nenhum
legislador, para obter o respeito das normas que emana, confia, exclusivamente, na
operatividade da sanção interior‖.610 Quanto às normas sociais, que são aquelas que
gravitam sobre os costumes, a educação, a vida em sociedade, a sanção representa
uma reação externa por parte dos demais integrantes do corpo social que reagem
de diversas maneiras, como reprovação, eliminação do grupo, expulsão, podendo
611
chegar, até mesmo, a formas mais graves como o próprio linchamento.

Analisando a sanção jurídica, esclarece Bobbio que ela se distingue da


moral, porque a resposta à violação se realiza externamente e, ainda, se diferencia
da social, por ser institucionalizada. Assim, o tipo de sanção é eficaz para diferenciar
os vários tipos de normas, com ênfase na norma jurídica, como àquela que acarreta
uma resposta externa e institucionalizada. Conceitua normas jurídicas, a partir de tal
análise, como ―aquelas cuja execução é garantida por uma sanção externa e
institucionalizada‖.612 Relata, no entanto, que há o argumento dos não-sancionistas,
que expõem que a sanção não pode ser o elemento diferenciador do direito porque
o ordenamento jurídico conta, naturalmente, com a adesão espontânea ou por
consenso, convenção ou hábito. Rebate tal argumento, explicitando que a adesão
espontânea não constitui garantia do cumprimento do ordenamento, que deve ser
reforçado com regras garantidoras do cumprimento, em caso de recalcitrância do

610
Idem, p.157.
611
Idem. P.158. Esclarece que o ―defeito das sanções sociais não é, todavia, a falta de
eficácia, mas a falta de proporção entre violação e respostas... em segundo lugar, precisamente por
causa do imediatismo e da inorgacidade da reação, a resposta não é sempre igual para os mesmo
tipos de violação, mas depende dos humores do grupo, que são variáveis...Esses inconvenientes
dependem do fato de que este tipo de sanção não é institucionalizado, ou seja, não é regulado por
normas fixas, precisas, cuja execução esteja confiada estavelmente a alguns membros do
grupo[...]‖.(p.159).
612
Idem, p.160. adverte que o critério da sanção, embora, não sendo exclusivo, ―serve, talvez,
para para circunscrever melhor uma esfera de normas, que usualmente são chamadas de jurídicas,
do que outros critérios‖ (p.161).
238

destinatário da norma.613

Quanto às normas sem sanção, explica que sua existência não afasta
o critério em exame já que a sanção deve ser vista como elemento constitutivo do
ordenamento no seu conjunto e não apenas de uma norma singular614.

Os não-sancionistas utilizam, ainda a argumentação das normas em


cadeia e o processo ao infinito, em face de que, por mais que o sistema se estruture
haverá normas que não podem ser englobadas e que ficarão desprovidas de
sanção, de forma que a ausência de sanção resulta de uma razão implícita no
próprio sistema. Explicita que não há contradição, ―ao se considerar, por um lado,
que a sanção seja elemento constitutivo do direito e, por outro, que faltam sanções
precisamente nas normas superiores do ordenamento‖.615

Não se pode olvidar, evidentemente, a figura exponencial de Hans


Kelsen que com sua obra Teoria Pura do Direito, representou a quebra de
paradigma do estudo da Teoria Geral do Direito.

Construiu o ilustre filósofo uma teoria alicerçando uma Ciência do


Direito alheada de qualquer influência externa, com o escopo de construir, assim,
uma descrição pura do Direito. Justifica que:

Quando a si própria se designa como ‗pura‘ teoria do Direito, isto significa


que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e
excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo
quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto
dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que
lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.616

613
Idem, p.163. Frisa que ―o problema não é se a sanção é necessária sempre, mas se é
necessária nos casos em que deve ser aplicada, isto é, nos casos de violação. Um ordenamento
normativo em que não houvesse nunca necessidade de recorrer à sanção e fosse sempre seguido
espontaneamente, seria tão diferente dos ordenamentos históricos que costumamos chamar de
jurídicos que ninguém ousaria ver ali realizada a ideia de direito: sinal evidente de que a adesão
espontânea acompanha a formação e a perduração de um ordenamento jurídico, mas não o
caracteriza‖ (p.164).
614
Idem, p.170. Complementa afirmando que o ―Estado de direito avançou e continua a
avençar na medida em que se substituem os poderes arbitrários pelos juridicamente controlados, os
órgãos irresponsáveis pelos órgãos juridicamente responsáveis‖ (p.170)
615
Idem, p.175. ensina que por ―mais que um ordenamento tenda a reforçar a eficácia das
próprias normas organizando a coação, não está excluído que ele confie também na adesão
espontânea. Aqui acrescentemos que a eficácia direta, isto é, a que deriva da adesão espontânea,
não apenas não está excluída, mas é de fato indispensável. As normas, cuja aplicação é certamente
confiada à adesão espontânea, são justamente as normas superiores do sistema. Ora, um sistema
em que todas as normas superiores devessem ser garantidas pela sanção não só é juridicamente
impossíveis, mas é também impossível de fato, porque significaria que aquele ordenamento estaria
fundado somente na força‖ (p.176).
616
Teoria pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999,
239

Para Kelsen, o Direito ―é uma ordem normativa da conduta humana, ou


seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano.‖617Leciona que
um fato externo processado, focado num âmbito espacial e temporal, constitui uma
parcela da natureza ditada pela lei da causalidade , não se tratando, por si só, como
algo jurídico. O que dá realce a este fato, transmudando-o num ato jurídico não é a
sua facticidade e sim o sentido objetivo que está ligado a esse fato, a sua particular
significação jurídica ditada por uma norma, que funciona como esquema de
interpretação. Entende, como norma, o ―sentido de um ato por meio do qual uma
conduta é prescrita, permitida ou, especialmente, facultada, no sentido de
adjudicada à competência de alguém‖ 618

A sua teoria tem, como pilastras, as categorias do ser e do dever-ser,


em cujos polos o grande filosofo distingue Direito e realidade. A partir desse
fundamento, esclarece que ―a norma é um dever-ser e o ato de vontade de que ela
constitui o sentido é um ser‖.619

Explicitando as duas categorias, preleciona que:

A conduta que é e a conduta que dever ser não são idênticas. A conduta
que deve ser, porém, equivale à conduta que é em toda a medida, exceto
no que respeita à circunstância (modus) de que uma é e a outra deve ser.
Portanto a conduta estatuída numa norma como devida (como devendo ser)
tem de ser distinguida da correspondente conduta de fato. Porém, a
conduta estatuída na norma como devida (como devendo ser), e que
constitui o conteúdo da norma, pode ser comparada com a conduta de fato
e, portanto, pode ser julgada como correspondendo ou não correspondendo
à norma (isto é, ao conteúdo da norma). A conduta devida e que constitui o
conteúdo da norma não pode, no entanto, ser a conduta de fato
correspondente à norma.620

Registra, ainda, que a vigência da norma pertence ao mundo do dever


ser e, neste sentido, é imperioso distinguir-sea vigência da norma da sua eficácia,
―isto é, do fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância

p.01.
617
Op.cit., p.05.
618
Op.cit, p.06. Acrescenta que: ― o termo ‗norma‘ se quer significar que algo deve ser ou
acontecer, especialmente que um home se deve conduzir de determinada maneira. E este o sentido
que possuem determinados atos humanos que se dirigem intencionalmente à conduta de outrem‖.
(p.05).
619
Op.cit., p.06.
620
Op.cit., p.07. A explicação parte das seguintes proposições: a porta será fechada e a porta
deve ser fechada, o ‗fechar a porta‘ é, no primeiro caso, enunciado como algo que é e, no segundo
caso, como algo que deve ser. (ibidem).
240

de uma conduta humana conforme a norma se verificar na ordem dos fatos‖. 621
Assinala que:

Uma norma jurídica é considerada como objetivamente válida apenas


quando a conduta humana que ela regula lhe corresponde efetivamente,
pelo menos uma certa medida. Uma norma que nunca e em parte alguma é
aplicada e respeitada, isto é, uma norma que – como costuma dizer-se –
não é eficaz em uma certa meidda, não será considerada como norma
válida (vigente). Um mínimo de eficácia (como sói dizer-se) é a condição da
622
sua vigência.

É digno de nota, ainda, a observação de Kelsen, quanto ao fundamento


de validade de uma ordem normativa que se funda numa norma fundamental.
Ensina que, se o Direito é focado como um sistema de normas reguladoras da
conduta humana, que são vinculativas aos seus destinatários, o fundamento de
validade das aludidas normas encontra-se planificado na dimensão de uma norma
superior, que é pressuposta. Reafirma que:

Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma


norma fundamental forma um sistema de normas, uma ordem normativa. A
norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas
pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de
validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem
normativa basea-se em que o seu último fundamento de validade é a norma
fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade
de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da
validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.623

621
Op.cit., p.11.
622
Op.cit., p.11-12. Acrescenta que: ―A eficácia é, nesta medida, condição da vigência, visto
ao estabelecimento de uma norma ter de seguir a sua eficácia para que ela não perca a sua
vigência. É de notar-se, no entanto, que, por eficácia de uma norma jurídica que se liga a uma
determinada conduta, como condição, uma sanção como consequência, - e, assim, qualifica como
delito a conduta que condiciona a sanção -, deve entender-se não só o fato de esta norma ser
aplicada pelos órgãos jurídicos, especialmente pelos tribunais – isto é, o fato de a sanção, num caso
concreto, ser ordenada e aplicada -, mas também o fato de esta norma ser respeitada pelos
indivíduos subordinados à ordem jurídica – isto é, o fato de ser adotada a conduta pela qual se evita a
sanção.‖ (p.12).
623
Op.cit., p.217. Para explicitar a autoridade da norma fundamental, ensina que: ―Uma
norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada
como norma superior, por confronto com uma norma que é,, em relação a ela, a norma inferior. Na
verdade, parece que se poderia fundamentar a validade de uma norma com o fato de ela ser posta
por qualquer autoridade, por um ser humano ou supra-humano : assim acontece quando se
fundamenta a validade dos Dez Mandamentos com o fato de Deus, Jeová, os ter dado no Monte
Sinai; ou quando se diz que devemos amar os nossos inimigos porque Jesus, o Filho de Deus, o
ordenou no Sermão da Montanha. Em ambos os casos, porém, o fundamento de validade, não
expresso mas pressuposto, não é o fato de Deus ou o Filho de Deus ter posto uma determinada
norma num certo tempo e lugar, mas uma norma: a norma segundo a qual devemos obedecer às
ordens ou mandamentos de Deus, ou aquela outra segundo a qual devemos obedecer aos
mandamentos de Seu Filho. Em todo caso, no silogismo cuja premissa maior é a proposição de dever
ser que enuncia a norma superior: devemos obedecer aos mandamentos de Deus (ou aos
241

Ensina-se que, por ocasião da publicação da Teoria Pura do Direito a


ciência jurídica estava em ruínas por se valer de empréstimos metodológicos de
outras ciências. Já que ―o jurista aderia ao sociologismo, que, com sua feição
eclética, submetida o direito a diversas metodologias empíricas...Com isto, não havia
domínio científico no qual o cientista do direito não se achasse autorizado a
penetrar‖.624

Leciona Maria Helena Diniz:

Reagindo contra tal situação, observou Hans Kelsen que sendo o direito
uma realidade específica não seria de bom alvitre transportar para a égide
da ciência jurídica métodos válidos para outras ciências. Entendendo que o
jurista deveria investigar o direito, mediante processos próprios ao seu
625
estudo, verificou que isto só seria possível se houvesse pureza metódica.

Kelsen, por marcar o ápice do positivismo jurídico626 e pela teoria


enfocada, trouxe para si contundentes críticas negativas627, e também críticas
positivas, uma vez que sua teoria permitiu um inegável avanço para a
sistematização e a autonomia da Ciência do Direito.

Reagindo ao positivismo normativista de Kelsen aflora a figura de

mandamentos de Seu Filho), e cuja conclusão é a proposição de dever-ser que enuncia a norma
inferior: devemos obedecer aos Dez Mandamentos (ou ao mandamento que nos ordena que amemos
os inimigos)...A norma afirmada na premissa maior, segundo a qual devemos observar os
mandamentos de Deus (ou do Seu Filho), está contida no pressuposto de que as normas, cujo
fundamento de validade está em questão, provêm de uma autoridade, quer dizer, de alguém que tem
capacidade, ou seja, competência para estabelecer normas válidas. Esta norma confere à
personalidade legiferante ‗autoridade‘ para estatuir normas‖ (Teoria Geral do Direito e do Estado.
Trad.Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.216.).
624
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito, 22.ed.São Paulo:
Saraiva, 2011, p.133.
625
Idem, ibidem.
626
Leciona-se que a expressão [...]‘positivismo foi cunhada Por Auguste Comted...Tendo
como pano de fundo o avanço das ciências naturais, o positivismo pretendeu integrar todo o
conhecimento humano por meio da metódica empírica exata, liberta de toda e qualquer interpretação
metafísica. A ciência deveria partir apenas dos fenômenos reais.‖ (MÜLLER, Friedrich. O novo
paradigma do Direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. 3.ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: R.T., 2012, p.95).
627
Assinala Friedrich Muller que: [...]o positivismo jurídico, ao conceber o direito como um
sistema sem lacunas, a decisão como uma subsunção estritamente lógica e com a supressão de
todos os elementos do ordenamento social não espelhados no texto da norma, deixa-se levar por
uma ficção inaceitável na prática. Inclusive na afirmação de Kelsen, segundo a qual norma e
realidade normatizada coexistem sem guardar nenhuma relação entre si, manifestar-se o erro de uma
proposição que, indistintamente, aplica ao direito um conceito da ciência atualmente em desuso,
inclusive no terreno das ciências naturais, em lugar de analisar diretamente as características
próprias da normatividade jurídica, baseando-se para isso na aplicação concreta das normas
jurídicas. Tal análise demonstra que a norma jurídica, ao contrário do que estabelece a proposição
positivista, não deve ser entendida como uma ordem abstrata daquilo que deve ser, nem como um
juízo hipotético ou um ato de vontade carente de inteiro fundo material‖ (Op.cit., p.190).
242

Friedrich Muller com a sua Teoria Estruturante do Direito, que, a despeito das
naturais críticas direcionadas ao mestre do positivismo jurídico, o trata com
reverência. Ensina Muller que:

A Teoria Estruturante do Direito é intencionalmente ‗pura‘. Ela se despede


paradigmaticamente de Kelsen. Mas, como disse, é uma despedida com
respeito. Isso se expressa também simbolicamente: a primeira edição da
Teoria Estruturante do Direito foi publicada em Berlim, em 1984 – portanto,
exatamente 50 anos depois da primeira edição da Teoria Pura do Direito.
Isso não foi uma coincidência – eu quis que fosse assim para, através
628
desse símbolo, render a minha reverência a Kelsen.

Como relata o ilustre filósofo do Direito, não se trata de um


antipositivismo, mas de uma teoria pós positivistado direito. ―Ela concebe o trabalho
jurídico como um processo a ser realizado no tempo e os enunciados nas condições
como textos de normas...como ‗formulários de textos‘, i.e., como pré-formas
legislativas da norma jurídica‖.629 Ensina que:

A teoria estruturante do direito não é apenas uma nova concepção, é uma


concepção inovadora da teoria do direito. Resulta , pela primeira vez, de um
conceito pós-positivista de norma jurídica. A norma jurídica não se encontra
já pronta nos textos legais; nestes encontram-se apenas formas primárias,
os textos normativos. A norma só será produzida em cada processo
particular de solução jurídica de um caso, em cada decisão judicial.630

Explica que a norma jurídica está em formação no curso temporal da


decisão, de forma que a norma jurídica não existe ―ante casum‖, já que o caso da
decisão é ―coconstitutivo‖. Leciona que:

O texto da norma no código legal é (apenas) um dado de entrada do


processo de trabalho chamado ‗concretização‘. A norma jurídica criada no
caso está estruturada segundo ‗programa da norma‘ e ‗âmbito da norma‘;
ela é, portanto, um conceito composto que torna o problema
tradicionalmente irresolvido de ‗ser e dever ser4‘ operacional e
trabalhável.631

A razão do sucesso da teoria consiste no fato de desenvolver um


modus operandi indutivo, por trabalhar de baixo para cima 632, sem a imposição de

628
Op.cit., p.14
629
Op.cit., p.11.
630
Idem, p.135.
631
Idem, ibidem.
632
Anota que: ‗em todas as disciplinas do direito é preciso analisarem-se os detalhes do fato
para saber se – no sentido da ‗subsunção‘ – correspondem às características típicas do preceito‖
243

nenhuma teoria abstrata, manuseando o seu entorno social.633 Em contato com essa
realidade social, elaboram-se ―gradualmente esquemas conceituais teóricos‖. São
descartados, assim, os dualismos utópicos do passado, como norma e caso direito e
realidade.634 No que tange ao novo paradigma do direito, realça que:

[...]o seu conceito composto de norma inclui o trabalho das ciências sociais
no trabalho jurídico. Ele concebe a atividade dos juristas, dos juízes como
atividade social, é, portanto, refletido em termo de teoria da ação; e com
vistas ao seu enfoque linguístico ele abrange, por fim, decididamente a
635
dimensão pragmática.

Propõe que a ciência do direito faça a aferição da particularidade das


norma jurídicas para perscrutar ―de que maneira atuam os elementos da realidade
social dentro dos distintos passos da concretização do direito‖.636

Assim, o direito vigente se consubstancia num conjunto dos textos das


normas, ―[...]que devem ser desenvolvidos apenas, no caso, na direção de normas
jurídicas, de acordo com regras de método, sendo que essas normas jurídicas, por
sua vez, devem ser desenvolvidas na direção de normas de decisão‖.637

Verifica-se que, sob a a ótica da aludida teoria, a feitura da norma


jurídica se direciona à aplicação de um caso concreto, culminada na formulação de
uma decisão judicial, que contém, portanto, a norma de decisão638.

A teoria pós positivista em exame, não enfoca a lei com conteúdo


normativo e, sim, com textos de normas, os quais não são ainda aplicáveis ―pois

(idem, p.18).
633
Realça que: ―Teoria e prática no direito não são ‗Senhora e escrava‘, mas irmãs. São
equivalentes – mas a prática é a irmã mais velha da teoria, a de mais experiência‖ (idem, p.15).
634
Registra que, de fato, ―direito e ‗ realidade‘ não aparecem mais como categorias opostas
abstratas; eles atuam agora como elementos da ação jurídica, sintetizáveis no trabalho jurídico
efetivo de caso para caso – na forma da norma jurídica produzida[...]A Teoria Estrutura do Direito
sempre se empenhou em testemunhar em todos os seus campos de trabalho a realidade na qual o
direito é usado e na qual ele (se) orienta; ela sempre se empenhou em testemunhar o que é o caso
no direito.‖(idem, p.13-14).
635
Idem, ibidem.
636
Idem, p.19.
637
Idem, p.103. Complementa, explicitando que: ―nós juristas partimos de textos de normas,
isto é, dos enunciados no código. Com eles, que são elementos muito importantes, embora nem de
longe os únicos, elaboramos o texto da norma jurídica, derivando dele conclusivamente o texto da
norma de decisão‖ (p.111).
638
Anota Müller que: ―A norma jurídica e a norma de decisão são produzidas apenas na
situação do caso jurídico determinado e por meio do trabalho com vistas à sua solução. Somente elas
devem ser denominadas ‗normativas‘, pois somente por meio dos seus textos se determina de forma
suficientemente concreta como o conflito do caso deve ser solucionado e como se deve proceder
para implementar a norma de decisão‖ (Op.cit., p.108).
244

ainda não são pré-formadamente normativos‖. 639

Utilizando-se da metáfora da virtualidade, leciona Müller que:

[...] o texto da norma é como a imagem eletrônica (a superfície do monitor


de vídeo, do texto) da posterior norma jurídica e de decisão. Mas pode-se
sustentar a afirmação de que, assim como ‗virtual‘ de modo nenhum
significa o mesmo que ‗atual‘, ante casum só são dados como potenciais
textos de normas pelo legislador constitucional, pelo legislador ordinário e
pelo autor de decretos, enquanto potenciais normativos e ainda não
640
normativos. A normatividade existe apenas in casu.

Verifica-se que a elaboração dos textos da norma jurídica e da norma


de decisão, à luz da teoria enfocada, decorre da sua concretização641. Com efeito,
―partindo de e com a ajuda de algo ainda não normativo, de algo virtual, como
norma, criamos algo que depois normatizará concretamente, o caso
determinado‖.642

Pode-se afirmar que a feitura da norma é estruturada nos termos do


programa da norma 643, ou seja, conforme o resultado da interpretação dos sinais

639
Idem, ibidem. Justifica Müller que: ―O texto da norma apenas tenta converte-se em
normatividade por meio da antecipação tipificadora. Mas ele ainda não pode produzir esse efeito sem
ter sido provocado por esse caso individual determinado – quer dizer, ante casum.‖ (p.109).
640
Idem, p.111. Anota, ainda, que: ―Tais textos de normas ainda carecem da efetiva
provocação pela questão jurídica atual, pelo caso jurídico atual. Sem a efetividade dessa provocação
o texto da norma – assim como o fenômeno do virtual – ainda carece da ‗objetualidade concreta‘(e
nesse sentido determinável). O texto da norma ‗é como se ele estivesse aí (como norma), mas 9ele)
não está aí‘‖ (p.112).
641
Concretizar, na lição do ilustre mestre, ―[...]não significa aqui, portanto, à maneira do
positivismo antigo, interpretar, aplicar, subsumir silogisticamente e concluir. E também não, como no
positivismo sistematizado da última fase de Kelsen, ‗individualizar‘ uma norma jurídica genérica
codificada na direção do caso individual ‗mais restrito‘. Muito pelo contrário, ‗concretizar‘ significa:
produzir diante da provocação pelo caso de conflito social, que exige uma solução jurídica, a norma
jurídica defensável para esse caso no quadro de uma democracia e de um Estado de Direito. Para tal
fim existem dados de entrada...- o caso e os textos de norma nele ‗pertinentes‘ - e meios de trabalho,
sobre os quais ainda haveremos de falar‖ (p.125).
642
Idem, p.112. Adverte Müller que: ―a norma jurídica não existe, mas é criada pelo jurista
decidente. Ele a cria não com base no virtual, mas isso sim, partindo do virtual e com sua ajuda‖
(idem, ibidem).
643
Para melhor explicitar a questão do programa da norma e do âmbito da norma, preleciona
Müller que: ―O jurista, que precisa solucionar um caso do direito constitucional, parte, bem como em
outras áreas do direito, das circunstâncias de fato, i.e,, do tipo legal, que ele formula
profissionalmente. Com esses traços distintivos ele constrói a partir do conjunto de textos da
constituição hipóteses sobre o texto da norma, eu ele pode considerar ‗provavelmente pertinentes‘
segundo o seu conhecimento especializado. Dessas hipóteses ele chega aos fatos genéricos
empiricamente vinculados a elas (ao lado dos fatos individuais do caso). O conjunto desses fatos
genéricos, o âmbito material [Sachebereich], ele reduz, em regra, de trabalho ao âmbito do caso
[Fallbereich], por razões de economia. Com ajuda de todos os elementos de trabalho que são, num
primeiro momento, de natureza linguística, i.e., com ajuda dos dados linguísticos, ele elabora o
programa da norma. Na medida em que os dados reais do âmbito material ou do âmbito do caso
(ainda) são relevantes diante do programa da norma e compatíveis com ele, eles constituem o âmbito
245

linguísticos do seu texto e, ainda, nos termos do âmbito da norma, que é o setor
concreto da realidade, o ―conjunto dos fatos individuais e gerais do caso‖. 644 Noutras
palavras, programa da norma é ―o resultado da interpretação do texto da norma,
formado a partir dos dados primaciais de linguagem‖, enquanto âmbito da norma ―é
um conceito a ser determinado estruturalmente que se refere às partes integrantes
materiais da normatividade, que são coconstitutivas da norma‖.645

Adverte, ainda, Friedrich Müller que a normatividade se reveste de uma


―regulamentação vinculante da vida social‖ e que, portanto, tal característica não
alcança os textos de normas, ―mas somente as normas jurídicas criadas pelo
operador jurídico, como sujeito do processo de concretização‖.646

Verifica-se, assim, pela evolução doutrinária que o conceito de norma


jurídica se encontra em constante ebolição.

1.3 O Poder Judiciário como edificador da justiça

1.3.1 A função do Estado-juiz

O vocábulo Estado, na acepção de sociedade política foi apontado,


pela primeira vez, na Itália, em 1513, na obra "O Príncipe", de Maquiavel, ao enfocar
que "todos os estados, todos os domínios que tiveram e têm império sobre os
homens, são repúblicas ou principados".647 Adverte, contudo, Noberto Bobbio:

Isto não quer dizer que a palavra foi introduzida por Maquiavel. Minuciosas
e amplas investigações sobre o uso de 'Estado', na linguagem dos séculos
XV e XVI, mostram que a passagem do significado comum do termo status
de 'situação" a 'Estado' no sentido moderno da palavra, já se havia dado
mediante o isolamento do primeiro termo na expressão clássica status rei
pubblicae. O mesmo Maquiavel não poderia escrever tal frase precisamente

da norma [Normbereich]. O jurista interliga então o programa e o âmbito da norma na norma jurídica
formulada genericamente...Essa norma jurídica ele individualiza num último passo na direção da
norma decisão (a parte dispositiva da sentença...)‖ (p.125-126).
644
Idem, p.114.
645
Idem, p.207. Acrescenta que o ―âmbito material designa a totalidade das hipóteses sobre
as questão de fato inicialmente introduzidas de forma associativa para fins de narrativa do caso[...]‖
(idem, ibidem).
646
Idem, p.206. Assim: ―A norma jurídica não é, portanto, um dado prévio orientador da
concretização, mas só chega a ser produzida pelo assim chamado aplicador do direito‖ (p.208).
647
O príncipe. tradução de J.Cretella Jr e Agnes Creella, 2.ed., 2ª tiragem, São Paulo: RT,
1999, p.21.
246

no começo da obra se a palavra em questão já não fosse de uso corrente.


Certamente, com o autor de 'O Príncipe' o termo Estado passou a ser
utilizado paulatinamente.648

Anota Dalmo de Abreu Dallari que Estado, como sociedade política,


somente veio aparecer no século XVI. Sublinha, contudo, que a maioria da doutrina
reconhece que essa sociedade denominada Estado não difere da essência daquela
instalada anteriormente.649 Agregando o componente jurídico do Estado e os demais
fatores não jurídicos, o ilustre autor conceitua Estado como "a ordem jurídica
soberana, que tem, por fim, o bem comum de um povo situado em determinado
território". 650

Também não se pode falar de Estado, sem que este esteja revestido
de Poder, que é uma de suas características fundamentais. Este poder estatal, pela
sua própria natureza, é caracterizado pela imperatividade e coercibilidade
decorrente da própria ordem jurídica, que estrutura o Estado. Neste sentido, ensina
Paulo Bonavides que:

[...] o Estado, que possui o monopólio da coação organizada e


incondicionada, não somente emite regras de comportamento senão que
dispõe dos meios materiais imprescindíveis com que impor a observância
dos princípios porventura estatuídos de conduta social.Atua o Estado por
conseguinte na ambiência coletiva, quando necessário, com a máxima
imperatividade e firmeza, formando aquela vasto círculo de segurança e
ação na qual se movem outros círculos menores dele dependentes ou a ele
acomodados, que são os grupos e indivíduos, cuja existência ganha ali
certeza e personificação jurídica. 651

648
Estado, gobierno y sociedad: por una teoría general de la política.México: Fondo de
Cultura Económica, 1997, p.86.
649
Elementos de teoria geral do Estado. Saraiva, 16.ed., atual. e ampl.. São Paulo: Saraiva,
1991, p.43. . Rousseau faz importante observação, ao dissertar sobre as sociedades primitivas,
ensinando que: 'A família é, pois, se se quiser, o primeiro modelo das sociedades políticas; o chefe é
a imagem do pai, o povo é a dos filhos, e, tendo nascido todos igualmente livres, não alienam a sua
liberdade senão em proveito da própria utilidade. Esta diferença consiste em que na família, o amor
do pai pelos filhos é recompensado com o cuidado que estes lhe dedicam, enquanto no Estado, o
prazer de mandar substitui este amor que o chefe não sente para com os seus súditos" (O contrato
social, trad. de Antônio de P.Machado. Rio de Janeiro:Ediouro, [s.d],p.27.
650
Idem, p.101. Hans Kelsen parte de um conceito puramente jurídico, entendendo que "a
situação revela-se mais simples quando o Estado é discutido a partir de um ponto de vista puramente
jurídico. O Estado, então, é tomado em consideração apenas como um fenômeno jurídico, como uma
pessoa jurídica, ou seja, como uma corporação[...]. A única questão que resta é a de que modo o
Estado difere de outras corporações. O Estado é a comunidade criada por uma ordem jurídica
nacional (em contraposição a uma internacional). O Estado como pessoa jurídica é uma
personificação dessa comunidade ou a ordem jurídica nacional que constitui essa
comunidade"(Teoria geral do direito e do Estado, trad. Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, p.261/262).
651
Ciência política. 17.ed., São Paulo: Malheiros, p.117.
247

A soberania, que expressa o poder supremo do Estado, deve ser


destacada não só pelos reflexos internos como também externos. A soberania,
como atributo desse poder maior do Estado, é analisada pela doutrina numa
dimensão interna e externa. Invocando, uma vez mais, a lição de Paulo Bonavides,
pode-se afirmar que:

A soberania interna significa o imperium que o Estado tem sobre o território


e a população, bem como a superioriedade do poder político frente aos
demais poderes sociais, que ficam sujeitos, de forma mediata ou imediata.
A soberania externa é a manifestação independente do poder do Estado
perante outros Estados.652

Característica não menos importante do poder estatal resulta na sua


unidade e indivisibilidade. A unidade deve ser compreendida que esse poder
promana de um único titular, que é o Estado, embora se trate de aparente paradoxo
falar em tripartição de poderes frente à aludida unidade e indivisibilidade. Na
realidade, "o poder do Estado, na pessoa de seu titular, é indivisível: a divisão só se
faz quanto ao exercício do poder, quanto às formas básicas de atividades
estatais".653

Enfocando a evolução histórica da tripartição de poderes, enquanto


doutrina, não se pode olvidar da figura de Montesquieu, que, dentre os demais
pensadores, foi o que se preocupou, expressamente, com a inclusão do poder de
julgar, como tarefa fundamental do poder estatal.

Dita Montesquieu, debruçando-se sobre a aludida teoria:


652
Op.cit., p.119. Zulmar Fachin traz importante observação ao tema, ensinando que "a ideia
de soberania vem passando por significativa alteração de sentido. Há muito não se trata de valor
absoluto, pois tem sofrido constante processo de relativização. a soberania encontra-se relativizada
em pelo menos dois campos: o da economia e o dos direitos humanos. em matérias de natureza
econômica, os Estados, especialmente os de economia periférica, têm sido compelidos a aceitar
decisões tomadas por organismos internacionais, como, por exemplo FMI e OMC.No que tange aos
direitos humanos, a relativização da soberania é ainda mais evidente, visto que inúmeros países
(soberanos) têm alterado suas legislações - inclusive o Texto Constitucional - para se adaptar ao
conteúdo dos Tratados Internacionais. No mesmo sentido, governantes de diversos países têm sido
submetidos à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, localizado em Haia, na Holanda" (Curso de
Direito Constitucional, 5.ed., rev., atual e ampl.. Rio de Janeiro: Forense, p.205). Não se pode, ainda,
deixar de consignar o ensinamento de Daniella S. Dias para quem "a possibilidade de coercibilidade
existente no Direito, nas regras jurídicas, no desenvolvimento das funções e competências estatais é
reflexo desse poder político, que só se justifica em razão da base jurídica. Logo, a compreensão do
poder do Estado só pode ser realizada tendo em vista a ordem jurídica. O poder não pode ser tratado
de forma autônoma. O poder político só se justifica em base jurídicas, pois está diretamente
relacionado com a soberania[...]" (Soberania: a legitimidade do poder estatal e os novos rumos
democráticos. Revista de Informação Legislativa ano 48, 192/57-58, Brasília, Subsecretaria de
Edições Técnicas do Senado Federal, out./dez.2011).
653
BONAVIDES, Paulo. Op.cit., p.119.
248

Pelo primeiro poder, o príncipe ou magistrado cria as leis para um tempo


determinado ou para sempre, e corrige ou ab-roga aquelas que já estão
feitas. Pelo segundo, determina a paz ou a guerra, envia ou recebe
embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro,
pune os crimes ou julga as questões dos indivíduos. Chamaremos este
último 'o poder de julgar', e o outro chamaremos, simplesmente, 'o poder
executivo do Estado'[...] Quando em uma só pessoa, ou em um mesmo
corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo,
não pode existir liberdade, pois se poderá temer que o mesmo monarca ou
o mesmo senado criem leis tirânicas para executá-las tiranicamente.
Também não haverá liberdade se o poder de julgar não estiver separado do
poder legislativo e do executivo. Se o poder executivo estiver unido ao
legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário,
pois o juiz seria o legislador. E se estiver ligado ao poder executivo, o juiz
poderia ter a força de um opressor. Tudo então estaria perdido se o mesmo
homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou o dos nobres, ou o do povo,
exercesse estes três poderes: o de criar as leis, o de executar as resoluções
públicas e o de julgar os crimes e as querelas dos particulares.654

Antes do pensador francês, John Locke foi o pioneiro na


sistematização da separação de poderes, em sua obra "Segundo Tratado Sobre o
Governo", sem referir-se, contudo, ao poder de julgar, como fez, com proficiência,
Montesquieu. Para o autor inglês:

Quando os poderes executivo e legislativo estiverem em mãos diversas -


como se acham em todas as monarquias moderadas ou governos bem
constituídos - o bem da sociedade exige que várias questões fiquem
entregues à discrição de quem dispõe do poder executivo, porque não
sendo os legisladores capazes de prever e prover por meio de leis tudo
quanto possa ser útil à comunidade, o executivo das leis, tendo poder nas
mãos, possui o direito de, pela lei comum da natureza, fazer uso dele para o
bem da sociedade[...]é conveniente mesmo que em certos casos a própria
lei ceda o lugar o poder executivo, ou antes à lei fundamental da natureza e
do governo, isto é, que, tanto quanto possível, todos os membros da
sociedade encontrem proteção.655

Agregue-se, por oportuno, que a Revolução Francesa incorporou a


tese de Montesquieu, inserindo-a no artigo 16 da Declaração de Direitos do Homem
e do Cidadão, cuja norma estabelece que "A sociedade na qual não se assegura a
garantia dos direitos, nem se determina a separação dos poderes, considera-se
desprovida de Constituição".

O Brasil, seguindo a tradição da maioria dos Estados, inseriu a


tripartição de poderes já na Constituição do Império de 1824, conforme se verifica

654
Do Espírito das leis.Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret,2002, p.165/166.
655
Segundo tratado sobre o governo.Trad. E.Jacy Monteiro. São Paulo: IBRASA, 1963,
p.102.
249

nos artigos do 9º a 12, com a ressalva de que foi instituído um quarto poder,
denominado moderador, entregue à autoridade do Imperador. 656

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891,


estabeleceu a tripartição de poderes no artigo 15, ditando que "são órgãos da
soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e
independentes entre si".

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934,


também reconheceu a tripartição de poderes, estabelecendo, no seu artigo 3º, que
"são órgãos da soberania nacional, dentro dos limites constitucionais, os Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si".

A denominada constituição polaca de 1937, outorgada por Getúlio


Vargas, foi omissa no que tange à separação dos poderes e, embora faça referência
às funções do Legislativo e do Judiciário, coloca a figura do Presidente da
República, como autoridade suprema do país, conforme redação normativa
esculpida no artigo 73 daquela Carta. Verifica-se, pelo artigo 96, que somente pela
votação de dois terços dos seus membros os Tribunais poderiam declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato do Presidente da República. Mesmo nessa
hipótese, o Presidente da República poderia submeter a lei declarada
inconstitucional à nova apreciação do Parlamento e, caso fosse ela confirmada pelo
voto de dois terços, ficaria sem efeito a decisão judicial.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, de nítido viés


democrático, consagrou a tripartição de poderes, no seu artigo 36, dispondo que
"são Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e
harmônicos entre si".

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967, a despeito


de ter retirado poderes do Legislativo e do Judiciário, manteve a mesma redação da
constituição anterior, estabelecendo, no seu artigo 6º, que "são Poderes da União,
independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

656
Art. 9. A Divisão, e harmonia dos Poderes Políticos é o princípio conservador dos Direitos dos
Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias, que a constituição offerece.Art. 10.
Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder
Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial.Art. 11. Os Representantes da
Nação Brazileira são o Imperador, e a Assembleia Geral.Art. 12. Todos estes Poderes no Imperio são
delegações da Nação.
250

A emenda Constitucional nº 01/69, que alterou o texto constitucional


de 1967, manteve o artigo 6º, com a redação supra.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, fiel à


tradição democrática, consagrou a tripartição dos poderes, no seu artigo 2º, ditando
que "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário".

Nesse sentido, leciona-se que a teoria que consagrou a aludida


separação de poderes representou um ponto nodal no próprio desenvolvimento do
Estado moderno. ―A distribuição do Poder Estatal entre legislativo, executivo e
judiciário permite, além de uma organização sistêmica fundada na competência
funcional mais eficaz, um sistema de controle na atuação de cada órgão .657

A nossa Carta cuida do Poder Judiciário no Capítulo III do Título IV e


lhe dá papel proeminente, já que não permite que nenhuma norma se subtraia da
sua apreciação lesão ou ameaça a direito, conforme se verifica no artigo 5º, inciso
XXXV.

Embora a Constituição da República realce a tripartição de poderes,


não se pode olvidar que o Estado-Juiz exerce inegável controle sobre os demais,
quando eventual ato do legislativo ou executivo ferir direitos, em face da aplicação
do princípio da inafastabilidade do controle judicial, como bem ensina Manoel
Gonçalves Ferreira Filho.658

André Ramos Tavares assinala que a denominada cláusula da


separação de poderes proporcionou, por consequência, a um conjunto de garantias
da Magistratura. ―A imbricação entre esses dois aspectos é inegável. Não há
separação de poderes, do ponto de vista do Poder Judiciário, sem que se reserve a
este um conjunto de garantias próprias‖.659

657
BRASIL JÚNIOR, Samuel Meira. Os limites funcionais do poder judiciário na teoria
sistêmica e a judicialização das políticas públicas. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais,
Vitória. Faculdade de Direito de Vitória, n.07, p.97-131, jan/jun.2010, p.98.
658
Poder judiciário na Constituição de 1988: judicialização da política e politização da
justiça. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n.198, p,1-17, out./dez.1994, p.03.
659
Manual do poder judiciário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p.134. Acrescenta o
autor que: ―Mas tanto a ‗separação de poderes‘ como as garantias da Magistratura que lhe são
inerentes devem estar a serviço imediato e último dos direitos humanos fundamentais da sociedade.
A propósito, e a título ilustrativo, cumpre demonstrar a forte ligação entre vitaliciedade, como
apresentada diante, e a ‗separação de poderes‘, que vem de longa data assentada pelo
constitucionalismo...O poder reformador que pretenda atentar contra o sentido útil e último da
251

Não é por outra razão que a doutrina clássica sempre realçou a


proeminência do Poder Judiciário. Neste sentido, ensina João Mendes de Almeida
Júnior que:

O Poder Judiciário é o mais antigo e o mais elevado dos poderes políticos; é


o órgão impassível da lei. O poder judiciário assegura, por suas decisões, a
soberania da justiça, isto é, a realização dos direitos individuais nas
relações sociais, quer nas relações entre indivíduo e indivíduo, quer mesmo
660
nas relações entre o indivíduo e a sociedade.

Aliás, sem desconsiderar o mandado de injunção com reflexo no Poder


Legislativo e a própria declaração de inconstitucionalidade de lei federal, estadual ou
municipal, ensina a doutrina que, até mesmo, o poder discricionário da
Administração Pública pode ser controlado pelo Poder Judiciário. Neste sentido,
ensina Lúcia Valle Figueiredo que: ―[...]a discricionariedade, como foi escrita, deve
provir da valoração do intérprete dentro de critérios de razoabilidade e da
661
principiologia do ordenamento. E pode ser controlada pelo Judiciário[..]‖.

No mesmo sentido, registra Ernst Forsthoff, ensinando que: ―O direito


de exercitar seu poder discricionário não libera a Administração de um
comportamento adequado nem da observância do Direito. Também o exercício do
poder discricionário se move, efetivamente, dentro do marco da ordem jurídica.‖. 662

Ainda sobre o mesmo tema, atinente ao alcance do Poder Judiciário


sobre os atos discricionários da Administração Pública, anota Eberhard Schimdt-
Assmann que:

[...] discricionariedade não significa ‗liberdade de escolha‘. A Administração


não escolhe livremente uma opção determinada, já que, como poder em
todo momento dirigido pelo Direito, se deve orientar segundo os parâmetros
663
estabelecidos na Lei...A esses parâmetros se unem os da Constituição[...]

cláusula de divisão funcional se depara com uma vedação material explícita, que é incapaz de
transpor legitimamente‖ (p.134-135).
660
O processo criminal brasileiro. 4.ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959, v.I,
p.11.
661
Curso de direito administrativo. 6.ed. são Paulo: Malheiros, 2003, p.207/208
662
FORSTHOFF, Ernst. Tratado de derecho administrativo. Trad.Legaz Lacambra et all.
Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1958, p.138.
663
La teoria general del derecho administrativo como sistema: objeto y fundamentos de
la construcción sistemática. Trad. de Mariano Bacigalupo et all. Madrid: Instituo Nacional de
Administración Pública/Marcial Pons, 2003, p.221.
252

O modelo brasileiro consubstancia a unidade de jurisdição,


convergindo todas as jurisdições para o Supremo Tribunal Federal. Acrescente-se
que o constitucionalismo ocidental prevê, também, a organização do Poder
Judiciário com pluralidade de jurisdição.

O Brasil, leciona-se, se revestiu do modelo de suprema corte. Assim,


todas as jurisdições estão interligadas a um órgão de cúpula, no caso, o Supremo
Tribunal Federal, devendo ser focado que o Poder Judiciário é nacional .664

1.3.2 Origem e evolução do Poder Judiciário brasileiro

A despeito da sua evolução, a estrutura do Poder Judiciário, como não


poderia deixar de ser, foi herdada, inicialmente, do direito lusitano.

Típico da Idade Média, o Reino de Portugal cristalizava a figura do Rei


como grande guardião da lei e da justiça. Portugal vivenciava uma monarquia, desde
1143, sendo o seu primeiro rei, Dom Afonso Henriques, em 1179, em cujo ano
aquele Reino ―obtivera a independência absoluta dos Castela‖.665

É digno de nota o fato de que:

No Antigo Regime, o papel do monarca – soberano – é o de protetor de


seus vassalos e súditos. E ele o desempenha fazendo justiça, operando
preferencialmente...pela judicatura. Mediante reclamações e queixas
concretas apresentadas aos tribunais e juízes régios, governa o rei
arbitrando as disputas, atribuindo o seu a cada um. A feição legislativa do
soberano consolida-se no absolutismo ilustrado, como o ideal iluminista de
razão: trata-se então de legislar para determinar poderes a cada membro da
burocracia, baixando regimentos e avisos cujo descumprimento resulta no

664
Cf. AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Comentários aos artigos 92 e 93 da
Constituição da República. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura
(Coord.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: GEN/FORENSE, 2009,
p.1.173/1.174. Acrescenta o ilustre autor que: ―A pluralidade de jurisdições desconhece um único
órgão de cúpula. As eventuais jurisdições especializadas havidas atuam de modo independente. Este
modelo é próprio da Europa, inclusive nos países que adotam um tribunal constitucional (que é
considerado uma jurisdição especializada ou, até mesmo, um novo Poder)‖ (p.1,174).
665
TRÍPOLI, César. História do direito brasileiro. São Paulo: R.T.1936, v.I, p.192.
Acrescenta o ilustre autor que: ―O rei recebia sua autoridade diretamente de Deus – omnis potestas a
Deo – e era o chefe supremo de todos os poderes administrativo, judiciário e militar. Mas, estes
poderes não eram absolutos, porque, em virtude do direito tradicional, cabiam às classes sociais ou
ordens certas imunidades e privilégios. De sorte que, nos primeiros séculos, o exercício da soberania
do monarca estava consideravelmente limitado, até que, nos princípios do século XVI, os monarcas
trataram de assentar a sua autoridade nas máximas despóticas do direito romano; começou, desde
então, o predomínio absoluto da monarquia‖ (p.191/192).
253

afastamento dos oficiais de seus cargos...o poder do soberano passa a


operar dentro da administração, antes que da justiça.666

Embora a administração da justiça fosse exercida pelos magistrados,


com nomeação e demissão ad nutum pelo rei, tinham eles competência, também
para decidir questões administrativas.667

Assinale-se que, na estrutura da magistratura daquela época, havia os


juízes ordinários, que julgavam a ampla maioria das causas, em primeira instância e
eram eleitos pelos vizinhos dos concelhos onde deviam exercer a sua jurisdição,
668
com um mandato de um ano.

Leciona César Trípoli que competia à Câmara o governo municipal e o


aludido órgão se compunha ―dos juízes ordinários, que eram os seus presidentes
natos, dos vereadores e do procurador do concelho, todos eleitos pelos vizinhos e
independentes do poder régio‖.669

Assinala o mesmo autor que no reinado de Afonso III (1248-1279)


foram instituídos os sobrejuízes encarregados de julgar certas causas especiais
tanto em primeira como em segunda instância. Registra, ainda, que: ―havia, também,
juízes de fora, que eram mandados pelo rei a administrar justiça nas localidades em
que circunstâncias especiais aconselhavam a presença de um magistrado
independente das influências locais‖.670

É digno de nota o fato de aquele reino preocupar-se com a


imparcialidade e honestidade dos juízes. Assim, D. Afonso IV, em 1325, deu início à
experiência de enviar os juízes fora, para residirem, por um determinado período,
nos locais em que atuavam os juízes ordinários. No aludido período, cessava a
jurisdição dos juízes ordinários. O aludido rei justificava a medida, com os seguintes
fundamentos inseridos na Carta de Lei de 1352:

666
LOPES, José Reinaldo de Lima Lopes. Op.cit., p.219-220..
667
Cf. TRÍPOLI, César. Op.cit., p.195.
668
Cf. TRÍPOLI, César. Idem, ibidem. Anota o autor que: ―Os concelhos ou municípios eram o
governo local das cidades e vilas. A sua organização, que no início estava consignada nos respetivos
forais, encontra-se regulada no primeiro livro das Ordenações...Cada cidade ou vila tinha pois o seu
concelho, no qual se destacavam os homens-bons e os vizinhos, que eram as pessoas habilitadas a
tomar parte na administração pública[...]‖(p.193).
669
Op.cit., p.193.
670
Op.cit., p.195.
254

[...] por presumir o direito que, sendo estranhos, sem na terra terem
parentes nem amigos, compadres e companheiros, ou bem malquerenças e
ódio, com outros, podiam resistir às prepotências dos poderosos, castigar
os seus excessos, sem ficarem expostos à vingança dos mesmos
poderosos, e assim faziam melhor justiça do que os naturais das terras. 671

Posteriormente ao reinado de Afonso III, Portugal passou a se


estruturar com tribunais constituídos de um colegiado de magistrados e que
funcionavam como segunda instância. Esses tribunais eram formados pela Casa de
Suplicação de Lisboa, para quem se apelava ou agravava das sentenças; pelo
Desembargo do Paço, que funcionava como um tribunal da graça, ―tendo a sua
jurisdição, por objeto, a expedição de graças, privilégios e liberdades, impetrados
aos soberanos na forma dos respectivo regimento‖; 672 pelo Conselho da
Fazenda,com competência restrita para as causas atinentes à arrecadação das
rendas e bens da coroa real; e a Mesa da Consciência, ―tendo a seu cargo,
sobretudo, a autoridade de consultar o rei nos casos em que fosse necessário
recorrer à consciência deste‖.673

A despeito da descoberta do Brasil, em 1500, sob o reinado de D.


Manoel, a Terra de Santa Cruz não despertou o interesse de Portugal para a devida
e necessária colonização.

Ensina Isidoro Martins Júnior que:

Portugal, no deslumbramento da descoberta de Cabral, perdera por muito


tempo a faculdade de agir consciente e convenientemente no sentido de
garantir e aproveitar a sua nova possessão. Demais, as Índias Orientais
tinham sido o primogênito de suas expedições transoceânicas, e os
primogênitos são, em geral, mais amados e protegidos. Nestas condições o
Brasil tinha que esperar dezenas de anos pelas medidas econômicas,
políticas e militares, destinadas a fazê-lo produtivo, estruturado e forte, em
face das nações que ambicionavam sugar-lhe a seiva, por adivinharem a
sua pujança de recursos naturais.674

De fato, como a denominada Terra de Santa Cruz passou a ser fruto da


cobiça de outras companhias estrangeiras, com destaque para os franceses, que
tinham grande interesse no pau brasil, o que gerou, inclusive, a mudança do nome
do nosso território, D. João III, que assumiu o trono, deliberou colonizar a nova terra,

671
Cf. ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Op.cit., p.98.
672
Cf. TRÍPOLI, César, Op.cit., p.196.
673
Cf. TRÍPOLI, César. Op.cit., p.197.
674
História do direito nacional. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1979, v.1,
p.102.
255

agora denominada Brasil. Anota, com percuciência, Waldemar Ferreira que


percebeu ―o novo monarca que a política decorrente dos descobrimentos havia de
ser colonizadora, sob pena de perdimento das terras achadas do outro lado do
Atlântico[...]‖.675

Aflorou, então, na história, a poderosa expedição e Martim Afonso de


Souza, em 1530, nomeado Governador do Brasil, com amplos poderes para povoar
este território e assegurar o seu domínio político e militar.

Como observado por César Trípoli, segundo as cartas-régias de 1530,


o Governador do Brasil fora investido de poderes ―para exercer todas e quaisquer
676
funções de representante do soberano português na nova colônia‖. Acrescenta:

Atribuia-se-lhe toda a jurisdição e alçada, tanto no cível como no crime, com


faculdade de instaurar os processos e proferir sentenças, impondo penas,
segundo as leis e Ordenações vigentes no reino até morte natural inclusive,
exceto para os fidalgos que, se delinquissem, deveriam ser remetidos
presos a Portugal, com a respectiva nota de culpa. Dava-se-lhe poderes
para concessão das sesmarias e colônias nas terras que fosse
conquistando no Brasil, dando-as a quem as requeresse, podendo essas
terras serem dadas, pelos seus respectivos titulares, a outras pessoas.677

Dentre outras medidas tomadas pelo aludido Governador do Brasil,


merece destaque a criação das duas primeiras vilas brasileiras, São Vicente e
Piratininga, com a devida estrutura jurídica.

A referida estrutura, além da construção da ―[...]cadeia, casa do


678 679
Concelho e todas as mais obras públicas necessárias‖ , consistia, na lição de
João Mendes de Almeida Júnior na nomeação de ―juízes ordinários, vereadores,

675
O direito público colonial do Estado Brasil sob o signo pombalino. Rio de Janeiro:
Editora Nacional de Direito Ltda, 1960, p.26. Merece registro, contudo, a observação de Cláudio
Valentim Cristiani nosentido de que: ―Pelos portugueses colonizadores o Brasil nunca foi visto como
uma verdadeira nação, mas sim como uma empresa temporária, uma aventura, em que o
enriquecimento rápido, triunfo e o sucesso eram os objetivos principais. Estas eram as reais
intenções dos colonizadores, não obstante o discurso simulado e cínico da necessidade de levar a
palavra cristã aos pagãos. Em lugar de uma evangelização, houve uma completa heresia e
desrespeito aos ensinamentos do cristianismo originário‖. (O direito no Brasil colonial. In: WOLKMER,
Antônio Carlos (Org.). Fundamentos de história do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p.212.
676
Op.Cit., p.202.
677
Idem, p.203.
678
O concelho, na expressão de Waldemar Ferreira, representava a ―reunião, a assembleia
dos oficiais incumbidos de gerir e realizar os serviços e obras do interesse local da comunidade‖.
(Op.cit., p.57).
679
FERREIRA, Waldemar. Op.cit., p.57.
256

almotacés680, alcaides pequenos, tabeliães e mais oficiais, tudo na forma das


Ordenações‖.681

Como forma de colonizar todo o território brasileiro, D. João III


deliberou repartir o Brasil em capitanias hereditárias e ―[..]doá-las a magnatas do
682
reino, que tomassem a si os encargos de colonização‖. Ressalta Isidoro Martins
Júnior que:

Resolvendo desse modo a questão colonial brasileira, o sucessor de D.


Manoel nada mais fazia do que aplicar à sua possessão da América o
sistema adotado anteriormente para as ilhas do atlântico africano. Os
arquipélagos da Madeira, dos Açores, de Cabo Verde, tinham sido sujeitos
desde o século XV ao regime da doação de capitanias hereditárias...estes
quinhões foram, a princípio, em número de quinze, sendo entretanto doze
683
os donatários[...].

É imperioso frisar-se que os donatários, em face da carta de doação e


dos forais, se transmudaram em senhores quase que absolutos do território e se
submetiam apenas à autoridade real. Essas cartas ou forais de doação concediam
ao donatário os seguintes privilégios:

Alçada, sem apelação nem agravo, em causas crimes, até morte natural,
para os peões, escravos e gentios, e, até dez anos de degredo e cem
cruzados de penas, para as pessoas de maior qualidade; e nas causas
cíveis, com apelação e agravo, só quando os valores excedessem a cem
mil réis. Conhecer das apelações e agravos de qualquer ponto da capitania.
Influir nas eleições dos juízes e mais oficiais dos concelhos das vilas,
apurando a lista dos homens bons que os deviam eleger[...]684

Acrescente-se que as aludidas cartas de doação já delineavam a


estrutura do Poder Judiciário que era o próprio capitão e governador (donatário), o
ouvidor da capitania e o juiz ordinário.

Como era o próprio capitão e governador quem concedia a carta de


confirmação da eleição do juiz ordinário, após influenciar a própria eleição, bem
como nomeava o ouvidor, pode-se afirmar que o donatário era o grande
administrador da justiça em seu território.

680
Os almotacés eram funcionários nomeados pelas Câmaras Municipais com a finalidade de
fiscalizar os mercados e as questões sanitárias das cidades e vilas.
681
Op.cit., p.140.
682
MARTINS JÚNIOR, Isidoro. Op.cit., p.103.
683
Op.cit., p.103.
684
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Op.cit., p.141.
257

Atinente ao poder desmedido do donatário, ensina Aníbal Bruno que:

Na realidade, sobretudo no regime das capitanias, o que de fato regia era o


arbítrio do donatário, fonte viva de um Direito informal e personalista, com o
qual se pretendia manter a ordem social e jurídica em núcleos tão
mesclados de homens de ambição e aventura ou de delinquentes
degredados ou vindos a procurar aqui espontaneamente couto e homizio,
que, longe da metrópole, não se sentiam muito presos às habituais
limitações jurídicas e morais.685

Quanto ao ouvidor de capitania, detinha ele ―competência, para


conhecer das ações novas e das apelações e agravos dados pelos juízes
ordinários‖.686

No que tange aos juízes ordinários, ensina César Trípoli que:

O juiz ordinário era eleito pelos vizinhos do concelho, entre os homens


bons, cujas listas eram previamente alimpadas e apuradas, e sua
nomeação era confirmada pelo capitão e governador por si ou por seu
ouvidor. Este juiz tinha competência mui restrita, dentro dos limites da vila
respectiva, sempre e só no cível, em ações novas. Contra as decisões
proferidas por esses juízes era admitido recurso para o ouvidor da
capitania687.

Em face dos resultados não promissores das capitanias hereditárias, D.


João III, em 1549, criou um governo geral para o Brasil, sendo nomeado, para tanto,
Tomé de Souza. . O referido governo era composto de:

[...]um governador geral, chefe do governo e centro administrativo; um


provedor geral, dirigindo a fazenda; um capitão-mor da corta, encarregado
da defesa do litoral, e mais tarde, um alcaide-mor, tendo o comando das
armas; e um ouvidor-geral, presidindo a justiça.688

Merece destaque o fato de que o ouvidor-geral era a autoridade


máxima da Justiça no Brasil, enquanto as capitanias continuaram a manter seus
ouvidores. Nas vilas, atuavam os juízes ordinários. A nomeação do ouvidor-geral era
feita por um mandato de três anos ―garantindo-se sua permanência na função desde

685
Direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, T.1, p.172-73. No mesmo sentido
pontua Isidoro Martins Júnior que: ―Na primeira fase da colonização o órgão supremo da suprema
função judiciária fora o poderoso senhor do feudo, de quem tudo emanava, Administrador, chefe
militar e juiz ao mesmo tempo, o donatário não repartia com outros o direito de aplicar a lei aos casos
ocorrentes, dirimindo os conflitos de interesses e direitos entre os habitantes da capitania‖ (Op.cit.,
p.125).
686
TRÍPOLI, César. Op.cit., p.212.
687
Op.cit., p.212.
688
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Op.cit. p.141.
258

que bem a realizasse. Caso contrário, poderia ser deposto (exonerado ad


nutum)‖.689O primeiro ouvidor-geral foi o desembargador Pedro Borges.

Frise-se que as atribuições do ouvidor-geral sobrepujavam às dos


ouvidores das capitanias. Leciona-se:

Competia-lhes conhecer, por ação nova, das causas crimes, sendo a sua
alçada até morte natural inclusive, nos escravos, gentios e peões, cristãos e
livres. Esta pena podia ser aplicada, se com ela concordasse o governador-
geral, e, em caso contrário, deveriam os autos ser remetidos com o preso
ao Corregedor da Corte, em Portugal. Às pessoas de mor qualidade
690
(fidalgos, etc) podia ser aplicada a pena até cinco anos de degredo.

Deve-se observar, ainda, que as câmaras municipais, além de ser


responsáveis pela administração do ―concelho‖, também tinham a responsabilidade
de certas funções judiciárias e de polícia local. Explica César Trípoli que a Câmara
era composta de um ou dois juízes ordinários, no mínimo dois vereadores e um
procurador, os quais eram eleitos entre os denominados homens bons da terra. Os
vereadores deveriam ser oriundos da classe dos fidalgos. Acrescenta que as
funções da câmara eram exercidas ―pelos próprios juízes e vereadores e por
agentes ou oficiais, de nomeação das mesmas câmaras ou do governador-geral, tais
como os alcaides, almotacés, carcereiros, escrivães etc.‖.691

Anota Luiz Delgado, ao dissertar sobre a estrutura judiciária colonial


que:

A justiça popular fazia parte do governo das vilas onde o povo elegia ao
mesmo tempo os homens da vereança, vereadores, e os juízes. Estes eram
dito ordinários ou da terra. Procuravam frequentemente, tanto eles como os
seus eleitores, a proteção dos reis contra os senhores, os fidalgos, - pois as
duas jurisdições, a dos senhores (às vezes também eclesiásticos) e a do
povo entravam facilmente em desacordo. Para resolver tais conflitos e para
reprimir abusos e erros, o Rei que era o justiceiro-mor por definição do seu
cargo, foi multiplicando seus ouvidores, seus corregedores, seus juízes-de-
fora, que eram, todos, representantes seus, com funções a princípio
confusas. Variavam as designações, embora a finalidade fosse uma só – a
de, em nome do Rei, ouvir as queixas, corrigir os defeitos, julgar com a
isenção de ânimo decorrente do fato de não ter ligações no local.692

689
CRISTIANI, Cláudio Valentim. Op.cit., p.218.
690
TRÍPOLI, César. Op.cit., p.221.Pode-se afirmar com Isidoro Martins Júnior que: ―Os altos
interesses da justiça, isto é, as aplicações das regras de direito aos casos ocorrentes, ficavam a
cargo do ouvidor-geral – magistrado incumbido de julgar e punir, na maior parte dos casos sem
apelação nem agravo, mas, em alguns, com audiência do governador, em toda a extensão do
território colonizado‖ (Op.cit., p.114).
691
Op.cit.p.222.
692
Quadro histórico do direito brasileiro. Recife: Editora Universitária, 1974, p.85.
259

Verifica-se, também, que D. João III, ao instituir as atribuições e


encargos da nova administração colonial, enviou,igualmente, ao Brasil um provedor-
mor. Ensina Isidoro Martins Júnior que:

Aos provedores, quer o chamado mor, quer os seus auxiliares parciais,


cabia a gestão administrativa e judicial dos interesses da fazenda pela
fiscalização das alfândegas na percepção dos respectivos direitos, e pelo
julgamento das ações ou pleitos sobre sesmarias e taxas aduaneiras:
quanto ao capitão-mor da costa, suas funções eram as de protetor e
defensor militar do litoral.693

É digno de nota o fato de com que a figura do ouvidor-geral, no Brasil,


os donatários tiveram que permitir que houvesse apelo e agravo para o Ouvidor-
geral. A diminuição dos poderes dos donatários foi feita gradualmente culminando
pela publicação do regime do ouvidor-geral de 14 de abril de 1628 suprimindo
totalmente ―o privilégio concedido aos capitães-donatários de fazerem justiça em
suas terras‖.694

Tal estrutura, na organização judiciária colonial, evidencia que a


administração da justiça, na primeira instância, ―era realizada por diversos
operadores jurídicos cujas competências muitas vezes, eram similares ou muito
próximas‖.695Essa estrutura era composta por:

[...] juízes ordinários696, os juízes de fora697, os juízes de vintena698, os juízes


de órfãos699 etc. e como seus auxiliares: os escrivães do público e notas, os
tabeliães judiciais, os escrivães dos órfãos, os alcaides, os meirinhos, os
inquiridores, os quadrilheiros700, os almotacés, etc.701

No Reinado de Felipe II, em 1609, foi instalado o primeiro Tribunal da


Relação no Brasil e sediado na Bahia, que funcionava como segunda instância.

693
Op.cit., p.114.
694
LOPES, José Reinaldo de Lima. Op.cit., p.263.
695
CRISTIANI, Claúdio Valentim. O direito no brasil colonial. In: WOLKMER, Antônio Carlos
(Org.). Fundamentos de história do direito. 2.ed, rev e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.339.
696
Eram juízes eleitos pela comunidade..
697
Eram juízes nomeados por Carta Régia entre bacharéis letrados.
698
Eram os juízes de paz para as comunidades superiores a vinte famílias. Tinham um
mandato de um ano nomeados pela Câmara.
699
Eram os juízes eleitos pelos homens bons da comunidade que fosse constituída de pelo
menos 400 vizinhos e tinham a função de zelar pelos órfãos e seus bens.
700
Agentes de polícia responsáveis pela segurança de cada ―concelho‖.
701
CRISTIANI, Cláudio Valentim. Op.cit., p.340.
260

Esse tribunal foi suprimido em 1636 e restabelecido em 1662, já no reinado de d.


João IV. Era composto de:

[...] dez desembargadores, incluindo o chanceler que servia de juiz de


chancelaria, três eram os desembargadores de agravo, um ouvidor-geral,
um juiz dos feitos da coroa, fazenda e fisco, um provedor dos mesmos feitos
e promotor de justiça, um provedor dos defuntos e resíduos, e dois
desembargadores extravagantes. O governador-geral presidia a Relação
702
quando lhe parecia, não tendo voto nem subscrevendo as sentenças.

O segundo tribunal somente foi implantado quase um século depois do


primeiro, já que, em 1751, foi instalado o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro. Era
composto de dez desembargadores, sendo um deles o chanceler. Cinco se
destinavam ao agravo, um ouvidor-geral para o crime e outro para o cível, ―um juiz
dos feitos da coroa e fazenda e um procurador da coroa e fazenda‖.703

A existência de dois tribunais, no Brasil (Bahia e Rio de Janeiro)


motivou a divisão do nosso território ―em dois grandes departamentos judiciários: o
do Norte e o do Sul – excluídas daquele as capitanias do Estado do Maranhão, cujo
ouvidor-geral era imediatamente subordinado aos tribunais da metrópole‖. 704

Os referidos departamentos judiciários do Norte e do Sul eram


divididos no sentido de que a Relação da Bahia ―tinha a jurisdição da Bahia para o
Norte; e a do Rio de Janeiro, da Bahia para o Sul e o centro, incluindo as comarcas
que seriam de Minas Gerais, de Goiás e de Mato Grosso‖.705

Compunham, ainda, a administração judiciária do Brasil as


denominadas Juntas de Justiça, instituídas pelo Alvará de 18 de janeiro de 1765,
que se tratava de um colegiado composto do ouvidor de uma capitania e dois
letrados adjuntos e que tinha o poder de sentenciar sumariamente onde houvesse
ouvidores de capitania. . Tinha o referido órgão competência, para ―deferir os
recursos contra as violências dos juízes eclesiásticos, devendo os provimentos que
nelas se tomassem ser cumpridos logo e sem se esperar pela decisão última da
respectiva Relação ou do Desembargo do Paço.‖.706

702
CRISTIANI, Cláudio Valentim, idem, ibidem.
703
CRISTIANI, Cláudio Valentim. Op.cit., p.341.
704
MARTINS JÚNIOR, Isidoro. Op.cit., p.129.
705
DELGADO, Luiz. Op.cit., p.91.
706
MARTINS JÚNIOR, Isidoro. Op.cit., p.130. Anota o autor que: ―Vê-se bem, que a medida
não trazia debalde o selo do marquês de Pombal. As Juntas de Justiça foram uma das muitas armas
261

Toda essa estrutura judiciária estava vinculada à Casa de Suplicação


da metrópole, que funcionava como um tribunal superior de 3ª instância.

Registre-se que a grande figura da Relação era o chanceler. Leciona


Waldemar Ferreira que:

A grande figura da Relação era o seu Chanceler: tinha o primeiro lugar no


banco da Mesa grande, da parte da direita: e quando acontecesse sua
entrada ou saída da Relação, presente já, ou ainda o Governador, não só
se levantariam todos os ministros, sem sair dos seus lugares, como o
Governador se levantaria, recebendo-lhe deste modo as cortesias, que o
Chanceler lhe devia fazer à entrada e saída da porta, e ao tomar e deixar o
seu lugar.707

Quando a família real se trasladou para o Brasil, em 1808, a estrutura


da administração da Justiça contava com duas Relações, uma na Bahia e outra no
Rio de Janeiro. D..João VI, em face da nova situação política vivenciada pelo Brasil,
elevou a Relação do Rio de Janeiro em Casa de Suplicação. Também instituiu um
Desembargo do Paço, com estrutura semelhante ao de Lisboa. 708

Em 1812 e 1821, foram criadas, respectivamente, a Relação do


Maranhão e de Pernambuco. Observa João Mendes de Almeida Júnior que:

Foram ainda criados em 1808 lugares de juízes privativos do crime no Rio


de Janeiro; e daí em diante até a Independência foram sendo criados mais
lugares de juízes de fora, ouvidores e corregedores, além dos juízes
ordinários nas novas vilas que se iam estabelecendo , serventuários e
oficiais de justiça[...]709

Com o retorno de D. João VI para Portugal, em 1821, o Príncipe D.


Pedro de Alcântara, nomeado príncipe Regente do Brasil, estabeleceu, por meio de
decreto, em 23 de maio de 1821 vários postulados de justiça, merecendo destaque
os artigos 1º e 2º, com o seguinte teor:

1º Que desde a sua data em diante nenhuma pessoa livre no Brasil possa
jamais ser presa sem ordem por escrito do juiz ou magistrado criminal do
território, exceto somente o caso de flagrante delito, em que qualquer do
povo deve prender o delinquente.

de que lançou mão o genial estadista para apoucar o elemento clerical cerceando-lhe as regalias de
jurisdição temporal que a Igreja tanto prezava‖ (p.130).
707
Op.cit., p.86.
708
MARTINS JÚNIOR, Isidoro. Op.cit. 148.
709
Op.cit., p.145-146.
262

2º Que nenhum juiz ou magistrado criminal possa expedir ordem de prisão


sem preceder culpa formada por inquirição sumária, de três testemunhas,
duas das quais jurem contestes[...]710

Em 18 de junho de 1822, o Príncipe Regente criou um tribunal de


juízes de fato, composto de 24 cidadãos nomeados pelo Corregedor do Crime da
Corte e Casa com a competência de julgar abuso de liberdade de imprensa. 711

É imperioso observar-se que a Lei das Cortes Portuguesas, de 13 de


janeiro de 1822, havia decretado a extinção de todos os tribunais criados no Rio de
Janeiro. Contudo, o Príncipe Regente, já dominado pela ideal de independência, se
negou a cumpri-la.

Com a declaração da Independência do Brasil, em 07 de setembro de


1822, a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil decretou
que se encontrava em vigência, todo o ordenamento jurídico promulgado pelo Reino
de Portugal, na parte que não foi revogado, bem como toda a legislação promulgada
pelo Príncipe Regente.712

Com a Constituição Imperial de 1824, outorgada por D. Pedro I, o


Poder Judiciário foi inserido no Título VI, com a denominação de Poder Judicial e era
composto de juízes e jurados, que tinham atuação no cível e no crime, nos termos
do artigo 151 daquela Carta.

O artigo 160 permitia que as partes nomeassem juízes árbitros, com o


permissivo de que suas sentenças fossem executadas sem recurso.

Cada província contava com um Tribunal de Relação (art.158), sendo


que na capital do Império (art.163), foi criado o Supremo Tribunal de Justiça,
composto de juízes letrados, tirados das Relações por suas antiguidades.

O artigo 162 deu ênfase ao juiz de paz, que era eleito pela
comunidade, por ocasião das eleições de vereadores das câmaras municipais e
embora não pudessem acumular as funções de juiz ordinário, juiz de fora ou de
órfãos, atuava em causas cíveis, administrativas e criminais. Dentre suas
atribuições, podem ser citadas:

710
Cf. ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Op.cit., p.148.
711
Cf. ALMEDA JÚNIOR, João Mendes de. Idem, p.150.
712
Cf. ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Op.cit., p.154.
263

Tem uma relação dos criminosos para fazer prendê-los, quando se acharem
no seu distrito; podendo, em seguimento deles, entrar nos distritos vizinhos.
E, tendo notícia de algum criminoso em outro distrito, avisar disso ao Juiz
de Paz e ao Juiz Criminal respectivo. Obrigar a assinar termo de bem viver
aos vadios, mendigos, bêbedos por vício, meretrizes escandalosas e
turbulentos. Fazer observas as posturas das Câmaras, impondo as penas
delas aos seus violadores...Quando o Juiz de Paz impuser qualquer pena ,
será o réu, estando preso, conduzido com o processo perante o Juiz
Criminal respectivo; e estando solto, será notificado para comparecer e
alegará a sua justiça, pena de revelia. O Juiz Criminal, convocando dois
juízes de Paz mais vizinhos confirmará ou revogará a sentença sem mais
recurso.713

Acrescente-se que, com a estruturação do Supremo Tribunal de


Justiça, por meio da Lei de 18 de setembro de 1828, foram extintos por Lei datada
do dia 22 daquele mês, os tribunais das Mesas do Desembargo do Paço e da
Consciência e Ordens, sendo que as atribuições que recaíam sobre os denominados
órgãos foram redistribuídas à justiça de primeira instância. Também, a partir de 1º de
outubro daquele ano, as câmaras municipais perderam o seu poder jurisdicional.714

Com o advento do Código do Processo Criminal do Império, de 29 de


novembro de 1832, foi mantida a divisão em Distritos de Paz, Termos 715 e
Comarcas, pela disposição normativa contida no artigo 1º daquele código. 716 Cada
Distrito, nos termos do artigo 4º, deveria contar com um Juiz de Paz, um escrivão e
tantos inspetores, quantos fossem os quarteirões, bem como os oficiais de justiça
que se fizessem necessários.

Conforme dispunha o artigo 5º da aludida lei, em cada Termo, havia um


Conselho de Jurados, um Juiz Municipal, um Promotor de Justiça, um escrivão das
execuções, bem como os oficiais de justiça que os juízes entendessem necessários.

Também, em cada comarca, havia um Juiz de Direito e, nas cidades


mais populosas, poderia haver até três juízes, com jurisdição cumulativa, sendo um
deles o Chefe da Polícia, nos termos do artigo 6º do mencionado código.

Foram extintas as Ouvidorias de Comarca, os Juízes de Fora e os


Ordinários (art.8º), mas foi mantido o Juiz de Paz, que continuou a ser eleito, com a

713
Cf. ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Op.cit., p.163.
714
Cf. ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Op.cit., p.158.
715
Subdivisões administrativas das comarcas. O Termo era composto de um Conselho de
Jurados, um Juiz Municipal, um Promotor Público (Promotor de Justiça), um escrivão das execuções,
além de oficiais de justiça.
716
O artigo 2º exigia, no entanto, que cada distrito tivesse no mínimo setenta e cinco casas
habitadas.
264

diferença de que a cédula apontada ao eleitor deveria conter quatro nomes, de


forma que os quatro nomes mais votados fossem nomeados juízes, com um
mandato de um ano cada um, precedendo aos outros, o mais votado e, enquanto
um estivesse servindo a comunidade, os demais seriam seus suplentes (arts.10 e
11).

Os Juízes Municipais eram nomeados pelo governo da província, que


albergava a Corte e, nos demais territórios, pelos Presidentes dos conselhos das
províncias, com mandato trienal, por meio de listra tríplice encaminhada pela
câmara municipal, composta de ―habitantes formados em Direito ou Advogados
hábeis ou outras pessoas bem conceituadas e instruídas[...]‖, conforme
determinavam os artigos 33 e 34.

Os Juízes de Direito eram nomeados pelo Imperador dentre os


bacharéis formados em Direito, com idade acima de 22 anos, cujos candidatos
deveriam ser bem conceituados e com prática forense comprovada de pelo menos
um ano (art.44).

No que tange à jurisdição civil, dispunha o artigo 1º da disposição


provisória da administração da Justiça Civil, também disciplinada pela referida lei,
que se poderia fazer a conciliação entre as partes, perante o Juiz de Paz, onde o réu
se encontrasse, ainda que não fosse a ―Freguezia do seu domicílio‖.

Os artigos 8º e 9º disciplinavam a atuação dos juízes municipais e


juízes de direito na instrução dos feitos, dispondo:

Art. 8º Os Juízes Municipaes ficam autorizados para prepararem, e


processarem todos os feitos, até sentença final exclusive, e para execução
da sentença. Art. 9º Os Juizes de Direito poderão mandar reperguntar as
testemunhas em sua presença, e proceder a outra qualquer diligencia, que
entenderem necessaria, e julgarão a final.

O referido código também não olvidou de estabelecer a competência


dos órgãos de primeira instância civil nas cidades com maior número de população.
Neste sentido, dispunha o artigo 13:

Art. 13. Nas grandes povoações aonde a Administração da Justiça Civil


puder occupar um, ou mais Magistrados, haverá um, ou mais Juizes do
Civel, a quem fica competida toda a jurisdicção civil com exclusão dos
Juizes Municipacs, cuja jurisdicção nessa parte fica cessando. A
265

designação do Districto destes Juizes será feita do mesmo modo, que a


divisão em Comarcas.

Houve expressa preocupação com o número dos denominados juízes


dos órfãos. Disciplinava o artigo 20 que:

Art. 20. Haverá tantos Juizes dos Orphãos, quantos forem os Juizes
Municipaes, e nomeados pela mesma maneira. A jurisdicção contenciosa
destes Juizes fica limitada ás causas, que nascem dos inventarios,
partilhas, contas de Tutores, habilitações de herdeiros do ausente, e
dependencias dessas mesmas causas.

É interessante observar que os desembargadores que não fossem


aproveitados nas Relações poderiam ser utilizados pelos governos provinciais para
prestar jurisdição tanto no cível como no crime, no lugar dos juízes de direito,
conforme expressamente autorizava o artigo 21 das referidas disposições
provisórias.

A estrutura do poder judiciário delineada pelo Código de Processo


Criminal Brasileiro foi parcialmente alterada pela Lei nº 261, de 03 de dezembro de
1841.

Cada município da Corte passou a contar com um Chefe de Polícia


auxiliados por Delegados e Subdelegados. Os Chefes de Polícia eram escolhidos
dentre desembargadores e Juízes de Direito, ao passo que os Delegados e
Subdelegados poderiam ser escolhidos dentre quaisquer juízes ou cidadãos,
conforme preceituava o artigo 2º da referida lei.

Os Chefes de Polícia passaram a exercer a função jurisdicional criminal


ocupada pelos juízes de paz, nos termos do artigo 4º, § 1º, da lei enfocada.

Os juízes municipais passaram a ser nomeados pelo Imperador dentre


candidatos bacharéis em Direito, com prática forense de, pelo menos, um ano
depois da formatura (art.13), com mandato de quatro anos, com a possibilidade de
recondução pelo mesmo período ou nomeação para outro território, pelo aludido
período (art.14).

A lei supra também passou a estabelecer mais requisitos para a


nomeação do Juiz de Direito. O Imperador somente poderia nomear candidatos para
o aludido cargo que fossem Bacharéis em Direito e que tivessem servido, com
266

distinção no exercício dos cargos de juízes municipais ou de órfãos, ou como


Promotor de Justiça por um quadriênio completo (art.24).

A Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, suprimiu a função


jurisdicional do Chefe de Polícia e restabeleceu a autoridade do juiz de paz, dando-
lhe a competência de:

Art. 2º Aos Juizes de Paz, além das suas actuaes attribuições, compete:
§ 1º O julgamento das infracções de posturas municipaes com appellação
para os Juizes de Direito; ficando porém supprimida a competencia para
julgar as infracções dos termos de segurança e bem viver.
§ 2º A concessão da fiança provisoria.

A mesma lei permitiu que o juiz de paz pudesse julgar as causas cíveis
de até 100$ (cem réis), com recurso de apelação para os Juízes de Direito (art.22).

Com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, as


Províncias transmudaram-se em Estados federados, enquanto o município neutro
passou a ser o Distrito Federal.

Quanto à estrutura do Poder Judiciário pela nova Constituição de 1891,


é oportuno o seguinte registro de Aliomar Baleeiro:

A constituição de 1891 consagrou os dois decretos de Campos Sales no


Governo Provisório, instituindo a Justiça Federal, ao lado da Estadual e
também o Supremo Tribunal Federal. Deste e dos Juízes Federais – ditos
‗seccionais‘ – compunha-se a Justiça Federal, embora a lei pudesse criar
717
outros Tribunais da União. Mas, ela não os criou.

Verifica-se, assim, a origem do Supremo Tribunal Federal, como


evolução do Supremo Tribunal de Justiça e, ainda, a instituição da Justiça Federal
no Brasil, ao lado da Estadual, nos casos de interesse da União.

È interessante observar-se que Floriano Peixoto chegou a nomear um


médico e um general para o Supremo Tribunal Federal, mas o Senado deliberou que
somente juristas poderiam ser Ministros do STF.718

Verifica-se que o artigo 56 da referida Constituição esculpiu o Supremo


Tribunal Federal com a composição de 15 ministros.

717
Constituições brasileiras. 3.ed. Brasília: Senado Federal, 2012, v.II, p.31.
718
Cf. BALEEIRO, Aliomar. Op.cit., p.31.
267

Também foi criado, pela disposição do artigo 77 daquela Carta, o


Supremo Tribunal Militar, cujos membros seriam vitalícios.

A Constituição de 1934 manteve a dualidade da Justiça, Federal e


Estadual. O supremo Tribunal Federal passou a ser denominado Corte Suprema,
nos termos dos artigos 63 e 73, sendo que os seus ministros foram reduzidos a
onze.

O artigo 78 permitiu a criação de tribunais federais, sendo que o artigo


82 estruturou a Justiça Eleitoral, com um Tribunal Superior de Justiça Eleitoral na
Capital da República; um Tribunal Regional na Capital de cada Estado, no território
do Acre e no Distrito Federal, além de juízes singulares na sede.

A Constituição de 1937 restabeleceu a denominação da nossa Corte


de Supremo Tribunal Federal, mantendo o mesmo número de ministros, da anterior,
conforme se verifica no seu artigo 97.

Também deu grande realce às justiças estaduais (art.103) com o


permissivo de, inclusive, instituírem a justiça de paz por eleição (art.104), bem como
a criação de juízes com investidura limitada no tempo para julgamento de causas de
pequeno valor (art.106).

Contudo foi omissa quanto à Justiça Eleitoral, sendo oportuno


observar-se que, somente em maio de 1945, um decreto viria restabelecer os órgãos
dos serviços eleitorais.

A referida Constituição inovou na formação dos quadros dos tribunais


superiores, exigindo o preenchimento de um quinto dos cargos por membros do
Ministério Público e advogados de ―notório merecimento e reputação ilibada‖,
conforme dispunha o seu artigo 105.

Como bem observou Walter Costa Porto: ―Lamentável é que uma das
maiores conquistas da Revolução de 30, a Justiça Eleitoral, tenha recebido o
repúdio da Constituição de 1937‖.719

A Carta de 1946 aprimorou a estrutura do Poder Judiciário, trazendo,


como novidade, a criação do Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital

719
Constituições brasileiras. 3.ed. Brasília: Senado Federal, 2012,v.IV, p.24.
268

Federal, composto por nove juízes (art.103), havendo, ainda, o permissivo para a
criação de outros Tribunais Federais de Recursos no país (art.105).

A mencionada constituição também restabeleceu a estrutura da


Justiça Eleitoral com a criação do Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais
Eleitorais, Juntas Eleitorais e Juízes eleitorais (art. 109).

Também inovou a Carta, ao instituir a Justiça do Trabalho com a


criação do Tribunal Superior do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho e as
Juntas ou juízes de conciliação e julgamento (art.122).

A dualidade da justiça foi também acentuada, conforme disposição


normativa contida no seu artigo 124.

A Constituição de 1967 não alterou a estrutura do Poder Judiciário, já


instituída anteriormente, dando destaque, no entanto, à Justiça Federal, no sentido
de que:

Art. 118 [...]


§ 1º Cada Estado ou Território, assim como o Distrito Federal, constituirá
uma seção judiciária, que terá por sede a respectiva Capital. Lei
complementar poderá criar novas seções.
§ 2º A lei fiará o número de juízes de cada seção e regulará o provimento
dos cargos de juízes substitutos, serventuários e funcionários da justiça.

A nossa Constituição cidadã, de 1988, deu nova estrutura ao Poder


Judiciário instituindo o Superior Tribunal de Justiça, com a composição mínima de
33 Ministros (art.104), bem como os Tribunais Regionais Federais.

Ampliando o leque dos direitos fundamentais e dando enfoque aos


direitos sociais em capítulo próprio, além de enfocar, como objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a
marginalização e redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação. A Constituição deu aos cidadãos o direito de cobrar do Estado a
efetivação de tais direitos, o que propiciou o fortalecimento da função jurisdicional do
Poder Judiciário como grande tutora dos nossos direitos fundamentais, como se
tornou exemplo do ativismo judicial na área de saúde e educação.
269

Aliás, como bem ensinam Antônio Carlos Alpino Bigonha e Luiz


Moreira:[...] os cidadãos, sujeitos de direitos, são titulares de todo o poder política e
essa titularidade ganha contornos institucionais na medida em que os direitos
fundamentais são não apenas atributos transindividuais, mas a razão de ser do
Estado‖.720

Atinente à importância do Poder Judiciário, na tutela dos direitos


consagrados na Constituição da República, leciona José Herval Sampaio Júnior que:

Essa missão de fazer valer os valores constitucionais em todos os casos


que lhe são submetidos fez com que o Poder Judiciário assumisse uma
nova feição no Estado Constitucional Democrático de Direito. E mais as
decisões judiciais devem tutelar efetivamente os direitos envolvidos e levar
em consideração as peculiaridades de cada situação, prevalecendo desta
forma hoje as cognominadas doutrinas hermenêuticas do pensamento
problemático, as quais priorizam o caso concreto e a devida
argumentação.721

Aquiescendo a tal postulado, observa Francisco de Paula Sena


Rebouças que: ―Mais do que se pensa, os valores individuais importam, ainda em
países carente de programas sociais, sendo o Judiciário o poder adequado para tal
percepção [...]‖ 722

Não se pode, ainda, olvidar da brilhante lição de Samuel Meira Brasil


Júnior, que, ao discorrer sobre a incapacidade do Estado Pós-social de prestar os
direitos sociais, em face da crise de representação política que se acentuou, com o
aumento da corrupção política, enfoca a importância do Poder Judiciário,
assinalando que a atuação dos tribunais passou a abarcar questões criminais de
agentes políticos, detentores de grande base e representavidade social. ―Isto exigiu
uma politização do poder judiciário e um caráter intervencionista dos tribunais‖.723

720
Direito e democracia. Apresentação da obra de ACHERMAN, Bruce. A nova separação
de poderes. Brasília: Lumen Juris, 2013, p.vii-viii.
721
Ativismo judicial: autoritarismo ou cumprimento dos deveres constitucionais? In: FELLET,
André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo (Orgs.). As novas faces do
ativismo judicial. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011, p.404.
722
Fim de século e justiça. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p.44. Acrescenta o
autor que: ―Não vai aí nenhuma apologia da indiferença pelo bem comum ou pelo interesse coletivo,
porque o julgamento judiciário é uma concepção humanista, diferindo de outras modalidades de
arbitragem. No dia em que o juiz, preocupado com a multidão, com, a chamada opinião pública,
descurar do indivíduo (ou da questão peculiar) sob julgamento, não sobrará razão alguma para
confiar na Justiça, que será mais um dos órgãos burocráticos do Estado inclinado à massificação[...]‖
(p.44).
723
Op.cit., p.101.
270

Tais lições doutrinárias vêm de encontro ao discurso proferido pelo


Ministro Ricardo Lewandowski, em 10 de setembro de 2014, em seu discurso de
posse, como Presidente do Supremo Tribunal Federal, o qual observou que:

Nesse contexto, o Judiciário confinado, desde o século XVIII, à função de


simples bouche de la loi, ou seja, ao papel de mero intérprete mecânico das
leis, foi pouco a pouco compelido a potencializar ao máximo sua atividade
hermenêutica de maneira a dar concreção aos direitos fundamentais,
compreendidos em suas várias gerações. Ocorre que, assegurar a fruição
desses direitos, hoje, de forma eficaz, significa oferecer uma prestação
jurisdicional célere, pois, como de há muito se sabe, justiça que tarda é
justiça que falha. Entre nós, inclusive, incluiu-se, recentemente, na atual
Constituição um novo direito do cidadão: o direito à ―razoável do processo‖. 724

Deverá, assim, o Estado brasileiro aparelhar adequadamente o Poder


Judiciário para que eventual vilipêndio aos direitos fundamentais sociais, tanto no
âmbito vertical como horizontal possa receber de pronto a devida tutela do Estado-
Juiz.

1.3.3 Direito e função jurisdicional como justiça

Justiniano inseriu, no Digesto, a posição consolidada, entre os


jurisconsultos romanos, de que o nome direito descende de justiça, sendo definido
como ―a arte do bom e do justo‖.725

Paulo também afirmava que o direito ―consiste naquilo que é sempre


bom e equitativo‖.726

Aliás, observa Ortolan que o fundamento ―do império da razão , do bem


e da equidade, como dogma constituinte do direito, se manifesta em vários
fragmentos dos jurisconsultos romanos[...]‖.727

Conclui o imperador Justiniano, no aludido Digesto, com esta lição :

724
Parte do seu discurso proferido na posse de Presidente do STF. Brasília: STF. Disponível
em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/discursoMinistroRL.pdf . Acesso em:
10/09/2014.
725
Op.cit., p.15.
726
ORTOLAN, M. Esplicacion histórica de las instituciones del Emperador Justiniano.
Trad. D. Francisco Perez de Anaya. Madrid: Establecimiento tipográfico de D. Ramon Rodrigues de
Rivera, 1847. T.I, p.16.
727
Op.cit., p.16.
271

Com base neste Direito Celso nos denomina sacerdotes: pois cultuamos a
justiça e professamos o conhecimento do bom e do justo, separando o justo
do iníquo, discernindo o lícito do ilícito, desejando que os homens bons se
façam não só pelo medo das penas mas também pela motivação dos
prêmios [...]728

Anota, ainda, Justiniano, em suas Institutas, que: ―A Justiça é a


vontade constante e perpétua que atribui a cada um o que é seu‖ e que: § 3º. Os
preceitos do direito são os seguintes: viver honestamente, não lesar os outros, dar a
cada um o seu‖.729

Por esta razão, Gustav Radbruch afirma que: ―A ideia de direito....não


730
pode ser diferente da ideia de Justiça‖. Observa o autor que é perfeitamente
justificado que se detenha perante a ideia de justiça ―como ponto de partida para a
determinação do conceito de direito visto o ‗justo‘ ser, assim como o bem, o belo e a
verdade, e um valor absoluto, que não se pode fazer derivar de nenhum outro‖. 731

Mas essa modulagem de Justiça feita por Justiniano e seus


jurisconsultos, para o ilustre autor da Universidade de Heidlbergue, exprime uma
qualidade humana que se foca como virtude e, portanto, definida num sentido
subjetivo, o que difere da Justiça num sentido objetivo. Para o autor ―justo, no
sentido de uma justiça objetiva, só pode ser uma relação entre homens. O modelo
do bem moral exprime-se, sempre, num tipo ideal de homem. O da justiça, num tipo
ideal de relação entre homens‖.732

Discorrendo sobre a célebre doutrina de Aristóteles atinente aos


conceitos de Justiça comutativa e Justiça distributiva, ensina que:

[...] fica já suficientemente esclarecida a relação em que se acham estas


duas espécies de justiça uma com a outra. A justiça comutativa, sendo a
justiça que tem lugar entre pessoas com iguais direitos, pressupõe
necessariamente um ato anterior de justiça distributiva pelo qual se
reconheceu aos interessados o seu igual direito, a mesm capacidade de
comércio, o mesmo status. Isto mostra-nos que a justiça distributiva
733
representa a forma primitiva da justiça.

728
Idem, ibidem.
729
Institutas do Imperador Justiniano, p.21.
730
Filosofia do Direito. Trad. Prof. L. Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra: Arménio Amado –
editor, sucessor, 1997, p.86.
731
Op.cit., p.87.
732
Op.cit., p.88.
733
Op.cit., p.89.
272

Leciona que da justiça distributiva aflora a ideia de Justiça, que deve


orientar o conceito de direito. Ensina que da justiça distributiva, só é possível extrair-
se a noção da relação entre duas pessoas, não a maneira como se deve tratá-las.
Afirma que a pena ao autor de um crime de furto deve ser menor que a daquele que
cometeu um homicídio. Contudo não se pode aferir se o ladrão será enforcado e se
o assassino será esquartejado; ou mesmo, que o primeiro seja apenado como uma
simples pena de multa e que o segundo receba a pena de prisão. Conclui:

Quer isto dizer, em suma, que em ambos os casos a justiça carece de ser
completada com outros princípio fundamentais, se quisermos extrair dela os
verdadeiros preceitos dum direito justo. O seu princípio dá-nos a chave da
determinação conceitual do direito. E assim precisando melhor a
definição...diremos agora que o direito não é afinal senão a realidade que
734
tem o sentido de se achar ao serviço da ideia de justiça.

Após concluir que o preceito jurídico tem uma natureza positiva e


normativa, social e geral, ao mesmo tempo, define direito ―como um complexo de
normas gerais, visando a vida de relação, que é a vida dos homens em comum‖. 735

Miguel Reale, também ao correlacionar direito e Justiça ensina que o


bem, como valor social, é o que se denomina de justo e ―constitui o valor fundante
do Direito‖.736

Assinala que a Justiça constitui o valor próprio do Direito, sendo ―a


expressão unitária e integrante dos valores todos de convivência;, pressupõe o valor
transcendental da pessoa humana e representa, por sua vez, o pressuposto de toda
a ordem jurídica‖.737

Sem desconsiderar o uso da palavra Justiça no seu sentido subjetivo,


prefere usar o termo no seu sentido objetivo, ―para indicar a ordem social que os
738
atos de justiça projetam ou constituem‖. Nesse sentido, define Justiça como:
―[...]o bem comum ‗in fieri‘, como constante exigência histórica de uma convivência

734
Op.cit., p.90-91.
735
Op.cit., p.93.
736
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.272.
737
Idem, ibidem. Acrescenta, afirmando que: ―essa compreensão histórico-social da Justiça
leva-nos a identifica-la com o bem comum, dando, porém, a este termo sentido diverso do que lhe
conferem os que atentam mais para os elementos de ‗estrutura‘, de forma abstrata e estática, sem
reconhecerem que o bem comum só pode ser concebido, concretamente, como um processo
incessante de composição de valorações e de interesses, tendo como base ou fulcro o valor
condicionante da liberdade espiritual, a pessoa como fonte constitutiva da experiência ético-jurídica‖
(p.272).
738
Op.cit., p.276.
273

social ordenada segundo os valores da liberdade e da igualdade...Justiça quer dizer,


então, ordem social justa[...]‖.739

Soarez Martínes, perfilhando o entendimento supra do


correlacionamento entre Direito e Justiça, leciona que:

Qualquer referência axiológica ao direito há de ver nele um ser vocacionado


para a realização do valor justiça. O direito, se não for concebido como a
razão do mais forte, ou como o interesse dos governantes, noções, no
fundo, coincidentes, há de ser, ou uma projeção do justo absoluto na cidade
dos homens, ou uma vocação destes para atingirem a justiça. Num plano
axiológico, parece difícil separar a justiça absoluta do bem absoluto. Não se
entenderá que o mau possa ser justo, nem que o iníquo possa ser bom. E
daí admitir-se que a referência valorativa do direito à justiça tenha de
abranger a bondade...O justo, a Justiça, constituirão a própria meta do
740
direito.

No que tange à justiça formal irradiada da base das leis positivas,


ensina o autor: ―dir-se-ão justas as decisões que se mostrem em conformidade com
as normas legisladas e com as regras de hermenêutica jurídica‖.741

Quanto às justiças comutativa e distributiva, afirma que ambas não se


afastam da exigência de igualdade.

Na justiça comutativa, ―os deveres de prestar respeitam a seres tidos


por iguais, cujas prestações recíprocas serão também iguais, para se conformarem
com a justiça‖.742 Já na justiça retributiva, embora seja mais difícil mensurar,
também tal modalidade reclama uma igualdade de prestações. Fundamenta sua
tese no fato de que ―[...] quem pode punir não o fará com justiça, senão na medida
do mal praticado pelo punido. E quem tem o poder de recompensar também só
usará dele com justiça se souber adequar o prêmio[...]‖.743

Contudo não se pode falar de justiças comutativa e distributiva e de


igualdade de direitos sem desconsiderar Aristóteles.

739
Idem, ibidem.
740
Filosofia do direito. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1995, p.288.
741
Op.cit., p.289.Acrescenta que: ―o espírito humano mostra-se acentuadamente ambicioso.
E, por isso, não costuma conformar-se com a simplicidade de tal conclusão. Poderão divergir os
critérios pessoais sobre o que é justo. Contudo, isso não obsta a que cada homem, e todos os
homens, se rebelem contra a hipótese de serem necessariamente justas as de cisões resultantes da
aplicação das normas positivas legisladas, ainda quando se reconheça que essa aplicação se
mostrou perfeitamente ajustada às regras estabelecidas pela ciência do direito‖ (p.289).
742
Op.cit., p.290.
743
Idem, ibidem.
274

Para o filósofo ateniense, a justiça é uma virtude e, neste sentido pode


ser considerada um justo meio. Explica que:

O justo meio é a equilibrada situação dos agentes numa posição mediana


de igualdade, seja proporcional, seja absoluta, em que ambos compartilham
de um status de coordenação, sem que um tenha sua esfera individual
invadida ou lesada pela ação do outro.744

O ilustre estagirita não descuidou do que denomina de a justiça total,


também denominada de justiça universal ou integral, no sentido de que se estenda a
sua aplicação com a maior magnitude possível. Reafirma que a virtude, no que
tange ao tratamento do outro, deve ser vista como justiça total ou universal. Neste
sentido se pode ―entendê-la como sendo a virtude completa ou perfeita em relação
ao semelhante[...]‖.745

Quanto à justiça distributiva, leciona Aristóteles que:

[...]é igualdade de caráter proporcional, pois é estabelecida em acordo com


um critério de estimação dos sujeitos analisados. Este critério é o mérito de
cada qual que os diferencia tornando-os mais ou menos merecedores de
tais ou quais benefícios ou ônus sociais...A igualdade na distribuição visa a
manutenção de um equilíbrio, pois aos iguais é devida a mesma quantidade
de benefícios ou encargos, assim como aos desiguais são devidas partes
diferentes na medida em que são desiguais e em que desigualam‖.746

No tocante à justiça comutativa, ensina que se trata ela das interações


voluntárias, em face do fato de que:

[...]a reciprocidade proporcional é imprescindível ao governo das múltiplas


necessidades humanas...é assim que o justo comutativo bem compreendido
conduz à noção de reciprocidade proporcional das trocas dentro da
complexa malha social. São as trocas a base da subsistência da cidade...As
trocas se fazem entre objetos diferentes produzidos por pessoas diferentes,
que recebem valorações diferentes de acordo com cada sociedade. A
equivalência que pode igualar os elementos da troca é conseguida por meio
de um termo comum que estabeleça um liame entre estes[...]747

744
BITTAR, Eduardo C.B. A justiça em Aristóteles. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1999, p.79.
745
Op.cit., p.82.
746
Op.cit., p.88-89.
747
Op.cit., p.94. Anota, ainda, o ilustre filósofo que: ―O dinheiro nos serve também como uma
garantia de permutas no futuro; se não necessitamos de coisa alguma no presente, ele assegura a
realização da permuta quando ela fora necessária; com efeito, ele preenche os requisitos de algo que
podemos produzir para pagar por aquilo de que necessitamos, de maneira a podermos obter o que
nos falta. Mas acontece com o dinheiro o mesmo que acontece com os produtos, já que ele não tem
sempre o mesmo valor; de qualquer forma, porém, ele tende a ser mais estável. Por esta razão deve-
se estabelecer um preço para todos os produtos, pois desta forma haverá sempre permuta, e
275

São Tomas de Aquino, que cristianizou Aristóteles, define a justiça


como o ―[...] hábitus, pelo qual, como vontade constante e perpétua, se dá a cada
um o seu direito‖.748Explica que justiça pressupõe igualdade, em face do liame
decorrente da relação com o outro. Ressalta, contudo, que ―A justiça, propriamente
dita, exige a diversidade das pessoas, portanto só pode ser de um homem em
relação a outro‖.749 Postando a justiça como virtude, ensina que:

A virtude humana torna bons os atos humanos e o próprio homem. É o que,


sem dúvida, convém à justiça. Pois o ato humano se torna bom, ao atingir a
regra da razão, que o retifica. Ora, como a justiça retifica as ações
humanas, é claro que as torna boas[...]A justiça ordena o home em suas
relações com outrem...Assim o bem de cada virtude, quer ordene o homem
para consigo mesmo, quer o ordene a outras pessoas, comporta uma
referência ao bem comum, ao qual orienta justiça. Dessa maneira, os atos
de todas as virtudes podem pertencer à justiça, enquanto esta orienta o
homem ao bem comum. Nesse sentido, ajustiça é uma virtude geral. E
como compete à lei ordenar o home ao bem comum,...essa justiça geral é
chamada legal: pois, na verdade, por ela, o homem se submete à lei que
orienta ao bem comum os atos de todas as virtudes750

Frisa que , além da justiça legal, que direciona o homem ao bem


comum, o homem necessita de virtudes particulares, como a temperança e a
fortaleza. Também não se pode esquecer a justiça particular que ilumina o homem
nas suas relações com outras pessoas individualmente consideradas. Ensina que a
justiça particular é conduzida por uma virtude moral ditada pela reta razão. Adverte,
no entanto, que ―[...]a justiça... não abarca toda a matéria da virtude moral, mas
somente as ações e coisas exteriores, sob o ângulo especial de um objeto, a saber,
enquanto por elas um homem é colocado em relação com outro‖.751

consequentemente a comunidade. O dinheiro, portanto, agindo como um padrão, torna os bens


comensuráveis e os igualiza, e não haveria comunidade se não houvesse permutas, nem permutas
se não houvesse igualização, nem igualização se não houvesse comensurabilidade. Na verdade, é
impossível que coisas tão diferentes entre si se tornem perfeitamente comensuráveis‖ (Ética e
nicômacos. 4. ed. Brasília: Editora UNB, 2001,1133 b, p.100-101).
748
Suma teológica : justiça, religião, virtudes sociais. São Paulo: Edições Loyola, 2005,
v.6, p.56.
749
Idem, p.59.
750
Idem, p.60 e 66. Acrescenta que: ―[...]como ficou dito, anteriormente, que a justiça legal é
chamada virtude geral, enquanto, precisamente, ela ordena os atos das outras virtudes ao fim que é o
dela, o que vem a ser movê-las todas por seu influxo. Com efeito, como a caridade pode ser
chamada virtude geral enquanto ordena os atos de todas as virtudes ao bem divino, assim também a
justiça legal, enquanto ordena os atos de todas as virtudes ao bem comum. Portanto, como a
caridade, que tem o bem divino como objeto próprio, é uma virtude especial por sua essência, assim
também a justiça legal é por sua essência uma virtude especial, pois tem por objeto próprio o bem
comum. Ela se encontrará no príncipe, qual princípio e como que de maneira arquitetônica; nos
súditos, porém, de forma secundária e como que executiva‖ (p.66).
751
Op.cit., p.67 e 69.
276

Leciona, inspirado na igualdade tecida por Aristóteles, que o meio


termo visado pela justiça é o meio real. Esclarece que:

[...] a matéria da justiça é a ação exterior, que por ela mesma ou pela
realidade que utiliza, tem uma proporção devida com outra pessoa. Por
isso, o meio-termo da justiça consiste em certa igualdade de proporção da
realidade exterior com a pessoa exterior. Ora a igualdade é realmente o
meio-termo entre o mais e o menos, como diz Aristóteles.. Logo, a justiça
752
comporta um meio-termo real.

Como entende Tomás de Aquino que a justiça coloca uma pessoa


em relação com uma outra, nesta conduta exterior, ensina que ―[...]cada pessoa
diz-se pertencer, como seu, aquilo que lhe é devido por uma igualdade proporcional.
Por isto, o ato de justiça consiste, precisamente, em dar a cada um o que é seu‖.

Assinala que a justiça tem preeminência sobre todas as virtudes


morais. Enfoca que a justiça legal ―excede em valor todas as virtudes morais; pois o
bem comum tem a preeminência sobre o bem particular de uma pessoa.‖ 753 Anota
que também a justiça particular supera todas as virtudes morais fundamentando-se
em duas razões no fato de que:

A primeira, do lado do sujeito: a justiça, com efeito, tem sua sede na parte
mais nobre da alma, a saber no apetite racional, a vontade. Ao invés, as
outras virtudes morais têm por sede o apetite sensível, a que pertencem as
paixões, que constituem a matéria dessas virtudes. –A segunda razão vem
da parte do objeto. Pois, as outras virtudes morais, além da justiça, são
exaltadas somente pelo bem que realizam no homem virtuoso, ao passo
que a justiça é enaltecida pelo bem que o home virtuoso realiza em suas
relações com outrem, de tal sorte que ela é, de certa maneira, o bem de
outrem [...]754

Também Giorgio Del Vecchio deu grande contribuição ao tema aqui


enfocado. Iniciando-se pela mitologia grega, invoca a deusa Temis, conselheira de
Júpiter e que se torna, também, a conselheira da prudência para os homens, vindo,
a ser, assim, ―a divindade posta sobre os oráculos, que promove, ademais, as
reuniões públicas e as preside, favorecendo de tal modo a criação dos
ordenamentos civis‖.755Assinala que do conúbio entre Júpiter e Temis nasceu Dike,
a deusa dos juízos revestida do dom de resolver as contendas e que se refugiava no

752
Idem, p. 73.
753
Idem, p.75.
754
Op.cit., p.75-76.
755
La justicia. Trad. Por Francisco P. Laplaza. Buenos Aires: Editorial Depalma, 1952, p.16.
277

céu quando maltratada pelos homens. Ensina que a aludida divindade se


transformou no decorrer do tempo, já que ―sua imagem se torna mais potente e
severa, em ocasiões, até cruel, toda vez que lhe é atribuída, não a função da
conciliação arbitral, mas a da vingança inexorável e da pena‖. 756Leciona que: ―as
duas imagens místicas de Temis e Dike não perdem, porém, seu significado
originário, no qual a primeira indica sempre, de preferência, o conselho ou o
mandato de um superior, e a segunda a sentença de um juiz‖.757

Após comentar a doutrina platônica que considera a Justiça como


virtude universal, anota que justiça, neste sentido, se reveste da exigência de que
―haja uma exata correspondência entre o fato e a norma que lhe concerne‖. 758
Registra que Platão maximizou a justiça como princípio regulador da vida individual
e social e estabeleceu a essência da justiça ―no desenvolvimento das atitudes que
se referem, naturalmente, a cada parte da alma, a cada classe social‖.759 A justiça
assim entendida pode ser definida como: ―a virtude que rege e harmoniza tanto o
atuar dos particulares quanto o das multidões congregadas, atribuindo a cada
faculdade ou energia a direção correspondente e seus próprios limites.‖ 760

Não descuidou, ainda, de citar Aristóteles, analisando a justiça num


sentido mais restrito, o social, relacionado com a alteridade e igualdade.761

Debruçando-se sobre os elementos lógicos da justiça, inicia-se pela


alteridade ou bilateralidade que pressupõe ―a simultânea consideração de diversos
sujeitos postos idealmente num mesmo plano e representados, por assim dizer, um
em função do outro‖.762Enfoca, também, a paridade e a reciprocidade ou correlação
como elementos da justiça. Dessa forma, ―[...]o obrar de cada um, em tal medida, só
se considera enquanto se encontre, ou interfira, objetivamente, com o obrar

756
Idem,p.17
757
Idem, ibidem.
758
Idem, p.24.
759
Idem, p.25.
760
Idem, ibidem. Acrescenta que justiça, assim enfocada, ―vem a consistir, portanto, na
proporção entre as diversas partes que compõem um todo orgânico, cada uma das quais possuindo
uma virtude própria e particular – como a sabedoria, a fortaleza e a temperança – que permanece,
porém, subordinada àquele princípio formal que vincula entre si as distintas partes, o mesmo que as
suas respectivas virtudes‖(p.26).
761
Idem, p.65.
762
Idem, p.103.
278

alheio‖.763 Afirma, assim, que, dessa forma, se reduz ―o problema concreto da justiça
à delimitação e intersecção das exigibilidades recíprocas entre os sujeitos‖.764

Em face de tal premissa, aduz que a modulagem da aludida


delimitação decorre, sobretudo, mesmo conceito de reciprocidade entre os diversos
sujeitos postos no referido plano ideal. Assim:

[...] se deduz disto que um sujeito não pode ser comportar de certo modo
atinente a outros sem tornar-se legítima ou justa, ou seja, juridicamente
possível, nas mesmas circunstâncias que igualmente os outros possam se
comportar da mesma maneira em relação a ele.765

Admite o autor que, a justiça pode confundir-se com o direito e, entre


os dois, há sempre, a possibilidade de antítese, ―porque um dado qualquer da
experiência jurídica pode sempre confrontar-se, em igual forma, com a exigência
absoluta que a consciência, por outra parte, não pode extrair mais do que a si
mesma‖.766

Acrescenta o autor que, ―a justiça se identifica, com frequência, com a


lei e com o direito em sua concreta atuação; por isto se fala, verbi gratia, de justiça
civil, administrativa penal etc‖.767

Analisando o paradigma ideal de justiça, ensina o autor que:

[...] consiste ele no reconhecimento integral da personalidade de cada um,


considerada objetivamente – ou seja, fora do sujeito mesmo – em seu caráter
inteligível, vale dizer, como entidade absoluta e autônoma. Tal
reconhecimento, precisamente por sua natureza objetiva (ou transubjetiva),
implica por necessidade a superação da consciência particular ou egoísta,
posto que somente na esfera mais elevada da consciência é possível a
768
equação ideal entre o eu e o outro.

Ainda analisando o critério ideal de justiça, afirma que, nesta sua


suprema expressão, ou seja, quando se atingir o reconhecimento igual e perfeito nas
relações intersubjetivas, haverá a necessidade de que:

763
Idem, ibidem.
764
Idem, p.104-105.
765
Idem, p.106.
766
Idem, p.150.
767
Idem, p.147, nota de rodapé 12.
768
Op.cit., p.151.
279

[...] todo sujeito seja reconhecido e tratado por qualquer outro como
princípio absoluto de seus próprios atos, os quais, portanto, lhe devem ser
atribuídos em sua determinação suprassensível e logo também em todas as
consequências que se derivam na ordem dos fenômenos...A justiça deseja
que no tratamento recíproco, se tenha em conta esta identidade na natureza
metaempírica, e se exclua, por conseguinte, toda disparidade que não se
funde no efetivo ser e atuar de cada um, já que todo comportamento deve
769
equiparar-se, objetivamente, à mesma medida absoluta.

Quanto à justiça kelseniana, explica o grande pensador do positivismo


jurídico que muitos falharam em definir o que é justiça e que também não se sente
em condições de responder a tal indagação, já que a humanidade ainda está
buscando a denominada justiça absoluta. Leciona que se contenta em definir a
justiça relativa, que consiste na ―ordenação social sob cuja proteção pode prosperar
a busca da verdade. A minha justiça, portanto, é a justiça da liberdade, a justiça da
democracia: em suma, a justiça da tolerância‖. 770

Para Kelsen, ―a conduta social de um indivíduo é justa, quando


corresponde a uma norma que prescreve essa conduta [...] 771
Ensina que, sob a ótica do direito natural, uma norma de direito
positivo somente poderá ser considerada justa, quando corresponder à norma de
justiça e será injusta quando seu conteúdo não corresponder a uma norma de
justiça. Assinala, no entanto, que:

Do ponto de vista do direito positivo, uma tal norma não constitui uma valor
jurídico positivo por ser posta através de um ato que tem um valor de justiça
positivo, e constitui um valor jurídico positivo mesmo quando é posta
através de um ato que tem um valor de justiça negativo.772

No que tange ao fundamento de validade de uma norma positiva,


ensina que se consubstancia numa norma superior, que é pressuposta como
objetivamente válida. Assim:

769
Idem, p.154-155.
770
O problema da justiça. Tradução de João Baptista Machado: São Paulo: Martins Fontes,
1993.
771
Idem, p.04. Reafirma que: ―A conduta, que é um fato da ordem do ser existente no tempo e
no espaço, é confrontada com uma norma de justiça, que estatui um dever-ser. O resultado é um
juízo exprimido que a conduta é tal como – segundo a norma de justiça – deve ser, isto é, que a
conduta é valioso, tem um valor de justiça positivo, ou que a conduta não é como – segundo a norma
de justiça – deveria ser, porque é o contrário do que deveria ser, isto é , que a conduta é desvaliosa,
tem um valor de justiça negativo‖ (p.04-05).
772
Op.cit., p.08.
280

Consideramos um determinado tratamento de um indivíduo por parte de


outro indivíduo como justo quando este tratamento corresponde a uma
norma tida por nós como justa. A questão de saber por que é que
consideramos esta norma como justa conduz, em última análise, a uma
norma fundamental por nós pressuposta que constitui o valor justiça.773

Kelsen entende existirem dois tipos de normas de justiça. As primeiras


seriam do tipo metafísico, originárias de uma instância transcendente, que não
pode ser compreendida pela razão humana. ―O homem deve acreditar na justiça que
elas constituem – tal como acredita na existência da instância de que elas procedem
- , mas não pode compreender, racionalmente, essa justiça‖.774O segundo tipo
abarcaria as normas racionais revestidas da característica de não serem da sua
essência nenhuma crença na ―existência de uma instância transcendente, pelo fato
de poderem ser pensadas como estatuídas por atos humanos postos no mundo da
experiência e poderem ser entendidas pela razão humana, isto é, ser concebidas
racionalmente‖.775

Quanto à fórmula de justiça suum cuique, que preconiza que se deve


dar a cada um o que é seu, anota que pressupõe ela uma potestade normativa
direcionada neste sentido, tratando-se de uma norma justa. Assinala que:

Nesta função conservadora reside a sua significação histórica. O valor


justiça que esta norma constitui identifica-se com o valor ou valores que são
constituídos por meio das normas do ordenamento – do ordenamento
jurídico, em particular – que é pressuposto no momento da sua aplicação.776

Tece críticas à denominada regra de ouro que determina que se deve


tratar os outros com o mesmo sentido de reciprocidade, ou seja, deve-se dispensar
ao próximo o mesmo tratamento que se gostaría de receber. Para Kelsen, a
aplicação da fórmula ao pé da letra culminaria com a máxima harmonia social, já
que todos desejam ser bem tratados e não existiria, evidentemente, conflito, mas

773
Idem, p.15.
774
Idem, p.16-17.
775
Idem, p.. 17. Anota que: ―As normas de justiça do tipo aqui designado como racional
podem na realidade ser também representadas como postas por uma instância transcendente; e
muitas delas, como, especialmente, a norma de justiça da retribuição, são descritas como vontade da
divindade. Todavia, isto não lhes é essencial e, pelo seu conteúdo, elas permanecem mesmo então
como racionais, quer dizer: podem ser compreendidas pela razão humana, ser racionalmente
concebidas‖(p.17).
776
Idem, p.18.
281

isto seria uma ilusão, ―[...] pois os homens de forma alguma coincidem no seu juízo
sobre aquilo que é subjetivamente bom, ou seja, afinal, naquilo que desejam.‖ 777

Comentando a teoria do meio-termo aristotélico, no sentido de que a


virtude é o meio entre dois extremos, mais precisamente entre dois vícios, um por
excesso e o outro por falta e que a justiça é a virtude perfeita, a virtude principal
informa que a equação utilizada por Aristóteles, de que qualquer virtude pode ser
encontrada de forma semelhante a um geômetra, que encontra o ponto equidistante
dos dois extremos de uma linha, dividindo-a em duas partes iguais, é imprecisa,
porque, para que um geômetra possa encontrar dois pontos extremos de uma linha,
para que possa parti-la em unidades iguais, impõe-se, necessariamente, que estes
extremos lhe sejam fornecidos. Assim, Aristóteles apenas simula resolver o
problema, já que a questão de saber o que é bom é deixada ―pela ética aristotélica à
moral positiva e ao direito positivo, à ordem social dada. É a autoridade desta ordem
social – e não a fórmula do mesotes – que determina o que é ‗de mais‘ e o que é ‗de
menos‘, que fixa os dois extremos[...]‖.778Assevera que:

O caráter tautológico da fórmula do mesotes revela-se com particular


clareza na sua aplicação à virtude da justiça. Aristóteles ensina: a conduta
reta é o meio-termo entre praticar a injustiça e sofrer a injustiça. Neste caso,
a fórmula: ‗a virtude é o meio-termo entre dois vícios‘ não tem sentido
sequer como uma metáfora, pois a injustiça que praticamos e a injustiça que
suportamos não são de forma alguma dois vícios ou males mais uma e
mesma injustiça, aquela que um pratica e que, portanto, um outro sofre. E a
justiça é simplesmente o oposto desta injustiça. A questão decisiva: ‗o que é
injustiça‘ não obtém resposta da fórmula do mesotes.779

No que se refere ao princípio da retribuição, leciona que tem ele seu


fundamento histórico no instinto de vingança do homem e consiste no fato de que
aquele que faz o mal deve receber o mal e aquele que faz o bem deve receber o
bem. Critica a tese de que o aludido princípio consiste na aplicação do princípio da

777
Idem, p.20.Adverte que: ―O que alguém considera ser um bom tratamento, a ponto de
desejar ser tratado dessa maneira, e de, consequentemente, segundo a regra de ouro, tratar outrem
da mesma forma, pode este outrem considerar subjetivamente como um mau tratamento, o que
significa que ele não quer ser tratado dessa maneira. Para um, podem a lisonja e a mentira ser
desejáveis, para o outro, porém, podem ser indesejáveis. Ora, neste caso, há um conflito entre os
dois‖(p.20).
778
Op.cit., p.30-31.
779
Idem, p.31.Acrescenta, que, no caso, ―a resposta é pressuposta.; e Aristóteles pressupõe
evidentemente como injusto aquilo que é injusto segundo a moral e o direito positivos. A autêntica
função da teoria do mesotes não é determinar a essência da justiça, mas reforçar a vigência do
ordenamento social existente, estabelecido pela moral e pelo direito positivos. Aqui nesta função
conservadora, reside a função política‖. (p.31).
282

igualdade já que o princípio da retribuição é justamente o oposto à igualdade


enfocada. Aduz que o aludido princípio ―não postula um tratamento igual, mas um
tratamento desigual dos homens, enquanto prescreve para aqueles que fazem mal
uma pena e para aqueles que fazem bem um prêmio‖.780

Formula também crítica ao princípio de justiça comunista de Marx,


quanto ao postulado de que a igual prestação de trabalho cabe igual salário.
Assevera que se trata, na realidade, de um direito desigual, por ignorar as
desigualdades entre os indivíduos decorrentes da sua capacidade de trabalho, daí
porque se trata de um direito injusto.

Frisa que Marx não soluciona a questão da igualdade, quando um


indivíduo deixar de produzir segundo as suas capacidades, comprometendo o
segundo postulado, no sentido de que se deve dar a cada um segundo as suas
necessidades, já que, se cada um não produzir segundo suas capacidades, ocorre o
comprometimento da partilha da produção. Para o aludido autor:

Marx não dá nenhuma resposta a esta questão, sim, nem mesmo põe esta
questão pois parte do utópico pressuposto de que, enquanto na sociedade
comunista as necessidades de cada um forem satisfeitas e cada um tiver
apenas de produzir conforme as suas capacidades, esta ordem social não
corre perigo de ser violada, pois cada um produzirá voluntariamente aquilo a
que a ordem social o obriga; ou seja, parte do pressuposto de que esta
ordem social não precisa estatuir nenhum ato de coerção como sanção e,
portanto, constitui uma comunidade sem Estado e sem direito.781

Discorrendo sobre as normas de justiça do tipo metafísico, ensina que


Platão é o representante clássico desta modalidade de justiça exposta na Teoria das
Ideias que cristaliza a ideia do Bem absoluto como a ideia principal, ―à qual todas as
outras ideias se subordinam e da qual todas retiram a sua validade‖.782 Para Platão,
a ideia de Bem contém em si a de Justiça, mas não consegue responder à
indagação atinente ao que é a justiça. Explica que a ideia do Bem absoluto se
encontra além de todo o conhecimento racional e é impossível descrevê-la. Explana
o grande filósofo grego que não há resposta para a questão da essência da
Justiça. ―Pois, com efeito, a Justiça é um segredo que deus confia – se é que confia

780
Idem,p.32.
781
Op.cit., p.43.
782
Idem, p.62.
283

– apenas a alguns poucos eleitos e que tem de permanecer segredo deles porque
não podem comunica-lo aos demais.783

Leciona Kelsen que a justiça que Platão preceitua que os homens


merecem o tratamento conforme a vontade divina, no sentido de que o princípio da
retribuição se reveste da nova justiça, a verdadeira justiça, ―a que se contém no
princípio do amor: não retribuir o mal com o mal, mas com o bem;, não opor
resistência ao mal que nos fazem mas amar quem nos faz mal, sim, amar até os
inimigos‖.784

Apregoa Platão que somente o justo é feliz e que o problema da justiça


é fundamental para a vida social dos homens e ―a aspiração à justiça está tão
profundamente enraizada nos seus corações, porque, no fundo, emana da sua
indestrutível aspiração à felicidade‖.785 Adverte, ainda, que a justiça absoluta, a
justiça por excelência, objetivada pelos homens, é um ideal irracional, já que ela
emana de uma autoridade transcendente, que é Deus. Afirma, portanto, que ―temos
de nos contentar na terra com uma justiça simplesmente relativa, que pode ser
vislumbrada em cada ordem jurídica, positiva e na situação de paz e segurança por
esta mais ou menos assegurada‖.786 Anota Kelsen que a transferência da realização
da justiça a uma dimensão supraterrena representa, de fato, ―o engodo desta eterna
ilusão‖.787

Após discorrer sobre os postulados de alguns filósofos a respeito da


justiça, anota que esta não se confunde com o direito e sobre a relação existente
entre o direito e a justiça, há duas concepções opostas. Para a primeira, o direito
positivo somente pode ter validade, se o ordenamento posto for justo, de forma que
―a validade da norma de justiça é o fundamento da validade do direito
positivo‖.788Para a segunda, a validade direito positivo prescinde da validade da

783
Idem, p.63.
784
Idem, p.64. Acrescenta que: ―Esta justiça situa-se para além de toda ordem possível numa
realidade social; e o amor, que é esta justiça, não pode ser a emoção humana a que nós chamamos
amor...O amor que Jesus ensina não é o amor ao homem, É o amor por meio do qual o homem deve
tornar-se tão perfeito como o seu Pai no céu, o qual manda o sol levantar-se sobre os maus e sobre
os bons e manda chover sobre justos e injustos‖ (p.64).
785
Idem, p.65.
786
Idem, p.65-66. Assevera, em complemento, que: ―Em vez da felicidade terrena, por amor
da qual a justiça é tal apaixonadamente exigida, mas que qualquer justiça terrena relativa não pode
garantir, surge a bem aventurança supraterrena que promete a justiça absoluta de Deus àqueles que
Nele creem e que, consequentemente, acreditam nela.‖ (p.66).
787
Idem, p.66.
788
Idem, p.68.
284

norma de justiça, porque dela não depende, tratando-se esta concepção do


positivismo jurídico. Ensina que, por não ser uma norma de justiça revestida de um
valor absoluto oriunda de uma autoridade transcendental, com a pretensão de ser a
única válida, ―a validade do direito positivo não pode, do ponto de vista de uma
teoria científica do direito, ser posta na dependência da sua relação com a
justiça‖.789

É interessante, ainda, o registro da lição de Rodolfo Carlos Barra, para


quem a reta ordem da vida social exige uma firme disposição do Estado e dos
próprios cidadãos de reconhecerem os direitos individuais. Aduz que a paz social
somente será concreta, se todos os integrantes do corpo social se direcionarem
numa constante e perpétua vontade de garantir a cada um o que lhe é devido,
consubstanciada, assim, na virtude da justiça. Assinala que, na virtude da justiça,
imperam três condições: o outro, com especificidade na alteridade; o devido, como
objeto e a igualdade como medida. Anota que ―a perfeição do ato justo se
estabelece, só quando se entrega ao outro o que lhe pertence ou o correspondente
em sua estrita igualdade‖.790

Ensina Barra que o ato justo, inclusive na dimensão de macrojustiça se


caracteriza, também, pela ―tolerância, não discriminação, respeito pelas minorias,
isto é, a realização plena da justiça nas relações comunitárias‖.791

Em relação ao outro, à luz da alteridade, leciona que: ―[..] tanto nas


relações interindividuais como nas intergrupais, como também nas que vinculam o
Estado com os demais grupos sociais e com os indivíduos, o atuar exterior das
partes tem, como fim, o direito do outro, a alteridade‖.792 Afirma, neste sentido, que
o ato próprio da virtude da justiça consiste no ―reconhecimento do direito do
outro‖.793

789
Idem, p.69.
790
Tratado de derecho administrativo. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma,
2002, T.1, p.103 e 105.
791
Idem, p.107. Acrescenta que: ―um dos sucessos mais importantes do Estado de Direito,
com o grande impulso das revoluções americana e francesa, foi colocar claramente o Estado como
sujeito credor ou de dívida na relação de justiça‖ (p.107).
792
Idem, p.109. Argumenta, ainda, que tanto na linha vertical como na horizontal, ―todas as
comunicações que se produzem no corpo da mostra pirâmide social se encontram assinaladas pela
virtude da justiça[...]‖.(p.109).
793
Idem, p.110.
285

Analisando a igualdade como condição para o império da virtude da


justiça, adverte que: ―Não basta, então, o mero elenco de direitos e garantias contido
em algum documento solene. O importante é que tais direitos e garantias tenham
meios de realização possível, isto é, se efetivem em prestações concretas[...]‖. 794

Também Chaïm Perelman, embora não discrepe do entendimento de


que a justiça é a principal virtude, anota que todas as revoluções, bem como todas
as guerras e revoltas ―[...]sempre se fizeram em nome da Justiça. E o extraordinário
é que sejam tanto os partidários de uma ordem nova como os defensores da ordem
antiga que clamam com seus votos, pelo reinado da Justiça‖.795

Assinala, no entanto, que a justiça consiste numa aplicação da ideia de


igualdade e que todos, desde ―Platão e Aristóteles, passando por Santo Tomás, até
os juristas moralistas e filósofos contemporâneos, ‖796 estão de acordo com tal
concepção de justiça.

Procurando estabelecer um elemento conceitual comum entre todas as


fórmulas estabelecidas de justiça, Perelman define justiça formal ou abstrata como
―um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial
devem ser tratados da mesma forma‖. 797Ressalta, contudo, o autor que a aplicação
da justiça formal seria simples, se se defrontasse com uma única categoria
essencial. No entanto, o mundo fenomênico evidencia que ―há várias categorias
essenciais independentes, que ocasionam categorias essenciais nem sempre
concordantes‖.798

794
Idem, p.111.
795
Ética e direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins
Fontes, 1996, p.08. Adverte, ainda, que: ―[...]quando uma voz neutra proclama a necessidade de uma
paz justa, todos os beligerantes ficam de acordo e afirmam que essa paz justa só será realizada
quando o adversário foi aniquilado. .Note-se que pode não haver nenhuma má-fé nessas afirmações
contraditórias. Cada um dos antagonistas pode estar sendo sincero e acreditar que sua causa é a
única justa. E ninguém se engana, pois cada qual fala de uma justiça diferente...Cada qual defenderá
uma concepção da justiça que lhe dá razão e deixa o adversário em má posição‖.(p.08).
796
Idem, p.14.
797
Idem, p.19. Acrescenta: ―Observe-se, imediatamente, que acabamos de definir uma noção
puramente formal que deixa intocadas todas as divergências a propósito da justiça concreta. Essa
definição não diz nem quando dois seres fazem parte de uma categoria essencial nem como é
preciso tratá-los. Sabemos que cumpre tratar esses seres não desta ou daquela forma, mas de forma
igual, de sorte que não possa dizer que se desfavoreceu um deles em relação ao outro. Sabemos
também que um tratamento igual só deve ser reservado aos seres que fazem parte de uma mesma
categoria essencial [...] ‖ (p.19).
798
Op.cit., p.34. Exemplifica o autor com a seguinte hipótese: ―Suceder-lhe-á, com muita
frequência, ficar em apuro: isso se dará todas as vezes que dois operários fizerem parte da mesma
categoria essencial do ponto de vista do trabalho, e de categorias diferentes do ponto de vista das
286

Entende, assim, o autor que se deve lançar mão da equidade


contextualizada por ele como a muleta da justiça. Ensina que:

Consiste ela numa tendência a não tratar de forma por demais desigual os
seres que fazem parte de uma mesma categoria essencial. A equidade
tende a diminuir a desigualdade quando o estabelecimento de uma
igualdade perfeita, de uma justiça formal, é tornado impossível pelo fato de
se levar em conta, simultaneamente, duas ou várias características
799
essenciais que vêm entrar em choque em certos casos de aplicação.

Assevera, porém, que somente a fórmula da justiça concreta


conseguirá verificar, na hipótese de dois indivíduos pertencentes à mesma
categoria essencial, como cada um deles deva ser tratado. Assinala que a igualdade
de tratamento propiciada pela justiça formal nada mais representa do que ―a
aplicação correta de uma regra de justiça concreta, que determina a forma como
devem ser tratados todos os membros de cada categoria essencial‖.800

Anota, ainda, que o regramento da justiça gera previsibilidade e


segurança. ―Permite o funcionamento coerente e estável de uma ordem jurídica.
Mas isto não basta para satisfazer a nossa necessidade de justiça. É mister que a
própria ordem assim realizada seja justa‖.801 Daí, muitas vezes, a necessidade de se
utilizar do recurso da equidade que, na lição do autor, deve ser enfocado como:

[...]um recurso ao juiz contra a lei; apela-se ao seu senso de equidade


quando a lei, aplicada rigorosamente, em conformidade com a regra de

necessidades, ou vice-versa. Que tratamento cumprirá aplicar-lhes? Todas as vezes se agirá de


modo formalmente injusto. Suponhamos que, de dois operários cujo trabalho é igual, um seja solteiro,
o outro pai de uma família numerosa. Tratando-os da mesma forma, é-se injusto porque o princípio o
qual segundo suas necessidades‘ exige que se dê mais àquele que tem encargos familiares do que
àquele que deve suprir apenas à própria subsistência. Tratando-os de forma desigual é-se injusto,
porque não se trata da mesma forma dois serem que fazem parte da mesma categoria essencial, do
ponto de vista da fórmula ‗a cada qual segundo suas obras‘. Estamos diante de uma das inumeráveis
antinomias da justiça...Elas nos incitam, de modo, por assim dizer irresistível, a afirmar que ajustiça
perfeita não é deste mundo‖ (p.34-35).
799
Idem, p.36-37. Complementa, lecionando: ―Contrariamente à justiça formal, cujas
exigências são bem precisas, a equidade consiste apenas numa tendência oposta a todo formalismo,
do qual ela deve ser complementar. Ela intervém quando dois formalismos entram em choque: para
desempenhar seu papel de equidade, ela própria só pode ser, pois, não-formal. Se desejarmos levar
em conta, na aplicação da justiça, duas características essenciais, se, ao tratarmos de modo idêntico
dois seres que fazem parte da mesma categoria essencial, determinada pela segunda característica,
a equidade nos incitará a não levar em conta unicamente a primeira característica na realização da
justiça.‖ (p.37).
800
Idem, p.42. Frisa acrescentando que: ―Quando o fato de pertencer à mesma categoria
essencial coincide com a igualdade de tratamento reservado a seus membros, nosso sentimento de
justiça formal é satisfeito. E, inversamente, assim que um tratamento igual é considerado justo, existe
uma categoria essencial à qual pertencem todos aqueles a quem é aplicado‖ (p.42-43).
801
Op.cit., p.162.
287

justiça, ou quando o precedente, seguido à letra, conduzem a


consequências iniquas. Isso pode ser explicado por três razões: a primeira
aquela a que Aristóteles alude é a obrigação de aplicar a lei a um caso
singular, no qual o legislador não pensara; a segunda se apresenta quando
condições externas, tais como uma desvalorização da moeda, uma guerra
ou uma catástrofe, modificam tanto as condições do contrato que suas
execução estrita lesa gravemente uma das partes; a terceira se deve à
evolução do sentimento moral, do que resulta que certas distinções, que o
legislador, ou o juiz que havia enunciado o precedente, havia
menosprezado no passado, se tornam essenciais na apreciação atual dos
fatos.802

Não se pode olvidar, contudo, as pertinentes críticas de Gustavo


Zagrebelsky sobre o esforço histórico da humanidade em definir justiça, diante da
antítese do justo e do injusto. Debruçando-se sobre o conceito de que justo é aquele
que tem uma conduta correspondente com a própria visão de vida em sociedade e
injusto, aquele que se posta contra tal comportamento, adverte que justiça, nesse
sentido:

[...] renuncia a sua autonomia e se perde nos ideais, nas ideologias ou nas
utopias. Se reduz a um artifício retórico para reivindicar esta ou aquela visão
política: a justiça proletária, a justiça étnica do nazismo, a justiça burguesa,
etc, cada uma apresentada como justiça autêntica, alternativa às demais
falsificações de justiça...por detrás do apelo aos valores mais elevados e
universais é provável que se oculte a mais despiedada luta pelo poder, o
mais material dos interesses. Quanto mais puros e sublimes são estes
valores, tanto mais terríveis são os excessos que tentam justificá-los.803

Tecendo comentários sobre as modernas teorias dos direitos


humanos, que, durante séculos, fomentaram discórdias científicas entre o mundo
laico e o mundo cristão, reconhece que os direitos humanos foram convertidos em
patrimônio comum da atual cultura política ocidental e tal fato somente se
concretizou ―a partir do momento em que as igrejas cristãs lhes atribuíram um lugar
eminente na teologia da fraternidade humana e na dignidade dos filhos de Deus‖. 804
No entanto, em caso de uma proposição de uma aliança entre as várias correntes

802
Idem, p.163. Acrescenta que: ―[...] o desejo de evitar consequências iníquas pode levar o
juiz a dar nova interpretação à lei, a modificar as condições de sua aplicação. Mesmo recusando ao
juiz o direito de legislar, é-se obrigado a deixar-lhe em nosso sistema, o poder de interpretação.
Graças ao uso que dele fizer, o juiz poderá, em certos casos, não se contentar com a interpretação
tradicional e com a aplicação correta da lei, em conformidade com a regra de justiça. Mas, para evitar
a arbitrariedade na matéria, ele terá de motivar especialmente as decisões que se afastam da
jurisprudência habitual‖ (p.166).
803
La idea de justicia y la experiência de la injusticia. In: ZAGREBELSKY, Gustavo; MARTINI,
Carlo Maria. La exigência de justicia. Tradução e apresentação de Miguel Carbonell.
Madrid:Editorial Trotta, 2006, p.18.
804
Op.cit., p.19.
288

dos direitos humanos, certamente haveria crescentes ―divergências justamente no


modo de entender a justiça sobre pontos cruciais‖. 805

Assevera Zagrebelsky que:

Não basta, portanto, que todos falem de direitos humanos, para estar de
acordo sobre a justiça. Também as teorias que se referem aos direitos
humanos, como qualquer outra teoria da justiça, não retiraram a pluralidade
de pontos de vista e de crenças e não estão livres da acusação ou da
suspeita de mascarar meros interesses, às vezes, e de forma terrível,
puramente econômicos. Assim, o mundo ocidental, nem mesmo os direito
humanos valem pacificamente como fundamento objetivo e indiscutido da
806
justa convivência entre os homens.

Quanto às concepções racionalistas de justiça iluminadas pelas


variantes utilitaristas centradas na fórmula ditada por Beccaria atinente à expressão
―A máxima felicidade dividida entre o maior número‖, adverte que, ao contrário, a
justiça é sintonizada, sobretudo, em favor da felicidade do menor número, dos
excluídos e repele, portanto, a ideia de que o bem de muitos é justo, mesmo que
com a infelicidade de poucos. Citando Iván Karamazov afirma que ―uma só lágrima
de uma criança inocente é um preço demasiado alto a pagar, inclusive para a
consecução da harmonia universal‖.807 Rebate, assim, a definição utilitarista de
justiça que não difere de nenhuma outra que se vale de fórmula universal, já que,
como todas revestidas de puro formalismo, ―também esta definição de justiça remete
a quem dispõe de força, para estabelecê-la. Mais que uma fórmula de justiça, é uma
máxima de poder‖.808

Estabelece, também, veementes criticas aos herdeiros do pensamento


jusnaturalista e utilitarista, que procuram não estabelecer o que seja justiça, e, sim,
como é possível que as pessoas possam chegar a uma definição, sem incorrer em
erro. Tais teorias de justiça procuram estabelecer as condições ideais para um uso
correto da própria faculdade de crítica, como, por exemplo, que seja garantida a
igualdade das posições iniciais de cada pessoa, a fim de que todos possam valorar
os problemas da justiça, sem considerar eventuais vantagens ou desvantagens
imediatas que possam defluir para alguns, já que ―igualdade e ignorância deveriam
assegurar que as valorações não sejam distorcidas pelo egoísmo. Assinala que: ―A

805
Idem, ibidem.
806
Idem., p.20
807
Idem, ibidem.
808
Op.cit., p.21.
289

convicção de que a justiça é uma ideia bela e pronta, para brotar da cabeça dos
homens de forma tão veloz, de forma as protegê-los das perturbações conceituais, é
a quinta essência do mais ingênuo racionalismo‖. 809

Zagrebelsky critica, até mesmo, John Rawls, na afirmação de que


justiça, como equidade, pressupõe o culto aos princípios dotados de razoabilidade,
que são os mesmos que são representados, racionais e sujeitos a vínculos
razoáveis, que os próprios cidadãos adotariam, para regular suas instituições
fundamentais. Explicando o que são vínculos razoáveis, Raws menciona que são
aqueles que postam os representantes dos cidadãos numa posição simétrica, pelo
fato de representá-los enquanto livres e iguais, e não por serem membros de
determinadas classes sociais ou mesmo dotados de específicas características, ou,
mesmo seguidores de determinadas concepções do bem.

Aprimorando sua tese da teoria da justiça como equidade, ensina John


Rawls que foi ela redigida embasada na concepção de que ― [...], a concepção
pública da justiça deveria ser, tanto quanto possível, independente de doutrinas
religiosas e filosóficas sujeitas a controvérsias...a concepção pública da justiça deve
ser política, e não metafísica‖.810

Acrescenta que sua teoria reveste a justiça de uma concepção política.


Ensina que tal concepção é moral e se direciona às instituições econômicas, sociais
e políticas, as quais ―constituem um só sistema unificado de cooperação social‖. 811

Rebate Zagrebelsky a aludida tese, não só pelo fato de o aludido


autor não ter esclarecido quando esta posição poderá ser alcançada, mas também
sob o fundamento de que a Justiça mostra o seu verdadeiro roso, ― [...] nas
desgraças sociais e deste ali grita ao céu e aos homens. Consequentemente é
ingénua a ideia de que a luz racional dos homens livres de vínculos conduza
automática e univocamente ao bem e à justiça‖ .812

Observa, no entanto, o mestre italiano que a justiça não expressa uma


palavra vazia. Ao contrário, ensina que todos têm fome e sede de justiça como fala
o Sermão da Montanha, mas não se pode falar de justiça no território em que foi

809
Idem, p.22.
810
Justiça e democracia. Tradução de Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2002,
p.202.
811
Op.cit., p.203.
812
Idem., p.23.
290

suprimida ou restringida a liberdade. Com efeito: ―Justiça e liberdade, como


exigências existenciais, mostram, dessa forma, que estão implicadas, que não se
pode lograr uma sem a outra: não há justiça sem liberdade de persegui-la; não há
liberdade sem uma justiça que mereça ser perseguida‖.813

Leciona, contudo, que a expectativa de justiça aflora da experiência da


injustiça e da dor que dela decorre. Esclarece que, se a humanidade não dispõe de
uma fórmula de justiça, é muito mais fácil detectar a injustiça inserida na exploração
do homem, na coisificação dos seres humanos. Frisa que há divergências no que
tange às estratégias que se deve seguir, para assegurar, de forma eficaz, a
concreção da justiça. Assegura que: ―A justiça vem antes que a política, a política é
uma função da justiça, e não a justiça da política, ou melhor dizendo, a injustiça não
pode ser o meio de nenhuma política;, por mais alto e nobre que seja o ideal que tal
política persiga.‖814

Enfrentando a questão da justiça, como legalidade, ensina que não se


pode concebê-la desta forma, porque significaria transferir à lei as inquietudes sobre
a justiça. Adverte que a legalidade tem muito pouco ou nada a ver com a justiça.815

Quanto à justiça formal irradiada do Poder Judiciário, frisa que a


sujeição do juiz à lei, e tão somente à lei constitui uma das pilastras de grande parte
das constituições vigentes, numa inequívoca demonstração de patentear uma
separação da esfera do direito da esfera da justiça. Constata, porém, que a lei pode
conter qualquer conteúdo e se corre o risco da pura reverência a ela de se admitir
um ordenamento que se funda sobre a injustiça. Alerta, ainda, para o fato de que,
nestes termos, ―estaremos dispostos a considerar como ‗estados de direito‘ também
aqueles em que os juízes aplicam leis que têm o propósito de ‗legitimar‘ a
arbitrariedade dos poderosos.‖816

Contesta, assim, tal afirmação, citando, como exemplo, o controle da


razoabilidade das leis pelos tribunais constitucionais, que vem sendo exercida de
forma ampliativa, sem previsão legal expressa. Assevera, por oportuno, que a
inserção, nas Cartas constitucionais, dos princípios protetores de justiça constitui

813
Idem., p.25.
814
Idem., p.27.
815
Idem, p. 29.
816
Idem, p.32.
291

inequívoca demonstração de que ―a justiça não se esgota na legalidade e de que o


legislador deve dar conta diante de uma instância superior de justiça‖. 817

Não ignora o autor também a questão da justiça distributiva que


objetiva buscar uma divisão igualitária entre os recursos comuns da sociedade, no
sentido de estabelecer uma sociedade mais justa, sob o ponto de vista material, sem
a presença de ressentimentos ou, mesmo, inveja pela fortuna alheia. No entanto,
ressalva o autor que esta justiça não aponta quais são os recursos que podem ser
distribuídos e qual o critério para a sua distribuição.818

No que tange à justiça retributiva, em que se paga o mal com o mal, o


bem com o bem, consubstancia-se numa função de aplicar sanções e estabelecer
recompensas. Explica que não se trata de construir uma sociedade justa, e, sim,
com o restabelecimento ―de um equilíbrio particular (no bem ou no mal) entre dois
sujeitos. Não é uma virtude ativa que leva a fazer o bem e a atuar espontaneamente
segundo a justiça.‖819Acrescenta que: ―É uma virtude reativa que tem como
finalidade a satisfação do dano sofrido ou a recompensa do bem recebido, para que
tudo volte a estar como antes.‖ 820

Apesar de não ter construído nenhum teorema sobre justiça lança o


seguinte postulado da experiência de justiça. Leciona o grande mestre italiano que:

Porém o só fato de ter fome e sede de justiça, reconhecendo aos outros –


em primeiro lugar aos débeis, os perseguidos, os excluídos que olham ao
céu com as mãos vazias – a legitimidade da pretensão de justiça, significa
compartilhar humanidade da pretensão de justiça, significa compartilhar
humanidade e dignidade, portanto, a igualdade de direitos e dos deveres;
significa dar a conhecer os menosprezos, violências e humilhações, entre
as pessoas que reclamam atenção. Esta atitude prática é a experiência da
justiça. Justo não é quem está convencido de tê-la encontrado. Este
pensará que crê na justiça e que está a seu serviço, porém, na realidade
acreditará em si mesmo e servira a seu próprio orgulho. E quanto mais
sublime lhe pareça sua ideia, tanto mais disposto estará a qualquer tipo de
prepotência para torná-la realidade.821

Carlo Maria Martini, debruçando-se sobre a justiça social ou


distributiva, tece crítica atinente à sociedade moderna, uma vez que a humanidade
não obteve, ainda, o bem estar, progresso e trabalho para todos os povos, bem

817
Idem, p.34.
818
Idem, p.35.
819
Idem, p.36.
820
Idem, ibidem.
821
Op.cit., p.44.
292

como a paz e a liberdade democrática. Anota que: ―em alguns sistemas sociais
existe pleno emprego, mas modestos recursos para todos, sem liberdade; noutros
existe liberdade plena de mercado, mas também bolsões de miséria e de
desemprego‖.822Após elaborar seu libelo contra a enorme distância econômica e
financeira entre privilegiados e excluídos, com acentuado sofrimento para milhares
de homens, mulheres e crianças, proclama que tal situação demonstra o escândalo
de uma sociedade humana ―que, apesar de ser inteligente, penetrante, tecnicamente
quase perfeita, não encontra os meios para fazer triunfar o que seria razoável e útil,
ou seja, uma equitativa distribuição dos bens, com liberdade, progresso, trabalho
para todos.823

Analisando, com percuciência, o evangelho de Jesus Cristo, ensina


que o filho de Deus deixou, como legado, a doutrina de que muitas injustiças têm
suas raízes no coração do homem e é em seu interior que se deverá buscar a cura.
Afirma, ainda, que jamais conseguirá compreender a justiça da cruz, porque o seu
significado está acima do entendimento da razão humana. Ensina que Jesus Cristo
carregou, sobre si mesmo, os pecados do mundo e suas consequências, exortando
o home pecador a mudar o coração. Acrescenta que:

Na visão evangélica é Deus mesmo quem em Jesus compromete-se com os


sofrimentos do mundo, deixando-se ferir e ser humilhado por um acúmulo
de injustiças, amando os homens injustos e perdoando-os desde a cruz,
oferecendo-lhes uma vida nova de justiça e de mansidão, no compartilhar
os sofrimentos, no desinteresse e no amor gratuito.824

Não se pode desconsiderar, também, a percuciente contribuição de


Ronald Dworkin para ao tema, especialmente no que tange à função jurisdicional de
edificar a justiça.

Em sua obra A Justiça de Toga, cita Oliver Wendell Holmes,


considerado um dos quatro melhores juízes norte-americanos da Suprema Corte de
todos os tempos. Afirma o autor que o ilustre magistrado, ao dar carona, certa feita,

822
A justiça da cruz. In: ZAGREBELSKY, Gustavo: MARTINI, Carlo Maria. La exigência de
justicia. Tradução e apresentação de Miguel Carbonell. Madrid: Editorial Trotta, 2006, p.57.
823
Op.cit., p.58.
824
Op.cit., p. 61. Observa, ainda, que Deus ―não pretende constituir um sistema jurídico, mas
somente inspirar algumas atitudes de fundo, capazes de suscitar ações e gestos dirigidos a evitar
muitas injustiças, a criar um pouco mais de justiça, uma justiça possível - como disse o professor
Zagrebelsky - , naturalmente com essa rreserva escatológica proposto pela fé e na qual também Jó
encontrará a paz‖ (p.61).
293

ao jovem Learned Hand, que mais tarde também se tornou um dos grandes juízes
norte-americanos, protagonizou uma frase emblemática no momento em que foi
provocado por Hand. O Caronista, ao descer da carruagem que conduzia o
magistrado à Suprema Corte, saudou-o alegremente com a seguinte provocação:
―Faça justiça, juiz!‖. Holmes, então, imediatamente determinou que o condutor
parasse a carruagem e, debruçando-se sobre a janela, disse ao aludido jovem: ―Não
é esse o meu trabalho‖.825

De fato, a observação de Holmes é interessante, porque a prestação


jurisdicional não pode ser enfocada como sinônimo de justiça, pelo menos no seu
sentido filosófico de justiça absoluta , de justiça perfeita.

Apenas apegando-se à realidade brasileira, em 2013, tramitaram no


Judiciário brasileiro, 95.000.000 de processos e, no aludido ano, foram distribuídos
25.000.000 de casos novos, fora a distribuição feita ao Supremo Tribunal Federal.
Considerando que, no Brasil, há 16.500 juízes e considerando que no referido ano
foram proferidas vinte e cinco milhões de sentenças, cada um deles proferiu, em
medida, 1.600. Também o STF recebeu, no ano de 2013, 44.170 processos, sendo
que os onze ministros proferiram 85.000 decisões, dentre as quais 72.167 foram
monocráticas e 12.833 colegiadas.826

Como os juízes têm metas a cumprir, sob pena de estrangulamento da


sua própria vara cível ou criminal, nem sempre a referida prestação jurisdicional vem
revestida da devida justiça.

Não se pode admitir, evidentemente, a despeito da situação delicada


vivenciada pelo Judiciário, a indiferença pela causa, a pressa desmedida de julgar e
a abdicação do acerto da decisão.

Como bem acentuou a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, Vice-


Presidente do Supremo Tribunal Federal:

Temos de ter a mesma pressa da sociedade. Não devemos andar nem tão
depressa a ponto de irmos na frente nem tão devagar de forma a ficar para

825
A justiça de toga. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2010,
p.03.
826
Dados extraídos do discurso de Ricardo Lewandowski na posse de Presidente do STF.
Brasília: STF. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/discursoMinistroRL.pdf . Acesso em:
10/09/2014
294

trás. Temos de saber qual o ritmo de exigência da sociedade e como,


dentro da lei, promoveremos a reinvenção do Estado, que é palavra a ser
pregada. É preciso uma reinvenção institucional para dar uma resposta
eficaz ao cidadão que nos põe lá para que se faça o que é preciso ser feito.
O Estado brasileiro é devedor e , sendo devedor, cada vez mais vira alvo de
insatisfações. A vida é tão passageira que digo que meu lema é felicidade
já, justiça já. Ninguém está com paciência de esperar. O cidadão trabalho e
quer ter educação, saúde e justiça rápida, não aceita mais essa realidade
que lhe é oferecida. Desconhece, porém, o que leva à demora nas
decisões. 827

O filme ―12 homens e uma sentença‖, a despeito de originário do


sistema common law, constitui um estandarte a ser seguido pelos magistrados.

O filme, que se passa inteiramente no interior da sala do júri de um


Tribunal americano, na cidade de Nova York, tem a sua cena inicial na sala de
audiências, quando o Juiz, de forma clara, orienta os doze jurados para a regra para
a definição do veredicto, o qual poderia conduzir o réu à pena de morte pelo crime
de homicídio, contra o seu próprio pai. Os jurados só deveriam condenar ou absolver
o réu quando tivessem certeza do veredicto e, em caso de dúvida ou discordância
quanto a sua culpa ou inocência, deveria utilizar-se do bom senso, até que existisse
unanimidade de veredictos entre todos os doze jurados.

Recolhidos à sala do júri, os doze jurados fizeram uma votação


preliminar, antes mesmo de discutir quaisquer aspectos, apenas para conhecer o
entendimento prévio de cada um. Apesar de onze votos nominais direcionados à
condenação, um deles, de nome Davis, representado pelo ator Henry Fonda,
declarou entender ser inocente o réu. E, em seguida, fez este jurado questão de
salientar que ele não tinha certeza da inocência do réu; mas que também não estava
convicto quanto a sua culpa, pelo assassinato do seu próprio pai.

Davis, então, fez uma proposta aos demais onze jurados. Que a
votação fosse refeita entre eles e, se os onze, em votação secreta, depois de
ouvidas as suas ponderações, mantivessem, por unanimidade, a votação pela
condenação, ele acompanharia os demais.

Ingressa, no entanto, no cenário, o nono jurado, o mais idoso entre


eles, Mc Cardle, que acompanha Davis no reconhecimento da inocência do
acusado. Com 10 votos pela condenação e dois pela absolvição, os jurados são

827
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Temos de ter pressa. Veja, São Paulo, edição 2.391, ano
47, n.38, p.15-19, 17 set.2014. Entrevista concedida a Mariana Barros.
295

forçados a ouvir, novamente, Davis e, agora, o jurado idoso; e, após várias


discussões e demonstrações da fragilidade probatória, aquele clima de condenação
pouco a pouco se inclinou pela absolvição do acusado. Mais uma vez, quando a
votação estava 09 votos para absolvição e 03 votos para condenação, quando os
jurados já insistiam em chamar o juiz, para que anulasse o julgamento, pela
ausência de unanimidade, entrou, em cena, a sensibilidade do jurado idoso, que, ao
provocar outro jurado que usava óculos e que estava recalcitrante em alterar o voto,
para absolver o acusado, levando-o a verificar que tinha uma marca no nariz
deixada pelos seus óculos e que a testemunha, mulher, que dizia que viu o acusado
matando o pai pelas janelas dos dois últimos vagões do trem que passou próximo ao
local, no exato momento do homicídio, também tinha marca no nariz, característica
do uso contínuo de óculos e, como estava deitada no momento dos fatos e levantou-
se repentinamente, para visualizá-lo, possivelmente não teria colocado os óculos e,
assim, não se podia afirmar que ela teria visto, com certeza, o acusado desfechando
facadas no seu pai. Este argumento do jurado idoso foi fundamental, para alterar o
voto dos jurados recalcitrantes, fazendo com que todos os jurados, de forma
unânime, proclamassem a inocência do acusado.

É digno de nota o fato de que os jurados, em sua maioria, não estavam


preocupados com o destino do acusado e queriam, de forma protocolar, proclamar,
com a maior urgência possível, a sua condenação. Aliás, o calor da sala secreta, a
indiferença e os compromissos sociais que alguns tinham naquele dia, conspiravam
contra a vida do acusado. Embora o personagem Davis fosse importantíssimo para
sensibilizar os jurados, em sua contundente verbaração das provas apresentadas
pelo Ministério Público, a atuação do jurado idoso, Mc Cardle, também foi
extremamente relevante, não só na segunda votação dos jurados, que passou a
acompanhar Davis, como também os seus argumentos finais, para persuadir os
jurados recalcitrantes quanto à absolvição. Não foi por outra razão que ambos os
jurados encerraram o filme, despedindo-se na porta do tribunal. Agregue-se, por
oportuno, que o diretor deixou evidenciada no filme, a humilhação que sofreu o
jurado idoso por parte dos jurados mais jovens, não só quando alterou o seu voto de
condenação para absolvição mas também quando argumentava com o possível erro
da testemunha, que dizia que tinha visto o acusado esfaquear o pai. Isto demonstra
que, numa sociedade do descartável, até mesmo no Judiciário, o idoso acaba
296

sofrendo comportamento ofensivo à sua dignidade. Mas o filme deixa uma reflexão
muito mais impactante: se não fosse a sensibilidade de dois jurados, aquele jovem
seria condenado à sentença de morte.828 Assim, a realidade demonstra que não são
poucas as sentenças desprovidas de justiça.

Muito a propósito, vale relembrar-se a contundente crítica de Jorge


Bacelar Gouveia direcionada à justiça legal de Portugal – que também se amolda ao
Brasil - assinalando que:

A gravidade da situação que se vive em Portugal – e muito provavelmente


noutros países – não pode ser escondida da conexão que mostra ter com a
própria crise do Direito enquanto ordenamento que aspira à Justiça e à
segurança, a todos garantindo a paz social, com base no acordo que todos
lhe dão numa óptica de contrato social...É que para os cidadãos a realidade
da Justiça deixou de constituir algo plenamente respeitável, que a se deve
depositar a esperança de que só a respectiva intervenção, nos afasta das
sociedades selvagens, nestas vigorando a lei do mais forte e em cujo
contexto a justiça privada é sinônimo de não justiça...Não é, pois, de admirar
que a reação social à actual Justiça seja a da proliferação de esquemas
alternativos de resolução de litígios, multiplicando-se a justiça privada que
perigosamente vai corroendo os alicerces do Direito, tudo em nome da
eficiência da decisão.829

Retornando aos argumentos de Ronaldo Dworkin, provoca o autor se


os juízes devem utilizar critérios morais em suas decisões. Argumenta que não se
trata de ―uma questão sobre o modo como a moral figura na identificação do direito,
mas sim de uma questão sobre quando, se é que alguma vez a moral exige que os
juízes atuem de modo independente da lei, ou mesmo que a contrariem‖. 830

O autor cita as recomendações formuladas por pensadores de que,


em casos raros, os juízes podem apegar-se ao dever moral de repudiar a lei,
quando esta for muito injusta ou mesmo insensata, visando a impedir a injustiça.
Admite, debruçando-se sobre tais recomendações, que, de fato, em situações
excepcionais, os juízes devem ―repudiar ou ignorar a lei naquilo que fazem, mas
devemos contar com uma expectativa permanente de que não agirão desse modo,

828
12 homens e uma sentença. Direção de Sidney Lumet. Produção de Henry Fonda e
Reginaldo Rose. Manaus: Sony Dadc, 2013. DVD. 96 m.
829
A crise da justiça – a evidência de uma crise cultural? In: HOMEM, António Pedro Barbas:
GOUVEIA, Jorge Bacelar (Orgs.). O debate da justiça: estudos sobre a crise da justiça em
Portugal. Lisboa: Vislis Editores, 2001, p.184-185.
830
Op.cit., p.28.
297

de que decidirão de acordo com o que consideram que as proposições verdadeiras


de direito exigem ou permitem‖ 831.

Após reafirmar sua crítica histórica ao positivismo, reiterada em relação


a Coleman e Raz, pelo fato de os positivistas832 não conseguirem explicar a razão
de que ―as pessoas que discutem o conteúdo do direito se baseiam em
considerações morais,‖833 ensina que ―os juízes frequentemente refletem sobre a
moral, para chegar a suas decisões‖. 834

Adverte Dworkin que os juízes enfrentam, muitas vezes, casos difíceis


e que o direito posto não ilumina o magistrado quanto à sua melhor decisão. Ensina
que tanto os positivistas como antipositivistas devem enfrentar a questão sobre
quais tipos de argumentos podem ser utilizados para a resolução do caso concreto.
Entende que o limite admissível para o argumento judicial decorre do
interpretacionismo835. Anota que os juízes não podem utilizar-se de convicções
e/ou objetivos religiosos em suas decisões, já que tais convicções ―não podem fazer
parte de uma justificação geral e abrangente da estrutura jurídica de uma
comunidade pluralista, liberal e tolerante.‖.836 No entanto assevera que: ―Esse limite
interpretativo não pode, contudo, excluir as convicções morais por considerá-las
distintas das convicções religiosas‖.837 Assinala, ainda, de forma veemente que:
A biografia intelectual de um juiz não é um argumento jurídico. Porém, se
significa que um juiz não pode introduzir quaisquer opiniões morais
controversas em seu julgamento, pois assim ele estaria citando pontos de
vista morais que ele, mas não outros, considera certos, estaremos diante de
uma exigência impossível. Não há nenhuma concepção de direito –
positivista ou interpretacionista – na qual os juízes de comunidades
pluralistas complexas possam se basear para fazer frente a suas
responsabilidades institucionais, sem levar, em conta, as convicções morais
controversas.838

831
Op.cit., p.29.
832
Agrega que, dentre as teorias jurídicas, há ―as teorias positivistas do direito, que insistem
em que aquilo que o direito de qualquer jurisdição exige ou permite é apenas uma questão social de
fato, e as teorias anjtipositivistas, para as quais aquilo que o direito exige depende às vezes não
apenas de fatos sociais, mas também de questões normativas que incluem as questões morais‖
(p.342).
833
Idem, p.265.
834
Idem, p.334.
835
Complementa o autor afirmando que o interpretacionismo ―[...] também pressupõe que os
juízes inovem em seus julgamentos de moralidade política nos casos difíceis, orientando-os a buscar
um equilíbrio interpretativo entre o conjunto de decisões legislativas e judiciais que representam a
estrutura jurídica e os princípios gerais que parecem constituir a melhor maneira de justificar essa
estrutura‖(p.355).
836
Idem, p.359
837
Idem, ibidem.
838
Op.cit., p.359-360.
298

Sugere o direito como integridade, para superar o problema


interpretativo. De acordo com tal concepção, ―as proposições jurídicas são
verdadeiras e constam, ou se derivam, dos princípios de justiça, equidade e devido
processo legal, que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica
da comunidade‖.839Observa que:

A integridade não exige coerência de princípio em todas as etapas


históricas do direito de uma comunidade; não exige que os juízes tentem
entender as leis que aplicam como uma continuidade de princípio com o
direito de um século antes, já em desuso, ou mesmo de uma geração
anterior. Exige uma coerência de princípio mais horizontal do que vertical ao
longo de toda a gama de normas jurídicas que a comunidade agora fazer
vigorar...O direito como integridade, portanto, começa no presente e só se
volta para o passado na medida em que seu enfoque contemporâneo assim
840
o determine.

O direito como integridade, na visão de Dworkin, não escapou à


argúcia de Samantha Chantal Dobrowolski, para quem:

Dworkin concebe o Direito como integridade. Parte da suposição de que os


indivíduos possuem direitos ex ante, independentemente de sua estatuição
por ato de autoridade, que devem ser reconhecidos pelo julgador,
principalmente na decisão dos chamados ‗casos difíceis‘. É a chamada ‗tese
dos direitos‘[...]. Aliás, pode-se afirmar que a teoria de Dworkin pressupõe
quase uma indiferenciação entre Direito e Moral .841

Dworkin lança mão de um juiz imaginário perfeito, por ele denominado


Hércules, com capacidade sobre-humana, capaz de aceitar o direito como
integridade na busca da denominada tese da resposta correta, que se encontra no
direito preexistente. Trata-se de ―um juiz criterioso e metódico‖.842Reconhece que
este juiz hercúleo, hipotético, dotado de talentos extraordinários, só poderia ser
imitado por um juiz real até certo ponto, já que ―nenhum juiz real poderia impor nada
que, de uma só vez, se aproximasse de uma interpretação plena de todo o direito,
que rege sua comunidade‖.843

839
O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p.272.
840
Idem, p.273-274.
841
A justificação do direito e sua adequação social: uma abordagem a partir da teoria
de Aulis Arnio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.109 e 111.
842
O império do direito, p.288.
843
Idem, p.294.
299

Como consequência do direito como integridade, anota o autor que os


juízes, na medida do possível, devem admitir que:

[...]o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a


justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os
apliquem nos novos casos que se lhes apresentem, de tal modo que a
situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas
844
normas.

Ao equacionar a questão da justiça e da equidade centradas no direito


como integridade, afirma que, em determinados casos, o juízo da justiça e da
equidade vão caminhar juntos, mas, noutros casos concretos, tomarão rumos
diversos. Justifica a conclusão, afirmando que:

Os juízes terão ideais diferentes sobre a equidade, sobre o papel que, em


termos ideais, as opiniões de cada cidadão deveriam desempenhar nas
decisões do Estado sobre quais princípio de justiça aplicar por meio de seu
poder policial central. Terão opiniões diferentes, sobre a melhor solução dos
conflitos entre esses dois ideais políticos. É improvável que algum juiz se
arrisque a defender a teoria simplista de que a equidade deve ser
automaticamente preferida à justiça, ou vice-versa. A maioria dos juízes
pensará que o equilíbrio entre as opiniões da comunidade e as exigências
da justiça abstrata deve ser obtido de maneira diferente em diferentes tipos
de casos.845

Sobre os denominados casos difíceis ensina que o direito como


integridade, leva os juízes a encontrarem, ―em algum conjunto coerente de princípios
sobre os direitos e deveres das pessoas, a melhor interpretação da estrutura política
e da doutrina jurídica de sua comunidade. Tentam fazer o melhor possível essa
estrutura [...]‖.846 Explicitando o que sejam casos difíceis, ensina que:

Os casos difíceis se apresentam para qualquer juiz, quando sua analise


preliminar não fizer prevalecer uma entre duas ou mais intepretações de
uma lei ou de um julgado. Ele então deve fazer uma escolha entre as

844
Idem, p.291. Adverte, porém, que: ―O direito como integridade pressupõe ...que os juízes
se encontram em situação muito diversa daquela dos legisladores. Não se adapta à natureza de uma
comunidade de princípio o fato de que um juiz tenha autoridade para responsabilizar por danos as
pessoas que agem de modo que, como ele próprio admite, nenhum dever legal as proíbe de agir.
Assim, quando os juízes elaboram regras de responsabilidade não reconhecidas anteriormente, não
têm a liberdade que há pouco afirmei ser uma prerrogativa dos legisladores. Os juízes devem tomar
suas decisões sobre o ‗common law‘ com base em princípios, não em política: devem apresentam
argumentos que digam por que as partes teriam direitos e deveres legais ‗novos‘ que eles aplicaram
na época em que essas partes afirmaram, ou em algum outro momento pertinente do passado‖
(p.292/293).
845
Op.cit., p.299.
846
Idem, p.305.
300

interpretações aceitáveis, perguntando-se qual delas apresenta em sua


melhor luz, do ponto de vista da moral política, a estrutura das instituições e
decisões da comunidade – suas normas públicas como um todo.847

Verifica-se, desse modo, que, mesmo para os grandes pensadores, há


enorme dificuldade no sentido de apontar, de forma segura, o caminho a ser
palmilhado pelo julgador, na sua tarefa de edificar a justiça.

847
Idem, p.306.
301

2 O DIREITO FUNDAMENTAL DO ACESSO À JUSTIÇA

2.1 O acesso à justiça

Dentre os direitos fundamentais de suma importância contemplados


pela Constituição Federal, merece destaque o acesso à justiça imposto pelo artigo
5º, inciso XXXV, pois é por meio dele que se garante aos cidadãos a concretude de
todos os direitos fundamentais em eventual omissão ou lesão dos Poderes Públicos;
ou, mesmo, a tutela a qualquer outro direito e/ou interesse supostamente violado.

Acrescente-se que essa garantia não se resume ao ordenamento


jurídico interno. Com efeito, dispõe o artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos:

Art.10. Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa
e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de
seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal
contra ele.

O Pacto Internacional sobre Direitos civis e Políticos de 1966 também


disciplinou o acesso à justiça e, dentre outros artigos de relevância ao tema, merece
registro o preceito definido no artigo 14, que dispõe:

Art. 14.1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de


justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com
devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal
formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de
848
caráter civil [...].

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por sua vez,


disciplinou o instituto no seu artigo 8º, no âmbito das garantias judiciais, afirmando :

Art. 8º. Toda pessoa tem o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido, anteriormente, por lei, na apuração
de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que determinem
seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de

848
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm. Acesso
em, 18/01/2015.
302

qualquer outra natureza.

Pode-se afirmar, preambularmente, que o acesso à justiça consiste no


direito de ação que se reveste do poder jurídico atribuído a toda pessoa sujeita de
direitos de provocar a jurisdição, visando à satisfação de uma pretensão.849Esse
poder jurídico é ínsito ao indivíduo como um atributo de sua personalidade,
revestindo-se, assim, de um caráter nitidamente privado. Contudo a efetividade
desse exercício interessa, umbilicalmente, à comunidade, dando, assim, ao aludido
direito o caráter de público, de forma que, enquanto o indivíduo vê a ação como
instrumento de tutela da sua própria personalidade, a comunidade vislumbra o
referido instituto como ―o cumprimento de um dos seus mais altos fins, ou seja, a
realização efetiva das garantias de justiça, de paz, de segurança, de ordem e de
liberdade, consignadas na Constituição‖.850

É digno de nota o fato de que esse poder atribuído aos cidadãos, em


nossa Carta, assim como nas demais Constituições da ampla maioria dos Estados,
decorreu da luta secular dos cidadãos perante os Estados, para a concreção dos
nossos direitos fundamentais.

O acesso à justiça, por exemplo, nos séculos XVIII e XIX, em face da


postura absenteísta do Estado liberal burguês, ―era visto como um ‗direito‘ apenas
formal, egoisticamente reservado aos mais abastados que pudessem arcar com as
custas processuais‖.851 Com o advento do Estado social, no entanto, esse dever de
abstenção foi substituído pelo dever de agir, pelo dever de prestação, consolidando,
assim, o direito de ação. Se, antes, o acesso somente era permitido pela via
individualista, hodiernamente, o processo coletivo já se tornou realidade. 852

849
Cf. COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 4.ed. Buenos
Aires: Euros Editores, 2010, p.47.
850
COUTURE, Eduardo J. Idem, p.48. Acrescenta o ilustre doutrinador que ―A ação não
procura somente a satisfação de um interesse particular (uti singuli) mas também a satisfação de um
interesse de caráter público (uti civis). É muito significativo...que se possa afirmar que o cidadão que
promove a ação desempenha uma função pública, enquanto procura a vigência efetiva do direito em
sua integridade. O caráter público da ação outorga naturalmente um acentuado caráter público ao
direito processual‖ (op.cit., p.57).
851
LENZA, Pedro. Assistência jurídica , integral e gratuita e o fortalecimento da Defensoria
Pública na reforma do judiciário. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de
Jesus Lora (Coords.). Reforma do judiciário analisada e comentada: Emenda Constitucional
45/2004. São Paulo: Editora método, 2005, p.489.
852
Cf. MARTINS, Daniela Dias Graciotto. O acesso à justiça frente às crises do direito, da
Administração da Justiça e do Juiz. In: SIQUEIRA, Dirceu Pereira; OLIVEIRA, Flávio Luís de (Orgs.).
O acesso à Justiça. Birigui: Editora boreal, 2012, p.91.
303

Assinale-se que o Brasil somente permitiu a acessibilidade ampla à


Justiça com a Constituição de 1946, que estabeleceu, no seu artigo 141, § 4º, a
inafastabilidade do controle jurisdicional atinente a qualquer lesão de direito
individual. A Constituição de 1967 manteve o texto da inafastabilidade no seu artigo
150, § 4º. No entanto o Ato Institucional nº 05, de 03 de dezembro de 1968, excluiu,
da apreciação do Estado-Juiz, todos os atos praticados com fundamento no referido
ato institucional ou legislação dele decorrente, conforme expressa disposição
contida no artigo 11. A situação não se alterou com a Emenda nº 01/69, que
acabou cristalizando o aludido ato institucional. Com a Constituição de 1988, o
princípio do direito de ação voltou a vigorar no Brasil, petrificado no artigo 5º, inciso
XXXV, ―garantindo-se a todos o acesso à justiça, para postular tutela preventiva ou
reparatória relativamente a um direito, seja ele difuso ou coletivo‖.853

Acrescente-se que o direito de ação não se confunde com o direito de


petição, já que este consiste no direito de qualquer pessoa de efetuar reclamação
direcionada a todos os órgãos públicos, revestindo-se da característica da
informalidade. O direito de ação, por sua vez, pressupõe o preenchimento das
condições de ação, a demonstração do interesse processual, a possibilidade jurídica
do pedido, além da legitimidade de parte.854

Também se impõe a diferença entre ação e demanda. Enquanto a


primeira consiste no poder de invocar a prestação jurisdicional, a segunda implica
no ato praticado no momento em que se exercita o referido direito, ―isto é, o ato
inaugural do processo e do procedimento que nele se contém‖.855

Anota Gelson Amaro de Souza que não se pode confundir ação com
direito de ação, sendo que este preexiste àquela. Ensina que o direito de ação, por
ser preexistente à propositura da ação, é concebido num plano abstrato, enquanto a
ação é concreta. De fato, para que o cidadão tenha direito de ação, não é
imprescindível que tenha ele o direito material. ―Basta tão somente a existência
desse direito em abstrato, no ordenamento jurídico, que nada mais é do que o direito
objetivo‖.856

853
MARTINS, Daniela Dias Graciotto. Idem, p.92.
854
Cf. MARTINS, Daniela dias Graciotto. Idem, ibidem.
855
YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. 2.ed. São Paulo: Editora Perfil Ltda, 2006,
p.56.
856
Curso de Direito Processual Civil. 2.ed. Presidente Prudente: Data Juris, 1998, p.40.
304

Verifica-se, dessa forma, que não há necessidade de o cidadão que


provoca a função jurisdicional se revista da qualidade do verdadeiro titular do direito
material apresentado. O acesso à justiça, neste caso, pressupõe, tão somente, ―a
existência de um direito substantivo e sua titularidade‖.857

Como a ação está umbilicalmente ligada ao devido processo legal,


pode-se afirmar que essa se consubstancia, neste direito, ao devido processo legal,
revestindo-se de todas as garantias constitucionais ínsitas ao aludido
direito.858Neste sentido, o acesso à justiça deve ser lembrado sob duas angulações
relevantes. A primeira gravita sobre a igualdade de acessibilidade a todas as
pessoas, ao passo que a segunda se direciona a iluminar o sistema jurídico para
que produza resultados individual e socialmente justos.859

Lecionam Mauro Cappelletti e Bryant Garth que, se, outrora, o direito


ao acesso à justiça era visto como mero direito formal do cidadão de ―propor ou
contestar uma ação‖, o reconhecimento dos direitos sociais acessíveis a todos,
garantidos nas modernas constituições, elevou o referido acesso ao status de direito
fundamental social.860

Alertam, contudo, os aludidos doutrinadores que a efetividade do


acesso à Justiça, analisado por eles como completa igualdade de armas, sofre
graves percalços a se iniciar pelas altas custas judiciais, que desestimulam a lide
judicial, notadamente nos Estados que impõem o ônus da sucumbência ao vencido,
tornando, desse modo, o processo extremamente dispendioso. Também a ofensa ao
princípio da duração razoável do processo constitui grave vilipêndio ao efetivo
acesso à justiça. A demora na prestação jurisdicional ―aumenta os custos para as
partes e pressiona os economicamente fracos a abandonarem suas causas ou a

complementa o autor lecionando: ―Quando se propõe uma ação, este direito já preexistia; do
contrário, o autor seria julgado carecedor da ação...A ação, no plano processual, em verdade, é a
manifestação de direito público subjetivo, que o Estado reconhece aos jurisdicionados de invocação
da jurisdição‖ (p.38/39).No mesmo sentido, anota Eduardo J. Couture, lecionando : ―A ação, como
poder jurídico de provocar a jurisdição, existe sempre: com direito (material) ou sem ele; com
pretensão ou sem ela, porque todo indivíduo tem esse poder jurídico, mesmo antes que nasça sua
pretensão concreta. O poder de acionar é um poder jurídico de todo indivíduo em quanto tal; existe,
mesmo quando não é ele exercido efetivamente‖ (Op.cit., p.56).
857
TAVARES, André Ramos. Manual do Poder Judiciário brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2012, p.67.
858
Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica
processual. São Paulo: Malheiros, 2006, p.230.
859
Cf. CAPPELLETTI, Mauro: GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie
Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p.08.
860
Op.cit., p.13.
305

aceitarem acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito‖.861

Advertem, ainda, que as pessoas físicas ou jurídicas detentoras de


uma confortável situação financeira levam inequívocas vantagens nos litígios
judiciais, porque, além de poder pagar todas as despesas processuais, são
detentoras de naturais estruturas para suportar a morosidade processual. Essa
supremacia se faz sentir, também, no ônus imposto à parte de apresentar e produzir
provas que favoreçam, sobremaneira, os mais ricos.
Anotam que a aptidão para reconhecer um direito e propor uma ação ou, mesmo,
contestá-la, é reduzida na maior parte das pessoas comuns, que, além de ser
despossuídas de recursos financeiros, sofrem as agruras da educação deficiente,
além do inóspito meio e status social. Muitos não conseguem reconhecer que são
titulares de um direito juridicamente exigível. Constaram que tal incapacidade não
atinge apenas os pobres mas também grande parte da população, que desconhece,
por exemplo, direitos básicos dos consumidores. 862

Ensinam os ilustres professores que, além da ausência de


conhecimento dos próprios direitos, há, ainda, a barreira psicológica do pretenso
ofendido em procurar um advogado, pelo preconceito de que advogados, juízes e
tribunais são figuras opressoras, fazendo com que ―o litigante se sinta perdido, um
prisioneiro num mundo estranho‖.863

Há que se acrescentar, contudo, que o instituto da assistência judiciária


revelou um esforço digno de encômio dos países ocidentais em dar efetividade de
acesso à justiça aos mais pobres, sendo que a aludida reforma judiciária foi
desencadeada na década de 60 iniciando-se pelos Estados Unidos da América, por
meio do Office Economic Opportunity (OEO) e se espargiu por outros países, nos
anos 70. A França, v.g., em 1972, substituiu a sua arcaica assistência judiciária,
sustentada pelos munus honoficum, que recaía sobre os próprios advogados, pelo
securité sociale, em que os honorários advocatícios dos favorecidos pela assistência
judiciária são suportados pelo Estado. Também revisaram seus programas de
assistência aos pobres Suécia, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Holanda, Austrália,

861
Idem, p.20.
862
Idem, p.22-23.
863
Op.cit., p.24.
306

Itália e outros.864

Mais interessante, no entanto, do que apenas o investimento estatal na


advocacia dativa, é a estruturação das denominadas defensorias públicas, para
que a assistência judiciária possa não só ser revestida de uma política de Estado
mas que também este desenvolva agentes públicos vocacionados a propiciar, aos
pobres, efetivo acesso à justiça.

Neste sentido, o Estado brasileiro merece encômio dentre os demais,


por ter revestido a defensoria pública de status constitucional e como instituição
permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, com a responsabilidade
não só de realizar orientação jurídica aos necessitados mas principalmente de velar
pelos seus direitos humanos e de efetivar a defesa dos seus interesses de forma
integral e gratuita, tanto no âmbito judicial como na esfera extrajudicial, conforme
preconiza o artigo 134 da Constituição da República.

De fato, a orientação jurídica aos necessitados e a efetiva assistência


judiciária integral e gratuita , permitem o exercício pleno do direito de ação do
hipossuficiente, para que possa ele buscar a tutela do seu direito material
pretensamente violado. Pode-se afirmar que o princípio do acesso à justiça exercido
por meio da efetiva justiça integral e gratuita se reveste de fundamental importância
para a concreção da justiça social no âmbito processual, visando a amenizar,
muitas vezes, no caso concreto, a exclusão social e a miséria.865

Cappelletti e Garth enaltecem, ainda, a necessidade de se procederem


alterações legislativas ensejadoras de maior aproximação do Estado-Juiz com a
população, como o instituto da conciliação. Citam, como exemplo bem sucedido, as
Cortes de conciliação implantadas no sistema jurídico japonês, compostas por dois
membros leigos e, por pelo menos, um juiz, que têm por finalidade fomentar a
conciliação entre as partes, com a concreção de uma solução justa à lide. O mesmo

864
Cf. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op.cit., p.33-35. Esclarecem os autores que ―A maior
realização das reformas, na assistência judiciária, na Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha
Ocidental, foi o apoio ao denominado sistema judicare. Trata-se de um sistema através do qual a
assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos
termos da lei; os advogados particulares, então, são pagos pelo Estado. A finalidade do sistema
judicare é proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que teriam se
pudessem pagar um advogado‖. (p.35).
865
Cf. SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Efetividade do processo à Justiça à luz da reforma
do poder judiciário. TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesus Lora
(Coords.). Reforma do judiciário analisada e comentada: Emenda Constitucional 45/2004. São
Paulo: Editora método, 2005, p.51
307

exemplo vem senso seguido , com sucesso, pela França e Estados Unidos.866

Evidentemente, outros países, como o Brasil, vem se utilizando, com


sucesso, do instituto da conciliação, visando a não só propiciar o devido acesso da
população ao Estado-Juiz como também aliviar a sobrecarga de feitos nos pretórios,
com a apresentação de uma solução justa aos contendores.

O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 125, de 29


de novembro de 2010, instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento
adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.

Merece destaque, na aludida resolução, o artigo 7º, que impõe a todos


os tribunais a criação dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de
Solução de Conflitos, que devem ser compostos por magistrados da ativa ou,
mesmo, aposentados e servidores do Poder Judiciário. Assinale-se que os aludidos
núcleos poderão, até mesmo, centralizar as mediações penais dos denominados
Juizados Especiais Criminais ou de processos restaurativos, conforme se verifica no
artigo 7º, § 3º.

Fomentado pela aludida resolução, o Tribunal de Justiça de São Paulo


baixou o Provimento nº 1868/11, alterado pelo Provimento n 2000/12, criando o
Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos junto à
Presidência daquele órgão, com a atribuição, dentre outras, de instalar os Centros
Judiciários de Solução de Conflitos e cidadania no Estado de São Paulo. O Centro
Judiciário de Solução de Conflitos, em Segunda Instância e Cidadania, com atuação
na área cível, funciona na Praça João Mendes Júnior, 13º andar, na cidade de São
Paulo. Também já foram criados, em várias comarcas, os aludidos centros com o
escopo supra. Apenas para demonstrar a eficiência da conciliação, em 2014, na
semana nacional de conciliação, foram realizados 13.056 acordos no Estado de são
Paulo, envolvendo demandas patrimoniais, com o valor total de R$ 45.094.487,03
(quarenta e cinco milhões, noventa e quatro mil, quatrocentos e oitenta e sete reais
e três centavos).867

Além do instituto da conciliação, os professores já enfocados realçam,

866
Op.cit., p.83-87.
867
Tribunal de Justiça de São Paulo. Semana Nacional de Conciliação 2014. Disponível em :
http://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/SemanaNacionalConciliacao_2014.pdf. acesso em:
18/01/2015.
308

também, a necessidade de se estabelecerem alterações legislativas, estabelecendo


procedimentos especiais para as pequenas causas, em face da sua grande
importância social, notadamente por fomentar o acesso a tais juizados, das pessoas
comuns. Advertem, contudo, que há a necessidade da criação de foros que, de fato,
sejam atraentes não apenas do ponto de vista econômico mas, acima de tudo, que
os interessados se sintam à vontade e com confiança , ao se dirigirem a tais
unidades de Justiça.868

Muito mais do que o direito de ação, a Constituição Federal impõe que


o legislador e o Poder Judiciário garantam aos cidadãos o direito fundamental à
efetividade da tutela jurisdicional.

Assinale-se que o julgamento do mérito de um processo somente


atingirá a almejada importância, se o próprio direito material a que estiver atrelado
for concretizado e reconhecido pelo Estado-Juiz. Assim observado, o direito à
sentença ―deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos
capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa direito à
efetividade, em sentido estrito‖.869

De fato, o devido processo legal se consubstanciará, no caso concreto,


se o acesso ao processo for facilitado pelo Poder Judiciário, a fim de que se
sedimente uma ampla e eficaz proteção dos direitos materiais. Assim, ―sob a forma
substancial, garante uma ordem jurídica justa e, sob a forma procedimental a efetiva
tutela jurisdicional pretendida‖.870Há necessidade, ainda, de se garantir a todos os
cidadãos o acesso à ordem jurídica justa, bem como, à tutela jurisdicional devida.
―Todos devem ter acesso ao devido processo legal e, portanto, à ordem jurídica
justa, fazendo-se merecedores, quando necessário, da proteção outorgada pelo
Estado-Juiz‖.871

O legislador, assim, não pode estabelecer um processo formalista ao


extremo, sob pena de obstaculizar a efetivação do aludido direito fundamental,
violando o denominado princípio da proibição da proteção insuficiente.

Nunca é demais relembrar que ―Somente um processo justo pode

868
Op.cit., p.94-97.
869
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 3. ed, rev. E atual.
São Paulo: R.T., 2010, p.139.
870
LEAL, Fábio Resende. Op.cit., p.58.
871
LEAL, Fábio Resende. Idem, p.58-59.
309

proporcionar a ordem jurídica justa e o efetivo acesso à Justiça, com a efetivação do


direito material‖.872

O legislador também deve edificar um procedimento idôneo, visando a


assegurar a proteção dos direitos materiais, uma vez que o direito à proteção de que
gozam os cidadãos não se circunscreve tão somente ao reconhecimento de direitos
materiais mas também de normas processuais adequadas.

Ensina-se, neste sentido, que a proteção dos direitos fundamentais


pressupõe ―o direito à preordenação das técnicas à efetividade da tutela jurisdicional
as quais não são mais do que respostas do Estado ao seu dever de proteção‖. 873

Tal efetivação do direito fundamental em exame passa, também, pela


vinculação da jurisdição à concreção dos aludidos direitos, de forma que o Estado-
Juiz deve velar, não só pelo acesso à Justiça, nos termos aqui preconizados ―mas
também o de assegurar a efetiva aplicação do direito, especialmente dos direitos
fundamentais, seja nas relações entre particulares e o Poder Público, seja nas
relações tecidas exclusivamente entre particulares‖.874

Assim, como há o dever do Estado-legislador de editar normas


protetivas revestidas de direito substancial, bem como daquelas reguladoras de
técnicas processuais adequadas, a responsabilidade do Estado-Juiz também aflora,
no caso, como dever de prestação ao cidadão litigante, que almeja, no caso, uma
resposta ao vilipêndio ao seu direito fundamental.875

É necessário, contudo, para que o Estado-juiz possa cumprir sua


missão constitucional protetora dos direitos fundamentais que rompa com o

872
SOUZA, Gelson Amaro de; SOUZA FILHO, Gelson Amaro de. Processo e acesso à justiça.
In: SIQUEIRA, Dirceu Pereira; OLIVEIRA, Flávio Luís de. Acesso à Justiça. Birigui: Editora Boreal,
2012, p.231.
873
MARINONI, Luiz Guilherme. Op.cit. p.144.
874
MENDES, Gilmar Ferreira. Op.cit. p.120.
875
Observa Marinoni que "Essa prestação do juiz, assim como a lei, também pode significar,
em alguns casos, concretização do dever de proteção do Estado em face dos direitos fundamentais.
A diferença é que a lei é resposta abstrata do legislador, ao passo que a decisão é resposta do juiz
diante do caso concreto[...]a resposta do juiz não é apenas uma forma de dar proteção aos direitos
fundamentais, mas também uma maneira de se conferir tutela efetiva a toda e qualquer situação de
direito substancial, inclusive aos direitos fundamentais que não requerem proteção, mas somente
prestações fáticas do Estado (prestações em sentido estrito ou prestações sociais[...]o dever do juiz,
assim como o do legislador ao instituir a técnica processual adequada, está ligado ao direito
fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, compreendido como um direito necessário para que
se dê proteção a todos os outros direitos". (Op.cit., p.144-145).
310

paradigma da neutralização política edificada pelo positivismo jurídico formalista. 876

O simples acesso à Justiça, com as garantias citadas, deve estar


acompanhado da eficiência na solução dos conflitos, porque, diante da certeza de
―uma tramitação processual célere, justa e eficaz, o indivíduo poderá depositar sua
confiança no Poder Judiciário e exercer, dignamente, sua cidadania‖.877

Não se pode ignorar que o pleno acesso à justiça pressupõe o direito


de exigir que o julgador aprecie a causa integralmente, não podendo, portanto,
eximir-se de enfrentar pontos relevantes da lide apresentada.878

2.2. Do princípio da duração razoável do processo

Merece importância, por oportuno, em face da necessidade da


efetivação do direito fundamental, a aplicação do princípio da duração razoável do
processo judicial e administrativo.

Não se trata do dever de o juiz obedecer ao prazo normativo fixado na


lei processual. O direito à duração razoável do processo impõe ao juiz o dever de,
respeitada a paridade de armas, ―dar a máxima celeridade ao processo, assim como
não praticar atos dilatórios injustificados, sejam eles omissos ou expressos‖. 879

A Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004 introduziu


várias modificações no capítulo do Poder Judiciário e inseriu, no âmbito dos direitos
fundamentais, a positivação do princípio da duração razoável do processo, conforme
preceito emoldurado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, que deve

876
Cf. OLIVEIRA, Flávio Luis de. Concretização de políticas públicas na perspectiva da
desneutralização do poder judiciário.In: LUNARDI, Soraya (Coord.). Direitos fundamentais sociais.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p.98. Acrescenta o autor que "[...] a democratização da
administração da justiça é uma dimensão fundamental da democratização da vida social, econômica
e política. Essa democratização, portanto, não se deve limitar à constituição interna do processo e do
procedimento,pois, apesar de amplas, têm limites óbvios. Com efeito, o Poder Judiciário deve estar
apto a eliminar os obstáculos econômicos, sociais e culturais inerentes às diferentes classes ou
estratos sociais, de modo a ensejar a concretização dos direitos sociais". (idem, p.98-99).
877
DINALLI A.; ABEID, M. Beatriz N. Bergamo. Do acesso à justiça: o direito de cidadania e a
eficiência do Judiciário. In: SILVEIRA, Vladimir Oliveira da; MEZZAROBA, Orides (Coords.). Justiça e
o paradigma da eficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.15.
878
Cf. ARRUDA, Samuel Miranda. Op.cit., p.73. Anota, ainda, que: ―A prestação jurisdicional
só será efetiva se forem respondidas todas as questões encaminhadas ao crivo do Judiciário, o que
se consubstancia no princípio do non liquet‖. (p.73).
879
MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. 2.ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.28.
311

ser observado em todos os procedimentos administrativos e judiciais.

A prospecção histórica do aludido instituto, notadamente em um país,


como o nosso, de tradição romanística, leva o pesquisador ao Código de Justiniano,
cujo Imperador do Oriente, que era apaixonado pela teologia e pelo direito, já tinha,
à época, preocupação com a duração razoável do processo.880

Não se pode olvidar, ainda, do direito inglês, que, a partir do século XII,
passou a reconhecer a importância do aludido princípio, embora de forma
embrionária, conforme se verifica no Assize of Clarendon.881.

Leciona-se que a leitura do texto da Magna Carta leva, também, à


conclusão da preocupação daquele documento com a celeridade da atuação
jurisdicional, como na cláusula 40882, que dispõe :

40.O direito de qualquer pessoa a obter justiça não será por nos vendido,
recusado ou postergado. 883

No século XVII, advieram os institutos do Habeas Corpus ACT e do Bill


of Rights884. O regulamento do HC trouxe, de forma inegável, maior eficácia às
impetrações dos denominados writs, cujo documento sempre esteve vinculado ao
direito de liberdade. No entanto verificam-se no aludido documento histórico
―episódicas referências e preocupações com a morosidade dos procedimentos e a
particular necessidade de conferir rapidez aos julgamentos‖. 885

É digna de registro, também, a inserção no princípio enfocado no


direito norte-americano. Acrescente-se que a Declaração de Direitos de Virgínia
inseriu, pela primeira vez, a determinação de que o réu, nas ações penais, dentre
outros direitos, deveria ser julgado, com presteza, por um júri imparcial de sua
vizinhança, conforme se verifica no seguinte texto:
880
Adverte, no entanto, Samuel Miranda Arruda que ―Ao longo de todo esse caminho
evolutivo, o direito foi tendo sua estrutura profundamente modificada, até surgir, com força e
importância, como um dos mais debatidos direitos fundamentais processuais da contemporaneidade,
associado à garantia de acesso a uma justiça em crise crônica e identificado com a efetiva proteção
jurídica que por meio de seus tribunais, deve o Estado prestar. Reconheça-se, contudo, como o faz
Schlette, que as queixas com relação ao tempo de duração dos processos judiciais devem ser tão
antigas como a própria Justiça‖ (Op.cit., p.29).
881
ARRUDA, Samuel Miranda. Op.cit., p.29.
882
Cf. ARRUDA, Samuel Miranda. Idem, p.31.
883
Cf. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 9.ed.
São Paulo: Saraiva, 2015, p.97.
884
Declaração de Direito de 1689.
885
ARRUDA, Samuel Miranda. Op.cit., p.34.
312

8.Em todos os processos criminais ou que impliquem na pena de morte


(capital prosecutions), o réu tem o direito de saber a causa e a natureza da
acusação, de ser acareado com os acusadores e testemunhas, de produzir
prova em sua defesa, bem como de ser julgado, com presteza, por um júri
imparcial de sua vizinhança, o qual só pode considera-lo culpado pela
unanimidade de seus membros, sem que o réu seja obrigado a fornecer
prova contra si mesmo. Ninguém será privado de sua liberdade, a não ser
886
por força da lei da terra ou pelo julgamento de seus pares.

Mas, se a Declaração de Virgínia foi marcada pela primazia do speedy


887
trial clause aos procedimentos criminais, as declarações de Delaware e de
Maryland devem ser sobrelevadas, porque não houve apenas a preocupação com a
celeridade do julgamento das ações penais mas também reverenciavam tal cláusula
como ―um direito a ser respeitado também em procedimentos cíveis‖. 888Embora a
amplitude da aludida cláusula não tenha sido reconhecida, de início, na própria
Constituição dos Estados Unidos, que seguiu uma redação muito próxima da
Declaração de Virgínia, o direito local, sob a égide das colônias, fez referências à
celeridade processual, com pequenas variações entre elas, atendendo a
peculiaridades locais, de forma que se pode afirmar que o sistema anglo-saxão
sedimentou o direito à celeridade processual, de forma exemplar, na história do
direito.889 Deve ser anotado que, desde a promulgação da 6ªEmenda nos Estados
Unidos da América, no ano de 1791, a Constituição daquele país passou a exigir,
expressamente, a rapidez dos julgamentos, com a cláusula do speedy trial.890

Quanto ao direito lusitano, trasladado para o nosso território, é


imperioso observar-se que, já em 1314, sob o reinado de D.Diniz, foi editada uma
ordenação impondo, dentre outras reformas, o abreviamento das demandas na
Corte. Em 1331, foi instituída nova ordenação no mesmo sentido. Contudo, somente
no ano de 1352, em ordenação direcionada a todos os juízes do Reino, efetivou-se a
política de agilizar os serviços judiciais. As Ordenações Afonsinas, bem como as
demais não olvidaram do objetivo de abreviar os formalismos processuais, no
sentido de que os processos não fossem prolongados. A Constituição Portuguesa de
1826 já disciplinou, de forma mais explícita, no seu artigo 145, § 7º, a questão da
razoabilidade temporal das prisões processuais, o mesmo ocorrendo com a

886
Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Op.cit., p.131.
887
Cláusula de julgamento rápido (tradução livre).
888
ARRUDA, Samuel Miranda. Op.cit., p.37.
889
ARRUDA, Samuel Miranda. Idem, p.38.
890
Cf. JOBIM, Marco Félix. Op.cit., p.74.
313

Constituição de 1838.891

No Brasil, antes de 1988, tão somente a Constituição de 1946 teve


uma preocupação com a duração razoável do processo, no artigo 141, § 36.1, que
dispunha que ―A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições
públicas‖.

Tamanha importância gravita sobre o referido direito fundamental, que


alcançou status de direito internacional. Com efeito, os tratados internacionais o
consagram como importante direito de proteção do homem e de suas liberdades
fundamentais.

A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das


Liberdades Fundamentais(1950), dispondo sobre o referido direito fundamental,
estabelece:

Art. 6º.1 Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada,
equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente
e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a
determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o
fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela [...].

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), embora


preocupado com a persecução penal, dispõe no seu artigo 9º.3:

Art.9. 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração


penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra
autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de
ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão
preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a
regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que
assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos
os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.892

Também a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto


de San Jose da Costa Rica de 1969), dispondo sobre o princípio da duração
razoável do processo, assevera:

Art.8º1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias
e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente,

891
Cf. ARRUDA, Samuel Miranda. Op.cit., p.40-42.
892
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm. Acesso
em: 21/01/2015.
314

independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei [...].

Cite-se, ainda, a Carta Africana de Direitos Humanos que também


positivou o aludido princípio no artigo 7.1., alínea d, com a seguinte expressão
normativa:

Art. 7º.1 Toda pessoa tem o direito a que sua causa seja apreciada. Esse
direito compreende:
d) o direito de ser julgado em um prazo razoável por um tribunal
893
imparcial.

Frise-se que a Itália foi condenada, reiteradas vezes, pela Corte


Europeia por ofensa ao princípio da duração razoável do processo, o que levou
aquele Estado a alterar o artigo 111 da sua Constituição Federal, impondo um
processo justo e célere. Também, em 24 de maio de 2001, o parlamento italiano
aprovou a denominada "Legge Pinto", regulando a justa indenização ao litigante, na
hipótese de violação ao princípio supra, alterando, outrossim, a redação do artigo
375 do Código de Processo Civil, com o objetivo de dar maior celeridade aos
processos judiciais italianos.894

Por ser o Brasil signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e


Políticos, bem como do Pacto de San Jose da Costa Rica, grande parte da doutrina
esposa o entendimento de que o princípio da duração razoável do processo já se
encontrava inserido no ordenamento interno por força do artigo 5º, § 2º, da
Constituição Federal. No entanto trata-se de discussão já superada, em face da
positivação do aludido princípio trazida com a Emenda Constitucional nº 45/2004
(art.5º, inciso LXXVIII).

De fato, é direito de todos o acesso a um processo justo e equitativo


que garanta a efetividade dos direitos fundamentais. Aliás, ―é por meio do
provimento jurisdicional que se alcança a satisfação de direitos violados. A própria
prestação jurisdicional em tempo razoável é um ditame de justiça material‖. 895

893
Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.htm. Acesso em:
21/01/2015.
894
Vide, neste sentido, importante lição de Marco Félix Jobim (Op.cit., p.177-198).
895
CALHAO, Antônio Ernani Pedroso. Justiça célere e eficiente. São Paulo: Editora LTR,
2010, p.128. Em complemento, leciona o autor que: ―Vista sob a perspectiva do cidadão-utente, a
justiça contempla uma dimensão individualizável de proteção e resultado, considerada primária em
qualquer sociedade. Nessa premissa situa-se a razoabilidade temporal como um direito originário não
secundário ou procedimental, integrante do núcleo básico de garantias e da posição jurídica subjetiva
315

O direito fundamental em epígrafe alcança, não só os brasileiros,


como também os estrangeiros, além das pessoas jurídicas de direito público e
privado. Alcança, até mesmo, os entes despersonalizados, como a massa falida,
cujo processo tem, inclusive, tramitação preferencial.896

O desrespeito ao referido direito fundamental constitui inegável


violação ao princípio da proibição da proteção insuficiente. De fato, a prestação
jurisdicional tardia representa inegável injustiça, muitas vezes acarretando efeitos
deletérios aos interesses de uma ou de ambas as partes litigantes, com lesão
material e moral significativas.

Merece registro, por oportuno, a célebre lição de Rui Barbosa:

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.


Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das
partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes
tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua
culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de
reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio
pendente.897

Não se pode olvidar que o direito à proteção vincula e, até mesmo


submete o Estado a um direito prestacional direcionado à tutela dos direitos
fundamentais. Cabe ao Estado, portanto, assegurar aos cidadãos a devida proteção,
diante de eventual lesão perpetrada pelo poder público ou mesmo, pelo particular.
Obviamente a aludida tutela se faz, principalmente, pela via jurídica, estabelecida
pelo Estado-legislador. No entanto, a concreção da aludida defesa se perfaz, através
da prestação jurisdicional, que é denominada proteção jurídica em sentido estrito
porque se realiza, por meio da via judicial. Diversamente, a proteção jurídica, em
sentido amplo, alcança todas as ―demais formas de proteção através do direito‖. 898

substantiva de primeira grandeza[..]" (p.128).


896
Cf. JOBIM, Marco Félix. O direito à duração razoável do processo, 2.ed., rev. e ampl..
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.82-83. Explicitando a questão de o Estado ser também
titular do direito fundamental à duração razoável do processo, ensina que: "O Estado, apesar de ser
ele destinatário dos direitos fundamentais, acaba por, em certos casos, se tornar titular,
também[...]Assim, que pese ser o Estado o destinatário principal dos direitos fundamentais, encontra
ele, em alguns casos, também sua titularidade[...]Ora, não se pode deixar o Estado de fora do Poder
Judiciário caso exista alguma lesão contra si, como o não pagamento de um tributo, assim como não
se pode julgá-lo num processo sem lhe dar a oportunidade do contraditório e da ampla defesa,
conforme determina a Constituição Federal".(idem,p.83).
897
Oração aos moços. São Paulo: Martin Claret, 2004, p.53.
898
ARRUDA, Samuel Miranda. Op.cit., p.57.Complementa o autor, citando Larenz, que: ―o
conceito contemporâneo de tutela jurídica deve abranger não só a proteção dos cidadãos nas suas
316

É interessante observar-se que, a despeito do avanço das instituições


públicas e privadas, no século XXI e, até mesmo, do incremento de mediações
extrajudiciais, é inegável que a importância do Poder Judiciário foi sobrelevada,
notadamente no ativismo judicial direcionado à tutela dos direitos fundamentais. Isto
constitui um desafio enorme ao magistrado, que necessita reunir predicados, não só
de natureza moral e intelectual, mas também de eficiência na condução do
processo, para não frustrar a expectativa das partes a uma eficiente prestação
jurisdicional. Registre-se que a garantia da tutela judicial pressupõe uma maior
aproximação do Estado-Juiz com a sociedade e principalmente com a intervenção
eficiente do aludido poder.899

Frise-se que a eficácia da tutela jurisdicional deve ser revestida da


necessária garantia de que será ela cumprida de forma espontânea ou compulsória
e que seja proferida em tempo razoável.900 Registre-se que ―a impossibilidade de
uma resposta rápida às questões que lhe são colocadas acaba por tornar a função
jurisdicional incapaz de cumprir o papel que lhe é destinado... A justiça efetiva não
pode ser morosa nem açodada‖.901

Assinale-se que, no decorrer dos séculos, os cidadãos, que eram


revestidos do direito à existência de um processo instaurado na forma da lei,
passaram, também, a ser sujeitos de direitos de um processo justo e equânime,
consagrando assim, o princípio da igualdade de armas.902

Acrescente-se que o direito ao processo equânime, embora não esteja


literalmente contemplado na Constituição, como na Carta portuguesa, por exemplo,

relações jurídicas entre si, mas principalmente protege-los ante os atos de soberania estatal‖ (p.58).
899
Cf. ARRUDA, Samuel Miranda. Idem,p.61-63. Anota, em complemento: ― [...] no papel de
detentor do monopólio da Jurisdição e em atenção ao princípio do Estado de direito, compete ao
Estado organizar um sistema judicial amplamente acessível à população e apto à prestação de tutela
judicial efetiva. Por efetividade da tutela, compreenda-se, também, uma prestação jurisdicional em
tempo útil, uma proteção judicial temporalmente eficaz. O poder público deve garantir um serviço
judiciário eficiente, pronto a materializar o direito à tutela judicial‖ (p.95).
900
Observa Marinoni que: ―Quem recorre ao Poder Judiciário pode ser prejudicado de várias
formas pela demora do processo. Uma delas, e talvez a mais comum, verifica-se quando o autor
obtém a sentença condenatória mas não pode ter o seu direito à soma em dinheiro realizado em
virtude da dissipação dos bens do devedor...Mas, ainda que o autor possa ter, na execução, o bem
que persegue, a simples demora na sua obtenção é, por si só, fonte de dano‖ (Abuso de defesa e
parte incontroversa da demanda. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.25
901
ARRUDA, Samuel Miranda. Idem, p.74-75. Acrescenta que: ― [...] o tempo dificulta a
posterior pacificação do litígio trazido ao Judiciário, assim como contribui para disseminar um
sentimento de injustiça e certeza...Quando se analisa a violação de um direito fundamental o
gravame é ainda maior. O abuso prolonga-se no tempo e a função e também dever – de proteção
judicial dos direitos fundamentais resta negligenciada‖ (p.74-75.
902
Cf. ARRUDA, Samuel Miranda. Idem, p.83.
317

se encontra inserido no alcance extensivo do princípio do devido processo legal,


inserido no artigo 5º, inciso LIV. Frise-se que ―o constituinte não esgotou o rol de
direitos necessários à conformação de um processo justo, nem poderia tê-lo feito....é
preferível a busca de um sentido material de devido processo legal a uma sua
análise formal [...]‖.903

Quanto ao direito à prestação jurisdicional em tempo adequado,


observa-se que se encontra ele em harmonia com os princípios do devido processo
legal e processo equitativo. A irrazoabilidade do transcurso temporal do processo
não se coaduna com o princípio do processo justo.Com efeito, a morosidade da
prestação jurisdicional causa grave lesão à parte, quer pela dificuldade de defesa,
quer pela dificuldade em se produzir prova, havendo inegáveis efeitos deletérios ao
jurisdicionado, tanto na esfera patrimonial, como na psicológica.904

Para parte da doutrina, o princípio da duração razoável do processo,


embora se revista da natureza de um princípio processual constitucional, perde força
para o processo justo, já que o princípio da efetividade processual, como o da
duração razoável do processo, o da segurança jurídica, ―fazem parte sim de um
todo, anteriormente denominado de devido processo legal, mais atualmente sendo
modificada sua nomenclatura para processo justo [...].905

A nomenclatura sobrelevada de princípio do processo justo, aglutinador


dos demais, não pretende menosprezá-los. Leciona-se que a Constituição atua
sobre o processo, numa dupla via. Na primeira, estabelece a garantia pela
supremacia dos princípios e regras constitucionais, para assegurar a realização
dos seus valores na prática das atividades jurisdicionais, que nada mais significa do
que a concreção de um processo justo, com técnicas adequadas que garantam os
valores de igualdade, liberdade e dignidade humana. Na segunda via, a Constituição
ao assegurar um procedimento justo, com técnicas adequadas, legitima a própria
ordem constitucional.906

903
ARRUDA, Samuel Miranda. Idem, p.89.Leciona o autor que: ―o conceito de devido
processo legal, embora aberto e não estritamente delimitável, engloba um direito ao processo em
tempo razoável. Em outras palavras – para fugir a uma imprecisão conceitual cada mais característica
do tema -, é necessária uma avaliação da razoabilidade temporal do processo para determinar seu
enquadramento na categoria de devido processo ou justo‖ (p.94).
904
Cf. ARRUDA, Samuel Miranda. Idem,p.90.
905
JOBIM, Marco Félix. Op.cit., p.107. Anota: ―Por essas razões, o princípio que realmente
rege o processo civil atual é o do processo justo‖. (p.107).
906
MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Princípio constitucional da duração razoável do
318

Quanto às funções ínsitas ao princípio em exame, ensina-se que


recairá sobre ele as funções normogenética e sistemática, já que o preceito
constitucional é revestido de alto grau de abstração. Assim, em sua função
normogenética, o princípio citado vai iluminar o legislador na feitura de
procedimentos em que se harmonizem a imprescindível defesa com a simplificação
e o encurtamento temporal dos atos direcionados à celeridade processual. A função
de sistematização atua na inserção ―de valores reinantes para a sociedade e sua
irradiação para todo o sistema jurídico. 907

No que tange aos meios que garantam a celeridade da tramitação


processual referidos pelo artigo 5º, § LXXVIII, da Constituição Federal, leciona-se
que a aludida mensagem é direcionada ao legislador, que deve providenciar a feitura
de procedimentos mais céleres e que iniba a litigância de má-fé.908Anota Marinoni
que o legislador deve preocupar-se em dar ao Judiciário estrutura e instrumentos
adequados, para que a prestação jurisdicional seja levada a efeito em prazo
razoável. Dessa forma, a feitura de procedimentos adequados, para que o Estado-
Juiz possa agir num prazo adequado, é apontada como uma solução plausível. Cita,
como exemplo, o fato de se impor uma investigação probatória a direitos que
independem de provas para sua elucidação ou, ainda, que não dependa de outras
provas distintas da documental já apresentada. Acrescenta que o legislador deve
preocupar-se com a igualitária distribuição de tempo entre as partes já que de nada
vale instituir mecanismos normativos de maior celeridade ao processo, se o tempo é
jogado nas costas do autor, como se o prolongamento temporal dos atos fosse culpa
sua. ―Há que se distribuir o tempo entre as partes para se respeitar o princípio da
isonomia e a ideia de democracia subjacente à noção de processo‖.909

Anote-se que a instrumentalidade processual foi sobrelevada com o


direito fundamental da duração razoável do processo, acarretando, por conseguinte,

processo. In: LEITE, George Salomão: LEITE, Glauco Salomão (Coords.). Constituição e
efetividade constitucional. Salvador: Editora Podivm, 2008, p.27. Complementa o autor, afirmando
que: ―Não pode existir uma constituição justa e democrática com procedimentos incompatíveis com
os seus valores‖ (p.27)
907
Cf. MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Idem, p.35. Complementa, acrescentando: ―A função
dos princípios, nesse campo, está em ordenar o sistema, permitindo que haja comunicação entre os
vários elementos e possibilitando que haja comunicação entre os vários elementos e possibilitando
que o conteúdo e alcance das normas se dê de forma coerente‖ (p.36).
908
Cf. MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Idem, Ibidem.
909
MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. 2.ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.33.
319

a relativização da forma, de modo que a sanção da ineficácia do ato processual, por


eventual defeito de forma, somente será levada a efeito, quando causar prejuízo de
natureza material e procedimental.910

Leciona-se que, em face da positivação explícita do aludido direito


fundamental e a determinação constitucional de que o Estado deve providenciar os
meios que garantam a celeridade processual, eventual omissão no dever de prestar
a jurisdição num lapso temporal razoável, acarretará inegável responsabilidade do
Estado.911

Este dever do Estado em prestar a jurisdição tempestivamente por


decorrer de um princípio constitucional, gera, inegavelmente, a responsabilidade
objetiva em caso de omissão do Estado-Juiz.

Sem desconsiderar os consideráveis prejuízos econômicos acarretados


na área cível e trabalhista pela intempestiva prestação jurisdicional, há, ainda, os
efeitos deletérios na área criminal, com fomento gravíssimo à impunidade e aos
próprios direitos individuais dos réus, que não podem ser vilipendiados pela omissão
estatal de julgá-los no tempo devido.

A grave situação vivenciada pelo Estado-Juiz no Brasil é de


conhecimento público e os efeitos da morosidade processual são por demais
catastróficos para as partes, como o idoso, que tem que aguardar o resultado da sua
demanda por vários anos, sendo que, em muitos casos, a aludida prestação
somente é realizada após a sua morte. Tomando, por base, o idoso, por exemplo,
este é duplamente violado nos seus direitos fundamentais. Não são poucas as
demandas interpostas em face do Instituto Nacional de Seguridade Social, pelo
descumprimento de comezinhos direitos previdenciários que o instituto deixou de
cumprir. Na esperança de obter a tutela judicial, esse mesmo idoso interpõe a ação
judicial e também não a recebe no tempo devido. É bem verdade que a Justiça

910
Cf. MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Op.cit., p.36.Complementa o autor: ―Nesse contexto,
o princípio da ampla defesa deve ser ponderado com o da duração razoável do processo, buscando
harmonização que conduza à prerrogativa de participação e influência na formação do juízo de valor
do julgador sem fetichismo ou meras formalidades. A visão moderna do contraditório, em cotejo com
a efetividade, leva à superação de uma visão clássica caracterizada por uma compreensão formalista
do contraditório, sem preocupação com a duração do processo (p.37).
911
Cf. MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Idem, p.38. Acrescenta: ―Se os parâmetros para o
processo sem dilações indevidas mostram que a atuação dos órgãos legislativos e julgadores são
importantes, a omissão do Estado, tanto na criação dos meios quanto na não utilização desses levam
à reparação dos danos causados pela excessiva (não razoável) duração do processo‖. (p.38).
320

Federal vem amenizando o aludido problema com a instituição dos Juizados


Especiais. Contudo há que se considerar que o aludido órgão padece de estrutura
adequada, para suportar a enorme demanda de litígios que afloram a cada dia, na
ampla maioria das vezes provocados por órgãos governamentais, como o INSS.

Considerando que, na fase dos 21 aos 69 anos, o homem consolida a


sua vida profissional, social e familiar, se necessitar ele acionar o Estado-Juiz e
aguardar a pretendida prestação jurisdicional pelo período de cinco, dez ou quinze
anos estará, em última análise, atrelado ao órgão jurisdicional pelo tempo de 10% a
30% da sua vida útil, cuja intempestividade com certeza lhe acarretará efeitos
deletérios na sua vida, afetando, inclusive, a própria saúde.912

Outra consequência negativa e preocupante da ofensa ao princípio em


exame gravita sobre o grau de confiança que a população deve cultuar em relação
ao Estado-Juiz. À medida que o Poder Judiciário não cumpre o seu dever
constitucional, prestando a jurisdição no tempo devido, evidentemente esse grau de
confiança sofre um impacto em demasia, levando o jurisdicionado a desacreditar
daquele órgão em que outrora depositara toda a sua confiança, no sentido de
resolver o seu pretenso direito material. Tal descrédito do Estado-Juiz, pode levar a
população a buscar outros meios, a fim de resolver suas lides, com ofensa a outros
direitos fundamentais. Podem ser citadas, ainda, outras consequências negativas do
descrédito do Judiciário, consistente no perecimento do direito do cidadão, que é
desestimulado a ingressar com a ação, bem como a falta de confiança de
investidores estrangeiros, que enfocam o Poder Judiciário brasileiro como um poder
frágil e precário.913

Diante da denominada crise do Judiciário adveio a Emenda


Constitucional nº 45 justamente com o escopo de dar maior eficiência à prestação
jurisdicional.

Além da positivação do princípio da duração razoável do processo,


foram realizadas inúmeras alterações na estrutura do Poder Judiciário, visando a dar
maior eficiência e celeridade às ações em todas as instâncias.

Dentre as medidas polêmicas introduzidas pela emenda supra destaca-

912
Cf. JOBIM, Marco Félix. Op.cit. p.134.
913
Cf. JOBIM, Marco Félix. Op.cit., p.134-135.
321

se o Conselho Nacional de Justiça (art.103-B da CF), detentor do controle externo


do Poder Judiciário. A possibilidade de o referido órgão atuar na aferição do
cumprimento dos deveres funcionais do magistrado rompeu o paradigma de que o
referido poder não poderia ser fiscalizado. Há que se comemorar a inserção do
C.N.J. como órgão do Poder Judiciário por sua atuação positiva, não só na questão
disciplinar, mas principalmente pelas suas resoluções voltadas a dar maior eficiência
e celeridade à prestação jurisdicional.

A Súmula vinculante (art.103-A) também veio de encontro ao interesse


geral de coibir ações em desacordo com a jurisprudência da Corte Constitucional, o
que aliviou a sobrecarga de feitos inúteis que tumultuavam a almejada eficiência
judicial. De fato, enquanto, nos anos 60, o Supremo Tribunal Federal julgava 5.000
feitos por ano, por ocasião da emenda, a aludida Corte já julgava 100.000 processos
por ano, com o mesmo número de ministros, cujos acórdãos em exame muitas
vezes eram totalmente contrários ao pensamento daquela Corte.914

A exigência da demonstração da repercussão geral das questões


constitucionais discutidas no processo (art.102, § 3º) foi uma das formas
encontradas na reforma, para aliviar a sobrecarga do Supremo Tribunal Federal.

No que tange ao Superior Tribunal de Justiça, com o advento da Lei nº


11.672, de 08 de maio de 2008, que acresceu o artigo 543-C no Código de Processo
Civil, foi instituído o procedimento para recursos repetitivos perante aquele tribunal,
o que acarretou inegável alívio também na sobrecarga do S.T.J. A referida lei trouxe
efeitos positivos, já que, desde o início da sua vigência, houve sensível diminuição
da interposição de recursos. Pouco tempo depois da introdução do aludido
procedimento, houve diminuição de 37,92% do número de recursos interpostos. 915

As aludidas restrições são positivas, à medida que permitem que os


recursos sejam julgados com maior rapidez, no S.T.F. e no S.T.J. Ensina-se, a
propósito, que é inconcebível que causas menores, como lides atinentes a despesas
condominiais ou atinentes a conflitos de vizinhança, tenham que ser apreciadas
pelos ministros de ambos os tribunais. ―No regime federativo, os tribunais não se
destinam a corrigir todas as eventuais falhas dos tribunais estaduais ou regionais
914914
Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Reforma do judiciário. In: TAVARES, André Ramos:
LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Reforma do judiciário analisada e comentada:
Emenda Constitucional 45/2004. São Paulo: Editora Método, 2005, p.194.
915
Anotação de JOBIM, Marco Félix. Op.cit., p.145.
322

[...]‖.916

Cite-se, ainda, dentre outras inserções legislativas, a Lei nº 11.419, de


19 de dezembro de 2006, que dispôs sobre a informatização do Judiciário, o que
representou inegável conquista de eficiência e tempo na prestação jurisdicional.

Verifica-se, assim, que tanto as alterações realizadas diretamente na


Constituição Federal pela Emenda 45/04 como as leis que advieram,
posteriormente, trouxeram mudanças significativas no ordenamento jurídico
processual, objetivando a eficiência e o respeito à duração razoável do processo.

A despeito, contudo, do esforço do Estado-legislador e de decisões


administrativas de nossos tribunais, a demora irrazoável na tramitação processual
no Brasil, ainda continua a ser uma triste realidade

A crise por que passa o Judiciário917, cujo mal não atinge somente o
Estado brasileiro, necessita, além do aprimoramento legislativo, de investimentos
maciços em estrutura e na própria formação técnica dos magistrados.

O artigo 93, inciso XIII, da Constituição Federal, incluído pela Emenda


Constitucional nº 45/04, que determina que o número de juízes na unidade
jurisdicional deverá ser proporcional à efetiva demanda judicial e o número da
população, não conseguiu ser cumprido pelos tribunais na maioria dos territórios
brasileiros.

É digno de nota o ceticismo doutrinário que questiona a capacidade


financeira do Estado brasileiro, para cumprir a proposição contida no preceito
constitucional supra e, ―além disto, se a simples ampliação dos órgãos judiciários por
si só assegurará aos litigantes a ‗duração razoável‖.918

Também não são poucos os Juízos desprovidos de recursos humanos,

916
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Reforma do judiciário. In: TAVARES, André Ramos:
LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Reforma do judiciário analisada e comentada:
Emenda Constitucional 45/2004. São Paulo: Editora Método, 2005, p.195.
917
Observa Araken de Assis : ―Apesar de vulgar, a fórmula ‗crise da Justiça‘ soa excessiva e
imprópria. Induz à crença de que a Justiça, em si, se perdeu em algum escaninho burocrático. Na
verdade, busca-se, nela, expressar que a prestação jurisdicional prometida pelo Estado, no Brasil e
alhures, tarda mais do que o devido, frustrando as expectativas dos interessados. A obra da Justiça
continua realizando-se como sempre, acompanhada, também como sempre, dos demais defeitos
inerentes à frágil condição humana‖ (Duração razoável do processo e reformas da lei processual civil.
In: MOLINARO, Carlos Alberto; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro; PORTO, Sérgio Gilberto
(Coords). Constituição, jurisdição e processo: estudos em homenagem aos 55 anos da Revista
Jurídica. Porto Alegre: Notadez, 2007, p.43).
918
ASSIS, Araken de. Op.cit., p.42.
323

materiais e tecnológicos, para suportar a crescente demanda de ações judiciais.

Roberto Apolinário de Castro Júnior aponta os seguintes fatores


determinantes da morosidade judicial:

A falta de estrutura física dos órgãos jurisdicionais; a compreensível


inaptidão dos juízes em gerenciamento do pessoal dos seus quadros
técnicos e dos recursos físicos disponíveis; a falta quantitativa de servidores
e qualitativa dos que lá se encontram; desproporcionalidade entre o número
de juízes e servidores e o número de feitos a serem analisados.919

Deve-se comemorar, no entanto, a aprovação do texto do novo Código


de Processo Civil, que vai permitir, após um ano de vacatio legis, maior celeridade
processual, aliada à eficiência na prestação jurisdicional.920

Os denominados Centros Judiciários de solução de conflitos já


implementados pelo Conselho Nacional de Justiça foram acolhidos pelo novo texto,
de forma que a conciliação e a mediação serão utilizadas pelos órgãos jurisdicionais
como meio alternativo obrigatório para a composição da lide. Não se pode, no
entanto, olvidar da oportuna advertência de que a eliminação das lides, ―sem o
critério de justiça, equivaleria a uma sucessão de brutalidades arbitrárias, que, em
vez de apagar os estados anímicos de insatisfação, acabaria por acumular
decepções definitivas no seio da sociedade‖.921

O incidente de resolução de demandas repetitivas irá permitir que


todas as ações que estiverem em tramitação, sobre o mesmo fato, como ações
atinentes a planos econômicos, fiquem suspensas, até que o Tribunal de Justiça ou
Tribunal Regional Federal julgue o incidente enfocado, o que irá contribuir, de fato,
para desobstruir a pauta da primeira instância, permitindo que os magistrados
atuem, com maior presteza, nos demais feitos. Aliás, o referido incidente deverá ser
julgado no prazo de um ano e terá preferência sobre as demais matérias, com
exceção dos recursos envolvendo réus presos ou habeas corpus.

O novo texto atribui ao juiz e às partes a responsabilidade pela


duração razoável do processo, dispondo:

919
Eficiência jurisdicional: a razoável duração dos procedimentos frente às garantias
fundamentais. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012, p.33.
920
Texto sancionado em 16 de março de 2015.
921
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15.ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p.347.
324

Art. 4º. As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral
do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se
obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 12. Os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de
conclusão para proferir sentença ou acórdão.
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe: II – velar pela duração razoável do processo; III – prevenir
ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir
postulações meramente protelatórias.

O processo eletrônico foi prestigiado pelo novo código, objetivando a


agilidade da prática dos atos processuais, desde a distribuição até o julgamento da
ação. Além de a obrigação dos sistemas adotados pelos tribunais ser de
plataformas abertas, a nova lei passou a permitir a videoconferência como um dos
instrumentos, para dar maior agilidade aos atos processuais. Desse modo, o
advogado poderá fazer sustentação oral por videoconferência, quando o seu
domicílio não coincidir com a sede do tribunal que irá julgar o recurso.

Outro ponto interessante e inovador do novo C.P.C. seria a


possibilidade de o juiz poder converter a ação individual em coletiva, quando
observar que a aludida ação envolve, também interesse de um grupo de pessoas ou
mesmo da coletividade. Contudo, o artigo 333 que tratava da matéria, foi vetado
pela Presidente da República numa justificativa pouco convincente.

No entanto tais inovações, que objetivaram dar à população brasileira


uma legislação avançadíssima, não resultarão em eficiência e celeridade
processual, se não houver, de fato, vontade política e grande investimento no
Judiciário.922

2.3 O acesso à Justiça pelo idoso através do Ministério Público e Defensoria


Pública

Segundo já observado, o acesso à Justiça foi erigido pela Constituição

922
Não se pode olvidar a pertinente advertência de que ―O principal malefício de pretender a
erradicação do problema da demora por intermédio das reformas processuais consiste em eleger
uma solução simplista.As mazelas reais ou hipotéticas do processo jamais acabarão dando-se
invariavelmente razão ao autor‖. (ASSIS, Araken de. Op.cit., p.44|).
325

Federal como um dos direitos fundamentais de todo cidadão, seja ele nacional ou
estrangeiro.

No que tange à sua natureza jurídica, observa-se que esse poder


jurídico constitui um atributo da personalidade do indivíduo, revestindo-se, dessa
forma, prefacialmente, de um caráter nitidamente privado. No entanto, como a
efetividade desse exercício interessa à comunidade, transmuda-se o aludido poder
em público, já que a garantia de justiça interessa a toda a coletividade.

É digno de nota o fato de que o direito de acesso à Justiça não se


resume na provocação do órgão jurisdicional. A moderna doutrina analisa o aludido
direito de forma transcendente, já que o Estado deve propiciar a todos uma
jurisdição eficiente com a prática de atos tempestivos, sem dilações indevidas. Aliás,
esse direito de invocar a tutela jurisdicional eficiente está umbilicalmente ligado à
dignidade da pessoa humana, de maneira que cabe ao Estado o dever de
disponibilizar mecanismos efetivos à sua tutela. Cabe, assim, ao órgão jurisdicional
provocado utilizar-se dos meios técnicos avançados, sempre reverenciando o
devido processo legal, para que tal atividade seja prestada tempestivamente. 923

A tempestividade enfocada não deve ser entendida como a busca de


uma celeridade desenfreada, e, sim, ―a garantia de que o processo transcorra sem
dilações indevidas, respeitados os prazos e todas as garantias de que o processo
transcorra sem dilações indevidas‖.924

Verifica-se, dessa feita, que o direito fundamental à prestação


jurisdicional se agrega ao princípio da duração razoável do processo e à própria
efetividade do processo. A aludida efetividade pressupõe o seu fim maior de extirpar
insatisfações, sempre iluminado pela justiça, tendo, como diretriz, o cumprimento do
direito, ―além de valer como meio de educação geral, para o exercício e o respeito
aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e
assegurar-lhes a liberdade‖.925

Também como visto nos itens anteriores, o direito de ação é


preexistente e é enfocado num plano abstrato. De fato, por ter sede constitucional e

923
Cf. CASTRO JÚNIOR, Roberto Apolinário de. Eficiência jurisdicional: a razoável duração
dos procedimentos frente às garantias fundamentais. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012, p.06-10.
924
CASTRO JÚNIOR, Roberto Apolinário de. Idem, p.10.
925
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15.ed . São Paulo:
Malheiros, 2013, p.320.
326

direcionado ao próprio Estado-Juiz, é colocado à disposição dos cidadãos individual


e coletivamente considerados que podem cobrar, a qualquer tempo, este dever
prestacional estatal.

Agregue-se que o Código de Processo Civil de 1973, até a reforma de


1994, foi elaborado sob a égide de uma ciência neutra, que o isolava da realidade
fenomênica, sem descuidar, contudo, de alguns procedimentos de índole patrimonial
de notória celeridade e efetividade processual que interessava a conglomerados
financeiros e econômicos. Outros direitos, que não gravitavam sob o patrimônio,
como os direitos de personalidade, foram relevados ao rito ordinário, com o natural
retardamento da prestação jurisdicional, em total desconformidade com os valores
axiológicos irradiados pela Constituição Federal. De fato, se a propriedade pode
receber a tutela preventiva, por meio de procedimento especial, da mesma forma,
outros direitos consagrados da Constituição, de maior importância, inclusive, não
poderiam ser olvidados, como ocorreu, por muitos anos, com o Código de Processo
Civil revogado.926

A reforma processual mencionada trouxe mais dignidade ao processo


brasileiro, possibilitando-se uma transmudação do olhar do legislador para a
almejada efetividade processual e a concreção de um processo justo à luz dos
princípios constitucionais processuais.

Não se pode olvidar a feliz crítica de Marinoni, ao relacionar a


dependência do direito material com a efetividade do direito processual, assinalando
que ―é evidente que uma sociedade plural e democrática não pode conviver com o
mito da uniformidade procedimental e com um processo civil que contemple apenas
algumas posições sociais‖.927

Evidentemente, a mera igualdade formal no processo, não equalizada


materialmente, seria inútil ao propósito constitucional, o que acentua, ainda mais, a
responsabilidade do Estado-Juiz no processo atual, decorrente dos princípios já
descritos, convertidos em avanços plausíveis na lei processual civil.

Essa inevitabilidade do avanço no processo dos valores cristalizados


pela Constituição Federal levou o legislador brasileiro a introjetar, naturalmente, as

926
Vide a respeito, MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos.
3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.62-63.
927
Idem, p.70.
327

teses voltadas à efetividade processual, deliberando, até mesmo, pela feitura de um


novo Código de Processo Civil, modulado à luz da moderna doutrina processual
constitucional.

Como bem leciona Cândido R. Dinamarco, ―[...] tem-se como missão


permanente do Estado, a busca do bem comum e, como dever inalienável a ser
cumprido por meio do exercício do poder, a prática da justiça‖.928 Tal objetivo
evidentemente foi por muitos anos olvidado no Brasil, onde o processo passou a ser
um fim em si mesmo, com gravíssimos efeitos deletérios na prestação jurisdicional,
já que o Estado-Juiz pouco fez, nas ações julgadas, para que a injustiças sociais,
muitas vezes praticada, pelo próprio gestor, fossem extirpadas ou pelo menos
amenizadas.

Ensina-se, a propósito, que a América Latina se destaca dentre outros


territórios pela gritante desigualdade social. A acentuada fragilidade social é uma
realidade explícita na ampla maioria dos países, sendo que o nível de pobreza
chega a atingir quase a metade da população. 929

Devem-se comemorar, assim, os novos parâmetros processuais


voltados à efetividade processual. Neste sentido, a pessoa idosa acabou sendo
beneficiada em face da evolução legislativa.

O Estatuto do Idoso, que já contemplou inegáveis avanços no seu


texto, dedicou todo o Título V ao acesso à Justiça, dispondo, no capítulo II do
referido título, mais precisamente nos artigos de 73 a 77, sobre a atuação do
Ministério Público na defesa dos interesses dos idosos, tanto no âmbito
administrativo como no judicial.

Esta preocupação do Estado-brasileiro em proteger grupos vulneráveis,


como as crianças, as mulheres, as pessoas com deficiência e os idosos, decorreu,
inegavelmente, do reconhecimento e da expansão de tais minorias nos documentos
internacionais fomentados pela ONU.

A referida proteção das minorias é fruto, também, da positivação


constitucional dos direitos fundamentais que, diante de uma sociedade plural, como
a brasileira, autorizou a realização de ações afirmativas, objetivando, desse modo,
928
A instrumentalidade do processo. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.185.
929
Cf. TARTUCE, Fernanda. Igualdade e vulnerabilidade no processo civil. Rio de Janeiro:
GEN/Forense, 2012, p.41.
328

a concreção , de fato, de um Estado social, que tem por, escopo, a reverência ao


processo isonômico em todas as suas dimensões.

É digno de registro que as ações afirmativas afloraram nos Estados


Unidos da América, em face da histórica discriminação sofrida pelas minorias,
principalmente os negros, sendo que essas ações afirmativas, muitas delas
determinadas pela Suprema Corte, visaram, justamente a aplacar o sofrimento
vivenciado por tais grupos no passado.

O direcionamento de uma instituição consolidada e estruturada em


todas as comarcas do país, para tutelar os interesses da pessoa idosa, como o
Ministério Público, constitui inegável discriminação positiva em favor dos idosos.

É relevante observar-se que o Ministério Público tem, como missão


constitucional, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
indisponíveis, conforme preconiza o artigo 127 da Nossa Carta.

Também o artigo 129 da Constituição Federal insere as seguintes


funções institucionais do Ministério Público, dentre outras:

II -- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de


relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos.

Verifica-se pela disposição normativa do artigo 73 do Estatuto do Idoso


que a atuação do Ministério Público na proteção dos interesses do idoso será
realizada na forma preconizada pela Lei Orgânica do Ministério Público.

O novo Código de Processo Civil, após repetir, no artigo 176, a


redação normativa contida no artigo 127 da Constituição Federal, atribui o direito de
ação ao Ministério Público, ditando-o no artigo 177:

Art.177. O Ministério Público exercerá o direito de ação, em conformidade


com suas atribuições constitucionais.

Importa acrescentar-se, por primeiro, que o artigo 75 da Lei nº


10.741/2003 determina a atuação obrigatória do Ministério Púbico nos processo
atinentes a interesses de idosos, em que não for parte, dispondo :
329

Art.75. Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará,


obrigatoriamente, o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de
que cuida esta lei, hipóteses em que terá vista dos autos depois das partes,
podendo juntar documentos, requerer diligências e produção de outras
provas, ,usando os recursos cabíveis.

A interpretação literal do referido texto normativo revela a necessidade


de o Ministério Público intervir em todos os processos envolvendo interesses de
pessoas idosas. No entanto há que se realizar uma interpretação restritiva e
sistemática para se alcançar a real dimensão do preceito citado. Dessa forma,
deve-se combinar o artigo 75 com o artigo 43, ambos do Estatuto do Idoso, e com o
próprio artigo 127 da Constituição Federal, para se concluir que o Ministério Público
somente intervirá no processo, quando o idoso estiver em situação de risco.

Explica, com acerto, Robson Renaut Godinho que o fato de a pessoa


idosa figurar como um dos protagonistas da ação distribuída não requer a atuação
automática do Ministério Público. É absolutamente necessário que a causa se
revista de um interesse social ou de um direito indisponível.930

Registre-se que a pessoa idosa não pode ser vista como uma pessoa
incapaz, de forma que somente o caso concreto é que indicará a necessidade ou
não da intervenção do Ministério Público.

No entanto, em face da redação contida no artigo 75 do Estatuto do


Idoso, o magistrado, em todas as ações envolvendo direito ou interesse da pessoa
idosa, deverá encaminhar os autos ao Promotor de Justiça oficiante,
para que o Ministério Público delibere sobre o interesse institucional de participar no
feito.

Esta é a posição vigente no Superior Tribunal de Justiça, que vem,


reiteradamente, decidindo que:

Consoante a jurisprudência do STJ, a intervenção do Ministério Público nas


ações em que envolvam o interesse do idoso não é obrigatória, devendo
ficar comprovada a situação de risco de que trata o art. 43 da Lei
10.741/2003. O só fato de a relação jurídico-processual conter pessoa idosa
não denota parâmetro suficiente para caracterizar a relevância social a
exigir a intervenção do Ministério Público. Precedentes.[...]. Agravo

930
A proteção processual dos direitos dos idosos: Ministério Público, tutela de direitos
individuais e coletivos e acesso à Justiça. 2.ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2010, p.101-
102.
330

regimental a que se nega provimento.931

Perfilha-se, no entanto, o entendimento de que deve o Ministério


Público atuar nos processos envolvendo lides previdenciárias em que figuram,
como autores, pessoas idosas, notadamente nas hipóteses em que se postula o
benefício da prestação continuada ou da aposentadoria por idade, ―em razão do
caráter alimentar do benefício, invariavelmente a única fonte de subsistência do
idoso‖.932

Questão interessante que deve ser observada é que, na hipótese de o


Ministério Público atuar como interveniente e fiscal da lei, ele esta comprometido
apenas com a lei e o interesse público discutido na ação, não podendo, dessa
maneira, inclinar-se, favoravelmente, para nenhuma das partes. De fato, a sua
atuação objetiva apenas ―[...] defender o interesse público e assegurar a exata
aplicação da lei, esforçando-se pela prolação de uma sentença justa‖ 933. No entanto,
quando a intervenção com especificidade pela proteção de determinadas pessoas,
como a pessoa idosa, poderá ele suprir eventuais deficiências da parte protegida e,
como bem autoriza o artigo 75 do Estatuto do Idoso, poderá juntar documentos,
requerer diligências e produção de outras provas, usando de todos os recursos
cabíveis.934

Leciona-se que o Ministério Público, em qualquer das hipóteses


analisadas pela lei, quer atue como substituto processual, quer atue como parte em
princípio será sempre considerado parte. Com efeito, o Ministério Público age, em
face da imposição legal decorrente da sua função, lhe revestiu da qualidade de
parte da ação. 935

Observa Hugro Nigro Mazzilli que ―[...] nem por ser fiscal da lei deixa o

931
T4. AgRg no ARESP 557517/SP, Relator Min.Luis Felipe Salomão, j.02.09.2014, DJe
05/09/2014. Vide, ainda: AgRg nos EDcl nos EREsp 1267621/DF , Rel. Min. Gilson Dipp,
j.20/08/2014, DJe 28/08/2014.
932
GODINHO, Robson Renaut. Op.cit., p.103/104.
933
ASSIS, Jacy de. Ministério Público no Processo Civil. In: Digesto do Processo, vol.3:
fraude à execução/nulidades. Rio de Janeiro: Editora Forense/ Revista Brasileira de Direito
Processual; Uberlândia, 1985, p.488. Neste sentido, também lecionam Antônio Carlos de Araújo
Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, afirmando que ―O Ministério Público
oficia em prol da estrita observância do direito objetivo, como custos legis e, portanto, desvinculado
de qualquer interesse substancial em causa, quando intervém em processos instaurados‖ (Teoria
geral do processo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.320.
934
Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 22.ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p.105.
935
Cf. ASSIS, Jacy de. Op.cit., p.486.
331

membro do Ministério Público de ser titular do ônus e faculdades processuais e,


portanto, sempre deve ser considerado parte, para todos os fins processuais‖. 936

A despeito de, ordinariamente, o Ministério Público atuar na defesa do


coletivo no âmbito social, tem inegável atuação na defesa dos direitos individuais
indisponíveis, conforme expressamente assinala a própria Constituição Federal em
seu artigo 127.

Registre-se que as legislações infraconstitucionais oportunizam ao


Ministério Público agir em nome da criança, do adolescente e do idoso, na tutela de
interesses individuais, evidenciando, assim, a legalidade da substituição processual
ou legitimação extraordinária, pelo que se depreende do disposto nos artigos 7º e
201, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente e os artigos 9º, 43, inciso III, e 74,
inciso I, do Estatuto do Idoso.

Esta legitimação extraordinária, contudo, somente se efetivará nos


direitos individuais indisponíveis e quando o idoso estiver em situação de
vulnerabilidade. Na hipótese, por exemplo, de ofensa a direitos fundamentais da
pessoa idosa, como a integralidade à saúde, caso o gestor público se omita no
dever de propiciar ao idoso consulta médica, exames, medicamentos ou eventual
procedimento cirúrgico, pode e deve o Promotor de Justiça ou o Procurador da
República do território judicializar o pedido, para que o gestor público seja compelido
a efetivar aquele direito fundamental violado. No âmbito da horizontalidade dos
direitos fundamentais, pode ocorrer que o cidadão idoso esteja em situação de
abandono, privado dos necessários alimentos, aflorando aí a plena necessidade de
ajuizamento da ação de alimentos, nos termos do artigo 74, inciso II da Lei nº
10.741/03.

Não são poucos os casos, também, em que o Ministério Público se


depara com idosos desprovidos, até mesmo, de existência jurídica e, diante de tais
casos, deve providenciar o pedido registro tardio daquele cidadão junto ao Estado-
Juiz.

936
Op.Cit., p.83-84.Acrescenta o autor que ―Quando intervenha por imposição legal, em sua
atuação haverá de empregar zelo em nada inferior ao que despende nas ações que propõe. E, às
vezes até mesmo mais empenho, pois, recebendo a ação sem ter-se aparelhado para a propositura,
dele se exigirá desdobramento maior, para pôr-se a par das questões de fato subjacentes que nem
sempre são trazidas aos autos pelas partes. Em tese, é igual a importância da atuação do Ministério
Público agente e interveniente‖ (p.86).
332

Em face da irrenunciabilidade dos direitos fundamentais não deve o


Ministério Público ser provocado, para agir em defesa dos interesses individuais e
coletivos dos idosos.

Como o Ministério Público foi nominado como um dos tutores dos


interesses dos idosos, devendo promover todas as medidas extrajudiciais e judiciais
cabíveis para o efetivo respeito aos direitos e garantias assegurados aos idosos, não
se justifica aguardar ser provocado, para agir. A imposição normativa do artigo 74 do
Estatuto do Idoso não deixa dúvida sobre o dever do membro do Ministério Público
de agir de ofício, se necessário for, para assegurar a devida tutela dos direitos dos
idosos, que poderá ser levada a efeito, até mesmo na esfera extrajudicial.

Na questão de alimentos, por exemplo, o Promotor de Justiça poderá


lavrar termo de acordo entre alimentante e alimentando em seu gabinete, que será
por ele referendado e com força de título extrajudicial para execução, em caso de
descumprimento, nos termos do artigo 13 do Estatuto do Idoso.

Também o Ministério Público poderá realizar mediação entre os filhos e


outros parentes, para celebrar acordo atinente à guarda do idoso e/ou a contratação
de cuidadores, em caso de extrema vulnerabilidade, em que o idoso passa a
depender do auxílio de terceiros.

Enfim, várias providências poderão ser tomadas pelo membro do


Ministério Público em seu próprio gabinete, visando à proteção do idoso,
individualmente considerado.

Quanto ao direito ou interesse coletivo da pessoa idosa, é imperioso


observar-se que, com o advento do Código do Consumidor (Lei nº 8.078/90), o
próprio legislador passou a definir interesses ou direitos difusos, interesses ou
direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos.

Assim, para o artigo 81, parágrafo único da referida lei, interesses


difusos, coletivos e individuais homogêneos são assim definidos:

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida, quando se tratar de: I -


interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código,
os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou
direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria
ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
333

relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais


homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

O interesse, no seu sentido comum, leva à ideia de vantagem que


aflora na mente do indivíduo que passa, então, a desejar algo, aspirar a alguma
vantagem em relação ao mundo que o rodeia, como o simples desejo de fazer um
cruzeiro, ascender na sua empresa, realizar um bom negócio, passar num concurso
público etc.937

Quanto à sua terminologia técnica, importa acrescentar-se que o


aludido termo alcança relevância, ao focar a questão social, de forma que se pode
assinalar , como interesse social, aquele que se harmoniza e alcança a maioria da
sociedade civil, que representa, na realidade, ―o interesse que reflete o que a
sociedade entende por ‗bem comum‘...a tutela daqueles valores e bens mais
elevados, os quais essa sociedade, espontaneamente, escolheu como sendo os
mais relevantes‖.938

Não se confunde a expressão interesse social com interesse público,


porque, na segunda expressão, se entende que há o interesse do Estado como
sujeito principal, quer como Estado-legislador, quer como Estado-administrador.939

Quanto ao interesse individual que deve contrapor-se ao interesse


coletivo, é imperioso observar-se que o primeiro se caracteriza e se esgota pela sua
fruição ―no círculo de atuação do seu destinatário‖. Esses dois interesses podem ser
denominados de individuais homogêneos, quando se caracterizam pela origem
comum, de forma que, embora, na essência permaneçam revestidos da natureza
individual, a sua tutela adquire a roupagem do tipo coletivo.940

Não se pode desconsiderar, ainda, a hipótese da aglutinação de


interesses individuais, para formar o interesse coletivo. Não se trata de mera soma
aritmética de interesses pessoais, já que se trata de uma realidade coletiva. O
interesse coletivo situa-se ―a meio caminho, entre os interesses particulares e o
interesse público ou geral; representam, por meio dos grupos que os acolhem, as
fundadas reivindicações sociais, que são assim transmitidas, eloquentemente, ao

937
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. 6.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p.22.
938
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Idem, p.29.
939
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Idem, p.34.
940
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Idem, p.51.
334

Estado‖.941 O citado conceito harmoniza-se com a norma explicativa positivada no


artigo 81, parágrafo único, do Código de Consumidor.

Há, ainda, os interesses difusos, que são aqueles que se referem a um


número indeterminado de pessoas, já que o fato em questão pertence a todos.
Assim, em eventual dano ambiental, pela inserção de produtos poluentes num
riacho, todos os cidadãos, indistintamente, são afetados pelo dano, já que temos o
direito de um ambiente sadio.

Ensina-se, aliás, que os interesses difusos alcança um universo maior,


que pode atingir toda a humanidade diversamente dos interesses coletivos, que
são restritos a grupos sociais definidos, de forma que a indeterminação de pessoas
vinculadas ao mesmo fato e a indivisibilidade do objeto constitui características
nodais dos interesses coletivos.942 O referido conceito também foi alcançado pelo
texto normativo já citado.

Os referidos conceitos inseridos no Código do Consumidor não


representaram nenhuma novidade quanto às definições de interesses coletivos e
difusos, já que a doutrina, à época, se inclinava, de fato, para a concreção dos
referidos institutos na mesma modulagem perfilhada pelo legislador. Contudo a
grande revolução foi a inserção dos interesses individuais homogêneos com esta
denominação, o que gerou celeumas doutrinárias na sua exata adequação.

De fato, houve manifestos equívocos sobre direito coletivo com defesa


coletiva de direitos, a ponto de algumas correntes doutrinárias confundirem direitos
subjetivos individuais, tutelados coletivamente, com os denominados direitos de
natureza transindividual. Com efeito, a despeito de os direitos individuais poderem
serem tutelados coletivamente, como na hipótese dos interesses individuais
homogêneos, não se pode confundi-los com os direitos coletivos, que são
modulados como direitos subjetivos transindividuais.943. ―É direito que não pertence

941
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Idem, p.57 e 82.
942
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Idem, p.85. Acrescenta o autor que: ―Desse modo,
os interesses difusos ‗excedem‘ ao interesse público ou geral, configurando-se no quinto e último
grau daquela ordem escalonada, notabilizando-se por um alto índice de desagregação ou de
‗atomização‘, que lhes permite referirem-se a um contingente indefinido de indivíduos e a cada qual
deles, ao mesmo tempo‖.(p.87).
943
Cf. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo tutela de direitos coletivos e tutela
coletiva de direitos. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.32. Anota o autor que: ―[...] a
partir do advento do código de Proteção e Defesa do Consumidor, que introduziu mecanismo especial
para a defesa coletiva dos chamados direitos individuais homogêneos, passou-se, não raro, a
335

à administração pública nem a indivíduos particularmente determinados. Pertence,


sim, a um grupo de pessoas, a uma classe, a uma categoria ou à própria sociedade,
considerada em seu sentido amplo‖.944

Acrescente-se, por oportuno, que os direitos individuais homogêneos, a


despeito de o legislador oportunizar a tutela coletiva, não perdem a natureza de
direitos subjetivos individuais. O fato de serem homogêneos implica em dizer que
estão vinculados, entre si, por um vínculo de afinidade, que os torna semelhantes,
dotados, enfim, de homogeneidade. É bem verdade que, em tais direitos, há uma
pluralidade de agentes, como na hipótese de direitos transindividuais, mas se
diferenciam destes, pois, além de indivisíveis, seus titulares são indeterminados.
Nos direitos individuais homogêneos, além de os titulares serem determinados, o
objeto material é divisível.945

Assinale-se que na legitimação de o Ministério Público atuar na defesa


de direitos individuais homogêneos, a atuação em nome próprio, é típica de
substituição processual, onde será prolatada sentença genérica, dos denominados
direitos individuais divisíveis e disponíveis. De fato, os direitos dos representados
são apresentados impessoal e coletivamente. Encerrada a fase do processo de
conhecimento, ― [...] encerra-se o papel do substituto processual e tem início, se for o
caso, a atuação dos próprios titulares do direito material, com vista a obter sua
satisfação específica‖.946

É interessante observar-se que o legislador brasileiro foi um dos


poucos países da civil low que realizou acentuadas alterações no seu ordenamento
jurídico, visando à concreção de instrumentos de tutela coletiva. A Lei nº 6.513/77
introduziu alterações no artigo 1º, § 1º , da Lei de ação Popular, a fim de que o termo
patrimônio público pudesse abarcar ―os bens e direitos de valor econômico, artístico,
estético , histórico ou turístico‖, de forma que os referidos bens passaram a poder
ser tutelados, judicialmente, pela via da ação popular. No entanto a grande lei

considerar tal categoria de direitos, para todos os efeitos, como espécie dos direitos coletivos e
difusos, lançando-os dos eles em vala comum, como se lhes fossem comuns e idênticos os
instrumentos processuais e as fontes normativas de legitimação para a sua defesa em juízo‖ (p.33)
944
ZAVASCKI, Teori Albino. Idem, p.34.
945
Cf. ZAVASCKI, Teori Alvino. Idem, p.34-35. Acrescenta o autor que: ―Quando se fala, pois,
em ‗defesa coletiva‘, ou em ‗tutela coletiva‘ de direitos homogêneos, o que se está qualificando como
coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua defesa‖
(p.35).
946
ZAVASCKI, Teori Alvino. Idem, p.212.
336

paradigmática, quanto à tutela dos direitos e interesses difusos e coletivos, foi, de


fato, a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, a Lei da Ação Civil Pública, que inovou
na inserção de contundentes instrumentos processuais com o escopo de
instrumentalizar o processo, objetivando garantir a devida tutela aos aludidos
direitos.

Como bem anota, Leciona Teori Alvino Zavascki:

Mais que disciplinar um novo procedimento qualquer, a nova Lei veio


inaugurar um autêntico subsistema de processo, voltado para a tutela de
uma também original espécie de direito material: a dos direitos
transindividuais, caracterizados por se situarem em domínio jurídico não de
947
uma pessoa ou de pessoas determinadas, mas sim de uma coletividade.

A ação civil pública, como se depreende do texto legal, objetiva a tutela


de direitos coletivos e difusos e a sua terminologia decorre do fato de ela poder ser
interposta por órgão estatal, como é o caso do Ministério Público e da Defensoria
Pública, com o escopo de tutelar interesses de natureza coletiva, como já
explicitado.

Dispõe o artigo 74, inciso I, do Estatuto do Idoso que o Ministério


Público deverá instaurar inquérito civil e promover a ação civil pública para a defesa
dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais
homogêneos dos idosos.

A Lei nº 7.347/85 oportuniza, por sua vez, ao Promotor de Justiça a


instauração de inquérito civil, visando à apuração dos fatos que lhe foram
apresentados nos termos do artigo 8º, parágrafo único.

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público contempla os institutos


do inquérito civil e da ação civil pública no artigo 25, dispondo:

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual,
na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: [...]
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para
a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente,
ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais
indisponíveis e homogêneos [...]

O inquérito civil se reveste da natureza de procedimento administrativo


947
Idem, p.30.
337

presidido pelo membro do Ministério Público, com o escopo de colher provas e


informações relevantes para eventual interposição da ação civil pública.948

Trata-se, assim, de um instrumento investigatório exclusivo do


Ministério Público, com o objetivo de amealhar provas atinentes a danos ocorridos a
direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos. O fato de o inquérito civil ser
um instrumento típico do Ministério Público não impede que outros legitimados à
interposição da ação civil pública também investiguem danos aos aludidos direitos
com procedimentos assemelhados.

Assinale-se que a instauração de inquérito civil é facultativa, já que o


membro do Ministério Público Federal ou Estadual poderá ter, em mãos, elementos
suficientes para a promoção da ação civil pública, sem a necessidade de aprofundar
investigação a respeito. O inquérito civil, a despeito de ser inquisitivo, com
similaridade ao inquérito policial, deve oportunizar ao investigado o direito de se
manifestar nos autos, até mesmo pelo interesse do Ministério Público em apurar a
verdade imparcialmente. Aliás, o investigado tem o direito de recorrer ao Conselho
Superior do Ministério Público, quando entender que a instauração do inquérito civil
foi abusiva.

Quando o Ministério Público deliberar interpor ação civil pública, em


face das provas colhidas no inquérito civil, o aludido procedimento ou cópias
digitalizadas instruirão a referida ação.

Caso o membro do Ministério Público não se tenha convencido de


eventual dano coletivo, difuso ou individual homogêneo, deverá promover o
arquivamento do inquérito civil. No entanto a decisão do órgão oficiante só
produzirá efeito jurídico após a homologação da decisão pelo Conselho Superior do
Ministério Público, nos termos do artigo 9º, § 1º da Lei nº 7.347/85.

É interessante observar-se que há possibilidade de o Ministério Público


convencer o gestor público, ou mesmo o particular, a tomar as providências
cabíveis, para assegurar a tutela dos direitos coletivos, difusos ou individuais
homogêneos, sem a necessidade da interposição da ação civil pública.

948
Vide conceito de inquérito civil em MILARÉ, Edis. A ação civil pública na nova ordem
constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990, p.18. e VASCONCELOS, Clever Rodolfo. Ministério
Pública na Constituição Federal: doutrina esquematizada e jurisprudência. São Paulo: Atlas,
2009, p.106.
338

Possibilita-se, assim, a lavratura do denominado termo de ajustamento


de conduta, mediante o qual há uma celebração de acordo entre o Ministério Público
e a parte investigada, no sentido de que esta aceita, formalmente, realizar as obras
e/ou os serviços pleiteados pelo Ministério Público, com prazo razoável para a
edificação ou a concreção dos serviços postulados. Com a assinatura formal do
TAC, os autos de inquérito civil são remetidos, também, ao Conselho Superior do
Ministério para a devida apreciação do termo enfocado. Caso o CSMP discorde do
ajustamento formulado pelo Ministério Público, o aludido acordo é desconsiderado, ,
sem gerar nenhum efeito jurídico. Assim, todo TAC só passa a ter efeito jurídico a
partir da homologação do acordo pelo Conselho Superior do Ministério Público.

No âmbito dos direitos dos idosos, quando o Ministério Público aferir


omissão do gestor público na implementação de políticas públicas determinadas
pelo Estatuto do Idoso ou por outra lei especial, deverá buscar a tutela judicial, para
que o Estado-Juiz possa compelir a administração pública a velar pela concreção
dos aludidos direitos violados.

Na área de saúde, por exemplo, a Lei nº 10.741/03 impõe ao gestor,


nos termos do artigo 15, § 1º, inciso III, a instalação, no território, de ―unidades
geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e
gerontologia‖. Também garante ao idoso, nos termos do inciso IV e do § 2º, o
atendimento domiciliar, bem como o acesso gratuito aos medicamentos de que
necessitar, especialmente os de uso contínuo, bem como próteses, órteses e outros
recursos necessários ao seu tratamento, habilitação ou reabilitação.

As unidades especializadas referidas pela lei supra são os


denominados CRI (Centro de Referência do Idoso) e CD (Centro Dia), segundo já
foi explicitado na primeira parte, mas, decorridos mais de dez anos do Estatuto do
Idoso, ainda são poucos os territórios constituídos de CRI ou CD. Essa grave
omissão oportuniza ao Ministério Público a interposição de ação civil pública, com
obrigação de fazer, no sentido de que o Estado-Juiz possa determinar que a
Administração Pública cumpra o seu dever legal.

É imperioso observar-se, ainda, que há vários territórios no Brasil, em


que o gestor público não fornece medicação à pessoa idosa, de forma que caberá
ao Ministério Público interpor ação civil pública, para que todo idoso que depender
do aludido auxílio governamental possa ser atendido.
339

A necessidade de se dar dignidade ao idoso no transporte público, com


a implementação de plataformas especiais e elevadores nos ônibus, pode ser
alcançada via ação civil pública, caso as tratativas desenvolvidas no decorrer no
inquérito civil não sejam suficientes para sensibilizar o gestor público.

Mas a ação civil pública pode, também, ser utilizada na defesa dos
direitos fundamentais dos idosos, no âmbito da horizontalidade. Não são poucos os
casos em que financeiras estabelecem encargos ilegais nos denominados
empréstimos consignados, embutindo-as nas prestações para que o idoso não
perceba a maledicência do banqueiro. Também as operadoras de saúde sacrificam
os interesses dos idosos, estabelecendo encargos ou suprimindo direitos não
autorizados em lei, ensejando a atuação oportuna do Ministério Público, para sanar
tais vilipêndios, tanto em sede de inquérito civil, mediante a celebração de termo de
ajustamento de conduta, quanto, via ação civil pública.

Chama a atenção, ainda, o fato de o Estatuto do Idoso normatizar a


questão de o Ministério Público poder agir como substituto processual do idoso em
ação individual, em situação de risco, conforme preceitua o artigo 74, inciso III.

Embora seja correto o entendimento de que a autorização


constitucional outorgada ao Ministério Público, no artigo 127, para atuar como
substituto processual na defesa dos direitos indisponíveis, já fosse suficiente, a
autorização legislativa irradiada do Estatuto do Idoso dá mais autoridade, para que
a instituição possa agir em tais hipóteses.

Desse modo, caso determinado idoso necessite de uma medicação


que lhe é negada pelo gestor, o órgão do Ministério Público poderá ajuizar ação
postulando que o Estado-Juiz determine que o SUS providencie a medicação,
imediatamente, àquele cidadão idoso, individualmente considerado. Trata-se de
direito indisponível, decorrente do direito fundamental à integralidade à saúde.

Ensina-se, com acerto, que, na hipótese de o Ministério Público agir


como substituto processual, a interpretação mais adequada à busca da efetividade
da tutela dos direitos, será sempre admiti-la ―[...] sempre que o interesse social ou
direitos individuais indisponíveis estiverem em pauta‖.949

A lei em exame também concede legitimidade ao Ministério Público,

949
GODINHO, Robson Renaut. Op.cit., p.128-129.
340

para interpor, até mesmo, ação de alimentos em favor do idoso, em situação de


risco, conforme dispõe o seu artigo 74, inciso II. A autorização explícita
decorreu,supostamente, das resistências doutrinária e jurisprudencial, para acolher
a tese da legitimidade do Ministério Público em interpor ação de alimentos em favor
da criança e do adolescente e o legislador desejou suplantá-las com a inserção da
autorização legislativa no aludido texto legal, visando a efetiva tutela alimentar do
idoso.

Leciona-se que a aludida previsão legal se justifica, até mesmo, pelo


fato de que um idoso, em tal circunstância, que se encontra abandonado pela
família, a aludida ação visa tutelar, em última análise, o próprio direito à vida do
alimentando, já que se busca a garantia de um mínimo existencial, havendo absoluta
indisponibilidade do aludido direito.950

Observa-se, portanto, que, tanto no âmbito vertical, como no plano


horizontal, pode e deve o Ministério Público atuar na defesa dos interesses
individuais e coletivos dos idosos, seja na esfera administrativa, seja na judicial.

A Defensoria Pública, por sua vez, desenvolve um papel constitucional


protetivo dos interesses dos idosos e de outros grupos vulneráveis de altíssima
relevância pública.

O emolduramento constitucional da defensoria pública, no artigo 134,


por si só realça a importância da instituição para a concreção dos direitos
fundamentais assegurados pela Constituição da República.

Merece destaque, pelo alcance normativo, o disposto no artigo 1° da


Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, por assegurar a defesa dos
necessitados, em todos os graus, dos direitos individuais e coletivos, de forma
integral e gratuita.

Dispõe, ainda, o artigo 4º, incisos VII e XI da lei supra :

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:


VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de
propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais
homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de
pessoas hipossuficientes; XI – exercer a defesa dos interesses individuais e
coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de

950
Cf. GODINHO, Robson Renaut. Idem, p.139.
341

necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar


e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do
Estado.

Observa-se, portanto, que, embora a vocação histórica e institucional


da Defensoria Pública seja direcionada, ordinariamente, na tutela individual dos
direitos dos necessitados, o legislador permite, explicitamente, a atuação
institucional na tutela dos direitos coletivos dos idosos, mediante, inclusive, a
interposição da ação civil pública.

Verifica-se, assim, que tanto o Ministério Público como a Defensoria


Pública são órgãos co-legitimados a atuarem na defesa dos direitos coletivos dos
idosos, via ação civil pública. A diferença de legitimidade apenas é que a Defensoria
Pública somente pode agir na defesa dos idosos hipossuficientes, não necessitando
o Ministério Público demonstrar tal requisito.

É imperioso observar-se que, pela própria disposição normativa dos


preceitos da sua Lei Orgânica Nacional, a Defensoria Pública tem uma ação
prioritária na resolução dos litígios, pela via extrajudicial, principalmente se utilizando
das técnicas da mediação.

Neste sentido, poderá o Defensor Público celebrar acordo em seu


gabinete, entre o alimentante e o idoso, utilizando-se da técnica da mediação,
sendo que, após o seu referendamento ao aludido acordo, valerá ele como título
executivo extrajudicial, nos termos do artigo 13 do Estatuto do Idoso, c.c. o artigo
585, inciso II, terceira parte do Código de Processo Civil.

Quanto à legitimidade de judicializar demandas tutelando os direitos


dos idosos, poderá a Defensoria Pública atuar não só no âmbito dos direitos
individuais como também na tutela dos direitos coletivos, difusos e individuais
homogêneos.

2.4 O acesso à justiça e a tutela do idoso pela O.A.B. e associações

A Ordem dos Advogados do Brasil encontra-se legalmente instituída


pela Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, como um serviço público, cujo ente é
dotado de personalidade jurídica e forma federativa, tendo, como uma das
342

finalidades, nos termos do artigo 44, inciso I:

Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada
de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I - defender
a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os
direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela
rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das
instituições jurídicas;

Sua origem histórica remonta ao Decreto nº 19.408, de 18 de


novembro de 1930, que dispõe, no seu artigo 17 que:

Art.17 Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e


seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem
votados pelo instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a
colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo.

O referido artigo foi regulamentado pelo Decreto nº 20.784, de 14 de


dezembro de 1931, cuja legislação foi sendo atualizada por sucessivos decretos até
o advento da Lei n 4.215, de 27 de abril de 1963, que disciplinou o Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil que, por sua vez, foi revogada pela Lei nº 8.906/94,
que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.

A natureza jurídica do aludido órgão ainda causa celeumas, conforme


se verifica na ADI nº 3.026, em que o Supremo Tribunal Federal considerou a OAB
como um serviço público independente, ―uma categoria ímpar no elenco das
personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro‖, não podendo nem mesmo
ser classificada como autarquia especial. Também decidiu a Suprema Corte que a
OAB não está sujeita a nenhum controle da Administração.

No entanto a ação civil pública nº 2006.34.00.027496-8, que tramitou


perante a 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal e que se encontra
em fase recursal,esposa a tese de que a OAB se amolda à categoria de autarquia
corporativa e que, portanto, está sujeita à prestação de contas ao Tribunal de
Contas da União.

É inegável a atuação histórica da OAB, não só para a consolidação da


democracia no Brasil mas também para a positivação dos direitos fundamentais no
texto constitucional de 1988.

Em face da importância institucional da OAB, foi ela eleita pelo Estatuto


343

do Idoso, como um dos entes co-legitimados, para defender os interesses da pessoa


idosa, podendo, para tanto, interpor ações cíveis fundadas em interesses difusos,
coletivos, individuais homogêneos e, até mesmo, nas hipóteses de interesses
indisponíveis.

Aliás, nunca é demais relembrar-se que o legislador estabeleceu, de


forma cristalina, no artigo 82 a necessidade de se utilizarem de todas as técnicas
processuais adequadas para a defesa dos interesses e direitos protegidos pela
citada lei.

Dessa forma, a OAB está autorizada, não só a ajuizar ação na defesa


individual do idoso, desde que se trate de direito indisponível, mas também ações
visando à tutela de interesses coletivos e difusos.

O artigo 81, inciso IV, do Estatuto do Idoso também nomina as


associações legalmente constituídas, há, pelo menos, um ano, como co-
legitimadas a buscar a tutela judicial dos direitos dos idosos , mediante as mesmas
técnicas processuais já descritas, apenas exigindo que, estatutariamente, esteja
previsto o fim institucional de defesa dos interesses e direitos da pessoa idosa.

É digno de nota que a Constituição Federal concede plena liberdade


para a formação de associação, com exceção daquela de caráter paramilitar (art. 5º,
XVII), que independe de autorização, conforme expressamente prevê o inciso XVIII.

O artigo 44, inciso I, do Código Civil classifica as associações como


pessoas jurídicas de direito privado, as quais passam a ter existência legal com a
inscrição do ato constitutivo no Cartório de Registro civil, conforme estabelece o
artigo 45 do mesmo estatuto.

As associações, nos termos do artigo 53 do Código Civil, são aquelas


que se compõem ―pela união de pessoas que se organizem para fins não
econômicos‖.

Não são poucas as associações que atuam no mundo, na defesa dos


interesses dos idosos, cujos entes se vêm avolumando também no Brasil, em face
do aumento da nossa população idosa, segundo já descrito na primeira parte.

Pode-se fundar, por exemplo, uma associação de aposentados e


pensionistas do INSS, apenas para velar por todos os interesses dos associados
344

ligados à previdência social, cujo ente terá legitimidade, para defender os interesses
dos seus associados por meio das técnicas processuais apontadas pelo legislador
ordinário.

Também é salutar a criação de associações de idosos, com o objetivo


institucional de velar pelos direitos dos associados de terem planos de saúde que
velem, efetivamente, pela dignidade da pessoa idosa. Especialmente nessa área, é
sempre bem vinda a união dos idosos em associação, já que, a despeito da vedação
contida na Lei nº 9.656/98, é comum a cobrança de valores diferenciados aos
usuários idosos da saúde privada pelas operadores de saúde. Leciona-se, aliás, que
essa discriminação negativa do idoso nos planos de saúde, acarreta o efeito
deletério da ― [...] impossibilidade de continuação da relação jurídica obrigacional por
falta de condições pecuniárias em arcar com os valores fixados‖.951

É imperioso observar-se que as associações legalmente constituídas à


luz da referida lei poderão, até mesmo, interpor mandado de segurança coletivo,
para proteger direito líquido e certo dos seus associados, cuja ação se encontra
disciplinada pela Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009.

O artigo 21 da aludida lei autoriza as associações constituídas


legalmente, há, pelo menos, um ano, a ajuizarem mandado de segurança coletivo,
em defesa de direitos líquido e certos de todos ―ou de parte de seus membros ou
associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas
finalidades [...] ―.

Quando ao direito material tratado no mandado de segurança, dispõe o


parágrafo único do aludido artigo que os direitos protegidos pela aludida ação
constitucional alcança tanto os direitos coletivos como os individuais homogêneos
pertinentes, no caso, à totalidade ou a parte dos membros ou associados.

2.5 A celeridade processual das ações envolvendo interesses dos idosos e


alterações do CPC – projeto de lege ferenda

Como visto, o princípio da duração razoável do processo deve iluminar

951
RODRIGUES, Oswaldo Pelegrina. Direitos dos idosos. In: NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano.
Manual de direitos difusos. São Paulo: Verbatim, 2009, p.467.
345

todos os feitos administrativos e judiciais em tramitação pelo Estado brasileiro.


Também já foi observado que o acesso à Justiça é um direito fundamental que se
irradia a todos os brasileiros e estrangeiros que se encontrem em nosso território.

É interessante observar-se, contudo, que o legislador brasileiro dedicou


todo o Título V do Estatuto do Idoso ao acesso à Justiça, tanto no interesse
individual da pessoa idosa como no interesse coletivo estabelecendo, ainda, os co-
legitimados a pleitearem a tutela judicial, como o Ministério Público.

Além de autorizar o poder público a criar varas especializadas


exclusivas do idoso, conforme se verifica no artigo 70 daquela lei, o estatuto ainda
estabeleceu a prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na
execução dos atos e diligências judiciais, em que figura, como parte ou
interveniente, pessoa idosa, conforme se vê no preceito descrito no artigo 71.

Verifica-se, assim, que, não só quando o idoso figurar como parte no


processo, o feito deverá ter prioridade na tramitação mas também quando atuar
como interveniente processual.

O aludido tratamento preferencial ao idoso harmoniza-se com o texto


da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos
que impõe no seu artigo 4º ―[...] um adequado acesso à justiça, a fim de garantir ao
idoso um tratamento diferenciado e preferencial em todos os âmbitos‖.

Registre-se que parte pode ser definida como aquela ― [...] que pede ou
perante a qual se pede, em nome próprio, a tutela jurisdicional‖.952 Terceiro
interessado, por sua vez, é aquele que, embora não esteja
demandando ou demandado no processo, ―[...] por interesse jurídico próprio na
solução do conflito (ou, ao menos, afirmar possuí-lo), é autorizado a dele participar,
sem assumir a condição de parte‖.953

O novo Código de Processo Civil, ao dispor sobre o interveniente,


estabelece :

952
THEDORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do
direito processual civil e processo de conhecimento. 50.ed. Rio de Janeiro: Forense, v.I, 2009,
p.77. MARINONI e ARENHART preferem conceituar parte no processo como ―aquele que demandar
em seu nome (ou em nome de quem for demandada) a atuação de uma ação de direito material e
aquele outro em face de quem essa ação deva ser atuada‖.(Processo de conhecimento, 7.ed,
rev.e atual., 3ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.165.
953
MARINONI, Luiz Guilherme: ARENHART, Sérgio Cruz. Op.cit., p.165.
346

Art. 119. Pendendo causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro


juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas
poderá intervir no processo para assisti-la.
Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento e
em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no
estado em que se encontre.

Acrescente-se que a intervenção de terceiros se encontra inserida no


título III do livro III do novo C.P.C., que dispõe sobre a assistência simples e
litisconsorcial (capítulo I ), denunciação à lide (capítulo II), chamamento ao processo
(capítulo III) e amicus curiae (capítulo V).

No entanto, em todas as hipóteses citadas, não se trata tão somente


de velar pela celeridade processual, que deve ser o procedimento padrão para todos
os feitos, em face da redação contida no artigo 5º, inciso LXXVIII, mas também de
impulsionar os processos que tratam de interesses de idosos com maior celeridade
do que os demais, de forma que a prestação jurisdicional, em tais processos,
deverá, em tese, ser prolatada com a maior rapidez possível.

Ensina-se, aliás, que, no Brasil, ―[...] a morosidade do processo aflora


em toda a sua plenitude, castigando os litigantes, como o sol castiga o nômade no
deserto...não há justiça se há demora na decisão‖.954

Tal postura do legislador brasileiro vem de encontro à necessidade de


se protegerem os grupos vulneráveis, dentre eles, as pessoas idosas, por meio da
denominada discriminação positiva.

Segundo já explicitado na primeira parte da presente tese, o idoso, no


Brasil, é vilipendiado na ampla maioria dos seus direitos fundamentais. O que é
estarrecedor é o fato de que o gestor público, englobando os três entes federativos,
é o maior violador dos aludidos direitos.

Mas também, na própria fundamentalidade horizontal, é preocupante


a vulnerabilidade do idoso, como nas hipótese do empréstimo consignado, que
constitui uma das grandes fontes de riquezas das instituições financeiras que não se
intimidam em praticar verdadeiras extorsões contra a pessoa idosa.

O direito fundamental à saúde do idoso, como também já foi observado

954
SCHMIDT JÚNIOR, Roberto Eurico. Tutela antecipada de ofício. Curitiba: Editora Juruá,
2012, p.27.
347

na primeira parte, é cotidianamente violado no Brasil, cuja omissão estatal não só


agrava a doença acometida como também provoca comorbidades, acarretando, até
mesmo, a morte do paciente.

Tais violações aliadas à vulnerabilidade peculiar do idoso justificam o


direito absoluto à celeridade processual, já que a tutela judicial, no caso do idoso,
representa a própria sedimentação dos seus direitos fundamentais positivados..

Registre-se que a expansão dos direitos fundamentais dos idosos,


provocada, inicialmente, pela Política Nacional de Proteção do Idoso e sedimentada
pelo Estatuto do Idoso, provocou não só um maior número de demandas voltadas à
sua proteção mas também uma significativa valorização do papel do juiz, ao
propiciar ao idoso a garantia do cumprimento do preceito constitucional. De fato, os
litígios de natureza constitucional ―representam o meio para a sua afirmação,
definição, e implementação, o que representa uma significativa transferência de
poderes aos juízes‖.955

Essa maior responsabilidade do juiz, no século XXI, para julgar


demandas atinentes a interesses de idosos, implica, como consequência, na sua
necessária capacitação e especialização, para enfrentar questões peculiares. Não é
por outra razão que o Estatuto do Idoso prevê que o poder público poderá criar
varas especializadas e exclusivas, para julgar lides envolvendo interesses da
pessoa idosa.

É que a ampla judicialização de questões negligenciadas,


notadamente pelos órgãos ínsitos ao Poder Executivo acaba por transferir ao
Estado-Juiz a implementação da própria política pública olvidada pelo gestor. Os
inúmeros casos de judicialização direcionados à concreção de direitos fundamentais
violados ―ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo
contemporâneo, documentando que nem sempre é nítida a linha que divide a
criação e a interpretação do direito‖.956

955
FACCHINI NETO, Eugênio. O judiciário no mundo contemporâneo. In: MOLINARO, Carlos
Alberto; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro; PORTO, Sérgio Gilberto (Coords). Constituição,
jurisdição e processo: estudos em homenagem aos 55 anos da Revista Jurídica. Porto Alegre:
Notadez, 2007, p.321.
956
BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política
no Brasil contemporâneo. In: MOLINARO, Carlos Alberto; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro;
PORTO, Sérgio Gilberto (Coords). Constituição, jurisdição e processo: estudos em homenagem
aos 55 anos da Revista Jurídica. Porto Alegre: Notadez, 2007, p.229.
348

O fenômeno da ampla judicialização, inclusive no âmbito dos


interesses dos idosos, inicialmente deve ser comemorada em face da presença de
um Judiciário forte e independente, como o brasileiro. Mas incide outra causa
preocupante, que gravita sobre ―certa desilusão com a política majoritária, em razão
da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral‖. 957

Vê-se, portanto, que o ativismo judicial958 no Brasil se reveste de


grande importância, como na hipótese do presente trabalho, para a sedimentação
dos direitos fundamentais assegurados pelos preceitos constitucionais e pelo
Estatuto do Idoso.

Questiona-se se a jurisdição constitucional exercida pelo Judiciário


brasileiro, determinando, até mesmo, a implementação de políticas públicas
negligenciadas pelo gestor, constitui grave violação aos poderes estabelecidos pela
Constituição Federal. Entretanto, o Estado-Juiz, como guardião da Constituição
Federal, está apenas velando pela consagração dos valores constitucionais.

Aliás, o novo Código de Processo Civil teve o cuidado de ditar, logo no


seu artigo 1º, o seguinte:

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme


os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da
República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste
Código.

Ainda o novo texto legal teve a preocupação explícita com os fins


sociais do direito material em exame, bem como, dentre outros, com o princípio da
dignidade da pessoa humana, o que sobreleverá a responsabilidade do Estado-Juiz,
com as ações envolvendo interesses de idosos. Nesse sentido, dispõe o artigo 8º:

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e


às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da
pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, da
legalidade, a publicidade e a eficiência.

Tais parâmetros estabelecidos pelo novo Código de Processo Civil

957
BARROSO, Luís Roberto. Idem, p.230.
958
Preleciona o Ministro Barroso que ―a ideia de ativismo judicial está associada a uma
participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais,
com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. E muitas situações, sequer
há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios‖ (Op.cit., p.233).
349

permite e justifica a primazia de tramitação dada pela lei aos procedimentos de


interesses de idosos e de outros grupos vulneráveis.

Segundo já explicitado, embora as inovações introduzidas pelo


Estado-legislador, inclusive com um novo Código de Processo Civil, seja louvável
no sentido de impulsionar a prestação jurisdicional no Brasil é pacífico o
entendimento de que não basta o aprimoramento normativo, para que o princípio da
duração razoável do processo seja efetivado em todas as instâncias.

2.5.1 Tutela provisória

A função jurisdicional do Estado-consiste em compor a lide, ditando o


direito no caso concreto, sendo que a aludida estruturação estatal foi motivada,
historicamente, pela própria privação dos cidadãos de fazerem justiça pelas
próprias mãos, cuja tarefa passou a ser exclusivamente do Estado. Em
contrapartida, conforme explicitado, aflorou o direito de o acesso à justiça esculpido
no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República.

Dentre as modalidades de tutela jurisdicional, merece destaque a


tutela de cognição, em cuja atividade o órgão jurisdicional, conhecendo os fatos,
aplica a lei ao caso concreto.

A técnica da cognição exauriente se reveste da segurança de garantir a


plenitude do contraditório e, por esta razão, enseja a coisa julgada material.
Todavia não se pode olvidar que o rito procedimental, notadamente o ordinário959,
impõe um natural lapso temporal para a prolação da sentença, o que pode acarretar
danos a uma das partes, com especificidade ao próprio autor. Em face da aludida
realidade processual, o legislador estabeleceu providências acautelatórias no próprio
processo de cognição exauriente, para assegurar a efetividade da tutela pleiteada.

De fato, o tempo expendido pelo Estado-juiz para a pretendida tutela


judicial, constitui um preocupante obstáculo à efetividade da tutela reclamada, com
959
A respeito do procedimento ordinário, ensina o Ministro Luiz Fux que ele se caracteriza ―
[...] pela desconcentração de suas fases, obedecendo a ritualidade que ampliam sobremodo o tempo
de duração do processo, mercê, como evidente, de ampliar oportunidades de alegações e defesas,
com a contrapartida indesejável da demora da prestação jurisdicional. Entretanto, não se pode negar
o seu alcance dialético e supostamente ensejador de uma decisão mais completa e mais justa‖.
(Tutela de segurança e tutela de evidência. São Paulo: Saraiva, 1996, p.31).
350

especificidade no processo de conhecimento, cujo rito procedimental, para


assegurar o convencimento do julgador, impõe a prática de vários atos
instrutórios.960

Ensina Luiz Guilherme Marinoni que a própria proliferação das tutelas


sumárias foi motivada pelo ― [...] fenômeno oriundo das novas exigências de uma
sociedade urbana de massa que não mais admite a morosidade jurisdicional imposta
pelo procedimento ordinário‖.961

É frustrante ao autor aguardar vários anos para obter o reconhecimento


judicial do direito reclamado. Ensina-se, aliás, que quando o cidadão pleiteia a
proteção estatal, em face de uma lesão ao seu direito ou ao seu interesse, garantido
pelo direito material, espera uma resposta num tempo razoável, ― [...] apta a
devolver-lhe, da forma mais ampla possível, a situação de vantagem a que faz
jus‖.962

Aliás não é incomum, as questões preliminares, por exemplo,


revestidas de natureza puramente processual, transformarem-se no tema principal
do debate, onde o direito material acaba por ser compulsoriamente adormecido não
chegando nem mesmo a ser apreciado.963

Registre-se, por oportuno, uma vez mais a advertência de Marinoni


para quem a lentidão processual sempre causará benefício tão somente ao réu.
Para o referido autor, ―quanto maior for a demora do processo, maior será o dano
imposto ao autor e, por consequência, maior o benefício conferido ao réu‖.964

Dessa forma , o direito processual evoluiu para o acolhimento das


tutelas preventivas, visando a obstar eventual dano ao direito reclamado,
notadamente por reconhecer que as soluções clássicas ínsitas ao processo de
cognição exauriente eram insuficientes, para garantir a efetividade da tutela

960
Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas
sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.17.
961
Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. 2.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p.15.
962
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Idem, p.18.
963
Cf. BADAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica
processual. São Paulo: Malheiros, 2006, p.75.
964
Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda, p.18.Complementa o autor : ―Se o
tempo é a dimensão fundamental da vida humana e o bem perseguido no processo interfere na
felicidade de quem o reinvindica, a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e
angústia, reduzindo as expectativas de uma vida mais feliz ou menos infeliz‖ (p.19).
351

reclamada.965

Leciona Marinoni que o procedimento ordinário, por ter sido


estruturado com a característica de ser alheio à dimensão do que se passa no
âmbito do direito material, evidencia uma prova explícita de que o isolamento
processual não produziu resultados satisfatórios. Ensina que, por esta razão, há
uma preocupação constante com as denominadas ―[...] tutelas jurisdicionais
diferenciadas, imprescindíveis para a proteção efetiva de determinadas situações de
direito substancial e, portanto, alternativas à neutralidade imposta pela
ordinariedade‖966

De fato, o isolamento processual, relegando, para segundo plano, o


próprio direito material em debate, trouxe graves efeitos deletérios ao processo civil
brasileiro. É digna de nota a percuciente observação de Galeno Lacerda para quem
―a lide ao ingressar no processo como realidade dialética, adquire feição polimórfica,
se irradia e extravasa em ambos os planos, o material e o processual, através das
pretensões e razões das partes [...] ‖ 967

Merece ser contextualizada, neste sentido, a instrumentalidade do


processo, não se podendo olvidar que, de fato, o processo deve ser visto como um
instrumento objetivando a tutela do direito substancial reclamado. Leciona-se, com
acerto, que ―o processo é um instrumento e, como tal, deve adequar-se ao objeto
que opera. Suas regras técnicas devem ser aptas a servir ao fim a que se destinam
[...]‖968

O próprio anseio social por uma Justiça rápida e eficiente contagiou o


processo moderno, transmudando o binômio segurança-certeza para o da rapidez-
probabilidade, afastando-se, assim, da advertência de Carnelutti de que é
impossível conciliar segurança e rapidez processual.969

965
Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada. 3.ed. São
Paulo: Malheiros, 2003, p..19.
966
Tutela inibitória: individual e coletiva. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012,
p.25.
967
Comentários ao Código de Processo Civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, vol.III,
T.I, p.13.
968
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material
sobre o processo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.20. Complementa o autor, lecionando que:
―O mínimo que se espera, portanto, é que seja ela dotada de utilidade, isto é, aptidão para tornar
efetivo o direito material‖ (p.20).
969
Cf.ALVIM, J.E.. Carreira. Tutela antecipada na reforma processual: antecipação de
tutela na ação de reparação do dano. 2.ed. Curitiba: Juruá, 1999, p.21.
352

Ensina-se, a propósito, que, ao proibir a tutela de mão própria, o


Estado chamou a si a responsabilidade de que as partes não sofram danos em face
de eventual demora na atividade jurisdicional, de forma que é direito dos litigantes a
entrega da tutela num prazo razoável e de forma efetiva, bem como que lhe seja
resguardado e protegido o direito material em litígio, com a certeza de que a tutela
virá, no futuro, de forma segura e eficiente, sob pena, caso não seja garantida a
efetividade, de a tutela jurisdicional ser inteiramente inútil. Quando ocorrer algum
fato denotativo de risco ou, mesmo, de perigo de dano que comprometa a
efetividade da tutela jurisdicional, será imprescindível a tomada de providência
imediata, antes que se ultimem as vidas ordinárias. A tutela, em tal hipótese, se
pode denominar tutela de urgência.970

Este conceito de urgência971, ensejador da tutela provisória, deve ser


acolhido em sentido amplo, para abarcar aquelas situações capazes de causar, de
fato, dano irreparável. ―A urgência, no sentido que aqui se utiliza, está presente em
qualquer situação fática de risco ou embaraço à efetividade da jurisdição‖. 972

Leciona-se, ainda, que é possível que a aludida tutela de urgência se


faça necessária, não para obstar um dano, mas para disciplinar a fruição de um
direito que não pode ser adiado e depende da regulação, como nas hipóteses
decorrentes de direito de família, em que as relações são de trato contínuo e
prolongado, como no divórcio, em que se impõe a regulação, no curso do
processos, de alimentos, guarda de filhos, direito de visita, etc.973

Anota, também, o Ministro Teori Zavaschi que o legislador ainda


presume a urgência, nas hipóteses em que se reclama a adequada providência
regulatória, como, por exemplo, nas relações advindas da posse, onde
historicamente é comum a utilização da força, sendo presumível, portanto, o
potencial dano à coisa e às pessoas. Assevera que a urgência, na aludida hipótese,
se mostra presente, ―[...] não só pela necessidade de dar cabo a dano já

970
Cf.ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 7.ed. São Paulo: Saraiva,2009, p.28-
29.
971
Em feliz expressão científica, ensina Maria Rita de Carvalho Melo que: ―A tutela de
urgência é resposta à necessidade de efetividade do processo, seja quando aditada um ou mais
efeitos da sentença (tutela antecipada), ou quando apenas assegura que um determinado processo
consiga chegar a um resultado final útil (tutela cautelar)‖(Aspectos atuais da tutela antecipada. São
Paulo: Verbatim, 2010, p.21).
972
ZAVASCKI, Teori Albino. Idem, p.29.
973
ZAVASCHI, Teori. Idem, p.29-30.
353

concretizado mas também pela necessidade de evitar o dano potencial, ínsito, como
se viu, à natureza da relação possessória.974

Ensina-se que a tutela provisória se reveste de três características


essenciais: a primeira reside na própria sumariedade da cognição, já que o julgador
decide por meio de um juízo de mera probabilidade; a segunda recai sobre a
precariedade da decisão, porque, tratando-se de tutela provisória, poderá ela ser
revogada ou modificada em qualquer tempo, conforme dispõe o artigo 296, ―caput‖,
da nova lei; a terceira consiste no fato de a decisão tornar-se insuscetível de coisa
julgada.975

Assinale-se, contudo, que, embora a urgência ensejadora da tutela


provisória possa alcançar tanto uma tutela cautelar como uma antecipação da tutela,
se tratam de institutos diversos.

De fato, não se pode confundir a tutela cautelar com a tutela


antecipatória, a despeito de ambas se revestirem da característica da
provisoriedade, já que decididas em juízo de cognição sumária.

Registre-se que, enquanto a tutela cautelar tem, por escopo, eliminar


um perigo de dano que gravita sobre o direito fruto da demanda, a antecipação de
tutela, com fundamento, também, na urgência, objetiva extirpar o perigo de demora
que o curso natural do processo acarreta à própria efetividade da tutela jurisdicional
almejada. 976

Neste sentido, registra, com acerto, o Ministro Luiz Fux, ao descrever,


sobre o instituto da tutela cautelar, que o aludido instituto se caracteriza pela
servilidade, o que evidencia a sua transitoriedade e sua dependência ao processo
principal.977

MARINONI e ARENHART preferem diferenciá-las, ensinando que a


tutela cautelar objetiva proteger a efetividade da tutela satisfativa do próprio direito
material demandado; é uma tutela de segurança, sendo caracterizada, portanto, pela

974
Idem, p.30-31.
975
Cf. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de
Direito Processual Civil. 10.ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2015, v.2, p.568.
976
Cf. TESSER, André Luiz Bäuml. Tutela cautelar e antecipação de tutela: perigo de
dano e perigo de demora. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.62.
977
Tutela de segurança e tutela de evidência: fundamentos da tutela antecipada. São
Paulo: Saraiva, 1996, p.21.
354

instrumentalidade, enquanto a tutela antecipatória ―[...] é satisfativa do direito


material, permitindo a sua realização – e não a sua segurança –mediante cognição
sumária ou verossimilhança‖.978

Em face da notória morosidade jurisdicional na tutela pleiteada, a tutela


cautelar foi utilizada no Brasil, por muitos anos, visando à satisfação da tutela cuja
efetividade não viria, se a parte fosse aguardar o pronunciamento final no
procedimento ordinário. Dessa feita, as cautelares satisfativas se tornaram um meio
comum nas lides forenses, com aceitação, inclusive, jurisprudencial, revestindo-se,
assim, da característica da satisfatividade que ela nunca teve.

Neste sentido, explica Marinoni que ―[...] a prática forense, sob o rótulo
de ‗tutela cautelar‘, passou a conceber tutelas antecipatórias, próprias à tutela
efetiva dos direitos que precisam ser realizados de forma urgente.‖ 979

Embora no passado, em face de situações de perigo de dano iminente,


utilizou-se a tutela cautelar como instrumento adequado, para se alcançar a
satisfação antecipada da pretensão litigiosa, que somente seria atingida pela ação
principal, na realidade, o caso concreto evidencia a antecipação da eficácia do
provimento final, que seria atingido com a sentença. Trata-se, portanto, de técnica
inadequada, porque ― [...] a tutela cautelar tem, por fim, assegurar a viabilidade da
realização do direito, razão pela qual a tutela que realiza o direito, embora mediante
cognição sumária, extrapola os lindes da cautelaridade‖.980

Verifica-se, desse modo, que o caso supra se reveste da natureza de


tutela antecipatória, e não de tutela cautelar, mesmo porque a efetividade processual
consistiu, justamente, em antecipar o direito pleiteado.

De fato, a antecipação de tutela constitui uma técnica processual


visando, como o próprio nome indica ,a antecipar a tutela jurisdicional pleiteada,
enquanto a tutela cautelar objetiva garantir a eficácia da sentença, obstando, com
a sua efetivação, que eventual procedência da ação não seja considerada inócua
978
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo cautelar. 6.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.62. Acrescentam lecionando que: ―Na verdade, a tutela
antecipatória, de lado hipóteses excepcionais, tem a mesma substância da tutela final, com a única
diferença de que é lastreada em verossimilhança e, por isto, não fica acobertada pela imutabilidade
inerente à coisa julgada material. A tutela antecipatória é a tutela final, antecipada com base em
cognição sumária‖ (p.62).
979
Efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1994, p.37.
980
MARINONI. Idem, p.43.
355

pelo perecimento do próprio direito ou interesse reclamado.

Assinale-se que as inovações introduzidas no Código de Processo Civil


de 1973 e na própria Lei nº 13.105/15 não tiveram, por escopo, extirpar ou mesmo
aniquilar o processo cautelar, mas, sim, robustecer, com técnica processual
adequada, como proceder com as tutelas de urgência.

Aliás, como se verá nos tópicos seguintes, o novo Código de Processo


Civil trata a tutela cautelar e a tutela antecipada como espécies do mesmo gênero,
ao ditar, com clarividência no artigo 294, que a tutela provisória de urgência se
divide em cautelar ou antecipada.

2.5.1.1 Da tutela antecipada

Prefacialmente, impende assinalar-se que a tutela antecipada será


analisada tanto à luz do Código de 1973, por estar ainda em vigência, como da Lei
nº 13.105/15, que ainda se encontra em vacatio legis. O instituto da tutela
antecipada, embora já anteriormente contido em alguns textos normativos, como o
artigo 84 do Código do Consumidor, que serviu de notória inspiração ao artigo 461, §
1º, do Código de Processo Civil, bem como ao § 1º do artigo 59 da Lei nº 8.249/91
(locações de imóveis urbanos), sem dúvida foi ele cristalizado no Código de
Processo Civil de 1973, com o advento da Lei nº 8.952/94, que deu nova redação
aos artigos 273 e 461, cuja inovação legislativa é enfocada pela doutrina como
verdadeira revolução no sistema processual brasileiro, ― [...] visto que permitem que
já no início da lide sejam antecipados os efeitos da sentença de mérito‖ 981.

A tutela antecipada, no entanto, encontra precedente histórico desde


o Direito Romano. Conforme se observa no item 1.1.1 desta segunda parte (pg.216-
224), o direito pretoriano também se revestia de tutelas de segurança, garantindo,
de pronto, o direito reclamado, como no processo interdital.

Ensina-se que a grande criatividade do pretor na formação e aplicação


do Direito, suplantando com tamanho dinamismo, as próprias fontes do jus civile,
―[...] concedendo ações que este não dava, suprimindo a atividade do árbitro,

981
ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação da tutela: biblioteca de estudos em homenagem
ao professor Arruda Alvim. Curitiba: Juruá, 2009, p.62.
356

decidindo contra o ordenamento estabelecido, apresenta afinidade com os


mecanismos da tutela antecipada‖.982

Também, como já observado no mesmo item, perfilham o mesmo


entendimento Flávio Luís de Oliveira e Carlos Eduardo de Freitas Fazoli, cujos
professores sugerem, inclusive, que o procedimento interdital poderia ser usado na
defesa dos direitos fundamentais. 983

Observa-se que, pelo instituto da tutela antecipada, não há


necessidade de se aguardar o pronunciamento final no feito, para que o autor possa
receber a almejada tutela judicial. O artigo 273 do atual C.P.C. permite ao juiz
antecipar os efeitos da tutela, desde que seja levada aos autos prova inequívoca do
alegado e o juiz se convença da verossimilhança da alegação e haja indícios
razoáveis de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I); e, ainda, na hipótese
de abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (inciso II).
Também poderá o juiz conceder a tutela antecipatória, quando os pedidos, na sua
totalidade, ou pelo menos parcialmente, se tornarem incontroversos ((§6º). O artigo
461, § 3º, permite, ainda, a concessão da tutela antecipada nas obrigações de fazer
e de não fazer, quando vislumbrar justificado receio da ineficácia da tutela judicial
pleiteada.

O referido instituto, fruto de exitosa reforma processual no Brasil,


realizada em 1994, constitui, inegavelmente, um importante instrumental de acesso
à Justiça, há muito reivindicada pela doutrina.984

Leciona-se que, em relação ao processo de conhecimento, a referida


reforma prestigiou, sobremaneira, o princípio da efetividade da função jurisdicional,
em face do poder concedido ao juiz de ― [...] deferir medidas típicas de execução, a

982
MIRANDA FILHO, Juventino Gomes.O caráter interdital da tutela antecipada. Belo
Horizonte, Del Rey, 2003, p.139. No mesmo sentido, observa Ruy Zoch Rodrigues: ―A técnica de
decidir antecipadamente, outorgando efeitos práticos àquele que ostenta a probabilidade do direito, é
muito antiga. Os interditos romanos, em alguma medida, constituem a origem remota desse sistema
de prestar jurisdição‖ (Ações repetitivas: casos de antecipação de tutela sem os requisitos de
urgência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.63/64.
983
O direito fundamental ao procedimento adequado; o procedimento interdital como garantia
de inclusão social. In: ALARCÓN, Pietro de Jesus Lora; NUNES, Lydia Neves Bastos Telles.
Constituição e inclusão social. Bauru: EDITE, 2007, p.184.
984
Neste sentido, registra Mirna Cianci que: ―O reformador de 1994 introduziu no sistema um
dos mais importantes avanços traduzidos pelo art.273 do CPC, mais precisamente a antecipação de
tutela, meio apto a possibilitar ao detentor do direito material, diante da verossimilhança, o imediato
gozo do bem da vida perseguido‖ (O acesso à justiça e as reformas do CPC. São Paulo: Saraiva,
2009, p.97.).
357

serem cumpridas, inclusive mediante mandados, independentemente da propositura


da nova ação, rompendo, com isto, a clássica segmentação das atividades cognitiva
e executória‖.985

A tutela antecipada pode ser definida como sendo ―[...] a tutela


jurisdicional que proporciona à parte, provisoriamente, mas com contorno de
definitivo, o próprio direito material que constitui objeto da pretensão efetiva a ser
provavelmente alcançada no provimento jurisdicional de mérito‖. 986

De fato, de nada valerá assegurar-se, isonomicamente, o direito de


todos de se dirigirem ao Estado-Juiz, se não ocorrer a almejada efetividade da
Justiça. Como já foi explicitado, de todos os problemas vivenciados pelo Estado, na
prestação jurisdicional, destaca-se a morosidade da tramitação processual e
consequentemente, da decisão judicial .

Leciona-se que a jurisdição somente se revestirá de utilidade, se for


concretizada o quanto antes. ―De nada adianta as partes receberem a tutela
jurisdicional, quando já frustrado o direito‖.987

É necessário, portanto, que as partes tenham à sua disposição


mecanismos processuais que oportunizem a celeridade e a própria efetivação do
direito material, de forma que deve ser aplaudido o legislador pela iniciativa da
inserção do instituto da tutela antecipada no texto normativo do Código de Processo
Civil.

Registre-se que é comum se prolongar, por anos, o andamento


processual, para a concreção da instrução probatória, visando a possibilitar ao
julgador uma cognição mais completa dos fatos e do direito material em jogo,
quando, na realidade, as provas de maior poder de convencimento já foram
produzidas, nos autos, pela autor e pelo réu, antes, portanto, da decisão
saneadora.988

Não se justifica, evidentemente, postergar-se a prestação jurisdicional,

985
ZAVASCHI, Teori Albino. Op.cit., p.73.
986
BOLDRINI NETO, Dino. Tutela antecipada nos pedidos incontroversos. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2007, p.18.
987
SCHIMIDT JÚNIOR, Roberto Eurico. Tutela antecipada de ofício.: à luz do art. 273, I, do
Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá Editora, 2012, p.41.
988
Cf. MELO, Maria Rita de Carvalho. Aspectos atuais da tutela antecipada. São Paulo:
Verbatim, 2010, p.37.
358

―estando presentes os elementos e provas capazes de forma e firme convicção do


magistrado [...]‖. 989

É imperioso observar-se que, na antecipação de tutela, há,


provisoriamente, uma antecipação da própria tutela jurisdicional objetivada no
processo de conhecimento, cognominada pelo Ministro Luiz Fux de tutela de
segurança.990 . O referido instituto consagra uma prestação jurisdicional que se
reveste de natureza cognitiva sumária, fundamentada, não só em probabilidade mas
também em caráter de urgência, pelo que se depreende do disposto no artigo 273,
incisos I , II, e § 6º do CPC.991

É interessante notar-se que a introdução do instituto da antecipação da


tutela no direito processual brasileiro foi paradigmática, pela consagração de a
possibilidade de se antecipar o próprio direito material pleiteado, recebendo
disciplina processual própria, diversa da cautelar.

Esclarece, por oportuno, o Ministro Luiz Fux que a situação de


urgência ensejadora da antecipação de tutela reside justamente no fato de que a
própria demora natural da concretude processual constitui elemento ensejador de
dano grave.992 Conclui que não se antecipa a eficácia jurídico-formal da sentença;
―antecipa-se a eficácia que a futura sentença pode produzir no campo da realidade
dos fatos‖.993

O artigo 273 traz, textualmente, a discricionariedade do julgador na


concessão da tutela, com a expressão poderá. No entanto prevalece o entendimento
de que, preenchidos os pressupostos, constitui direito de a parte ser agraciada com
a obtenção da tutela antecipada.994

Neste sentido, leciona-se que, na aludida hipótese, a


discricionariedade do julgador é restrita à extensão e ao alcance do provimento,
podendo, desse modo, conceder a tutela total ou parcial do pedido. ―Mas, dizer o
julgador que indefere, porque o art. 273 lhe faculta antecipar ou não a pretensão de

989
MELLO, Maria Rita de Carvalho, Idem, ibidem.
990
Tutela de segurança e tutela de evidência, p.338.
991
Cf. CIANCI, Mirna. Op.cit., p.98.
992
Op.çit., p.49.
993
FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência. São Paulo: Saraiva, 1996, p.50.
994
Cf. ALVIM, J.E. Carreira. Op.cit. p.36.
359

mérito, é algo inadmissível, que não deve ser tolerado pelos tribunais‖.995

Não se pode olvidar que o legislador, ao permitir que o juiz antecipe os


efeitos da tutela, está, em última análise, sacrificando o princípio da segurança
jurídica. Embora o aludido princípio seja irradiado do artigo 5º, inciso LIV, da
Constituição Federal, a aludida restrição é permitida em face da ameaça de
desprestígio de outro direito fundamental, que é, justamente, o da efetividade da
jurisdição. Em face da impossibilidade de os direitos fundamentais citados serem
aplicados no caso concreto, de forma simultânea e plena, pelo princípio da
necessidade e pela ponderação dos valores colidentes, é justificada a opção do
legislador em se permitir a prevalência do direito fundamental à efetividade
processual sobre à segurança jurídica.996

A expressão ―prova inequívoca‖ contida no caput do aludido artigo


deve ser entendida como aquela prova suficiente, para dar ao julgador a
denominada verossimilhança, neste juízo, de cognição sumária. Neste sentido, o
interessado pode valer-se das provas documental, testemunhal ou pericial
postuladas antecipadamente, ou, mesmo, de pareceres prévios de peritos, no
sentido de suprir a prova pericial.997

Leciona-se que prova inequívoca pode ser conceituada ― como aquela


que apresenta um grau de convencimento tal, que, a seu respeito, não possa ser
oposta qualquer dúvida razoável‖.998

A verossimilhança da alegação inserida na norma supra é constatada


num juízo de delibação, onde o julgador, em face da grande probabilidade de ser
verídico o alegado, está autorizado a conceder, antecipadamente, a tutela pleiteada.

O legislador traz um pressuposto negativo de admissibilidade da tutela


antecipada no artigo 273, § 2º, ao ditar que ela não será concedida, quando houver
perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. O mesmo princípio foi mantido
no artigo 300, § 3º, da Lei nº 13.105/15 (novo CPC). Registre-se, por oportuno, que
o juiz não poderá conceder, a título de antecipação, uma decisão ―que não

995
ALVIM, J.E. Carreira. Op.cit., p.37.
996
Cf. ZAVASCKI, Teori Albino. Op.cit., p.77.
997
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme: ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento.
7.ed., rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.210-211.
998
ALVIM, J.E. Carreira. Op.cit., p.59.
360

concederia como provimento final‖.999

O fundado receio de dano irreparável ou, mesmo, a dificuldade de sua


reparação aludidos no inciso I são pressupostos substanciais que autorizam o
julgador a conceder a tutela antecipada.

A irreparabilidade do dano consiste no fato de ser impossível o


cumprimento da obrigação imposta, caso haja demora na prestação jurisdicional,
coroando-se, nesta hipótese, a inutilidade da aparente vitória obtida na ação.
Também poderá ocorrer dificuldade na própria reparação, caso se aguarde a fruição
natural do processo. Leciona-se, neste sentido, que a entrega imediata de
determinada coisa ― [...] que pode vir a perecer resulta em utilidade maior para o
credor do que a conversão em perdas e danos pelo seu mais alto valor. A tutela
antecipada, nesse caso, é fruto da avaliação do juiz quanto à dificuldade de
reparação‖.1000

Na hipótese contemplada no inciso I, conhecida por antecipação


assecuratória, o legislador permite que o juiz conceda, provisoriamente, a tutela
pleiteada pelo autor, objetivando obstar que, ―[..] no curso do processo, ocorra o
perecimento ou a danificação do direito afirmado‖.1001

Acrescente-se que, na hipótese de a antecipação de tutela ter sido


pleiteada, em face de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação,
poderá ser ela concedida inaudita altera parte, já que eventual oitiva do réu poderá
tornar inócua a decisão antecipatória. Também a tutela poderá ser pleiteada e
concedida em qualquer tempo, após a contestação e, até mesmo, em momento
posterior ao encerramento da instrução, quando a parte puder demonstrar ao juiz a
verossimilhança do direito alegado, cuja demonstração, não foi possível
1002
anteriormente, e ainda persistir o perigo.

A tutela antecipatória, na hipótese supra, pode ser concedida diante de


qualquer modalidade de sentença, até mesmo quando se pleiteia o pagamento de
soma em dinheiro, como os alimentos provisionais, por exemplo.1003

999
FUX, Luiz. Op.cit., p.341.
1000
FUX,Luiz.Idem, p.346.
1001
ZAVASCKI, Teori Albino. Op.cit., p.77.
1002
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de
Conhecimento.7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008,
1003
Cf. MARINONI; ARENHART. Idem, p.221.
361

Registre-se que a tutela antecipada também pode ser pleiteada pelo


réu, embora se trate de possibilidade mais remota. Nota-se que o legislador
emprega o termo parte abrangendo, portanto, as figuras do autor e do réu. Assim, na
hipótese de o réu apresentar reconvenção em sua resposta, estará ele apto a
postular a antecipação de tutela.

Ensina-se que o réu poderá, ainda, apresentar pedido de antecipação


de tutela na própria contestação, sem a necessidade de reconvenção, na hipótese
de ações dúplices, como na ação revisional de aluguel, por exemplo, em que o réu
pode, na contestação, postular que o juiz adote outro indexador de reajuste do
aluguel, diverso do pactuado no contrato.1004

Ensina-se, por oportuno, que ―Todo aquele que alega ter direito à tutela
jurisdicional (definitiva) está legitimado a requerer a antecipação provisória dos seus
efeitos; esta é a regra , que não comporta exceções‖.1005 Registre-se a advertência
de que, na hipótese de a tutela antecipada ser pleiteada em caráter antecedente, a
legitimidade fica restrita ao autor, pelo que se depreende da redação do texto
normativo do artigo 303, § 1º, I, do novo CPC.

O inciso II contempla a hipótese da antecipação da tutela, quando ficar


caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do
réu, sendo que, à luz do avanço doutrinário, o novo C.P.C. classifica a questão
como tutela de evidência, conforme se verificará no tópico seguinte.

Observa-se que, na aludida hipótese, a despeito da exigência da prova


inequívoca e da verossimilhança do alegado, não é a urgência o requisito irradiador
da antecipação da tutela e, sim, o abuso do direito de defesa ou o comportamento
processual manifestamente protelatório da parte requerida.

Registre-se que ―a defesa é uma garantia constitucional, mas apenas


na medida em que não prejudique o direito do autor à efetividade da tutela, também

1004
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação de tutela. 6.ed., rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2000, p.127.
1005
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de
Direito Processual Civil. 10. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2015, v.2, p.572. Complementa os
autores: ―Assim, autor, réu, terceiros intervenientes (que, a partir da intervenção, se tornam parte)
podem requerer a antecipação provisória dos efeitos da tutela (satisfativa ou cautelar), pois todos têm
o direito à tutela jurisdicional e, uma vez preenchidos os pressupostos de lei, também à antecipação
provisória dos seus efeitos‖ (p.573).
362

garantido constitucionalmente‖.1006

De fato, ―a defesa infundada que protela a tutela jurisdicional do direito


evidente é abusiva, abrindo oportunidade à tutela antecipatória‖.1007

Leciona-se que a situação analisada se assemelha à litigância de má-


fé. No caso enfocado, além de o direito pleiteado pelo autor ser verossímil, a
circunstância de a parte adversa apresentar argumentos inconsistentes justifica a
antecipação da tutela, punindo, dessa forma, um ilícito processual com a referida
antecipação.1008 Daí, porque a referida tutela ser conhecida, doutrinariamente,
como tutela antecipativa punitiva.

Ovídio A. Baptista da Silva discorda da aludida corrente doutrinária de


que a citada antecipação se reveste de caráter punitivo pela litigância temerária.
Para o ilustre professor, na realidade, o que ocorre é que, diante da conduta do réu,
a verossimilhança do direito do autor, no caso, é sobrelevada para um grau próximo
à certeza. Argumenta que, se o juiz já estava propenso a inclinar-se, para acolher a
verossimilhança do direito do autor, ―[...] agora, frente à conduta protelatória do réu,
ou ante o exercício abusivo do direito de defesa, se fortalece a conclusão de que o
demandado realmente não dispõe de nenhuma contestação séria a opor ao direito
do autor.1009

Anota Luiz Fux que ―a ideia central da lei é demonstrar a expressiva


evidência do direito do autor, de tal maneira que a defesa é apenas abusiva ou
protelatória, com o escopo de postergar a satisfação dos interesses do titular do
direito líquido e certo‖.1010

Adverte o autor que a segunda modalidade de conduta contida no


inciso II na realidade constitui espécie do gênero abuso no direito de defesa, descrito
na primeira parte. Ensina, ainda, que ―a defesa abusiva é a inconsistente, bem como

1006
DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da
demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.53.
1007
MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. 2.ed.
São Paulo: R.T., 2011, p.131-132. Acrescenta o autor: ―A circunstância de tal técnica trazer risco ao
direito de defesa não pode inviabilizar a sua utilização, pois o procedimento comum, ao obrigar o
autor a arcar sozinho com o tempo do processo, é desconforme aos valores constitucionais,
constituindo fonte de injustiça e evidente estímulo para o abuso do direito de defesa‖ (p.136).
1008
Cf. BEDAQUE\, José Roberto. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e
de urgência, p.326.
1009
Curso de Processo Civil. 3.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996, v.I,
p.118-119.
1010
Op.cit., p.346-347.
363

a que não enfrenta, com objeções, defesa direta ou exceções materiais, a


1011
pretensão deduzida, limitando-se à articulação de preliminares infundadas‖.

Ensina-se que o inciso II se refere a duas técnicas utilizadas pelo


legislador. A primeira se refere à cognição da exceção substancial indireta infundada
e a segunda diz respeito à técnica monitória. A primeira atinente à defesa
substancial indireta, o réu invoca fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito,
cujo ônus probante recai sobre a sua própria responsabilidade, nos termos do artigo
333, inciso II, do C.P.C. Assim, o réu pode retardar a prestação jurisdicional com a
simples alegação do referido fato. No entanto ―o autor não pode ser prejudicado pelo
tempo necessário à elucidação de uma defesa de mérito indireta infundada‖. 1012 É
plenamente justificável, portanto, a concessão da antecipação de tutela em tal
circunstância.

No que tange à possibilidade de a tutela ser antecipada, quando um


ou mais pedidos cumulados, ou parcela deles, restarem incontroversos (§ 6º), a
mencionada norma foi acrescentada ao Código de 1973 pela Lei nº 10.444/12. Ora,
se o pedido em sua totalidade ou mesmo, parcialmente, se tornou incontroverso,
não há por que não se tomar a medida antecipatória.

Trata-se de tutela consubstanciada na evidência do direito pleiteado e


o legislador, uma vez mais, privilegiou o princípio constitucional da efetividade do
processo, ao estabelecer a celeridade na prestação jurisdicional no caso concreto.
Leciona-se que a tutela antecipada para as hipóteses desvestidas do periculun in
mora ―[...] justifica-se na medida em que a prestação jurisdicional deve sempre ser a
mais célere possível, independentemente de haver risco ou não no decurso do
tempo‖.1013

A atualização do texto processual pela lei supra decorreu da angústia


vivenciada pela doutrina e dos legítimos reclamos, diante de situações fáticas, como
esta descrita agora pelo legislador.

É necessário observar-se que a norma em comento se refere ao caso


em que o autor formula mais de um pedido e apenas parte deles se torna

1011
Idem, p.347.
1012
MARINONI; ARENHART, Op.cit., p.232.
1013
DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da
demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.53.
364

incontroversa ou pela admissibilidade parcial, ou pela omissão na contestação,


subsistindo, assim, controvérsia no que tange às demais pretensões contestadas
pela parte contrária. Quando todos os pedidos se tornarem incontroversos, deverá
ser aplicado o instituto do julgamento antecipado da lide. ―Portanto, se o réu não
impugnar nenhum dos pedidos, é o caso de julgamento antecipado e jamais
antecipação de tutela‖.1014

Acrescente-se que não há que se verificar, na hipótese, a questão da


irreversibilidade da decisão, porque justamente estará ela embasada na
incontrovérsia do pedido. É interessante a observação de que, diante da não
impugnação, ainda que parcial, atinente a um dos pedidos, passando a questão a
ser incontroversa, o magistrado estará apto a conceder a tutela antecipada, desde
que pleiteada pelo autor ― [...] e que não se trate de pedido subordinado ou
dependente daquele que fora devidamente impugnado‖.1015

Nunca é demais relembrar-se que não se pode invocar o instituto do


julgamento antecipado da lide, na hipótese, porque se trata de decisão interlocutória,
revestindo-se da característica da provisoriedade até o julgamento definitivo da
lide1016. Essas hipóteses contidas no inciso II e § 6º serão tratadas, no tópico
seguinte, como tutela de evidência.

Considerando-se que o pedido incontroverso é aquele em cujo teor


não foi estabelecido controvérsia entre autor e requerido, poderá o juiz conceder a
tutela antecipada, na hipótese de o requerido não se opor ao pedido? Leciona-se,
aliás, que ―incontroverso é adjetivo que designa o indiscutível, o incontestável, o
indubitável e também o que não é controverso, o que não desperta controvérsia, o
incontrovertido‖.1017 A resposta deve ser negativa, porque poderá o juiz aferir que o
pedido seja descabido, ensejando um julgamento final contrário ao interesse do
autor. Ademais, poderá a hipótese versar sobre direitos indisponíveis, de forma que,
mesmo na omissão do requerido, deverá o juiz verificar a viabilidade do pedido.1018

A tutela antecipatória foi consagrada e aprimorada no novo texto do

1014
NOTARIANO JR, Antonio; BRUSCHI, Gilberto Gomes. O julgamento antecipado da lei e a
antecipação de tutela em casos de pedidos incontroversos. In: ARMELIN, Donaldo (Coord.). Tutelas
de urgência e cautelares. São Paulo: Saraiva, 2010, p.127.
1015
NOTARIANO JR, Antonio; BRUSCHI, Gilberto Gomes. Idem, p.128.
1016
Cf. NOTARIANO JR, Antonio; BRUSCHI, Gilberto Gomes. Idem, p.130.
1017
ZAVASCKI, Teori Albino. Op.cit., p.110.
1018
Cf. ZAVAZCKI, Teori Albino Idem, ibidem.
365

estatuto processual civil (Lei nº 13.105/15), na parte geral, mais precisamente em


seu livro V, títulos de I a III, artigos de 294 a 311.

Aglutinando as modernas lições doutrinárias, o legislador, diferente do


Código de 1973, normatizou, separadamente, as hipóteses de tutela antecipada e
tutela de evidência.

O livro V trata da tutela cautelar e da tutela antecipada, moduladas


como espécies de tutela provisória de urgência . Não houve inovação quanto à
oportunidade da concessão que poderá concretizar-se em caráter antecedente ou
incidental.

A tutela de evidência foi destacada no título III do livro V, sendo


classificada pelo legislador como espécie de tutela provisória, conforme se verá no
tópico seguinte.

Quando a tutela é motivada no critério de urgência, dispõe o artigo 300:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo.

O capítulo II do título II trata da tutela antecipada pleiteada em caráter


antecedente.

Deve ser recapitulado que a tutela de urgência somente se justifica


como técnica processual, quando se destina a impedir que se consume ou agrave
um dano, cuja realidade fática não autoriza esperar a prestação jurisdicional que
ordinariamente se efetivaria via cognição exauriente, consubstanciada na sentença
de mérito. ‖É, pois, a resposta do processo a uma situação de emergência, de
perigo, de urgência‖.1019

Assinale-se que o legislador estabeleceu os mesmos requisitos para a


concessão da tutela cautelar e da tutela antecipada, como tutelas provisórias de
urgência, consubstanciados no fumus boni iuris e periculum in mora, por meio da
evidência da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil

1019
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alii. Primeiros comentários ao novo Código de
Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p.498.
366

do processo. 1020

Leciona-se que o juízo da plausibilidade do direito deverá ser


subdimensionado, quando o periculum for evidente. Assim, mesmo naquelas
hipóteses em que o julgador ― [...] não vislumbre uma maior probabilidade do direito
invocado, dependendo do bem em jogo e da urgência demonstrada (princípio da
proporcionalidade), deverá ser deferida a tutela de urgência, mesmo que
satisfativa‖.1021

A expressão risco ao resultado útil do processo condensa o anseio


doutrinário pelo respeito aos princípios do acesso à justiça e da duração razoável
do processo e as técnicas processuais, para amenizar a demora na efetivação da
prestação jurisdicional, cujas ponderações doutrinárias já descritas se encaixam na
previsão legislativa em comento.

Perfilhando o mesmo caminho do Código de 1973, o novo C.P.C.


manteve o pressuposto negativo de admissibilidade da tutela antecipada, no artigo
300, § 3º, ao ditar que ela não será concedida, quando houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado.

A aludida irreversibilidade sofre severas críticas doutrinárias, mesmo


porque todas decisões antecipatórias, em tese, são reversíveis, de forma que ― [...] a
irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento não pode constituir obstáculo para
a concessão da tutela antecipada‖.1022

Não se pode olvidar que há situações em que a tutela antecipada


haverá de ser concedida , mesmo diante de provável irreversibilidade do provimento
antecipado, como nas ações ordinárias de obrigação de fazer distribuídas em face
de empresas operadoras de saúde, em que se concede tutela antecipada para a
realização de procedimento de saúde, mesmo não contemplado no contrato
pactuado entre as partes.

Registre-se que, caso o autor alcance a tutela antecipada, nos termos


do artigo 303 do novo CPC, deverá providenciar o aditamento da inicial com
argumentações complementares, a juntada de novos documentos, sem descuidar-se

1020
Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alii. Idem, ibidem.
1021
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alii.Op.cit., p.499.
1022
SILVA, Jaqueline Mielke. Tutela de urgência: De Pietro Calamandrei e Ovídio Araújo
Baptista da Silva. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009, p.221.
367

do pedido de tutela final, com o prazo de quinze dias, conforme preceitua o artigo
303, § 1º, da aludida lei.

Ensina-se que a petição inicial, elaborada, nos termos do ―caput‖ do


artigo 303, deve apontar, desde já, em que consistirá o pedido principal, visando,
até mesmo a sensibilizar o julgador quanto à extensão e alcance dos efeitos
irradiados pela medida de urgência pleiteada.1023

No que tange à estabilização da decisão que concede a tutela


antecipada, em face da não interposição de recurso (art.304), trata-se de inovação
do novo diploma processual, restrita à tutela antecipada, não alcançando a tutela
cautelar. ―Isso se dá, porque a técnica conservativa empregada pela tutela cautelar,
presume a adoção de uma providência protetiva temporária, que deve ser eficaz até
que a parte possa ser satisfeita pelo pedido principal‖.1024

O legislador estabelece um pressuposto negativo para a estabilização


que se concretizará, se não houver interposição de recurso da decisão concessiva
da antecipação de tutela. A não interposição do recurso, aliás, ensejará a extinção
do processo, conforme expressa disposição normativa contida no artigo 304, § 1º,
do novo CPC.

Acrescente-se que a tutela antecipada pode ser pleiteada,


incidentalmente, no curso do processo, podendo tal pedido ocorrer, até mesmo, em
sede recursal, por meio de requerimento incidental direcionado ao próprio tribunal,
quando seus pressupostos aflorarem nos autos, após a prolação da sentença,
conforme se verifica na redação dos artigos 294, parágrafo único, e 299, parágrafo
único, ambos da nova lei.

2.5.1.2 Da tutela de evidência

A tutela de evidência é aquela em que, em face de a demonstração do


direito material estar tão explícita e não gravitar, sobre ele, qualquer dúvida, o
magistrado poderá antecipar os efeitos da tutela almejada, sem a necessidade de
dilação probatória.

1023
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alii.Op.cit., p.508.
1024
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alii. Idem, p 511.
368

Verifica-se, preambularmente, que, na tutela de evidência, não se


exige o risco de dano como na tutela de urgência, já que o escopo da providência,
no caso, é a própria efetivação do direito sem a preocupação da presença do
periculun in mora.

Ensina Luiz Fux que, sob a ótica processual, ― [...] é evidente o direito
cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou ao menos
impassíveis de contestação séria‖.1025

Leciona-se que a tutela de evidência se caracteriza como uma técnica


processual diferenciada, que se justifica pela própria evidência das alegações
demonstradas nos autos. ―A evidência é o fato jurídico processual. É o estado
processual em que as afirmações de fato estão comprovadas‖.1026

A referida tutela diferenciada requer a presença de dois pressupostos.


O primeiro consiste em levar aos autos prova das alegações fáticas, enquanto o
segundo reside na probabilidade de acolhimento da pretensão do requerente.1027

A justificativa da tutela de evidência pautada por uma cognição sumária


pode ser extraída do seguinte argumento doutrinário:

[...] se as afirmações de fato e o direito do autor se colocam em restado de


evidência, a injustiça que pode decorrer da sua espera por uma cognição
exauriente, necessária para a concessão de tutela definitiva, é muito mais
provável do que aquela que vitimaria o réu como um eventual erro judiciário
advindo da apreciação superficial da causa, por uma cognição sumária, que
1028
funde uma tutela provisória.

Segundo já observado, o legislador de 1973 inseriu as hipóteses de


tutela de evidência no bojo da norma que trata da tutela antecipada (art. 273).
Assinale-se que o nosso código em vigência também prevê tutela provisória de
evidência nos procedimentos especiais, como na ação possessória (art. 562),
embargos de terceiro (art. 678) e na ação monitória (art. 700).

O novo Código de Processo Civil, como já assinalado, deu destaque à

1025
Op.cit., p.311.
1026
Cf. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Op.cit.,
p.617.
1027
Cf. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Idem,
p.618.
1028
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Idem, ibidem.
369

tutela de evidência tratando o instituto separadamente da tutela antecipada. Dispõe


o artigo 311 :

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da


demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo,
quando: I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser
comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em
julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III – se tratar de
pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato
de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto
custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com
prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que
o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

É interessante observar-se que o novo texto normativo que trata da


tutela de evidência ampliou as hipóteses contidas no código revogado, para inserir,
no inciso II do artigo supra, a hipótese em que o fato puder ser comprovado apenas
documentalmente e a tese esposada já estiver consagrada no julgamento de casos
repetitivos ou em súmula vinculante. Indiscutivelmente, a evidencia do direito, em tal
caso, se reveste de forma cristalina, não se justificando, evidentemente, sacrificar o
interesse do autor até a prolação da sentença que inegavelmente, em tal
circunstância, lhe seria favorável, embora tardiamente, em face da notória e temida
mora processual.

O inciso I contemplado no presente artigo já foi comentado no tópico


anterior, sendo oportuno observar-se que o legislador não alterou o texto da aludida
hipótese, que se encontra inserido no artigo 274, inciso II, do código em vigência.
Em complemento, merece registro o fato de que o abuso de direito de defesa
alcança os abusos e excessos cometidos pelo requerido na contestação e também
quaisquer outras manifestações realizadas no processo.1029O manifesto propósito
protelatório aflora nas hipóteses de condutas procrastinatórias, como ― [...] insistir em
discutir matéria já preclusa, repetir alegações indeferidas, fazer reiteradas cargas,
repetir recursos que foram inadmitidos‖.1030

A hipótese do inciso III, de certa forma já estava prevista no artigo 461


do código revogado, enquanto o inciso IV contempla a hipótese de o fato estar
lastreado em prova documental, cuja força irradiante, para a cognição, não foi
1029
Cf. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Idem,
p.524.
1030
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alii. Op.cit., p.524.
370

obstaculizada, exitosamente, pela contestação, já que o réu não conseguiu refutá-


la. Como a força da prova documental não foi afastada por nenhuma outra, é salutar
a tutela de evidência.

Acrescente-se que a providência acautelatória enfocada tem clara


inspiração no mandado de segurança, onde o direito do impetrante se encontra
evidenciado em prova pré-constituída, em sua liquidez e certeza.

Observa-se, pelo texto normativo do artigo 311, parágrafo único, da


nova lei, que as hipóteses contidas nos incisos II e III contemplam a concessão de
liminar, de forma que, nas hipóteses dos incisos I e IV, a tutela de evidência
somente poderá ser efetivada após a defesa apresentada.

Merece registro a observação de que a hipótese contida no artigo 273,


§ 6º, do Código de Processo Civil foi albergada na nova lei como causa de
julgamento antecipado parcial do mérito, conforme se verifica no artigo 356.

A reforma processual foi motivada por críticas contundentes de parte


da doutrina que já vislumbra, no atual texto normativo, não a antecipação de tutela,
e, sim, julgamento antecipado parcial da lide, no que tange aos pedidos
incontroversos ensejadores, por conseguinte, de tutela definitiva, mediante cognição
exauriente.

2.5.2 Alterações no C.P.C. – proposta de lege ferenda

As disposições contidas nos tópicos anteriores vêm de encontro ao


disposto no artigo 71 do Estatuto do Idoso, que impõe ao Estado-Juiz a devida
celeridade processual em todos os feitos em que o idoso for parte ou interveniente.

Conforme explicitado, o procedimento ordinário reveste-se de uma


marcha processual historicamente morosa. Paradoxalmente, o processo, no século
XXI, gravita sobre a efetividade dos direitos e essa angústia acaba por piorar, ainda
mais, a pretensão do autor, que deve aguardar, pacientemente, a prática de
sucessivos atos processuais, para se ver tutelar um direito material que se
reconhece tardiamente.

Essa aparente crise que recai sobre a ofensa ao princípio da duração


371

razoável do processo pode e deve ser contornada, não só com o aprimoramento


legislativo, para tornar mais céleres os procedimentos, mas também por
instrumentalizar o juiz com liberdade de conceder a tutela judicial antecipadamente,
em casos especiais, como os enumerados na norma citada.

Não só nos casos de urgência, notadamente nos casos de fundado


receio de dano irreparável ou de difícil reparação, mas também nas hipóteses de
direitos evidentes, em que não se justifica o retardamento da providência judicial
pleiteada.

O acesso à justiça, no século XXI, não pode receber o mesmo


tratamento do passado, em que milhares de pessoas não tinham acesso ao Juiz,
até mesmo nas litigiosidades contidas, e, quando conseguiam ingressar no
processo, o seu direito era menosprezado ou repelido.

A exigência de um processo justo, à luz dos princípios reitores da


Constituição Federal, impõe ao Estado-Juiz um olhar especial aos grupos
vulneráveis, como os idosos, de forma que, especialmente nos casos em que os
idosos buscam, judicialmente, a tutela judicial a eventual direito fundamental violado,
deverá o magistrado verificar a possibilidade da concessão, até mesmo de ofício, da
tutela antecipada, quer pelo critério de urgência, quer pelo critério de evidência.

Registre-se a oportuna observação de que a rapidez da resposta do


Estado-Juiz a tais pretensões ―[...] se ajusta à moderna exegese do princípio da
‗justiça adequada‘, porque ao preceito constitucional de que ‗nenhuma lesão
escapará à apreciação judicial‘ deve encaixar-se a tutela célere do direito
material‖.1031

Apresenta-se, assim, proposta de lege ferenda, visando a acrescer


parágrafos nos dois artigos citados, no sentido de instituir a obrigatoriedade da
concessão de tutela antecipada nos processos em que figurar idoso como autor e a
discussão gravitar sobre ofensa a direito fundamental social.

No entanto, como o legislador impôs a devida celeridade processual no


artigo 71 do Estatuto do Idoso, independentemente das providências acautelatórias
citadas, o próprio processo deve ultimar-se com a almejada tutela judicial, no menor
prazo possível.

1031
FUX, Luiz. Op.cit., p.309.
372

Estar-se-ia diante de uma norma meramente simbólica sem força


cogente para obrigar os seus destinatários?

Evidentemente que não! O legislador quis, de fato, ao preceituar a


celeridade nos processos que digam respeito a ações de interesses de idosos que o
Estado-Juiz se estruturasse o bastante, para que a aludida norma fosse cumprida.

A despeito de a aludida norma estar desprovida de sanção, é


facilmente explicável, por ser o seu destinatário o próprio Estado. No entanto,
apesar da aludida particularidade, não perdeu ela a sua heteronomia.

Ensina, a propósito Miguel Reale que temos a liberdade de criticar as


leis com as quais não concordamos, mas devemos nos comportar de acordo com a
imposição irradiada da lei, ainda que não haja a correspondente adesão de nosso
espírito. ―Isto significa que elas valem objetivamente, independentemente, e a
despeito da opinião e do querer dos obrigados‖.1032

No caso enfocado, foi a própria sociedade civil que sensibilizando o


legislador conseguiu a concreção de tão importante norma destinada à almejada
celeridade processual das ações envolvendo interesses da pessoa idosa.

Assim, deve o Estado-Juiz aparelhar-se com a devida estrutura, para


poder cumprir o disposto no artigo 71 do Estatuto do Idoso.

Merece registro a importante observação de Rudolf Von Jhering


quando ensina que ―O Estado é a forma do exercício regulado e assegurado da
força social de coação, ou, de modo mais conciso, a organização da coação
social‖.1033

Discorrendo, ainda, sobre a imperatividade e a coercibilidade das


normas jurídicas, ensina o referido mestre alemão que a aludida coação direcionada
à concreção de todos os imperativos irradiados pela legislação ―[...] reflete-se
inteiramente no âmago da maquinaria coercitiva do Estado‖.1034

Evidentemente, se o próprio Estado impõe ao Poder Judiciário que se


dê impulsividade diferenciada ao processo envolvendo interesse de idoso, no intuito

1032
Lições preliminares de direito. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.49.
1033
A finalidade do direito. Tradução de Heder K. Hoffmann. Campinas: Bookseller, T. 2002,
p.212.
1034
Idem, p.227.
373

de torná-lo mais célere do que os demais, não pode omitir-se do aludido dever, sem
que advenham consequências pelo vilipêndio normativo.

A consequência natural da ofensa à ordem jurídica reside na imposição


de uma sanção legal. Leciona-se, aliás, que a sanção pode ser definida como
―consequência jurídica que o descumprimento de um dever acarreta em relação ao
obrigado‖.1035

Francesco Carnelutti, ao discorrer sobre o preceito, ensina que, a


despeito do esperado cumprimento espontâneo, não se deve iludir que grande
parte deles não operam por si, daí a origem da sanção que ― [...] significa
precisamente tornar qualquer coisa que é preceito, inviolável ou sagrada‖. 1036

Verifica-se, assim, que a aludida norma, tal como um oráculo, deve ser
reverenciada pelos órgãos julgadores, tal qual os oradores se comportam no templo.

Como a citada norma se encontra desprovida de sanção, sugere-se,


de lege ferenda, a inserção de normas processuais no novo Código de Processo
Civil, estabelecendo o prazo de um ano para a prolação da sentença nas ações
envolvendo interesse de idoso, com a possibilidade de o prazo ser prorrogado pelo
mesmo prazo, nas ações complexas, sob pena do Estado ser compelido a depositar
no Fundo Nacional (Estadual) do Idoso, a título de indenização, quantia não inferior
a cinco salários mínimos, para cada ano ou fração de ano superior a seis meses de
atraso, pelo dano moral difuso de violação ao direito do idoso à efetividade do
acesso à justiça.

Também as mesmas inserções normativas devem ser feitas para os


tribunais de segunda instância, que deverão ter o prazo improrrogável de um ano
para o julgamento do recurso de apelação. Na hipótese de o tribunal não realizar o
julgamento no prazo fixado, deverá reconhecer, de ofício, o dano moral citado,
com a fixação de indenização não inferior a cinco salários mínimos, para cada ano
ou fração de ano superior a seis meses de atraso, quantia que também deverá ser
depositada no fundo nacional ou estadual de justiça, dependendo da origem da
ação.

1035
MÁYNEZ, Eduardo García. Introduccion ao estúdio del derecho. 51.ed. Mexico:
Editoral Porrua, 2000, p.295.
1036
Teoria geral do direito. TGradução de Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: Lejus, 1999,
p.114.
374

Arcará com os custos da indenização a Fazenda Pública Federal ou


Estadual, conforme a origem da ação (Federal ou Estadual), cabendo ao Tribunal
oficiar, diretamente, ao respectivo órgão da Fazenda Pública para que efetue o
depósito num prazo não superior a seis meses.

Como o orçamento reservado , anualmente, ao Poder Judiciário é


exíguo, o numerário requisitado não poderá ser deduzido da rubrica orçamentária
do aludido poder. Em caso de mora da Fazenda Pública, caberá ao Ministério
Público providenciar a execução do valor do dano.

A escolha do órgão do Ministério Público, para providenciar a


execução do valor do dano, em exame decorre do fato de que a instituição é levada
a agir sempre, no processo, quando aflora um interesse público, ainda que se trate
de matéria de direito privado.

Ademais, o Ministério Público se encontra estruturado em todos os


territórios para agir na tutela dos interesses difusos, e vem evoluindo, a cada ano,
para se legitimar como uma das instituições públicas qualificada para a tutela dos
interesses indisponíveis da sociedade. 1037

1037
Vide anexos 04 e 05
375

3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA OFENSA À


DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

3.1 O dever de indenizar na omissão de julgar

No conceito geral de Direito Civil, a responsabilidade civil pode ser


definida como ―a obrigação em que o sujeito ativo pode exigir o pagamento de
indenização do passivo, por ter sofrido prejuízo imputado a este último‖.1038Esse
prejuízo imputado ao sujeito passivo decorre de um ato ilícito, ou mesmo, de um
fato jurídico.

Classicamente a responsabilidade civil se divide em subjetiva e


objetiva. A primeira é caracterizada pelo ato ilícito doloso ou culposo,
transmudando-se na própria causa de pedir. A segunda se reveste de uma
caraterística peculiar. Apesar de o agente não ter praticado ato ilícito, a sua
responsabilidade decorre da prática de fato jurídico previsto na lei material que
aponta a sua responsabilidade no caso concreto. Para a caracterização da
responsabilidade objetiva, contudo, há necessidade de dois pressupostos: ―a)dano
patrimonial ou extrapatrimonial suportado pelo credor; b) relação de causalidade
entre a conduta do devedor descrita em lei e o dano do credor. Aqui, o pressuposto
subjetivo é irrelevante‖.1039

Explica a melhor doutrina que o fundamento da responsabilidade


objetiva que se consubstancia pela imputação da indenização a quem agiu
licitamente, reside na socialização de custos, ―como é o caso do Estado, do
empresário ou do INSS‖.1040

Sua função reside na recomposição do patrimônio da vítima. Se o


credor sofreu danos de natureza patrimonial ou extrapatrimonial, caberá ao devedor
ser compelido a assegurar tal recomposição.

1038
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: obrigações, responsabilidade civil.
6.ed .São Paulo: Saraiva, 2014, p.266. Ensina o ilustre filósofo que a heteronomia consiste,
justamente, nessa ―[...] validade objetiva e transpessoal das normas jurídicas, as quais se põem, por
assim dizer, acima das pretensões dos sujeitos de uma relação, superando-as na estrutura de um
querer irredutível ao querer dos destinatários‖ (p.49).
1039
COELHO, Fábio Ulhoa. Idem, p.270
1040
COELHO, Fábio Ulhoa. Idem, p.276
376

Importa acrescentar-se que, diversamente da responsabilidade


subjetiva, a objetiva não se reveste do caráter sancionatório. Como já explicitado,
embora não tenha praticado ato ilícito, ele responde pelos danos, pela capacidade
de socializar os custos. No entanto, mesmo ―não tendo função sancionatória, a
responsabilidade civil objetiva cumpre, seu modo, a função de prevenir novos
prejuízos ou acidentes‖.1041

Na realidade, a responsabilidade objetiva é explicitada pela teoria do


risco. Para a aludida teoria, todos aqueles detentores de alguma atividade cria, de
certa forma, algum risco de causar dano a terceiros e, dessa forma, deve reparar
eventual dano perpetrado, ainda que desprovida a conduta de culpa. 1042

Assinale-se que o instituto em exame tem seu fundamento no princípio


da indenidade que pressupõe que a ―elaboração, interpretação e aplicação das
normas de responsabilidade civil devem ser feitas, com o objetivo de facilitar o
acesso da vítima à indenização‖.1043

O legislador civil, pelo que se depreende do disposto no artigo 186 do


Código Civil, optou pela responsabilidade subjetiva, como regra, adotando,
subsidiariamente, a responsabilidade objetiva, tanto em leis especiais, como nas
Leis nºs 6.453/77, 6.938/81 e 8.78/90 (Código de Consumidor), como, nos textos
legais contidos no próprio código, como por exemplo, nos artigos de 936 a 938.

A doutrina comemorou a inserção da responsabilidade sem culpa, de


forma genérica, no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, já que o legislador
assimilou a necessidade de aprimoramento da nossa legislação, porque todo aquele
que exerce atividade que, em tese, representa risco a terceiros, não só deverá
assegurar a não realização da lesão, sob pena de ser compelido a indenizar a
vítima, mas também terá a sua frente, o Estado-Juiz, devidamente autorizado a
ampliar as hipóteses de indenização. De fato, se houve dano no caso concreto, nas
atividades mencionadas no preceito, é que não foram tomadas as medidas

1041
COELHO, Fábio Ulhoa. Idem, p.288.
1042
Explica Carlos Roberto Gonçalves que no caso ― [...] a responsabilidade civil desloca-se
da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como ‗risco-proveito‘, que se funda no princípio
segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada
em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente como ‗risco
criado‘, a que se subordina todo aquele que,sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo‖
(Responsabilidade civil. 15.ed . São Paulo: Saraiva, 2014, p.59)
1043
COELHO, Fábio Ulhoa. Idem, p.291.
377

recomendas por lei.1044

Quanto à responsabilidade civil do Estado, observa-se que a


Constituição da República estabelece a responsabilidade objetiva, dispondo no seu
artigo 37, § 6º:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado


prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O preceito constitucional foi replicado no Código Civil, que preceitua no


seu artigo 43:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente


responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem
danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do
dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Nota-se, pelas disposições normativas em comento, que,


independentemente, do dolo ou culpa do agente público, haverá o dever de
indenizar do Estado, salvo na ausência de dano patrimonial ou extrapatrimonial.

Frise-se que a imputação da responsabilidade objetiva ao Estado


atende ao interesse público. Com efeito, o Estado deve ser visto como um ente
politicamente organizado, que foi idealizado, para propiciar segurança, paz e
prosperidade aos cidadãos que cederam parcela das suas liberdades públicas para
a sua concreção, invocando-se, aqui, o postulado contratualista de Rousseau. Se o
Estado, em qualquer de sua atividade, acarreta dano ao cidadão, é de Justiça que a
Fazenda Pública assegure a indenização ao prejudicado, com a possibilidade de
ação de regresso contra o agente causador do dano, desde que ele tenha agido com
dolo ou culpa.

É interesse notar-se que a responsabilidade civil do Estado não


pressupõe necessariamente que o agente causador do dano seja funcionário público
na acepção estrita da palavra. Desde que o agente esteja a serviço da
Administração Pública, é suficiente, para a caracterizar a responsabilidade civil

1044
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op.cit., p.60-61.
378

enfocada.1045

A doutrina e a jurisprudência se mantiveram receosas, por muitos anos,


da admissão da responsabilidade civil do Estado por erros judiciários ensejadores
de danos às partes. Tal situação jurídica, no Brasil, aos poucos se foi modificando
e a matéria acabou sendo pacificada, com a própria Constituição de 1988, que
admitiu, expressamente, no artigo 5º, inciso LXXV, a indenização por erro judiciário,
quando o condenado permanecer segregado além do tempo fixado no título judicial.

Ensina-se, aliás, que a objetivação da responsabilidade civil implica na


supressão de qualquer valoração sobre a conduta do agente que provocou o dano.
Os erros cometidos na prática dos atos jurisdicionais decorrem da própria falibilidade
dos juízes, que ―são humanos e falíveis. A responsabilidade objetiva permite que as
repercussões econômicas desses erros sejam distribuídas entre os beneficiários em
geral da atuação do Poder Judiciário [...]‖.1046

Se o erro judiciário deve ser passível de indenização, qual a


consequência atinente à omissão do órgão jurisdicional, em julgar um processo
envolvendo interesse de idoso, sem a devida observância do disposto no artigo 71
do Estatuto do Idoso c.c. o artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal?

A leitura do preceito constitucional não deixa dúvida de que o Estado-


Juiz deve estruturar-se, no sentido de que a aplicação do princípio da duração
razoável do processo passe a ser o oráculo do magistrado ao lado de outras
vertentes de Justiça. Verifica-se, ainda, que o constituinte determinou, no mesmo
artigo, que o Estado providencie os meios, para que os atos processuais sejam
praticados com a devida celeridade.

O Estado-legislador cumpriu sua função constitucional, brindando a


sociedade brasileira com um novo Código de Processo Civil, cujos preceitos foram
iluminados com estruturação técnica avançadíssima, a fim de que as partes e o juiz

1045
Comentando ambos os preceitos citados preleciona Fábio Ulhoa Coelho que: ―O preceito
normativo menciona a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público pelos danos
causados por seus agentes, conceito amplo que alcança toda e qualquer pessoa a serviço do
Estado.‖ (Op.cit., p.383). Menciona, ainda, que o Estado poderá ser responsabilizado até mesmo por
atos causados por pessoas estranhas ao quadro do funcionalismo público e que também não estejam
a serviço de ente público, desde que haja lei expressa admitindo tal indenização, como na hipótese
de atentados terroristas contra aeronaves de matrícula brasileira operada por empresas nacionais de
transporte aéreo público, onde há a responsabilidade da União até um teto de um bilhão de dólares,
definido pela Lei nº 10,744/03 (p.383-384)
1046
COELHO, Fábio Ulhoa. Op.cit., p.385.
379

tivessem um avançado instrumento de prestação jurisdicional. No entanto a história


demonstra que o Judiciário nem sempre se organiza administrativamente, para
vencer os desafios impostos pela Constituição Federal e pela legislação ordinária.

No caso do processo envolvendo interesse do idoso, contudo, mais do


que aplicar o princípio da duração razoável do processo, o legislador impôs que o
órgão jurisdicional prestasse a jurisdição antes dos demais feitos, permitindo, até
mesmo, que seja criada vara especializada para a tramitação das aludidas ações.

Caso não haja consequências para a omissão estatal haverá, uma


mera lei simbólica (estatuto) , cujo descumprimento será assimilado como algo
natural e impossível de ser superado. Todas as escusas, aparentemente
justificáveis, de falta de estrutura, recursos humanos, etc, seriam apresentadas
como óbices instransponíveis para o cumprimento dos aludidos preceitos.

É digno de nota que a Corte Europeia de Direitos Humanos, em várias


decisões prolatadas, em face dos estados europeus, que descumpriram o princípio
em exame, além da preocupação com o caso concreto, deixou registrado o
propósito de estimular modificação legislativa, bem como a estrutura do Judiciário
nos países imputados, a fim de que a aplicação do aludido princípio seja exitosa.
Registre-se que uma das preocupações da Corte, por meio do art. 6º, § 1º, ― [...] não
é somente garantir a razoável duração processual, mas também impor aos Estados
a obrigação de adotarem medidas nas instâncias judiciária e administrativa, a fim de
a justiça ser corretamente administrada‖.1047

É interessante, também, o julgamento do caso Tomé Mota v. Portugal,


no ano de 1999, onde aquela Corte deixou consignado no julgamento que todo
cidadão tem o direito subjetivo a um procedimento célere e adequado, visando à
efetividade da jurisdição. Percebe-se, pelo julgado, a preocupação dos ministros
com celeridade processual, já que a velocidade com que tramita a ação ―deve ser
razoável, já que a demora em seu trâmite a desnatura em sua finalidade, isto é, a
excessiva duração da ação acaba minando a sua capacidade intrínseca, como
remédio judicial, para a resolução do mérito da causa‖.1048

Como também já observado, a Corte Europeia de Direitos Humanos

1047
Calhao, Antônio Ernani Pedroso. Op.cit., p.156.
1048
Calhao, Antônio Ernani Pedro. Idem, p.154. Vide o caso supra mencionado pelo autor
em: http://www.menschenrechte.ac.at/orig/03_6/Egger.pdf
380

condenou o Estado Italiano inúmeras vezes, a indenizar as partes, pelo não


atendimento do princípio da duração razoável do processo, o que levou aquele
Estado a aprovar a Lei nº 89, de 24 de março de 2001, conhecida por Legge Pinto,
que regulou a indenização dos cidadãos, em caso de ofensa ao aludido princípio,
bem como alterou os procedimentos dispostos no Código de Processo Civil, para
tornar mais célere os julgamentos nos órgãos jurisdicionais italianos.

A proposta, contudo, do presente trabalho transcende o mero dano


individual da parte, já que o dano aqui sofrido se reveste da natureza de dano moral
difuso, atinente à violação do direito do idoso à efetividade do acesso à Justiça.

Neste sentido, a cada processo envolvendo interesse da pessoa idosa,


em que o órgão jurisdicional olvidar do dever de celeridade, ignorando o preceito já
citado, estará, não só ofendendo o direito do idoso litigante mas também o interesse
de todos os idosos na concretude de um processo célere e eficiente.

O dano difuso aqui analisado é de natureza moral, diverso do dano


patrimonial eventualmente sofrido pela parte.

Registre-se que o dano moral não encontrava positivação no


ordenamento jurídico, mas, aos poucos, foi sendo construído pela doutrina e
jurisprudência, culminando por ser emoldurado na Constituição Federal, conforme se
vê no artigo 5º, inciso V.

A Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), com a redação dada pela
Lei nº 8.884/94, passou a contemplar, expressamente, o dano moral, conforme
expressa redação normativa contida no seu artigo 1º, ao lado do dano patrimonial.

O Superior Tribunal de Justiça, em brilhante acórdão, reconheceu a


possibilidade de dano moral coletivo, asseverando:

[...] 7. A possibilidade de indenização por dano moral está prevista no art.


5º, inciso V, da Constituição Federal, não havendo restrição da violação à
esfera individual. A evolução da sociedade e da legislação têm levado a
doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e
interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa
coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial. 8. O dano moral coletivo é
a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito
transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do
ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas
qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade,
apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma
pessoa.9. Há vários julgados desta Corte Superior de Justiça no sentido do
381

cabimento da condenação por danos morais coletivos em sede de ação


civil pública. Precedentes: EDcl no AgRg no AgRg no Resp 1440847/RJ,
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado
em 07/10/2014, DJe 15/10/2014, REsp 1269494/MG, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013;
Resp 1367923/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/09/2013; REsp 1197654/MG, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2011,
1049
DJe 08/03/2012.[...]

Leciona-se que o dano moral pode ser caracterizado por ofensas a


padrões éticos de indivíduos que se espargem a todos os componentes de
determinados grupos sociais protegidos,1050 que, no caso, podem ser citados os
idosos.

De fato, os idosos, em face da própria sensibilidade ínsita à idade,


tendem a acreditar na eficiência das instituições públicas, até mesmo porque
representam elas porto seguro de grande parte dos idosos, notadamente daqueles
dependentes do fomento público, como, por exemplo, os benefícios previdenciários.
Mais do que outro agente político, o juiz de direito é visto pelo idoso como um
semideus dotado de perfeição terrena, incapaz de errar. Assim, a frustração de um
processo mal conduzido, cujo procedimento se perpetua no tempo, sem a almejada
efetividade, é muito mais impactante para o idoso do que para qualquer outro
indivíduo situado noutra faixa etária, cuja omissão estatal representa grave
vilipêndio, não só ao direito do idoso citado no feito mas também a todo o grupo
integrante dessa faixa etária atingido difusamente, de forma que é de Justiça a
fixação de uma indenização a ser recolhida ao fundo nacional ou estadual do idoso,
que poderá fomentar a instalação de varas especializadas e exclusivas do idoso,
nos termos do artigo 70 do Estatuto do idoso, com o escopo de aperfeiçoar a
estrutura do Poder Judiciário, a fim de que tais frustrações sejam extirpadas ou
mesmo amenizadas.

Sugere-se, assim, de lege ferenda1051, a edição de lei visando


acrescer ao Fundo Nacional do Idoso e também aos respectivos fundos estaduais
de idosos, a possibilidade para receberem tais indenizações decorrentes da
violação ao princípio da duração razoável do processo nas ações envolvendo
1049
T2, REsp nº 1397870/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.02/12/2014, DJe
10/12/2014.
1050
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública. 7.ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009, p.14.
1051
Vide anexo 4.
382

interesses dos idosos, cujos fundos poderão ser utilizados, além das tradicionais
políticas públicas, também para a instalação de varas especializadas e exclusivas do
idoso.

Assinale-se que as indenizações impostas nos processos envolvendo


interesses de idosos que tramitaram na Justiça Federal serão depositadas no
Fundo Nacional do Idoso.

O Fundo Estadual do Idoso, por sua vez, receberá as indenizações


mencionadas, quando os processos tramitarem pela Justiça Estadual.

3.2 Alteração do fundo do idoso

Como já observado, a mencionada indenização se destinará ao Fundo


Nacional ou Estadual o Idoso, a depender da origem do processo (Federal ou
Estadual).

O Fundo Nacional do Idoso foi criado, através da Lei nº 12.213, de 20


de janeiro de 2010 e por se tratar de fundo público, consiste no patrimônio gerido
pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, composto de dinheiro e
outros valores, com a finalidade precípua de ― [...] financiar os programas e as ações
relativas ao idoso com vistas em assegurar os seus direitos sociais e criar condições
para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade,
conforme preceitua o artigo 1º da aludida lei. Em face da sua finalidade de fomentar
políticas públicas voltadas aos interesses dos idosos, poderá ele fomentar a
instalação de Varas Privativas dos idosos, nos termos do artigo 70 do Estatuto do
idoso.1052

Agregue-se que o fundo citado, apesar de desprovido de personalidade


jurídica, pode ser revestido de personalidade judiciária, como a massa falida, o
condomínio, o espólio, etc., sendo que sua instituição somente poderá ser levado a
efeito, por meio de lei, já que, além de se tratar de ―um complexo de natureza
financeira‖ , tem, em sua constituição, dinheiro público.

Assinale-se que, mesmo na hipótese de o fundo mencionado captar

1052
Vide definição de fundo em CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op.cit., p.388.
383

dinheiro privado, no momento em que o recurso financeiro ingressar no fundo,


tornar-se-á público, já que uma das características dos fundos públicos consiste no
controle direto ou indireto do Estado. ―Os recursos que o compõem configuram-se
como recursos públicos, com o que se caracterizam como bens públicos‖. 1053

O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa encarregado de


gerir o Fundo Nacional do Idoso, é um órgão colegiado, paritário composto,
atualmente, de 14 (quatorze) representantes do governo federal e 14 (quatorze) da
sociedade civil e sua decisão se reveste de força deliberativa decorrente do
princípio da participação popular na gestão pública.

Os fundos estaduais também são geridos pelos conselhos estaduais,


os quais, da mesma forma, se revestem da necessária paridade entre
representantes governamentais e da sociedade civil e suas decisões também são
irradiadas com força deliberativa.

1053
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Idem, p.389. Acrescenta o autor que: ―Se pública
for a fonte, a diferença não estará na qualificação, mas sim na destinação: os recursos que visavam
ao pagamento de indenização passam, uma vez integrados no fundo, a incorporar os objetivos a que
este está preordenado. Em outras palavras, permanece a qualidade de recurso público, mas
modifica-se sua finalidade‖. (p.389).
384

CONCLUSÃO

Os direitos fundamentais constituíram a tônica do presente trabalho, e


não se pode confundi-los com os direitos humanos, já que os direitos fundamentais
se aplicam aos direitos reconhecidos e positivados por determinado Estado, no
âmbito constitucional, ao passo que o termo direitos humanos se refere aos direitos
constantes dos documentos internacionais que são ínsitos ao ser humano, como
pessoa, sem vínculo com a ordem constitucional local.

A evolução histórica dos direitos fundamentais ensejou


doutrinariamente a classificação de tais direitos em gerações ou dimensões

Assim, aqueles de primeira dimensão, albergados tanto nas


declarações universais como no âmbito interno dos Estados, foram os individuais e
os direitos políticos.

Os direitos fundamentais de segunda dimensão nasceram vinculados


ao ideal de um Estado Social, objetivando a concreção das necessidades mínimas
do ser humano.

Os direitos de terceira dimensão têm, por escopo, a proteção do ser


humano como ente da humanidade, como a paz mundial, o direito à preservação do
patrimônio comum da humanidade etc. Os direitos fundamentais, em tal dimensão,
passam a gravitar sobre a fraternidade.

Parte da doutrina enfatiza, ainda, os direitos fundamentais de quarta


dimensão, que consiste em sua globalização abrangendo a universalização, no
âmbito institucional, como o direito à democracia.

Fala-se, ainda, em direito fundamental de quinta geração, que é o


direito à paz, bem como em direitos fundamentais de sexta dimensão, em face da
necessidade de se proteger a água potável no mundo inteiro, por ser notória a sua
escassez, tratando-se, por conseguinte, de um problema crucial que aflige toda a
população do planeta.

Ao elencar direitos emoldurados de fundamentais, como a saúde, a


educação, a previdência, a proteção da criança, do idoso, do portador de deficiência
385

etc, a Constituição da República estabelece um ápice demarcatório de


características diferenciadoras dos demais direitos.

Registre-se que os direitos fundamentais são dotados de característica


diferenciadora, que é a finalidade de concreção do princípio da dignidade da pessoa
humana.

Os direitos fundamentais são dotados de características intrínsecas,


como a historicidade; universidade e internacionalidade; autonomia e
irrenunciabilidade, autogeneratividade e indivisibilidade; limitabilidade e concorrência
de direitos; maximização ou efetividade.

No que tange à fundamentalidade formal e material dos direitos


fundamentais, registre-se que a formal decorre do sistema constitucional positivo, de
forma que somente a Constituição é que pode apontar quais direitos se revestem de
tal status.

A fundamentalidade material, por sua vez, alcança aqueles direitos


que, a despeito de não estarem listados no catálogo constitucional, são
materialmente fundamentais e integram a Constituição formal.

Acrescente-se que evolução dos direitos fundamentais fez com que


pudessem eles ser enfocados hodiernamente, não só como direitos subjetivos
individuais mas também como elementos objetivos fundamentais.

No que tange à eficácia dos direitos fundamentais com vinculação, não


só dos poderes públicos mas também das entidades privadas, denomina-se eficácia
vertical, em suas dimensões objetiva e subjetiva, quando focadas as relações entre
o Poder Público e os cidadãos. A eficácia horizontal, também denominada de
eficácia privada ou eficácia em relação a terceiros, é aquela decorrente das
relações entre particulares.

Ainda nas relações privadas, aplicam-se os ditames oriundos dos


imperativos de tutela e proibições de intervenção, bem como do princípio da
proibição da proteção insuficiente.

Não se pode olvidar que, na colisão de direitos fundamentais entre


particulares, embora, em princípio, se deva invocar, tão somente, a mediação do
direito privado, alguns danos decorrentes desses conflitos ferem, substancialmente,
386

os preceitos constitucionais, ensejando, assim, a jurisdição constitucional, para


resguardar a tutela de tais direitos.

O direito do idoso se encontra inserido na categoria dos ―novos


direitos‖. O Estado brasileiro classifica o idoso como a pessoa com idade igual ou
maior de 60 anos, cujo conceito se encontra normatizado no artigo 1º da Lei nº
10.741, de 1º de outubro de 2003.

Assinale-se que o direito do idoso se vem revestindo de uma nova


especialidade fomentada, inicialmente, por um imperativo demográfico, já que o
aumento populacional de idosos é crescente. É inegável que a população mundial
está envelhecendo e no Brasil se descortina uma realidade não menos preocupante
nessa seara.

Esse avanço extraordinário do número de idosos, no Brasil, com


inversão da pirâmide populacional, representa um acentuado desafio para a
sociedade brasileira, posto que, neste século XXI, a população jovem será bem
inferior ao número de idosos.

Os aludidos desafios, não restritos ao nosso território, passaram,


também, a merecer a atenção internacional, especialmente das Nações Unidas que,
por meio da Resolução 33/52, convocou, em 1982, uma Assembleia Mundial Sobre
o Envelhecimento, realizada na cidade de Viena, onde se aprovou o Plano de Ação
Internacional de Viena Sobre o Envelhecimento.

Em 1991, a ONU, na Assembleia Geral realizada naquele ano, aprovou


a Resolução nº 46/91, que estabeleceu princípios a serem seguidos pelos Estados-
Parte na proteção da população idosa.

Vinte anos depois da primeira assembleia, mais precisamente em abril


de 2002, a ONU realizou a Segunda Assembleia Mundial Sobre o Envelhecimento,
na cidade de Madrid. Os textos elaborados na referida assembleia representaram
uma explicita e extraordinária posição favorável da ONU aos grandes movimentos
sociais e científicos, no sentido de que os Estados devem preparar-se com políticas
públicas adequadas, para enfrentar no século XXI, não só os problemas advindos do
aumento da população idosa no mundo mas também insertar programas protetivos
dos direitos humanos inerentes ao homem em tal faixa etária.
387

Focando as ações regionais em favor da pessoa idosa, a Comissão


Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (CEPAL) já
realizou três conferências regionais intergovernamentais desde 2003, seguindo o
delineamento do Plano de Ação Internacional de Madrid sobre o Envelhecimento,
mas respeitando as especificidades da América Latina e Caribe.

A OEA, aprovou, no dia 15 de junho de 2015, a convenção


Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos.

No que diz respeito ao compromisso interno do Estado brasileiro na


defesa dos interesses dos idosos, percebe-se, pela leitura de todos os textos
protetivos dos direitos humanos albergados pelas constituições brasileiras anteriores
a 1988, que nenhuma delas teve uma preocupação especial com os direitos e
garantias da pessoa idosa.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegurou,


de forma nunca vivenciada em nosso território, a proteção dos direitos fundamentais
do homem, não se olvidando de explicitar a pessoa idosa, conforme se verifica nos
artigos 203, V, 229 e 230.

A Lei nº 8.842/94, que dispôs sobre a Política Nacional do Idoso, que


teve, por escopo, assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para
promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade, conforme
expressa redação inserida no seu artigo 1º, representou uma quebra de paradigma
no tratamento do Estado brasileiro à pessoa idosa, em face do reconhecimento
normatizado de amplos direitos reconhecidos aos referidos indivíduos, como o
direito à cidadania, o respeito social, não discriminação, informações sobre o
envelhecimento, participação, capacitação, atualização, cultura, esporte, lazer,
saúde, educação, previdência, trabalho, habitação e assistência social.

Em janeiro de 2004, entrou em vigência a Lei nº 10.741/2003, o nosso


Estatuto do Idoso, que, utilizando-se de um critério etário no artigo 1º, culminou por
admitir como pessoa idosa toda aquela com idade igual ou superior a 60 (sessenta)
anos. A referida lei inseriu, no ordenamento jurídico brasileiro, todos os princípios e
diretrizes internacionais protetivas da pessoa idosa, estabelecendo mecanismos
jurídicos de proteção dos direitos fundamentais do idoso, tanto no âmbito vertical
como no horizontal, não deixando, inclusive, de regular importante matéria
388

previdenciária, civil e processual civil de interesse do idoso.

Dentre os direitos fundamentais albergados pela Constituição Federal


explícita e implicitamente, a vida constitui o bem mais precioso do ser humano,
sendo sua inviolabilidade a primeira a receber destaque constitucional, pelo que se
depreende do disposto no artigo 5º, caput, da nossa Carta.

O direito à vida decorre, ainda, do princípio da proteção integral do


idoso consagrado no artigo 2º do Estatuto do Idoso, E, para consagrar esse direito,
assim como os demais catalogados no ordenamento jurídico, a referida lei
estabelece medidas de proteção gerais e específicas e delineia toda a política de
atenção aos interesses dos idosos, disciplinando, inclusive, o funcionamento de
entidades de acolhimento e eventuais infrações e sanções administrativas.

No que se refere ao direito à saúde, o idoso vivencia uma condição


física mais adversa do que o jovem, já que usufruir de saúde, enquanto jovem,
constitui um acontecimento inteiramente natural. O Estatuto do Idoso, neste sentido,
foi muito preciso, ao vincular o direito à vida do idoso à sua saúde e dignidade,
conforme se verifica no disposto no artigo 9º:

A aludida disposição normativa leva à inarredável conclusão de que os


idosos, em face da sua condição física peculiar, merece toda a atenção do Estado,
no sentido de que sua saúde deve ser preservada a todo custo.

O direito fundamental aos alimentos, como não poderia deixar de ser,


alcança os idosos com grande intensidade. Como se não bastasse a disposição
normativa do artigo 1.694 do Código Civil, que autoriza que parentes, cônjuges ou
companheiros postulem uns dos outros os alimentos de que necessitem, para viver
de modo digno com a sua condição social, alcançando, inclusive, as despesas
atinentes à educação, o Estatuto do Idoso determina, em seu artigo 3º, que é dever
da família, da comunidade, da sociedade, bem como do Estado garantir ao idoso, de
forma prioritária, dentre outros, o direito à alimentação.

Os aludidos alimentos, conforme posição já consolidada na doutrina,


devem ser compreendidos de forma ampla, suplantando a mera alimentação digna,
a fim de alcançar o suficiente para a sobrevivência do idoso.

Verifica-se, ainda, que o Estatuto do Idoso, conforme disposições


normativas inseridas nos artigos 11 e 12, privilegiou o idoso, que, necessitando
389

de alimentos, tem a opção de exigir do parente mais abastado, independente da


ordem estabelecida pelo Código Civil, a prestação alimentar em face do princípio da
solidariedade, estabelecido pela lei mencionada.

A moradia constitui um direito fundamental social, por estar


intrinsicamente ligada à dignidade da pessoa humana.

Com especificidade à pessoa idosa, o Estatuto do Idoso não se olvidou


da importância da moradia digna, conforme se verifica no artigo 37. O número de
idosos, no Brasil, que optaram por viver sós vem aumentando gradativamente, a
cada ano e já há programas habitacionais típicos para idosos que vivem em tal
situação familiar.

O artigo 38 do Estatuto do Idoso impõe que, nos programas


habitacionais públicos subsidiados com recursos do tesouro, haja uma reserva de
pelo menos 3% das unidades habitacionais para os idosos, sendo oportuno
observar-se que as unidades reservadas aos idosos devem estar,
preferencialmente, no pavimento térreo.

O transporte público coletivo é um serviço público de extrema


relevância para a coletividade, sem o qual seria impossível imaginar-se a mobilidade
urbana, bem como a movimentação de massas entre municípios contíguos, entre
municípios de diferentes Estados e, até mesmo, entre territórios transnacionais.

Para que o idoso possa utilizar-se do transporte público, é


imprescindível a apresentação do bilhete de viagem do idoso. O idoso deve
providenciar, nos pontos de venda da transportadora, a expedição de um único
Bilhete de Viagem do Idoso, com antecedência mínima de 03 horas antes do horário
de partida do ponto inicial da linha de transporte, sendo-lhe facultado solicitar a
expedição de bilhete de viagem de retorno, desde que respeitados os procedimentos
da venda de passagem da empresa transportadora. As reservas de assentos
deverão ser mantidas até o horário definido pelo artigo em comento.

A prova de idade poderá ser feita com a apresentação do original de


qualquer documento de identidade, com fé pública e que tenha foto.

A comprovação de renda do idoso, poderá ser feita por meio da


Carteira de Trabalho e Previdência Social devidamente atualizada; contracheque de
pagamento ou documento equivalente expedido pelo empregador; carnê de
390

contribuição para o INSS; extrato de pagamento de benefício ou declaração


fornecida pelo INSS ou outro regime de previdência social público ou privado e,
ainda, documento ou carteira expedida pelas Secretarias Estaduais ou Municipais de
Assistência Social, ou congêneres.

No Estado de São Paulo, a Lei nº 15.187, de 29 de outubro de 2013


reduziu a idade para a concessão do aludido benefício, autorizando o Poder
Executivo a implementar a gratuidade às pessoas maiores de sessenta anos, nos
transportes públicos de passageiros operados pelo METRO, Companhia Paulista de
Trens Metropolitanos (CPTM) e Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos
(EMTU), conforme o artigo 1º da aludida lei.

Também a Lei Estadual nº 15.179, de 23 de outubro de 2013,


concedeu às pessoas idosas maiores de sessenta anos a gratuidade no serviço
intermunicipal de transporte coletivo de passageiros de característica rodoviária
convencional, até o limite de dois assentos por veículo, conforme se verifica no seu
artigo 1º, caput.

Com especificidade à pessoa idosa, a fundamentalidade do direito ao


trabalho encontra-se explicitada no artigo 3º do Estatuto do Idoso , que normatiza
ser dever da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurarem
à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito ao trabalho, dentre
outros direitos ali catalogados.

Inserir o idoso no processo educativo consiste em prepará-lo para o


pleno exercício da cidadania. Ensina-se que a educação é imprescindível para a
cidadania, a fim de para assegurar o acesso as direitos fundamentais.

É de fundamental importância direcionar-se o processo educativo no


Brasil, para atender a demanda da população idosa, sendo imperiosa, portanto, a
implementação de uma política educacional especifica para tal camada
populacional.

A Constituição da República não só instituiu a cidadania cultural como


direito fundamental social como também impôs ao gestor público o dever de
promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro.

No que tange ao direito da pessoa idosa à cidadania cultural, decorre


ele não só dos preceitos constitucionais em exame como também do artigo 3º do
391

Estatuto do Idoso, que reafirma o aludido direito fundamental, como, ainda, dos
artigos 20 e 23 da mesma lei.

Constitui dever do Estado tutelar a pessoa idosa, assegurando sua


participação, na comunidade, em todas as atividades voltadas a sua formação
educacional, cultural e social, pelo que se depreende da redação normativa do artigo
230 da Constituição da República.

Embora não haja um fomento em nível nacional, por parte da União da


prática esportiva entre os idosos, alguns Estados, como São Paulo, vêm realizando,
anualmente, os denominados Jogos Regionais do Idoso (JORI) e Jogos Abertos do
Idoso (JAI), sob a responsabilidade da Coordenadoria do Esporte e Lazer da
Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, em parceria
com o Fundo Social de Solidariedade.

O idoso é comumente visto pela sociedade como uma pessoa que


possui todas as características ideais, para usufruir do lazer, já que, além de
aposentado, goza de tempo livre para tal atividade. No entanto esse estereótipo que
recai sobre o idoso encontra-se desvinculado da realidade social brasileira.

Com efeito, apenas uma minoria de idosos podem, de fato, usufruir do


lazer. Além dos problemas financeiros, que afligem grande parte dos idosos, cuja
aposentadoria é insuficiente, até mesmo para a sua subsistência, não se pode
olvidar que grande parte dos idosos têm responsabilidades familiares e sociais, o
que lhes reduz, substancialmente, o tempo para o lazer.

Contudo constitui manifesto vilipêndio à dignidade do servidor idoso


afastá-lo, compulsoriamente, do serviço público, mediante mero requisito objetivo da
idade denotativo de sua incapacidade laboral.

Evidentemente, a aposentadoria deve ser analisada como um prêmio


social ao servidor que trabalhou, durante vários anos, em prol da sociedade, quer no
serviço público ou privado.

No que tange à área processual, dentre os direitos fundamentais de


suma importância contemplados pela Constituição Federal, merece destaque o
acesso à justiça imposto pelo artigo 5º, inciso XXXV, pois é por meio dele que se
garante aos cidadãos a concretude de todos os direitos fundamentais, em eventual
omissão ou lesão dos Poderes Públicos, ou, mesmo, a tutela a qualquer outro
392

direito e/ou interesse supostamente violado. O acesso à justiça consiste no direito de


ação, que se reveste no poder jurídico atribuído a toda pessoa sujeita de direitos de
provocar a jurisdição, visando à satisfação de uma pretensão.

O acesso à justiça deve ser lembrado sob duas angulações relevantes.


A primeira gravita sobre a igualdade de acessibilidade a todas as pessoas, enquanto
a segunda se direciona a iluminar o sistema jurídico, para que produza resultados
individual e socialmente justos.

Muito mais do que o direito de ação, a Constituição Federal impõe que


o legislador e o Poder Judiciário garantam aos cidadãos o direito fundamental à
efetividade da tutela jurisdicional.

Assinale-se que o julgamento do mérito de um processo somente


atingirá a almejada importância, se o próprio direito material a que tiver atrelado for
concretizado e reconhecido pelo Estado-Juiz. O devido processo legal se
consubstanciará, no caso concreto, se o acesso ao processo for facilitado pelo
Poder Judiciário, a fim de que se sedimente uma ampla e eficaz proteção dos
direitos materiais.

O legislador, assim, não pode estabelecer um processo formalista ao


extremo, sob pena de obstaculizar a efetivação do aludido direito fundamental,
violando o denominado princípio da proibição da proteção insuficiente.

O legislador também deve edificar um procedimento idôneo, visando a


assegurar a proteção dos direitos materiais, uma vez que o direito à proteção de que
gozam os cidadãos não se circunscreve tão somente ao reconhecimento de direitos
materiais mas também de normas processuais adequadas.

Dessa forma, como há o dever do Estado-legislador de editar normas


protetivas revestidas de direito substancial, bem como daquelas reguladoras de
técnicas processuais adequadas, a responsabilidade do Estado-Juiz também aflora,
no caso, como dever de prestação ao cidadão litigante, que almeja, no caso, uma
resposta ao vilipêndio ao seu direito fundamental.

É imperioso, ainda, o registro da importância da reverência ao


princípio da duração razoável do processo judicial e administrativo.

O direito à duração razoável do processo impõe ao juiz o dever de,


393

impulsionar o processo com a devida celeridade, não permitindo a prática de atos


dilatórios e procrastinatórios.

A Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004,


introduziu várias modificações no capítulo do Poder Judiciário e inseriu, no âmbito
dos direitos fundamentais, a positivação do princípio da duração razoável do
processo, conforme preceito emoldurado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da
Constituição Federal, que deve ser observado em todos os procedimentos
administrativos e judiciais.

De fato, é direito de todos o acesso a um processo justo e equitativo


que garanta a efetividade dos direitos fundamentais. O direito fundamental
mencionado alcança não só os brasileiros como também os estrangeiros, além das
pessoas jurídicas de direito público e privado. Alcança, até mesmo, os entes
despersonalizados, como a massa falida, cujo processo tem, inclusive, tramitação
preferencial.

O desrespeito ao referido direito fundamental constitui inegável


violação ao princípio da proibição da proteção insuficiente. De fato, a prestação
jurisdicional tardia representa inegável injustiça, muitas vezes acarretando efeitos
deletérios aos interesses de uma ou de ambas as partes litigantes, com lesão
material e moral significativas.

Anote-se que a instrumentalidade processual foi sobrelevada com o


direito fundamental da duração razoável do processo, acarretando, por conseguinte,
a relativização da forma, de modo que a sanção da ineficácia do ato processual, por
eventual defeito de forma, somente será levada a efeito quando causar prejuízo de
natureza material e procedimental.

Esse dever do Estado em prestar a jurisdição tempestivamente por


decorrer de um princípio constitucional, gera, inegavelmente, a responsabilidade
objetiva em caso de omissão do Estado-Juiz.

Sem desconsiderar os consideráveis prejuízos econômicos


acarretados, na área cível e trabalhista, pela intempestiva prestação jurisdicional,
há, ainda, os efeitos deletérios na área criminal, com fomento gravíssimo à
impunidade e aos próprios direitos individuais dos réus, que não podem ser
vilipendiados pela omissão estatal de julgá-los no tempo devido.
394

A grave situação vivenciada pelo Estado-Juiz, no Brasil, é de


conhecimento público e os efeitos da morosidade processual são por demais
catastróficos para as partes, como o idoso, que tem que aguardar o resultado da sua
demanda por vários anos, sendo que, em muitos casos, a aludida prestação
somente é realizada após a sua morte.

Deve-se comemorar, no entanto, o novo Código de Processo Civil,


sancionado em 16 de março de 2015, que vai permitir, após um ano de vacatio
legis, maior celeridade processual, aliada à eficiência na prestação jurisdicional.

Retomando a questão do acesso à Justiça, verifica-se que foi ele


erigido pela Constituição Federal como um dos direitos fundamentais de todo
cidadão, seja ele nacional ou estrangeiro.

No que se refere à sua natureza jurídica, observa-se que esse poder


jurídico constitui um atributo da personalidade do indivíduo, revestindo-se, assim,
prefacialmente, de um caráter nitidamente privado. No entanto, como a efetividade
desse exercício interessa à comunidade, transmuda-se o aludido poder em
público, já que a garantia de justiça interessa a toda a coletividade.

É digno de nota o fato de que o direito de acesso à Justiça não se


resume na provocação do órgão jurisdicional. A moderna doutrina enfoca o aludido
direito de forma transcendente, já que o Estado deve propiciar a todos uma
jurisdição eficiente com a prática de atos tempestivos, sem dilações indevidas. Aliás,
este direito de invocar a tutela jurisdicional eficiente está umbilicalmente ligado à
dignidade da pessoa humana, de maneira que cabe ao Estado o dever de
disponibilizar mecanismos efetivos à sua tutela. Cabe, assim, ao órgão jurisdicional
provocado utilizar-se dos meios técnicos avançados, sempre reverenciando o devido
processo legal, para que tal atividade seja prestada tempestivamente.

Verifica-se, assim, que o direito fundamental à prestação jurisdicional


se agrega ao princípio da duração razoável do processo e à própria efetividade do
processo. A aludida efetividade pressupõe o seu fim maior de extirpar insatisfações,
sempre iluminado pela justiça, tendo, como diretriz, o cumprimento do direito.

Assinale-se, por oportuno, que a América Latina se destaca, dentre


outros territórios, pela gritante desigualdade social. A acentuada fragilidade social é
uma realidade explícita na ampla maioria dos países, sendo que o nível de pobreza
395

chega a atingir quase a metade da população. 1054

Devem-se comemorar, portanto, os novos parâmetros processuais


voltados à efetividade processual. Neste sentido, a pessoa idosa acabou sendo
beneficiada, em face da evolução legislativa.

O Estatuto do Idoso, que já contemplou inegáveis avanços no seu


texto, dedicou todo o Título V ao acesso à Justiça, dispondo, no capítulo II do
referido título, mais precisamente nos artigos de 73 a 77, sobre a atuação do
Ministério Público na defesa dos interesses dos idosos, tanto no âmbito
administrativo, quanto no judicial.

Essa preocupação do Estado-brasileiro em proteger grupos


vulneráveis, como as crianças, as mulheres, as pessoas com deficiência e os
idosos, decorreu, inegavelmente, do reconhecimento e da expansão de tais
minorias nos documentos internacionais fomentados pela ONU.

A referida proteção das minorias é fruto também da positivação


constitucional dos direitos fundamentais, que, diante de uma sociedade plural, como
a brasileira, autorizou a realização de ações afirmativas, objetivando, desse modo, a
concreção , de fato, de um Estado social, que tem, por escopo, a reverência ao
processo isonômico em todas as suas dimensões.

O direcionamento de uma instituição consolidada e estruturada em


todas as comarcas do país, para tutelar os interesses da pessoa idosa, como o
Ministério Público, constitui inegável discriminação positiva em favor dos idosos.

É relevante observar-se que o Ministério Público tem, como missão


constitucional, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
indisponíveis, conforme preconiza o artigo 127 da Nossa Carta.

Verifica-se pela disposição normativa do artigo 73 do Estatuto do Idoso


que a atuação do Ministério Público na proteção dos interesses do idoso será
realizada na forma preconizada pela Lei Orgânica do Ministério Público.

O novo Código de Processo Civil, após repetir, no artigo 176, a


redação normativa contida no artigo 127 da Constituição Federal, atribui o direito de
ação ao Ministério Público no seu artigo 177.
1054
Cf. TARTUCE, Fernanda. Igualdade e vulnerabilidade no processo civil. Rio de
Janeiro: GEN/Forense, 2012, p.41.
396

Registre-se que a pessoa idosa não pode ser vista como uma pessoa
incapaz, de forma que somente o caso concreto é que indicará a necessidade ou
não da intervenção do Ministério Público.

No entanto, em face da redação contida no artigo 75 do Estatuto do


Idoso, o magistrado, em todas as ações envolvendo direito ou interesse da pessoa
idosa, deverá encaminhar os autos ao Promotor de Justiça oficiante, para que o
Ministério Público delibere sobre o interesse institucional de participar no feito.

A despeito de, ordinariamente, o Ministério Público atuar na defesa do


coletivo no âmbito social, tem inegável atuação na defesa dos direitos individuais
indisponíveis, conforme expressamente assinala a própria Constituição Federal em
seu artigo 127.

Registre-se que as legislações infraconstitucionais oportunizam ao


Ministério Público agir em nome da criança, do adolescente e do idoso, na tutela de
interesses individuais, evidenciando, assim, a legalidade da substituição processual
ou legitimação extraordinária, pelo que se depreende do disposto nos artigos 7º e
201, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente; e nos artigos 9º, 43, inciso III, e
74, inciso I, do Estatuto do Idoso.

Essa legitimação extraordinária, contudo, somente se efetivará nos


direitos individuais indisponíveis e quando o idoso estiver em situação de
vulnerabilidade. Na hipótese, por exemplo, de ofensa a direitos fundamentais da
pessoa idosa, como a integralidade à saúde, caso o gestor público se omita no
dever de propiciar ao idoso consulta médica, exames, medicamentos ou eventual
procedimento cirúrgico, pode e deve o Promotor de Justiça ou o Procurador da
República do território judicializar o pedido, para que o gestor público seja
compelido a efetivar aquele direito fundamental violado. No âmbito da
horizontalidade dos direitos fundamentais, pode ocorrer que o cidadão idoso esteja
em situação de abandono, privado dos necessários alimentos, aflorando aí, a plena
necessidade de ajuizamento da ação de alimentos, nos termos do artigo 74, inciso II,
da Lei nº 10.741/03.

Não são poucos os casos, também em que o Ministério Público se


depara com idosos desprovidos, até mesmo, de existência jurídica e, diante de tais
casos, deve providenciar o pedido registro tardio daquele cidadão junto ao Estado-
397

Juiz.

Em face da irrenunciabilidade dos direitos fundamentais, não deve o


Ministério Público ser provocado, para agir em defesa dos interesses individuais e
coletivos dos idosos, já que cabe à aludida instituição tomar providência, de ofício,
em tal hipótese.

Como o Ministério Público foi nominado como um dos tutores dos


interesses dos idosos, devendo promover todas as medidas extrajudiciais e judiciais
cabíveis para o efetivo respeito aos direitos e garantias assegurados aos idosos, não
se justifica aguardar ser provocado, para agir. A imposição normativa do artigo 74
do Estatuto do Idoso não deixa dúvida sobre o dever do membro do Ministério
Público de agir de ofício, se necessário for, para assegurar a devida tutela dos
direitos dos idosos, que poderá ser levada a efeito, até mesmo na esfera
extrajudicial.

Na questão de alimentos, o Promotor de Justiça poderá lavrar termo


de acordo entre alimentante e alimentando, em seu gabinete, que será por ele
referendado e com força de título extrajudicial para sua execução, em caso de
descumprimento, nos termos do artigo 13 do Estatuto do Idoso.

Também o Ministério Público poderá realizar mediação entre os filhos e


outros parentes para celebrar acordo atinente à guarda do idoso e/ou à contratação
de cuidadores, em caso de extrema vulnerabilidade, em que o idoso passa a
depender do auxílio de terceiros.

Quanto à ação civil pública, como se depreende do texto legal, objetiva


a tutela de direitos coletivos e difusos e a sua terminologia decorre do fato de ela
poder ser interposta por órgão estatal, como é o caso do Ministério Público e da
Defensoria Pública, com o escopo de tutelarem interesses de natureza coletiva,
como já explicitado.

Dispõe o artigo 74, inciso I, do Estatuto do Idoso que o Ministério


Público deverá instaurar inquérito civil e promover a ação civil pública para a defesa
dos direitos e interesses difusos ou coletivo, individuais indisponíveis e individuais
homogêneos dos idosos.

A Lei nº 7.347/85 oportuniza, por sua vez, ao Promotor de Justiça a


instauração de inquérito civil, visando à apuração dos fatos que lhe foram
398

apresentados, nos termos do artigo 8º, parágrafo único.

Quando o Ministério Público deliberar interpor ação civil pública, em


face das provas colhidas no inquérito civil, o aludido procedimento ou cópias
digitalizadas instruirão a referida ação.

Caso o membro do Ministério Público não se tenha convencido de


eventual dano coletivo, difuso ou individual homogêneo, deverá promover o
arquivamento do inquérito civil. No entanto a decisão do órgão oficiante só
produzirá efeito jurídico após a homologação da decisão pelo Conselho Superior do
Ministério Público, nos termos do artigo 9º, § 1º, da Lei nº 7.347/85.

É interessante observar-se que há possibilidade de o Ministério Público


convencer o gestor público ou, mesmo, o particular a tomar as providências
cabíveis, para assegurar a tutela dos direitos coletivos, difusos ou individuais
homogêneos, sem a necessidade da interposição da ação civil pública.

Possibilita-se, assim, a lavratura do denominado termo de ajustamento


de conduta, por meio do qual há uma celebração de acordo entre o Ministério
Público e a parte investigada, no sentido de que esta aceita, formalmente, realizar
as obras e/ou os serviços pleiteados pelo Ministério Público, com prazo razoável
para a edificação ou a concreção dos serviços postulados.

A necessidade de se dar dignidade ao idoso no transporte público, com


a implementação de plataformas especiais e elevadores nos ônibus, pode ser
alcançada via ação civil pública, caso as tratativas desenvolvidas no decorrer no
inquérito civil não sejam suficientes, para sensibilizar o gestor público.

Mas a ação civil pública pode, inclusive, ser utilizada na defesa dos
direitos fundamentais dos idosos, no âmbito da horizontalidade. Não são poucos os
casos em que financeiras estabelecem encargos ilegais nos denominados
empréstimos consignados, embutindo-as nas prestações, para que o idoso não
perceba a maledicência do banqueiro. Também as operadoras de saúde sacrificam
os interesses dos idosos, estabelecendo encargos ou suprimindo direitos não
autorizados em lei, ensejando a atuação oportuna do Ministério Público, para sanar
tais vilipêndios, em sede de inquérito civil, mediante a celebração de termo de
ajustamento de conduta ou, mesmo, via ação civil pública.

Chama a atenção, ainda o fato de o Estatuto do Idoso normatizar a


399

questão do Ministério Público, poder agir como substituto processual do idoso em


ação individual, em situação de risco, conforme preceitua o artigo 74, inciso III.

Embora seja correto o entendimento de que a autorização


constitucional outorgada ao Ministério Público, no artigo 127, para atuar como
substituto processual, na defesa dos direitos indisponíveis, já fosse suficiente, a
autorização legislativa irradiada do Estatuto do Idoso dá mais autoridade, para que
a instituição possa agir em tais hipóteses.

Dessa feita, caso determinado idoso necessite de uma medicação que


lhe é negada pelo gestor, o órgão do Ministério Público poderá ajuizar ação,
postulando que o Estado-Juiz determine que o SUS providencie a medicação
imediatamente àquele cidadão idoso, individualmente considerado.

A Defensoria Pública, por sua vez, desenvolve um papel constitucional


protetivo dos interesses dos idosos e de outros grupos vulneráveis, de altíssima
relevância pública.

O emolduramento constitucional na defensoria pública, no artigo 134,


por si só realça a importância da instituição para a concreção dos direitos
fundamentais assegurados pela Constituição da República.

Merece destaque, pelo alcance normativo, o disposto no artigo 1° da


Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, por assegurar a defesa dos
necessitados em todos os graus, dos direitos individuais e coletivos, de forma
integral e gratuita.

Em face da importância institucional da OAB, foi ela eleita pelo


Estatuto do Idoso como um dos entes co-legitimados, para defender os interesses
da pessoa idosa, podendo, para tanto, interpor ações cíveis fundadas em
interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos e, até mesmo, nas hipóteses
de interesses indisponíveis.

Aliás, nunca é demais relembrar-se que o legislador estabeleceu, de


forma cristalina, no artigo 82, a necessidade de se utilizarem de todas as técnicas
processuais adequadas para a defesa dos interesses e direitos protegidos pela
citada lei.

Dessa forma, a OAB está autorizada não só a ajuizar ação na defesa


400

individual do idoso, desde que se trate de direito indisponível, mas também ações
visando à tutela de interesses coletivos e difusos.

O artigo 81, inciso IV, do Estatuto do Idoso também nomina as


associações legalmente constituídas, há, pelo menos, um ano, como co-
legitimadas a buscar a tutela judicial dos direitos dos idosos mediante as mesmas
técnicas processuais já descritas, apenas exigindo que, estatutariamente, esteja
previsto o fim institucional de defesa dos interesses e direitos da pessoa idosa.

O legislador brasileiro dedicou todo o Título V do Estatuto do Idoso ao


acesso à Justiça, tanto no interesse individual da pessoa idosa, como no interesse
coletivo, estabelecendo, ainda, os co-legitimados a pleitearem a tutela judicial, como
o Ministério Público.

Além de autorizar o poder público a criar varas especializadas


exclusivas do idoso, conforme se verifica no artigo 70 daquela lei, o estatuto ainda
estabeleceu a prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na
execução dos atos e diligências judiciais, em que figura como parte ou interveniente
pessoa idosa, como se vê no preceito descrito no artigo 71.

Tal postura do legislador brasileiro vem de encontro à necessidade de


se protegerem os grupos vulneráveis, dentre eles, as pessoas idosas, por meio da
denominada discriminação positiva.

Essa maior responsabilidade do juiz, no século XXI, para julgar


demandas atinentes a interesses de idosos, implica, como consequência, na sua
necessária capacitação e especialização, para enfrentar questões peculiares. Não é
por outra razão que o Estatuto do Idoso prevê que o poder público poderá criar
varas especializadas e exclusivas, para julgar lides envolvendo interesses da
pessoa idosa.

A ampla judicialização de questões negligenciadas notadamente pelos


órgãos ínsitos ao Poder Executivo acaba por transferir ao Estado-Juiz a
implementação da própria política pública olvidada pelo gestor. Vê-se, portanto, que
o ativismo judicial, no Brasil, se reveste de grande importância para a sedimentação
dos direitos fundamentais assegurados pelos preceitos constitucionais e pelo
Estatuto do Idoso.

Embora as inovações introduzidas pelo Estado-legislador, inclusive


401

com um novo Código de Processo Civil, seja louvável, no sentido de impulsionar a


prestação jurisdicional no Brasil, é pacífico o entendimento de que não basta o
aprimoramento normativo, para que o princípio da duração razoável do processo
seja efetivado em todas as instâncias.

Não há necessidade de se aguardar o pronunciamento final no feito


para que o autor possa receber a almejada tutela judicial. O juiz pode antecipar os
efeitos da tutela, desde que seja levada aos autos prova inequívoca do alegado e o
juiz se convença da verossimilhança da alegação e haja indícios razoáveis de dano
irreparável ou de difícil reparação; e, ainda, na hipótese de abuso de direito de
defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu . Também poderá o juiz
conceder a tutela antecipatória, quando os pedidos, na sua totalidade ou pelo menos
parcialmente, se tornarem incontroversos. Poderá ser concedida, ademais ,a tutela
antecipada nas obrigações de fazer e de não fazer, quando o juiz vislumbrar
justificado receio da ineficácia da tutela judicial pleiteada.

O referido instituto, fruto de exitosa reforma processual no Brasil,


realizada em 1994, constitui, inegavelmente, um importante instrumental de acesso
à Justiça, há muito reivindicado pela doutrina.

O legislador também trata, no artigo 273, em seu inciso II e § 6º, da


tutela de evidência.

O direito evidente se caracteriza, no texto normativo, pelo abuso de


direito de defesa do réu ou pela prática de atos processuais com o manifesto
propósito protelatório.

A tutela de evidência é aquela em que, em face da demonstração de o


direito material estar tão explícito, e não gravitar sobre ele qualquer dúvida, o
magistrado poderá antecipar os efeitos da tutela almejada, sem a necessidade de
dilação probatória.

O acesso à justiça, no século XXI, não pode receber o mesmo


tratamento do passado, em que milhares de pessoas não tinham acesso ao Juiz,
até mesmo nas litigiosidades contidas, e, quando conseguiam ingressar no
processo, o seu direito era menosprezado ou repelido.

A exigência de um processo justo, à luz dos princípios reitores da


Constituição Federal, impõe ao Estado-Juiz um olhar especial aos grupos
402

vulneráveis, como os idosos, de forma que, especialmente nos casos em que os


idosos buscam, judicialmente, a tutela judicial a eventual direito fundamental violado,
deverá o magistrado verificar a possibilidade da concessão, até mesmo de ofício, da
tutela antecipada, quer pelo critério de urgência, quer pelo critério de evidência.

No entanto, como o legislador impôs a devida celeridade processual no


artigo 71 do Estatuto do Idoso, independentemente das providências acautelatórias
citadas, o próprio processo deve ultimar-se com a almejada tutela judicial, no menor
prazo possível.

O legislador quis, de fato, ao preceituar a celeridade dos processos que


digam respeito a ações de interesses de idosos, que o Estado-Juiz se estruturasse
o bastante, para que aludida norma fosse cumprida.

Se o próprio Estado impõe ao Poder Judiciário que se dê impulsividade


diferenciada ao processo envolvendo interesse de idoso, com o intuito de torná-lo
mais célere do que os demais, não pode omitir-se do aludido dever, sem que lhe
advenham consequências pelo vilipêndio normativo.

Verifica-se, assim, que a aludida norma, tal como um oráculo, deve ser
reverenciada pelos órgãos julgadores, tal qual os oradores se comportam no templo.

Como a norma enfocada se encontra desprovida de sanção, sugere-se,


de lege ferenda, a inserção de normas processuais no novo Código de Processo
Civil, estabelecendo o prazo de um ano para a prolação da sentença nas ações
envolvendo interesse de idoso, com a possibilidade de o prazo ser prorrogado pelo
mesmo período, nas ações complexas, sob pena de o Estado ser compelido a
depositar, no Fundo Nacional (Estadual) de Justiça, a ser criado por lei, a título de
indenização, quantia não inferior a cinco salários mínimos, para cada ano ou fração
de ano superior a seis meses de atraso, pelo dano moral difuso de violação ao
direito do idoso à efetividade do acesso à justiça.

Também as mesmas inserções normativas devem ser feitas para os


tribunais de segunda instância, que deverão ter o prazo improrrogável de um ano
para o julgamento do recurso de apelação. Na hipótese de o tribunal não realizar o
julgamento no prazo fixado, deverá reconhecer, de ofício, o dano moral citado, com
a fixação de indenização não inferior a cinco salários mínimos, para cada ano ou
fração de ano superior a seis meses de atraso, quantia que também deverá ser
403

depositada no fundo nacional ou estadual de justiça, dependendo da origem da


ação.

Arcará com os custos da indenização a Fazenda Pública Federal ou


Estadual, conforme a origem da ação (Federal ou Estadual) cabendo ao Tribunal
oficiar, diretamente, ao respectivo órgão da Fazenda Pública, para que efetue o
depósito num prazo não superior a seis meses.

Como o orçamento reservado , anualmente, ao Poder Judiciário é


exíguo, o numerário requisitado não poderá ser deduzido da rubrica orçamentária
do aludido poder. Em caso de mora da Fazenda Pública, caberá ao Ministério
Público providenciar a execução do valor do dano.

A leitura do preceito constitucional contido no artigo 5º, inciso LXXVIII,


não deixa dúvida de que o Estado-Juiz deve estruturar-se, no sentido de que a
aplicação do princípio da duração razoável do processo passe a ser o oráculo do
magistrado, ao lado de outras vertentes de Justiça. Verifica-se, ainda, que o
constituinte determinou, no mesmo artigo, que o Estado providencie os meios, para
que os atos processuais sejam praticados com a devida celeridade.

O Estado-legislador cumpriu sua função constitucional, brindando a


sociedade brasileira com um novo Código de Processo Civil, cujos preceitos foram
iluminados com estruturação técnica avançadíssima, a fim de que as partes e o juiz
tivessem um avançado instrumento de prestação jurisdicional. No entanto a história
demonstra que o Judiciário nem sempre se organiza administrativamente, para
vencer os desafios impostos pela Constituição Federal e pela legislação ordinária.

No caso do processo envolvendo interesse do idoso, contudo, mais do


que aplicar o princípio da duração razoável do processo, o legislador impôs que o
órgão jurisdicional prestasse a jurisdição antes dos demais feitos, permitindo, até
mesmo, que seja criada vara especializada para a tramitação das aludidas ações.

Caso não haja consequências para a omissão estatal, haverá, uma


mera lei simbólica (estatuto) , cujo descumprimento será assimilado como algo
natural e impossível de ser superado. Todas as escusas, aparentemente
justificáveis, de falta de estrutura, recursos humanos etc, seriam apresentadas como
óbices instransponíveis para o cumprimento dos aludidos preceitos.

A cada processo envolvendo interesse da pessoa idosa, em que o


404

órgão jurisdicional olvidar do dever de celeridade, ignorando o preceito já citado,


estará não só ofendendo o direito do idoso litigante mas também o interesse de
todos os idosos na concretude de um processo célere e eficiente.

O dano difuso aqui enfocado é de natureza moral, diverso do dano


patrimonial eventualmente sofrido pela parte. Registre-se que o dano moral não
encontrava positivação no ordenamento jurídico, mas aos poucos foi sendo
construído pela doutrina e jurisprudência, culminando com seu emolduramento do
na Constituição Federal, conforme se vê no artigo 5º, inciso V.

A frustração de um processo mal conduzido, cujo procedimento se


perpetua no tempo, sem a almejada efetividade, é muito mais impactante para o
idoso do que para qualquer outro indivíduo situado noutra faixa etária, cuja omissão
estatal representa grave vilipêndio não só ao direito do idoso citado no feito mas
também a todo o grupo integrante dessa faixa etária atingido difusamente, de forma
que é de Justiça a fixação de uma indenização a ser recolhida a um fundo de justiça,
destinado a aperfeiçoar o próprio Poder Judiciário, a fim de que tais frustrações
sejam extirpadas ou mesmo amenizadas.

Sugere-se, assim, de lege ferenda, a edição de lei visando à criação


de um Fundo Nacional de Justiça ou, mesmo, de um Fundo Estadual de Justiça,
para receber tais indenizações decorrentes da violação ao princípio da duração
razoável do processo nas ações envolvendo interesses dos idosos, cujos valores
serão revertidos ao próprio aperfeiçoamento do Estado-Juiz.

O Fundo Nacional de Justiça se destinará a receber as indenizações


impostas nos processos envolvendo interesse de idosos, que tramitarem pela
Justiça Federal. O Fundo Estadual de Justiça, por sua vez, receberá as
indenizações mencionadas, quando os processos tramitarem pela Justiça Estadual.
405

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ANEXOS

1 PLANO DE AÇÃO INTERNACIONAL DE VIENA SOBRE O


ENVELHECIMENTO1055

Prólogo

1. Reconhecendo a necessidade de assinalar à atenção mundial os graves


problemas que afligem uma parte cada vez maior da população do mundo, a
Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu, em sua resolução 33/52, de 14 de
dezembro de 1978, convocar, em 1982, uma Assembleia Mundial sobre o
Envelhecimento. O propósito era que a Assembleia Mundial servisse de foro ―para
iniciar um programa internacional de ação que visa a garantir a segurança
econômica e social das pessoas de idade, assim como oportunidades para que
essas pessoas contribuam para o desenvolvimento de seus países‖. Em sua
resolução 35/129, de 11 de dezembro de 1980, a Assembleia Geral manifestou
também seu desejo de que, como resultado da Assembleia Mundial, ―as sociedades
reajam mais plenamente ante as consequências socioeconômicas do
envelhecimento das populações e ante as necessidades especiais das pessoas de
idade‖. Tendo presentes tais objetivos, foi concebido este Plano de Ação
Internacional sobre o Envelhecimento.
2. Em consequência, o Plano de Ação Internacional deverá ser considerado parte
integrante das principais estratégias e programas internacionais, regionais e
nacionais formulados em resposta a importantes problemas e necessidades de
caráter mundial. Suas metas principais são fortalecer a capacidade dos países para
abordar de maneira efetiva o envelhecimento de sua população e atender às
preocupações e necessidades especiais das pessoas de mais idade, e fomentar
uma resposta internacional adequada aos problemas do envelhecimento com
medidas para o estabelecimento da nova ordem econômica internacional e o
aumento das atividades internacionais de cooperação técnica, em particular entre
os próprios países em desenvolvimento.
3. A partir destas metas, estabelecem-se os seguintes objetivos concretos:
a) Fomentar a compreensão nacional e internacional das consequências
econômicas, sociais e culturais que o envelhecimento da população tem no
processo de desenvolvimento;
b) Promover a compreensão nacional e internacional das questões humanitárias e
de desenvolvimento relacionadas com o envelhecimento;
c) Propor e estimular políticas e programas orientados à ação e destinados a
garantir a segurança social e econômica às pessoas de idade, assim como lhes dar
oportunidades de contribuir para o desenvolvimento e compartilhar de seus
benefícios;
d) Apresentar alternativas e opções de política que sejam compatíveis com os
valores e metas nacionais e com os princípios reconhecidos internacionalmente em
relação ao envelhecimento da população e às necessidades das próprias pessoas

1055
Tradução do Prof. Sérgio Antônio Carlos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Disponível em:,http://www.ufrgs.br/e-psico/publicas/humanização/prologo.html. Acesso em:
16/11/2013.
437

de idade;
e) Estimular o desenvolvimento de ensino, capacitação e pesquisa que respondam
adequadamente ao envelhecimento da população mundial e fomentar o intercâmbio
internacional de aptidões e conhecimento nesta esfera.
4. O Plano de Ação deve ser considerado no marco de outras estratégias e planos
internacionais. Em particular, reafirmam-se nele os princípios e objetivos da Carta
das Nações Unidas, da Declaração Universal de Direitos Humanos (resolução 217
A (III) da Assembleia Geral), dos Pactos Internacionais de Direitos humanos
(resolução 2200 A (XXI) da Assembleia Geral) e da Declaração sobre o Progresso
e o Desenvolvimento no Social (resolução 2542 (XXIV) da Assembleia Geral), da
Declaração e o Programa de Ação sobre o Estabelecimento de uma Nova Ordem
Econômica Internacional (resoluções 3201 (S-VI) e 3202 (S-VI) da Assembleia
Geral) e da Estratégia Internacional do Desenvolvimento para a Terceira Década
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (resolução 35/56 da Assembleia
Geral), assim como as resoluções 34/75 e 35/46 da Assembleia Geral, em que se
declara a década de 1980 a Segunda Década para o Desarmamento.
5. Além disso, é necessário ressaltar a importância dos seguintes planos mundiais
de ação aprovados pela comunidade internacional, pois a questão relativa ao
envelhecimento dos indivíduos e ao envelhecimento das populações tem relação
direta com a obtenção de seus objetivos:
a) o Plano de Ação Mundial sobre População;
b) o Plano de Ação Mundial para a realização dos objetivos do Ano Internacional da
Mulher;
c) o Programa de ação para a segunda metade da Década das Nações Unidas para
a Mulher;
d) a Declaração de Alma-Ata (sobre atenção primária da saúde);
e) a Declaração de Princípios da Conferência das Nações Unidas sobre os
Assentamentos Humanos (HABITAT);
f) o Plano de Ação para o Meio Humano;
g) o Programa de Ação de Viena sobre a Ciência e a Tecnologia para o
Desenvolvimento;
h) o Programa de Ação para a Década da luta contra o Racismo e a Discriminação
Racial e o Programa de Ação para a segunda metade dessa mesma década;
i) o Plano de Ação de Buenos Aires para promover e realizar a cooperação técnica
entre os países em Desenvolvimento;
j) o Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho relativo à norma
mínima da previdência social;
k) o Convenção nº 128 e a Recomendação nº 131 da Organização Internacional do
Trabalho relativos a benefícios de invalidez, velhice e sobreviventes;
l) a Recomendação nº 162 da Organização Internacional do Trabalho relativa aos
trabalhadores de idade avançada;
m) o Programa de Ação da Conferência Mundial sobre Reforma Agrária e
Desenvolvimento Rural;
n) o Programa Mundial elaborado como conseqüência do Ano Internacional dos
Impedidos;
o) a Declaração de Caracas, aprovada no Sexto Congresso das Nações Unidas
sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente;
p) a Recomendação sobre o desenvolvimento da educação de adultos, aprovada
438

pela Conferência Geral da UNESCO, em sua 19ª Reunião (Nairobi, 1976);


q) o Convenção nº 157 da Organização Internacional do Trabalho relativo a
manutenção dos direitos à previdência social, 1982.

I. INTRODUÇÃO

A. Antecedentes Demográficos:

6. Somente nas últimas décadas se tem chamado a atenção das sociedades


nacionais e a comunidade mundial para as questões sociais, econômicas, políticas
e científicas suscitadas pelo fenômeno do envelhecimento em grande escala. Até
recentemente, embora alguns indivíduos alcançassem etapas avançadas da vida,
seu número e sua proporção na população total não eram muito importantes. Em
muitas regiões do mundo, no século XX, foram obtidos progressos no controle da
mortalidade neonatal e infantil, diminuição da taxa de natalidade, melhora na
alimentação, atenção sanitária básica e controle de muitas doenças infecciosas.
Essa combinação de fatores tem resultado em um número e uma proporção cada
vez maiores de pessoas que atingem estágios avançados da vida.
7. Segundo cálculos das Nações Unidas, em 1950 havia ao redor de 200 milhões
de pessoas com 60 anos ou mais em todo o mundo. Já em 1975, esse número
tinha aumentado para 350 milhões. As projeções demográficas das Nações Unidas
para o ano 2000 indicam que esse número aumentará para 590 milhões e que para
2025 será de mais de 1,1 bilhão, o que significa um aumento de 224% a contar de
1975. Prevê-se que, durante esse mesmo período, a população total mundial
aumentará de 4,1 bilhões a 8,2 bilhões, ou seja, 102%. Portanto, daqui a 45 anos,
as pessoas de idade avançada constituirão 13,7% da população mundial.
8. Além disso, cabe observar que, em 1975, mais da metade (52%) de todas as
pessoas com 60 anos ou mais vivia nos países em desenvolvimento. Devido às
taxas diferenciadas de aumento, prevê-se que para o ano 2000 mais de 60% de
todas as pessoas de mais idade no mundo viverão em países em desenvolvimento,
e se calcula que para 2005 esta proporção alcançará quase as três quartas partes
(72%).
9. O aumento do número e a proporção de pessoas em processo de
envelhecimento vão acompanhados de uma mudança na estrutura da população
por idades. Uma redução da proporção de crianças na população aumenta a
proporção de pessoas de mais idade. Conseqüentemente, segundo as projeções
realizadas pelas Nações Unidas, nas regiões em desenvolvimento se prevê uma
redução da população de menos de 15 anos de uma taxa entorno de 41% da
população total em 1975, para uma taxa em torno de 33% no ano 2000 e de 26%
no ano 2025. Nas mesmas regiões, prevê-se que a população de 60 anos ou mais
aumentará de 6% em 1975 para 7% no ano 2000 e para 12% no ano 2025, e
alcançará o nível que tinha nas regiões mais desenvolvidas na década de 1950.
Nas regiões mais desenvolvidas, prevê-se que a população de menos de 15 anos
se reduzirá de 25% em 1975 para 21% no ano 2000 e para 20% no ano 2025.
Porém, prevê-se que o grupo de 60 anos ou mais aumentará sua proporção dentro
da população total de 15% em 1975 para 18% no ano de 2000 e para 23% no ano
de 2025. Cabe observar que estas taxas correspondem a extensas regiões, e que
existem variações consideráveis entre os distintos países e a nível subnacional.
439

10. De acordo com as tabelas de mortalidade, o aumento da esperança de vida


poderia significar um aumento na expectativa de vida para as pessoas de 60 anos,
em regiões desenvolvidas, de aproximadamente um ano entre 1975 e 2025. Nas
regiões em desenvolvimento, a projeção deste aumento alcançaria
aproximadamente 2,5 anos. Portanto, no ano 2025 os homens de 60 anos de idade
poderiam esperar viver uma média de 17 anos a mais nas regiões desenvolvidas e
de 16 anos nas regiões em desenvolvimento. As mulheres poderiam esperar viver
mais 18 e 21 anos, respectivamente.
11. Cabe observar que, se se mantiverem as tendências atuais, a relação de sexo
(isto é, o número de homens por cada 100 mulheres) seguirá sendo desequilibrada
nas regiões desenvolvidas, mas com uma ligeira melhora. Por exemplo, a relação
que em 1975 era de 74 no grupo de idades de 60 a 69 anos, será de 78 em 2025, e
no grupo de idades de mais de 80 anos terá aumentado de 48 para 53. Nas regiões
em desenvolvimento a relação será de 94 em 2025, frente a 96 na atualidade no
grupo de 60 a 69 anos, e de 73 frente a 78 no grupo de mais de 80 anos, o que
significará uma ligeira diminuição. Assim, na maioria dos casos, as mulheres
constituirão um número cada vez maior da população de mais idade. As diferenças
de longevidade entre os sexos podem ter algum efeito sobre as condições de vida,
a renda, a atenção médica e outros sistemas de apoio.
12. Outro aspecto importante que se terá de considerar é a tendência geral quanto
à distribuição entre população urbana e população rural. Em 1975, nas regiões
mais desenvolvidas, dois terços dos idosos viviam em zonas urbanas, e se prevê
que esta proporção aumentará para três quartos no ano 2000. Nas regiões em
desenvolvimento, três quartos dos idosos se encontravam em zonas rurais. Apesar
de a proporção de pessoas em processo de envelhecimento nas zonas urbanas
destes países poder aumentar consideravelmente e exceder 40% para o ano 2000,
a migração pode influir nessas mudanças.
B. Aspectos relativos ao desenvolvimento e aspectos humanitários inerentes ao
envelhecimento
13. Todas estas tendências demográficas têm consequências sociais importantes.
A concretização do desenvolvimento sustentável exige um equilíbrio adequado
entre os fatores sociais, econômicos e ambientais e as mudanças no crescimento,
distribuição e estrutura da população. Os países deverão reconhecer e ter em conta
suas tendências demográficas e as mudanças de estrutura de sua população a fim
de otimizar seu desenvolvimento.
14. Isso exigirá um esforço financeiro importante por parte dos governos e das
instituições internacionais interessadas. Mas a situação econômica da maioria dos
países em desenvolvimento não permite a estes destinar os meios e recursos
necessários para executar sua política de desenvolvimento.
15. Para que esses países possam atender às necessidades essenciais de sua
população, incluídas as pessoas de idade, é preciso instaurar uma nova ordem
econômica baseada em novas relações econômicas internacionais mutuamente
benéficas, o que tornará possível uma solução justa e uma utilização equitativa das
riquezas, dos recursos e das tecnologias.
16. O presente Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento trata tanto os
problemas que afetam aos idosos como indivíduos quanto os problemas vinculados
ao envelhecimento da população.
17. Os problemas humanitários são os relativos às necessidades particulares dos
440

idosos. Embora haja muitos problemas e necessidades que essas pessoas


compartilham com o resto da população, alguns deles refletem as características
especificas e as necessidades de tal grupo. Os subtemas que foram examinados
são: saúde e alimentação, moradia e meio ambiente, família, bem-estar social,
Renda de Previdência Social e emprego, e educação.
18. Os problemas relativos ao desenvolvimento se referem às consequências
socioeconômicas do envelhecimento da população, que pode ser definida como um
aumento da proporção de pessoas de idade avançada na população total. Nesta
seção, serão analisados, entre outras coisas, os efeitos que tem o envelhecimento
da população sobre a produção, o consumo, a economia, os investimentos e,
portanto, sobre as políticas e condições sociais e econômicas em geral,
especialmente em momentos em que aumenta a taxa de dependência das pessoas
de idade avançada.
19. Esses problemas humanitários e de desenvolvimento se examinam com o
propósito de formular programas de ação a nível nacional, regional e internacional.
20. Em alguns países em desenvolvimento, esta tendência a um envelhecimento
gradual da sociedade ainda não se tornou visível e, portanto, pode não atrair a
atenção plena dos planejadores e dos encarregados de formular políticas e de
integrar os problemas dos idosos no marco do planejamento do desenvolvimento
econômico e social geral e em sua ação orientada a satisfazer as necessidades
essenciais da população como um todo. Tal como se indicou na seção precedente,
as projeções das Nações Unidas indicam que:
a) se prevê um aumento significativo da população de mais de 60 anos no futuro,
particularmente das pessoas de 80 anos ou mais;
b) se prevê que, em muitos países, o aumento da proporção da população de mais
de 60 anos se manifestará nas próximas décadas e especialmente no primeiro
quarto do século XXI;
c) as mulheres constituirão a maioria dessa população de mais idade, e que essa
maioria aumentará continuamente.
21. Por conseguinte, o problema do envelhecimento das populações, com suas
enormes consequências tanto para o desenvolvimento geral a nível nacional como
para o bem-estar e a segurança das pessoas de idade, é um problema que terá de
preocupar a todos os países em um futuro relativamente próximo, e já afeta
algumas das regiões mais desenvolvidas do mundo.
22. Examinar-se-ão as medidas encaminhadas à otimização da experiência e dos
conhecimentos técnicos das pessoas idosas.
23. A espécie humana se caracteriza por uma longa infância e uma prolongada
velhice. Ao longo da história isto tem permitido às pessoas de idade educar aos
mais jovens e lhes transmitir valores; esta função garantiu a sobrevivência e o
progresso do homem. A presença dos idosos no lar, na vizinhança e em todas as
formas de vida social serve ainda de lição insubstituível para a humanidade. Não só
através da sua vida, mas também na hora de sua morte, o idoso dá-nos uma lição.
Através da dor dos sobreviventes, estes chegam a compreender que os mortos
seguem formando parte da comunidade humana, com os resultados de seu
trabalho, as obras e instituições que deixaram atrás de si, e a lembrança de suas
palavras e atos. Isto pode estimular-nos a considerar com maior serenidade nossa
própria morte e nos fazer mais plenamente conscientes de nossas
responsabilidades para com as gerações futuras.
441

24. Uma vida mais longa proporciona aos seres humanos a oportunidade de
examinar retrospectivamente suas vidas, corrigir alguns de seus enganos,
aproximar-se mais da verdade e obter uma compreensão diferente do sentido e do
valor de suas ações. Possivelmente seja esta a maior contribuição das pessoas de
idade à comunidade humana. Especialmente nesta época, depois de mudanças
sem precedentes que afetaram o gênero humano durante sua vida, a
reinterpretação de seu passado por parte dos idosos deverá ajudar todos nós a
conseguir uma necessária reorientação da história.

II- PRINCÍPIOS

25. A formulação e a implementação de políticas relativas ao envelhecimento são


um direito soberano e uma responsabilidade de cada Estado, que este deve
exercer sobre a base de suas necessidades e objetivos nacionais concretos.
Apesar da promoção das atividades, a segurança e o bem-estar das pessoas de
idade devem ser uma parte essencial de um esforço integrado e conclusivo de
desenvolvimento realizado no marco da nova ordem econômica internacional, tanto
nas partes desenvolvidas do mundo como nas que estão em vias de
desenvolvimento. Por isso, a cooperação internacional e regional deve
desempenhar um papel importante. O Plano de Ação Internacional sobre o
envelhecimento apoia-se nos seguintes princípios:
a) O objetivo do desenvolvimento é melhorar o bem-estar de toda a população
sobre a base de sua plena participação no processo de desenvolvimento e de uma
distribuição equitativa dos benefícios dele derivados. O processo de
desenvolvimento deve realçar a dignidade humana e criar igualdade entre os
distintos grupos de idade para compartilhar os recursos, direitos e obrigações da
sociedade. Todas as pessoas, independentemente de idade, sexo ou crenças,
devem contribuir segundo suas capacidades e receber ajuda segundo suas
necessidades. Nesta perspectiva, o crescimento econômico, o emprego produtivo,
a justiça social e a solidariedade humana são elementos fundamentais e indivisíveis
do desenvolvimento, como o são a conservação e o reconhecimento da identidade
cultural;
b) Diversos problemas das pessoas de idade podem encontrar sua verdadeira
solução em condições de paz, segurança e a cessação da corrida armamentista, e
mediante uma reorientação, para as necessidades do desenvolvimento
socioeconômico, dos recursos destinados a fins militares;
c) Os problemas humanitários e de desenvolvimento das pessoas de idade podem
resolver-se melhor em situações em que não prevaleçam a tirania nem a opressão,
o colonialismo, o racismo, a discriminação por motivos de raça, sexo ou religião, o
Apartheid, o genocídio, a agressão e a ocupação estrangeiras e outras formas de
dominação estrangeira, e nas situações em que se respeitem os direitos humanos;
d) No contexto de suas próprias tradições, estruturas e valores culturais, cada
nação deverá adequar-se às tendências democráticas e às mudanças resultantes.
As pessoas de todas as idades devem participar da criação de um equilíbrio entre
elementos tradicionais e inovadores para fins de um desenvolvimento harmonioso;
e) A contribuição que é valiosa para a sociedade, do ponto de vista espiritual,
cultural e socioeconômico das pessoas de idade, deve ser reconhecida e mais
incentivada. Os gastos relacionados com o envelhecimento deverão ser
442

considerados um investimento duradouro;


f) A família, em suas diversas formas e estruturas, é uma unidade fundamental da
sociedade que vincula as gerações, e deverá manter-se, fortalecer-se e proteger-se
de acordo com as tradições e costumes de cada país;
g) Os governos e, em particular, as autoridades locais, as organizações não-
governamentais, os voluntários individualmente e as organizações de voluntários,
incluídas as associações de idosos, podem contribuir de maneira especialmente
importante para prestar apoio e atenção às pessoas de idade avançada na família e
na comunidade. Os governos devem apoiar e fomentar as atividades voluntárias
deste tipo;
h) Um importante objetivo do desenvolvimento social e econômico é uma sociedade
integrada do ponto de vista da idade, em que se tenham eliminado a discriminação
e a segregação por motivos de idade e se incentivem a solidariedade e o apoio
mútuo entre as gerações;
i) O envelhecimento é um processo que dura toda a vida e deverá ser reconhecido
como tal. A preparação de toda a população para as etapas posteriores da vida
deverá ser parte integrante das políticas sociais e abranger fatores físicos,
psicológicos, culturais, religiosos, espirituais, econômicos, de saúde, dentre outros;
j) O Plano de Ação deverá ser considerado no contexto mais amplo das tendências
sociais, econômicas, culturais e espirituais do mundo, a fim de obter uma vida justa
e próspera, tanto material como espiritualmente, das pessoas de idade;
k) O envelhecimento, além de ser um símbolo de experiência e sabedoria, pode
servir também para que o ser humano se aproxime mais de sua realização pessoal,
de acordo com suas crenças e aspirações;
l) As pessoas de idade deverão participar ativamente na formulação e aplicação
das políticas, incluídas especialmente as que lhes afetam;
m) Os governos, as organizações não-governamentais e todos os interessados têm
uma responsabilidade especial para com os idosos mais vulneráveis, em particular
as pessoas pobres, muitas das quais são mulheres, e das zonas rurais;
n) É necessário que prossigam os estudos de todos os aspectos do envelhecimento
.
III- RECOMENDAÇÕES PARA A IMPLEMENTAÇÃO
A. Metas e recomendações de política

26. O Plano de Ação só pode propor diretrizes amplas e estabelecer princípios


gerais sobre as maneiras como a comunidade internacional, os governos e outras
instituições, e a sociedade em seu conjunto, podem fazer frente ao problema do
envelhecimento progressivo das sociedades e às necessidades dos idosos em todo
o mundo. Por seu próprio caráter, as abordagens mais especificas e políticas mais
concretas devem ser concebidas e enunciadas em função das tradições, dos
valores culturais e das práticas particulares de cada país ou comunidade étnica, e
os programas de ação devem ser adaptados às prioridades e às possibilidades
materiais de cada país ou comunidade.
27. Todavia, há diversas considerações essenciais que são reflexos de valores
humanos gerais e fundamentais, independentes de cultura, religião, raça ou
condição social, valores derivados do fato biológico do envelhecimento como
processo inevitável. O respeito e o cuidado dos idosos, que foi uma das poucas
constantes na cultura humana de todos os tempos e lugares, refletem uma
443

interação fundamental entre o impulso de auto conservação e o de conservação da


sociedade que condicionou a sobrevivência e o progresso da raça humana.
28. O padrão pelo qual as pessoas são incluídas na categoria de pessoas idosas
em um momento determinado, só em função do número de anos que possuem, e a
perda da condição de trabalhadores podem conduzi-las a uma marginalização total
da sociedade a que pertencem. Este é um dos tristes paradoxos do processo de
desenvolvimento socioeconômico em alguns países. Este processo estava
orientado originalmente ao melhoramento geral dos níveis de vida, de saúde e de
bem-estar da população em seu conjunto, incluídos os idosos.
29. Deve-se analisar e se ter muito presente a interação histórica
extraordinariamente estreita entre o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico
dos países industrializados a partir do século passado e a forma concreta dos
sistemas de segurança para a velhice que certos países adotaram como parte
desse mesmo processo, e deverão ser examinadas outras opções possíveis que
correspondam mais às situações e necessidades dos países atualmente em
desenvolvimento.
30. O envelhecimento é ao mesmo tempo um sinal e um resultado do
desenvolvimento socioeconômico tanto no sentido quantitativo como no sentido
qualitativo. Um exemplo importante dos efeitos do desequilíbrio entre os enfoques
setoriais do desenvolvimento nacional e internacional nas últimas décadas foi o fato
verificado de que os progressos na medicina e na saúde pública ultrapassaram os
progressos neste mesmos períodos na produção, na distribuição dos ganhos, na
formação, no ensino, na habitação, na modernização institucional e no
desenvolvimento social em termos gerais. Neste sentido, os países em
desenvolvimento vão ―envelhecer‖, mas todos os setores necessários para
assegurar um processo de desenvolvimento equilibrado e integrado dificilmente
podem seguir o mesmo ritmo e garantir um nível de vida digna para as pessoas
idosas previsto para as próximas gerações.
1. Recomendações gerais de política
31. As considerações a seguir resumidas, baseadas nas observações anteriores,
podem servir de diretrizes gerais para o exame de políticas e ações específicas:
a) O envelhecimento gradual das sociedades e o aumento constante do número de
idosos tanto em valores absolutos quanto relativos não é um acontecimento
imprevisto ou imprevisível, nem um resultado aleatório dos esforços feitos para
obter o desenvolvimento a nível nacional e internacional. É o primeiro e mais visível
resultado da adoção de um método de base setorial para obter o desenvolvimento
socioeconômico em todo o mundo, e deve ser acompanhado de intervenções
igualmente eficientes em outras esferas a fim de assegurar o crescimento
equilibrado e o desenvolvimento integrado;
b) A fim de frear, em uma perspectiva a longo prazo, o envelhecimento coletivo, os
governos talvez possam tomar medidas necessárias para corrigir ou evitar os
desequilíbrios entre grupos de idade, preservando ao mesmo tempo o direito à vida
das pessoas idosas;
c) Com esse fim, as políticas e ações devem ser inspiradas na vontade de atribuir
mais significado aos dados quantitativos e qualitativos, a fim de assegurar que a
longevidade das pessoas em todo o mundo seja acompanhada de esforços para
que todas tenham a sensação de realização e finalidade e que as mesmas não
sejam relegadas a um papel marginal e passivo;
444

d) Tendo em vista que a transição à velhice é um processo gradual e individual, não


obstante os limites de idade para a aposentadoria, adotados na legislação de
alguns países e culturas, todas as políticas e programas devem fundar-se no fato
de que a velhice é uma fase natural do ciclo vital, a carreira e a experiência de uma
pessoa, e que as mesmas necessidades, capacidades e potencialidades
normalmente prevalecem durante toda a vida;
e) Posto que a maioria das pessoas pode prever sobreviver por um número
considerável de anos a sua própria aposentadoria por idade, o conceito de
―preparação para a aposentadoria‖ não deve continuar a ser concebida como uma
adaptação feita a último momento, mas deve propor-se, sim, como consideração
para toda a vida a partir da idade adulta tanto aos indivíduos em benefício próprio
como aos formuladores de políticas, as universidades, as escolas e os centros de
trabalho industrial, os meios de comunicação e a sociedade em geral. Essa
preparação para a aposentadoria deve servir de aviso de que as políticas relativas
ao envelhecimento e para as pessoas idosas são uma importante preocupação
para a sociedade geral e não apenas uma questão de cuidar de uma minoria
vulnerável. Por esta razão é necessária uma política geral de prevenção;
f) As políticas adotadas para enfrentar o problema que expõe uma população idosa
mais numerosa, mais ativa e mais saudável, fundadas no conceito do
envelhecimento da sociedade como oportunidade para ser aproveitada, beneficiam
automaticamente as pessoas de idade nos aspectos materiais e não-materiais. Do
mesmo modo, qualquer esforço que se faça para melhorar a qualidade da vida dos
idosos e para atender a suas distintas necessidades sociais e culturais aumenta
sua capacidade de continuar interagindo com a sociedade. Neste sentido, os
aspectos humanitários e de desenvolvimento da questão do envelhecimento estão
intimamente ligados;
g) É imperioso que, ao considerar a questão do envelhecimento, a situação das
pessoas idosas não deva ser considerada de forma isolada das condições
socioeconômicas gerais prevalecentes na sociedade. Os idosos devem ser vistos
como parte integrante da população. Eles também devem ser considerados parte
de grupos como as mulheres, os jovens, os deficientes e trabalhadores migrantes.
O idoso deve ser considerado um elemento importante e necessário no processo
de desenvolvimento em todos os níveis de uma sociedade determinada;
h) O envelhecimento é visível na população economicamente ativa muito antes que
aumente o número de pessoas com mais de 60 anos. É indispensável adaptar a
esta situação a política de trabalho como um todo e de tecnologia e as
organizações econômicas.
i) Deve ao mesmo tempo reconhecer-se que as políticas e os programas para as
pessoas de idade avançada em geral e particularmente para as que superam certo
limite — os muito velhos — devem responder a suas necessidades e limitações
particulares. As intervenções setoriais em áreas como a saúde e a nutrição, a
habitação, a garantia de renda, as atividades sociais, culturais e de lazer, são tão
necessárias para os idosos como para outros grupos da população, e devem ser
realizadas em cada país ou comunidade de acordo com os meios de que disponha.
Reconhece-se que as circunstâncias econômicas reinantes repercutirão na
magnitude do investimento que se possa fazer e no período mais adequado para
fazê-lo;
j) As políticas e medidas destinadas a beneficiar o envelhecimento devem
445

proporcionar às pessoas de idade oportunidades para satisfazerem sua


necessidade de realização pessoal que, no sentido mais amplo, pode ser definido
como a que se alcança mediante a concretização de seus objetivos e aspirações e
a realização de suas potencialidades. É importante que as políticas e os programas
destinados aos idosos promovam oportunidades de auto expressão numa
variedade de papéis desafiadores para si próprios e que contribua com a família e a
comunidade. Os principais meios que procuram uma satisfação pessoal às pessoas
de idade são os seguintes: a participação continuada no sistema familiar e de
parentesco, os serviços voluntários à comunidade, o crescimento contínuo
mediante a aprendizagem formal e informal, a expressão pessoal por meio da arte
e o artesanato, a participação em organizações comunitárias e organizações de
pessoas idosas, as atividades religiosas, a atividades recreativas e de viagens, o
trabalho em tempo parcial e a participação no processo político como cidadãos
esclarecidos.
32. Uma prioridade importante de todos os países é saber como assegurar que
seus amplos esforços humanitários em favor das pessoas idosas não conduzam à
manutenção passiva de um grupo de população cada vez maior, marginalizado e
desiludido. Os formuladores de políticas e os pesquisadores, bem como os meios
de comunicação e o público em geral, podem necessitar mudar radicalmente sua
perspectiva para compreender que o problema do envelhecimento da população
hoje não é somente um problema de amparo e prestação de serviços, pois afeta a
atividade e a participação dos idosos e as pessoas que estão envelhecendo. É
muito possível que um dia as próprias pessoas idosas, com a força que advém do
aumento de seu número e de sua influência, obriguem a sociedade a adotar uma
perspectiva de velhice positiva, ativa e orientada para o desenvolvimento. A
consciência coletiva de ser idoso, como conceito socialmente unificador, pode
assim converter-se em um fator positivo. Uma vez que o bem-estar espiritual é tão
importante como o material, todas as políticas, programas e atividades devem ser
elaboradas para apoiar e fortalecer o bem-estar espiritual do envelhecimento. Os
governos devem garantir a liberdade de expressão e de práticas religiosas.
2. O impacto do envelhecimento no desenvolvimento
33. A tendência ao envelhecimento sucessivo das estruturas demográficas, quer
seja iminente ou previsível em um futuro relativamente próximo, está determinada a
ser um dos principais desafios para o planejamento internacional e nacional nas
últimas décadas deste século, bem como para o século XXI. Juntamente com as
considerações anteriores de caráter geral sobre a situação e os problemas do setor
comunitário das pessoas de idade e com o exame ulterior das necessidades e
possibilidades particulares dos cidadãos de idade, deve-se também prestar atenção
primordial ao efeito vasto e multifacetado que o envelhecimento das populações
causará na estrutura, no funcionamento e no crescimento de todas as sociedades
do mundo. Nestas circunstâncias, é provável que deva incrementar-se o papel que
desempenha o setor público e privado ao assumir algumas das funções que
atualmente são desempenhas pelas famílias nos países em desenvolvimento.
34. Em primeiro lugar, é evidente que o envelhecimento, considerado tanto em
termos de números absolutos quanto em termos da proporção relativa de idosos
em qualquer sociedade, modificará inevitavelmente a estrutura e a composição da
população economicamente ativa. A principal manifestação deste fenômeno será a
piora gradual da relação existente entre, por uma parte, os setores
446

economicamente ativos e empregados da sociedade e, por outra parte, os que


dependem para seu sustento dos recursos materiais do setor economicamente
ativo. Nos países que possuam sistemas de previdência social, o resultado
dependerá da capacidade da economia para sustentar a carga acumulada dos
benefícios de aposentadoria para uma crescente população idosa, junto com o
custo restante do sustento de filhos dependentes e garantir a formação e a
educação dos jovens.
35. As mudanças nas relações de dependência em função do número das pessoas
de idade cuja segurança material dependa de pessoas mais jovens,
economicamente ativas e assalariadas, influirão no desenvolvimento de qualquer
país do mundo, independente de sua estrutura social, tradições ou sistemas formais
de previdência social. Serão expostos problemas de caráter social em países e
regiões em que as pessoas de idade se tenham beneficiado tradicionalmente dos
cuidados e do amparo de seus familiares ou da comunidade local. Será cada vez
mais difícil manter essas relações à medida que aumente o número dos idosos
dependentes, ao mesmo tempo em que as estruturas que tradicionalmente
forneceram amparo experimentam uma mudança radical em muitas regiões do
mundo, tais como as famílias grandes.
36. Como se assinalou anteriormente, a taxa de dependência total em muitos
países pode, eventualmente, ser mantida em níveis próximos do atual, devido à
diminuição progressiva do número de desempregados e de crianças e jovens
dependentes resultante das diminuições das taxas de natalidade. Entretanto, fica
ainda o problema político e psicológico vinculado à percepção da relativa urgência
com que se deve atender às necessidades materiais e outras necessidades dos
grupos da população que não participa diretamente na produção e na vida pública.
O custo dos programas e serviços que beneficiam as gerações jovens pode ser de
mais fácil aceitação, tendo em vista seu valor como forma de investimento para o
futuro; por outro lado, tais custos em função das pessoas idosas — especialmente
quando não diretamente relacionados às poupanças individuais ou aos benefícios
de salário — são menos facilmente aceitos, principalmente quando sobrecarregam
orçamentos do estado.
37. O problema da deterioração das relações de dependência existente entre a
população inativa e a população ativa e, portanto, a dificuldade de garantir inclusive
uma segurança material mínima às pessoas de idade que têm uma capacidade de
obtenção de ganhos reduzida, adquirirá sem dúvida sua forma mais crítica nas
zonas rurais do mundo. Assim ocorrerá particularmente nas zonas dos países em
desenvolvimento com uma agricultura de subsistência de escassa produtividade,
das quais os setores mais jovens e ativos da população fogem em forma crescente
com destino às zonas urbanas, em busca de emprego remunerado. Esta tendência
determina naturalmente que o futuro dos idosos que ficam seja ainda mais inseguro
e, em um círculo vicioso de problemas adicionais, reduz a probabilidade de que se
estimulem mais o investimento público na agricultura e os serviços, o que
beneficiaria aos agricultores que ficam.
38. Até certo ponto, este fenômeno poderia considerar-se parcialmente
compensado ou mitigado pelos recursos remetidos pelos jovens que conseguem
emprego remunerado nas zonas urbanas e industrializadas. Em muitos casos, a
quantia das remessas indica não só um esforço para ajudar a sustentar a família,
mas provavelmente também uma forma de poupança para futuros investimentos,
447

produtivos ou não. Para o futuro imediato, ao menos, este fenômeno pode contribuir
para diminuir os efeitos do êxodo rural e dar um certo nível de segurança material
às pessoas inativas e de mais idade que ficaram. Mas dificilmente cabe estimar que
constitua a longo prazo uma compensação segura do dano causado pela migração
da população ativa jovem que partiu das zonas rurais ou saiu do país. É
indispensável fazer esforços concentrados tendentes a melhorar as condições
socioeconômicas que reinam nas zonas rurais, particularmente em vista da volta
dos migrantes a seu país de origem.
39. O desenvolvimento rural deve ser considerado uma chave da totalidade do
problema do envelhecimento em grandes partes do mundo, não menos que do
progresso nacional equilibrado e integrado dos países que têm uma economia
essencialmente agrícola. Até certo ponto, as políticas para aumentar a produção e
a produtividade nas zonas rurais, para estimular o investimento, para criar as
infraestruturas necessárias, para introduzir tecnologias apropriadas e prestar
serviços básicos podem reforçar os sistemas generalizados de previdência social
existentes em outros países mais industrializados.
40. A lenta expansão da longevidade da população, inclusive nas zonas atualmente
em desenvolvimento, constitui um recurso para as economias nacionais que, se
devidamente estimulada e utilizada, pode contribuir para compensar o êxodo das
pessoas mais jovens, diminuir as relações reais de dependência e assegurar o
status das pessoas idosas do meio rural como participantes ativos na vida nacional
e de produção e não como vítimas passivas e vulneráveis do desenvolvimento.
41. Uma forma conveniente de compensar o êxodo de jovens para outros países
consistiria em aumentar a continuidade dos benefícios sociais no que respeita a
seus direitos a uma pensão contributiva e de adotar disposições favoráveis para
transferências financeiras, qualquer que seja a forma em que se concedam os
benefícios aos trabalhadores migrantes. Isto seria não só justo, mas também
coerente com o estímulo do desenvolvimento da economia do país de origem. Para
tal fim, devem ser desenvolvidos acordos de previdência social. Também seria
preciso respaldar estes esforços adotando outras medidas, especialmente no que
respeita às habitações destinadas aos repatriados. Embora os migrantes de idade
avançada tenham as mesmas necessidades que outras pessoas de idade, sua
condição de migrantes coloca novas necessidades de caráter econômico, social,
cultural e espiritual. Além disso, é importante reconhecer o papel que os migrantes
mais idosos poderiam desempenhar em apoio aos seus congêneres mais jovens.
42. Nos países que têm sistemas de previdência social plenamente desenvolvido,
vinculados a limites de idade obrigatórios para a aposentadoria, o envelhecimento
geral é, e continuará sendo, um dos principais fatores estruturais que afetam a
composição da força de trabalho. Este fenômeno não deve ser considerado apenas
em função de suas repercussões nas pessoas idosas. Por causa de sua dimensão
e uma íntima interação com outros setores e processos que afetam a força de
trabalho ativa, as políticas de aposentadoria não podem ser tratadas de uma forma
isolada como um fenômeno independente. Para vários países, a relação mais
visível é a existente entre as disposições adotadas para a aposentadoria e os
problemas de desemprego, em particular o de jovens prestes a ingressar no
mercado de trabalho.
43. Muito já foi dito sobre essa relação, e foram estudadas e adotadas medidas
governamentais para respondê-la em diversas formas. Seja qual for a aparente
448

prudência de reduzir os limites de idade para a aposentadoria a fim de criar novas


oportunidades de emprego para os jovens, dificilmente poderá ver-se em tal medida
outra coisa que uma solução parcial, em curto prazo, de um problema social
mediante a criação de outro, provavelmente mais longo e duradouro. Em ambos os
extremos da estrutura da força de trabalho, devem-se estudar alternativas de maior
inovação.
44. Por outro lado, uma ampla variedade de interesses e preferências pessoais das
pessoas próximas da idade da aposentadoria, sem grandes mudanças
administrativas ou organizacionais, deve ser levada em conta mediante um sistema
flexível e personalizado de planos de aposentadoria. Nos casos em que a
aposentadoria seja a opção preferida, podem ser estabelecidos distintos níveis de
aposentadoria voluntária antecipada com benefícios reduzidos, compensada
mediante o prolongamento do período de emprego daqueles para quem o trabalho
diário é o principal interesse e, em alguns casos, a razão principal de viver. Outras
modalidades, tais como trabalho em tempo parcial, trabalho ocasional ou
consultoria, já estão em uso nos altos cargos tecnológicos e administrativos, que
pode estender-se a uma parte maior da força de trabalho. Para implementar esta
medida, devem-se tomar medidas para a capacitação e a reciclagem profissional,
assim como o desenvolvimento de novos conhecimento técnicos.
45. A inter-relação entre o emprego e a necessidade de renda dos jovens e dos
idosos traz problemas particularmente difíceis para a mulher, cuja maior esperança
de vida pode significar uma velhice agravada pela necessidade econômica,
isolamento e com poucas ou nenhuma expectativa de emprego remunerado.
46. Onde os sistemas de previdência social são baseados na acumulação de
aposentadorias, o aumento do número e a longevidade das pessoas aposentadas
estão surgindo agora como um importante aspecto da administração dos recursos
econômicos nacionais, e por vezes é apresentado em termos de um congelamento
gradual de uma parte importante da riqueza nacional para fins caracterizados como
não-produtivos. Por outra parte, provavelmente será reconhecido que a acumulação
de fundos de aposentadoria pode constituir um fator estabilizador na economia
nacional, já que estabiliza fontes de financiamento a longo prazo, colocadas de
forma prudente e em grande escala, cujo impacto em sistemas econômicos, de
outro modo flutuantes, pode ser benéfico. Nesses sistemas, o poder de compra dos
benefícios pagos deve, tanto quanto possível, ser mantido.
47. Analogamente, a maior parte dos pagamentos de benefícios procedentes de
fundos de aposentadoria representam uma renda adiada da pessoa aposentada. O
uso natural dos benefícios para atender a necessidades materiais imediatas, e não
para efetuar investimentos inseguros a longo prazo, pode constituir igualmente um
fator de estímulo em sociedades cuja saúde econômica depende em grau elevado
do gasto e do consumo individuais.
48. Quando não existem sistemas organizados de aposentadoria, as
consequências econômicas do envelhecimento das sociedades são no momento,
em grande medida, negativas; e provavelmente a situação continuará sendo a
mesma em um futuro próximo, a menos que se façam esforços sérios e de largo
alcance para transformar este problema atual em um potencial benefício para toda
a sociedade. Iniciativas governamentais para promover o desenvolvimento material
e o bem-estar social, acompanhadas de uma ação internacional para sustentar tais
iniciativas, poderiam representar um esforço conjunto oportuno para preparar para
449

o futuro os que se aproximam da velhice em áreas em que as estruturas


tradicionais de proteção estão a ponto de se dissolver.
3. Áreas de preocupação das pessoas de idade
49. O reconhecimento de que todos os aspectos do envelhecimento estão
relacionados entre si supõe a necessidade de uma abordagem coordenada das
políticas e investigações sobre o assunto. Considerando o processo do
envelhecimento em sua totalidade, assim como sua interação com a situação social
e econômica, requer uma abordagem integrada no planejamento econômico e
social global. A ênfase imprópria em problemas setoriais específicos do
envelhecimento pode constituir um sério obstáculo à integração de políticas e
programas sobre o envelhecimento em um contexto mais amplo do
desenvolvimento. Embora as recomendações que figuram a seguir tenham sido
divididas em grandes temas, deve-se reconhecer que há um alto grau de
interdependência entre elas.
50. Reconhecendo esta interdependência, poder-se-ia dar especial atenção à
coordenação de esforços preventivos para combater os efeitos prejudiciais do
envelhecimento prematuro. Desde o nascimento, os efeitos nocivos do
envelhecimento prematuro no indivíduo poderiam ser evitados por:
- um esforço na educação, especialmente para sensibilizar os jovens das mudanças
que irão ocorrer na medida em que envelhecem;
- um estilo, em geral, de vida saudável;
- organização adequada dos horários e das condições de trabalho;
- uma distribuição do tempo e das responsabilidades entre diversos tipos de
atividades de cada pessoa, a fim de que ela possa exercer várias atividades
distintas, à medida que envelhece, e conseguir o melhor equilíbrio possível entre o
tempo de lazer, de treinamento e de trabalho;
- a adaptação constante do homem ao seu trabalho e, mais ainda, do trabalho ao
homem e a mudança do tipo de trabalho de acordo com as mudanças que se
produzem em cada indivíduo, em circunstâncias familiares e no desenvolvimento
tecnológico e econômico. A este respeito, a medicina do trabalho e a educação
permanente devem desempenhar um papel essencial.
51. Na resolução 1981/62, o Conselho Econômico e Social solicitou ao Secretário
Geral que elaborasse uma série de orientações gerais para a proteção do
consumidor. Além disso, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação adotou um Código de Ética no Comércio Internacional de Alimentos e
a Organização Mundial da Saúde, um Código Internacional de Comercialização dos
Substitutos do Leite Materno para proteger a saúde das crianças. Idosos
consumidores devem ser protegidos, uma vez que a boa saúde, a segurança e o
bem-estar dos idosos constituem o objetivo da Assembléia Mundial sobre o
Envelhecimento.
a) Saúde e nutrição
52. Embora o aumento do número de pessoas de idade em todo o mundo
representa, para a humanidade, um sucesso do ponto de vista biológico, as
condições de vida dos idosos, na maioria dos países, foram ficando muito aquém
das condições da população economicamente ativa. No entanto, a saúde, isto é, o
estado de total bem-estar físico, mental e social, é resultado da interação de todos
os setores que contribuem ao desenvolvimento.
53. Estudos epidemiológicos indicam que as coortes sucessivas que chegam à
450

mesma idade avançada gozam de um nível de saúde cada vez mais elevado e se
prevê que, à medida que tanto os homens quanto as mulheres forem vivendo mais
e mais anos, as incapacidades mais importantes podem acumular-se em grande
medida em uma estreita faixa etária anterior à morte.
Recomendação 1
Cuidados destinados a compensar as incapacidades, reeducar as funções
remanescentes, aliviar a dor, manter a lucidez, o conforto e a dignidade das
pessoas afetadas e que lhes ajudem a reorientar suas esperanças e projetos,
sobretudo no caso dos idosos, são tão importantes quanto o tratamento curativo.
Recomendação 2
O cuidado das pessoas idosas devera ir além da doença e abranger a totalidade de
seu bem-estar, levando em conta a interdependência dos fatores físicos, mentais,
sociais, espirituais e ambientais. Cuidados de saúde devem, portanto, envolver os
setores sociais e de saúde e a família na melhoria da qualidade de vida das
pessoas idosas. Os cuidados de saúde, em particular a atenção primária como
estratégia, devem ser voltados para permitir aos idosos independentes conduzirem
sua própria vida na família e na comunidade pelo maior tempo possível, em vez de
serem excluídos e isolados de todas as atividades da sociedade.
54. Não há dúvida de que, com o avanço da idade, os estados patológicos se
tornam mais frequentes. Além disso, as condições de vida dos idosos os tornam
mais propensas aos fatores de risco que podem ter efeitos adversos para sua
saúde (por exemplo, o isolamento social e os acidentes), fatores que na maioria das
vezes podem ser modificados. A investigação e a experiência prática têm
demonstrado que é possível manter a saúde dos idosos, e que as doenças não
precisam ser componentes essenciais do envelhecimento.
Recomendação 3
O diagnostico precoce e o tratamento apropriado são necessários, como medida
preventiva, para reduzir as incapacidades e doenças do envelhecimento.
Recomendação 4
Deverá ser dada especial atenção, quanto a cuidados de saúde, aos muito idosos e
às pessoas que se encontrem incapacitadas em sua vida cotidiana, especialmente
quando sofrem perturbações mentais ou incapacidade de se adaptarem ao
ambiente; os transtornos mentais poderiam ser evitados ou modificados por meios
que não exigem a colocação dos afetados em instituições, tais como a capacitação
e o apoio à família e aos voluntários por profissionais, promovendo o cuidado
ambulatorial das doenças mentais, o trabalho de bem-estar social, centro-dia e
medidas que visam prevenir o isolamento social.
55. Sem dúvida, alguns setores da população de mais idade, especialmente os
mais velhos, continuarão sendo um grupo vulnerável. Como eles podem estar entre
os que têm menos mobilidade, este grupo necessita de especial atenção primária
localizada perto de suas residências e/ou comunidades. O conceito da atenção
primária à saúde inclui a utilização do pessoal existente e dos serviços sociais e de
saúde, com ajuda de funcionários de saúde da comunidade capacitados em
técnicas simples de cuidado ao idoso.
56. O diagnóstico e a intervenção precoces são de fundamental importância para
prevenção de doença mental nas pessoas idosas. Ter-se-á que tomar medidas
para atender às pessoas de idade que têm problemas de saúde mental ou cuja
saúde mental se encontra em perigo.
451

57. Quando se requer atenção hospitalar, a aplicação da medicina geriátrica


permite avaliar o estado geral do paciente e, mediante o trabalho de uma equipe
multidisciplinar, elaborar um programa de tratamento e reabilitação orientado a
facilitar o pronto retorno à comunidade, e proporcionar ali toda atenção continuada
necessária. Todos os pacientes deverão receber oportunamente todas as formas
de tratamento intensivo de que necessitem, com o objetivo de prevenir
complicações e deficiências funcionais que possam conduzir à invalidez
permanente e à morte prematura.
Recomendação 5
Atender aos doentes terminais, dialogar com eles e apoiar seus parentes próximos
no momento da perda e depois requer esforços especiais que vão além da prática
medica usual. A necessidade de tais cuidados especiais devem ser conhecidos e
compreendidos por aqueles que prestam cuidados médicos e pelas famílias dos
doentes terminais, bem como pelos próprios doentes. Tendo em mente essas
necessidades, o intercâmbio de informações sobre as experiências e práticas em
várias culturas devem ser estimuladas.
58. É importante um equilíbrio adequado entre a função das instituições e a da
família na prestação de cuidados de saúde aos idosos, com base no
reconhecimento de que a família e a comunidade imediata são os elementos
fundamentais de um sistema de atenção bem equilibrado.
59. Os sistemas existentes de serviço social e de saúde, para o cuidado de idosos,
estão tornando-se cada dia mais caros. É preciso estudar meios de mitigar esta
tendência e de criar sistemas sociais juntamente com serviços de atenção primária,
no espírito da Declaração de Alma-ata.
Recomendação 6
A tendência ao encarecimento dos sistemas de serviço social e de atenção à saúde
deverá ser compensada mediante uma coordenação mais próxima entre os
serviços de proteção social e de atenção à saúde, tanto a nível nacional quanto
comunitário. Por exemplo, é necessário adotar medidas adequadas para intensificar
a colaboração entre o pessoal que trabalha nestes dois setores e para lhe oferecer
uma formação interdisciplinar. Entretanto, estes sistemas deverão ser
desenvolvidos considerando o papel da família e da comunidade, que deverão
seguir constituindo os elementos fundamentais inter-relacionados de um sistema de
atenção bem equilibrado. Tudo isto deverá ser feito sem diminuição do padrão dos
cuidados médicos e sociais dos idosos.
60. Os encarregados de prestar assistência mais imediata aos idosos são em geral
pessoas que estão menos qualificadas ou que têm uma capacitação insuficiente
para este fim. Para manter o bem-estar e a independência das pessoas idosas
mediante o autoatendimento, promoção da saúde, prevenção de doenças e
deficiências exigem novas orientações e aptidões dos próprios idosos, assim como
de suas famílias e dos trabalhadores dos serviços de saúde e bem-estar social das
comunidades locais.
Recomendação 7
a) A população em geral deve ser informada sobre como lidar com os idosos que
exijam cuidados. Os próprios idosos deverão ser educados para o autocuidado.
b) Deverá ser ministrada capacitação básica para suas tarefas, a quem trabalha
com pessoas de idade, no lar ou em instituições, destacando em particular a
importância da participação dos idosos e de suas famílias, e a colaboração entre
452

quem trabalha nas áreas da saúde e do bem-estar nos diversos níveis.


c) Profissionais e estudantes de profissões que têm a seu cargo o cuidado de seres
humanos (por exemplo, medicina, enfermagem, serviço social, etc.) devem ser
treinados em princípios e aptidões pertinentes nas áreas de gerontologia, geriatria,
psicogeriatria e enfermagem geriátrica.
61. Com muita frequência, os idosos são pessoas a quem não se pede
consentimento. As decisões que afetam os cidadãos de idade são adotadas com
frequência sem sua participação. Isto se aplica especialmente no caso das pessoas
muito velhas, frágeis ou deficientes. Estas pessoas deverão ser atendidas por
sistemas de atenção flexíveis que lhes permitam optar pelo tipo de comodidades e
de cuidado que devam receber.
Recomendação 8
O controle sobre a vida dos idosos não deve ser deixado somente a cargo do
pessoal das áreas de saúde, de serviço social ou outro cuidador pessoal, pois os
idosos mesmos são os que melhor sabem o que é necessário e como deve ser
feito.
Recomendação 9
Deve ser estimulada a participação dos idosos no desenvolvimento da atenção à
saúde e no funcionamento dos serviços de saúde.
62. Um princípio fundamental dessa atenção prestada aos idosos é que sirva para
que estes possam levar uma vida independente no seio da comunidade durante o
maior tempo possível.
Recomendação 10
Será preciso desenvolver na comunidade, na medida do possível, os serviços de
saúde e serviços de saúde auxiliares. Estes serviços deverão abranger uma ampla
gama de serviços ambulatoriais, tais como centros de cuidado diurnos, clínicas
ambulatoriais, hospitais-dia, cuidados médicos e de enfermagem e ajuda domiciliar.
Deverão ser oferecidos sempre serviços de urgência. O cuidado em instituições
deverá corresponder sempre às necessidades dos idosos. Deverá ser evitado o uso
de camas inadequadas nas instalações destinadas aos cuidados da saúde. Em
especial, os que não são doentes mentais não deverão ser internados em hospitais
psiquiátricos. Devem ser prestados serviços de exame e assessoramento médico
em clínicas geriátricas, centros de saúde ou locais da comunidade onde
congreguem pessoas de idade. Deve-se contar com a infraestrutura de saúde
necessária, assim como o devido pessoal especializado que possa prestar uma
assistência geriátrica integral e completa. No caso de cuidados institucionais,
deverá ser evitada a alienação do idoso da sociedade provocada por seu
isolamento, buscando, entre outras formas, mais a participação de membros da
família e de voluntários.
63. Tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, existem
problemas nutricionais, especialmente entre os idosos pobres e em condição
desvantajosa. Outro grande risco a que estão expostas as pessoas de idade são os
acidentes. Para poder atenuar esses problemas é preciso adotar uma abordagem
multissetorial.
Recomendação 11
Deve-se perseguir ativamente o objetivo de melhorar a saúde, prevenir as
enfermidades e manter as capacidades funcionais entre as pessoas idosas. Para
tanto, um pré-requisito é uma avaliação das necessidades físicas, psicológicas e
453

sociais do grupo interessado. Essa avaliação promoverá a prevenção das


incapacidades, o diagnóstico precoce e a reabilitação.
Recomendação 12
Uma nutrição adequada, apropriada e suficiente, particularmente o adequado
consumo de proteínas, sais minerais e vitaminas, é essencial para o bem-estar dos
idosos. A nutrição deficiente se vê agravada pela pobreza, o isolamento, a má
distribuição dos alimentos e hábitos alimentares, inclusive os devidos a problemas
dentários. Portanto, deve-se prestar especial atenção a:
a) O melhoramento da disponibilidade de alimentos suficientes para as pessoas de
idade, mediante planos apropriados e o estímulo aos idosos das áreas rurais para
que desempenhem um papel ativo na produção de alimentos;
b) Uma distribuição justa e equitativa dos alimentos, da riqueza, dos recursos e da
tecnologia;
c) A educação do público, incluindo os idosos, na aquisição de hábitos de nutrição e
alimentares corretos, tanto nas zonas urbanas como nas rurais;
d) A prestação de serviços de saúde e odontológicos para o diagnóstico precoce da
desnutrição e a melhoria da mastigação;
e) Os estudos sobre a situação nutricional dos idosos no âmbito da comunidade,
incluída a adoção de medidas para corrigir as condições locais insatisfatórias;
f) A extensão para as comunidades dos países em desenvolvimento das pesquisas
sobre a função dos fatores nutricionais no processo de envelhecimento.
Recomendação 13
Devem ser intensificados os esforços para desenvolver a assistência domiciliar, a
fim de prestar serviços de saúde e sociais de alta qualidade na quantidade
necessária para que os idosos possam permanecer em suas próprias comunidades
e viver na forma mais independente durante o maior tempo possível. O atendimento
domiciliar não deve ser considerado uma alternativa do atendimento institucional,
pois ambas se complementam e devem estar vinculadas com o sistema de
prestação de serviços de tal modo que as pessoas idosas possam receber os
melhores cuidados adequados a suas necessidades, e a um menor custo.
Deve-se prestar especial apoio aos serviços de cuidado domiciliar, dotando-os de
profissionais médicos, paramédicos, de enfermagem e técnicos suficientes para
poder limitar a necessidade de hospitalização.
Recomendação 14
Uma questão muito importante se refere às possibilidades de prevenir, ou ao
menos postergar, as consequências funcionais negativas do envelhecimento da
população. Muitos fatores do estilo de vida podem ter seus efeitos mais
pronunciados durante a velhice, quando a capacidade de reservas costuma ser
mais baixa.
A saúde dos idosos está condicionada basicamente por seu estado de saúde
anterior e, portanto, a assistência de saúde durante toda a vida, iniciada na
juventude, é de primordial importância; isso inclui a medicina preventiva, a nutrição,
os exercícios físicos, evitar hábitos prejudiciais à saúde e a atenção aos fatores
ambientais, e esta assistência deve ser contínua.
Recomendação 15
Os riscos que para a saúde representa a acumulação de substâncias nocivas —
incluindo os elementos radioativos e os oligoelementos, assim como outras
substâncias — adquirem maior importância na medida em que aumenta a duração
454

da vida e, por conseguinte, devem ser objeto de atenção e pesquisas especiais ao


longo de toda a vida. Os governos deverão promover a manipulação segura de tais
materiais em uso e atuar com rapidez para assegurar que os dejetos resultantes
dessa utilização sejam eliminados de forma permanente e segura da bioesfera.
Recomendação 16
Dado que os acidentes evitáveis representam um custo considerável, tanto em
sofrimentos humanos como em recursos, deverá ser dada prioridade às medidas
destinadas a prevenir os acidentes no lar e na via pública, assim como os
provocados pelas doenças curáveis ou por um uso inadequado de medicação.
Recomendação 17
Devem ser promovidos intercâmbios internacionais e a cooperação em matéria de
pesquisa para realizar estudos epidemiológicos sobre as questões locais de saúde
e de doença e suas consequências, além de pesquisar a validade dos distintos
sistemas de cuidado, incluído o autocuidado e o cuidado no lar a cargo de
enfermeiras, e em particular as formas de maximizar a eficácia dos programas; do
mesmo modo, para pesquisar as demandas de diversos tipos de cuidados de saúde
e desenvolver os meios necessários para satisfazê-las, prestando especial atenção
aos estudos comparados que se refiram ao cumprimento dos objetivos e à eficácia
relativa com relação custo–beneficio; e enfim, para recolher dados sobre as
características físicas, mentais e sociais das pessoas idosas em diversos contextos
sociais e culturais, incluída a atenção aos problemas especiais referentes ao
acesso aos serviços nas áreas rurais e remotas, a fim de proporcionar uma base
sólida para ações futuras.
b) Proteção dos consumidores idosos
Recomendação 18
Os Governos deverão:
a) Garantir que os alimentos, os produtos domésticos, as instalações e os
equipamentos cumpram normas de segurança levando em conta a vulnerabilidade
das pessoas de idade;
b) Incentivar o uso seguro dos medicamentos, os produtos químicos domésticos e
outros produtos, exigindo que os fabricantes coloquem nesses produtos as
advertências e as instruções necessárias para seu uso;
c) Facilitar a disponibilidade de medicamentos, aparelhos auditivos, próteses
dentárias, óculos e outras próteses, para que os idosos possam continuar uma vida
ativa e independente;
d) Limitar a publicidade intensiva e outras técnicas de venda destinadas
fundamentalmente a explorar os escassos recursos dos idosos.
Os organismos governamentais deverão colaborar com as organizações não-
governamentais em programas de educação do consumidor. Deve-se insistir junto
às organizações internacionais interessadas para que promovam uma ação
conjunta dos Estados Membros para proteger os consumidores idosos.
c) Habitação e meio ambiente
64. Uma residência adequada e um ambiente físico agradável são necessários para
o bem-estar de todos, e se aceita de maneira geral que a habitação influa muito na
qualidade da vida de qualquer grupo etário em qualquer país. Uma habitação
adequada é ainda mais importante para os idosos, em cujo domicílio se centram
praticamente todas as suas atividades. A adaptação da residência, a prestação de
ajudas domésticas práticas concebida para facilitar a vida cotidiana e equipamentos
455

domésticos bem projetados podem reduzir a dificuldade das pessoas de idade, cuja
mobilidade é limitada ou que tenham outras incapacidades, para continuar vivendo
em suas casas.
65. Os idosos enfrentam uma quantidade de problemas no tráfego e nos meios de
transporte. Os pedestres idosos, em especial, devem enfrentar perigos reais ou
imaginários que limitam sua mobilidade e seu desejo de participar da vida da
comunidade. As condições nas quais se realiza a circulação devem ser adaptadas
às pessoas idosas e não o contrário. As medidas e os equipamentos devem incluir
a educação para o trânsito, especialmente estabelecer limites de velocidade,
particularmente nos aglomerados humanos, e garantir principalmente a segurança
nas estradas, no ambiente da habitação e nas zonas residenciais, assim como nos
meios de transporte.
Recomendação 19
Deve-se considerar que a residência destinada aos idosos é algo mais que um
mero abrigo. Além disso, o significado material tem um significado psicológico e
social que deve ser levado em consideração. A fim de liberar as pessoas de idade
da dependência de outras pessoas, as políticas nacionais em matéria de habitação
devem ter os seguintes objetivos:
a) Contribuir para que as pessoas de idade permaneçam em seus próprios lares o
máximo de tempo possível, mediante a restauração e o desenvolvimento quando
resultar possível e conveniente, mediante a reestruturação e o desenvolvimento das
próprias habitações assim como sua adaptação às necessidades de acesso e à
utilização por parte das pessoas de idade;
b) Programar e construir — no âmbito de uma política habitacional que preveja
também o financiamento público e de acordo com a iniciativa privada — habitações
para idosos, que levem em consideração as diferentes categorias de estado civil e
o grau de autonomia destas pessoas, com respeito às tradições e costumes locais;
c) Coordenar as políticas de habitação com as políticas encaminhadas para a
colocação em prática dos serviços comunitários (sociais, de saúde, culturais, de
lazer, de comunicações), a fim de garantir, sempre que possível, uma relação
especialmente favorável aos idosos em relação às residências destinadas ao
conjunto da população;
d) Elaborar e aplicar políticas e medidas especiais, assim como prever dispositivos
concebidos para permitir o deslocamento das pessoas de idade e para protegê-las
contra os perigos do trânsito;
e) Esta política deverá, por sua vez, estar contida na política mais ampla de ajuda
às camadas mais desfavorecidas da população.
Recomendação 20
A legislação e o planejamento em matéria de desenvolvimento e reconstrução
urbana deverão dar especial atenção aos problemas do envelhecimento, auxiliando
na garantia de sua integração social.
Recomendação 21
Os governos nacionais devem ser incentivados a adotar políticas habitacionais que
levem em conta as necessidades das pessoas idosas e das pessoas socialmente
desfavorecidas. Um meio ambiente concebido para apoiar as capacidades
funcionais destes grupos deve formar parte integrante das diretrizes nacionais para
as políticas e as medidas relativas aos assentamentos humanos.
Recomendação 22
456

Deve-se dar especial atenção aos problemas ambientais e ao projeto de um


ambiente para a vida no qual se tenha em conta a capacidade funcional dos idosos
e se facilitem a mobilidade e a comunicação através da disponibilização de meios
de transporte adequados.
O meio ambiente deve ser concebido, com o apoio dos governos, das autoridades
locais e das organizações não governamentais, de modo a permitir que as pessoas
idosas possam seguir vivendo, se assim o desejarem, em um ambiente que lhes
seja familiar, e no qual sua participação na comunidade seja prolongada, e tenham
a oportunidade de levar uma vida plena, normal e segura.
Recomendação 23
A crescente incidência de criminalidade que, em alguns países, se comete contra
os idosos vitimiza não só as pessoas diretamente envolvidas, mas também um
grande número de idosos que têm medo de deixar seus lares. Deve-se tratar de
aumentar a consciência dos órgãos encarregados de fazer cumprir a lei e dos
idosos sobre a quantidade de crimes contra as pessoas de idade e as suas
repercussões.
Recomendação 24
Na medida do possível, as pessoas de idade deverão participar da elaboração das
políticas e programas de habitação relativos à população idosa.
d) Família
66. Independentemente de sua forma ou de sua organização, a família é
reconhecida como a unidade básica da sociedade. Com o aumento da longevidade,
a existência de famílias que incluem quatro ou cinco gerações já é cada vez mais
comum em todo o mundo. Por outra parte, as mudanças na condição da mulher
reduziram sua função tradicional de cuidar dos membros mais velhos da família; é
necessário que a família em conjunto, incluídos os homens, assuma e compartilhe
a carga das tarefas do lar. As mulheres ingressam na força de trabalho e
permanecem nela durante períodos cada vez mais longos. Muitas das que
terminaram de criar seus filhos se encontram diante do dilema do desejo e da
necessidade de trabalhar e obter renda por um lado, e por outro a responsabilidade
de cuidar dos pais ou avós idosos.
Recomendação 25
Como a família é reconhecida como a unidade básica da sociedade, deverão
desdobrar-se todos os esforços necessários para apoiá-la, protegê-la e fortalecê-la
de acordo com o sistema de valores culturais de cada sociedade e atendendo às
necessidades de seus membros de idade avançada. Os governos deverão
promover as políticas sociais que incentivem a manutenção da solidariedade
familiar entre gerações, com a participação de todos os membros da família.
Deverá também ser reforçado em todos os níveis o papel e a contribuição das
organizações não-governamentais no fortalecimento da família como unidade.
Recomendação 26
O respaldo apropriado do setor mais amplo da comunidade, disponível quando e
onde for necessário, pode fazer uma diferença crucial em relação à vontade e
capacidade das famílias de seguir cuidando dos parentes idosos. No planejamento
e prestação de serviços, devem-se levar plenamente em conta as necessidades
dos cuidadores.
67. Existem amplos indícios da grande estima que desperta todo idoso nos países
em desenvolvimento. Adverte-se, porém, que o avanço da industrialização e a
457

urbanização junto com a crescente mobilidade da força de trabalho, estão alterando


já substancialmente o conceito tradicional sobre o papel e a posição do idoso na
família. Tem-se manifestado em todo mundo uma tendência a que a família deixe
de ser a única fonte de atenção e apoio às pessoas de idade.
Recomendação 27
As formas de garantir a continuidade do papel vital da família e da dignidade, da
situação e da segurança das pessoas idosas, tendo em conta todos os
acontecimentos internos e internacionais que possam influenciar este estado de
segurança, são questões que merecem especial atenção e medidas, tanto por parte
dos governos como das organizações não governamentais. Reconhecendo a
predominância das mulheres idosas e da proporção relativamente maior de viúvas
do que de viúvos em todo o mundo, devem ser dados papéis especiais a este grupo
e especial atenção às suas necessidades.
Recomendação 28
Recomenda-se aos governos que, em planos de desenvolvimento, adotem um
critério integrado em relação à idade e à família no qual se reconheçam as
necessidades e características especiais das pessoas de mais idade e de suas
famílias. Idosos devem ser incluídos nos processos de adoção de decisões
governamentais e de outra índole, entre outras, nas esferas política, social, cultural
e educativa; e devem-se incentivar os filhos a que apóiem seus pais.
Recomendação 29
Governos e organizações não governamentais devem ser incentivados a criar
serviços sociais de apoio a toda a família quando existirem idosos no lar e a
implementar medidas especialmente destinadas às famílias de baixa renda que
desejem manter no lar as pessoas idosas.
e) Bem-estar social
68. Os serviços de bem-estar social podem ser um instrumento da política nacional
e deverão ter como objetivo a maximização da capacidade dos idosos para viverem
na sociedade. Os ditos serviços devem ser prestados na comunidade e
proporcionar uma gama de serviços preventivos, de recuperação e
desenvolvimento para as pessoas idosas, a fim de lhes permitir levar uma vida o
mais independente possível em seu próprio lar e em sua comunidade, e continuar
sendo cidadãos ativos e úteis.
69. Em relação aos idosos migrantes, deverão ser tomadas medidas adequadas
para prover serviços de bem-estar social de acordo com suas características
étnicas, culturais, linguísticas e outras.
Recomendação 30
Os serviços de bem-estar social deverão ter por objetivo a criação, a promoção e a
manutenção, durante o maior tempo possível, das funções ativas e úteis para o
idoso na e para a comunidade.
70. Em muitos países onde os recursos são escassos, há uma falta generalizada de
serviços de bem-estar social organizados, especialmente nas zonas rurais. Embora
o papel do governo no fornecimento desses serviços seja primordial, a contribuição
das organizações não-governamentais também é de grande importância.
71. Nas sociedades tradicionais, as pessoas idosas desfrutaram sempre de uma
posição privilegiada, baseada no respeito, consideração, status e autoridade.
Entretanto, isto está começando a ser rompido pela influência de tendências
modernas, e esta posição privilegiada começa a ser questionada. Portanto, é tempo
458

de se dar conta dessas mudanças e, com base nisto, definir políticas nacionais de
envelhecimento que permitirão evitar algum dos problemas enfrentados pelos
idosos em alguns países desenvolvidos.
Recomendação 31
As organizações formais e informais existentes deverão considerar as
necessidades especiais do envelhecimento e as incluir em seus programas atuais e
em seus planos futuros. O importante papel que as cooperativas podem
desempenhar na prestação de serviços nesta área devem ser reconhecidos e
incentivados. Ditas cooperativas também poderiam beneficiar-se com a participação
das pessoas idosas como sócios ou consultores. Deverá ser formada uma parceria
entre governos e organizações não governamentais com vistas a assegurar uma
abordagem global integrada, coordenada e polivalente para satisfazer as
necessidades de bem-estar social dos idosos.
Recomendação 32
Com objetivo de favorecer o estreitamento de laços intergeracionais, deve-se
fomentar a participação dos jovens na prestação de serviços e cuidados de saúde,
e na participação em atividades para e com os idosos. Deve estimular-se, na
medida do possível, a auto-ajuda mútua entre idosos capazes e ativos, assim como
a assistência que este grupo pode proporcionar a seus pares menos afortunados, e
a participação dos idosos em ocupações informais com horário reduzido.
Recomendação 33
Os governos deverão também esforçar-se por reduzir ou eliminar qualquer restrição
de tipo fiscal ou de índole similar que pese sobre as atividades voluntárias
informais, assim como as normas jurídicas que impeçam ou desencorajem o
trabalho em tempo parcial, a autoajuda mútua e da utilização de voluntários junto
ao pessoal especializado na prestação de serviços sociais ou em instituições para
idosos.
Recomendação 34
Quando a institucionalização for necessária ou inevitável para os idosos, um
esforço extremo deve ser feito para garantir uma qualidade de vida institucional que
corresponda às condições normais em suas comunidades, com pleno respeito a
sua dignidade, suas crenças, suas necessidades, seus interesses e sua
privacidade; os Estados membros deveriam ser encorajados para assegurar uma
maior qualidade dos serviços institucionais.
Recomendação 35
A fim de facilitar a ajuda mútua entre os idosos e deixar que suas vozes sejam
ouvidas, os governos e as organizações não-governamentais devem estimular a
formação e a livre iniciativa de grupos e movimentos de pessoas idosas, assim
como as possibilidades de capacitar e informar a outros grupos etários em relação
ao apoio aos idosos.
f) Rendimentos de aposentadoria e emprego
72. Existem grandes diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento,
e particularmente entre as zonas urbanas industrializadas e economias agrárias
rurais, no que diz respeito aos objetivos da política de renda relacionadas à
previdência e ao emprego. Muitos países desenvolvidos conseguiram uma
cobertura universal através de esquemas generalizados de previdência social. Nos
países em desenvolvimento, onde muitos, se não a maioria, das pessoas vivem em
nível de subsistência, a segurança de renda é um tema que preocupa todos os
459

grupos etários. Em vários desses países, os programas de previdência social


costumam oferecer uma cobertura limitada; nas zonas rurais, onde vive a imensa
maioria da população, esses programas são mínimos ou inexistentes. Por outra
parte, deverá ser dada especial atenção à previdência social e programas sociais,
às condições das mulheres idosas, cujos rendimentos costumam ser inferiores aos
dos homens, e cujo emprego fica frequentemente interrompido por causa das
responsabilidades da maternidade e da família. A longo prazo as políticas devem
ser orientadas no sentido de proporcionar previdência social para as mulheres, por
direito próprio.
Recomendação 36
Os governos devem tomar as medidas necessárias para garantir a todas as
pessoas idosas um rendimento mínimo adequado, e desenvolver a economia
nacional para beneficiar toda a população. Para tanto, devem:
a) Criar ou desenvolver sistemas de previdência social, baseados no principio de
cobertura universal para os idosos. Não sendo isso possível, deverão buscar outros
meios, como pagamento de benefícios em espécie, ou assistência direta às famílias
e às instituições cooperativas locais;
b) Assegurar que os benefícios mínimos sejam suficientes para satisfazer as
necessidades básicas dos idosos e garantir sua independência. Sendo os
pagamentos da previdência social calculados ou não levando em conta a renda
anterior, deverão ser feitos esforços para manter o seu poder de compra. Deverão
ser estudadas formas de proteger as poupanças dos idosos contra os efeitos da
inflação. Ao determinar a idade de aposentadoria, deverão ter-se devidamente em
conta as mudanças da estrutura demográfica, assim como a capacidade da
economia nacional. Ao mesmo tempo, devem ser feitos esforços para alcançar o
crescimento econômico continuo;
c) Nos sistemas de previdência social, tornar possível que tanto os homens como
as mulheres tenham seus próprios direitos;
d) Dentro do sistema de previdência social e, se necessário, através de outros
meios, responder às necessidades de segurança de renda para os trabalhadores
mais velhos que estão desempregados ou aqueles que estão incapazes de
trabalhar;
e) Explorar outras possibilidades de proporcionar aposentadoria complementar e
incentivos para desenvolvimento de novos meios de poupanças pessoais para os
idosos.
73. As questões do direito ao trabalho e do direito à aposentadoria se relacionam
em grande medida com o tema da segurança da renda. Na maioria das regiões do
mundo, as pessoas idosas enfrentam dificuldades para participar do trabalho e nas
atividades econômicas da sociedade, que permitam satisfazer a sua necessidade
de contribuir com a vida da comunidade e de beneficiar a sociedade em geral. É
corrente a discriminação pela idade: muitos trabalhadores mais velhos não podem
permanecer no mercado de trabalho ou reincorporar-se a ele devido a preconceitos
relacionados com a idade. Em alguns países, esta situação tende a afetar mais
duramente as mulheres. A integração dos idosos nos mecanismos do
desenvolvimento se refere tanto aos grupos do meio urbano quanto rural.
Recomendação 37
Os governos deverão facilitar a participação dos idosos na vida econômica da
sociedade. Para este efeito:
460

a) Devem ser tomadas medidas adequadas, com a participação das organizações


patronais e de trabalhadores, a fim de garantir, o máximo possível, que os
trabalhadores mais velhos possam continuar trabalhando em condições
satisfatórias e desfrutar da segurança do emprego;
b) Os governos deverão eliminar todo tipo de discriminação no mercado de trabalho
e assegurar a igualdade de tratamento na vida profissional. Estereótipos negativos
sobre os trabalhadores mais velhos existem entre alguns empregadores. Os
governos deverão adotar medidas para educar os empregadores e os conselheiros
profissionais sobre as capacidades dos trabalhadores mais velhos, que constituem
um número muito elevado na maioria das profissões. Os trabalhadores mais velhos
devem também se beneficiar da igualdade de acesso aos serviços de orientação,
formação e colocação;
c) Deverão ser tomadas medidas a ajudar as pessoas idosas a encontrar ou
reencontrar um emprego ou um trabalho independente, criando novas
possibilidades de emprego e facilitando sua capacitação e atualização de
conhecimentos. O direito dos trabalhadores mais velhos deve ser baseado em sua
capacidade profissional e não em sua idade cronológica;
d) Apesar dos importantes problemas com o desemprego em muitas nações, em
particular no que diz respeito aos jovens, a idade da aposentadoria para os
trabalhadores não deve ser reduzida, salvo voluntariamente.
Recomendação 38
Os trabalhadores mais velhos, como os demais trabalhadores, deverão gozar de
condições e ambiente de trabalho satisfatório. Quando necessário, deverão ser
tomadas medidas para prevenir os acidentes industriais e agrícolas e as doenças
ocupacionais. As condições e o ambiente de trabalho, assim como os horários e a
organização das tarefas, devem levar em conta as características dos
trabalhadores mais velhos.
Recomendação 39
Uma adequada proteção aos trabalhadores, o que permite um melhor seguimento
da condição das pessoas de idade avançada, dá-se através de um melhor
conhecimento das doenças ocupacionais. Isso implica necessariamente a
capacitação do pessoal médico em medicina do trabalho. Do mesmo modo,
exames médicos pré-aposentadoria permitiriam detectar as consequências das
doenças ocupacionais para o indivíduo e estudar as medidas apropriadas.
Recomendação 40
Os governos deverão tomar ou fomentar medidas para assegurar uma transição
suave e gradual da vida de trabalho para a aposentadoria, e, além disso, flexibilizar
idade de direito à aposentadoria. Essas medidas devem incluir cursos de
preparação para a aposentadoria e a diminuição da carga de trabalho nos últimos
anos da vida profissional, por exemplo, modificando as condições, o ambiente ou a
organização do trabalho, e promovendo uma diminuição progressiva do horário de
trabalho.
Recomendação 41
Os governos deverão aplicar as normas adotadas internacionalmente relativas aos
trabalhadores mais velhos, especialmente as consagradas na Recomendação 162
da Organização Internacional do Trabalho. Por outra parte, deverão seguir
desenvolvendo, a nível internacional, conceitos e diretrizes relacionados com as
necessidades desses trabalhadores.
461

Recomendação 42
À luz da Convenção Nº. 157 da OIT, deverão ser adotadas medidas relativas à
manutenção dos direitos de previdência social. Devem ser tomadas medidas
particularmente através de convenções bilaterais ou multilaterais, a fim de garantir a
cobertura social plena aos trabalhadores migrantes no país de acolhimento, assim
como, em caso de regresso ao país de origem, a manutenção dos direitos
adquiridos de previdência social, particularmente no que diz respeito à
aposentadoria. Igualmente, os trabalhadores migrantes de volta a seus países
deverão gozar de condições que favoreçam sua reintegração, especialmente em
matéria de habitação.
Recomendação 43
Na medida do possível, a acolhida de grupo de refugiados por um país deverá
incluir tanto as pessoas idosas quanto os adultos e as crianças, esforçando-se por
manter a família intacta e grupos de alojamento e serviços adequados.
g) Educação
74. As revoluções científicas e tecnológicas do século XX produziram a enorme
―explosão‖ de conhecimentos e informação. A ―explosão‖ contínua e a natureza
destas deram origem também a uma mudança social acelerada. Em muitas
sociedades do mundo, os idosos continuam a servir como transmissores de
informação, conhecimentos, tradições e valores espirituais: não se deve perder
essa importante tradição.
Recomendação 44
Devem ser desenvolvidos programas educativos tendo os idosos como professores
e transmissores de conhecimentos, cultura e valores espirituais.
75. Em muitos casos, a expansão de conhecimentos veio produzindo certa
obsolescência da informação, o que por sua vez guarda relação com a
obsolescência social. As ditas mudanças indicam que as estruturas educacionais
da sociedade devem ampliar-se para dar resposta às necessidades educacionais
de toda uma vida. Esse enfoque da educação parece sugerir a necessidade de uma
educação continuada de adultos, que inclua a preparação para o envelhecimento e
o uso criativo do tempo. Além disso, é importante que os idosos, da mesma forma
que as pessoas de todos outros grupos de idade, tenham acesso a cursos básicos
de alfabetização, assim como a todos os serviços educacionais disponíveis na
comunidade.
Recomendação 45
Como direito humano básico, a educação deve ser proporcionada sem
discriminação dos idosos. As políticas educacionais devem refletir o princípio do
direito dos idosos à educação, mediante a atribuição apropriada de recursos e com
programas de ensino satisfatórios. Deve-se tomar cuidado em adaptar os métodos
de ensino às capacidades dos idosos, de modo que eles possam participar
equitativamente de qualquer tipo de educação que se ofereça e aproveitá-la. A
necessidade da educação continuada de adultos em todos os níveis deve encontrar
reconhecimento e estímulo. Deveria ser considerada a possibilidade da educação
universitária para idosos.
76. Existe também necessidade de educar a população em geral sobre o processo
de envelhecimento. Esta educação deve começar na infância, para que o
envelhecimento possa ser percebido plenamente como um processo natural. Neste
tema, a importância do papel dos meios de comunicação em massa não pode ser
462

exagerada.
Recomendação 46
Deve-se empreender um esforço coordenado com e pelos meios de comunicação,
para destacar os aspectos positivos do processo de envelhecimento e do
envelhecimento em si. Este esforço deve incluir, entre outras coisas:
a) a atual situação do idoso, em especial nas zonas rurais dos países
desenvolvidos e em desenvolvimento, visando identificar e responder as suas reais
necessidades;
b) os efeitos da migração, tanto interna quanto internacional, em relação ao
envelhecimento das populações das zonas rurais e seus efeitos sobre a produção
agrícola e nas condições de vida dessas áreas;
c) métodos para desenvolver oportunidades de emprego e para adaptar as
condições de trabalho aos trabalhadores mais velhos. Isso pode incluir o
desenvolvimento de equipamentos simples ou ferramentas que ajudem aqueles que
têm capacidade limitada a realizar suas tarefas;
d) estudos sobre o papel da educação e o envelhecimento nas diversas culturas e
sociedades.
Recomendação 47
De acordo com o conceito de educação ao longo da vida, promulgado pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), programas de educação informal de base comunitária e de recreação
para os idosos devem ser implementados a fim de desenvolver um sentido de
autossuficiência e responsabilidade da comunidade. Tais programas devem contar
com o apoio dos governos nacionais e das organizações internacionais.
Recomendação 48
Com o objetivo de promover uma maior participação das pessoas idosas em
atividades de lazer e em uma utilização criadora do tempo livre, solicita-se aos
governos e às organizações internacionais estimular e apoiar programas
encaminhados a obter um maior e mais fácil acesso físico a instituições culturais
(museus, teatros, óperas, salas de concertos, cinemas, etc). Por outra parte, os
centros culturais deveriam organizar, para os idosos, e em cooperação com eles,
oficinas em áreas como artesanatos, artes plásticas e música, onde os idosos
possam desempenhar um papel ativo tanto como expectador quanto como
participante.
Recomendação 49
Os governos e as organizações internacionais envolvidas com os problemas do
envelhecimento devem iniciar programas para educar o público em geral sobre o
processo de envelhecimento e sobre o envelhecimento propriamente dito. Tais
atividades devem iniciar-se na infância e continuar em todos os níveis do sistema
escolar formal. Deverá ser reforçada a função e a participação dos Ministérios da
Educação nesse sentido, promovendo e facilitando a inclusão do tema
envelhecimento nos currículos, como um aspecto do desenvolvimento normal e da
educação para a vida do indivíduo que se inicia com a idade mais jovem, de forma
que conduza o conhecimento mais profundo e para eventual mudança positiva nas
atitudes estereotipadas das gerações presentes. Canais não-formais de meios de
comunicação de massa também devem ser utilizados para o desenvolvimento de
tais programas. Recomenda-se que os meios de comunicação de massa devam
também ser usados como um meio de promover a participação dos idosos em
463

atividades sociais, culturais e educacionais na comunidade; e que participem, por si


ou por seus representantes, na formulação e planejamento destas atividades.
Recomendação 50
Nos casos em que existam estereótipos em relação às pessoas idosas, os esforços
dos meios de comunicação, das instituições de ensino, dos governos, das
organizações não-governamentais e dos próprios idosos deverão direcionar-se para
superar essa imagem estereotipada de pessoas que padecem sempre de
problemas físicos e psicológicos, incapazes de funcionar de forma independente e
que não desempenham nenhum papel ou tenham nenhum status na sociedade.
Estes esforços são necessários para obter uma sociedade que permita a integração
de todas as idades.
Recomendação 51
Deverá pôr-se à disposição dos idosos ampla informação sobre todos os aspectos
de sua vida, em forma clara e compreensível.
B. Promoção de políticas e programas
77. A plena realização do Plano de Ação depende da aplicação de todos os
documentos, estratégias e planos internacionais mencionados nos parágrafos 4 e 5.
Ao promover políticas e programas no âmbito do Plano de Ação, o Centro de
Desenvolvimento Social e Assuntos Humanitários, o Fundo das Nações Unidas
para Atividades em Matéria de População, o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, o Departamento de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento
e às comissões regionais, bem como as agencias especializadas, e outras
instituições e intergovernamentais e organizações não-governamentais são
convidadas a prestar máxima assistência a todos os países que o solicitem. Do
mesmo modo, deverão ser utilizadas todas as oportunidades de cooperação técnica
entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento nas questões de
envelhecimento.
1. Coleta e análise de dados
78. Os dados relativos à população mais velha — recolhidos através de censos,
pesquisa e sistemas de estatísticas vitais — são fundamentais para a formulação,
aplicação e avaliação de políticas e programas para os idosos e para garantir sua
integração no processo de desenvolvimento.
79. Os governos e as organizações que estejam em condições de fazê-lo deverão
estabelecer uma base de informação mais específica que a de ―sessenta ou mais
anos de idade‖ atualmente em uso e que seja útil para o planejamento do
desenvolvimento e da resolução de problemas relativos aos idosos. Tal base
poderia abranger classificações sociais, por idades, funcionais e econômicas, entre
outras.
80. Amostras por domicilio, pesquisas realizadas por amostragem e outras fontes
demográficas e estatísticas socioeconômicas relacionadas fornecem dados
importantes para a formulação e a aplicação de políticas e programas para os
idosos.
81. Deve proporcionar-se a todos os países que o solicitem, assistência técnica
para desenvolver ou melhorar as suas bases de dados relacionadas aos idosos e
aos serviços e instituições que se ocupam delas. Tal assistência deve incluir ações
de capacitação e pesquisa em metodologias para a coleta, a elaboração e a análise
dos dados.
Recomendação 52
464

Os dados sobre o envelhecimento podem desenvolver-se sobre a base de um


sistema de codificação que proporcione aos governos nacionais informações
tabuladas por sexo, idade, níveis de renda, condições de vida, estado de saúde e
grau de autocuidado, entre outros. Tais dados poderiam ser coletados através do
censo, ou estudos-pilotos ou em pesquisas representativas. Os governos são
solicitados a destinar recursos a esses fins.
Recomendação 53
Os governos e as instituições interessadas devem estabelecer serviços de
intercâmbio de informações — tais como bancos de dados — na esfera do
envelhecimento, ou melhorar os existentes.
2. Capacitação e educação
82. O dramático aumento do número e da proporção de adultos de idade avançada
faz necessário um incremento significativo da capacitação. É necessário uma dupla
abordagem: um programa internacional de capacitação e, ao mesmo tempo,
programas nacionais e regionais de capacitação especialmente adaptados à
situação dos países e das regiões interessadas. Ao elaborar as políticas e os
programas de ensino e capacitação para todos os grupos de idades, especialmente
a geração mais jovem, devem-se ter em conta as necessidades dos idosos, assim
como as implicações do envelhecimento da população para o desenvolvimento.
Recomendação 54
Os programas de educação e capacitação deverão ser de caráter interdisciplinar,
dado que o envelhecimento e o envelhecimento da população são um tema
multidisciplinar. Educação e capacitação nos diversos aspectos do envelhecimento
e do envelhecimento da população não deverão limitar-se a altos níveis de
especialização, mas devem ser disponibilizados em todos os níveis. Deverão ser
realizados esforços para regulamentar os serviços de capacitação e ensino
necessários para as diferentes funções na área do envelhecimento.
83. Uma forma muito apropriada de cooperação internacional seria a do intercâmbio
de competências, conhecimentos e experiências entre países em que a estrutura e
a composição da população de idade avançada sejam similares ou comparáveis, ou
com vínculos históricos, culturais, lingüísticos ou de outra índole. Além da troca de
competências especificas e tecnologias concretas, o intercâmbio de experiências
sobre o amplo conjunto de práticas relativas ao envelhecimento poderia constituir
também um espaço apropriado para a cooperação técnica entre países em
desenvolvimento. Nas regiões que incluam ao mesmo tempo países desenvolvidos
e em desenvolvimento, deverão investigar-se intensamente as amplas
oportunidades existentes de aprendizagem e cooperação mútua em matéria de
capacitação e investigação.
Recomendação 55
Organizações intergovernamentais e não governamentais deverão tomar medidas
necessárias para a capacitação de pessoal na esfera do envelhecimento e
intensificar seus esforços para difundir informações sobre o envelhecimento,
particularmente entre as próprias pessoas idosas.
Recomendação 56
As organizações de aposentados e de pessoas idosas deverão participar do
planejamento e da realização destes intercâmbios de informação.
Recomendação 57
A aplicação de várias das recomendações exigirá pessoal capacitado no campo do
465

envelhecimento. Deverão promover-se e estimular-se os centros de capacitação


prática, naqueles lugares em que já existam as instalações apropriadas para
capacitar este pessoal, em particular o dos países em desenvolvimento, que por
sua vez capacitará outros. Estes centros oferecerão também cursos de atualização
e reciclagem e atuarão como ponte entre as regiões desenvolvidas e as em
desenvolvimento; estarão vinculados a organismos e serviços apropriados das
Nações Unidas.
Recomendação 58
Nos níveis nacional, regional e internacional, deverá ser dada maior atenção às
pesquisas e estudos em prol da integração dos problemas do envelhecimento no
planejamento e formulação da política e gestão.
Recomendação 59
Dever-se-á estimular a capacitação em todos os aspectos da gerontologia e da
geriatria, e dar a devida importância nos planos de estudo de todos os níveis.
Insiste-se aos governos e às autoridades competentes que estimulem as
instituições novas ou as já existentes para que prestem especial atenção à
capacitação adequada em gerontologia e geriatria.
3. Pesquisa
84. O Plano de Ação dá grande prioridade à investigação sobre as questões de
desenvolvimento e os aspectos humanitários do envelhecimento. A investigação é
fundamental na formulação, avaliação e execução de políticas e programas: a)
quanto às consequências do envelhecimento da população para o desenvolvimento
e b) quanto às necessidades do envelhecimento. Deverá estimular-se a
investigação sobre os aspectos do envelhecimento: sociais, econômicos e de
saúde, para obter o uso eficiente dos recursos, o melhoramento das medidas
sociais e de saúde, incluídas a prevenção da deterioração funcional, a invalidez, a
enfermidade e a pobreza relacionadas com a idade, e a coordenação dos serviços
envolvidos no cuidado do envelhecimento.
85. Os conhecimentos obtidos através da investigação dão uma base científica
mais sólida para o planejamento social efetivo, assim como para melhorar o bem-
estar dos idosos. Necessita-se de uma investigação mais aprofundada, por
exemplo, para a) diminuir as grandes lacunas no conhecimento sobre o
envelhecimento e sobre as necessidades especificas do mesmo e b) permitir que
os recursos destinados ao envelhecimento sejam utilizados de forma mais eficaz.
Deve-se dar ênfase na continuidade entre a aquisição de novos conhecimentos
mediante a investigação e a aplicação intensa e mais rápida desses conhecimentos
e a transferência dos conhecimentos tecnológicos com a devida consideração da
diversidade cultural e social.
Recomendação 60
Deverão ser conduzidas investigações para os aspectos de desenvolvimento e
aspectos humanitários do envelhecimento nos níveis local, nacional, regional e
mundial. Deverá estimular-se a investigação, especialmente nos aspectos
biológicos, mental e social. Entre os temas de investigação básica e aplicada de
interesse para todas as sociedades estão os seguintes:
a) o papel dos fatores genéticos e ambientais,
b) o impacto dos fatores biológicos, médicos, culturais, da sociedade e do
comportamento sobre o envelhecimento,
c) a influência dos fatores econômicos e demográficos (incluindo a migração) no
466

planejamento da sociedade,
d) o uso das aptidões, competências, e potencial cultural do envelhecimento,
e) o adiamento das consequências funcionais negativas do envelhecimento,
f) serviços de saúde e sociais para os idosos, assim como estudos de programas
coordenados,
g) capacitação e educação.
Estas investigações deverão ser planejadas e realizadas por pesquisadores bem
familiarizados com as condições nacionais e regionais, sendo garantida a
independência necessária para a inovação e a difusão. Estados, organizações
intergovernamentais e organizações não governamentais deverão realizar mais
pesquisas e estudos relativos às questões de desenvolvimento e aos aspectos
humanitários decorrentes do envelhecimento, e cooperar nesta esfera trocando
estas investigações e estudos a fim de proporcionar uma base lógica para as
políticas relativas ao envelhecimento em geral.
Recomendação 61
Os estados, as organizações intergovernamentais e as organizações não
governamentais deverão estimular a criação de instituições especializadas no
ensino da gerontologia, geriatria e psicologia geriátrica nos países em que não
existam as ditas instituições.
Recomendação 62
Deverão promover-se intercâmbios internacionais e a cooperação em matéria de
investigação, assim como a recopilação de dados em todas as esferas que tenham
relação com o envelhecimento, a fim de proporcionar uma base racional para
futuras políticas e medidas sociais. Deverá dar-se especial importância a estudos
comparados e multiculturais sobre o envelhecimento. Deve ser destacada
abordagens multidisciplinares.

IV. RECOMENDAÇÕES PARA A EXECUÇÃO

A. Papel dos governos


86. O êxito deste Plano de Ação dependerá em grande parte da ação empreendida
pelos governos para criar condições e amplas possibilidades para a plena
participação dos cidadãos, particularmente dos idosos. Com tal propósito, solicita-
se aos governos que dediquem maior atenção à questão do envelhecimento e que
utilizem plenamente o apoio prestado pelas organizações governamentais e não
governamentais, incluindo organizações de aposentados e de pessoas idosas.
87. Dado que a situação dos idosos varia consideravelmente em diversas
sociedades, culturas ou regiões, o que se reflete em diferentes necessidades e
problemas, cada país deve escolher sua própria estratégia nacional e identificar
seus próprios objetivos e prioridades dentro do Plano. Um claro compromisso
deverá ser assumido em todos os níveis de governo para tomar medidas
adequadas para alcançar esses objetivos e dar cumprimento a essas prioridades.
88. Uma importante função dos governos com respeito ao Plano de Ação consiste
em avaliar e examinar o processo de envelhecimento do ponto de vista individual e
demográfico para determinar as suas implicações no desenvolvimento destes
processos à luz de sua situação política, social, cultural, religiosa e econômica.
89. Os encarregados de formular políticas e estratégias nacionais para a
implementação do Plano de Ação deverão reconhecer que as pessoas de idade
467

não constituem um grupo homogêneo, e ter em conta as grandes diferenças entre


as pessoas mais idosas em diferentes fases de suas vidas. Os governos deverão
prestar especial atenção à melhoria das condições das mulheres mais idosas, que
com freqüência encontram-se em situação mais desvantajosa.
90. O estabelecimento de mecanismos interdisciplinares e multissetoriais dentro
dos governos pode ser um meio eficaz para assegurar que a questão do
envelhecimento da população seja levada em conta no planejamento do
desenvolvimento nacional e que se dê merecida atenção às necessidades dos
idosos a sua integração na sociedade.
91. Estas medidas irão tornar-se efetivas se a sua preparação, execução e
acompanhamento forem bem coordenados nos diferentes níveis geopolíticos. A
coordenação deverá surgir da cooperação entre aqueles que ocupem cargos de
responsabilidade em todos os setores e os representantes dos aposentados e dos
idosos, a fim de garantir a participação destes na tomada de decisões quando lhes
afetem diretamente. Assim seria conveniente ponderar a criação, a nível nacional
dos correspondentes órgãos de planejamento, programação e coordenação.
92. Alguns dos objetivos do Plano de Ação já foram alcançados em certos países;
em outros, somente poderão ser alcançados progressivamente. Além disso, pela
sua própria natureza, algumas medidas vão demorar mais tempo para serem
executadas do que outras. Em consequência, suscita-se aos governos que
estabeleçam objetivos a curto, médio e longo prazo para implementação do Plano
de conformidade com seus próprios recursos e prioridades.
93. Os governos devem, em caso necessário, manter, de forma apropriada (ou
incentivar a formação de) mecanismos estabelecidos em nível nacional, para
preparar a Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, a fim de facilitar a
concepção, a execução e a avaliação das atividades recomendadas pela
Assembleia Mundial.
B. Papel da cooperação internacional e regional
1. Ação global
94. A cooperação internacional na execução do programa de ação sobre o
estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional e da Estratégia para
o Desenvolvimento Internacional da terceira década de Desenvolvimento das
Nações Unidas, baseado, entre outras coisas, na coexistência pacífica dos Estados
com sistemas sociais diferentes, é essencial para a concepção dos objetivos do
Plano de Ação e pode assumir a forma de cooperação bilateral e multilateral entre
os governos, e com utilização do sistema das Nações Unidas. A dita cooperação
pode assumir a forma de assistência direta (técnica ou financeira), em resposta às
solicitações nacionais ou regionais, pesquisa cooperativa, ou troca de informações
e experiência.
95. A Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social e todos seus órgãos
subsidiários apropriados, em especial a Comissão de Desenvolvimento Social, o
Conselho de Administração do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento e a outros órgãos legislativos e normativos das agências
especializadas interessadas e organizações intergovernamentais, são solicitadas a
dar atenção especial ao Plano de Ação e garantir uma resposta adequada ao
mesmo.
96. Tendo em vista o papel que oCentro de Desenvolvimento Social e Assuntos
Humanitáriosdo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais Internacionais
468

tem desempenhado dentro do sistema das Nações Unidas em questões relacionas


com ao envelhecimento, ele deve ser reforçado, a fim de que sigam funcionando
como centros para as atividades nessa esfera; para este efeito, pede-se ao
Secretário Geral das Nações Unidas que, dentro dos atuais recursos globais da
Organização das Nações Unidas, empreste devida consideração à possibilidade de
incrementar adequadamente os recursos para a implementação do Plano de Ação
que se efetuará fundamentalmente em nível nacional.
97. O Comitê de Coordenação Administrativa deverá examinar as implicações do
Plano de Ação para o sistema das Nações Unidas com vistas a manter a ligação e
a coordenação para a aplicação das disposições do Plano.
98. Com relação à implementação do Plano, deve-se manter em exame constante a
necessidade de elaborar novas diretrizes em esferas de preocupação das pessoas
de idade.
99. Os governos, nacional e local, organizações não-governamentais e voluntários
de organizações não-governamentais internacionais são convidados a participar do
esforço conjunto para realizar os objetivos do Plano. Devem fortalecer suas
atividades mediante a promoção do estabelecimento de canais regulares de
comunicações no plano nacional e a utilização dos existentes para consultar com
os idosos sobre políticas e programas que afetem sua vida. Pede-se deste modo
aos governos que encorajem e, quando for possível, apoiem as organizações
nacionais e privadas que se ocupam de questões relacionadas com os idosos e o
envelhecimento da população.
100. Convida-se a todos os Estados a que criem a designação de um ―Dia nacional
do idoso‖, de acordo com a resolução 36/20 da Assembleia Geral, de 9 de
novembro de 1981.
101. O Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento deverá destacar a
atenção dos órgãos competentes das Nações Unidas encarregados de preparar a
Conferência Mundial sobre População (1984), de modo que suas conclusões e
recomendações sejam levadas em conta na preparação das propostas para a
futura implementação do Plano de Ação Mundial sobre População.
a) Cooperação técnica
102. As Nações Unidas, e em particular o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento e o Departamento de Cooperação Técnica para o
Desenvolvimento, juntamente com as agências especializadas, deverão executar
atividades de cooperação técnica em apoio dos objetivos do Plano de Ação. O
Centro de Desenvolvimento Social e Assuntos Humanitáriosdeverá seguir
fomentando todas as atividades de cooperação e assistência técnicas na área e
proporcionar apoio essencial a tais atividades.
103. O Fundo Fiduciário Voluntário para a Assembléia Mundial sobre o
Envelhecimento estabelecido pela resolução 35/129 da Assembléia Geral deverá
ser utilizado, tal como decidiu a Assembléia Geral, para atender às crescentes
necessidades do rápido envelhecimento nos países em desenvolvimento e, em
particular, dos países menos desenvolvidos. Incentivar-se-á a contribuição
voluntária, tanto pública quanto privada. O Fundo Fiduciário deverá ser
administrado pelo Centro de Desenvolvimento Social e Assuntos Humanitários.
104. Além disso, de conformidade com o solicitado pela Assembleia Geral na sua
resolução 36/20, o Fundo deverá ser utilizado para incentivar um maior interesse
dos países em desenvolvimento nas questões relacionadas com o envelhecimento
469

e para ajudar os governos destes países, por solicitação destes, na formulação e


implementação de políticas e programas para os idosos. Deverá utilizar-se
igualmente para a cooperação técnica e pesquisas relacionadas com o
envelhecimento das populações, e para promover a cooperação técnica entre
países em desenvolvimento em matéria de intercâmbio de informação e tecnologia
nesta esfera.
105. O envelhecimento é um problema de população que afeta ao desenvolvimento
e que exige cooperação e assistência internacional e, portanto, solicita-se ao Fundo
das Nações Unidas para Atividades em matéria de População que, em cooperação
com todas as organizações encarregadas da assistência internacional em questões
de população, mantenha e fortaleça sua assistência na dita esfera, sobretudo nos
países em desenvolvimento.
b) Troca de informações e experiências
106. A troca de informações e experiências em nível internacional é um meio eficaz
de estimular o progresso e fomentar a adoção de medidas para fazer frente às
consequências econômicas e sociais do envelhecimento da população, e para
atender às necessidades das pessoas idosas. Países com diferentes sistemas
políticos, econômicos, sociais e culturais, e em distintas etapas de
desenvolvimento, têm-se beneficiado do conhecimento comum de problemas,
dificuldades e realizações, e das soluções elaboradas conjuntamente.
107. Encontros e seminários demonstraram-se ser extremamente valiosos, pois
permitem o intercâmbio de informações e de experiências em nível regional e
internacional; assim, devem manter-se. Podem concentrar-se, entre outras coisas,
no fomento da cooperação técnica entre os países em desenvolvimento e o exame
da implementação do Plano de Ação.
108. O Centro de Desenvolvimento Social e Assuntos Humanitários deverá
coordenar as atividades das organizações regionais e sub-centros de pesquisa e
desenvolvimento dentro do sistema das Nações Unidas, fomentar a preparação de
materiais informativos, bem como a troca constante de informações sobre os
problemas e políticas referentes ao envelhecimento e a formação de pessoal, e
facilitar as atividades de cooperação técnica entre os países em desenvolvimento,
em colaboração com os distintos governos e regiões.
109. Para a troca de informação sobre questões relativas ao envelhecimento, é
indispensável que sejam padronizadas as definições, modalidades e metodologias
de pesquisa; as Nações Unidas deverão tratar destes assuntos com a devida
importância.
110. Os organismos competentes do sistema das Nações Unidas deverão encorajar
os governos e a comunidade internacional a prestarem especial atenção ao
desenvolvimento de programas, projetos e atividades que darão aos idosos
conhecimentos, a formação e as oportunidades necessários para melhorar sua
situação e lhes permitir participar plenamente e de forma eficaz no esforço total de
desenvolvimento. Deverá ser dada especial atenção aos cursos de capacitação em
tecnologias adequadas para que as pessoas idosas possam seguir trabalhando em
atividades agrícolas.
111. O Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento deverá ser enviado à
Secretaria das Nações Unidas responsável pelo Ano Internacional da Juventude
(1985), a fim de que essa unidade possa levar as recomendações e conclusões da
Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento — especialmente as que se
470

relacionem às questões intergeracionais — à atenção dos comitês de planejamento


nacionais interessados em desenvolver idéias para o Ano da Juventude.
c) Formulação e aplicação de diretrizes internacionais
112. As organizações competentes deverão realizar estudos periódicos sobre a
eficácia e revisão das diretrizes e instrumentos internacionais existentes
relacionados com o tema do envelhecimento, a fim de determinar sua adequação à
luz das novas condições do mundo moderno e da experiência adquirida desde sua
aprovação.
2. Ação regional
113. A implementação efetiva do Plano vai exigir igualmente a adoção de medidas
em nível regional. Em consequência, no Plano se pede a todas as instituições com
mandatos regionais que examinem os objetivos do Plano e contribuam para a sua
implementação. A este respeito, as comissões regionais das Nações Unidas
deverão desempenhar uma função central.
114. A fim de executar as funções mencionadas, os governos dos Estados
membros das comissões regionais deverão tomar medidas para garantir que o seu
programa regular de atividades leve em conta os problemas do envelhecimento.
115. Além disso, no marco da revisão internacional descrita anteriormente, a
comissão regional deverá organizar a avaliação periódica dos planos de ação
regionais.
C. Revisão e avaliação
116. É indispensável que as atividades de avaliação e revisão se realizem em nível
nacional, com a periodicidade que cada país determine.
117. A avaliação e as revisões regionais deverão centrar-se no papel especial que
as medidas regionais podem desempenhar e nas vantagens especiais que podem
oferecer nas esferas da capacitação, pesquisa e cooperação técnica entre os
países em desenvolvimento.
118. Recomenda-se que se designe à Comissão de Desenvolvimento Social como
o órgão intergovernamental encarregado de realizar o exame de quatro em quatro
anos da implementação do Plano de Ação e de formular propostas para atualizá-lo,
quando considerado necessário. As conclusões de tal exame sistemático deverão
ser transmitidas à Assembleia Geral para seu exame através do Conselho
Econômico e Social. Para auxiliar a Comissão em seu trabalho, deverão
apresentar-se relatórios periódicos sobre os progressos realizados, dentro do
sistema das Nações Unidas na concepção das metas e objetivos do Plano. O
Centro de Desenvolvimento Social e Assuntos Humanitários deverá encarregar-se
da coordenação deste processo1056.

1056
Tradução do Prof. Sérgio Antônio Carlos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Disponível em , <http://www.ufrgs.br/e-psico/publicas/humanizacao/prologo.html> Acesso em:
20/09/2014.
471

2 SEGUNDA ASSEMBLEIA MUNDIAL SOBRE O


1057
ENVELHECIMENTO

A. DECLARAÇÃO POLÍTICA

Artigo 1º
Nós, representantes dos Governos, reunidos na II Assembleia Mundial sobre o
Envelhecimento, celebrada em Madri, decidimos adotar um Plano de Ação
Internacional sobre o Envelhecimento para responder às oportunidades que oferece
e aos desafios feitos pelo envelhecimento da população no século XXI e para
promover o desenvolvimento de uma sociedade para todas as idades. No marco
desse Plano de Ação, resolvemos adotar medidas em todos os níveis, nacional e
internacional, em três direções prioritárias: idosos e desenvolvimento, promoção da
saúde e bem-estar na velhice e, ainda, criação de um ambiente propício e favorável.
Artigo 2º
Celebramos o aumento da expectativa de vida em muitas regiões do mundo como
uma das maiores conquistas da humanidade. Reconhecemos que o mundo está
passando por uma transformação demográfica sem precedentes e que daqui a
2050, o número de pessoas acima de 60 anos aumentará de 600 milhões a quase
2.bilhões, e se prevê a duplicação do percentual de pessoas de 60 anos ou mais,
passando de 10% para 21%. Esse incremento será maior e mais rápido nos países
em desenvolvimento, onde se prevê que a população
idosa se multiplique por quatro nos próximos 50 anos. Essa transformação
demográfica apresentará para toda a sociedade o desafio de aumentar as
oportunidades das pessoas, particularmente as oportunidades de os idosos
aproveitar ao máximo suas capacidades de participação em todos os aspectos da
vida.
Artigo 3º
Reiteramos o compromisso contraído por nossos chefes de estado e de governo nas
principais conferências e cúpulas das Nações Unidas, em seus processos de
seguimento, e na Declaração do Milênio, com respeito à promoção de ambientes
internacionais e nacionais que promovam o estabelecimento de uma sociedade para
todas as idades. Reafirmamos
ainda os princípios e as recomendações contidos no Plano de Ação Internacional
sobre o Envelhecimento, feito pela Assembleia das Nações Unidas, em 1982, e os
princípios das Nações Unidas em favor dos idosos aprovados pela Assembleia
Geral, em 1991, que deram orientação sobre as questões da independência, e a
participação, dos cuidados, da auto realização
e da dignidade.
Artigo 4º
Destacamos que a melhoria da cooperação internacional é essencial para
complementar os esforços nacionais com vista à rigorosa aplicação do Plano de
Ação Internacional sobre o Envelhecimento, 2002. Por conseguinte, estimulamos a
1057
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plano de ação internacional sobre
envelhecimento, 2002. Trad. Arlene Santos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos,2003. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/programas/plano-de-
acao-internacional-para-o-envelhecimento>. Acesso em 18.12.2013. Em face da enorme dimensão
do texto apenas foi transcrito a declaração política do referido plano de ação internacional.
472

comunidade internacional a continuar promovendo a cooperação entre todas as


partes interessadas.
Artigo 5º
Reafirmamos o compromisso de não limitar esforços para promover a democracia,
reforçar o estado de direito e favorecer a igualdade entre homens e mulheres, assim
como promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais,
inclusive o direito ao desenvolvimento.
Comprometemo-nos a eliminar todas as formas de discriminação, entre outras, a
discriminação por motivos de idade. Reconhecemos também que as pessoas, à
medida que envelhecem, devem desfrutar de uma vida plena, com saúde,
segurança e participação ativa na vida econômica, social, cultural e política de suas
sociedades. Estamos decididos a aumentar o reconhecimento da dignidade dos
idosos e a eliminar todas as formas de abandono, abuso e violência.
Artigo 6º
O mundo moderno possui riqueza e capacidade tecnológica sem precedentes e nos
dá extraordinárias oportunidades: capacitar homens e mulheres para chegar à
velhice com mais saúde e desfrutando de um bem-estar mais pleno; buscar a
inclusão e a participação total dos idosos nas sociedades; permitir que os idosos
contribuam mais eficazmente para suas comunidades e para o desenvolvimento de
suas sociedades, e melhorar constantemente os cuidados e o apoio prestados às
pessoas idosas que deles necessitam. Reconhecemos que é necessária uma ação
acordada para transformar as oportunidades e a qualidade de vida de homens e
mulheres, à medida que envelhecem e para assegurar o sustento de seus sistemas
de ajuda, construindo assim o fundamento de uma sociedade para todas as idades.
Quando o envelhecimento é aceito como um fim, é o recurso a competências,
experiências e recursos humanos dos grupos idosos é assumido com naturalidade
como vantagem para o crescimento de sociedades humanas maduras, plenamente
integradas.
Artigo 7º
Ao mesmo tempo, os países em desenvolvimento, particularmente os menos
adiantados, assim como alguns países de economias em transição, precisam ainda
vencer numerosos obstáculos para se integrarem mais e participar plenamente na
economia mundial. A menos que as vantagens do desenvolvimento social e
econômico cheguem a todos os países, um número cada vez maior pessoas,
sobretudo idosos de todos os países e mesmo de regiões inteiras ficarão à margem
da economia mundial. Por esse motivo, reconhecemos a importância de incluir o
tema do envelhecimento nos programas de desenvolvimento, assim como nas
estratégias de erradicação da pobreza e de cuidar que todos os países consigam
participar plenamente no desenvolvimento da economia mundial.
Artigo 8º
Comprometemo-nos a levar a cabo a tarefa de incorporar eficazmente o
envelhecimento nas estratégias, políticas e ações socioeconômicas, cientes de que
as políticas concretas variam em função das condições de cada país.
Reconhecemos que a perspectiva de gênero deve incorporar-se em todas as
políticas e programas com vistas às necessidades e experiências tanto de mulheres
como de homens idosos.
Artigo 9º
Comprometemo-nos a proteger os idosos e lhes dar assistência em situações de
conflito e ocupação estrangeira.
Artigo 10
473

O potencial dos idosos constitui sólida base para o desenvolvimento futuro. Permite
à sociedade recorrer cada vez mais a competências, experiência e sabedoria dos
idosos, não só para tomar a iniciativa de sua própria melhoria, mas também para
participar ativamente na de toda a sociedade.
Artigo 11
Destacamos a importância das pesquisas internacionais sobre envelhecimento e
questões relacionadas com a idade, como importante instrumento para a formulação
de políticas relativas ao envelhecimento, baseadas em indicadores confiáveis e
uniformes, preparados, entre outras entidades, por organizações de estatísticas
nacionais e internacionais.
Artigo 12
As expectativas dos idosos e as necessidades econômicas da sociedade exigem
que possam participar na vida econômica, política, social e cultural de suas
sociedades. Os idosos devem ter a oportunidade de trabalhar até quando queiram e
de serem capazes de assim o fazer, no desempenho de trabalhos satisfatórios e
produtivos e de continuar a ter acesso à educação e aos programas de capacitação.
A habilitação de idosos e a promoção de sua
plena participação são elementos imprescindíveis para um envelhecimento ativo. É
preciso oferecer sistemas adequados e sustentáveis de apoio social a pessoas
idosas.
22
Artigo 13
Destacamos a responsabilidade primordial dos governos de promover e prestar
serviços sociais básicos facilitando seu acesso, tendo presentes as necessidades
específicas dos idosos. Para isso, temos que trabalhar com as autoridades locais, a
sociedade civil, incluídas as organizações não governamentais, o setor privado, os
voluntários e as organizações de voluntários, os próprios idosos e as associações de
idosos dedicadas a eles, bem como com as famílias e as comunidades.
Artigo 14
Reconhecemos a necessidade de conseguir progressivamente a plena realização do
direito de todos de desfrutar do mais alto grau de saúde física e mental que possam
obter. Reafirmamos que alcançar o mais alto grau possível de saúde é objetivo
social de suma importância no mundo inteiro, e para que se torne realidade, é
preciso adotar medidas em muitos setores sociais e econômicos fora do setor da
saúde. Comprometemos a proporcionar aos
idosos acesso universal e em condições de igualdade à assistência médica e aos
serviços de saúde, tanto de saúde física como mental, e reconhecemos que têm
aumentado as necessidades de uma população que envelhece, por isso é preciso
adotar novas políticas, especialmente em matéria de assistência e tratamento,
promover meios de vida saudáveis e ambientes propícios. Favorecemos a
independência e a integração dos idosos e suas possibilidades
de participar plenamente em todos os aspectos da sociedade. Reconhecemos a
contribuição dos idosos para o desenvolvimento mediante sua função de zeladores.
Artigo 15
Reconhecemos a importância da função das famílias, dos voluntários, das
comunidades, das organizações de idosos e outras organizações de base
comunitária para prestar aos idosos apoio e cuidados informais complementarias
aos proporcionados pelos governos.
Artigo 16
Reconhecemos a necessidade de fortalecer a solidariedade entre as gerações e as
474

associações intergeracionais, tendo presentes as necessidades particulares dos


mais velhos e dos mais jovens e de incentivar as relações solidárias entre gerações.
Artigo 17
Os governos são os principais responsáveis pela iniciativa das questões ligadas ao
envelhecimento e à aplicação do Plano de Ação Internacional sobre o
Envelhecimento, 2002; mas é essencial a existência de colaboração eficaz entre os
governos nacionais e locais, organismos internacionais, os próprios idosos e suas
organizações, outros setores da sociedade civil, incluídas as organizações não
governamentais e o setor privado. A aplicação do Plano
de Ação exigirá a colaboração e a participação de várias partes interessadas:
organizações profissionais, empresas trabalhadores e sindicatos, cooperativas,
instituições de pesquisas, universidades e outras instituições educativas e religiosas
e os meios de comunicação.
Artigo 18
Ressaltamos a importante função do sistema das Nações Unidas, especificamente
das comissões regionais, de ajudar os governos, a pedido deles, a aplicar e
acompanhar a aplicação do Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento,
2002, levando em conta as diferenças existentes entre os países e as regiões do
ponto de vista econômico, social e demográfico.
Artigo 19
Convidamos todas as pessoas, de todos os países e de todos os setores sociais
para que, a título individual e coletivo, juntem-se a nosso compromisso, com uma
visão compartilhada da igualdade para as pessoas de todas as idades.
12 de abril de 2002
475

3 CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE A PROTEÇÃO DOS


DIREITOS HUMANOS DOS IDOSOS 1058/1059/1060/1061/1062/1063/1064

(Acordado pelo Conselho Permanente na sessão realizada em 9 de junho de 2015)

A ASSEMBLEIA GERAL,

TENDO VISTO o Relatório Anual do Conselho Permanente à Assembleia Geral;

RECORDANDO o conteúdo da resolução AG/RES. 2825 (XLIV-O/14), ―Projeto de


Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos‖,
bem como todas as resoluções anteriores relativas a este tema;

RECONHECENDO as importantes contribuições dos Estados membros, órgãos,


organismos e entidades da OEA, outros organismos regionais, internacionais e das
Nações Unidas, especialmente a Organização Pan-Americana da Saúde, as
organizações da sociedade civil e outros atores sociais, ao contínuo processo de
negociações; e

CONVENCIDA da necessidade de ter um instrumento regional juridicamente


vinculante que proteja os direitos humanos dos idosos e fomente um envelhecimento
ativo em todos os âmbitos,

1058
O Canadá recorda suas notas de rodapé anteriores por meio das quais manifestou suas reservas
sobre a redação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos.
(...)
1059
Os Estados Unidos vêm se opondo de maneira sistemática à negociação de novos instrumentos
juridicamente vinculantes sobre os direitos do idoso. Reiteramos nossas inveteradas (...)
1060
Para a Jamaica, a Convenção não deve ser interpretada em detrimento do princípio da
inviolabilidade da vida, protegido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, (...)
1061
O Governo da República da Nicarágua, na função de garantidor da promoção e proteção dos
direitos humanos de todos os seus cidadãos, dispõe de um sistema jurídico de base constitucional,
que (...)
1062
O Governo peruano, levando em consideração a importância do projeto de Convenção, informa
que continua analisando as implicações econômicas e de outra índole relativas (...)
1063
A República Bolivariana da Venezuela promove, respeita e garante os direitos humanos
consagrados no Sistema Interamericano e Internacional; no entanto, considera que os órgãos (...)
1064
A Delegação do Paraguai informa que formulará reservas a respeito de determinados conteúdos
da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, atendendo a (…)
476

RESOLVE:
1. Aprovar a seguinte Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos
Humanos dos Idosos:

CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE A PROTEÇÃO DOS


DIREITOS HUMANOS DOS IDOSOS 1065

PREÂMBULO

Os Estados Partes na presente Convenção,

Reconhecendo que o respeito irrestrito aos direitos humanos está consagrado na


Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal
dos Direitos Humanos e reafirmado em outros instrumentos internacionais e
regionais;

Reiterando o propósito de consolidar, no âmbito das instituições democráticas, um


regime de liberdade individual e de justiça social, fundamentado no respeito aos
direitos fundamentais da pessoa;

Levando em conta que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos


Humanos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o ideal do ser
humano livre, isento do temor e da miséria somente pode ser realizado se forem
criadas condições que permitam a cada pessoa gozar de seus direitos econômicos,
sociais e culturais, tanto como de seus direitos civis e políticos;

Reafirmando a universalidade, indivisibilidade, interdependência e inter-relação de


todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a obrigação de
eliminar todas as formas de discriminação, em particular a discriminação por motivos
de idade;

Ressaltando que o idoso tem os mesmos direitos humanos e liberdades


fundamentais que as demais pessoas e que estes direitos, inclusive o de não ser
submetido à discriminação baseada na idade nem a nenhum tipo de violência,
emanam da dignidade e igualdade que são inerentes a todo ser humano;

Reconhecendo que a pessoa, à medida que envelhece, deve seguir desfrutando de


uma vida plena, independente e autônoma, com saúde, segurança, integração e
participação ativa nas esferas econômica, social, cultural e política de suas
sociedades;

Reconhecendo também a necessidade de abordar os assuntos da velhice e do


envelhecimento sob uma perspectiva de direitos humanos que reconheça as
valiosas contribuições atuais e potenciais do idoso ao bem-estar comum, à
identidade cultural, à diversidade de suas comunidades, ao desenvolvimento
humano, social e econômico e à erradicação da pobreza;

1065
Disponível em: http://www.ampid.org.br/v1/wp-content/uploads/2014/08/convenção-
interamericana-sobre-a-proteção-dos-direitos-humanos-dos-idosos-OEA.pdf.acesso em: 06/07/2015.
477

Recordando o estabelecido nos Princípios das Nações Unidas em Favor das


Pessoas Idosas (1991), a Proclamação sobre o Envelhecimento (1992), a
Declaração Política e o Plano de Ação Internacional de Madri sobre o
Envelhecimento (2002), bem como os instrumentos regionais, tais como a Estratégia
Regional de Implementação para a América Latina e o Caribe do Plano de Ação - 3
– Internacional de Madri sobre o Envelhecimento (2003), a Declaração de Brasília
(2007), o Plano de Ação da Organização Pan-Americana da Saúde sobre a Saúde
dos Idosos, Incluindo o Envelhecimento Ativo e Saudável (2009), a Declaração de
Compromisso de Port of Spain (2009) e a Carta de San José sobre os direitos do
idoso da América Latina e do Caribe (2012);

Decididos a incorporar e dar prioridade ao tema do envelhecimento nas políticas


públicas, bem como a destinar e gerir os recursos humanos, materiais e financeiros
para obter uma adequada implementação e avaliação das medidas especiais
implementadas;

Reafirmando o valor da solidariedade e complementaridade da cooperação


internacional e regional para promover os direitos humanos e as liberdades
fundamentais do idoso;

Respaldando ativamente a incorporação da perspectiva de gênero em todas as


políticas e programas dirigidos a tornar efetivos os direitos do idoso e destacando a
necessidade de eliminar toda forma de discriminação;

Convencidos da importância de facilitar a formulação e o cumprimento de leis e


programas de prevenção do abuso, abandono, negligência, maus-tratos e violência
contra o idoso, e a necessidade de contar com mecanismos nacionais que protejam
seus direitos humanos e liberdades fundamentais; e

Convencidos também de que a adoção de uma convenção ampla e integral


contribuirá significativamente para promover, proteger e assegurar o pleno gozo e
exercício dos direitos do idoso e para fomentar um envelhecimento ativo em todos
os âmbitos,

Decidem subscrever esta Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos


Humanos dos Idosos (doravante, ―Convenção‖):

CAPÍTULO I
OBJETIVO, ÂMBITO DE APLICAÇÃO E DEFINIÇÕES

Artigo 1º
Objetivo e âmbito de aplicação

O objetivo da Convenção é promover, proteger e assegurar o reconhecimento e o


pleno gozo e exercício, em condições de igualdade, de todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais do idoso, a fim de contribuir para sua plena inclusão,
integração e participação na sociedade.
478

O disposto na presente Convenção não deve ser interpretado como uma limitação a
direitos ou benefícios mais amplos ou adicionais reconhecidos pelo direito
internacional ou pelas legislações internas dos Estados Partes em favor do idoso.

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados nesta Convenção não estiver


garantido por disposições legislativas ou de outro caráter, os Estados Partes se
comprometem a adotar, segundo seus procedimentos constitucionais e as
disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outro caráter
necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

Os Estados Partes somente poderão estabelecer restrições e limitações ao gozo e


exercício dos direitos estabelecidos na presente Convenção mediante leis
promulgadas com o objetivo de preservar o bem-estar geral dentro de uma
sociedade democrática, na medida em que não contradigam o propósito e razão dos
mesmos.

As disposições da presente Convenção aplicar-se-ão a todas as partes dos Estados


federais, sem limitações ou exceções.

Artigo 2º
Definições

Para os fins da presente Convenção, entende-se por:

―Abandono‖: A falta de ação, deliberada ou não, para atender de maneira integral as


necessidades de um idoso, que ponha em risco sua vida ou sua integridade física,
psíquica ou moral.

―Cuidados paliativos‖: A atenção e o cuidado ativo, integral e interdisciplinar de


pacientes cuja enfermidade não responde a um tratamento curativo ou que sofrem
dores evitáveis, a fim de melhorar sua qualidade de vida até o fim de seus dias.
Implicam uma atenção primordial ao controle da dor, de outros sintomas e dos
problemas sociais, psicológicos e espirituais do idoso. Abrangem o paciente, seu
entorno e sua família. Afirmam a vida e consideram a morte como um processo
normal; não a aceleram nem a retardam.

―Discriminação‖: Qualquer distinção, exclusão ou restrição que tenha como objetivo


ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em igualdade de
condições dos direitos humanos e liberdades fundamentais na esfera política,
econômica, social, cultural ou em qualquer outra esfera da vida pública e privada.

―Discriminação múltipla‖: Qualquer distinção, exclusão ou restrição do idoso


fundamentada em dois ou mais fatores de discriminação.

―Discriminação por idade na velhice‖: Qualquer distinção, exclusão ou restrição


baseada na idade que tenha como objetivo ou efeito anular ou restringir o
reconhecimento, gozo ou exercício em igualdade de condições dos direitos humanos
479

e liberdades fundamentais na esfera política, econômica, social e cultural ou em


qualquer outra esfera da vida pública e privada.
―Envelhecimento‖: Processo gradual que se desenvolve durante o curso de vida e
que implica alterações biológicas, fisiológicas, psicossociais e funcionais de várias
consequências, as quais se associam com interações dinâmicas e permanentes
entre o sujeito e seu meio.

―Envelhecimento ativo e saudável‖: Processo pelo qual se otimizam as


oportunidades de bem-estar físico, mental e social; de participar em atividades
sociais, econômicas, culturais, espirituais e cívicas; e de contar com proteção,
segurança e atenção, com o objetivo de ampliar a esperança de vida saudável e a
qualidade de vida de todos os indivíduos na velhice e permitir-lhes assim seguir
contribuindo ativamente para suas famílias, amigos, comunidades e nações. O
conceito de envelhecimento ativo e saudável se aplica tanto a indivíduos como a
grupos de população.

―Maus-tratos‖: Ação ou omissão, única ou repetida, contra um idoso, a qual produz


danos em sua integridade física, psíquica e moral e vulnera o gozo ou exercício de
seus direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente de que
ocorra em uma relação de confiança.

―Negligência‖: Erro involuntário ou ação não deliberada, incluindo, entre outros, o


descuido, omissão, desamparo e desproteção, que causa dano ou sofrimento a um
idoso, tanto no âmbito público como privado, quando não foram tomadas as
precauções normais necessárias em conformidade com as circunstâncias.
―Idoso‖: Pessoa com 60 anos ou mais, exceto se a lei interna determinar uma idade
base menor ou maior, desde que esta não seja superior a 65 anos. Este conceito
inclui, entre outros, o de pessoa idosa.

―Idoso que recebe serviços de cuidado de longo prazo‖: Pessoa que reside
temporária ou permanentemente em um estabelecimento regulado, seja público,
privado ou misto, no qual recebe serviços sociossanitários integrais de qualidade,
incluindo as residências de longa estadia, que proporcionam esses serviços de
atenção por tempo prolongado ao idoso com dependência moderada ou severa que
não possa receber cuidados em seu domicílio.

―Serviços sociossanitários integrados‖: Benefícios e prestações institucionais para


atender as necessidades de tipo sanitário e social do idoso, com o objetivo de
garantir sua dignidade e bem-estar e promover sua independência e autonomia.

―Unidade doméstica ou domicílio‖: O grupo de pessoas que vivem em uma mesma


habitação, compartilham as refeições principais e satisfazem juntas suas
necessidades básicas, sem que seja necessário que existam laços de parentesco
entre elas.

―Velhice‖: Construção social da última etapa do curso de vida.


480

CAPÍTULO II
PRINCÍPIOS GERAIS

Artigo 3º

São princípios gerais aplicáveis à Convenção:


a) A promoção e defesa dos direitos humanos e liberdades fundamentais do idoso.
b) A valorização do idoso, seu papel na sociedade e sua contribuição ao
desenvolvimento.
c) A dignidade, independência, protagonismo e autonomia do idoso.
d) A igualdade e não discriminação.
e) A participação, integração e inclusão plena e efetiva na sociedade.
f) O bem-estar e cuidado.
g) A segurança física, econômica e social.
h) A autorrealização.
i) A equidade e igualdade de gênero e enfoque do curso de vida.
j) A solidariedade e o fortalecimento da proteção familiar e comunitária.
k) O bom tratamento e a atenção preferencial.
l) O enfoque diferencial para o gozo efetivo dos direitos do idoso.
m) O respeito e a valorização da diversidade cultural.
n) A proteção judicial efetiva.
o) A responsabilidade do Estado e a participação da família e da comunidade na
integração ativa, plena e produtiva do idoso dentro da sociedade, bem como em seu
cuidado e atenção, de acordo com a legislação interna.

CAPÍTULO III
DEVERES GERAIS DOS ESTADOS PARTES

Artigo 4º

Os Estados Partes se comprometem a salvaguardar os direitos humanos e


liberdades fundamentais do idoso enunciados na presente Convenção, sem
discriminação de nenhum tipo, e com a seguinte finalidade:

a) Adotarão medidas para prevenir, punir e erradicar as práticas contrárias à


presente Convenção, tais como o isolamento, abandono, sujeições físicas
prolongadas, aglomeração, expulsão da comunidade, negação de nutrição,
infantilização, tratamentos médicos inadequados ou desproporcionais, entre
outras, e todas aquelas que constituam maus-tratos ou penas cruéis,
desumanas ou degradantes que atentem contra a segurança e integridade
do idoso.

b) Adotarão as medidas afirmativas e realizarão os ajustes razoáveis que sejam


necessários para o exercício dos direitos estabelecidos na presente
Convenção e se absterão de adotar qualquer medida legislativa que seja
incompatível com a mesma. Não serão consideradas discriminatórias, em
virtude da presente Convenção, as medidas afirmativas e ajustes razoáveis
que sejam necessários para acelerar ou obter a igualdade de fato de idosos,
481

bem como para assegurar sua plena integração, social, econômica,


educacional, política e cultural. Tais medidas afirmativas não deverão levar à
manutenção de direitos separados para grupos distintos e não deverão
perpetuar-se além de um período razoável ou depois de alcançado esse
objetivo.

c) Adotarão e fortalecerão todas as medidas legislativas, administrativas,


judiciais, orçamentárias e de qualquer outra índole, incluindo um adequado
acesso à justiça, a fim de garantir ao idoso um tratamento diferenciado e
preferencial em todos os âmbitos.

d) Adotarão as medidas necessárias e, quando o considerem no âmbito da


cooperação internacional, até o máximo dos recursos disponíveis e levando
em conta seu grau de desenvolvimento, a fim de obter progressivamente, e
em conformidade com a legislação interna, a plena efetividade dos direitos
econômicos, sociais e culturais, sem prejuízo das obrigações aplicáveis de
imediato em virtude do direito internacional.

e) Promoverão instituições públicas especializadas na proteção e promoção dos


direitos do idoso e seu desenvolvimento integral.

f) Promoverão a mais ampla participação da sociedade civil e de outros atores


sociais, em particular do idoso, na elaboração, aplicação e controle de
políticas públicas e legislação dirigida à implementação da presente
Convenção.

g) Promoverão a coleta de informação adequada, inclusive dados estatísticos e de


pesquisa, que permitam formular e aplicar políticas, a fim de tornar efetiva a
presente Convenção.

CAPÍTULO IV
DIREITOS PROTEGIDOS

Artigo 5º
Igualdade e não discriminação por razões de idade

Fica proibida pela presente Convenção a discriminação por idade na velhice.


Os Estados Partes desenvolverão enfoques específicos em suas políticas, planos e
legislações sobre envelhecimento e velhice, com relação aos idosos em condição de
vulnerabilidade e os que são vítimas de discriminação múltipla, incluindo as
mulheres, as pessoas com deficiência, as pessoas de diversas orientações sexuais
e identidades de gênero, as pessoas migrantes, as pessoas em situação de pobreza
ou marginalização social, os afrodescendentes e as pessoas pertencentes a povos
indígenas, as pessoas sem teto, as pessoas privadas de liberdade, as pessoas
pertencentes a povos tradicionais, as pessoas pertencentes a grupos étnicos,
raciais, nacionais, linguísticos, religiosos e rurais, entre outros.
482

Artigo 6º
Direito à vida e à dignidade na velhice

Os Estados Partes adotarão todas as medidas necessárias para garantir ao idoso o


gozo efetivo do direito à vida e o direito a viver com dignidade na velhice até o fim de
seus dias, em igualdade de condições com outros setores da população.

Os Estados Partes tomarão medidas para que as instituições públicas e privadas


ofereçam ao idoso um acesso não discriminatório a cuidados integrais, incluindo os
cuidados paliativos, evitem o isolamento e abordem apropriadamente os problemas
relacionados com o medo da morte dos enfermos terminais e a dor e evitem o
sofrimento desnecessário e as intervenções fúteis e inúteis, em conformidade com o
direito do idoso a expressar o consentimento informado.

Artigo 7º
Direito à independência e à autonomia

Os Estados Partes na presente Convenção reconhecem o direito do idoso a tomar


decisões, a definir seu plano de vida, a desenvolver uma vida autônoma e
independente, conforme suas tradições e crenças, em igualdade de condições, e a
dispor de mecanismos para poder exercer seus direitos.
Os Estados Partes adotarão programas, políticas ou ações para facilitar e promover
o pleno gozo desses direitos pelo idoso, propiciando sua autorrealização, o
fortalecimento de todas as famílias, de seus laços familiares e sociais e de suas
relações afetivas. Em especial, assegurarão:

a) O respeito à autonomia do idoso na tomada de suas decisões, bem como a


independência na realização de seus atos;

b) Que o idoso tenha a oportunidade de escolher seu lugar de residência e


onde e com quem viver, em igualdade de condições com as demais
pessoas, e não se veja obrigado a viver de acordo com um sistema de vida
específico;

c) Que o idoso tenha acesso progressivamente a uma variedade de serviços de


assistência domiciliar, residencial e outros serviços de apoio da comunidade,
inclusive a assistência pessoal que seja necessária para facilitar sua
existência e sua inclusão na comunidade e para evitar seu isolamento ou
separação desta.

Artigo 8º
Direito à participação e integração comunitária

O idoso tem direito à participação ativa, produtiva, plena e efetiva dentro da família,
da comunidade e da sociedade para sua integração em todas elas.
483

Os Estados Partes adotarão medidas para que o idoso tenha a oportunidade de


participar ativa e produtivamente na comunidade e possa desenvolver suas
capacidades e potencialidades. Para tanto:

a) Criarão e fortalecerão mecanismos de participação e inclusão social do


idoso em um ambiente de igualdade que permita erradicar os preconceitos e
estereótipos que obstaculizam o pleno desfrute desses direitos.

b) Promoverão a participação do idoso em atividades intergeracionais para


fortalecer a solidariedade e o apoio mútuo como elementos essenciais do
desenvolvimento social.

c) Assegurarão que as instalações e os serviços comunitários para a população


em geral estejam à disposição do idoso, em igualdade de condições, e
levem em conta suas necessidades.

Artigo 9º
Direito à segurança e a uma vida sem nenhum tipo de violência

O idoso tem direito à segurança e a uma vida sem nenhum tipo de violência, a
receber um tratamento digno e a ser respeitado e valorizado, independentemente da
raça, cor, sexo, idioma, cultura, religião, opinião política ou de outra índole, origem
social, nacional, étnica, indígena e identidade cultural, posição socioeconômica,
deficiência, orientação sexual, gênero, identidade de gênero, sua contribuição
econômica ou qualquer outra condição.

O idoso tem direito a viver uma vida sem nenhum tipo de violência e maus-tratos.
Para os fins desta Convenção, se entenderá por violência contra o idoso qualquer
ação ou conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico
ao idoso, tanto no âmbito público como no privado.

Entender-se-á que a definição de violência contra o idoso compreende, entre outros,


diversos tipos de abuso, incluindo o financeiro e patrimonial, maus-tratos físicos,
sexuais ou psicológicos, exploração do trabalho, expulsão de sua comunidade e
toda forma de abandono ou negligência que tenha lugar dentro ou fora do âmbito
familiar ou unidade doméstica, ou que seja perpetrado ou tolerado pelo Estado ou
seus agentes onde quer que ocorra.

Os Estados Partes se comprometem a:

a) Adotar medidas legislativas, administrativas e de outra índole para prevenir,


investigar, punir e erradicar os atos de violência contra o idoso, bem como
aquelas que propiciem a reparação dos danos provocados por esses atos.

b) Produzir e divulgar informações com o objetivo de gerar diagnósticos de


risco de possíveis situações de violência a fim de desenvolver políticas de
prevenção.
484

c) Promover a criação e o fortalecimento de serviços de apoio para atender os


casos de violência, maus-tratos, abuso, exploração e abandono do idoso.
Fomentar o acesso do idoso a esses serviços e à informação sobre eles.

d) Estabelecer ou fortalecer mecanismos de prevenção da violência, em


qualquer de suas manifestações, dentro da família, da unidade doméstica,
do lugar onde recebe serviços de cuidado de longo prazo e da sociedade
para a efetiva proteção dos direitos do idoso.

e) Informar e sensibilizar a sociedade em seu conjunto sobre as diversas formas


de violência contra o idoso e a maneira de identificá-las e preveni-las.

f) Capacitar e sensibilizar os funcionários públicos, os encarregados de serviços


sociais e de saúde, o pessoal encarregado da atenção e cuidado do idoso
nos serviços de cuidado de longo prazo ou serviços domiciliares sobre as
diversas formas de violência, a fim de dar-lhes um tratamento digno e
prevenir negligência e ações ou práticas de violência e maus-tratos.

g) Desenvolver programas de capacitação dirigidos aos familiares e pessoas que


exercem tarefas de cuidado domiciliar, a fim de prevenir situações de
violência no domicílio ou unidade doméstica.

h) Promover mecanismos adequados e eficazes de denúncia em casos de


violência contra o idoso, bem como reforçar os mecanismos judiciais e
administrativos para atender esses casos.

i) Promover ativamente a eliminação de todas as práticas que geram violência e


que afetam a dignidade e integridade da mulher idosa.

Artigo 10º
Direito a não ser submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes

O idoso tem direito a não ser submetido a tortura e outros tratamentos ou penas
cruéis, desumanas ou degradantes.

Os Estados Partes tomarão todas as medidas de caráter legislativo, administrativo


ou de outra índole para prevenir, investigar, punir e erradicar todo tipo de tortura e
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes contra o idoso.

Artigo 11
Direito a manifestar consentimento livre e informado no âmbito da saúde
485

O idoso tem o direito irrenunciável a manifestar seu consentimento livre e informado


no âmbito da saúde. A negação deste direito constitui uma forma de vulneração dos
direitos humanos do idoso.

Com a finalidade de garantir o direito do idoso a manifestar seu consentimento


informado de maneira prévia, voluntária, livre e expressa, bem como a exercer seu
direito de modificá-lo ou revogá-lo, em relação a qualquer decisão, tratamento,
intervenção ou pesquisa no âmbito da saúde, os Estados Partes se comprometem a
elaborar e aplicar mecanismos adequados e eficazes para impedir abusos e
fortalecer a capacidade do idoso de compreender plenamente as opções de
tratamento existentes, seus riscos e benefícios.

Esses mecanismos deverão assegurar que a informação proporcionada seja


adequada, clara e oportuna, disponível de forma não discriminatória e acessível e
apresentada de maneira compreensível de acordo com a identidade cultural, nível
educativo e necessidades de comunicação do idoso.
As instituições públicas ou privadas e os profissionais da saúde não poderão
administrar nenhum tratamento, intervenção ou pesquisa de caráter médico ou
cirúrgico sem o consentimento informado do idoso.

Nos casos de emergência médica que ponham em risco a vida e quando não for
possível obter o consentimento informado, poderão ser aplicadas as exceções
estabelecidas em conformidade com a legislação nacional.

O idoso tem direito a aceitar, recusar ou interromper voluntariamente tratamentos


médicos ou cirúrgicos, inclusive os da medicina tradicional, alternativa e
complementar, pesquisa, experimentos médicos ou científicos, sejam de caráter
físico ou psíquico, e a receber informação clara e oportuna sobre as possíveis
consequências e os riscos dessa decisão.

Os Estados Partes estabelecerão também um processo por meio do qual o idoso


possa manifestar de maneira expressa sua vontade antecipada e instruções a
respeito das intervenções em matéria de atenção à saúde, inclusive os cuidados
paliativos. Nesses casos, esta vontade antecipada poderá ser expressada,
modificada ou ampliada em qualquer momento somente pelo idoso, mediante
instrumentos juridicamente vinculantes, em conformidade com a legislação nacional.

Artigo 12
Direitos do idoso que recebe serviços de cuidado de longo prazo

O idoso tem direito a um sistema integral de cuidados que proporcione proteção e


promoção da saúde, cobertura de serviços sociais, segurança alimentar e
nutricional, água, vestuário e habitação, permitindo que o idoso possa decidir
permanecer em seu domicílio e manter sua independência e autonomia.

Os Estados Partes deverão formular medidas de apoio às famílias e cuidadores


mediante a introdução de serviços para aqueles que realizam atividades de cuidados
para com o idoso, levando em conta as necessidades de todas as famílias e outras
486

formas de cuidados, bem como a plena participação do idoso, respeitando sua


opinião.

Os Estados Partes deverão adotar medidas para desenvolver um sistema integral de


cuidados que leve especialmente em conta a perspectiva de gênero e o respeito à
dignidade e integridade física e mental do idoso.

Para garantir ao idoso o gozo efetivo de seus direitos humanos nos serviços de
cuidado de longo prazo, os Estados Partes se comprometem a:

a) Estabelecer mecanismos para assegurar que o início e término dos serviços


de cuidado de longo prazo estejam sujeitos à manifestação da vontade livre e
expressa do idoso.

b) Incentivar que esses serviços contem com pessoal especializado que possa
oferecer uma atenção adequada e integral e prevenir ações ou práticas que
possam produzir dano ou agravar a condição existente.

c) Estabelecer um marco regulatório adequado para o funcionamento dos


serviços de cuidado de longo prazo que permita avaliar e acompanhar a
situação do idoso, incluindo a adoção de medidas para:

i Garantir o acesso do idoso à informação, em particular a seus


registros pessoais, sejam físicos ou digitais, e promover o acesso
aos meios de comunicação e informação, inclusive as redes sociais,
bem como informar ao idoso sobre seus direitos e sobre o marco
jurídico e protocolos que regem os serviços de cuidado de longo
prazo.

ii. Prevenir ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada,


família, domicílio ou unidade doméstica, ou qualquer outro âmbito no
qual ocorram, bem como em sua correspondência ou qualquer outro
tipo de comunicação.

iii. Promover a interação familiar e social do idoso, levando em conta


todas as famílias e suas relações afetivas.

iv. Proteger a segurança pessoal e o exercício da liberdade e mobilidade


do idoso.

v. Proteger a integridade do idoso e sua privacidade e intimidade nas


atividades que realiza, particularmente nos atos de higiene pessoal.

d) Estabelecer a legislação necessária, em conformidade com os mecanismos


nacionais, para que os responsáveis e o pessoal de serviços de cuidado de
longo prazo respondam administrativa, civil e/ou penalmente pelos atos que
pratiquem em detrimento do idoso, conforme o caso.
487

e) Adotar medidas adequadas, quando cabível, para que o idoso que esteja
recebendo serviços de cuidado de longo prazo conte com serviços de
cuidados paliativos que abranjam o paciente, seu entorno e sua família.

Artigo 13
Direito à liberdade pessoal

O idoso tem direito à liberdade e segurança pessoal, independentemente do âmbito


em que se desenvolva.

Os Estados Partes assegurarão que o idoso desfrute do direito à liberdade e


segurança pessoal e que em nenhum caso a idade justifique a privação ou restrição
arbitrária de sua liberdade.

Os Estados Partes garantirão que qualquer medida de privação ou restrição de


liberdade será tomada em conformidade com a lei e assegurarão que o idoso
privado de liberdade em razão de um processo tenha, em igualdade de condições
com outros setores da população, direito a garantias de acordo com o direito
internacional dos direitos humanos e a ser tratado em conformidade com os
objetivos e princípios da presente Convenção.

Os Estados Partes garantirão o acesso do idoso privado de liberdade a programas


especiais e atenção integral, inclusive os mecanismos de reabilitação para sua
reinserção na sociedade e, conforme o caso, promoverão medidas alternativas com
relação à privação de liberdade, de acordo com seus ordenamentos jurídicos
internos.

Artigo 14
Direito à liberdade de expressão e opinião e ao acesso à informação

O idoso tem direito à liberdade de expressão e opinião e ao acesso à informação,


em igualdade de condições com outros setores da população e pelos meios de sua
escolha.

Os Estados Partes adotarão medidas destinadas a garantir ao idoso o exercício


efetivo desses direitos.

Artigo 15
Direito à nacionalidade e à liberdade de circulação

O idoso tem direito à liberdade de circulação, à liberdade para escolher sua


residência e a possuir uma nacionalidade em igualdade de condições com os outros
setores da população, sem discriminação por razões de idade.
488

Os Estados Partes adotarão medidas destinadas a garantir ao idoso o exercício


efetivo desses direitos.

Artigo 16
Direito à privacidade e à intimidade

O idoso tem direito à privacidade e à intimidade e a não ser objeto de ingerências


arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, família, domicílio ou unidade doméstica,
ou qualquer âmbito em que se desenvolvam, bem como em sua correspondência ou
qualquer outro tipo de comunicação.

O idoso tem direito a não ser objeto de agressões contra sua dignidade, honra e
reputação, e à privacidade nos atos de higiene pessoal ou nas atividades que
realize, independentemente do âmbito em que se desenvolvam.

Os Estados Partes adotarão as medidas necessárias para garantir estes direitos,


particularmente ao idoso que recebe serviços de cuidado de longo prazo.

Artigo 17
Direito à seguridade social

Todo idoso tem direito à seguridade social que o proteja para levar uma vida digna.

Os Estados Partes promoverão progressivamente, de acordo com os recursos


disponíveis, que o idoso receba uma renda para uma vida digna por meio dos
sistemas de seguridade social e outros mecanismos flexíveis de proteção social.

Os Estados Partes buscarão facilitar, mediante convênios institucionais, acordos


bilaterais ou outros mecanismos hemisféricos, o reconhecimento de prestações,
contribuições à seguridade social ou direitos de pensão do idoso migrante.

Todo o disposto neste artigo será aplicado em conformidade com a legislação


nacional.

Artigo 18
Direito ao trabalho

O idoso tem direito ao trabalho digno e decente e à igualdade de oportunidades e de


tratamento em relação aos outros trabalhadores, seja qual for a sua idade.

Os Estados Partes adotarão medidas para impedir a discriminação profissional do


idoso. Fica proibida qualquer distinção que não se baseie nas exigências próprias da
natureza do cargo, em conformidade com a legislação nacional e de forma
apropriada às condições locais.
489

O emprego ou a ocupação devem contar com as mesmas garantias, benefícios,


direitos trabalhistas e sindicais, e ser remunerados pelo mesmo salário aplicável a
todos os trabalhadores frente a iguais tarefas e responsabilidades.

Os Estados Partes adotarão as medidas legislativas, administrativas ou de outra


índole para promover o emprego formal do idoso e regular as diversas formas de
autoemprego e o emprego doméstico, visando a prevenir abusos e garantir uma
adequada cobertura social e o reconhecimento do trabalho não remunerado.

Os Estados Partes promoverão programas e medidas que facilitem uma transição


gradual à aposentadoria, para o que poderão contar com a participação das
organizações representativas de empregadores e trabalhadores e de outros
organismos interessados.

Os Estados Partes promoverão políticas trabalhistas dirigidas a propiciar que as


condições, o ambiente de trabalho, horários e a organização das tarefas sejam
adequadas às necessidades e características do idoso.

Os Estados Partes incentivarão o desenvolvimento de programas para a


capacitação e certificação de conhecimento e saberes para promover o acesso do
idoso a mercados de trabalho mais inclusivos.

Artigo 19
Direito à saúde

O idoso tem direito à saúde física e mental, sem nenhum tipo de discriminação.

Os Estados Partes deverão formular e implementar políticas públicas intersetoriais


de saúde orientadas a uma atenção integral que inclua a promoção da saúde, a
prevenção e a atenção à doença em todas as etapas, e a reabilitação e os cuidados
paliativos do idoso, a fim de propiciar o desfrute do mais alto nível de bem-estar
físico, mental e social. Para tornar efetivo este direito, os Estados Partes se
comprometem a tomar as seguintes medidas:

a) Assegurar a atenção preferencial e o acesso universal, equitativo e oportuno


em serviços integrais de saúde de qualidade baseados na atenção primária
e aproveitar a medicina tradicional, alternativa e complementar, em
conformidade com a legislação nacional e com os usos e costumes.

b) Formular, implementar, fortalecer e avaliar políticas públicas, planos e


estratégias para fomentar um envelhecimento ativo e saudável.

c) Fomentar políticas públicas sobre saúde sexual e reprodutiva do idoso.

d) Fomentar, quando corresponda, a cooperação internacional na área de


formulação de políticas públicas, planos, estratégias e legislação, e o
490

intercâmbio de capacidades e recursos para implementar programas de


saúde para o idoso e seu processo de envelhecimento.

e) Fortalecer as ações de prevenção por meio das autoridades da saúde e a


prevenção de doenças, inclusive mediante a realização de cursos de
educação, o conhecimento das patologias e opinião informada do idoso no
tratamento de doenças crônicas e outros problemas de saúde.

f) Garantir o acesso a benefícios e serviços de saúde acessíveis e de qualidade


para o idoso com doenças não transmissíveis e transmissíveis, inclusive as
doenças sexualmente transmissíveis.

g) Fortalecer a implementação de políticas públicas orientadas a melhorar o


estado nutricional do idoso.

h) Promover o desenvolvimento de serviços sociossanitários integrados


especializados para atender ao idoso com doenças que geram dependência,
inclusive as enfermidades crônicas degenerativas, as demências e a doença
de Alzheimer.

i) Fortalecer as capacidades dos trabalhadores dos serviços de saúde, sociais


e sociossanitários integrados e de outros atores, com relação à atenção ao
idoso, levando em consideração os princípios constantes da presente
Convenção.

j) Promover e fortalecer a pesquisa e a formação acadêmica profissional e


técnica especializada em geriatria, gerontologia e cuidados paliativos.

k) Formular, adequar e implementar, segundo a legislação vigente em cada país,


políticas referentes à capacitação e aplicação da medicina tradicional,
alternativa e complementar, com relação à atenção integral ao idoso.

l) Promover as medidas necessárias para que os serviços de cuidados paliativos


estejam disponíveis e acessíveis ao idoso, bem como para apoiar suas
famílias.

m) Garantir ao idoso a disponibilidade e o acesso aos medicamentos reconhecidos


como essenciais pela Organização Mundial da Saúde, incluindo os
medicamentos controlados que sejam necessários aos cuidados paliativos.

n) Garantir ao idoso o acesso à informação contida em seus registros pessoais,


sejam físicos ou digitais.

o) Promover e garantir progressivamente, de acordo com suas capacidades, o


acompanhamento e a capacitação de pessoas que exercem tarefas de
cuidado do idoso, incluindo familiares, a fim de assegurar sua saúde e bem-
estar.
491

Artigo 20
Direito à educação

O idoso tem direito à educação em igualdade de condições com outros setores da


população e sem discriminação, nas modalidades definidas por cada um dos
Estados Partes, a participar de programas educativos existentes em todos os níveis
e a compartilhar seus conhecimentos e experiências com todas as gerações.

Os Estados Partes garantirão o exercício efetivo do direito à educação do idoso e se


comprometem a:

a) Facilitar ao idoso o acesso a programas educativos e de formação adequados


que permitam o acesso, entre outros, aos diversos níveis do ciclo educativo,
a programas de alfabetização e pós-alfabetização, formação técnica e
profissional e à educação permanente contínua, em especial aos grupos em
situação de vulnerabilidade.

c) Promover o desenvolvimento de programas, materiais e formatos educativos


adequados e acessíveis ao idoso, que atendam suas necessidades,
preferências, aptidões, motivações e identidade cultural.

d) Adotar as medidas necessárias para reduzir e, progressivamente, eliminar


as barreiras e as dificuldades de acesso a bens e serviços educativos no
meio rural.

e) Promover a educação e formação do idoso no uso das novas tecnologias da


informação e das comunicações (TICs) para minimizar a brecha digital,
geracional e geográfica e aumentar a integração social e comunitária.

e) Formular e implementar políticas ativas para erradicar o analfabetismo do


idoso, em especial das mulheres e grupos em situação de vulnerabilidade.

f) Fomentar e facilitar a participação ativa do idoso em atividades educativas,


tanto formais como informais.

Artigo 21
Direito à cultura

O idoso tem direito à identidade cultural, a participar na vida cultural e artística da


comunidade, a desfrutar dos benefícios do progresso científico e tecnológico e de
outros produtos da diversidade cultural, bem como a compartilhar seus
conhecimentos e experiências com outras gerações, em qualquer dos contextos em
que se desenvolva.
Os Estados Partes reconhecerão, garantirão e protegerão o direito à propriedade
intelectual do idoso, em condições de igualdade com os demais setores da
492

população e de acordo com a legislação interna e os instrumentos internacionais


adotados nesse âmbito.

Os Estados Partes promoverão as medidas necessárias para assegurar o acesso


preferencial do idoso a bens e serviços culturais, em formatos e condições
acessíveis.

Os Estados Partes fomentarão programas culturais para que o idoso possa


desenvolver e utilizar seu potencial criativo, artístico e intelectual, para seu benefício
próprio e para o enriquecimento da sociedade como agente transmissor de valores,
conhecimentos e cultura.

Os Estados Partes estimularão a participação das organizações de idosos no


planejamento, realização e divulgação de projetos educativos e culturais.
Os Estados Partes incentivarão, mediante ações de reconhecimento e estímulo, as
contribuições do idoso às diferentes expressões artísticas e culturais.

Artigo 22
Direito à recreação, ao lazer e ao esporte

O idoso tem direito à recreação, atividade física, lazer e esporte.


Os Estados Partes promoverão o desenvolvimento de serviços e programas de
recreação, incluindo o turismo, bem como de atividades de lazer e esportivas que
levem em conta os interesses e as necessidades do idoso, em particular o que
recebe serviços de cuidado de longo prazo, a fim de melhorar sua saúde e qualidade
de vida em todas as suas dimensões e promover sua autorrealização,
independência, autonomia e inclusão na comunidade.

O idoso poderá participar do estabelecimento, gestão e avaliação desses serviços,


programas e atividades.

Artigo 23
Direito à propriedade

Todo idoso tem direito ao uso e gozo de seus bens e a não ser privado deles por
motivos de idade. A lei pode subordinar tal uso e gozo ao interesse social.
Nenhum idoso pode ser privado de seus bens, salvo mediante o pagamento de
indenização justa, por razões de utilidade pública ou de interesse social, nos casos e
na forma estabelecidos pela lei.

Os Estados Partes adotarão todas as medidas necessárias para garantir ao idoso o


exercício do direito à propriedade, incluindo a livre disposição de seus bens, e para
prevenir o abuso e a alienação ilegal de sua propriedade.

Os Estados Partes se comprometem a adotar medidas para eliminar toda prática


administrativa ou financeira que discrimine o idoso, principalmente as mulheres
493

idosas e os grupos em situação de vulnerabilidade no que se refere ao exercício de


seu direito à propriedade.

Artigo 24
Direito à moradia

O idoso tem direito à moradia digna e adequada, e a viver em ambientes seguros,


saudáveis, acessíveis e adaptáveis a suas preferências e necessidades.

Os Estados Partes deverão adotar as medidas pertinentes para promover o pleno


gozo deste direito e facilitar o acesso do idoso a serviços sociossanitários integrados
e a serviços de cuidados domiciliares que lhe permitam residir em seu próprio
domicílio conforme a sua vontade.

Os Estados Partes deverão garantir o direito do idoso à moradia digna e adequada e


adotarão políticas de promoção do direito à moradia e do acesso à terra
reconhecendo as necessidades do idoso e atribuindo prioridade aos que se
encontrem em situação de vulnerabilidade. Além disso, os Estados Partes
fomentarão progressivamente o acesso ao crédito habitacional ou outras formas de
financiamento sem discriminação, promovendo, entre outros, a colaboração com o
setor privado, a sociedade civil e outros atores sociais. As políticas deverão levar
especialmente em conta:

a) A necessidade de construir ou adaptar progressivamente soluções


habitacionais para que estas sejam arquitetonicamente adequadas e
acessíveis ao idoso com deficiência e com impedimentos relacionados com
sua mobilidade.

b) As necessidades específicas do idoso, particularmente o que vive sozinho,


por meio de subsídios para o aluguel, apoio às renovações da habitação e
outras medidas pertinentes, segundo a capacidade dos Estados Partes.

Os Estados Partes promoverão o estabelecimento de procedimentos expeditos de


reclamação e justiça em caso de desalojamento de idosos e adotarão as medidas
necessárias para protegê-los contra os desalojamentos forçados ilegais.

Os Estados Partes deverão promover programas para a prevenção de acidentes no


entorno e no domicílio do idoso.

Artigo 25
Direito a um meio ambiente saudável

O idoso tem direito a viver em um meio ambiente saudável e a contar com serviços
públicos básicos; nesse sentido, os Estados Partes adotarão as medidas pertinentes
para salvaguardar e promover o exercício deste direito, entre elas:
494

a) Fomentar o desenvolvimento pleno do idoso em harmonia com a natureza.

b) Garantir o acesso do idoso em condições de igualdade a serviços públicos


básicos de água potável e saneamento, entre outros.

Artigo 26
Direito à acessibilidade e à mobilidade pessoal

O idoso tem direito à acessibilidade ao entorno físico, social, econômico e cultural e


à sua mobilidade pessoal.

A fim de garantir a acessibilidade e a mobilidade pessoal do idoso para que possa


viver de forma independente e participar plenamente em todos os aspectos da vida,
os Estados Partes adotarão de maneira progressiva medidas pertinentes para
assegurar o acesso do idoso, em igualdade de condições com as demais pessoas,
ao entorno físico, transporte, informação e comunicações, inclusive os sistemas e as
tecnologias da informação e das comunicações, e a outros serviços e instalações
abertos ao público ou de uso público, tanto em zonas urbanas como rurais. Estas
medidas, que incluirão a identificação e eliminação de obstáculos e barreiras de
acesso, aplicar-se-ão, entre outros, ao seguinte:

a) Os edifícios, as vias públicas, o transporte e outras instalações externas e


internas, como centros educativos, residências, instalações médicas e locais
de trabalho.

b) Os serviços de informação, comunicações e de outro tipo, inclusive os


serviços eletrônicos e de emergência.

Os Estados Partes também adotarão as medidas pertinentes para:

a) Desenvolver, promulgar e supervisionar a aplicação de normas mínimas e


diretrizes sobre a acessibilidade das instalações e dos serviços abertos ao
público ou de uso público.

c) Assegurar que as entidades públicas e privadas que possuam instalações e


serviços abertos ao público ou de uso público levem em conta todos os
aspectos de acessibilidade para o idoso.

d) Oferecer formação a todas as pessoas envolvidas nos problemas de


acessibilidade que o idoso enfrenta.

d) Promover outras formas adequadas de assistência e apoio ao idoso para


assegurar seu acesso à informação.
495

e) Promover o acesso do idoso aos novos sistemas e tecnologias da


informação e das comunicações, inclusive a Internet, e que estas sejam
acessíveis ao menor custo possível.

f) Propiciar ao idoso o acesso a tarifas preferenciais ou gratuitas de serviços


de transporte público ou de uso público;

g) Promover iniciativas, nos serviços de transporte público ou de uso público,


para que haja assentos reservados para o idoso, os quais deverão ser
identificados com a sinalização correspondente;

h) Dotar os edifícios e outras instalações abertas ao público de sinalização em


formatos de fácil leitura e compreensão e adequados para o idoso.

Artigo 27
Direitos políticos

O idoso tem direito à participação na vida política e pública em igualdade de


condições com as demais pessoas e a não ser discriminado por motivo de idade.

O idoso tem direito a votar livremente e ser eleito, devendo o Estado facilitar as
condições e os meios para o exercício desses direitos.

Os Estados Partes garantirão ao idoso uma participação plena e efetiva no que diz
respeito a seu direito ao voto e adotarão as medidas pertinentes para:

a) Garantir que os procedimentos, instalações e materiais eleitorais sejam


adequados, acessíveis e fáceis de entender e utilizar.

b) Proteger o direito do idoso ao voto secreto em eleições e referendos públicos,


sem intimidação.

c) Garantir a livre expressão da vontade do idoso como eleitor e, quando


necessário e com seu consentimento, permitir que uma pessoa de sua
escolha lhe preste assistência para votar.

d) Criar e fortalecer mecanismos de participação cívica com o objetivo de


incorporar, nos processos de tomada de decisão em todos os níveis de
governo, as opiniões, contribuições e demandas do idoso e de suas
agremiações e associações.
496

Artigo 28
Direito de reunião e de associação

O idoso tem direito a reunir-se pacificamente e a formar livremente suas próprias


agremiações ou associações, em conformidade com o direito Internacional dos
direitos humanos.

Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:


a) Facilitar a criação e o reconhecimento legal dessas agremiações ou
associações, respeitando sua liberdade de iniciativa e prestando apoio para
sua formação e desempenho de acordo com a capacidade dos Estados
Partes.

b) Fortalecer as associações de idosos e o desenvolvimento de lideranças


positivas que facilitem a consecução de seus objetivos e a difusão dos
direitos enunciados na presente Convenção.

Artigo 29
Situações de risco e emergências humanitárias

Os Estados Partes tomarão todas as medidas específicas que sejam necessárias


para garantir a integridade e os direitos do idoso em situações de risco, inclusive
situações de conflito armado, emergências humanitárias e desastres, em
conformidade com as normas de direito internacional, em particular do direito
internacional dos direitos humanos e do direito internacional humanitário.

Os Estados Partes adotarão medidas de atenção específicas às necessidades do


idoso na preparação, prevenção, reconstrução e recuperação em situações de
emergência, desastres ou conflitos.

Os Estados Partes propiciarão que o idoso interessado participe nos protocolos de


proteção civil em caso de desastres naturais.

Artigo 30
Igual reconhecimento como pessoa perante a lei

Os Estados Partes reafirmam que o idoso tem direito ao reconhecimento de sua


personalidade jurídica.

Os Estados Partes reconhecerão que o idoso tem capacidade jurídica em igualdade


de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida.

Os Estados Partes adotarão as medidas pertinentes para proporcionar o acesso do


idoso ao apoio de que possa necessitar no exercício de sua capacidade jurídica.
497

Os Estados Partes assegurarão que, em todas as medidas relativas ao exercício da


capacidade jurídica, se proporcionem salvaguardas adequadas e efetivas para
impedir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos.
Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da
capacidade jurídica respeitem os direitos, a vontade e as preferências do idoso,
sejam isentas de conflito de interesses ou de influência indevida, sejam
proporcionais e adequadas às circunstâncias do idoso, se apliquem no prazo mais
curto possível e estejam sujeitas a exames periódicos por parte de uma autoridade
ou um órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas
serão proporcionais ao grau em que essas medidas afetem os direitos e interesses
do idoso.

Sem prejuízo do disposto no presente artigo, os Estados Partes tomarão todas as


medidas pertinentes e efetivas para garantir o direito do idoso, em igualdade de
condições com as demais pessoas, a ser proprietário e herdar bens, controlar seus
próprios assuntos econômicos e ter acesso em igualdade de condições a
empréstimos bancários, hipotecas e outras modalidades de crédito financeiro e
zelarão para que o idoso não seja privado de seus bens de maneira arbitrária.

Artigo 31
Acesso à Justiça

O idoso tem direito a ser ouvido, com as devidas garantias e dentro de um prazo
razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra
ele, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de ordem civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Os Estados Partes se comprometem a assegurar que o idoso tenha acesso efetivo à


justiça em igualdade de condições com as demais pessoas, inclusive mediante a
adoção de ajustes de procedimento em todos os processos judiciais e
administrativos em qualquer de suas etapas.

Os Estados Partes se comprometem a garantir a devida diligência e o tratamento


preferencial ao idoso na tramitação, resolução e execução das decisões em
processos administrativos e judiciais.

A atuação judicial deverá ser particularmente expedita nos casos em que esteja em
risco a saúde ou a vida do idoso.

Além disso, os Estados Partes desenvolverão e fortalecerão políticas públicas e


programas dirigidos a promover:

a) Mecanismos alternativos de solução de controvérsias.

b) Capacitação do pessoal relacionado com a administração de justiça,inclusiveo


pessoal policial e penitenciário, em matéria de proteção dos direitos do idoso.
498

CAPÍTULO V
TOMADA DE CONSCIÊNCIA

Artigo 32

Os Estados Partes acordam:

a) Adotar medidas para alcançar a divulgação e capacitação progressiva de toda


a sociedade sobre a presente Convenção.

b) Fomentar uma atitude positiva em relação à velhice e um tratamento digno,


respeitoso e considerado do idoso; e com base em uma cultura de paz,
impulsionar ações de divulgação, promoção dos direitos e empoderamento
do idoso, bem como evitar linguagem e imagens estereotipadas sobre a
velhice.

b) Desenvolver programas para sensibilizar a população sobre o processo de


envelhecimento e sobre o idoso, fomentando a participação deste e de suas
organizações na formulação e estruturação desses programas.

d) Promover a inclusão de conteúdos que propiciem a compreensão e aceitação


da etapa do envelhecimento nos planos e programas de estudos nos
diferentes níveis educativos, bem como nas agendas acadêmicas e de
pesquisa.

e) Promover o reconhecimento da experiência, sabedoria, produtividade e


contribuição ao desenvolvimento que o idoso proporciona à sociedade em
seu conjunto.

CAPÍTULO VI
MECANISMO DE ACOMPANHAMENTO DA CONVENÇÃO
E MEIOS DE PROTEÇÃO

Artigo 33
Mecanismo de Acompanhamento

A fim de dar seguimento aos compromissos assumidos e promover a efetiva


implementação da presente Convenção, estabelece-se um Mecanismo de
Acompanhamento constituído por uma Conferência de Estados Partes e um Comitê
de Peritos.

O Mecanismo de Acompanhamento será estabelecido quando recebido o décimo


instrumento de ratificação ou adesão.

As funções de secretaria do Mecanismo serão exercidas pela Secretaria-Geral da


Organização dos Estados Americanos.
499

Artigo 34
Conferência de Estados Partes

A Conferência de Estados Partes, órgão principal do Mecanismo de


Acompanhamento, é integrada pelos Estados Partes na Convenção e tem, entre
outras, as seguintes funções:

a) Fazer o acompanhamento do avanço dos Estados Partes no cumprimento dos


compromissos emanados da presente Convenção.

b) Elaborar seu regulamento e aprová-lo por maioria absoluta.

c) Fazer o acompanhamento das atividades desenvolvidas pelo Comitê de


Peritos e formular recomendações com o objetivo de melhorar o
funcionamento, as regras e os procedimentos do Comitê.

d) Receber, analisar e avaliar as recomendações do Comitê de Peritos e


formular as observações pertinentes.

e) Promover o intercâmbio de experiências e boas práticas e a cooperação


técnica entre os Estados Partes para garantir a efetiva implementação desta
Convenção.

f) Resolver qualquer assunto relacionado ao funcionamento do Mecanismo de


Acompanhamento.

O Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos convocará a primeira


reunião da Conferência de Estados Partes no prazo de noventa dias após a
constituição do Mecanismo de Acompanhamento. A primeira reunião da Conferência
será realizada na sede da Organização, a menos que um Estado Parte ofereça
sede, para aprovar seu regulamento e metodologia de trabalho, bem como para
eleger suas autoridades. A reunião será presidida por representante do Estado que
deposite o primeiro instrumento de ratificação ou adesão da presente Convenção.

As reuniões posteriores serão convocadas pelo Secretário-Geral da Organização


dos Estados Americanos a pedido de qualquer Estado Parte, com a aprovação de
dois terços dos mesmos, e nelas poderão participar como observadores os outros
Estados membros da Organização.

Artigo 35
Comitê de Peritos

O Comitê de Peritos será integrado por especialistas designados por cada um dos
Estados Partes na Convenção. O quórum para as reuniões será estabelecido em
seu regulamento.

O Comitê de Peritos tem as seguintes funções:


500

a) Colaborar no acompanhamento do progresso dos Estados Partes na


implementação da presente Convenção, sendo responsável pela análise
técnica dos relatórios periódicos apresentados pelos Estados Partes. Para
tanto, os Estados Partes se comprometem a apresentar ao Comitê de
Peritos um relatório sobre o cumprimento das obrigações contidas na
presente Convenção, no prazo de um ano após a realização da primeira
reunião. Daí em diante, os Estados Partes apresentarão relatórios a cada
quatro anos.

b) Apresentar recomendações para o cumprimento progressivo da Convenção,


com base nos relatórios apresentados pelos Estados Partes, em
conformidade com o tema objeto de análise.

c) Elaborar e aprovar seu próprio regulamento no âmbito das funções


estabelecidas no presente artigo.

O Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos convocará a primeira


reunião do Comitê de Peritos no prazo de noventa dias após a constituição do
Mecanismo de Acompanhamento. A primeira reunião do Comitê será realizada na
sede da Organização, a menos que um Estado Parte ofereça sede, para aprovar seu
regulamento e metodologia de trabalho, bem como para eleger suas autoridades. A
reunião será presidida por representante do Estado que deposite o primeiro
instrumento de ratificação ou adesão da presente Convenção.
O Comitê de Peritos terá sua sede na Organização dos Estados Americanos.

Artigo 36
Sistema de petições individuais

Qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidade não governamental legalmente


reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização dos Estados
Americanos pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
petições que contenham denúncias ou queixas de violação de algum dos artigos da
presente Convenção por um Estado Parte.

Para a aplicação do previsto no presente artigo será levada em conta a natureza


progressiva da vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais objeto de
proteção pela presente Convenção.

Além disso, todo Estado Parte poderá, no momento do depósito de seu instrumento
de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento
posterior, declarar que reconhece a competência da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos para receber e examinar as comunicações em que um Estado
Parte alegue que outro Estado Parte incorreu em violações dos direitos humanos
estabelecidos na presente Convenção. Nesse caso, serão aplicadas todas as
normas de procedimento pertinentes contidas na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos.
501

Os Estados Partes poderão formular consultas à Comissão em questões


relacionadas com a efetiva aplicação da presente Convenção. Além disso, poderão
solicitar à Comissão assessoramento e cooperação técnica para assegurar a
aplicação efetiva de qualquer disposição da presente Convenção. A Comissão,
dentro de suas possibilidades, prestará o assessoramento e a assistência
solicitados.

Todo Estado Parte poderá, no momento do depósito de seu instrumento de


ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento
posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem acordo
especial, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre todos
os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção. Nesse caso, serão
aplicadas todas as normas de procedimento pertinentes contidas na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos.

CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 37
Assinatura, ratificação, adesão e entrada em vigor

A presente Convenção está aberta à assinatura, ratificação e adesão por parte de


todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos. Após sua
entrada em vigor, todos os Estados membros da Organização que não a tenham
assinado poderão aderir à Convenção.

Esta Convenção está sujeita à ratificação por parte dos Estados signatários de
acordo com seus respectivos procedimentos constitucionais. Os instrumentos de
ratificação ou adesão serão depositados na Secretaria-Geral da Organização dos
Estados Americanos.

A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data de depósito


do segundo instrumento de ratificação ou adesão na Secretaria-Geral da
Organização dos Estados Americanos.

Para cada Estado que ratificar a presente Convenção, ou a ela aderir, após o
depósito do segundo instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em
vigor no trigésimo dia a partir da data em que tal Estado tenha depositado o
instrumento correspondente.

Artigo 38
Reservas

Os Estados Partes poderão formular reservas à Convenção no momento de sua


assinatura, ratificação ou adesão, desde que não sejam incompatíveis com o objeto
e fim da Convenção e versem sobre uma ou mais de suas disposições específicas.
502

Artigo 39
Denúncia

A Convenção permanecerá em vigor indefinidamente, mas qualquer um dos Estados


Partes poderá denunciá-la mediante notificação escrita dirigida ao Secretário-Geral
da Organização dos Estados Americanos. Transcorrido um ano a partir da data de
depósito do instrumento de denúncia, a Convenção cessará seus efeitos para esse
Estado, permanecendo em vigor para os demais Estados Partes. A denúncia não
eximirá o Estado Parte das obrigações impostas pela presente Convenção com
respeito a toda ação ou omissão ocorrida antes da data em que a denúncia tenha
entrado em vigor.

Artigo 40
Depósito

O instrumento original da Convenção, cujos textos em espanhol, francês, inglês e


português são igualmente autênticos, será depositado na Secretaria-Geral da
Organização dos Estados Americanos, que enviará cópia certificada do texto para
registro e publicação à Secretaria das Nações Unidas, em conformidade com o
Artigo 102 da Carta das Nações Unidas.

Artigo 41
Emendas

Qualquer Estado Parte pode submeter à Conferência de Estados Partes propostas


de emendas a esta Convenção.

As emendas entrarão em vigor para os Estados que as ratificarem na data em que


dois terços dos Estados Partes tenham depositado o respectivo instrumento de
ratificação. Para os outros Estados Partes, entrarão em vigor na data em que
depositarem seus respectivos instrumentos de ratificação.

NOTAS DE RODAPÉ

1. (...) O Canadá não endossa o texto final adotado mediante esta resolução. O
Canadá manifestou reiteradamente sua preocupação de que os esforços para
colocar em prática esta convenção duplicariam as atividades que realiza o Grupo de
Trabalho Aberto da ONU sobre Envelhecimento. O Canadá sustenta que a referida
convenção dificultará, desnecessariamente, o trabalho realizado pelos sistemas
internacionais de monitoramento dos direitos humanos, além de duplicar o
monitoramento dos direitos humanos do idoso. O Canadá continuará a trabalhar
com a OEA e seus Estados membros, de maneira prática, para a promoção dos
direitos do idoso.
503

2. (...) reservas e preocupações com respeito ao assunto e à resultante convenção.


Os Estados Unidos continuam convencidos de que é importante que a OEA e as
Nações Unidas abordem os vários desafios enfrentados pelo idoso neste Hemisfério
e no mundo todo, inclusive no que se refere ao exercício de seus direitos humanos.
No entanto, não acreditamos que seja necessária uma convenção para assegurar a
proteção dos direitos humanos do idoso. Os Estados Unidos consideram que, em
vez de promover este novo instrumento, seria melhor que a OEA e seus Estados
membros dedicassem seus recursos para definir medidas práticas que os Governos
das Américas podem adotar com a finalidade de combater a discriminação contra o
idoso, incluindo melhores práticas por meio de leis nacionais, assim como uma
melhor implementação dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos.
Esses esforços deveriam ser destinados ao atendimento, de maneira prática e
imediata, dos desafios enfrentados pelo idoso.

3. (...) nem de modo que crie um direito à morte.

4. (...) abrange a Lei Orgânica de Seguridade Social e a Lei do Idoso, mediante as


quais se asseguram ao idoso medidas de proteção por parte da família, da
sociedade e do Estado. Valorizamos o esforço envidado pelos Estados membros da
Organização destinados à obtenção de um instrumento regional juridicamente
vinculante com vistas a proteger os direitos humanos do idoso. No entanto, o
Governo da Nicarágua considera que o conteúdo da Convenção criará uma
duplicidade de tarefas que já vêm sendo realizadas por outros órgãos do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos. Além disso, seu caráter e efeito transversais
incidiriam sobre o ordenamento jurídico vigente na Nicarágua, razões pelas quais o
Governo da República da Nicarágua manifesta sua expressa reserva ao conteúdo
da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos.

5. (...) a interpretações equivocadas que o Sistema Interamericano de Direitos


Humanos possa vir a fazer sobre o disposto no Artigo 17, ―Direito à seguridade
social‖, do presente projeto de Convenção. Neste sentido, o Governo do Peru
analisa também a possibilidade de apresentar sua reserva ao referido artigo quando
da assinatura e/ou ratificação do presente instrumento.

6. (...) do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, estabelecidos como ―meios


de proteção‖, contrariam os objetivos para os quais foram criados. A CIDH e a
CorteIDH devem ser reformuladas devido à tendenciosidade, politização e atitude
discriminatória e seletiva que assumiram contra os governos progressistas da região.
Essas características destruíram a credibilidade das referidas instituições que, em
algum momento, apoiaram-se em valores éticos e no compromisso de proteger os
direitos humanos. Por esse motivo, o Estado venezuelano tomou a decisão de
denunciar a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

7. (...) estipulações da Constituição do Paraguai.


504

4 PROPOSTA DE LEGE FERENDA PARA ALTERAÇÃO DO NOVO


CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

LIVRO V
DA TUTELA PROVISÓRIA
TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
TÍTULO III
.............................................................................................................
Art. 303-A. Nas ações visando à tutela de direitos fundamentais de idosos ou
de outros grupos vulneráveis, o juiz, quando possível, concederá tutela
antecipada até mesmo de ofício.

Art. 311-A. Nas ações visando à tutela de direitos fundamentais de idosos ou


de outros grupos vulneráveis, o juiz, quando possível, concederá tutela de
evidência até mesmo de ofício.

PARTE ESPECIAL
LIVRO I
TÍTULO I
CAPÍTULO X
DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Art. 366. Encerrado o debate ou oferecidas as razões finais, o juiz proferirá sentença
em audiência ou no prazo de 30 (trinta) dias (texto legal).
Art. 366-A. Na hipótese de ação em que figura como parte ou interveniente
pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, a sentença deverá
ser prolatada, no prazo de um ano, a contar da distribuição, podendo ser
prorrogado, o prazo, por igual período, na ação complexa, com despacho
fundamentado do juiz.
§ 1º No caso da ação prevista no inciso anterior não se findar no prazo legal e
transitar em julgado na primeira instância, caberá ao juiz tomar a providência
preconizada no artigo 1.024, incisos de IV a VI.
505

§ 2º Não se aplicará a disposição anterior, na hipótese da concessão de tutela


antecipada ou de evidência.

TÍTULO II
DOS RECURSOS
CAPÍTULO II
DA APELAÇÃO

Art.1009. Da sentença cabe apelação. (texto legal).


§ 4º Na hipótese de ação, em que figurar como parte ou interveniente pessoa
com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, o recurso deverá ser julgado
no máximo em doze meses, a contar da data do recebimento dos autos pelo
tribunal.
§ 5º Quando o recurso, mencionado no parágrafo anterior, não se findar no
prazo legal, caberá ao tribunal reconhecer, de ofício, o dano moral difuso de
violação ao direito do idoso à efetividade do acesso à justiça.
§ 6º O valor do dano não poderá ser inferior a cinco salários mínimos, para
cada ano ou fração de ano superior a seis meses de atraso, cujo valor deverá
ser depositado na conta judicial do Fundo Nacional ou Estadual do Idoso.
§ 7º O Fundo do Idoso poderá ser utilizado, além de outras políticas públicas,
para estruturar os ofícios e varas judiciais privativas do idoso, com
equipamentos destinados a tornar mais célere a tramitação e julgamento das
ações cíveis.
§ 8º Arcará com os custos da reparação a Fazenda Pública Federal ou
Estadual, conforme a origem da ação (Federal ou Estadual) cabendo ao
Tribunal oficiar diretamente ao respectivo órgão da Fazenda Pública para que
efetue o depósito num prazo não superior a seis meses.
§ 9º O numerário requisitado não poderá ser deduzido da rubrica orçamentária
do Poder Judiciário.
§ 10 Em caso de mora da Fazenda Pública, caberá ao Ministério Público
providenciar a execução do valor do dano.
§ 11 Não se aplicará o disposto no § 4º na hipótese da concessão na hipótese
da concessão de tutela provisória de urgência antecipada ou de evidência.
506

CAPÍTULO VI
DOS RECURSOS PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E PARA
O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Seção II
Do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial

Art. 1029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na


Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do
tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:
......................................................................................................
§ 6º Aplicar-se-ão aos recursos especial e extraordinário, o mesmo prazo de
julgamento, a que se refere o artigo 1006, § 3º e demais disposições
normativas, inseridas nos parágrafos restantes.
507

5 PROPOSTA DE LEGE FERENDA PARA ALTERAÇÃO DO FUNDO


NACIONAL DO IDOSO E FUNDO ESTADUAL DO IDOSO

Altera a redação do artigo 1º da Lei nº


12.213, de 20 de janeiro de 2010, com o
acréscimo de parágrafo e inciso, em
consonância com o teor do art. 1006 do
PL Nº .....
Código de Processo Civil , e dá outras
providências.

A PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional


decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º......................................................................................................................

§ 1º O Fundo a que se refere o caput deste artigo terá como receita:

..............................................................................................................................

VII – indenizações decorrentes das condenações referidas no artigo 1006 do


Código de Processo Civil.

VIII – outros recursos que lhe vierem a ser destinados.

§ 2º O presente fundo público poderá ser utilizado para estruturar os ofícios e


varas judiciais privativas do idoso, com equipamentos destinados a tornar mais
célere a tramitação e julgamento das ações cíveis.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

MODELO PARA O ESTADO DE SÃO PAULO

Altera a redação dos artigos 63-A e 63-B da


Lei Estadual nº 12.548, de 27 de fevereiro de
2007, em consonância com o teor do art.
PL Nº ..... 1006 do Código de Processo Civil , e dá
outras providências.
508

O Governador do Estado de São Paulo:

Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:

Art. 63-A ................................................................................................................

Parágrafo único: O Fundo a que se refere o caput deste artigo, vinculado à


unidade de despesa da Secretaria de Desenvolvimento Social, será destinado a
financiar programas e ações relativas ao idoso, com vistas a assegurar os seus
diretos sociais e criar condições para promover sua autonomia, integração e
participação efetiva na sociedade. Também poderá ser utilizado para estruturar os
ofícios e varas judiciais privativas do idoso, com equipamentos destinados a tornar
mais célere a tramitação e julgamento das ações cíveis.

Art.63-B ...............................................................................................................

IX - indenizações decorrentes das condenações referidas no artigo 1006 do


Código de Processo Civil.

X - outros recursos que lhe vierem a ser destinados.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


509

6 EMENTA ATINENTE À RECLAMAÇÃO N° 4.374/STF SOBRE


BENEFÍCIO PREVIDÊNCIÁRIO A IDOSOS PREVISTO PELA
LOAS.1066

Rcl 4374 / PE - PERNAMBUCO


RECLAMAÇÃO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 18/04/2013 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação

ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013

Parte(s)

RECLTE.(S) : INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL - INSS


ADV.(A/S) : JORGE ANDRADE DE MEDEIROS
RECLDO.(A/S) : TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DO
ESTADO DE PERNAMBUCO
INTDO.(A/S) : JOSÉ SEVERINO DO NASCIMENTO
ADV.(A/S) : DILMA MARIA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE

Ementa

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art.


203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao
regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios
para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos
portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios
de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §
3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93
que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei
teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que
situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do
alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como
instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de
constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários
580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação.
O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade

1066
Vide primeira parte, item 6.2. Do direito aos alimentos.
510

formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar


a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento
da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de
reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas
tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito
das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no “balançar
de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior
nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão
do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua
própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a
decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução
hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da
Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos
pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda
familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada,
elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado
pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que
estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei
10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas
de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo
Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas
(sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados
como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do
Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação
constitucional julgada improcedente

Decisão

O Tribunal, por maioria, conheceu da reclamação, vencidos os Ministros Dias Toffoli,


Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa (Presidente), que dela não conheciam. No
mérito, por maioria, julgou improcedente a reclamação, vencido o Ministro Teori
Zavascki, que a julgava procedente. Plenário, 18.04.2013.
511

7 EMENTA ATINENTE AO RE/580963 – INCONSTITUCIONALIDADE


DO ARTIGO 34, PARÁGRAFO ÚNICO DO ESTATUTO DO IDOSO. 1067

RE 580963 / PR - PARANÁ
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 18/04/2013 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO
DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013

Parte(s)

RECTE.(S) : INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL - INSS


PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
RECDO.(A/S) : BLANDINA PEREIRA DIAS
ADV.(A/S) : HÉLDER MASQUETE CALIXTI E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

Ementa

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art.


203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao
regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os
critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos
portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º,
da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93
que: “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei
teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que
situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do
alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do
Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido

1067
Vide primeira parte, item 6.2 Do direito aos alimentos.
512

pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de


contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real
estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos
para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei
10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o
Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o
Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda
mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em
decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da
intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do
processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão
de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A
inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei
10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o
benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será
computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a
LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e
de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos.
Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da
assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial
inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6.
Recurso extraordinário a que se nega provimento.

Decisão

Após o voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator), negando provimento ao


recurso e declarando a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993,
sem pronúncia de nulidade, dando pela sua validade até 31 de dezembro de 2014, e
o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio, negando provimento ao recurso, o
julgamento foi adiado pelo pedido de vista do Senhor Ministro Luiz Fux. Ausente,
justificadamente, o Senhor Ministro Dias Toffoli. Falaram: pelo recorrente, a Dra.
Luysien Coelho Marques Silveira, Procuradora Federal; pela Advocacia-Geral da
União, o Ministro Luís Inácio Lucena Adams, Advogado-Geral da União; pela
interessada Defensoria Pública-Geral da União, o Dr. Haman Tabosa de Moraes e
Córdova; e, pelo Ministério Público Federal, a Dra. Deborah Macedo Duprat de Britto
Pereira, Vice-Procuradora-Geral da República. Presidência do Senhor Ministro Ayres
Britto. Plenário, 06.06.2012.
Decisão: Prosseguindo no julgamento, após os votos dos Ministros Gilmar
Mendes (Relator), Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello, negando
provimento ao recurso e declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do
art.34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), sem pronúncia da nulidade,
mantendo sua vigência até 31 de dezembro de 2014; os votos dos Ministros Teori
Zavascki, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, dando provimento ao
513

recurso, e o voto do Ministro Joaquim Barbosa (Presidente), que lhe negava


provimento e declarava a inconstitucionalidade, mas sem fixação de prazo, o
julgamento foi suspenso. Retificada a decisão da assentada anterior, por erro
material, quanto ao artigo citado. Reajustou o voto proferido anteriormente o Ministro
Marco Aurélio. Plenário, 17.04.2013.
Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso
extraordinário e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do parágrafo
único do art. 34 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do idoso), vencidos os Ministros Dias
Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que davam provimento ao recurso.
Não foi alcançado o quorum de 2/3 para modulação dos efeitos da decisão para que
a norma tivesse validade até 31/12/2015. Votaram pela modulação os Ministros
Gilmar Mendes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Votaram
contra a modulação os Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski
e Joaquim Barbosa (Presidente). O Ministro Marco Aurélio absteve-se de votar
quanto à modulação. O Ministro Teori Zavascki reajustou seu voto proferido na
assentada anterior. Plenário, 18.04.2013.

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