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Direito Da União Europeia

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DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

João Vitor Manfrin Lima - Turma A – 2023/2024

Bibliografia: Integração e Direito Económico Europeu de Eduardo Paz Ferreira; Direito da União
Europeia: Lições Desenvolvidas de Maria Luisa Duarte.

INDÍCE
I. INTEGRAÇÃO EUROPEIA ........................................................................................................................2
I.1 PROCESSO HISTÓRICO .....................................................................................................................2
I.2 TRATADOS NO PLANO EUROPEU......................................................................................................8
II. ESTRUTURA INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPEIA ..............................................................................13
III. DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA ...........................................................................................................20
III. 1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE VINCULAÇÃO INSTITUCIONAL ....................................................21
III. 2. ESTRUTURA DECISÓRIA DA UNIÃO EUROPEIA .............................................................................24
III. 3. FONTES DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA ..................................................................................29
III. 4. RELAÇÃO ENTRE O DUE E DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ......................................................34
III. 5. OUTRAS FONTES DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA .....................................................................36
IV. PRINCÍPIOS E CRITÉRIOS ESTRUTURANTES NA INTERNORMATIVIDADE ................................................37
V. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA COM O DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA ................................45
VI. CONTENCIOSO DA UNIÃO EUROPEIA .................................................................................................47
VI.1. ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS NACIONAIS ........................................................................................48
VI. 2. REENVIO PREJUDICIAL ..............................................................................................................49
VI. 3. APLICAÇÃO DO DIREITO EUROPEU PELO TJUE .............................................................................50
VII. AS QUATRO LIBERDADES ..................................................................................................................52
VII.1. LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS ..........................................................................53
VII. 2. LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS, E DE TRABALHADORES ...............................................55
VII. 3. LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE SERVIÇOS .................................................................................56
VII. 4. LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE PAGAMENTOS E CAPITAIS .........................................................57
VII. 5. CIDADANIA EUROPEIA E DIREITOS ASSOCIADOS ........................................................................58
VIII. UNIÃO EUROPEIA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................................59
VIII. 1. CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA (CDFUE) ........................................60
VIII. 2. ADESÃO DA EU À CEDH ...........................................................................................................61
IX. A POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA .........................................................................................................62
IX. 1. NORMAS DE CONCORRÊNCIA APLICÁVEIS ÀS EMPRESAS (ARTS. 101º e 102º TFUE) ......................64
IX. 2. ACORDOS E PRÁTICAS CONCERTADAS ENTRE EMPRESAS .............................................................65
IX. 3. ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE ..............................................................................................67
IX. 4. SISTEMA DE APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 101º E 102º DO TFUE ......................................................68
IX. 5. CONTROLO DE CONCENTRAÇÕES ...............................................................................................69
I. INTEGRAÇÃO EUROPEIA
A União Europeia (EU) advém de um vasto processo histórico de integração dos diversos países
europeus alinhados a uma política socioeconômica comunitária. É possível considerar que a
atual União Europeia advém da antiga Comunidade Económica Europeia (CEE), criada em 1957
pelo Tratado de Roma assinado na Bélgica, a qual Portugal vinculou-se em 1986.
A União Europeia consubstancia-se como o modelo de integração com maior sucesso entre
todas, cujo modelo de integração apresentou-se como uma resposta imediata a segunda guerra
mundial, na tentativa de criar as condições necessárias para a restruturação europeia e para
evitar a ocorrência de novos conflitos como reflexo dos horrores então recentes. Superou
notavelmente as outras estruturas e tentativas de integração ao redor do mundo, como na África
Ocidental (UEMOA), África Setentrional (SADC) e América Latina (Mercosul).

I.1 PROCESSO HISTÓRICO


Pós-Guerra – Visava-se uma unificação europeia para a conciliação dos mais diversos interesses,
no intuito de cooperação, entretanto as cicatrizes da guerra dificultaram esse processo –
dificuldade fomentada pela (i) rivalidade franco alemã e (ii) falta de experiência de trabalho em
comum entre os cidadãos europeus.
Influência dos Estados Unidos – A intervenção norte-americana fora essencial tanto para a
vitória das forças democráticas na guerra como para a reconstrução pós-guerra. A miséria
europeia fora objeto de políticas estadunidenses para auxílio, uma vez que o problema europeu
não se tratava de um mero problema político, mas sim económico, tendo-se em vista que os
meios de produção e transações monetárias na Europa estavam escassos e dependentes de
apoio externo para se recuperarem. Além disso, a crise europeia afetava toda a economia
internacional, afetando interesses difusos de países que nem sequer relacionaram-se a segunda
guerra mundial. A criação e desenvolvimento da EU dependeu notavelmente da boa relação com
os EUA.
 Doutrina Truman (concretizada no Plano Marshall): Discurso geoestratégico e político de
sensibilização da conduta estadunidense a ser adotada, ao visar o apoio aos países europeus
dependentes de apoio externo para retornarem a política internacional.
 Plano Marshall (1947): Consistiu num plano económico liderado pelos Estados Unidos para
a implantação de uma estratégia económica alinhada entre ideais democráticos e
capitalistas para a fomentação das transações comerciais no quadro de importação e
exportação de bens (mas, sobretudo, a importação do que se faltava), cujo ponto culminante
se deu com a criação da Organização para a Cooperação Económica Europeia (OCDE) em
1948. Naturalmente, os países afastados da conceção capitalista não participaram do
planeamento económico, fechando fronteiras e relações de certa forma, como a União
Soviética, Espanha Franquista e Portugal Salazarista.
Declaração Schuman – Em 1950, Robert Schuman, ministro dos negócios estrangeiros da
Franças propôs planos essenciais de organização europeia fundado na necessidade urgente de
cooperação e apaziguação franco alemã. Pretendeu-se abandonar os ideais políticos
remanescentes entre os Estados e focar-se na resolução dos problemas políticos das duas
principais potenciais ocidentais. Com o apoio de diversos estadistas e intelectuais, como Jean

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Monnet (internacionalista essencial para a redação da Declaração Schuman), a França afirmou
sua disponibilidade para promover a união do mercado de carvão e aço sob o patrocínio de uma
comissão internacional (que viria a ser a Comunidade Europeia de Carvão e Aço – CECA - 1952),
com vista a troca comercial e produção de matéria-prima entre os dois maiores exportadores
(França e Alemanha).
O abandono do viés político entre os países para o abraçamento do conteúdo puramente
económico foi eficaz, mas como era expectável, os reflexos da união foram difusos, atingindo
fortemente a relação política entre os Estados relacionados – aproximou-se do discurso de
Winston Churchill sobre a necessidade de focar na Alemanha e França em primeiro plano.
Os efeitos da união foram positivos para a Alemanha, a qual sofria de problemas políticos na sua
nova fase de política interna pós-Hitler, onde fortes forças partidárias visavam desindustrializar
o país e torná-lo numa nação essencialmente agrícola – a união de aço e carvão com a França
possibilitou sua reinserção impactante na economia europeia. Conjuntamente, os reflexos na
França foram positivos, pois esta se beneficiou das fontes de energia e das indústrias alemãs e,
além disso, demonstrou-se como “paladina da paz e da integração”, aumentando sua influência
na reconstrução do continente.
A proposta de Schuman gradativamente abrangeu os diversos países europeus, uma vez que
considerava-se que quanto maior a união entre os países ao redor, maior seria o ambiente de
união entre as maiores potencias, como a Alemanha e França. O Professor Eduardo Paz Ferreira
ressalta o afastamento que o Reino Unido sempre teve do processo de integração europeia, o
qual sempre esteve mais próximo dos EUA. Também, os conselhos europeus tenderam a afastar-
se das influências americanas na medida em que adquiriram autonomia própria.
Pode-se determinar que a diferença da Declaração de Schuman para as outras medidas
estadunidenses foi o viés faseado de construção da integração europeia, com medidas concretas
graduais fundadas na solidariedade, e não medidas abstratas, globais e predeterminadas como
fora o Plano Marshall (apesar de essencial de início).
“A história de integração europeia é essencialmente uma história de relacionamento entre
França e Alemanha, por vezes triangulada com um ausente e geralmente pouco amado Reino
Unido e perturbada pela burocracia bruxelense”.

Surgimento das Organizações Europeias de cooperação: Até 1919, as organizações


internacionais limitavam-se a cooperação administrativa entre Estados, sendo denominadas de
Uniões Administrativas, como foram as comissões internacionais de administração dos rios
internacionais. Apenas após a 1ª Guerra Mundial que passou-se a desenvolver uma cooperação
política entre os Estados, surgindo a primeira Organização de âmbito político e tendencial
universal: a Sociedade das Nações em 1920. Subsequentemente, diversas organizações foram
surgindo, sendo as principais as pós-2ª Guerra Mundial: ONU, Conselho da Europa, OTAN e as
Comunidades Europeias.
Inicialmente, visava-se uma mera colaboração para a manutenção do património comum, como
no caso da proteção dos rios internacionais, entretanto, com o desenvolvimento das relações e
necessidades de reestruturação pós primeira e segunda guerra mundial, as organizações
assumiram um teor fortemente económico e de padronização, como no caso de surgimento da
Organização Internacional de Trabalho (OIT) em 1919, Banco de Pagamentos Internacionais em
1930 e outras diversas Conferências Financeiras e Económicas.

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Comunidades Europeias e as suas evoluções: Na década de 50, após a Declaração de Schuman,
uma série de propostas foram apresentadas pelos mais fervorosos juristas e políticos
internacionalista, sobretudo Schuman, Monnet, Spaak e Adenauer.
Em 1955 convocou-se a Reunião de Messina para tratar de projetos de integração económica
europeia, onde apresentou-se diversos projetos de modelo setorial, baseados na CECA
(Comunidade Europeia de Carvão e Aço) que havia sido criada em 1950 e obtido demasiado
sucesso na integração económica entre os seus países constituintes (Principais potencias –
França, Alemanha, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo – critica-se a influência dominante
dos grandes países, ao deixar de lado a opinião dos outros diversos Estados europeus menores).
O Comité Spaak foi responsável por harmonizar as vontades dos países presentes face as
propostas elaboradas. Após diversas negociações, a Resolução de Messina foi um dos primeiros
passos para a eventual criação de outras instituições comuns de fusão econômica e social
europeias, ao abrir as portas para o Comité agir:
Em 1957, com as tratativas do Comité Spaak, assinaram-se os Tratados de Roma que viriam a
criar a CEE (Comunidade Económica Europeia) e o EURATOM (projeto de Jean Monnet -
European Atomic Energy Community) – Ambas comunidades viriam a pertencer aos seis países
presentes na CECA.
 As Comunidades Europeias (CECA, CEE e CEEA) foram criada com base no método
funcionalista, que consiste numa teoria clássica de integração regional através da análise de
interesses políticos, económicos e sociais para a eventual criação de órgãos de autoridade
supranacional, investidos de poderes regulatórios dos mercados. O método funcionalista
afasta-se do método federalista.

Comunidade Económica Europeia (CEE) – O Tratado de Roma respeitante a CEE entrou em vigor
em 1958, com o objetivo de constituir um mercado comum assente na livre circulação de
mercadorias, bens, serviços, pessoas e capitais, com uma barreira alfandegária comum a todos
os Estados membros em relação aos produtos vindos do exterior. Além disso, estabeleceu uma
série de regras de concorrência e de proibição de auxílios de Estado – é notável uma forte
influência liberalista, a qual predominou sobre o Estado Social (viés não-intervencionista).
A CEE é uma das principais inovações políticas internacionais do século XX, que fora apresentada
pelo Tratado de Roma com uma organização económica, porém disfarçadamente seria uma forte
organização política de caráter supranacional com órgãos próprios (Comissão Europeia – missão
de zelar pelos interesses comuns; Conselho de Ministros – interesse dos Estados; Assembleia
Parlamentar – funções consultivas e deliberativas; Tribunal de Justiça – zelar pelo respeito aos
princípios do direito europeu) e políticas de execução obrigatória.
“Organizações supranacionais consistem em organizações que limitam a soberania dos seus
membros, sendo representadas pelas Comunidades Europeias (CECA, CEE e CEEA). A limitação
ocorre por transferência de poderes dos Estados membros, existindo uma relação de
subordinação do Estado face a Organização – há relações verticais de poderes. Nesses casos (i)
apresentam uma estrutura jurídico-política semelhante à dos Estados, com separação e
repartição de poderes, com um sistema legislativo competente para aprovar normas gerais,
abstratas e obrigatórias para os Estados membros, e um sistema judicial de jurisdição
obrigatória; (ii) votação por maioria, que representa uma vontade internacional da organização,

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não a mera vontade dos Estados que a compõe; (iii) as deliberações da organização de conteúdo
legislativo, administrativo e regulamentar são obrigatórias e gozam de aplicabilidade direta na
ordem interna dos Estados; (iv) todos os sujeitos de direito internacional tem acesso a jurisdição
dos tribunais.”
Pontos essenciais do Tratado de Roma: (i) Inspiração fortemente liberal, apesar de ser
concebido sob um modelo social europeu, e com base no princípio da concorrência e das quatro
liberdades de circulação (mercadorias, pessoas, capitais e liberdade de estabelecimento; (ii) ter
como única política comum a Política Agrícola Comum, facto que beneficiava a França e um
grupo europeu minoritário/escasso de agricultores; (iii) Escassez de receitas atribuídas a
comunidade europeia, facto que impedia os anseios ambiciosos previstos; (iv) Criação do
Tribunal de Justiça, responsável por impulsionar a integração e criar uma supremacia do direito
comunitário – seria responsável por afirmar a soberania do direito comunitário sobre o direito
nacional, criando uma espécie de Constituição Económica Europeia que se sobreporia a
Constituição Econômica dos Estados; (v) A Comissão é o órgão executivo da CEE que propõe atos
comunitários ao Conselho de Ministros, com poder de execução de políticas públicas e de
fiscalização quanto a aplicação dos tratados – os comissários são nomeados por comum acordo
pelo Governos dos Estados-Membros e sujeitos a apreciação pelo Parlamento Europeu.
Ponto controverso de análise da Comunidade Económica Europeia: É notável uma junção entre
intergovernamentalismo e federalismo supranacional, que ocorre pela relação e natureza de
cada órgão da Comunidade Europeia. A principal anomalia seria a falta de um Parlamento
democraticamente eleito pelos cidadãos dos Estados-Membros, que é substituído por uma mera
Assembleia cujos representantes são indicados por parlamentos nacionais. Além disso, possui
uma Comissão com poderes supranacionais suspeitos, que dirige aspetos administrativos de
negociação de acordos externos e garantia de tratados (com poderes de investigação e controlo).

EFTA (Associação Europeia do Comércio Livre): Consiste numa das alternativas a Comunidade
Europeia impulsionada pelo Reino Unido, que fora recusado pela França em suas primeiras
tentativas de aderir as Comunidades. Visto o isolamento britânico, este impulsionou a criação
dessa alternativa de acordo aduaneiro entre os países que ficaram por fora das Comunidades
(que era maioria da Europa). Com o tempo, os países da EFTA foram aceites nas Comunidades,
conduzindo a um gradual esvaziamento da EFTA – Com o Brexit ouve uma estipulação do retorno
do Reino Unido, o qual se juntaria a Noruega, Islândia e Liechtenstein (Estados remanescentes).
Nota-se que Portugal fez parte da EFTA, porém aderiu em 1972 as Comunidades junto com o
Reino Unido – ainda assim, considera-se essencial a entrada de Portugal na EFTA para
demonstrar a sua influência na reestruturação europeia, uma vez que estava apagado do
cenário.

Europa Militar: É um tema controvertido no que toca os dias de hoje, visto que a cooperação
militar é sensível aos interesses difusos dos Estados europeus. Inicialmente, em 1952, fora
negociada a existência da Comunidade Europeia de Defesa, a qual fracassaria, mas daria espaço
para a União da Europa Ocidental, de cariz militar com a presença dos seis países da CECA e da
Grã-Bretanha. A União da Europa Ocidental viria a ser anexada como uma área de atuação da
União Europeia, que teve relevância em 1992 com a Declaração de Petersberg ao determinar a
disposição de tropas militares em comum entre os países da UEO e da NATO para o mais vasto
ramo de missões com uso da força. As missões de Petersberg foram atualizadas pelo Tratado de

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Lisboa (arts. 42º e 43º ao implementar certos tipos de missões) e relacionadas às cláusulas de
solidariedade previstas no art. 222/1 TFUE quanto a atuação em conjunto da UE para prevenir
ameaças terroristas.
Em 2017, o tema de cooperação de defesa da União Europeia acentuou-se com o
estabelecimento da Cooperação Estruturada Permanente (CEP) na União Europeia, com vista o
reforçamento da cooperação militar entre os Estados-Membros, de modo quase livre para a
formação de um “Exército Europeu” – tal projeto foi aprovado por diversos Estados, incluindo
Portugal. A CEP é um projeto de cooperação de defesa puramente europeu, cuja influência
norte-americana é afastada devido ao foco autónomo do projeto (“É mais barato produzir um
drone europeu do que importar um drone americano”) – há interesses suspeitos por parte dos
vários países, porém são inegáveis as vantagens industriais e de eficácia que tal projeto conduz.

Conselho da Europa: Em 1949, a partir do Tratado de Londres, instituiu-se o Conselho da Europa,


que apresentou como diferencial um caráter moral e não-económico, cujo critério de acesso é o
respeito pela democracia, apenas. Atualmente é composto por 47 membros, sendo que Portugal
entrou apenas em 1976 com o fim da ditadura salazarista. Criou-se sobre o pressuposto de uma
organização intragovernamental, diferenciando-se materialmente das outras organizações
europeias.
Sua atual sede localiza-se em Estrasburgo. Essa organização tem um objetivo político de
“alcançar uma união mais estreita entre os seus membros a fim de salvaguardar e de promover
os ideais e os princípios que constituem seu patrimônio comum e de favorecer o seu progresso
econômico e social” (art. 1º/a Estatuto do Conselho da Europa).
“Organizações intragovernamentais, que consistem em organizações de mera cooperação
jurídica entre os Estados membros, não havendo uma limitação da soberania dos membros, visto
que estão numa relação horizontal de poderes. Nesses casos (i) os órgãos da organização são
constituídos por representantes nomeados pelos Estados membros, (ii) a organização não
interfere diretamente na ordem jurídica dos Estados; (iii) as decisões e deliberações da
organização não possuem caráter obrigatório, mas sim de meras recomendações a serem
adotadas (exceção às resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas) –
ONU, OCDE, OTAN, OEA, OUA, EFTA, etc.”
A principal obra do Conselho Europeu é, com certeza, a Convenção Europeia dos Direitos
Humanos, a qual entrou em vigor em 1953 e intensificou/complexificou o direito comunitário
visto a sua força como norma e a sua forte recepção pela jurisprudência comunitária. Tal
convenção e a atuação de manutenção dos órgãos do Conselho Europeu face a esta foram
essenciais para a sensibilização democrática na Europa em restruturação, que atualmente ainda
se mostra como um corolário do direito internacional e comunitário.

Convenção Europeia dos Direitos do Homem: Por ser um tratado internacional está sujeita as
normas de Direito Internacional dos Tratados (CVDT). Conforme o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) no caso Irlanda c. Reino Unido, a Convenção cria obrigações objetivas para os
Estados signatários, obrigações essas integradas num sistema de fiscalização e de execução, as
quais, por força do art. 62º CEDH, prevalecem sobre outras obrigações internacionais de fonte
convencional assumidas pelos Estados.

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 A doutrina considera a CEDH um tratado “self-executing”, que goza de efeitos direitos na
ordem interna dos Estados signatários, ou seja, gera direitos e obrigações para os
particulares, podendo estes invocarem as disposições da Convenção nos tribunais nacionais.
O grau hierárquico da CEDH varia entre os Estados, tendo grau supraconstitucional nuns e
infra em outros. É possível considerar que a CEDH é uma norma de ius cogens regional, com
caráter imperativo para os Estados europeus. Segundo os Professores André Gonçalves
Pereira e Fausto de Quadros, a CEDH está num plano supraconstitucional na ordem interna
portuguesa.

Tribunal dos Direitos do Homem (TEDH): Consiste no órgão de interpretação e de aplicação da


Convenção e seus dezesseis protocolos adicionais aos casos em que os Estados partes na
Convenção (se tiverem aceite a jurisdição do Tribunal) ou a Comissão, ou uma pessoa singular
ou coletiva, ou uma ONG, ou qualquer grupo de pessoas, lhe submetam (arts. 45º a 48º CEDH).
O TEDH limita-se a constatar e a declarar uma infração à Convenção e condena o Estado infrator
à reparação dessa infração, desde que o Estado haja reconhecido a jurisdição do tribunal (arts.
46º e 50º Regulamento do TEDH) – a sentença do Tribunal tem autoridade de caso julgado para
o Estado em questão, ou seja, a sentença é obrigatória para o Estado e não produz efeitos erga
omnes. A sentença é obrigatória para o Estado respetivo, significando que o Estado tenha a
obrigação de espontaneamente lhe dar imediata e automática execução (art. 53º CEDH).
Consequentemente, a Comissão tem os poderes de velar pela execução da sentença pelo Estado
infrator, devendo exercer o poder de (i) providenciar que o Estado infrator satisfaça a reparação
razoável em que terá sido condenado, e (ii) verificar se o Estado tomou as medidas para repor a
legalidade infringida e para prevenir que infrações idênticas venham a se repetir
Desde 1998, todos os residentes dos Estados signatários que se considerem vítimas de uma
violação da convenção e já tenham esgotado todos os seus recursos internos podem recorrer ao
TEDH, porém deve-se esclarecer que há muitas controvérsias quanto a essa possibilidade, uma
vez que a justiça é lenta e, normalmente, apenas pessoas com alto poder aquisitivo podem
investir em advogados por um período tão prolongado (as decisões demoram exageradamente).
Comissão Europeia dos Direitos do Homem: Não é um órgão permanente, eleito por cada
cidadão representante de cada Estado signatário, com a função de analisar as queixas
apresentadas por infração à Convenção, desde que o Estado visado tenha reconhecido a
competência da Comissão para tal efeito (art. 25º), de modo a verificar se o queixoso reúne as
condições de acesso ao TEDH a fim de obter uma reparação pela violação em causa.

Integração Europeia de Portugal: Portugal sofreu certo retardamento na sua integração em


função de dois fatores (i) ausência de democracia em função da ditadura salazarista e (ii)
persistência na colonização dos territórios ultramarinos. Após décadas de evolução das
instituições europeias de integração política e económica, Portugal mantinha-se isolado na
península ibérica, onde apenas iniciaria seu processo de adaptação às novas demandas
comunitárias após a Revolução de 25 de Abril – o quadro democrático e de descolonização foram
fatores essenciais para o foco no desenvolvimento nacional e eurocomunitário.
O primeiro passo pós-ditadura para a integração portuguesa foi o pedido de adesão ao Conselho
da Europa, que agia como organização portadora da consciência moral da Europa no que toca a
democracia. Em 1976 foi aprovada a sua adesão, que serviria, também, como pressuposto para
uma tentativa de adesão às Comunidades (principal foco português).

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Após longas negociações internacionais, em 1977 iniciou-se e concluiu-se o processo de adesão
às Comunidades, que apresentou alta receptividade aos ideais dos órgãos comunitários. Como
consequência ao pedido, a Espanha e Grécia, por exemplo, também apresentaram pedidos, facto
que levaria à uma segunda fase das Comunidades: uma fase de nações heterogêneas, excluindo
o domínio de países ricos. A adesão portuguesa apresentou reflexos positivos (apoio financeiro)
e negativos (dificuldades de adaptação aos padrões de produtividade comunitários, sobretudo
no setor primário).

I.2 TRATADOS NO PLANO EUROPEU


Ato Único Europeu (AUE) – Após 30 anos da entrada em vigor do Tratado de Roma, que instaurou
a Comunidade Económica Europeia, elaborou-se uma primeira revisão para a adequação às
necessidades então presentes de integração económica, cujo Tratado Único viria a ser assinado
em 1986. O AUE teve como principal objeto o aumento do número de casos em que o Conselho
Europeu possa assumir uma tomada de decisões por maioria qualificada, deixando-se de exigir
unicamente decisões por unanimidade o que acelerou o processo de integração econômica e
política na Europa. Em última análise, o Ato Único Europeu ajudou a pavimentar o caminho para
o estabelecimento do Mercado Único Europeu em 1993 através do Tratado de Maastricht.
Tratado de Maastricht – Com o decorrer da integração económica e política europeia através
das mais diversas organizações e os seus tratados, a comunidade política europeia percebeu-se
apta para a realização do desejo inicial de todo esse processo: a criação de uma união econômica
e política (União Europeia). Apostou-se na criação de uma moeda única (Euro) para a unificação
completa da Europa, tanto económica como política – cada Estado foi confrontado por vantagens
e desvantagens e interesses contrastantes entre si, contudo, receberam relativamente bem tal
projeto. O jurista Jacques Delors determinou incisivamente a necessidade simultânea da adoção
de uma moeda única com o seu banco central.
Além disso, é importante referir que às Comunidades enfrentaram um dilema político de
abrandamento das fronteiras para a adesão de novos Estados à eventual União, ou seja, as
grandes nações haveriam de alargar para receber Estados Ocidentais que estiveram por fora do
processo de reconstrução europeia por determinados motivos e Estados do Leste Europeu que
estiveram sob influência soviética.
O processo de negociação de um tratado quanto a união política e econômica europeia culminou
na aprovação do Tratado de Maastricht em 1991, que entraria em vigor em 1993. Esse tratado
rompeu fortemente os pressupostos do Tratado de Roma, uma vez que conectou ambições
económicas com ambições políticas num único ato.
 A União Europeia nasceria assente em três pilares: (i) Comunidades – CEE e CECA; (ii) Política
Externa e de Segurança Comum - PESC; (iii) Cooperação Policial e Judiciária em matéria penal
- JAI.
 Características da UE previstas no Tratado de Maastricht: (i) direito de livre circulação e
residência para os cidadãos europeus; (ii) direito de voto ao Parlamento Europeu; (iii) direito
de apresentar queixa ao Provedor de Justiça Europeu; (iv) direito de proteção consular em
Estado terceiro; (v) reforçamento do Parlamento Europeu face a Comissão Europeia
 A moeda única viria ser implementada num pacote complementar denominado União
Económica e Monetária (UEM).
 É perceptível um evento em cadeia de revisões constitucionais internas dos Estados-
Membros após a ratificação do Tratado de Maastricht, revelando a novidade da supremacia

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do Direito Comunitário face o Direito Constitucional – os “donos do tratado” são os Estados,
não devendo haver limitação da sua soberania em nada, porém até que ponto? A
experiência com a UE não demonstrou isso, mas sim um gradual federalismo no sentido de
perda da soberania estatal.
Tratado de Maastricht incorporou nos tratados institutivos as seguintes alterações:
i. Criação da União Europeia e consagração oficial do nome + Alteração do nome
Comunidade Económica Europeia para apenas Comunidade Europeia.
ii. Método de integração e de políticas de cooperação intergovernamental no âmbito
da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e Justiça e Assuntos Internos (JAI);
iii. Referência expressa ao objetivo de proteção dos Direitos Fundamentais;
iv. Afirmação de princípios fundamentais de delimitação das competências entre as
Comunidades Europeias e os Estados-Membros;
v. Definição do plano e objetivo da instauração da União Económica Monetária (que
viria a ser consagrada em 1999 – instituição de moeda única);
vi. Reforço do Parlamento Europeu face o Conselho (processo de co-decisão);
vii. Aceitação de cláusulas de opt-out (exclusão voluntária)

Tratado de Amsterdam – Consistiu num dos tratados de revisão do Tratado de Maastricht, que
foi recebido em 1997 com pouco entusiasmo visto as suas alterações mínimas. Ainda assim, é
notável a adição de disposições para a recepção de novos países ex-integrantes do bloco
soviético, além de dar ênfase a necessidade de aplicar o voto por maioria qualificada no
Conselho, tendo-se em consideração que já era impossível chegar à unanimidade face ao
número elevado de países que já compunham as Comunidades.
Tratado de Nice – Assim como o Tratado de Amsterdam, também visou rever o Tratado de
Maastricht, porém com alterações ainda menos impactantes. Manteve a linha de alargamento
da União para os candidatos do Leste Europeu e para os do Sul Europeu. Assinado em 1999.

*Desaparecimento do Estado Social (crítica) - No início da restruturação europeia notam-se


tentativas falhadas de construção de uma ordem jurídica internacional conciliável com as
premissas do Estado Social, agindo continuamente numa prática comercial liberal. O Professor
Eduardo Paz Ferreira aponta a inexistência de qualquer organização internacional de regulação
económica e financeira que respeite os direitos oriundos da conceção de Estado Social. Há o
contrário do expectável, como, por exemplo, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em
conjunto com o Banco Mundial e Comissão Europeia em que se apercebe a adoção de uma
corrente ultraliberal (abertura das fronteiras comerciais; desregulação do mercado de trabalho
e privatização dos serviços públicos – faz desaparecer as possibilidades de políticas públicas).

*Teoria da integração económica - Há quatro tipos de fases de evolução da integração


económica na Europa, perceptíveis pelo decorrer da história:
i. Zona de Comércio Livre: Concebida como uma fase transitória de integração em razão
de sua insustentabilidade a longo prazo, que, prevendo uma livre circulação de
mercadorias nas relações entre os Estados participantes, termina por complexificar-se

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intensamente ao comercializar livremente com uns e com pautas aduaneiras com outros
terceiros – A EFTA estabeleceu uma Zona de Comércio Livre limitada a produtos
industriais.
ii. União Aduaneira: Prevê uma livre circulação de todos os produtos, aplicando uma pauta
aduaneira comum na relação com todo o mundo exterior.
iii. Mercado Comum: Consiste numa união aduaneira acrescida de livre circulação de capital
e mão-de-obra – nas Comunidades Europeias assentou nas quatro liberdades,
respetivamente a de livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais.
iv. União Económica e Monetária: Constitui a modalidade mais avançada de integração
económica, ao alinhar políticas econômicas, sociais, financeiras e monetárias,
conduzindo até a uma padronização legislativa com forte dependência da contribuição
parlamentar nacional de cada Estado.
A União Europeia abrange características da União Aduaneira, Mercado Comum e União
Económica.

Constituição da Europa – Consistiu num projeto ambicioso, porém frustrado de definição de


uma supranacionalidade, que rapidamente foi recusado por referendos em diversos países,
como França e Dinamarca. Visava estabelecer um único Tratado da Constituição para os países
europeus, revogando os tratados anteriores e abandonando a estrutura de pilares criada em
Maastricht, sobretudo quanto ao segundo (PESC) e terceiro pilar (JAI), os quais seriam
“comunitarizados”. Foi recusado pela maioria dos países, entretanto, os fatores positivos
apresentados viriam a ser adotados pelo Tratado de Lisboa em 2007, que viria a se aproximar de
uma Constituição Europeia ao unir todas as normas respeitantes a si, como o TUE e TFUE.
Visava a junção da União Europeia com a Comunidade Europeia, existindo apenas a
personalidade jurídica da UE; determinou símbolos próprios; visava autonomizar a EUROTOM,
entre outros.

Tratado de Lisboa – Após o drama da tentativa de instauração de um Tratado Constitucional


comum aos Estados da União Europeia, que fora rejeitado fortemente visto o seu viés federalista,
pretendeu-se um elaborar um Tratado Reformador dos outros tratados em vigor. Para isso, em
2007 fora assinado pelos 27 Estados-membros da UE o Tratado de Lisboa, que implantaria uma
série drástica de medidas, aproximando-se do ideal anterior de Constituição Europeia, porém
dessa vez com o cuidado na linguagem (não referenciar termos federalistas ou estaduais) e com
maior respeito ao estatuto jurídico da União Europeia. Apesar dos cuidados, teve de ser
fortemente negociado para que houvesse unanimidade em sua aprovação, de modo que apenas
entraria em vigor em dezembro de 2009.
O Tratado de Lisboa difere da Constituição Europeia em: (i) exclusão do artigo referente aos
símbolos da União; (ii) os atos normativos da União não assumem o nome de leis europeias ou
leis-quadro europeias; (iii) o Ministro dos Negócios Estrangeiros será o Alto Representante da
União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança; (iv) retirada da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia de certos tratados subjacentes; (v) exclusão do princípio do
primado.
O Tratado de Lisboa iguala-se ao pretendido na Constituição Europeia em: (i) Unificação da União
Europeia à Comunidade Europeia, existindo apenas a União Europeia com uma personalidade
jurídica própria reconhecida expressamente; (ii) EURATOM mantém-se como uma instituição

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autónoma; (iii) inclusão das expressões de respeito pela igualdade e dignidade humana, cujo
acatamento seria uma condição obrigatória para a adesão dos novos Estados; (iv) inclusão de
um capítulo sobre a atuação externa da UE, nortada pela atuação da PESC.
Atualmente, quando falamos dos "tratados", referimo-nos aos dois textos fundadores em vigor:
o Tratado da União Europeia e o Tratado do Funcionamento da União Europeia, ambos
integrados no chamado Tratado de Lisboa, de 2007. O Tratado da União Europeia corresponde
ao tratado fundador aprovado com o Tratado de Maastricht de 1993. Já o Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia (TFUE), é a designação dada ao antigo Tratado de Roma que
instituiu a CEE. Com o Tratado de Lisboa, desaparece a Comunidade Europeia, sucedendo-lhe
apenas a União Europeia.
Se os dois tratados se referem à União Europeia, por que não unificá-los num único texto? A
razão de ser da atual dualidade prende-se com o malogro do chamado Tratado Constitucional,
chumbado em referendos organizados na França e nos Países Baixos. O conteúdo mais
consensual desse tratado acabou por ser aproveitado pelo Tratado de Lisboa, que reformulou
os principais textos em vigor nos atuais Tratado da União Europeia (TUE) e Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia (TFUE).
 O Conselho Europeu é reconhecido como instituição, com papéis essenciais no seio da
União.
 O Tribunal de Justiça das Comunidades passa a ser o Tribunal de Justiça da União Europeia
(TJUE) – Tal tribunal abrange o Tribunal de Justiça, Tribunal Geral e tribunais especializados.
 Repartição clarificada das competências: (i) competência exclusiva da UE; (ii) competência
partilhada da UE e dos Estados-Membros; (iii) competência complementar.
 Previsão expressa de adesão da União à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)
– art. 6º/2 TUE.
A Professora Maria Luisa Duarte cita uma quebra relevante do Tratado de Lisboa para com o
modelo tradicional da União Europeia, nomeadamente: a quebra dos três pilares clássicos. A
estrutura de pilares eurocomunitária possibilitava um modelo de dualidade metodológica
assimétrica entre opção comunitária e opção intergovernamental, sendo o primeiro pilar as
matérias submetidas ao método comunitário de decisão (iniciativa da Comissão; maioria
qualificada para deliberação do Conselho; co-decisão do Parlamento Europeu e Conselho;
jurisdição obrigatória do Tribunal de Justiça), o segundo pilar seria a Política Externa e de
Segurança Comum (PESC) e, por fim, o terceiro pilar, a Cooperação Policial e Judiciária em
Matéria Penal – os dois últimos pilares seriam fundados numa base intergovernamental, ou seja,
com influência da soberania dos Estados.
O Professor Eduardo Paz Ferreira argumenta que é uma falsa quebra de pilares, no sentido
destes estarem presentes, porém invisíveis, existindo ainda uma alternância entre
comunitarismo (ausência de soberania dos Estados) e intergovernamentalismo (presença de
soberania dos Estados) em determinadas matérias – Em matérias do segundo e terceiro pilar,
para que haja deliberação do Conselho, é necessário haver unanimidade (art. 31º/1, 42º/4 TUE
e art. 87º/3, 89º TFUE).
 Dualismo metodológico – O Tratado de Lisboa visa “robustecer” a União Europeia através
de tal método, ao conferir mais poderes para a UE, poder cedido pelos Estados-Membros
mediante a garantia de controlar o exercício de tais poderes ou, mesmo, de os recuperar
(freios intergovernamentais).

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*Alargamento da União Europeia: A integração europeia iniciou-se com as Comunidades
compostas por seis países, que gradualmente expandiu-se e, atualmente, é composta por 27
países (na União Europeia). No Tratado de Maastricht, em seu 19º artigo, prevê-se as condições
para candidatura à UE. Porém, recorre-se aos “critérios de Copenhaga”, determinados no
Conselho Europeu de Copenhaga em 1993, que determina três critérios para a candidatura:
i. Critério político - Estabilidade das instituições que garantem a democracia, o Estado de Direito,
os direitos humanos e o respeito pelas minorias
ii. Critério económico - Economia de mercado que funcione ativamente e a capacidade de fazer
face à pressão concorrencial e às forças de mercado da EU.
iii. Critério do acervo comunitário - Capacidade de assumir obrigações decorrentes da adesão,
incluindo a capacidade de aplicar eficazmente as regras, normas e políticas que compõe o corpo
legislativo da UE, e a adesão aos objetivos de união política, econômica e monetária.
 Norma de adesão (art. 49º TUE) e Norma de recesso (art. 50º TUE)

*União Europeia pós-Tratado de Lisboa (2008 – 2020): Após a principal reforma dos tratados
assinada em Lisboa, a UE não apresentou descanso, visto que enfrentou crises sucessivas.
 Crise económica de 2008 – O crash financeiro dos EUA afetou fortemente a Zona Euro,
sobretudo Estados com economias dependentes e sensíveis, como Portugal, Espanha, Itália,
Irlanda e Grécia. Para impedir uma rutura de pagamentos por partes desses Estados, a
Comissão Europeia, junto do Banco Central Europeu e Fundo Monetário Europeu, instaurou
o resgate financeiro da Troika. Estabelece uma série de medidas (i) criação do Mecanismo
Europeu de Estabilidade – art. 136º/3; (ii) aceitação de regras de equilíbrio orçamental; (iii)
Reforçamento dos poderes da Comissão de controlo do orçamentos dos Estados; (iv)
Reforçamento do Banco Central Europeu como regulador e gestor de dívidas soberanas na
União Bancária.
 Crise dos refugiados de 2015 – Desencadeado pelos conflitos na África e países do Oriente
Médio, como Síria e Líbia, uma massa de imigrantes em péssimas condições fugiram dos
horrores da guerra em direção a Europa, ocasionando um fluxo desenfreado e caótico, que
necessitou de medidas imediatas de acolhimento e gestão de pessoas. A União Europeia
estabeleceu normas de controlo de fluxo migratório fundadas no princípio base da
solidariedade (art. 67º/2 e 80º TFUE), porém sua aplicação não foi tão bem-sucedida,
havendo a recusa de diversos países de realizar auxílio – A reputação da UE foi manchada
pelo desrespeito aos Direito Humanos e inutilidade da conceção de solidariedade.
 Crise do Brexit de 2016 a 2020 – A saída do Reino Unido da UE ocorreu num processo longo
e especulativo, uma vez que os interesses eram difusos e imprevisíveis. O processo de saída
foi realizado nos termos do art. 50º TUE, porém muito atribulado. Os danos de sua saída em
2020 não foram expressamente tão graves, pois houve preparação para tal ao longo dos
anos, demonstrando uma forte coesão dos Estados-Membros da UE quanto as suas posições
adotadas.
 Crise do Covid-19 – Tal crise foi a mais grave das últimas décadas, a qual exigiu forte
cooperação entre Estados e União Europeia. É notável que as medidas foram extremamente
descentralizadas, variando conforme os territórios e atuações nacionais, contudo, é possível
determinar que por parte da UE houve (i) aquisição centralizada de vacinas; (ii) programas
de apoio à produção e distribuição de material de proteção; (iii) profunda cooperação das

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agencias europeias de saúde pública; (iv) pacotes de financiamento aos Estados para a
sanação de dívidas; entre outros.

II. ESTRUTURA INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPEIA


Para que haja a correta prossecução dos fins e objetivos comuns aos Estados-membros, há um
constante desenvolvimento da eficácia, competência, transparência e democracia das
instituições comunitárias (uma instituição é determinada conforme um critério de autonomia).
Junto das instituições da União Europeia existem uma série de órgãos auxiliares, comités e
agências especializadas.
É especificado pelo art. 13º/1 TUE o elenco formal de instituições componentes da União
Europeia, que serão analisadas a seguir:
i. Parlamento Europeu
ii. Conselho Europeu
iii. Conselho
iv. Comissão Europeia
v. Tribunal de Justiça da União Europeia
vi. Banco Central Europeu
vii. Tribunal de Contas

i. Parlamento Europeu
O Parlamento Europeu consiste num dos órgãos com maior foco histórico, no intuito de
desenvolver um reforço de seus poderes e uma aproximação constitutiva do modelo de
organização política de um Estado. É composto no máximo por 751 deputados eleitos pelos
cidadãos da UE por um período de 5 anos, nos termos do art. 14º/2 e 3 TUE (princípio
democrático da eleição direta e universal – nem sempre foi assim, antes era indireto pelos
parlamentos nacionais – é a única instituição comunitária com legitimidade democrática) –
qualquer cidadão da UE pode votar e ser eleito. Há normas quanto a repartição de assentos
parlamentares entre os Estados membros, atendendo um critério de equidade demográfica, cujo
art. 14º/2 TUE prevê (i) a representação dos cidadãos é degressivamente proporcional e (ii)
nenhum Estado pode, independentemente do número de cidadãos, ter mais de 96 lugares e
menos de 6 lugares. O Ato de 1976, em sua versão revisada em 2002, consagra a proibição de
cumular o mandato europeu com o mandato nacional.
Suas funções estão determinadas no art. 14º TUE, ao exercer (1) funções legislativas (juntamente
com o Conselho), (2) funções orçamentais, (3) funções consultivas e (4) funções de controlo
político.
Funções legislativas: O Parlamento manifesta seu poder através do procedimento legislativo
ordinário (art. 289º TFUE) e através de outros dispostos de reforçamento da exigência de
aprovação de acordos pelo Parlamento, como previsto no art. 216º/6/a TFUE. Contudo,
raramente o Parlamento legisla sozinho em sua totalidade, uma vez que no âmbito do
procedimento legislativo especial e ordinário é necessário a participação do Conselho, que
apresenta a decisão final – o Parlamento às vezes não participa, sendo convocado para intervir
apenas nos casos excecionais de harmonia previstos no art. 289º/2 TFUE. Por fim, o Parlamento

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tem sua força diminuída ao prever-se a sua falta de competência para apresentar iniciativas
legislativas, exceto nos casos previstos no art. 289º/4 TFUE.
O quórum deliberativo é de 1/3 dos membros que compõe o Parlamento (art. 178º Regimento
do Parlamento Europeu). A regra geral de deliberação é a da maioria dos votos expressos (art.
231º TFUE), porém os Tratados e Regimentos Internos preveem outras maiorias, como no caso
de maior responsabilidade política, em que há maior exigência – é necessário a maioria dos
deputados que compõe o Parlamento para a rejeição da proposta do Conselho no processo
legislativo ordinário (art. 294º/7/b TFUE); é necessário 2/3 dos votos expressos que representem
a maioria dos membros que compõe o Parlamento para a aprovação da moção de censura que
dita a destituição coletiva da Comissão (art. 234º TFUE).
Há três situações que o Parlamento tem poder decisório exclusivo, sem necessidade de co-
decisão: (i) definição do estatuto e condições gerais do exercício das funções pelos seus
membros (art. 223º/2 TFUE); (ii) determinação das regras do exercício do direito de inquérito
(art. 226º TFUE); (iii) definição do estatuto e condições gerais do exercício das funções do
Provedor de Justiça (art. 228º/4 TFUE) – nota-se que a primeira e segunda situações dependem
de parecer positivo anterior de outras instituições, que, no entanto, não compõe a decisão final
do Parlamento.
Funções orçamentais: É uma das principais funções do Parlamento que, de acordo com o art.
310º TFUE, elabora o Orçamento Anual da União, juntamente com o Conselho (art. 314º TFUE),
prevendo-se uma equiparação de poder entre o Parlamento e o Conselho.
Funções de controlo político: Sempre houve fortes competências de controlo por parte do
Parlamento, e que o Tratado de Lisboa veio a reforçar ainda mais. Compete ao Parlamento
fiscalizar a Comissão e o Conselho através da possibilidade de instauração de uma moção de
censura à Comissão, ou seja, é atribuído uma responsabilidade política da Comissão perante o
Parlamento. Também, novamente, é previsto no art. 17º/8 TUE a responsabilidade da Comissão
como órgão colegial perante o Parlamento, que poderá votar uma moção de censura nos termos
do art. 234º TFUE. Cabe ao Parlamento nomear o Presidente da Comissão e adotar uma lista dos
demais membros a serem nomeados com base nas sugestões de cada Estado-membro (art.
17º/7 TUE). Por fim, o Tratado de Lisboa veio a possibilitar ao Parlamento, a constituição de
comissões de inquérito temporárias, de acordo com o art. 226º TFUE, e exigir a apresentação de
informações e relatórios a outros órgãos da União; e também controla outros órgãos
suplementares, como a Europol e Eurojust, cabendo-lhe a eleição do Provedor de Justiça (art.
228/1 TFUE).
Funções consultivas: Há diversas disposições nos tratados que determinam a participação do
Parlamento como órgão de consulta.
 Outros – aprovação de alterações aos Tratados pelo processo simplificado (art. 48º/7 TUE);
aprovação do acordo de retirada de um Estado-Membro (art. 50º/2 TUE); aprovação do
exercício de poderes novos pela União (art. 352º/1 TFUE); aprovação de um número
alargado de acordos internacionais (art. 218º/6 TFUE); entre outros.
 Atribuições de iniciativa contenciosa – O Parlamento apresenta atribuições face o Tribunal
de Justiça da União Europeia: (i) recorrer de qualquer ato jurídico da União destinado a
produzir efeitos, com fundamento em ilegalidade (art. 263º TFUE); (ii) direito de instaurar
recursos por omissão (art. 265º TFUE); (iii) solicitar ao TJUE parecer sobre a compatibilidade
de um acordo internacional com os Tratados; (iv) direito de participação em questões
prejudiciais (art. 267º TFUE); entre outros. Também, os atos e omissões do Parlamento são

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objetos de recurso para o TJUE (art. 263º e 265º TFUE) ou de ação indenizatória (art. 268º e
340º TFUE).

ii. Conselho Europeu


Consagrado formalmente através do Ato Único Europeu, o Conselho Europeu consiste na
instituição de maior cooperação política entre os Estados-membros da União Europeia, em que
se reúnem trimestralmente os Chefes de Estado e de Governo dos países membros, junto do
Presidente da Comissão Europeia e do Conselho Europeu. É uma instituição com legitimidade
intergovernamental. Nos termos do art. 197º/1/b CRP, quem representa Portugal no Conselho
Europeu é o Primeiro-Ministro
Suas atribuições estão previstas nos arts. 15º TUE e ss., que visam, sobretudo, a organização e
formação das demais instituições (não exerce funções legislativas):
(i) Conforme o disposto no art. 236º TFUE, deliberam as formações e presidências do Conselho;
(ii) designa a pessoa a ser eleito pelo Parlamento para Presidente da Comissão Europeia (art.
17º/7/§1 TUE); (iii) nomeia a Comissão Europeia (art. 17º/7/§3 TUE); (iv) nomeia o Alto
Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (art. 18º/1 TUE; (v)
nomeia a Comissão Executiva do Conselho do Banco Central Europeu (art. 283º/2/§2 TFUE); (vi)
decide sobre a abertura de um processo de revisão de Tratados (art. 48º/3 e 6 TUE); (vii) decide
a alteração de determinadas disposições dos Tratados utilizando um processo de revisão
simplificada donde necessita-se do assentimento de todos os parlamentos nacionais dos
Estados-membros para a aprovação (art. 48º/7 TUE); (viii) as condições de adesão e retirada dos
Estados dependem de sua decisão (art. 49º e 50º/2 TUE)
A regra de deliberação do Conselho Europeu é o consenso, ou seja, o acordo sem votação de
todos os membros (art. 15º/4 TUE); há ocasiões em que se exige votação e unanimidade, como
previsto nos arts. 7º/2 TUE e 24º/1 TUE - a abstenção ou ausência dos membros não impede a
constatação da unanimidade (art. 235º/1 TFUE). Nos termos do art. 236º exige-se maioria
simples para a aprovação do Regimento Interno e, conforme o art. 236º TFUE, maioria
qualificada para a decisão sobre a lista de formação do Conselho e outros casos do art. 17º/7
TUE e art. 18º/1 TUE.
A Professora Maria Luisa Duarte ressalta a problemática do crescimento histórico da influência
do Conselho Europeu, que tende a perverter e ameaçar converter gradualmente o modelo
comunitário de decisão em um modelo intergovernamental, onde cada vez mais os Estados
maiores têm um peso decisivo único, excluindo países menores da decisão, como Portugal.

iii. Conselho (Conselho da União Europeia)


Consiste na instituição composta por um representante de cada Estado-membro ao nível
ministerial (Ministros, Secretários, Vice-secretários), que haja poderes para vincular o governo
do respetivo Estado e exercer o direito de voto, conforme o art. 16º/2 TUE. No caso de um
Estado-membro não estar representado, é possível delegar a representação para outro Estado
quanto ao exercício do voto (art. 239º TFUE). É uma instituição com legitimidade
intergovernamental. Nos termos do art. 16º/1 TUE, o Conselho exerce funções legislativa e
orçamental, juntamente com o Parlamento Europeu – “exerce funções de definição das políticas
e de coordenação”.

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O Conselho é composto por formações distintas relativas ao tópico a ser tratado, sendo os três
principais: (i) Conselho dos Assuntos Gerais; (ii) Conselho dos Negócios Estrangeiros; (iii) ECOFIN
– Assuntos Económicos e Financeiros. Junto das formações do Conselho há órgãos de apoio para
a realização das atividades, como o COREPER – Comité de Representantes Permanentes – órgão
auxiliar; e o Secretariado-Geral – órgão burocrático.
Sua função legislativa (art. 16º/1 TUE) é reconhecida, em que no processo legislativo ordinário
prevê-se uma co-decisão com o Parlamento, sob proposta da Comissão (art. 289º/1 TFUE). O
Conselho pode legislar de modo exclusivo em forme de ato unilateral, no âmbito de processo
legislativo especial (art. 289º/2 e 81º/3 TFUE) – O art. 294º TFUE determina as etapas legislativas.
Também, no âmbito de sua função orçamental, atua em conjunto com o Parlamento Europeu
nos termos do art. 314º e 322º TFUE.
Apresenta funções de definição das políticas e de coordenação, previstas de modo geral no art.
26º/2 TUE, mas também em outras disposições, como no art. 121º TFUE (questões de política
económica são de interesse comum, logo devem ser coordenadas em Conselho), art. 150º TFUE
(políticas de emprego e mercado de trabalho) e art. 160º TFUE (políticas de proteção social).
Há diversas outras funções de relevo – (i) alargamento das competências das outras instituições
(art. 352º TFUE); (ii) competência para aprovar matérias de natureza constitucional quanto a
recursos próprios da UE (art. 351º TFUE) e eleição de deputados para o Parlamento (art. 233º/2
TFUE); (iii) poder de execução dos seus atos legislativos com reserva de execução de atos
juridicamente vinculados quando haja devida justificação (art. 291º/2 TFUE).
É importante notar a sua função de vinculação internacional: (i) na fase de negociação –
Conselho autoriza a abertura das negociações e controla o seu desenrolar (art. 218º TFUE); (ii)
na fase de assinatura – Conselho adota a decisão de autorização para a assinatura do acordo
(art. 218º/5 TFUE); (iii) na fase de conclusão – Cabe ao Conselho a decisão de celebração,
precedida nos casos previstos de aprovação pelo Parlamento Europeu (art. 218º/6 TFUE).

iv. Comissão Europeia


É a instituição concebido como guardiã das guardiãs dos Tratados, no sentido de ser a instituição
comunitária de maior ênfase quanto a garantia da boa aplicação e respeito ao Direito da União,
além de ter como dever atuar contra os sujeitos de direito que violem as normas e princípios
comunitários. É, também, considerada guardiã dos guardiões por estar intrinsicamente
relacionada a atuação destes, como do Provedor de Justiça, Procuradoria Europeia, Tribunal de
Justiça, entre outros.
A Comissão é composta por 27 membros (um nacional por cada Estado-membro conforme um
critério de base igualitária – art. 17º/4 TUE). Deve-se ter em conta que cada membro não
representa o seu Estado de origem, mas transportam para o Executivo da União (Comissão) os
conhecimentos específicos da realidade de seu Estado, devendo garantir a representação do
interesse de todos os Estados-membros. É uma instituição com legitimidade
eurocomunitária/supranacional - membros escolhidos em função da sua competência e estão
vinculados a um dever de independência, ao representar o interesse geral da União (art. 17º/1
e 3 TUE).
Os dispostos nos arts. 17º/3 TUE e 245º TFUE determinam os deveres de cada comissário: (i)
atuar com total independência; (ii) não solicitar, nem aceitar instruções de nenhum Governo,
instituição, órgão ou organismo; (iii) exclusividade, vedando-o de qualquer outra atividade,

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profissional ou não, remunerado ou não. A violação destes deveres acarreta na possibilidade de
demissão ou perda de benefícios por decisão do TJUE (art. 247º TFUE). Também, conforme o art.
245º TFUE, os Estados comprometem-se a não influenciar os membros da Comissão.
Para a composição da Comissão elege-se primeiramente um Presidente da Comissão pelo
Parlamento Europeu, nomeado para votação com base nos resultados eleitorais; em seguida, o
Presidente junto do Conselho da UE adotam uma lista de personalidades para propor a
aprovação do Parlamento Europeu; por fim, cabe ao Conselho Europeu nomear definitivamente
a Comissão por deliberação em maioria qualificada.
O Presidente da Comissão é dotado de fortes poderes e atribuições previstos no art. 17º/6 TUE.
Um dos fatores de extrema relevância deste é o denominado “Procedimento Prodi”, que
determina que o comissário que o Presidente pedir para se demitir deverá obrigatoriamente
pedir demissão (exceto se for o Alto Representante, cujo pedido apenas produzirá efeitos com o
acordo do Conselho Europeu – art. 18º/1 TUE). O disposto no art. 246º e 247º TFUE prevê as
causas de cessação individual das funções dos comissários (substituição normal; morte;
demissão voluntária e demissão compulsiva). O Tratado de Amsterdam fortaleceu-o
imensamente ao garantir a sua participação na escolha dos futuros comissários (art. 17º/7 TUE)
e ao submeter à Comissão a sua orientação política (art. 17º/6/a TUE). Além das suas funções
de presidência do órgão colegial, tem a força política de reunir-se as reuniões do Conselho
Europeu, comparece perante o Parlamento e atribui tarefas aos comissários (art. 248º TFUE). No
âmbito da distribuição de tarefas (“pelouros”), a responsabilidade pelas ações do órgão colegial
é sempre imputada à Comissão como um todo, visto o princípio da colegialidade (caso Akzo do
TJCE – “todos os membros do colégio são coletivamente responsáveis”.
Quanto a delegação de poderes no seio da Comissão – Consiste no maior desvio do princípio da
colegialidade, previsto no art. 14º do Regimento Interno da Comissão, o qual exige o respeito
pela responsabilização coletiva, independentemente de ser um ato individual. São permitidas
subdelegações a outros cargos que não dos comissários, caso permitido por decisão. O regime
aplicável a delegação de competências é analisado conforme a jurisprudência comunitária do
TJUE e antigo TJCE, que determina que a auto-organização da Comissão abrange: (i) o poder de
delegação desde que limitado a “simples medidas de gestão” – acordão do caso Akzo do TJCE
1986; (ii) o poder de criar órgãos subsidiários para a execução de tarefas decididas, desde que
claramente delimitados e não disponham de poder amplos – acordão do caso Meroni do TJCE
1958.
A Comissão é sempre a responsável coletivamente perante o Parlamento Europeu (art. 17º/8
TUE), visto que essa tem competência para votar uma moção de censura por objeto das
atividades da comissão de modo geral, que se aprovada provoca a destituição coletiva da
Comissão (art. 234º TFUE), sendo impossível o Parlamento votar a demissão de um comissário,
apesar de poder pressionar o Presidente da Comissão para acionar “procedimento Prodi” (art.
17º/6 TUE).
Competências da Comissão Europeia: Estão previstas de modo genérico as suas competências
no art. 17º/1 TUE que, em função do caráter genérico, favorecem demasiadamente a influência
da instituição, ainda mais pelo facto do seu desenvolvimento histórico tender naturalmente a
sua valorização através do estatuto de “guardiã dos Tratados”. Atualmente, após o Tratado de
Lisboa, verificou-se uma desvalorização intencional da instituição, primeiro pela valorização do
Conselho Europeu e segundo pela criação do Alto Representante.

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 Poderes de iniciativa: O art. 17º/2 TUE prevê o monopólio exclusivo da Comissão para a
iniciativa legislativa na União, com poucas exceções, como no caso previsto pelo art. 223º/2
TFUE e art. 289º/4 TFUE, em que a iniciativa pode partir de outras instituições e órgãos (arts.
107º, parágrafo quinto; 111º; 129º; 219º e 76º TFUE). Também, nos casos de atos jurídicos
não legislativos, o art. 17º/2 TUE prevê o direito de iniciativa da Comissão caso os Tratados
determinem. O Conselho apenas pode alterar a proposta da Comissão por unanimidade (art.
293º/1 TFUE), podendo a Comissão alterar livremente a sua proposta enquanto o Conselho
não a deliberar (art. 293º/2 TFUE).
 Poderes de controlo: Apresenta poderes subsidiários de controlo da aplicação das normas
eurocomunitárias pelos indivíduos e instituições, uma vez que cabe sobretudo aos tribunais
nacionais, TJUE e Parlamento Europeu (no que toca a responsabilização da Comissão perante
o PE).
 Poderes de execução: É considerado o órgão executivo da União, porém teve sua posição
fragilizada com o Tratado de Lisboa, em que nos termos do art. 291º TFUE determina a
competência à adoção de atos “quando sejam necessárias condições uniformes de execução
dos atos juridicamente vinculativos da União. Nota-se que a competência regra de adoção
de atos de execução pertence aos próprios Estados-membros em sua ordem jurídica (art.
291º/1 TFUE e art. 4º/3 TUE).
 Poderes em relações externas: Apresenta certas competências quanto aos processos de
vinculação internacional, nos termos do art. 218º TFUE, nomeadamente recomendar a
abertura de negociações. Apesar dos seus poderes na representação externa, com a criação
do Alto Representante, os poderes de representação da União junto de Estados terceiros e
organizações internacional foram transferidos para o Alto Representante (art. 221º TFUE).
Contudo, a Comissão ainda tem o poder de representação da União nas ordens jurídicas dos
Estados-membros, como a representação em Tribunal, conforme o art. 335º TFUE.

v. Tribunal de Justiça da União Europeia


O Tribunal de Justiça da União Europeia é composto por dois tribunais: o Tribunal de Justiça (TJ)
e o Tribunal Geral (TG), onde também é previsto a existência de tribunais especializados (não
existe nenhum em funcionamento atualmente). O duplo grau de jurisdição estabelece um grau
de recurso, sendo o TJ o grau superior de instancia de recurso da decisão do Tribunal Geral ou
como tribunal exclusiva sobre as matérias ou litígios mais importantes (arts. 258º e 259º TFUE e
art. 267º TFUE).
O TJUE tem como missão garantir “o respeito do direito na interpretação e aplicação dos
Tratados” (art. 19º/1 TUE). Sua jurisdição pode ser definida em quatro situações: (i) competência
por atribuição – art. 13º/2 TUE – o TJUE apenas pode atuar conforme as vias de direito
expressamente tipificadas ou previstas nos Tratados, o que inclui o seu Estatuto (possui força de
tratado nos termos do art. 51º TUE). Fora disso, compete aos tribunais nacionais interpretarem
e aplicarem – o sistema judicial da UE é um sistema descentralizado e plural com fundamento
no art. 274º TFUE, onde coexiste a jurisdição nacional com a eurocomunitária, devendo os
Estados garantirem a tutela jurisdicional efetiva (art. 19º/1 TFUE) – a articulação entre jurisdição
europeia e nacional ocorre através das questões prejudiciais (art. 267º TFUE) ao promover uma
discussão entre juízes; (ii) jurisdição obrigatória – os Estados ao se tornarem membros da UE,
aceitam automaticamente a jurisdição do TJUE, sendo obrigados a respeitarem as suas decisões
ao dirimir conflitos entre Estados-membros (art. 259º TFUE); Comissão e um Estado-membro
(art. 258º TFUE); Estados-membros e instituições (art. 263º, 265º e 268º TFUE), ficando de fora

18
apenas os litígios entre particulares e Estados-membros, que são submetidos aos tribunais
nacionais e podem alcançar o TJ através de questões prejudiciais (art. 267º TFUE); (iii) jurisdição
exclusiva – art. 344º TFUE – os Estados-membros assumem o compromisso de recorrer
exclusivamente ao TJUE para interpretação e aplicação de normas eurocomunitária; (iv)
jurisdição de última instância – os acórdãos e despachos do TJUE assumem caráter definitivo,
uma vez que são uma última instância.
Âmbito das competências do TJUE – Nos termos do disposto no art. 19º/3 TUE, há três áreas de
competência relevantes: (i) Recursos e ações interpostos por um Estado, instituição ou
particular; (ii) Processo das questões prejudiciais; (iii) Outras vias de direito – Apresenta
competências de natureza declarativa, como em pareceres (art. 218º/11 TFUE) e acórdãos (art.
267º TFUE) e de julgamento de recursos e ações no mais amplo âmbito contencioso. Apesar
disso, há certas áreas que sua jurisdição não alcança, como no controlo no âmbito da PESC.

vi. Banco Central Europeu


Em conjunto com os bancos centrais nacionais de cada Estado-membro cuja moeda seja o Euro
(Zona Euro), constituem o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), originando o Eurosistema
(é através desse sistema que é conduzida a política monetária da União – art. 282º/1 TFUE. Nos
termos do art. 282º/3 TFUE, o BCE tem personalidade jurídica própria, e tem como principal
atribuição o direito exclusivo de autorizar a emissão do Euro na União.
Apresenta independência institucional (personalidade e capacidade de decisão própria, além do
dever de não seguir instruções externas de qualquer outra entidade); independência
operacional (exercício autônomo de seus poderes); independência orçamental (não depende do
Orçamento da União, pois é provido de recursos próprios).

vii. Tribunal de Contas


Visa garantir um controlo financeiro na União Europeia, cujas competências podem ser
enquadradas como: (i) Controlo financeiro – envolve a fiscalização da totalidade das despesas
da União, incluindo as contas de qualquer órgão ou organismos criados pela UE – na prática não
apresenta poderes decisórios, visto que atua como órgão administrativo, não judicial ou político;
(ii) Função consultiva – elaboração de pareceres à outras instituições que o demandem.

Órgãos criados pelos Tratados (apenas os mais relevantes)

i. Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança


Aproxima-se da conceção de um Ministro dos Negócios Estrangeiros num modelo comunitário,
cujo órgão foi criado pelo Tratado de Lisboa. O Alto Representante é nomeado pelo Conselho
Europeu com acordo do Presidente da Comissão (art. 18º/1 TUE), o qual virá a presidir o
Conselho dos Negócios Estrangeiros participará como vice-presidente da Comissão, atuando de
modo coordenado entre o Conselho e Comissão para a condução da política externa e de
segurança comum da União (na qualidade de mandatário do Conselho. É um órgão controverso,
com caráter de legitimidade intergovernamental, legitimidade democrática e legitimidade
comunitária.

19
ii. Provedor de Justiça Europeu
Consiste num órgão singular e independente, sendo o seu titular eleito pelo Parlamento Europeu
nos termos do art. 288º/1 TFUE. Sua principal competência é receber queixas dos cidadãos da
União ou de qualquer pessoa singular ou coletiva com residência ou sede num Estado-membro.
Tal órgão visa proporcionar aos cidadãos da União uma instancia específica de receção de
queixas (art. 24º TFUE) e submeter o funcionamento da administração eurocomunitária a um
controlo por parte dos administrados e, por fim, uma aproximação dos particulares à ação
administrativa do decisor da União (art. 228º TFUE).

iii. Outros órgãos


Há uma série de órgãos a serem citados, cada um com sua área de atuação: Comité Económico
e Social; Comité das Regiões; Comité dos Transportes; Comité Económico e Financeiro; Comité
de Fundo Social Europeu; Comité do Emprego; Comité Político e de Segurança; Comité
Permanente; Agência de Aprovisionamento da Eurátomo; Banco Europeu de Investimento;
Comités Técnicos; Entre outros.

iv. Organismos personalizados


A criação de organismos dotados de personalidade jurídica e autonomia financeira tornou-se um
meio comum de viabilizar uma aplicação descentralizada dos objetivos e políticas da União.
Apresentam denominações variadas, como agências, instituto, observatório, fundação,
autoridade, etc. Sua criação visa uma descentralização funcional para alcançar respostas mais
rápidas aos problemas complexos atuais.
O mais comum é a instauração de Agências, que apresentam a forma de organismo de direito
público europeu, dotadas de personalidade jurídica própria e criadas por ato de direito derivado,
como regulamentos e decisões, para realizar tarefas específicas de caráter técnico, científico, de
regulação ou gestão – apresentam autonomia financeira e administrativa.

III. DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA


É nítido o poder da União Europeia, facto que exige a adoção de normas jurídicas próprias para
o seu funcionamento, tanto no sentido de funcionamento dos órgãos e instituições através de
normas internas e nas relações entre Estados por normas externas como, também, para o
funcionamento e alcance dos objetivos previstos inerentemente à existência da União Europeia
e o desenvolvimento ambicioso destes. A ordem jurídica própria comunitária desenvolveu-se
gradualmente através de revisões e atuação jurisprudencial do TJUE, sendo esse sistema dotado
de fontes de direito primário (resultantes dos Tratados dos acordos dos Estados) e de direito
derivado (resultantes de regras emanadas dos próprios órgãos da União, com aplicabilidade
direta e indireta nos Estados).
 Fontes de Direito Primário: Consistem no fundamento de todas as fontes de direito
derivado, as quais estabelecem, sobretudo, o funcionamento e competências dos órgãos da

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União Europeia. Resulta principalmente dos Tratados originários, respetivamente, o Tratado
da União Europeia, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, Tratados que
instauraram as Comunidades Europeias (Tratados de Paris, Roma e Maastricht), Tratados de
revisão (Tratados de Maastricht, Amsterdão, Nice, Lisboa e Ato Único Europeu), Tratados de
adesão dos Estados subsequentes, Tratados de disposições específicas financeiras e
orçamentais (Tratados de Luxemburgo e Bruxelas), entre outros.
 Fontes de Direito Derivado: Nos termos do art. 288º TFUE - “para exercerem as
competências da União, as instituições adotam regulamentos, diretivas, decisões,
recomendações e pareceres”, respetivamente, (i) os regulamentos possuem caráter geral e
obrigatório em todos os seus elementos e de aplicabilidade direta nos Estados-membros; (ii)
as diretivas vinculam os Estados-membros destinatários quanto ao resultado a se alcançar,
deixando livre aos meios nacionais as formas e os meios para se alcançar; (iii) as decisões
são obrigatórias em todos os seus elementos, porém apenas aos seus destinatários; (iv) por
fim, as recomendações e pareceres são consultivos e não vinculativos.

III. 1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE VINCULAÇÃO INSTITUCIONAL


A atuação das instituições, órgãos e organismos das União Europeia rege-se por regras e
princípios previstos nos Tratados e de outras normas, que também podem ser revelados pela
prática jurisprudencial comunitária – os princípios e normas comunitárias fundamentam e
limitam a atuação das entidades comunitárias.

1. Princípios da atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade (art. 5º TUE) –


Princípios angulares do sistema eurocomunitário de competências.
Princípio da atribuição – implica que não existe a possibilidade de atuar além daquilo que
foi atribuído pelos Estados-membros nos Tratados para alcançar os objetivos fixados. Sua
base jurídica está prevista nos arts. 4º/1 e 5º TUE. Sem base jurídica de atribuição, não
existe competência.
Princípio da subsidiariedade – implica na distribuição de poderes entre União e Estados,
devendo-se sempre procurar resolver os problemas o mais próximos possível dos
cidadãos.
Princípio da proporcionalidade – implica a proibição do excesso, ou seja, as atuações não
vão além do necessário. Prevê três requisitos a serem observados, que podem conduzir a
ilegalidade do ato: (i) adequação da medida adotada; (ii) necessidade da medida sem
causa; (iii) equilíbrio entre o fim visado e a medida aprovada.

*Observação quanto ao exercício de competência partilhadas (art. 4º/2 TFUE) entre a UE e


Estados-membros: (i) competência partilhada ainda não exercida pela União – enquanto a
competência não for exercida, os Estados-membros são livres de manter a regulação existente e
de a alterar; (ii) competência partilhada exercida pela União – se e na medida que o decisor da
União legislou, o decisor nacional foi desalojado do espaço de regulação normativa (efeito de
preempção), salvo se o ato da União permitir o decisor nacional a fazê-lo, com o objetivo de
completar ou desenvolver o regime jurídico comum; (iii) competência partilhada exercida pela
União e delegada aos Estados-membros – é possível a União, em sede de competência exclusiva,
delegar sua competência como competência partilhada, observando critérios de princípio de

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subsidiariedade e atuação complementar; (iv) competência partilhada que deixou de ser
exercida pela União – os Estados voltam a poder exercer a sua competência na medida em que
a União decidiu renunciar de fazê-lo

2. Princípio do equilíbrio institucional


Ao ter-se em conta que a União Europeia não consiste num Estado, não é exigível de si a adoção de
princípios tradicionais como da separação de poderes. A UE não é dotada de uma estrutura orgânica
típica, visto que seus órgãos e instituições não foram projetados para funções vocacionadas, havendo
uma relação comum entre instituições para o exercício das funções legislativas e executivas (entre
Conselho, Conselho Europeu, Parlamento Europeu e Comissão). A possível conceção de separação
orgânica-funcional na UE seria a dicotomia entre a função política-decisória (Conselho, Conselho
Europeu, Parlamento Europeu, Comissão e Banco Central Europeu) e função judicial, exercida pelos
Tribunais da União – tal modelo dicotômico aproxima-se ao modelo constitucional inglês na
bipartição entre função governativa (matters of policy) e função judicial (matters of law).
Esse princípio não está previsto expressamente, porém pode ser concluído no disposto do art.
13º/2 TUE – “Cada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas
pelos Tratados de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estabelecem” – o
disposto refere-se apenas a instituições, porém deve ser estendido para órgãos e organismo. O
Tribunal de Justiça, em seu acordão TJCE de 22.05.1990, que expressa “que cada órgão exerça as
suas competências no respeito da competências dos outros (...) no quadro de um sistema de
repartição das competências entre os diferentes órgãos da Comunidade e, no caso de se verificar
uma violação, esta deve ser devidamente sancionada”.
O art. 14º/2 TUE também pode ser concebido como uma extensão do princípio da legalidade de
competência e do princípio de atribuição. O princípio da competência difere do princípio do
equilíbrio institucional, sendo o primeiro fundada numa ideia de limitação dos meios jurídicos
de ação previstos nos Tratados (estática dos poderes), já o segundo funda-se na ideia do respeito
nas relações interinstitucionais (dinâmica dos poderes). Basicamente, não basta a instituição
comunitária reivindicar a titularidade de um poder fundado no Tratado, deve exercê-lo de um
modo que não afete as prerrogativas das restantes instituições comunitárias.
 Caso Meroni (TJCE de 1958) e Caso Koster (TJCE de 1970) – dizem respeito a aplicação do
princípio do equilíbrio institucional para excluírem a legalidade de delegação de poderes
entre instituições e órgãos.
 Acordos interinstitucionais: Nos termos do art. 295º TFUE, é possível o Parlamento Europeu,
Comissão e Conselho organizarem formas de cooperação através de acordos – é possível
concluir que (i) dependendo da vontade das instituições pode revestir caráter vinculativo ou
manter a natureza de instrumentos de soft law, ou seja, de caráter indicativo; (ii) caso não
haja respeito pelas disposições dos Tratados, quanto às regras de repartição horizontal de
competências, será suscetível de impugnação contenciosa junto do TJ e, eventualmente,
declarado nulo (são nulos os acordos que alterem o equilíbrio institucional).

3. Princípio do respeito pelo acervo eurocomunitário (princípio do adquirido comunitário)


Consiste num princípio não expresso pelos Tratados, porém aceite universalmente por estar
intrinsicamente ligado ao método comunitário, que obriga os Estados-membros a aceitar o
património jurídico e político das Comunidades Europeias. Visa garantir o respeito pelo decidido

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em plano político e normativo, vinculando as instituições, órgãos e organismos da União. É
possível observar tal princípio no art. 48º/2 TUE, ao admitir que os projetos de revisão dos
Tratados “podem, nomeadamente, ir no sentido de aumentar ou reduzir as competências
atribuídas à União pelos Tratados”, concluindo-se que apenas a vontade soberana e
unanimemente expressa por todos os Estados-membros através do processo de revisão não está
subordinada ao acervo eurocomunitário – já, em todos os procedimentos comuns de decisão
político-normativas, vigora o princípio do respeito pelo acervo eurocomunitário, tanto ao decisor
da União como para o decisor nacional.

4. Princípio da cooperação leal (princípio da fidelidade comunitária)


Relaciona-se ao princípio da boa-fé e pacta sunt servanda, podendo ser interpretada como uma
exigência básica de não-contradição, no sentido de exigir uma coerência na atuação – é
concebida como uma obrigação de adotar a conduta mais favorável para alcançar o
cumprimento das obrigações previstas nos Tratados. Está previsto no art. 4º/3 TUE e 13º/2 TUE,
vinculando a União Europeia e os Estados-membros.
O desenvolvimento de tal princípio possibilitou ao juiz comunitário expandir o grau de vinculação
do decisor nacional, devendo este adotar as medidas que mais se adequem as obrigações dos
Tratados. A principal manifestação jurisprudencial do princípio da cooperação leal relaciona-se
a vinculação de tal perante a União Europeia, (i) seja a nível da sua relação entre Estados-
membros – No caso Zwartveld do TJCE de 1990, obriga-se a União Europeia à tomar as medidas
capazes de garantir o direito comunitário, não apenas os Estados (ii) seja nas relações
interinstitucionais – há diversas normas que preveem a cooperação entre instituições (ao terem
de atuar entre si para certa decisão, como no processo legislativo ordinário), porém mesmo sem
disposição legal, o acordão do TJCE de 1995 prevê a existência do dever de cooperação leal entre
instituições.

5. Princípio democrático
O fundamento democrático da União Europeia é claro, previsto no art. 2º TUE e
subsequentemente nos arts. 9º ao 12º TUE. A UE goza de poderes soberanos atribuídos pelos
Estados-membros na adesão destes, e é assente numa cidadania europeia decorrente da
pertença à cidadania dos Estados-membros.
Inicialmente, com o surgimento da UE pelo Tratado de Maastricht, havia um forte déficit
democrático, sendo alvo de críticas a falta de responsabilidade de certas instituições, falta de
poderes do Parlamento Europeu (era apenas consultivo na época), entre outros que viriam a ser
corrigidos por revisões futuras, sobretudo pelo Tratado de Lisboa. Atualmente, o déficit
democrático ainda se manifesta em outras situações (i) falta de poderes de intervenção do
Parlamento Europeu e TJUE na PESC; (ii) falta de iniciativa legislativa dos deputados do
Parlamento Europeu (a iniciativa é quase totalmente exclusiva da Comissão); (iii) falta de
poderes para a participação do Parlamento Europeu nas políticas definidas pela União
Económica e Monetário.

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6. Princípio da não discriminação e igualdade
Diz respeito à igualdade entre cidadãos da União Europeia e igualdade entre os Estados-
membros, o qual está previsto em diversos artigos dos Tratados (arts. 2º, 3º/3, 9º TUE e arts.
10º, 18º, 19º, 157º TFUE, etc.). No caso da situação de igualdade entre os Estados-membros,
nenhum Estado pode reivindicar tratamentos de privilégio face outros, porém há duas situações
em que é permitido um tratamento distinto: (i) durante o período de transição após a adesão da
UE, podendo o Estado beneficiar da aplicação de certas obrigações; (ii) em caso de sérias
perturbações da situação económica e social, podendo o Estado tomar medidas excecionais se
permitido.

7. Princípio da liberdade de iniciativa económica


A União Europeia assenta numa economia de mercado, de inspiração neoliberal, baseada no
princípio da livre concorrência, a qual se distingue de outras zonas de comércio através das
quatro liberdades fundamentais.

8. Princípio da coesão económica, social e territorial


Previsto nos arts. 3º/3 TUE e 174º a 178º TFUE, em que nas políticas e ações tendentes à
realização do mercado interno, contribuir para diminuir as distancias entre as regiões
desenvolvidas e menos desenvolvidas, reduzir as disparidades económicas, sociais e territoriais,
ajudar as regiões mais desfavorecidas a superar as suas desvantagens, promovendo a sua
coesão, através dos seguintes instrumentos (art. 174º TFUE).

9. Princípio da solidariedade
Consiste num dos princípios base desde a criação das Comunidades Europeias, que atualmente
está previsto em diversos dispostos (art. 24º/2 e 3 TUE; em matéria da PESC; arts. 24º/2 e 3 e
80º TFUE; art. 194º TFUE; art. 222º TFUE, entre outros). É um denominador comum da União,
que visa a ligação entre os Estados-membros, e entre estes e a União e os povos da Europa.

10. Princípio do Estado de Direito


Implica que a União é concebida como uma garantia dos direitos individuais e como limite à ação
dos órgãos da União Europeia, estando previsto no art. 6º/3 TUE ao fazer referência a direitos
fundamentais, assim como também é previsto na Convenção Europeia de Proteção dos Direitos
do Homem e das Liberdades Fundamentais, bem como a Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia.

III. 2. ESTRUTURA DECISÓRIA DA UNIÃO EUROPEIA


Conforme já mencionado anteriormente, a estrutura eurocomunitária não observa um modelo
clássico de tripartição de poderes (executivo, legislativo e judicial), mas sim um modelo de
bipartição de poderes funcional e política próxima do modelo inglês, ou seja, divido em função
política (matters of policy) exercida pelo Conselho Europeu, Conselho, Parlamento Europeu,

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Comissão e Banco Central Europeu, e função judicial (matters of law) exercida TJUE e tribunais
nacionais (art. 19º/1 TUE).
É deliberadamente um sistema atípico, difícil de determinação, sobretudo pela mistura de bases
supranacionais e intergovernamentais. Após o Tratado de Lisboa, três fatores são relevantes para
o questionamento e definição da atual estrutura eurocomunitária: (i) coexistência de diversas
fontes de legitimação do poder, nomeadamente, a democrática, intergovernamental,
eurocomunitária e supranacional; (ii) alteração da balança de poderes pelo Tratado de Lisboa, o
qual deu força a legitimidade intergovernamental, principalmente ao conferir excessivos poderes
ao Conselho Europeu, e por secundarizar as fontes democráticas (Parlamento) e supranacionais
(Comissão); (iii) a prática política decorrente após as diversas crises que tomaram espaço na
Europa, estabelecendo uma desigualdade de influência entre países, consubstanciando uma
“política do diretório”.
O que seria a Política do Diretório? Consiste no atual exercício político eurocomunitário fundado
num grupo restrito de Estados autoproclamados “grandes”, determinando um modelo
intergovernamentalista inigualitário/diretorial, que põe em causa os princípios da igualdade e
da confiança recíproca. A Professora Maria Luisa Duarte aponta como fatores de tal evento: (i) a
flexibilidade decorrente da indefinição de regras previstas nos Estatutos da UE após o Tratado de
Lisboa; (ii) a vulnerabilidade do sistema jurídico eurocomunitário quando confrontado por
questões que naturalmente tendem a um viés de dependência política, a qual prevalece sobre a
força normativa de seu Direito; (iii) é perceptível que esse desequilíbrio não apresenta base
jurídica nos Tratados, enfraquecendo a lógica pactícia da União Europeia.
O modelo político da União Europeia é fundado na atipicidade e flexibilidade, conforme previsto,
já o modelo decisório é dotado de uma forte tipicidade fundada no princípio da legalidade, sendo
previsto nos Tratados a base jurídica pormenorizada dos procedimentos legislativos ordinários
(art. 294º TFUE) e procedimentos de vinculação internacional (art. 218º TFUE). Analisar-se-á
abaixo os três principais procedimentos decisórios da União Europeia: procedimento de
aprovação de atos legislativos; procedimento de aprovação de atos não-legislativos e
procedimento de vinculação internacional da União Europeia.

Procedimentos de aprovação de atos legislativos (art. 294º TFUE)


Denominado como Procedimento Legislativo Ordinário (PLO), previsto como base-geral no
disposto do art. 294º TFUE, que serve de base jurídica para a autorização para a aprovação de
atos legislativos pelo decisor da União. Nos termos do art. 289º/1 TFUE, o PLO consiste “na
adoção de um regulamento, de uma diretiva ou de uma decisão conjuntamente pelo Parlamento
Europeu e pelo Conselho, sob proposta da Comissão), ou seja, é previsto um modelo de co-
decisão geral entre PE e Conselho.
Em contrapartida, há o denominado Procedimento Legislativo Especial (PLE), que aplica-se aos
casos especificados expressamente pelos Tratados, que nos termos do art. 289º/2 TFUE consiste
“na adoção de um regulamento, de uma diretiva ou de uma decisão aprovados pelo Parlamento
Europeu, com a participação do Conselho, ou aprovados pelo Conselho, com a participação do
Parlamento Europeu”. Seu diferencial reside no desvio da regra geral de co-decisão entre as duas
instituições de caráter legislativo, ou seja, no PLE basta o PE ou Conselho para aprovarem o ato
legislativo.
Conforme o art. 295º TFUE, as três instituições dotadas de funções legislativas podem celebrar
acordos interinstitucionais que, respeitando os Tratados, podem desenvolver, especificar e

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adaptar as normas previstas no art. 289º/1 TFUE quando o PLO, podendo ser interpretado
extensivamente (doutrina da Maria Luisa Duarte) para aplicar-se ao PLE em suas normas
previstas no art. 289º/2 TFUE.
O Tratado de Roma, que instaurou a CEE e, consequentemente, o Parlamento Europeu, não
previa funções legislativas para tal, apenas consultivas. Porém, com a evolução da estrutura
comunitária foram necessárias adaptações ao seu papel, no intuito de conciliar suas funções com
sua legitimidade democrática. Para tal, houve de reforçar o papel do PE, ao conferir-lhe funções
decisórias junto do Conselho. Ainda assim, os Estados se opuseram a uma emancipação
legislativa do Parlamento, com receio de depositarem tudo numa instituição autônoma, assim
estabeleceu-se a partilha da função legislativa com a Comissão Europeia, que deu origem a um
procedimento complexo ao juntar legitimidades democrática, intergovernamental e comunitária
– criou-se a trilogia institucional do PLO (Parlamento, Conselho e Comissão).

i. Proposta da Comissão
A Comissão Europeia apresenta um direito exclusivo de iniciativa legislativa (art. 17º/2 TUE), com
garantias: a Comissão não pode ser substituída no exercício deste direito, apesar de poder ser
solicitada pelo PE (art. 225º TFUE) ou pelo Conselho (art. 241º TFUE) a submeter as propostas
adequadas, que em caso da Comissão ignorar tal solicitação, o PE e Conselho poderão demandar
perante o TJUE através de recurso por omissão (art. 265º TFUE)
O Conselho pode alterar a proposta de ato legislativo da Comissão por unanimidade (art. 293º/2
TFUE). Já, a Comissão pode alterar livremente sua proposta desde que não tenha sido deliberada
pelo Conselho (art. 293º/2), podendo também decidir retirar a proposta com base num poder
implícito consonante com o princípio da cooperação leal e equilíbrio institucional.

ii. Negociação e a adoção institucional (“vaivém institucional”)


É composto por um processo complexo de negociação do texto a ser adotado entre o
Parlamento, Conselho e Comissão, conforme o esquema abaixo baseado no disposto no art. 294º
TFUE quanto ao Procedimento Legislativo Ordinário (PLO):

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iii. Participação dos parlamentos nacionais
É previsto a participação deste em situações escassas, sobretudo quanto a matéria de decisão
da UE coincida com matéria de competência exclusiva dos parlamentos. No caso de Portugal, a
CRP em seu art. 161º/n permite a pronúncia da AR, de caráter não vinculativo, para o Governo
Português quanto a posição a adotar no seio do Conselho.

iv. Iniciativa legislativa e cidadania da União


O mecanismo de iniciativa de cidadania europeia (ICE), previsto no art. 11º/4 TUE, manifesta a
participação política dos cidadãos da União, ao permitir, verificada as condições procedimentais
e formais, a apresentação à Comissão de uma proposta de regulação jurídica sobre matérias em
que os cidadãos proponentes considerem necessária a existência de um ato jurídico da União.
Basicamente, constitui um convite dirigido à Comissão para que essa realize uma proposta ao
Parlamento e Conselho, que pode ser recusada (deve-se fundamentar) nos termos do art. 15º/2
Reg. Nº 2019/788. Não é possível a impugnação judicial pelo grupo de proponentes da ICE ao
TJUE, salvo se fundamentada a violação do dever de justificação da recusa por parte da Comissão
através de um recurso por omissão do art. 265º TFUE.

Procedimento de aprovação de atos não legislativos


1. Atos delegados: Compete unicamente à Comissão a aprovação dos chamados atos
delegados, na observância dos limites fixados no ato legislativo pelo PE e pelo Conselho (art.
290º TFUE). As instituições delegantes são o Parlamento e Conselho, que detém o poder de
delegar e de revogar a delegação. Além disso, os delegantes apresentam o direito de objeção
que, se exercido no prazo fixado, impede a entrada em vigor do ato delegado aprovado pela
Comissão (art. 290º/2/b TFUE). O PE delibera por maioria dos membros que o compõe e o
Conselho decide por maioria qualificada (art. 290º TFUE).

2. Atos normativos de execução: A regra geral de competência para a execução de atos


juridicamente vinculativos adotados pelo decisor da União é da responsabilidade dos
Estados-membros (art. 291º TFUE), havendo uma conjuganção com o principio da
cooperação leal e o princípio do primado – os Estados estão obrigados a adotar todas as
medidas necessárias para garantir a aplicação plena e eficaz do Direito da União Europeia na
ordem jurídica interna. Consiste num modelo descentralizado de execução, fundado no
princípio da subsidiariedade – apesar de tudo, nem sempre é possível a aplicação
homogênea das decisões das instituições, de modo que seja necessário a determinação de
atos normativos eurocomunitários para fixar “condições uniformes de execução” entre
todos os territórios da UE (art. 291º/2 TFUE). Para isso, o Tratado de Lisboa fixou no art.
291º/3 TFUE o modelo de execução denominado “comitologia”, que determina (i) a
aprovação das regras eurocomunitárias de execução pela Comissão; (ii) o PE e Conselho
estipulam as regras e princípios de competência de controlo da Comissão; (iii) possibilitar
aos Estados a participação no mecanismo de controlo sobre como a Comissão exerce a sua
competência de execução.

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Foi aprovado, com base no art. 291º/3 TFUE, o Regulamento nº 182/2011, do PE e do Conselho,
que estabelece “as regras e os principios relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados-
membros de exercício de competências de execução pela Comissão” (Regulamento-comitologia)
– estabelece o procedimento “consultivo” e “executivo”, expostos abaixo:

3. Procedimento de vinculação internacional da União Europeia


A União Europeia, como sujeito de Direito Internacional dotado de personalidade jurídica (art.
47º TUE), apresenta poder para celebrar acordos internacionais com países terceiros e
organizações internacionais, conforme previsto no art. 216º/1 TFUE. Levanta-se duas questões
a respeito desse tema: (i) Quais as instituições responsáveis pela negociação, conclusão e
aplicação do acordo internacional; (ii) Se a UE tem ou não competência para se vincular
internacional sobre determinada matéria e qual a natureza de tal competência;
i. Negociação: Após a autorização do Conselho, a Comissão conduzirá as negociações, nos
termos do art. 218º TFUE. Se a matéria recair exclusivamente ou principalmente no âmbito da
PESC , cabe ao Alto Representante a proposta de abertura das negociações, a apresentação das
negociações e responsabilidade pela condução da negociação (art. 218º/2 e 3 TFUE).
ii. Assinatura: Fechada a negociação, o Conselho autoriza a assinatura pela Comissão, sob
proposta do negociador.
iii. Conclusão: Caberá ao Conselho a manifestação do consentimento, sob a forma de aprovação
de decisão de celebração do acordo (art. 218º/6 TFUE). A decisão do Conselho deverá ser
precedida de aprovação do Parlamento Europeu nos casos especificados no mesmo artigo
supramencionado, que são casos de alta relevância política e orçamental relacionados a
competência própria do PE.
Em todos os momentos o Conselho delibera por maioria qualificada, exceto nos casos onde seja
exigido unanimidade.
Aplicação interna dos acordos celebrados pela União – os acordos celebrados são vinculativos
para as instituições e para os Estados-membros (art. 216º/2 TFUE), sendo uma obrigação dos

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Estados executar os atos juridicos vinculativos da União (art. 291º/1 TFUE). Em Portugal, nos
termos do art. 8º/3 CRP, os acordos celebrados pela UE vigoram diretamente na ordem jurídica
portuguesa, já conforme o art. 8º/4 CRP, os acordos prevalecem sobre o direito interno nos
limites e condições da exigência do primado do Direito da União.

4. Procedimento de aplicação de sanções políticas pela UE aos Estados-membros


O Tratado de Amsterdão introduziu no art. 7º TUE um procedimento para a constatação de uma
violação grave e persistente, por parte de um Estado-membro, dos valores referidos no art. 2º
TUE e a subsequente aplicação de sanções políticas do Estado infrator, sendo dividido em duas
fases:
1ª fase – mediante proposta de 1/3 dos Estados-membros, do PE ou da Comissão Europeia, o
Conselho, deliberando por maioria qualificada de 4/5 dos seus membros, e após aprovação pelo
PE, pode verificar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no
artigo 2º por parte de um Estado-membro. Ainda que, antes de tudo, o Conselho deve ouvir os
argumentos do Estado sob vigilância e dirigir-lhe recomendações. Essa primeira fase tem teor
preventivo, não requer unanimidade e não conduz a aplicação da suspensão de direitos do
Estado visado.
2ª fase – Nesse estágio não se trata apenas de um risco, mas sim da verificação da existência de
uma violação grave e persistente dos valores e princípios. Nessa fase o Conselho Europeu atua
como representante maior dos Estados-membros, sendo exigida a unanimidade. Nos termos do
art. 354º TFUE, o membro do Conselho Europeu que represente o Estado violador não vota.
A suspensão dos direitos do Estado violador conduz a inibição do direito de exercer a sua
representação no Conselho Europeu e/ou no Conselho da União Europeia. Nunca ocorreu a
aplicação de tal sanção política, visto que nunca alcançou a unanimidade, apesar das manifestas
violações graves e sérias – A Professora Maria Luisa Duarte considera justa a regra da
unanimidade, uma vez que é o “preço a se pagar” por não conduzir tal ato a função judicial do
TJUE.

III. 3. FONTES DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA


A distinção entre fontes de direito como modo de formação das normas jurídicas e aplicação de
direito como a aplicação devida das normas jurídicas. Esta distinção decorre da diferenciação
entre função legislativa e judicial, onde um cria e o outro aplica, porém, tal ideia não ocorre no
Direito da União Europeia, uma vez que as várias instituições dividem a função legislativa e a
instituição judicial aplicadora do direito também tem grande importância no seu poder de
encontrar a solução mais consentânea com o espírito do sistema, mesmo que o resultado atinja
algo indefinível entre a interpretação e a recriação/inovação da norma (art. 19/1 TUE). Esta
influência da jurisprudência no Direito Eurocomunitário marca o caráter flexível e plural deste.
O bloco de normatividade da União Europeia é marcado pela exigência de congruência
axiomática (conjunto de princípios e valores que vinculam a ação da União, previstos nos
preâmbulos dos Tratados e, em especial, no art. 2º TUE) e congruência estrutural (conjunto de
meios institucionais, de procedimentos de decisão e de instrumentos de tutela jurisdicional,
entre outros).

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Direito Primário: Consiste no conjunto de fontes de direito consideradas o estatuto fundamental
da União Europeia, hierarquicamente superiores às outras fontes, com força subordinante e
legitimadora, a qual inclui normas e princípios vertidos nos Tratados institutivos e outros
instrumentos jurídicos de valor equivalente (como a Carta dos Direitos Fundamentais da EU, nos
termos do art. 6º/1 TUE; protocolos e anexos, artigo 51º TUE).
Tratados - Os Tratados têm os Estados-membros como partes contratantes (art. 54º TUE) e cuja
revisão depende da vontade das partes contratantes (art. 48º TUE), que no plano substantivo
tem função análoga à da Constituição na sua acepção material, visto que garante a separação de
poderes e projete direitos fundamentais.
Âmbito de aplicação dos Tratados
Âmbito territorial – previsto nos artigos 52º TUE; art. 355º TFUE e art. 349º TFUE.
Âmbito temporal – vigência ilimitada (art. 53º TUE e art. 356º TFUE)
Âmbito material – trata de diversas matérias em respeito aos princípios tutelados.
Âmbito subjetivo – os Tratados reconhecem aos cidadãos nacionais dos Estados-membros o
estatuto de “cidadãos da União” (arts. 18º a 25º TFUE; arts. 39º a 46º CDFUE). Conforme o
disposto no art. 20º/2 TFUE “Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos
deveres previstos nos Tratados”, devendo-se esclarecer que há direitos que apenas podem ser
invocados por cidadãos da União, como o direito de livre circulação, direito de voto e direito de
ser eleito ao PE – contudo, a maioria dos direitos remetem a “todas as pessoas” (art. 35º CDFUE)
e “todos os trabalhadores” (art. 30º CDFUE). Importa referir que no quadro dos tribunais da
União, sua atuação não depende da qualidade de nacional da União, visto que um cidadão de
Estado terceiro pode suscitar perante o TJUE a questão da ilegalidade de um ato jurídico da União
(art. 263º TFUE – recurso de anulação) ou reclamar da UE uma indemnização por prejuízos
sofridos e resultantes da aplicação de normas ou atos jurídicos da União (art. 268º e 340º TFUE
– ação de indemnização).
Eficácia dos Tratados: A distinção clássica entre tratado-lei e tratado-quadro não se faz tão
relevante na análise do TUE e TFUE, visto que o TUE abrange princípios norteadores e objetivos
em conjunto com normas precisas, por exemplo quanto a PESC, enquanto o TFUE apresenta
normas extremamente precisas, suscetível de aplicação direta (self-executing) e de invocação
pelos particulares (eficácia direta), coexistindo com âmbitos dependentes de aprovação de atos
de direito derivado (art. 103º TFUE) e de princípios gerais (art. 2º e 7º TFUE).

Procedimento de Revisão dos Tratados


i. Procedimento ordinário de revisão (solene): Nos termos do art. 48º TUE, os Estados-membros
como “senhores dos Tratados”, em pé de igualdade, devem aprovar e ratificar a revisão de modo
unânime (nº4), havendo uma forte manifestação contratualista no seio da União Europeia. O
disposto do nº2 prevê que a apresentação de projetos podem “ir no sentido de aumentar ou
reduzir as competências atribuídas à União pelos Tratados”, ou seja, os Estados como titulares
da competência exercida de modo delegado à UE, podem renacionalizar competências
compartilhadas ou até mesmo revogar totalmente ou parcialmente delegações de poderes
anteriores. Apesar disso, nota-se que os Estados não podem alterar a base fundamental da UE,
como o respeito por direitos fundamentais e Estado de Direito, visto que suas próprias
constituições os vinculam a esse mesmo arquétipo de valores e respeito ao Estado de Direito.

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a) Iniciativa – Governo de qualquer Estado-membro, PE e Comissão podem apresentar
projetos de revisão, que são submetidos ao Conselho e que os envia ao Conselho Europeu
e são notificados aos parlamentos nacionais (art. 48º/2 TUE)
b) Apreciação – O Conselho Europeu decidirá pela convocação de uma Convenção, a qual
reúne os representantes nacionais dos Estados-membros, o PE e Comissão, dependendo
do que for decidido. A Convenção debaterá apenas o que for apresentado pelo projeto,
caso se justifique prosseguir com este. Ocorreram apenas duas Convenções até hoje, uma
para debater o texto da futura CDFUE e da possível Constituição Europeia. Após a
Convenção, terá espaço uma Conferência dos Representantes dos Estados-Membros
(CIG), que irão debater de comum acordo, as alterações a introduzir nos Tratados, cuja
decisão terá a forma de um tratado internacional adotado e assinado pela CIG (art. 48º/4
TUE).
c) Ratificação – para que o Tratado entre em vigor é necessário a ratificação por todos os
Estados-membros “em conformidade com as respetivas normas constitucionais” – por
exemplo, no caso português observa-se os termos do art. 8º/2 e 161º/i, com possível
referendo nos termos do art. 295º CRP. Importante referir o disposto no art. 48º/5 TUE,
que determina que, passados dois anos, 4/5 dos Estados já tenham ratificado e um ou
mais Estados não o tenham, haverá espaço para uma démarche com vista a renegociação,
ou seja, a solução mais justa seria retornar à mesa de negociação para possibilitar o
Estado em dificuldades para ratificar as alterações, as condições plausíveis para si – tal
ocorreu com a Dinamarca para esta ratificar o Tratado de Maastricht e na Irlanda para
ratificar o Tratado de Lisboa.

ii. Procedimentos especiais de revisão (simplificado)– há dois tipos de procedimentos especiais


Revisão da Parte III do TFUE (Políticas e ações internas da União – arts. 26º-197º TFUE): por
iniciativa de qualquer Estado-membro, PE ou Comissão, o Conselho Europeu pode adotar uma
decisão que “altere toda ou parte das disposições da Parte III” – consistirá num ato jurídico
unilateral do Conselho Europeu que deverá ser deliberada por unanimidade, não podendo
envolver o aumento de competências da União e que deverá ser aprovado pelos meios
constitucionais de cada Estado-membro. No caso português, por se tratar de um ato unilateral,
esta aprovação exige uma resolução da Assembleia da República, não recorrendo aos termos do
art. 8º/3 CRP, visto que o art. 48º/6/2 TFUE exclui a aplicação direta, cuja matéria implica
fortemente na competência exclusiva da AR, de modo que não deva o Governo assumir a
responsabilidade de aprovação.
Pelo facto de apenas ter ocorrido uma alteração da Parte III TFUE por procedimento especial na
história da UE, para a alteração do art. 136º/3 TFUE, ainda há dúvidas quanto ao processo a ser
adotado, porém ficou claro a competência da AR para aprovar tal ato jurídico unilateral do
Conselho Europeu, conforme a Resolução da AR nº 9/2012 relativa à Decisão do Conselho
Europeu para a alteração do art. 136º/3 TFUE, com base nos arts. 161º/i e 166º/5 CRP. Além do
procedimento adotado pelo Conselho Europeu na época ter sido aprovado em sentido favorável
pelo TJUE (Acórdão de 27.11.2012).
Procedimento de cláusula-passarela: por iniciativa do Conselho por deliberação unânime, com
aprovação do PE, poderá autorizar o Conselho em domínios determinados a deliberar por
maioria qualificada, em substituição da exigência da unanimidade, com exceção do domínio
militar e outras matérias previstas no art. 353º TFUE. Este procedimento também poderá ser
adotado para a substituição do procedimento legislativo especial pelo procedimento legislativo

31
ordinário (art. 48º/7 TUE). Nestes casos de revisão simplificada, não é exigida a aprovação dos
Estados-membros, entretanto os parlamentos nacionais têm direito de veto. Há diversas outras
cláusulas-passarela previstas nos Tratados.

Direito Secundário: Consiste no conjunto de atos jurídicos, normativos e não normativos,


adotados pelas instituições, órgãos e organismos da União Europeia, cuja fundamentação reside
no direito primário dos Tratados institutivos e seus relacionados. Existem duas tipologias no
quadro dos atos instituídos pelos Tratados: (i) atos tipificados pelo art. 288º TFUE, que vigora
desde o Tratado de Roma, englobando os regulamentos, diretivas, decisões, pareceres e
recomendações; (ii) atos mencionados e acrescentados pelo Tratado de Lisboa – atos
legislativos (art. 289º TFUE), atos delegados (art. 290º TFUE) e atos de execução (art. 291º TFUE).
Em conjunto aos atos típicos, há os atos atípicos, que apresentam terminologias variáveis, apesar
de serem mencionados nos Tratados, como: relatório, moção, orientações, comunicações,
programas de ação, códigos de conduta, declarações, carta, conclusões, etc.
Obs: Alguns atos atípicos, como pareceres e recomendações, e a maioria dos atos atípicos,
assumem uma manifestação de soft law, que consistem em regras de conduta juridicamente não
vinculativas, porém com relevância jurídica.
i. Regulamento: Consiste num ato normativo de alcance geral e abstrato, obrigatório em todos
os seus elementos e de aplicabilidade direta na ordem jurídica interna dos Estados-membros
desde o momento da sua entrada em vigor. É um instrumento de criação de direito uniforme,
que não exige qualquer ato interno de recepção ou transformação pelo Estado (Caso Varíola
Acórdão TJ de 1973 – determinou que os sistemas de receção ou transformação para os
regulamentos são incompatíveis com o atributo da aplicabilidade direta).
ii. Diretiva: Tem os Estados-membros como destinatários diretos, pois os vincula em relação
ao resultado a alcançar (obrigação de resultado), reconhecendo autonomia quanto aos
meios e formas para realizar os objetivos. Diferente do regulamento, não apresenta
aplicabilidade direta, estando os Estados obrigados a proceder com a transposição para o
direito interno, nos termos definidos pela constituição nacional. Há uma vasta liberdade,
porém, deve-se visar uma transposição e cumprimento da obrigação completa, eficaz e
dentro do prazo previsto pela diretiva. Em Portugal, a transposição da diretiva da UE exige,
nos termos do art. 112º/8 CRP, a forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional, ou
seja, no caso português, a transposição apenas será eficaz se realizada por ato legislativo
(que é criticado, pois há um excesso de forma, uma vez que poderia adotar uma método
administrativo mais eficaz).
Inicialmente, as diretivas eram pensadas como um lei-quadro vinculadora do legislador
nacional, porém esta acabou por evoluir para outra direção, em função de: (i) aprovação do
decisor da União de diretivas de conteúdo cada vez mais detalhados; (ii) a jurisprudência do
TJ reconhecer um efeito amplo das diretivas, mediante certos requisitos, reconhecendo aos
particulares o direito de as invocar como fonte direta de direitos no quadro de um litigio em
que são partes nos tribunais nacionais (caso Van Duyn de 1974 TJ – fonte de obrigação para
o decisor nacional, uma vez que os indivíduos podem a invocar quando seja dirigida aos
Estados mas a matéria diga respeito aos cidadãos europeus). Tal metamorfose da diretiva
conduziu a sua conceção atual de ato de alcance abstrato (que sempre foi à luz do art. 288º/3
TFUE) e geral.
iii. Decisão: Consiste num ato obrigatório em todos os seus elementos, podendo ter ou
destinatários específico (vinculativo apenas a este, como ato equivalente ao ato

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administrativo do direito interno) ou não. É aplicável frequentemente aos domínios dos
auxílios de Estado e do Direito da Concorrência. O Tratado de Lisboa, através de uma
alteração no art. 31º/1 TUE, possibilitou decisões sem destinatários específicos, com alcance
geral e abstrato, como no caso da PESC, cujas decisões são obrigatórias a todos os Estados.
iv. Recomendações e pareceres: Consistem em atos não vinculativos. As recomendações
advém de iniciativa do órgão e instituição que as tenha formulado, enquanto os pareceres
são emitidos a pedido, normalmente integrados no procedimento decisório expresso por lei.
O parecer, mesmo que não vinculativo, quando exigido por lei procedimental, é necessário,
de modo que sua omissão gere a ilegalidade do ato adotado, passível de impugnação por
violação de formalidade essencial. Ambos são integrados como soft law, ou seja, não são
vinculativos (não geram obrigações), porém são relevantes juridicamente – podem ser
invocados por particulares e Estados-membros diretamente com vista a autovinculação do
órgão responsável pela recomendação ou parecer.

Atos típicos de natureza funcional


i. Atos legislativos: Nos termos do art. 293º/3 TFUE, são atos jurídicos adotados através do
procedimento legislativo, ordinário ou especial. Sempre que a base jurídica remete para o
procedimento legislativo ordinário (art. 114º/1 TFUE) e procedimento legislativo especial
(art. 86º/1 TFUE) as medidas aprovadas tomaram forma de ato legislativo, nomeadamente,
regulamento, diretiva ou decisão. No caso de ser aprovado por um procedimento não
legislativo, será um ato não legislativo, mesmo que com características normativas
primárias. A principal consequência da distinção entre atos legislativos e não legislativos
reside no facto de na legislativa ser necessário o respeito pela obrigação de participação
dos parlamentos nacionais – a distinção entre os dois é puramente formal ou
procedimental.
ii. Atos delegados: Consiste num ato não legislativo de função normativa, com alcance geral
e que visa completar ou alterar elementos não essenciais do ato legislativo. Os atos
delegados e atos de execução apresentam a função normativa de aplicação dos atos
legislativos de base. Os atos delegados foram tipificados pelo Tratado de Lisboa no intuito
de afastar da intervenção dos Estados o desenvolvimento dos atos legislativos e instituir
um modelo totalmente eurocomunitário de execução, sendo uma das consequência do
fenômeno de comitologia (criação de comissões especializadas) decorrente do Tratado de
Lisboa, que confia à Comissão tal tarefa sob a forma de delegação. Não serve apenas para
dar aplicação à norma legislativa nos termos do art. 291º/3 e 4 TFUE, mas também aprovar
um regime que completa o ato normativo ou mesmo alterar alguns aspectos no ato
legislativo de base, desde que não altere “elementos essenciais do ato legislativo”.
Conforme o Acórdão de 18.03.2014 do TJUE, o ato delegado completa ou altera o âmbito
de regulação previsto no ato legislativo de base, ao passo que o ato de execução, visa
“especificar o conteúdo de um ato legislativo, a fim de assegurar a execução em condições
uniformes em todos os Estados-membros”. Para a identificação dos elementos essenciais
que o ato delegado não pode alterar, o TJUE em seu Acórdão de 11.05.2017 determina
estes como “elementos objetivos suscetíveis de ser objeto de fiscalização jurisdicional e
impõe que sejam tomada em consideração as características e as particularidades do
domínio em causa”.
iii. Atos de execução: São adotados nos termos do art. 291º/3 e 4 TFUE, destinados a dar
execução aos atos juridicamente vinculativos da União, suscetíveis de alcance geral (atos

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regulamentares – não engloba atos legislativos) ou de incidência individual (decisões).
Pode ser definido como um ato da função regulamentar ou ato da função administrativa
não normativa, dependendo de ter ou não alcance geral.

Aspectos fundamentais do regime jurídico comum dos atos eurocomunitários


a) Presunção de legalidade – salvo em situações de inexistência, os atos jurídicos
eurocomunitários produzem efeitos jurídicos independente de qualquer juízo de valor, ou
seja, produz efeitos até uma declaração de nulidade ou de invalidade.
b) Dever de fundamentação (art. 296º TFUE) – visa dar conhecimento aos destinatários, que
em sua falta pressupõe o direito de impugnação judicial da legalidade do ato em causa.
c) Notificação – todos os atos legislativos e não legislativos são publicados no Jornal Oficial da
União Europeia, entrando em vigor na data por eles fixada ou decorrido o prazo de vacatio
legis (vigésimo dia). No caso de diretivas e decisões que indiquem um destinatário são
notificadas ao respetivo destinatário, cuja produção de efeitos conta-se a partir da data da
notificação (art. 297º/2/2 TFUE).

Atos no âmbito da PESC: Nos termos do art. 25º TUE há dois tipos de atos: (i) orientação geral –
definição de linhas globais sobre a ação externa da União, cabendo a sua aprovação ao Conselho
Europeu, com caráter geral e de orientação política (carece de efeito direto); (ii) decisões –
distingue-se das decisões tipificadas no art. 288º TFUE, a qual deve ser adotada pelo Conselho,
vinculando os Estados-membro e constituem atos de aplicação e de execução de orientações
gerais. Podem ser exercidos outros atos atípicos.

III. 4. RELAÇÃO ENTRE O DUE E DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO


Há certos pontos a serem comentados quanto a relação da União Europeia com o quadro
internacional público: (i) União Europeia é sujeito de direito internacional, com personalidade
jurídica própria, logo é titular de direitos e sujeita a deveres (art. 47º TUE); (ii) Apresenta
compromissos com os princípios e valores que sustentam a ordem jurídica internacional (art.
3º/5 TUE e 21º TFUE); (iii) Entre estes valores e princípios, o mais relevante seria a proteção dos
Direitos do Homem, com respeito aos princípios da Carta das Nações Unidas (art. 3º/5 TUE); (iv)
A União Europeia está aberta às obrigações decorrentes das fontes de direito internacional, tanto
não convencionais como convencionais, englobando princípios gerais de direito, costume,
tratados, atos jurídicos unilaterais, decisões do Conselho de Segurança (No Caso Kadi II de 2008,
o TJ reconheceu a vinculação da UE às decisões do Conselho de Segurança adotadas no quadro
do cap VII da Carta, como no art. 296º desta), e outros tratados como Carta das Nações Unidas
e CEDH (que mesmo que a UE não seja uma parte contratante, continua a estar vinculada,
fazendo parte da ordem eurocomunitária de modo direito sob a forma subordinante de ius
cogens); (v) O art. 2º/6 CNU, conforme a Professora Maria Luisa Duarte, estende o mandato da
ONU a outros sujeitos de direito internacional, em especial organizações internacionais como a
UE – o art. 103º CNU, que determina a prevalência das obrigações decorrentes da Carta sobre
as obrigações de fonte pactícia, como os Tratados institutivos, pode ser visto como um limite ao
princípio do primado do Direito da União, uma vez que se aplica a esta.

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Acordos internacionais celebrados pela União Europeia
A UE pode celebrar acordos respeitantes a matérias de sua competência exclusiva ou partilhada
(art. 2º TUE) e nas situações que os Tratados o prevejam. Os acordos internacionais de natureza
eurocomunitária celebrados sob competência da União como parte contratante (art. 218º TFUE)
integram o bloco normativo da UE, com um duplo efeito de vinculação: são obrigatórios para as
instituições da União e são obrigatórios para os Estados-membros (art. 216º/2 TFUE). Os
Estados-membros devem acatar as obrigações geradas e possibilitar as medidas necessárias e
eficazes para sua aplicação em território nacional – os particulares podem invocar perante os
tribunais nacionais. Na ordem jurídica portuguesa, os acordos celebrados pela UE produzem
efeitos sem necessidade de qualquer ato de recepção (art. 8º/3 CRP) e beneficiam (os acordos)
de autoridade aplicativa em caso de conflito de normas (acordo internacional x norma interna),
com base no princípio do primado do Direito da União (art. 8/4 CRP).

Acordos internacionais celebrados pelos Estados-membros


Os Estados-membros continuam como sujeitos de direito internacional, logo, com o direito de
celebrar tratados, seja com Estados terceiros seja com Organizações Internacionais. Deve-se
analisar que há uma distinção entre os tratados celebrados antes da criação das Comunidades
Europeias (Estados originários) ou antes da adesão (para os outros, como Portugal). (i) o art.
351º TFUE, em vista com o princípio pacta sunt servanda e da boa-fé, em conjunto com o
princípio eurocomunitário da cooperação leal estipula que a adesão à UE não prejudica a
vigência de tais acordos, exceto se houver incompatibilidade com os Tratados institutivos – caso
haja, o Estado tem a obrigação de recorrer aos meios adequados para eliminar a
incompatibilidade, como a renegociação ou a denúncia. (ii) já no caso de acordo posterior à
adesão, aplica-se o princípio do primado e seus relacionados, onde um Estado não deve celebrar
um acordo sobre matéria que integra a área de atuação exclusiva da UE e que viole os princípios
e regras do direito substantivo da UE – caso o Estado-membro celebre tal acordo, responderá
por ação de incumprimento (art. 258º TFUE), com a eventual aplicação de sanções pecuniárias
se mantiver o acordo em vigor (art. 260º TFUE). Nos tribunais nacionais, os particulares poderão
invocar o Direito da UE como fundamento do dever de desaplicar regras constantes do convênio
celebrado pelo Estado-membro em violação das suas obrigações eurocomunitárias.

Acordos mistos
Consiste na celebração de um convénio entre um Estado terceiro ou organização internacional
por decisão em conjunto da União e dos Estados-membros (Estados envolvidos apenas). Ocorre
nos casos em que a matéria a regular abrange âmbitos de competência da EU, mas também de
competência de vinculação internacional dos Estados-membros envolvidos no acordo. Não há
uma base jurídica sólida para estes acordos, o que causa certa confusão no seu procedimento e
observância de limites, porém, é certo que se observa o princípio da cooperação leal entre a UE
e Estados-membros (art. 4º/3 TUE).

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III. 5. OUTRAS FONTES DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Há certas fontes de direito a serem abordadas que não estão tipificadas acima:
Jurisprudência do TJ e efeito do precedente atípico: a jurisprudência do Tribunal de Justiça foi,
e é, essencial para a evolução e especificidade da ordem jurídica eurocomunitária, a qual
estabeleceu diversas conceções fundamentais para a existência atual de tal ordenamento face
as condições atuais. No plano histórico, durante as primeiras três décadas de Comunidade
Europeia (Tratado de Roma até AUE), o Juiz da União atuou num fenômeno de “ativismo judicial”,
ao elaborar uma jurisprudência criativa, no sentido de desenvolver conceitos fundamentais no
seio de uma Comunidade recém-nascida e com déficits legislativos, uma vez que os Tratados
nunca haviam sido revisados e, logo, carentes de regulação quanto à situações da época – o
ativismo judicial foi marcado pelo recurso a interpretações de forte ponderação atualista,
teleológica e sistemática, para atender às demandas eurocomunitárias.
Nos anos posteriores, o ativismo judicial, o qual visava substituir-se ao papel do Legislador
europeu, consequentemente, substituindo-se a vontade dos Estados-membros, tornou-se mais
grave que, no entanto, foi amenizada com as sucessivas revisões subsequentes, conduzido o TJ
à uma posição conciliadora (ainda com caráter criativo, que aprofundou os elementos que dão
identidade e coerência ao Direito da União.
O Juiz da União como criador de Direito na doutrina jurisprudência é uma consequência
inevitável do seu papel auto-confiado no quadro de suas competências atribuídas pela União no
processo de questões prejudiciais (art. 267º TFUE). As questões prejudiciais consubstanciam o
principal caso de jurisprudência como fonte de direito, que fundamenta uma forte relação com
os tribunais nacionais. Desta questão decorre o efeito de precedente atípico, onde um acórdão
é proferido por reenvio prejudicial, na sequência de questões suscitadas pelo juiz nacional que
no processo interno se confronta com dúvida de interpretação e válida sobre a norma
eurocomunitária aplicável – neste efeito, o acórdão será vinculativo para o juiz que colocou a
questão e para todos os juízes, de todos os Estados-membros que, no futuro, tenham a mesma
dúvida em questões materialmente semelhantes. Há uma vinculação funcional que não resulta
de uma relação hierárquica típica do precedente entre supremos tribunais e tribunais
subordinados.
 A jurisprudência do Tribunal de Justiça é obrigatória e definitiva.
 Não existe uma relação de hierarquia entre o TJ e os tribunais nacionais, ou seja, o TJ não é
um tribunal superior visto que não há nenhuma relação orgânica entre estes, além disso, a
UE não é uma federação para que tal ocorra.
 A jurisprudência proferida é vinculativa para todos os tribunais nacionais (mesmo que não
haja relação orgânica) e para os demais órgãos, da função legislativa e administrativa, da
estrutura eurocomunitária ou estadual.
 Pode uma jurisprudência prevalecer sobre um Tratado institutivo? Quem controla o TJ sendo
que os Tratados não preveem recursos das suas decisões? No caso de risco da soberania dos
Estados-membros ou de direitos fundamentais, a defesa das liberdades interpretativas
garantia dos seus limites cabem diretamente aos tribunais constitucionais dos Estados-
membros, que guardam suas próprias constituições, como ocorreu no Acórdão do Tribunal
Constitucional Alemão, que tratou da compatibilidade do Tratado de Lisboa com a sua
constituição (Constituição de Bona) em 2009.

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Princípios gerais de direito: Há menções expressas a estes, como (i) no art. 6º/3 TUE que
determina os direitos fundamentais tal como os garante a CEDH e tal como resultam das
tradições constitucionais dos Estados-membros “enquanto princípios gerais”, abrangidos pelo
Direito da UE; (ii) a CDFUE retoma a ideia de normas garantidoras de direitos fundamentais sob
a forma de princípios (arts. 51º e 52º/5 CDFUE); (iii) há referência do art. 340º/2 TFUE quanto a
observação de princípios gerais comuns ao direito dos Estados-membros no quadro de apuração
da indemnização na responsabilidade extracontratual da União; (iv) Já, no art. 21º/2/b TUE, há
uma referência aos “princípios do direito internacional” que vinculam a União no quadro das
relações internacionais.
Os princípios foram, sobretudo, essenciais na consolidação do bloco normativo eurocomunitário,
uma vez que o TJ os incorporou ao nível dos próprios Tratados, que os possibilitaram desenvolver
sua doutrina jurisprudencial com uma margem norteadora nos casos de silêncios da lei e
conflitos de normas. O Direito da União Europeia é um direito de base principialista, de modo
geral.
Costume: Não consiste numa fonte presente no direito eurocomunitário, uma vez que (i) o
Direito da UE se desenvolveu por via de aprovação de atos jurídicos (regulamentos, decisões e
diretivas) e (ii) tem uma tendência a exaustividade, de modo que a norma escrita tutele todas as
possíveis situações.

IV. PRINCÍPIOS E CRITÉRIOS ESTRUTURANTES NA INTERNORMATIVIDADE


Tratar-se-á da relação de equivalência e de coexistência entre a ordem jurídica da UE e as ordens
jurídicas nacionais, abrangendo o estudo das modalidades de receção, proteção dos direitos
fundamentais e o espaço jurídico da internormatividade da relação entre normas de diferentes
origens.
Conforme já estudo, não há dúvidas da autonomia da ordem jurídica eurocomunitária, a qual
apresenta estrutura institucional, missão e poderes, fontes e tribunais próprios. Contudo, a
dúvida reside nos limites da autonomia dessa ordem jurídica quando confrontada com a ordem
jurídica dos Estados-membros: O TJ determinou através do Acórdão 15.07.1964 um
entendimento de autonomia “autorreferencial” da ordem jurídica eurocomunitária –
“Diversamente dos tratados internacionais ordinários, o Tratado CEE institui uma ordem jurídica
própria que é integrada nos sistemas jurídicos dos Estados-membros a partir da entrada em vigor
do Tratado e que se impõe aos seus órgãos jurisdicionais nacionais” – ou seja, cabe ao próprio
Direito da União determinar o alcance de aplicação de suas normas jurídicas em situações de
conflito com normas internas e externas, cuja determinação cabe ao TJUE e aos tribunais
nacionais (Os tribunais nacionais estão obrigados a seguir a jurisprudência existente do TJ). O TJ
não é claro jurisprudencialmente quanto a autonomia do DUE, havendo situações concretas em
que a afirmar e outras que não. Deve-se notar que, apesar de ser um direito autônomo, não é
autossuficiente, não podendo excluir os valores e princípios imperativos do ordenamento
internacional e das Constituições dos Estados-membros.

i. Princípio do primado: Nas palavras do jurista luxemburguês Pierre Pescatore, o primado é a


“exigência existencial” do Direito Eurocomunitário, uma vez que, na ausência de reforço da sua

37
autoridade, não prevaleceria sobre a norma interna dos Estados-membros, conduzindo a
situação em que a norma eurocomunitário poderia ser afastada por vontade do decisor estadual
(prevaleceria a norma interna em conflito com a norma da UE).
A jurisprudência foi essencial para o desenvolvimento dos princípios a serem estudados a seguir.
O primeiro caso do Tribunal de Justiça que veio a fundamentar coerentemente o princípio do
primado foi o caso Costa c. Enel de 1964, que veio a decidir uma situação de conflito entre a
norma interna italiana e a norma eurocomunitária aplicável: Suscintamente fundamentou que,
(i) ao instituírem uma Comunidade de duração ilimitada, com poderes reais decorrentes da
limitação e atribuição voluntária das competências dos Estados-membros para a Comunidade,
os Estados limitaram, mesmo que em parte, a sua soberania, facto que consequentemente
conduz à afirmação de um novo bloco normativo aplicável a si e aos seus nacionais. (ii) Também,
através da integração entre ordenamentos jurídicos, a aceitação das disposições de fontes
comunitárias, e pelo próprio espírito dos Tratados, há inerentemente a conceção de
impossibilidade de um Estado poder fazer prevalecer suas medidas unilaterais posteriores
inoponíveis aos Estados (atos legislativos próprios) sobre um sistema de normas jurídicas aceite
por todos os Estados com reciprocidade. Ou seja, para que as obrigações assumidas nos Tratados
institutivos sejam absolutas, é obrigatório que não possam ser afastadas por atos próprios dos
Estados, como por suas normas e atos administrativos.
O Professor Eduardo Paz Ferreira aponta os argumentos utilizados pelo TJ em prol do princípio
do primado no caso Costa c. Enel: (i) a uniformidade na aplicação do direito da União e o
princípio da não discriminação – não seria lógico comprometer a eficácia do Direito da UE com
a possibilidade de sua aplicação variar entre Estados-membros em função da legislação nacional
de cada. Com a aplicação heterogênea entre Estados haveria o comprometimento da
prossecução dos objetivos da União e geraria discriminação entre os cidadãos destes; (ii) a
natureza incondicional das obrigações assumidas pelos Estados-membros – as obrigações
assumidas não seriam absolutas para cada Estado, mas sim meramente eventuais; (iii) previsão
expressa de exceções – há clausulas especificas nos Tratados quanto a possibilidade de atuação
unilateral dos Estados, que se esvaziariam caso não existisse o primado; (iv) o atual art. 288º
TFUE, antigo art. 189º TCEE, que garante o valor obrigatório e diretamente aplicável dos
regulamentos, seria esvaziado, pois não seria obrigatório nem diretamente aplicável caso a
legislação nacional decidisse; (v) a própria natureza dos Tratados - há limitação autônoma dos
direitos soberanos.

A Professora Maria Luisa Duarte explicita que a norma eurocomunitária contrária a norma
interna não prevalece sobre esta porque é hierarquicamente superior, mas sim porque é
“materialmente competente para regular a situação em concreto”, ou seja, pelo facto da UE ter
como base o princípio da competência de atribuição, esta apenas atua com base em suas
competências, as quais foram atribuídas pelos próprios Estados ao autolimitarem os seus
poderes de regulação jurídica com a aceitação dos termos dispostos nos Tratados. Assim, não é
hierarquicamente superior pois não surge de uma hetero-limitação, mas de uma autolimitação
decorrente da autonomia dos ordenamentos jurídicos nacionais e a legitimidade de seu poder
constitucional, que aceitou limitar as suas competências reguladoras, demonstrando uma
vontade própria para tal (caso quisesse retirar-se da União ele poderia).
 Já é claro que, as consequência do princípio do primado é o afastamento ou desaplicação da
norma interna contrária, no quadro do litígio, a norma eurocomunitária aplicável.

38
 Deve-se ter atenção que o princípio do primado consubstancia-se num critério
subsidiário/última ratio, que apenas poderá ser invocado pelo juiz da UE ou nacional para a
desaplicação da norma interna, quando houver esgotado todas as outras vias de superar o
conflito normativo. Este princípio reserva-se para situações de verdadeiro conflito, em que
a norma eurocomunitária e interna entrem em embate sem uma solução possível, senão o
seu afastamento. Caso seja possível da norma interna assentar numa interpretação
conforme com a eurocomunitária, não haverá sua desaplicação/afastamento.

Nos termos do caso Simmenthal (Acórdão TJ de 1978), o Tribunal de Justiça determinou que no
caso de conflito entre normas, a norma interna contrária é “inaplicável de pleno direito, desde o
momento da sua entrada em vigor”. Disso não se conclui que o princípio do primado interfere
na validade da norma, apenas na sua aplicação. Contudo, de modo relacionado, por força do
princípio da cooperação leal, os órgãos nacionais competentes estão obrigados a promover a
revogação ou alteração da norma incompatível com o direito eurocomunitário. Assim, a norma
interna não pode ser aplicada por força do princípio do primado e deve ser removida por força
do princípio da cooperação leal, sob pena os Estado-membro ser demandado pelo TJ por
acusação de incumprimento (art. 258º TFUE) com eventuais sanções pecuniárias (art. 260º
TFUE) até a revogação/alteração da norma. É importante referir que o destino final da norma
interna desaplicada está sobre a responsabilidade do Estado-membro, o qual deve recorrer por
seus meios constitucionais de fiscalização judicial de legalidade/constitucionalidade.
A mesma decisão judicial do caso Simmenthal determina que a Constituição de um Estado não
pode inibir o juiz nacional, como aplicador do direito eurocomunitário, de decidir sobre a
desaplicação de uma norma interna contrária à da União. Ou seja, o juiz pode decidir por vontade
própria, caso justificado, não aplicar a norma interna independentemente da prévia eliminação
da norma por via legislativa ou qualquer outro processo constitucional. Essa questão da espera,
sobretudo, pela fiscalização de constitucionalidade, para o juiz nacional desaplicar a norma
interna, ainda causa dúvidas em diversos Estados-membros (França no caso Melki 2010 e
Eslováquia no caso Krizan 2013), entretanto, o TJ mantém a sua posição de apoio da doutrina
Simmenthal, determinando ser um dever e uma competência do juiz nacional em garantir a
aplicação da norma eurocomunitária.
 A obrigação decorrente do princípio do primado consiste numa obrigação de resultado da
garantia da aplicação da norma/ato jurídico da União em qualquer situação de litígio entre
particulares e Estado e entre particulares, quando não haja norma interna conforme.
 Em Portugal, há um sistema descentralizado de fiscalização da inconstitucionalidade (art.
204º CRP), além da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional prever que não lhe
compete pronunciar-se sobre situação de desconformidade entre norma interna e norma
convencional (incluindo os Tratados institutivos), pelo que a questão deve ser resolvida pelo
juiz no caso concreto, com a eventual colocação de questões prejudiciais ao TJ (art. 267º
TFUE). O caso português mais relevante quanto ao primado foi o caso Mecanarte, onde
analisou-se a uma questão de desvalor da norma interna contrária ao Direito da UE, se era
uma inconstitucionalidade ou não, que caso fosse seria nos termos do art. 280º/1/a e 280º/3
CRP de recurso obrigatório para o TC. O TJ afirmou que, no mesmo sentido da doutrina
Simmenthal, mesmo que fosse obrigatório o recurso ao TC por se cumprir todos os requisitos
para recurso previstos no art. 70º/1/i LOTC e 70º/3 LOTC, caberia ao juiz da causa o poder
de decisão e o dever de garantir a plena eficácia da norma eurocomunitária.

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Para o Tribunal de Justiça, a termo “norma interna” refere-se a qualquer ato normativo do
Estado-membro, seja uma portaria seja a própria Constituição. E a prevalência do Direito da UE
se dá em todos os âmbitos, independente da norma ou ato jurídico da União, seja uma decisão
da Comissão seja um acórdão do TJUE. Já, para os Tribunais Constitucionais e outros análogos
dos Estados-membros, a questão da Constituição como norma interna gera certo embate quanto
ao primado supraconstitucional, em que o primado não deve ser visto como absoluto e
incondicional.
Os Tratados não apresentam referência expressão ao princípio do primado (constaria no art. I-
6º da Constituição Europeia – na transição para o Tratado de Lisboa, o projeto de artigo foi
afastado por ser considerado excessivo). O mais próximo seria na Declaração nº 17, que
referência o adquirido jurisprudencial de matéria de princípio fundamental do primado.
Disposições posteriores ao Tratado de Lisboa possibilitam uma interpretação sistemática do
princípio do primado, respetivamente o art. 4º/2 TUE (respeito pela identidade nacional dos
Estados-membros), art. 6º/3 TUE (tradições constitucionais comuns aos Estados-membros como
fonte de princípios gerais em matéria de proteção dos direitos fundamentais) e art. 53º CDFUE
(as Constituições dos Estados-membros como parte integrante do bloco fundamentalista da
União). Da análise dessas disposições é possível realizar a interpretação sistemática de que as
Constituições nacionais não são alheias ao princípio do primado, de modo que esse não seja
absoluto nem incondicional, apresentando determinados limites:
(i) O princípio do primado apresenta limites (limites à prevalência da norma eurocomunitária),
por exemplo, no caso de uma diretiva comunitária no âmbito de liberdade, segurança e justiça
virem a impor aos Estados-membros a criação de tribunais especiais para o julgamento de crimes
de terrorismo, com fundamento no art. 83º/1 TFUE – isso iria criar uma harmonização das
legislações nacionais que violaria, claramente, o princípio do juiz natural como base do Estado
de Direito (em Portugal violaria diretamente a proibição do art. 209º/4 CRP). O princípio do juiz
natural e a proibição de criação de tribunais especiais pelo art. 209º/4 CRP integram
essencialmente a estrutura da Constituição Portuguesa e de qualquer Estado de Direito, que a
União se compromete a respeitar nos termos do art. 4º/2 TUE.
(ii) Existem limites ao primeiro que funcionam numa lógica de autolimitação, uma espécie de
exigência metodológica de congruência interna do sistema jurídico da União – art. 6º/3 TUE e
art. 53º CDFUE. Os direito fundamentais enquanto princípios gerais, “tal como resultam das
tradições constitucionais comuns aos Estados-membros”, fazem parte integrante do direito da
União e, portanto, devem ser observados e respeitados. Na lógica de autolimitação, o TJ só pode
exigir a aplicação prevalecente de uma determinada matéria norma eurocomunitária se, pelo
menos em matérias de direitos fundamentais, esta norma tiver sido interpretada em
conformidade com as normas constitucionais e tradições constitucionais comuns que, nessa
qualidade, fazer parte integrante do Direito da União.
(iii) O princípio da competência de atribuição é um limite ao primado, em que a norma
eurocomunitária apenas prevalece na medida em que traduza o exercício de uma competência
atribuída pelos Tratados. Contudo, este limite é facilmente contornável pelo interpretações
extensivas e criativas dos Tratados pelo TJ.
Na Alemanha, para a aplicação interna do Direito da UE esta deve ser sujeita a um teste de
controlo ultra vires: a vocação prevalecente da norma eurocomunitária sobre a norma interna
é paralisada no caso de se concluir que o decisor da União violou os limites de competência
definida pelos Tratados. Há um limite fundamental e implícito que o TJ deve respeitar, que seria

40
o “diálogo entre iguais” – no caso Costa c. Enel é determinado que os Tratados foram fundados
com vista a Constituição dos Estados-membros, logo, não pode extravasar os limites imanentes
à garantia do Estado de direito – os Estados não podem atribuir competências à União que
violem os princípios e normas fundamentais do sistema democrático e de proteção dos direitos
fundamentais.

ii. Princípio da eficácia direta: o art. 288º TFUE determina como característica dos regulamento
que é “diretamente aplicável em todos os Estados-membros”, que garante a produção de efeitos
na ordem jurídica nacional de modo direto, ou seja, sem a necessidade de intermediação ou
recepção das normas. Porém, o que ocorre em relação as disposições nos Tratados, diretivas e
outros tipos de atos da União Europeia? Há também uma aplicabilidade direta? A jurisprudência
tende a definir através dos seus acórdãos (decisões coletivas) estas questões, tendo como
exemplos iniciais e fundamentais o caso Van Gend en Loos (acórdão de 05.03.1963 – primeira
apreciação do conceito de efeito direto, tendo por objeto as disposições dos Tratados) e o caso
Van Duyn (Acórdão de 04.12.1974 – efeito direto em relação a uma norma constante de
diretiva).
Os termos adotados pelo TJ são variáveis, sendo mencionado alternadamente entre “efeito
imediato, efeito direito, aplicabilidade direta, aplicação imediata”. Também, há aproximações do
efeito direito com a ideia de normas self-executing e, até, a aproximação do efeito direto como
sinônimo de invocação direta da norma pelos particulares enquanto titulares de direitos cuja
fonte é a norma eurocomunitária em causa – tal sinônimo não está errado, podendo-se perceber
que a jurisprudência comunitária tende a deixar de distinguir quanto aos tipos de atos, ao tentar
garantir aos particulares o máximo de tipos de atos jurídicos para serem invocados em juízo
(regulamentos, diretivas, decisões, disposições dos Tratados, entre outros).
O princípio da eficácia direta pode ser concebido, nos termos apresentados pela Professora
Maria Luisa Duarte, como um atributo da norma eurocomunitária, que reconhece direitos
subjetivos, de proporcionar ao particular a sua invocação, independentemente da existência de
legislação interna contrária. É notável a relação entre o princípio do primado e da eficácia direta,
sobretudo no âmbito de direitos fundamentais, como no caso Van Gend en Loos, em que o TJ
associa a norma atributiva de direitos individuais que produz efeitos imediatos (eficácia direta)
e o dever por parte dos órgãos jurisprudenciais nacionais de tutelar e garantir o exercício de tais
direitos (primado).
O Tribunal de Justiça é favorável ao critério de eficácia direta da norma, desde que a norma
atenda dois requisitos essenciais (caso Van Gend en Loos e caso Ursula Becker): (i) seja clara e
precisa – em regra, a norma deve reconhecer direitos aos particulares, envolvendo obrigações
para os Estados (mesmo que estes apresentem uma margem de escolha quanto ao meio de
garantia destes - caso Lombard), sendo uma norma suficientemente precisa quando enuncia
uma obrigação em termos inequívocos (caso Marshall); (ii) seja incondicional – exclui da eficácia
direta todas as normas cuja aplicação interna depende do exercício de uma competência
discricionária, legislativa ou administrativa, por parte do órgãos dos Estados-membros ou das
Instituições da UE (caso Molkerei-Zentrale Westfalen TJ 03.04.1968 – conceção de
incondicionalidade). O acórdão Kaefer determina que “uma disposição é incondicional quando
não deixa aos Estados-membros qualquer margem de apreciação”.

41
Nos casos das diretivas, questão doutrinária mais relevante, a incondicionalidade apenas se
verifica depois de esgotado o prazo de transposição pelo Estado – a jurisprudência debruça-se
sobre essa questão, que vem a definir que as diretivas poderão ser invocadas pelos particulares
após o prazo definido pela UE para a transposição do Estado com vista uma justificativa de
incumprimento pelo Estado, uma vez que o prazo parará de contar em benefício do Estado (a
diretiva é direcionada ao Estado). Além disso, a incondicionalidade da diretiva poderá tanto
ocorrer por ausência da transposição no prazo como por transposição parcial ou incorreta (caso
Ursula Becker).
 Efeito direto vertical das diretivas – Para que um Estado não possa tirar proveito de uma
diretiva não transposta, de modo que os seus cidadãos não pudessem invocar a norma
presente nesta contra si, a jurisprudência do TJ visualizou a possibilidade de caráter de efeito
direito da norma da Diretiva. O caso Van Duyn (04.12.74 TJ) marcou-se pela decisão coletiva
do TJ de afirmar o efeito direto vertical das diretivas, ao alegar que o efeito útil das diretivas
seria reduzido drasticamente se os particulares fossem impedidos de as invocar perante os
órgãos jurisdicionais nacionais, afetando a conceção destas como integrantes no direito
comunitário. O caso Modelo (29.10.1999 TJ) reafirma que os particulares poderão invocar
contra o Estado normas de diretivas sempre que este abstenham-se de transpor a norma
para a ordem interna ou quando a transponha incorretamente. Nota-se que a jurisprudência
comunitário apenas afirmou o efeito direto vertical ascendente, ou seja, do particular
contra o Estado, mas nunca do Estado contra o particular desde que o Estado não tenha
transposto a norma (Estado apenas poderá invocar se transpor a norma – caso Pretore de
Salò 11.06.1987 TJ)
 Efeito direto horizontal das diretivas – A jurisprudência recusa o efeito direito da norma
entre particulares sem que haja transposição, ao considerar que um diretiva não poderia
criar diretamente criar obrigações na esfera jurídica de um particular, não podendo tal
norma ser invocada contra outro particular (caso Marshall 26.02.1986). Vale ressaltar que,
mesmo com a impossibilidade de invocação, há outros meios para atenuar a situação, como
pela interpretação conforme ou a responsabilidade dos Estados-membros por violação do
Direito da União Europeia.
 Efeito direto pleno (?) – situação clássica que conjuga a desaplicação da norma interna
contrária (efeito de exclusão) com a aplicação da norma da diretiva (efeito de substituição),
que estaria limitada aos casos de litígios verticais que opõe os particulares ao Estado. Nos
casos de litígios entre particulares (horizontal), a diretiva apenas seria invocável por uma das
partes com fundamento na violação pelo Estado-membro de uma obrigação específica
(situação pouco comum tratada no caso UNILEVER de 26.09.2000).
 Sem prejuízo dos casos específicos abaixo, o Acórdão 23.09.2008 do caso Barsh afirmou a
posição quanto a exigência do esgotamento do prazo de transposição da diretiva
Nos casos de diretivas cujo prazo de transposição ainda não se esgotou, há uma forte relevância
de abordagem: (i) em regra, há a sua insusceptibilidade de invocação contenciosa; (ii) com base
no caso Wallonie (Acórdão 18.12.1997) é determinado que os Estados, durante o prazo da
diretiva, não podem adotar disposições que dificultem a concretização do fim/resultado
prescrito pela diretiva; (iii) a jurisprudência dos casos Mangold (Acórdão 22.11.2005) e Seda
(Acórdão de 19.01.2010) determinou a possibilidade de um particular invocar um direito
previsto pela diretiva cujo prazo ainda não se esgotou desde que esse demonstre que o mesmo
direito é previsto por outra fonte reveladora do direito, como um princípio geral de direito ou
uma disposição dos Tratados ou da CDFUE (os casos acima relacionam-se a revelação de um
princípio geral de direito como fonte de um mesmo direito que a o da diretiva).

42
 Efeito direto nas disposições dos Tratados: O Tribunal de Justiça reconhece a eficácia direta
das normas previstas nos Tratados, tanto como efeito direto vertical (invocável pelo
particular contra o Estado ou EU – casos Van Gend en Loos, Salgoil e Lutticke) quanto efeito
direito horizontal (invocável pelo particular contra outro particular – casos Walrave e
Defrenne). Porém, tudo depende da discricionariedade do TJ e da verificação dos
pressupostos de clareza, precisão e incondicionalidade, havendo situações em que este
admitiu a eficácia direta das disposições e outras que não.
 Efeito direto nos Regulamentos: O art. 288º TFUE já prevê a eficácia direta dos
regulamentos, porém a jurisprudência reforça tal princípio, como no caso Politi e caso
Leonesio, que garante o efeito direto dos regulamentos, logo, a sua possibilidade de
invocação perante os órgãos jurisdicionais nacionais.
 Efeito direto nas Decisões: (i) As decisões que têm como destinatários os particulares,
possuem eficácia direta. (ii) Já as decisões que possuem como destinatários os Estados-
membros, é possível invocar a jurisprudência do caso Grad, em que os cidadãos destes
Estados poderiam invocar em juízo. (iii) Por fim, no caso de decisões dirigidas às Instituições
da União Europeia, como programas financeiros, não há a possibilidade de produção de
efeito direto.

iii. Princípio da interpretação em conformidade com o Direito da União


Além dos princípios já mencionados, este também prevê uma articulação entre o Direito
Comunitário e o Direito Interno dos Estados-membros, em que consiste numa manifestação do
elemento interpretativo sistemático. Há-de se analisar esse princípio, sobretudo, sob a ótica das
situações das Diretivas: Há dois casos jurisprudências de base para a determinação deste
princípio, primeiramente, o caso von Colson de 10.04.1984 (o órgão jurisdicional nacional é
obrigado a interpretar o seu direito nacional à luz do texto e da finalidade da diretiva) e caso
Marleasing de 13.11.1990 - visto que não é possível o efeito direto da diretiva em litígios
horizontais, o TJ salientou que ao aplicar o direito nacional, o órgão jurisdicional nacional
chamado à interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, “na medida do possível”, à luz do texto e da
finalidade da diretiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir o art. 288º TFUE. A
mesma jurisprudência foi retomada nos casos Miret de 16.12.1993 e Faccini Dori de 14.07.1994.
O Tribunal de Justiça alega que a interpretação em conformidade com o Direito da União é
inerente ao sistema do Tratado, como referido no caso Pfeiffer de 05.10.2004 e caso Maribel
Dominguez de 24.01.2012 – “a exigência de uma interpretação conforme do direito nacional é
inerente ao sistema do Tratado, na medida em que permite ao órgão jurisdicional nacional
assegurar; no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito comunitário quando
decide do litígio que lhe é apresentado”.
Limites do princípio da interpretação conforme - no caso Adeneler de 04.11.2006, o próprio
Tribunal de Justiça determinou os limites da interpretação conforme, em que os órgãos
jurisdicionais nacionais não precisam o observar – “a obrigação de o juiz nacional tomar como
referência o conteúdo de uma diretiva quando procede à interpretação das normas pertinentes
do direito interno é limitada pelos princípios gerais de direito, designadamente os da segurança
jurídica e da não retroatividade, e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra
legem do direito nacional”. Outra limitação seria a proibição de agravamento da

43
responsabilidade penal do particular que violou as regras harmonizadas (caso Caronna de
28.06.2012).

iv. Princípio da responsabilidade extracontratual dos Estados-membros por violação do Direito


da União Europeia
A responsabilidade das instituições da União por violação do Direito da União Europeia já era
regida pelo Tratado CEE, porém a responsabilidade dos Estados-membros por violação do Direito
da União Europeia só veio a ser consagrado em 1991 pelo acórdão do caso Francovich de
19.11.1991, sendo este princípio fruto da construção pretoriana do Tribunal de Justiça.
O caso Francovich diz respeito à situação em que diversos assalariados italianos ficaram privados
da proteção prevista pela Diretiva da UE em causa, que não foi transposta pelo Estado italiano,
de modo que os particulares não pudessem aproveitar do seu direito. Esse princípio visa a
proteção dos direitos dos particulares, havendo responsabilidade do Estado pelos prejuízos
causados apor violação do Direito da União Europeia que lhe fossem imputáveis – no caso acima,
era imputável ao Estado italiano pelo facto deste não ter adotado a conduta exigida para que os
particulares pudessem invocar a norma decorrente da Diretiva nos tribunais nacionais, gerando
prejuízos a estes.
O Tribunal de Justiça, a partir de sua decisão coletiva, determinou três condições para analisar o
direito à reparação no caso de não transposição da diretiva: (i) o resultado prescrito pela diretiva
deve implicar a atribuição de direitos a favor dos particulares; (ii) o conteúdo de tais direitos
deve ser identificado com base nas disposições relevantes da diretiva; (iii) a existência de um
nexo de causalidade entre a violação da obrigação que impende sobre o Estado-membro e o
prejuízo invocado pelo particular lesado.
O caso Brasserie du Pêcheur/Factortame de 05.03.1996 revelou uma extensão para a admissão
da responsabilidade do Estado, determinando como válida qualquer violação do Direito da
União, independente da entidade nacional cuja ação ou omissão está no incumprimento, seja
uma lei do Parlamento seja uma omissão na transposição da diretiva. Também, os particulares
podem acionar os Estados pelos prejuízos sofridos mesmo no caso de violação de norma de
efeito direto.
O caso Kobler (TJ 30.09.2003) e caso Traghetti (TJ 13.06.2006) determinaram exigências mais
especificas para a responsabilização, evitando o teor abrangente da jurisprudência anterior, ao
determinar três condições específicas: (i) a regra de direito violada tenha por objeto conferir
direitos aos particulares; (ii) que a violação seja suficientemente caracterizada – deve-se analisar
se é uma violação grave e manifesta, cabendo ao juiz nacional considerar a relevância dos
indícios – será manifestamente grave a violação de um regime jurídico que, em jurisprudência
anterior proferida pelo TJ, em sede de ação por incumprimento ou reenvio prejudicial, tenha
sido julgada contrária ao direito comunitário; (iii) e que exista um nexo de causalidade direto
entre a violação e o prejuízo sofrido.
O caso Tomásová (TJ 28.07.2016) determinou que no âmbito de responsabilidade do Estado
pela atuação dos seus órgãos jurisdicionais, apenas poderá ter violação no caso de desrespeito
pelo Direito da União nas decisões de última instância, cujo desrespeito pode advir da violação
da obrigação de reenvio prejudicial, bem como a desconsideração da jurisprudência
eurocomunitária sobre a matéria. Importante referir que, o demandante de uma ação
indenizatória contra o Estado bem-sucedida poderá garantir o direito à reparação, mas não
necessariamente o direito a uma alteração da matéria julgada na decisão geradora do prejuízo.

44
No caso Silva e Brito (TJ 09.09.2015) foi decidido que também terá direito à reparação a
responsabilidade no caso de desrespeito em última instância, como citado anteriormente, mas
também no caso de divergência de julgados entre os tribunais nacionais inferiores.

v. Princípio da autonomia do ordenamento jurídico europeu


O princípio do primado relaciona-se diretamente a necessidade da existência de autonomia da
ordem jurídica comunitária, cujo princípio já tinha sido apresentado, antes do caso Costa c. Enel,
no caso Geus en Uitdenbogerd ao referenciar que “o direito nacional do órgão jurisdicional que
pede uma decisão prejudicial e o direito comunitário constituem duas ordens jurídicas distintas
e diferentes”. Já no caso Van Gend en Loos, também anterior ao caso Costa c. Enel, referenciou
que, ainda que de modo muito brando, o direito comunitário como uma “nova ordem jurídica
de direito internacional” (o termo foi abandonado pela jurisprudência e mais desenvolvido
posteriormente).
Após o acórdão Costa c. Enel, a autonomia da ordem jurídica da União foi garantida não só face
a ordem jurídica dos Estados-membros como também em relação a ordem jurídica internacional.
Além disso, a ordem jurídica comunitária está integrada na ordem jurídica dos Estados, conforme
exposto no caso Walt Wilhelm “o Tratado CEE institui uma ordem jurídica própria, integrada no
sistema jurídico dos Estados-membros, e que se impõe aos seus órgãos jurisdicionais”.
O principal acórdão da jurisprudência europeia que retrata a relação entre os princípios do
primado, da autonomia da ordem jurídica europeia, e do efeito direto foi no caso Poplawski (TJ
24.06.2019), que determina: “O direito da União se caracteriza pelo facto de emanar de uma
fonte autônoma, constituída pelos Tratados, pelo seu primado relativamente aos direitos dos
Estados-membros, bem como pelo efeito direto de uma série de disposições aplicáveis aos seus
nacionais e aos próprios Estados-membros. Estas características essenciais do direito da União
deram origem a uma rede estruturada de princípios, de regras e de relações jurídicas
mutuamente interdependentes que vinculam, reciprocamente, a própria União e os seus Estados-
Membros, e estes entre si (...)”.

V. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA COM O DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA


Com a adesão de Portugal às Comunidades Europeias apresentaram-se como necessárias
sucessivas revisões constitucionais para a adaptação de Portugal com o processo de construção
europeia e para a articulação entre a ordem jurídica nacional e os princípios da ordem jurídica
eurocomunitária, como do primado e eficácia direta, que alteraram completamente a dinâmica
internormativa – a revisão constitucional de 1982 introduziu o artigo 8º/3 CRP e a de 2004 aditou
o artigo 8º/4 CRP.

Art. 8º CRP (Direito Internacional)


1. (...)
2. (...)

45
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que
Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre
estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas
instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos
termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado
de direito democrático.

O artigo supramencionado prevê a eficácia direta das normas e atos eurocomunitários nas suas
várias dimensões de relação com a ordem jurídica portuguesa: (i) a norma eurocomunitária
prevalece sobre a norma interna no caso de colisão; (ii) a norma eurocomunitária é diretamente
aplicável, como acontece no caso do regulamento (art. 288º TFUE) e passa a vigorar na ordem
jurídica portuguesa assim que inicia sua vigência na ordem jurídica da União (art. 297º TFUE),
sem a necessidade de atos internos de recepção e transposição; (iii) a norma eurocomunitária,
verificados os pressupostos de eficácia direta, respetivamente o seu caráter claro, preciso e
incondicional, é fonte de direitos e deveres para os particulares que a podem invocar perante os
tribunais nacionais nos litígios em que sejam parte.
O art. 8º/4 CRP prevê uma cláusula de receção automática e plena no seu grau máximo, ou
seja, não há a necessidade de transposição da norma eurocomunitária para os moldes do direito
interno, aproximando-se de uma vertente monista. Contudo, há duas condições a serem
observadas: (i) “nos termos definidos pelo Direito da União” – há uma ideia de primado; (ii)
“respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático” – há-de se fazer a
interpretação com base em outras disposições constitucionais, e com a própria jurisprudência
eurocomunitária, sobretudo quanto ao primado da União.
Apesar da cláusula de receção automática prevista pelo artigo 8º/4 CRP, a principal base jurídica
de análise, quanto a aceitação do direito eurocomunitário e a aceitação da limitação da
soberania estatal em função dos objetivos da construção europeia, está prevista no artigo 7º/6
CRP, introduzido pela revisão constitucional de 1992, com a consagração da União Europeia:
“Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelos princípios fundamentais do
Estado de direito democrático e pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização
da coesão económica, social e territorial, de um espaço de liberdade, segurança e justiça e a
definição e execução de uma política externa, de segurança e de defesa comuns, convencionar o
exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à
construção e aprofundamento da união europeia” – os limites previstos serão analisados
individualmente abaixo:
i. “respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático e pelo
princípio da subsidiariedade” – tal formulação é retomada no art. 8º/4 CRP – pode-se
considerar que abarca os direitos fundamentais e os princípios inerentes à ideia de
Direito que inspira a Constituição de 1976.
ii. “convencionar o exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União” –
relaciona-se a aceitação da limitação de soberania , com a atribuição dos poderes
necessários do Estado para os órgãos da União, cujo exercício será em comum ou em
cooperação, que há-de ser convencionado. Nos termos do art. 161º/i CRP, tal convenção
exige a forma de tratado solene.
Importante referir que raramente haverá o conflito de normas de direito eurocomunitário com
normas constitucionais portuguesas. Além disso, o art. 8º/4 CRP não deve ser interpretado como

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uma “cláusula de suicídio constitucional”, ou seja, como uma autorização constitucional para
violar e ignorar a Lei Constitucional através de qualquer ato jurídico da União Europeia.
O Tribunal Constitucional apresenta o histórico de afastamento de sua competência para julgar
questões de constitucionalidade ou de legalidade de normas de Direito da União, como ocorreu
na fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade das propostas de referendo sobre
o Tratado de Amsterdão e sobre a Constituição Europeia. O TC afasta a sua competência em
relação a pedidos de desconformidade entre norma interna e normas dos Tratados institutivos,
pois se recusa a considerar tal controlo no âmbito de “contrariedade” previsto no art. 70º/1/i
LOTC, argumentando como adequado adotar o mecanismo processual das questões prejudiciais
(art. 267º TFUE), que considera o TJ o juiz natural para responder às questões de interpretação
e validade suscitadas pelos tribunais nacionais, com vista a aplicação uniforme e de prevalência
do Direito da UE. É indiscutível que as questões enquadram-se nos termos do art. 70º/1/i LOTC,
uma vez que os Tratados tratam-se de “convenções internacionais”, porém preferem utilizar o
argumento mencionado anteriormente.
 Acórdão nº 163/90 TC – admissão portuguesa da possibilidade da submissão de questões
prejudiciais ao TJ.
 Acórdão nº 711/2020 TC – primeiro pedido a título prejudicial ao TJ.
Acórdão nº 422/2020 TC – resposta quanto ao problema do primado supraconstitucional: (i) O
TC afirma que apenas aprecia e recusa a aplicação de uma norma eurocomunitária nas situações
em que esta se revele incompatível com um princípio fundamental do Estado de Direito
Democrático. (ii) Junto disso, confirmou sua adesão ao princípio da proteção equivalente
acompanhada do princípio do juiz natural, ou seja, considera que o Direito da União, nos
Tratados e CDFUE, assegura uma proteção materialmente equivalente à Constitucional no
domínio dos direitos fundamentais. (iii) Por fim, com base no art. 277º TFUE, no caso de dúvida
do TC quanto a eventual violação de uma norma constitucional por uma disposição do direito
eurocomunitário, este é obrigado a suscitar a questão ao Tribunal de Justiça (como tribunal
competente para a interpretação e definição dos limites aplicativos do normativo
eurocomunitário). (iv) O TJ determinou a rejeição do critério de prevalência hierárquica do
Direito da UE, adotando uma conceção atípica de pluralismo constitucional.
 A interpretação sistemática de conflito entre normas constitucionais deve ser feita pela
conjunção do art. 8º/4 e 7º/6 CRP com o princípio da cooperação leal (art. 4º/3 TUE) e o
dever de respeito da UE pela identidade nacional refletida na estrutura constitucional dos
Estados-membros.
 O Tribunal Constitucional, antes de decidir, é obrigado a dar a oportunidade ao TJ para se
pronunciar sobre questões referentes, no âmbito de suas competências, à interpretação e
validade do ato jurídico da União Europeia em causa.

VI. CONTENCIOSO DA UNIÃO EUROPEIA


A estrutura judiciária da União Europeia pode ser considerada sui generis, no sentido de divergir
da estrutura estatal, não se aproximando da estrutura federal. A instituição eurocomunitária
judicial da União Europeia é o Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual é composto pelo
Tribunal Geral e Tribunal de Justiça. Atualmente o TJ é o tribunal de 2ª e última instância, que
tem competência para decidir processos de incumprimentos e reenvio prejudicial e, além disso,

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decide recursos de acórdãos do TG quanto a processos relacionados à anulação e omissão de
atos europeus (cuja competência originária pertence ao TG – nos recursos ao TJ, este apenas
observa a matéria de direito, nunca a matéria de facto determinada pelo TG).
 TGUE é formado por 54 juízes (2 por EM) e o TJUE por 27 juízes (1 por EM).
 Base jurídica: arts. 19º e 24º TUE; arts. 251º a 281º TFUE e outros artigos dispersos. Também,
normas do Estatuto do TJUE, Regulamentos de Processo, entre outros.

VI.1. ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS NACIONAIS


Os tribunais nacionais são os tribunais comuns da ordem jurídica da União Europeia, no sentido
de integrarem a estrutura jurisdicional eurocomunitária a partir da adesão do Estado em que
está inserido. Os tribunais nacionais são chamados para aplicar o direito europeu e nacional,
com a competência para decidir litígios em que estejam em causa direitos e obrigações
decorrentes da ordem jurídica europeia ou para a determinação de interpretações relevantes
deste. A aplicação do direito europeu ocorre nos litígios entre particulares e entre particulares e
o Estado. Algumas situações de aplicação do direito europeu pelos tribunais nacionais:
i. Controlar a legalidade de um ato administrativo de uma autoridade portuguesa que
aplica o direito europeu.
ii. Controlar se a norma duma lei ou regulamento português respeita o Direito da União
Europeia.
iii. Resolver litígios entre duas empresas, em que uma invoca direitos que lhe são conferidos
pela ordem jurídica europeia.
Os tribunais nacionais são essenciais para a garantia do respeito pelo direito eurocomunitário,
uma vez que apresentam a competência exclusiva de alcance territorial para interpretar e aplicar
o direito nacional e controlar a legalidade de atos legislativos e administrativos face o direito
eurocomunitário como integrante do bloco normativo dos Estados-membros. Isto ocorre pelo
facto do TJUE nunca poder ser chamado diretamente para a realização das competências acimas,
como a interpretação e aplicação do direito dos Estados-membros, apenas para contribuir
indiretamente no controlo da legalidade de atos legislativos e administrativos nacionais quando
for chamado pelo Estado para interpretar o direito europeu num reenvio prejudicial, em que se
discutirá a compatibilidade de tal norma/ato nacional com o Direito da União Europeia.
 Não há nenhuma relação hierárquica entre os tribunais eurocomunitários e os tribunais
nacionais, não existindo recurso para o TJUE, uma vez que são autônomos. Contudo, a ordem
jurídica dos dois estão sobrepostas, ao observa-se o princípio do primado do DUE, sendo os
tribunais nacionais obrigados a respeitar as determinações do TJUE. Os tribunais nacionais
são vinculados à jurisprudência eurocomunitária e todas as obrigações decorrentes do DUE,
incluindo o princípio da cooperação leal com as instituições europeias, incluindo o TJUE.
Desse modo, os tribunais dos Estados estão obrigados a conhecerem oficiosamente o direito
eurocomunitário assim como conhecem o direito nacional.
 No Direito Europeu, formalmente não há a regra do precedente, porém na prática é
considerável a sua existência. (i) O TJUE não está vinculado às suas decisões anteriores,
porém este redige a sua jurisprudência como se existisse precedente, fundamentando tal
fenômeno como uma observação da segurança jurídica, sendo raro que o próprio TJUE
contrarie suas decisões anteriores. (ii) O mesmo se aplica ao TGUE, que não é obrigado a
manter a posição adotada pelo TJUE, porém, na prática e com base no princípio da
cooperação leal, a adota em casos futuros semelhantes. (iii) Por fim, os tribunais nacionais

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estão obrigados, por via do princípio da cooperação leal, a interpretação o direito
comunitário assim como foi interpretado pelo TJ – no caso de não observância da
interpretação adotada pelo TJ, haverá violação das obrigações do DUE, expondo o Estado a
um possível processo para o incumprimento e uma ação de responsabilidade extracontratual
intentada pelos lesados com base no DUE.

Princípio da tutela jurisdicional efetiva


Os tribunais dos Estados-membros são órgãos jurisdicionais eurocomunitários, competentes
para assegurar a interpretação e a aplicação do Direito da União em todas as situações que,
envolvendo um litígio relacionado com norma eurocomunitária, extravasem o âmbito de
funcionamento das vias de direito de aceso ao TJUE (art. 274º TFUE).
Nos termos do art. 19º/1/2 TUE, a natureza imperativa do direito de acesso a um tribunal faz
recair sobre os Estados-membros a obrigação de estabelecer “as vias de recurso necessárias para
a assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União”. Os
Estados-membros são livres para definir a sua estrutura judiciaria e o seu direito processual,
porém devem garantir (i) princípio da efetividade - a efetividade do recurso ao tribunal, ou seja,
as soluções consagradas pelo direito nacional para a defesa de direitos provenientes de normas
eurocomunitárias não podem tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício desses
direitos e (ii) princípio da equivalência - acautelem a equivalência processual condicionantes
do exercício de um direito proveniente de norma interna para um direito consagrado pela norma
eurocomunitária, ou seja, devem ser conferidos os meios processuais para a garantia de direitos
eurocomunitários, os mesmos meios que seriam conferidos para os das normas nacionais.

VI. 2. REENVIO PREJUDICIAL


Tem sido um dos mecanismos essenciais para o aprofundamento e defesa da uniformidade do
Direito da União Europeia, que age como um meio de colaboração entre os tribunais nacionais
e o TJUE (art. 267º TFUE) através da suscitação de dúvidas dos tribunais nacionais, onde ocorre
a maior parte da aplicação do direito eurocomunitário e, consequentemente, o maior número
de questões, ao Tribunal de Justiça (realiza esclarecimentos obrigatórios).
O TJUE é competente para responder a questões colocadas por tribunais nacionais sobre a
interpretação dos Tratados (direito primário) ou sobre a interpretação/validade do direito
europeu secundário. O TJUE pode até interpretar atos europeus não vinculativos, desde que
sejam relevantes para o esclarecimento do direito europeu em causa. O TJUE não é competente
para interpretar ou aferir a validade de atos nacionais, porém é comum os tribunais nacionais
encaminharem questões quanto a validade de uma norma nacional face o Direito da União
Europeia, em que, posteriormente, caberá ao tribunal nacional aplicar os esclarecimentos e
afastar a norma contrária.
Há situações em que as questões prejudiciais são obrigatórias, nomeadamente:
i. Quando uma questão de interpretação/validade de um ato europeu é necessária ao
julgamento da causa perante o tribunal nacional e a decisão deste, no caso concreto, não é
suscetível de recurso judicial previsto no direito interno (art. 267º/4 TFUE). Ou seja, haverá a
obrigação de reenvio prejudicial sempre que não existir recurso da decisão (o recurso ao TC e
TEDH não contam). No âmbito desta obrigatoriedade, o acórdão CILFIT (nº 283/81 TJUE)
determinou certas ocasiões em que não será necessário o reenvio prejudicial em situação de

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esgotamento de recursos: (a) a questão suscitada é irrelevante; (b) a disposição eurocomunitária
já foi interpretada anteriormente pelo TJUE; (c) teoria do ato claro – a aplicação correta do DUE
é tão óbvia que não deixa margem para dúvida razoável.
ii. Quando um tribunal nacional entende que um ato europeu é inválido (por violar o Tratado ou
direitos fundamentais), tem de submeter uma questão prejudicial ao TJUE para que este afira a
legalidade desse auto europeu e autorize a sua desaplicação ao caso concreto – acórdão Foto-
Frost (nº 314/85 TJUE). Isto ocorre porque o TJUE tem competência exclusiva para declarar a
invalidade de normas comunitárias.
iii. Em todos os outros casos, o reenvio prejudicial será facultativo – “se o tribunal nacional
considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa”. Não
importa a instância – os dados demonstram uma grande quantidade de questões prejudiciais
suscitadas pelos tribunais de primeira instância, sobretudo pelo facto destes serem compostos
por juízes mais jovens.
 Caso o tribunal de última instância não envie prejudicialmente a questão ao TJ, adotando
uma interpretação contrária ao Direito da União Europeia, a única possibilidade do lesado
será intentar uma ação de responsabilidade extracontratual contra esse Estado.
 O TJUE não é obrigado a responder todas as questões prejudiciais, apresentando
discricionariedade para recusar, responder ou reformular os pedidos.

Efeitos do acórdão quanto a questão prejudicial: (i) nos casos de interpretação – haverá efeito
do precedente atípico, em que vincula o juiz que colocou a questão e todos os juízes que no
futuro venham a ter uma dúvida materialmente semelhante – terá efeito retroativo com
possibilidade de limitação no tempo por razões de segurança jurídica; (ii) nos casos de
declaração de invalidade – o ato declarado invalido é inaplicável no caso concreto e deve ser, nos
termos do art. 266 TFUE (por analogia) conjugando com o princípio da cooperação leal, revogado
ou alterado, pela instituição, órgão ou organismo que o adotou – poderá ter efeito retroativo por
decisão do TJ, que será suscetível a limitação por razões de interesse relevante, como segurança
jurídica.

VI. 3. APLICAÇÃO DO DIREITO EUROPEU PELO TJUE


1. Processo por incumprimento: O processo por incumprimento, previsto nos arts. 258º a 260º
TFUE, é o mecanismo judicial pelo qual o TJUE declara que um Estado-membro violou as
obrigações impostas pelo Direito da UE (primário e secundário), podendo levar à imposição de
sanções. Qualquer violação pode dar o início ao processo, como a violação de uma norma do
Tratado, não transposição de uma diretiva, violação de um regulamento, etc. (por qualquer órgão
nacional). Este processo é realizado em fases, conforme será exposto abaixo:
i. Fase administrativa: (a) contatos prévios – cabe à Comissão identificar violações do Direito da
UE pelos Estados-membros e prosseguir ações por incumprimento (art. 258º TFUE). Os EMs
também pode iniciar ações por incumprimento, após submeter o assunto à Comissão, porém é
raro. A Comissão entrará em contato com o Estado-membro para que este se justifique. (b)
parecer fundamentado – a Comissão enviará ao EM um parecer fundamentado caso mantenha
as suas suspeitas quanto a atuação do Estado. Após, poderá proceder com um ultimato,
determinando um prazo para este repor a legalidade, sob a pena de iniciar o processo por
incumprimento.

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ii. Fase contenciosa: (c) declaração do incumprimento – passado o prazo, a Comissão submeterá
a petição inicial com o parecer fundamentado ao TJUE, que decidirá pela existência ou não
existência da violação do DUE. Caso declare pelo incumprimento, o Estado estará obrigado a
tomar as medidas necessárias para a execução do acórdão, ou seja, adotar todas as medidas
para garantir o cumprimento das obrigações consideradas violadas. (d) imposição de sanções –
caso seja considerado que a ilegalidade persiste, ou seja, o Estado não adotou as medidas para
cumprir a obrigação violada, o TJUE poderá aplicar sanções, como a condenação no pagamento
de multa ou sanção pecuniária compulsória
Obs: nos termos do art. 260º TFUE, caso haja violação do DUE pelo Estado por não transposição
de diretiva, é admissível a instauração de um processo por incumprimento especial, onde as duas
subfases da fase contenciosa (não explicitadas acima) possam ocorrer em uma única, para
acelerar o processo e evitar que os Estados se aproveitem da demora contenciosa para adiarem
a transposição da norma da diretiva.
Os tribunais nacionais estão vinculados, pelo princípio da cooperação leal, a respeitar a
declaração do incumprimento pelo TJUE.

2. Recurso de anulação e omissão: Todos os atos adotados por entidades com poderes de
autoridade que criam obrigações externas têm de ser passíveis de recurso judicial. O recurso de
anulação é previsto nos arts. 263º e 264º TFUE e o recurso de omissão (violação de um dever de
decidir) está previsto nos arts, 265º e 266º TFUE. No recurso de anulação e omissão perante o
TJUE, apenas podem ser Rés (legitimidade passiva) as instituições, órgãos e organismos da
União.
 Recorre-se ao tribunal português competente em situações de (i) um ato administrativo
português que aplique uma norma europeia; (ii) uma lei portuguesa que transpõe uma
diretiva.
 Recorre-se ao TJUE/TGUE em situações de (i) uma decisão da Comissão Europeia endereçada
a um particular ou Estado; (ii) um regulamento ou diretiva da União Europeia.
Pode ser objeto de recurso que produza efeitos jurídicos externos, seja geral e abstrato
(regulamento e diretiva) seja individual e concreto (decisão). O critério de determinação do
objeto de recurso é a sua matéria, ou seja, caso crie obrigações, mesmo que sob o nome de
“recomendação”, haverá espaço para recurso.
Legitimidade ativa (para dar início a um processo de recurso): Tal atribuição é direcionada a três
tipos - (i) recorrentes privilegiados – os Estados-membros e instituições europeias tem
legitimidade para recorrer a atos gerais e abstratos, sendo os únicos que podem recorrer a
anulação de regulamentos e diretivas; (ii) destinatários de atos – qualquer pessoa que tenha sido
indicada expressamente como destinatário de um ato individual e concreto europeu tem o
direito de interpor um recurso de anulação deste ato (art. 263º/4/1ª parte TFUE); (iii) pessoas
não destinatárias que sejam direta e individualmente afetadas por esses atos (art. 263º/4/2ª
parte TFUE) – o ato tem de o afetar diretamente, e tem de o afetar individualmente devido a
certas qualidades que lhe são próprias ou a uma situação de facto que o caracteriza em relação
a qualquer outra pessoa e assim o individualiza de maneira análoga ao destinatário (caso
Plaumann nº 25/62 TJUE).
O fundamento para o recurso de anulação pode ser: (i) incompetência da entidade que adotou
o ato; (ii) violação de formalidades essenciais na adoção do ato; (iii) ilegalidade (violação do
DUE); (iv) desvio de poder.

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O TJUE poderá optar pela anulação total ou parcial com, em regra, efeitos retroativos (o ato
anulado nunca chegou a produzir efeitos – ab initio). Porém, por causas excecionais de segurança
jurídica, o TJUE poderá limitar a retroatividade, produzindo efeitos apenas para o futuro.

3. Exceção de ilegalidade: Tal mecanismo está previsto no art. 277º TFUE, e consiste num meio
de ação contra atos gerais e abstratos, como regulamentos e diretivas. É essencial pois possibilita
aos particulares, mesmo que não destinatários das normas eurocomunitárias, de contestarem a
legalidade destes atos (independente de prazo). A única questão característica da exceção de
ilegalidade é que esta não pode ser levantada diretamente, apenas indiretamente, como por
exemplo no caso do particular impugnar a decisão da Comissão perante o TJUE com base na
ilegalidade de um regulamento utilizado como base jurídica pela Comissão, desse modo o
particular levará a questão ao TJUE, que decidirá sobre a validade do regulamento suscitado.
 Outro meio de recurso de anulação contra um ato geral e abstrato é através das questões
prejudiciais no âmbito nacional – um particular poderá invocar a norma geral e abstrata
eurocomunitária no tribunal nacional, o qual poderá ter dúvidas quanto a validade desta, e
deverá obrigatoriamente suscitar a questão perante o TJUE, que terá de aferir a legalidade
do ato geral e abstrato.

4. O TJUE apresenta outras diversas competências, porém apresenta limites definidos em


matéria do âmbito da política externa e de segurança comum (PESC), não estando no controlo
de legalidade do TJUE os atos da UE adotados no quadro destas competências (art. 275º TFUE).
Também, há limitações das competências do TJUE no âmbito do espaço de liberdade, segurança
e justiça (art. 276º TFUE).

VII. AS QUATRO LIBERDADES


Desde o Tratado de Roma de 1957, o qual instaurou a Comunidade Económica Europeia, previa-
se o estabelecimento de um Mercado Comum, definido como “um espaço sem fronteiras
internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é
assegurada de acordo com as disposições dos Tratados” (art. 26º/2 TFUE) – com a revisão do Ato
Único Europeu de 1986, o Mercado Comum passou a ser chamado de Mercado Interno.
O Mercado Comum visava a fusão gradual num só mercado dos vários mercados nacionais dos
Estados-membros, no interior do qual passaria a vigorar as quatro liberdades a serem estudadas
adiante. Com o desenvolvimento do conceito de Mercado Comum (caso Schul de 05.05.1982)
decorrente de revisões subsequentes, como o AUE, e a expansão dos objetivos deste com a
introdução de políticas comerciais e de concorrência inovadoras, visou-se a criação de uma
União Económica e Monetária, a qual foi estabelecida pelo Tratado da União Europeia em 1992
(Tratado de Maastricht). Esta nova União fixou um objetivo mais audacioso e vasto aos Estados-
membros que, ultrapassando uma mera integração económica internacional, estabeleceu uma
moeda em comum. Conclui-se que o processo de construção europeia determinou um Mercado
Interno abrangido por quatro liberdades – (i) a liberdade de circulação de mercadorias; (ii) a
liberdade de circulação das pessoas, ou dos trabalhadores; (iii) a liberdade de circulação e

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prestação dos serviços e (iv) a liberdade de circulação dos capitais – e uma União Económica e
Monetária (Euro como moeda comum entre os Estados—membros).
Estabelecimento de um Mercado Interno capaz de contribuir para a melhoria geral das condições
de vida do conjunto dos povos participantes.

Antes de abordarmos a primeira liberdade (liberdade de circulação de mercadorias), é essencial


retratar as modalidades ou formas principais de integração econômica internacional –
atualmente é uma das liberdades de maior importância, visto que os Estados encontram-se com
maior interdependência, podendo os cidadãos escolher a origem dos numerosos bens
disponíveis na Europa comunitária.
 Zona de Comércio Livre – pressupõe a liberdade de circulação de bens entre os territórios
dos Estados-membros, mas sem harmonização ou unificação dos direitos aduaneiros por
eles aplicados, podendo dar origem a situações de “desvio de comércio” (um Estado terceiro
opta por entrar com o bem por um Estado pois é mais barata a taxa), com vista ao
aproveitamento dos encargos aduaneiros mais baixos exigidos por algum dos Estados-
membros no respetivo território. Umas das principais zonas de comércio livre existentes são
a EFTA (criada pelo Reino Unido junto do processo de criação das Comunidades Europeias)
e a NAFTA.
 União Aduaneira – pressupõe a liberdade de circulação de bens entre os territórios dos
Estados-membros, porém sem a possibilidade de impor uma cobrança própria de quaisquer
direitos aduaneiros diferente da dos outros Estados-membros, uma vez que é pressuposto a
adoção de uma Pauta Única Aduaneira em toda a expansão territorial abrangida, tanto na
importação como nas exportações de bens, de e para Estados terceiros. Admite-se que
dentro dos territórios que compõe a União não existem fronteiras internas, porém com
fronteiras externas aos Estados terceiros, onde há uma Pauta Aduaneira Única para a
entrada e saída de bens. O principal exemplo de União Aduaneira moderna é a própria União
Europeia.
No âmbito de subdivisões das duas principais modalidades citadas acima é possível citar as (i)
integrações setoriais/verticais – livre circulação de um determinado setor de bens, como no caso
da CECA; (ii) integrações gerais/horizontais – abrange a generalidade dos setores económicos,
como no caso da CEE, UE, NAFTA e Mercosul).

VII.1. LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS


Concretiza-se com a definição de uma União Aduaneira, prevista no art. 28º/1 TFUE – “abrange
a totalidade do comércio de mercadorias e implica a proibição, entre os Estados-membros, de
direitos aduaneiros de importação e exportação e de quaisquer encargos de efeito equivalente,
bem como a adoção de uma pauta aduaneira comum nas suas relações com países terceiros”.
Tal União Aduaneira abrange os produtos originários dos Estados-membros e os produtos
provenientes de países terceiros que se encontrem em “livre trânsito” nos Estados-membros
(art. 28º/2 TFUE) – com direitos aduaneiros (imposições pecuniárias ou tributos exigidos aos
importadores e exportadores provenientes de outros Estados para o consumo ou utilização no
território nacional, exigidos na passagem na fronteira) e outras condições comerciais iguais para
todos os Estados membros nas suas relações com países terceiros.

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A Política Comercial Exterior Comum Europeia engloba a harmonização completa da circulação
de bens na União Europeia – consiste na União Aduaneira em conjunto com a Política Comercial
Comum, em que ambas constituem domínio de competência exclusiva da União, a qual pode
legislar e adotar atos juridicamente vinculativos tanto em matéria de política aduaneira como de
política comercial exterior.
 Quando não engloba nenhuma matéria citada no ponto acima, há a competência partilhada
entre a União e os Estados-membros, podendo ambos legislarem e adotarem atos
juridicamente vinculativos. Logo, os Estados podem exercer as competências partilhadas “na
medida em que a União não tenha exercido a sua” ou voltem a exercê-la “na medida que a
União tenha decidido deixar de exercer a sua” (arts. 2º/2 e 4º/2/a TFUE).
 O valor pecuniário relativo aos títulos aduaneiros é definido com base na natureza, peso ou
volume do bem (direitos aduaneiros específicos) ou com base no valor pecuniário do bem
(direitos aduaneiros ad valorem) – os direitos aduaneiros que integram a Pauta Aduaneira
Comum europeia estão fixados no Código Aduaneiro da União.
Mercado Interno  Política Comercial Exterior Comum Europeia  União Aduaneira e Política
Comercial Comum (engloba normas de concorrência).

Resumidamente, a União Aduaneira se concretiza em quatro pontos:


(i) Intracomunitária – relativa à proibição de direitos aduaneiros de entrada e saída no território
nacional de produtos provenientes de Estados-membros da União.
(ii) Extracomunitária – relativa à fixação de uma pauta aduaneira comum, igualmente aplicável
em todos os Estados-membros nas relações económicas com países terceiros
(iii) Proibição de quaisquer restrições quantitativas , correntemente designadas quotas ou
contingentes, quer no momento de importação quer no momento de exportação de
mercadorias, de e para outros Estados membros, nos termos dos arts. 34º e 35º TFUE.
(iv) A harmonização de certas políticas econômicas dos Estados-membros e, consequentemente,
a unificação, quando necessárias ao bom funcionamento do Mercado Interno.

Fixação de alguns conceitos essenciais


“Mercadorias” – inclui produtos industriais, agrícolas e das pescas (art. 38º/1 TFUE) – não
abrange, por exemplo, moedas com curso legal, visto que estas estão abrangidas pela liberdade
de circulação de capitais e de meios de pagamento.
“Direitos aduaneiros” – São proibidos entre os Estados-membros e aplicáveis aos Estados
terceiros de modo uniforme, que consistem em imposições financeiras previstas na Pauta
Aduaneira e exigíveis nas operações de importação e exportação de mercadorias, com o fim de
proteção do mercado e dos produtos e produtores nacionais e ainda a obtenção de receitas
públicas, que podem ter por base um valor aduaneiro específico ou ad valorem.
“Encargos de efeitos equivalentes” – Também proibidos nos termos do art. 30º TFUE, que não
são direitos aduaneiros, mas apresentam efeitos semelhantes (conceito explorado pela
jurisprudência do TJUE), se tratando de um encargo pecuniário unilateralmente imposto que
incida sobre mercadorias nacionais e estrangeiras pelo simples facto de ultrapassarem a
fronteira desde que “em razão de importação”

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“Restrições quantitativas” – todos os obstáculos à livre circulação de mercadorias consistentes
na imposição de contingentes ou quotas de importação ou exportação de mercadorias,
produzidas num Estado-membro ou em livre prática no seu território.
 O caso Van Gend en Loos previa a obrigação clara, precisa e incondicional de abstenção dos
Estados em estabelecerem novos direitos aduaneiros, que por força do princípio do efeito
direto, eram invocáveis pelos particulares em juízo, por criar direitos na respetiva esfera
jurídica – o atual art. 30º TFUE prevê essa proibição precisa e essencial à concretização do
Mercado Interno, em que quaisquer exceções devem ser interpretadas restritivamente. As
exceções ao art. 30º TFUE estão previstas nos arts. 36º e 100º TFUE
 O caso Suzanne Donckerwolcke e Schou (15.12.1976 TJ) prevê a não discriminação de
regime entre os produtos originários e de os produtos em livre prática no território
comunitário europeu, no âmbito da proibição de restrições quantitativas e de medidas de
efeito equivalente.
 O caso Dassonville (11.07.1974 TJ) determina o conceito de “efeito equivalente a restrições
quantitativas” como “qualquer regulamentação comercial dos Estados-membros suscetível
de prejudicar, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, o comércio
intracomunitário”
 O caso Cassis de Dijon (20.02.1979 TJ) reconhece implicitamente o princípio de
reconhecimento mútuo das legislações nacionais, pelo que devem ser admitidos a circulação
e comercialização no território dos Estados membros os produtos regularmente produzidos
e comercializados nos outros Estados membros (Estado da origem do bem) (?)

Importante ressaltar que através da construção jurisprudencial citada anteriormente, elaborou-


se o Regulamento nº 2679/98 do Conselho, de 7 de dezembro de 1998, que determina a noção
de “restrições quantitativas” como um “entrave atual ou potencial à livre circulação de
mercadorias”: qualquer comportamento atribuível a um Estado membro e que envolva uma
ação ou omissão por parte deste, que possa constituir uma violação dos artigos 34º a 36º do
TFUE e que preencha os seguintes requisitos: (i) perturbação séria à livre circulação de
mercadorias; (ii) cause prejuízo grave às pessoas; (iii) que exija uma ação imediata para impedir
a continuação ou o agravamento da perturbação ou prejuízo apontados.
 Os requisitos não serão preenchidos num entrave meramente potencial
 Caso haja um entrave da livre circulação de mercadorias, haverá espaço para a exigência da
cessação imediata dos entraves existentes e, possivelmente, uma ação por incumprimento
e responsabilidade extracontratual, invocáveis pelos particulares, visto que há a
manifestação do princípio da eficácia direta dos atos eurocomunitários

VII. 2. LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS, E DE TRABALHADORES


No objetivo do estabelecimento de um Mercado Interno com um aproveitamento efetivo da
liberdade de circulação de mercadorias e liberdade de circulação de serviços, fixou-se uma
liberdade de circulação de trabalhadores, ao considerar uma conceção de “homem económico”,
não “homem integral” (como referido pelo Professor Moura Ramos), de modo que facilitasse um
Mercado Interno completo (não é possível a prestação de um serviço e, consequentemente,
mercadorias, sem mão-de-obra) sem uma face repleta de burocracias e outros processos
impeditivos de acesso aos Estados-membros.

55
Inicialmente, reconheceu-se a liberdade de circulação de trabalhadores (qualquer pessoa
humana que já tenha exercido, que exerça ou que pretenda exercer uma atividade econômica
assalariada – acórdão Walrave/Koch 12.12.1974 – logo, os desempregados involuntários,
incapacitados ou beneficiários de segurança social beneficiam-se de tal direito) e prestadores
de serviços em toda a extensão do território eurocomunitário. Posteriormente, reconheceu-se
o direito destes serem acompanhados pelas respetivas famílias, independentemente da
nacionalidade destes (Regulamento CEE nº 1612/68). Por fim, posteriormente, o Tribunal de
Justiça reconheceu o direito de circulação aos que não participam ativamente, mas apenas
passivamente no processo produtivo (Acórdão Luisi e Carbone 31.01.1984 TJ)
 O caso Van Duyn (04.12.1974) fixou a eficácia direta do art. 45º/1 TFUE quanto a livre
circulação de trabalhadores, onde os particulares podem invocar em juízo tal direito,
implicando a abolição de qualquer discriminação por nacionalidade, emprego, remuneração
e outros (art. 45º/2 TFUE) – É previsto a livre circulação de trabalhadores do Estados-
membros, mas não de nacionais de países terceiros, independentemente de já terem sido
reconhecidos como trabalhadores por um dos Estados-membros.
 Acórdão Franca-Ninni-Orasche 06.11.2003 – determinou que o trabalho prestado deve ser
real e efetivo, mesmo que de curta duração ou a tempo parcial, mas não meramente parcial.
Decorridas diversas evoluções jurisprudenciais e normativas passou-se a abrir espaço para uma
conceção de Cidadania Europeia, associada a um direito de livre circulação de pessoas, que viria
a ser consagrado no art. 20º/2/a e 21º TFUE e art. 45º CDFUE, entre outros, sendo que a
liberdade de circulação de trabalhadores diferencia-se da liberdade de circulação dos cidadãos
da União.
A liberdade de circulação de cidadãos da União Europeia tem poucas restrições, as quais estão
previstas no art. 45º TFUE, como no caso do nº3 “restringida por razões de ordem pública,
segurança pública e saúde pública”. Tais restrições são definidas com grande dificuldade, visto
que entram em embate com o âmbito de direitos fundamentais da ordem jurídica interna dos
Estados-membros, devendo a restrição ser interpretada restritivamente.

VII. 3. LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE SERVIÇOS


Seu regime está previsto nos arts. 49º a 62º TFUE, estabelecendo direitos de estabelecimento
(arts. 49º a 55º TFUE) e direitos relativos à prestação de serviços (arts. 56º a 62º TFUE). Quantos
aos serviços, cuja noção está estabelecida no art. 57º TFUE como “as prestações realizadas
normalmente mediante remuneração, na medida em que não sejam reguladas pelas disposições
relativas à livre circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas”, compreendendo os serviços
de natureza industrial, comercial, artesanal e de profissões liberais (esta última engloba
profissões de advocacia, consultoria jurídica, auditoria econômica e fiscal, medicina, arquitetura,
engenharia, etc.)
Há uma série de distinções realizadas no âmbito desta matéria, em que uma das mais relevantes
é entre prestação ativas e passivas de serviços (demonstra adequadamente a dinâmica de livre
circulação de serviços na União Europeia):
 Prestação passiva de serviços – serviço se realiza no país em que o prestador resida ou se
encontre estabelecido – ex: um advogado com escritório em Lisboa pode ser procurado
nesta cidade por um cidadão belga com residência em Bruges que pretenda saber os seus
direitos e obrigações fiscais relativas aos rendimentos que seja beneficiário em Portugal.

56
 Prestação ativa de serviços – serviço prestado no território de um Estado-membro ao qual
se desloque o prestador de serviço, sem que nele possua estabelecimento – ex: um médico
residente e com consultório em Nice pode deslocar-se a Genova a pedido de um doente com
residência nesta última cidade para aí lhe efetuar um tratamento.
 Prestação de serviços sem deslocação – serviços prestados por um operador de um Estado-
membro ou nele estabelecido, a um consumir residente ou estabelecido no território de
outro Estado-membro sem que a prestação implique a deslocação transfronteiriça de
qualquer dos dois operadores – ex: um profissional independente estabelecido num Estado-
membro é procurado por via eletrônica por uma sociedade de outro Estado-membro
estabelecida, para lhe elaborar um projeto especifico, sem que o primeiro tenha que se
deslocar ao território do beneficiário do serviço.
Poderão se beneficiar da liberdade de circulação de serviços todos aqueles que se deslocarem
pelos territórios dos Estados-membros da União Europeia.

Também é essencial para uma completa liberdade de circulação de serviços, o cumprimento do


direito de estabelecimento, previsto no art. 49º TFUE, que prevê o “acesso às atividades não
assalariadas e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de
sociedades”, por parte dos nacionais de um Estado-membro da UE, “nas condições definidas na
legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais”. – ou seja, os nacionais
dos Estados-membros podem estabelecer-se livremente no território de qualquer outro Estado-
membro, como pela criação de uma empresa individual ou coletiva ou de uma filial.
 A distinção entre liberdade de circulação de serviços e liberdade de estabelecimento
contém-se na presença do prestador de serviço, ou seja, na primeira, a presença no território
é temporária, para clientes determinados e cessa após a prestação do serviço, enquanto a
segunda ocorre num estabelecimento de natureza permanente para clientes de natureza
indeterminada e tende a permanecer no tempo após a conclusão de um serviço.

As liberdades de prestação de serviços e estabelecimento estão associadas a Cidadania Europeia,


visto que é um direito único dos nacionais, com residência ou estabelecidos na União Europeia,
como base no princípio da preferência comunitária europeia.
É importante referir que os Estados também têm competência para determinar sua legislação
interna, sendo admissível a prestação de serviços e estabelecimento para pessoas de países
terceiros, conforme as normas internas do Estado da União Europeia, desde que com fins
lucrativos (sociedades) – diz respeito apenas ao Estado específico, não apresentando uma
liberdade face a União Europeia (art. 54º TFUE).
O efeito direto das disposições dos arts. 49º e 56º TFUE foi consagrado no acórdão Reyners
(21.07.1974 TJ) e Binsbergen (31.12.1974 TJ).
O projeto Bolkestein conduziu a aprovação da Diretiva 2006/123/CE que introduziu uma série de
especificações quanto a autorizações no âmbito da liberdade de prestações de serviços.

VII. 4. LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE PAGAMENTOS E CAPITAIS


Constitui uma quarta dimensão do Mercado Interno, que está prevista nos arts. 63º a 66º TFUE
e integra a competência partilhada da União com os Estados-membros, cujo exercício se rege

57
nos termos do art. 2º/2 TFUE, podendo a União e os Estados legislarem e adotar atos vinculativos
sobre essa matéria.
A circulação de capitais, assim como todas as outras liberdades, desenvolveu-se gradualmente
através de normas nos Tratados institutivos, acórdãos e, sobretudo, diretivas. É notável que para
alcançar a plenitude das liberdades de circulação de mercadorias, trabalhadores e prestação de
serviços, é necessário a livre circulação de capitais, uma vez que todas estas dependem de
pagamentos a serem efetuados. Após várias restrições, a livre circulação de capitais entre os
Estados da Comunidade veio a ser liberalizada através da Diretiva 88/361/CEE, de 24.06.1988,
que executava o art. 67º TCEE.
Posteriormente, com o Tratado da União Europeia, extraiu-se o conteúdo do art. 67º TCEE para
a redação do art. 63º TFUE, que determina como proibidas “todas as restrições aos movimentos
de capitais e aos pagamentos entre Estados membros e entre Estado membros e países
terceiros”. Através do acórdão Sanz de Lera (14.12.1995 TJ), reconheceu-se a eficácia direta da
norma prevista no art. 63º TFUE, garantindo a invocabilidade em juízo da liberdade de circulação
de capitais pelos particulares – o artigo atual prevê um maior alcance da norma, visto que
também se aplica entre Estados membros e Estados terceiros, diferentemente da norma prevista
no TCEE.
 O acórdão Luisi e Carbone (31.01.1984 TJ) prevê a noção de movimentos de capitais como
“operações financeiras que visam essencialmente a colocação ou o investimento do
montante em causa, e não remuneração de uma prestação” – diferencia-se de meros
pagamentos, visto que não visa a remuneração de uma prestação.
 O disposto do art. 65º TFUE prevê as únicas admissões de restrições à liberdade de circulação
de capitais.
 As restrições aos movimentos de capitais com países terceiros devem ser entendida mais
permissivamente do que entre os Estados-membros, segundo o TJ no acórdão Test Claimants
in the FII Group Litigation, visto que se realizam num contexto jurídico distinto, sendo
suficiente uma fundamentação com razões imperiosas.
 Para a concretização completa da União Monetária Europeia, o projeto União Bancária
Europeia foi lançado em 2012, o qual age através de três pilares: (i) Mecanismo Único de
Supervisão; (ii) Mecanismo Único de Resolução e (iii) Fundo de Garantia de Depósitos
Comum (único que ainda não foi estabelecido). Também, com vista a concretização da União
Monetária, a Comissão lançou em 2015 a iniciativa “União dos Mercados de Capitais”, com
o objetivo de criar um mercado único de capitais que, no entanto, ainda não foi concretizada.
Obs: No caso de uma medida respeitar a diversas liberdades, o TJ no caso Liga Portuguesa de
Futebol Profissional estabeleceu que apreciará a causa à luz de apenas uma dessas liberdades,
se se revelar que, conforme as circunstâncias do caso, as outras liberdades são totalmente
secundárias em relativa à primeira e podem estar-lhe subordinadas.

VII. 5. CIDADANIA EUROPEIA E DIREITOS ASSOCIADOS


A cidadania europeia tem a sua base jurídica prevista nos arts. 9º TUE, 20º a 25º TFUE e 39º a
46º CDFUE. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha nacionalidade de um Estado-
membro, cujos Estados apresentam competência própria para definir seus próprios nacionais,
com as limitações decorrentes do respeito pelo Direito da União (princípio da boa-fé e
cooperação leal).

58
Como direitos inerentes ao estatuto de cidadão da União há: Direito de livre circulação (art.
21º/1 TUE e arts. 45º/3, 52º/1 e 62º TFUE); Direito de eleger e ser eleito nas eleições para o PE
e nas eleições municipais do Estado-membro de residência; Direito de prestar queixa ao
Provedor de Justiça Europeu; Direito de proteção diplomática, etc.
 Junto disso há os direitos decorrentes do “nomeadamente” no art. 21º/2 TFUE – Previstos
nos Tratados (livre circulação de trabalhadores, direito de estabelecimento, livre prestação
de serviços, igualdade de tratamento entre homens e mulheres, entre outros) e Previstos na
CDFUE (direito a uma boa administração, direito de acesso aos documentos), etc.
 Há a eficácia direta do art. 20º/2 TFUE, sendo suscetíveis de invocação pelos particulares,
sem prejuízo das condições e limites impostos pelos Tratados.

VIII. UNIÃO EUROPEIA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Já inicialmente com o Tratado de Paris, que instituiu a CECA, visou-se observar no processo de
integração europeia as ordens jurídicas nacionais dos Estados originários, sobretudo no que diz
respeito à proteção de direitos fundamentais. Porém, mesmo anos decorridos com a criação das
outras duas Comunidades Europeias (CEE e CEEA), a abordagem desta matéria restringiu-se às
fases de negociação, visto que era um assunto delicado de certa divergência quanto a devida
relação entre o direito comunitário e o direito constitucional dos Estados-membros.
Após a instituição dos Tratados mencionados, naturalmente o Tribunal de Justiça (TJCE na época)
veio a ver-se em frente de casos relacionados ao silêncio comunitário da garantia dos direitos
fundamentais previstos nas constituições nacionais e outros meios internacionais. A opinião do
tribunal comunitário, inicialmente, enquadrou-se num período denominado agnosticismo
valorativo, em que as normas garantidoras de direitos fundamentais dos Estados-membros não
seriam reconhecidas como parâmetro para julgar a validade das normas eurocomunitárias,
devendo-se optar pela norma eurocomunitária face a norma interna de direitos fundamentais –
levantou questões quanto a natureza absoluta e incondicional do primado do direito da UE. O
TJCE inclinou-se para a imposição do respeito ao princípio do primado e excluiu qualquer análise
de exceções ao primado, como no âmbito dos direitos fundamentais, com base numa negação
de valores comuns aos Estados.
Tal inobservância do respeito pelos direitos fundamentais, onde tal recusa do Juiz comunitário
em impor ao decisor comunitário o respeito por estes direitos reconhecidos pelas constituições
nacionais, levou aos tribunais constitucionais alemães e italianos a um eventual desfecho de
desuniformização do direito comunitário, se recusando a adotar as decisões coletivas do TJ. Este
conflito entre tribunais veio a ser solucionado relevantemente no caso Stauder (12.11.1969 TJ),
onde determinou-se o fim da fase agnóstica mencionada anteriormente para uma fase de
reconhecimento ativo dos direitos fundamentais como princípios gerais do Direito Comunitário
– marcou o começo da proteção efetiva dos direitos fundamentais.
 Caso Internationale Handelsgesellschaft (12.08.1970 TJ) abriu caminho para a aplicação de
princípios gerais do direito comunitário, convocando as “tradições constitucionais comuns
aos Estados-membros” em matéria de direitos fundamentais.
 Caso Nold II (14.05.1974 TJ) ampliou as menções aos princípios gerais do direito comunitário
ao convocar (i) tradições constitucionais em comum; (ii) Constituições dos Estados-
membros; (iii) instrumentos internacionais relativos aos Direitos do Homem, nos quais os

59
Estados hajam aderido ou cooperado – entre estes instrumentos internacionais, a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) viria a ser considerada uma das fontes
primárias com eficácia quase direta na construção pretoriana comunitária, vindo a ser
mencionada pela primeira vez no Caso Rutili (28.10.1975 TJ).
A construção pretoriana eurocomunitária definiu os direitos fundamentais dos Estados-
membros como princípios gerais do direito comunitário, cuja obrigatoriedade se impõe em todos
os âmbitos de incidência do Direito Comunitário, independente se a conduta advém do decisor
comunitário ou do decisor nacional.
Pela falta de disposições legais quanto a tutela dos direitos fundamentais, não bastando apenas
uma série de jurisprudências, estabeleceu-se uma pressão para a determinação de uma tutela
efetiva destes direitos. Apontava-se duas possíveis soluções: (i) elaboração de uma carta
comunitária de direitos fundamentais; (ii) adesão das Comunidades Europeias à CEDH.
O Tratado de Lisboa institui em seu art. 6º/3 TUE – “Do direito da União fazem parte, enquanto
princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a
Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das
tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros”.
Um dos principais aspetos a ser observados foi a adesão da UE à CEDH com a aprovação da Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CFDUE), vertido no art. 6º TUE.

VIII. 1. CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA (CDFUE)


Em dezembro de 2000, em Nice, houve o ato de proclamação da CDFUE, redefinindo a tutela dos
direitos fundamentais no sistema eurocomunitário, que viria a ser completado pelo Tratado de
Lisboa com o disposto do art. 6º TUE – reconhece à Carta o valor jurídico dos Tratados, publicado
em anexo aos Tratados, com eficácia de direito primário.
A Carta consagra um grande elenco de direitos políticos, económicos e sociais decorrentes de
instrumentos internacionais, textos constitucionais e tradições constitucionais em comum. A
maioria dos direitos retratados já faziam parte dos princípios gerais do direito comunitário ou
estavam previstos nos Tratados, porém há inovação quanto a sua força jurídica.
Em material de direito penal e de direito da família, com exceção de alguns limites de
harmonização das legislações nacionais em outras matérias, a União Europeia não apresenta
competência atribuída pelos Estados membros para determinação de tais, prevalecendo a
liberdade de decisão do legislador nacional. O art. 51º CDFUE determina o limite entre
competências da UE e dos Estados-membros - “As disposições da presente Carta têm por
destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da
subsidiariedade, bem como os Estados-Membros, apenas quando apliquem o direito da União.
Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de
acordo com as respetivas competências e observando os limites das competências conferidas à
União pelos Tratados.”
 “apenas quando apliquem o direito da União (...)” – este é o critério de vinculação dos
Estados à observação da decisão da União Europeia, que para sua análise deve ser conjugado
com o disposto do art. 52º/7 CDFUE que prevê que devem ser consideradas em questão as
indicações constantes nas “Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (anexo da
CDFUE) que, sobre o art. 51º CDFUE, conduz a jurisprudência do caso Wachauff (13.07.1989
TJ) que determina que os Estados membros estão obrigados a respeitar os direitos

60
fundamentais definidos no quadro da UE quando implementem ou dão execução a
regulamentação comunitária. Junto disso, é aplicável o caso Fransson (26.02.2013 TJ) que
determina que os direitos da Carta devem ser respeitados “quando uma regulamentação
nacional se enquadra no âmbito de aplicação do direito da União”.

O caso Hernandes (10.07.2014 TJ) diz respeito à análise da relevância jurídica dos casos de
legislação interna contrária a direitos fundamentais que são vinculativos no quadro do Direito
da União, apresentando certos elementos a serem verificados: (i) se a regulamentação nacional
em causa tem por objetivo aplicar uma disposição do DUE, o que se verifica nos casos de
transposição de diretivas e de adoção de medidas de execução de um regulamento; (ii) se a
mesma prossegue outros objetivos que não sejam os abrangidos pelo DUE, ainda que seja
suscetível de os afetar indiretamente; (iii) se existe ou não uma regulamentação de DUE
especifica na meteria ou susceptível de afetar o objetivo prosseguido pela legislação nacional
em causa
 O art. 51º, nº 1 e 2, excluem que a Carta possa estender ou criar novas competências para a
União ou modificar a linha de delimitação de competências definidas pelos Tratados.
 Mesmo que a UE tenha competências para adotar medidas, como no âmbito do art. 19º
TFUE em matéria de não discriminação em razão de orientação sexual, não determina, por
si só, que toda a legislação interna neste âmbito, caia no domínio da Carta e do Tratado. Por
exemplo, do art. 19º TFUE, não resulta um direito de âmbito geral à não discriminação em
função da orientação sexual que obrigue os Estados membros a autorizar o casamento entre
pessoas do mesmo sexo. Ainda assim, a UE pode, com base no mesmo artigo, adotar
diretivas de harmonização, como a qual estabeleceu um quadro de igualdade de tratamento
no emprego e na atividade profissional – para tal diretiva de harmonização é necessário a
unanimidade do Conselho e a aprovação do PE.
 As medidas, como as citadas acima, não podem ultrapassar o domínio de competências da
UE, pelo que estaria excluído de sua competência, por exemplo, uma disposição que viesse
a impor o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que
compete aos Estados-membros a decisão de matéria de direito da família (art. 81º/3 TFUE).
Como fonte integrante do “bloco de fundamentalidade” da União Europeia que vincula os
Estados-membros (art. 6º/1 TUE), a Carta é suscetível de invocação pelos particulares junto dos
tribunais portugueses, incluindo o TC.

VIII. 2. ADESÃO DA EU À CEDH


O Tratado da União Europeia prevê em seu art. 6º/2 a adesão da UE – “A União adere à
Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais –
adere no sentido da CEDH fazer parte do bloco de fundamentalidade da União, mas não é parte
contratante da CEDH, pelo que não pode ser demandada. Essa adesão não altera as
competências da União, tal como definidas nos Tratados”. A expressão “adere” tem grande
imperatividade, obrigando a União a prosseguir de acordo com os meios desejáveis para a
concretização dos objetivos da CEDH, em que a não observância desse objetivo por adoção de
meios inadequados pode conduzir a um recurso por omissão (art. 265º TFUE) com vista a adoção
das medidas necessárias, também com a possibilidade de responsabilidade extracontratual
pelos prejuízos causados em virtude da não adesão (art. 268º e 340º TFUE). Apesar do disposto
supramencionado, a União Europeia ainda se encontra em processo de adesão da Convenção –

61
há dúvidas quanto a verdadeira necessidade de aderir a CEDH para uma alta proteção dos
direitos do homem (já não bastam os meios existentes?).
 Há um triangulo judicial europeu, composto nomeadamente pelos tribunais nacionais, TJUE
e TEDH (competente para interpretar e aplicar a CEDH).
 Jurisprudência Matthews (18.02.1999 TEDH) – Os Estados-membros, enquanto membros
da UE e partes contratantes da CEDH, são responsáveis, e demandáveis perante o TEDH,
verificados os pressupostos processuais, pelas violações de direitos previstos na CEDH com
fundamento em norma ou ato jurídica da UE.
 Jurisprudência Bosphorus (30.06.2005 TEDH) – observa um princípio de equivalência de
proteção dos direitos nos processos da UE e da CEDH. Tal caso demonstrou o grau mais
exigente do TEDH para receção de casos, com natureza de tribunal de recurso, com direito a
escrutinar as decisões do TJUE sobre matéria que integra o âmbito da CEDH. O TEDH
reconhece-se o direito de reexaminar questões e decidir pela existência de violação da CEDH,
sobrepondo o seu veredito sobre o veredito do TJUE quando este se revele “manifestamente
deficiente (doutrina Bosphorus)
No caso de conflito entre normas da UE, CEDH e ordem nacional, deve-se recorrer a que tenha
o nível mais elevado de proteção, porém é complexo definir o nível mais complexo de proteção.
No caso Melloni (26.02.2013 TJ), determinou que os padrões nacionais de proteção dos direitos
fundamentais não podem comprometer o primado do direito comunitário, levando a decisão do
TJ de não aplicar a norma com maior nível de proteção. Conclui-se que o nível mais elevado de
proteção consiste naquele que o TJ considera mais compatível com os imperativos e
especificidades da União.

IX. A POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA


O Tratado de Roma, ao instituir a Comunidade Económica Europeia, já previa entre os seus
objetivos o “estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada
no mercado comum” (art. 3º/f TCEE). Tal preceito foi retomado pelo Tratado de Maastricht (TUE)
que, no que toca a União Económica Monetária, deu à política da concorrência um estatuto
central da definição da política monetária, cambial e económica, devendo esta ser desenvolvida
“de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência” (art.
119º/2 e 120º TFUE).
Os princípios citados acima são regulados de modo vinculativo pelos arts. 101º a 109º TFUE, com
vista a manutenção de uma concorrência efetiva no mercado interno. Importante ressaltar que
os arts. 101º e 102º TFUE produzem efeito direto na ordem jurídica nacional, conforme o caso
BRT c. Sabam e Fonior (30.01.1974 TJ) e Sacchi (30.04.1974 TJ), cujas normas criam direitos na
esfera jurídica dos particulares, suscetíveis de invocação em juízo.
A política de concorrência e o mercado interno estão interligados por duas razões explicitadas
pelo Professor Miguel Moura e Silva: (i) enquanto complemento da vertente de integração
negativa assumida pelas regras sobre as liberdades de circulação, ou seja, pela necessidade de
impedir que os obstáculos à integração dos mercados dos Estados-membros que os Tratados
impedem, sejam reedificados por comportamentos de natureza empresarial. (ii) promoção da
eficiência económica no mercado interno, possibilitando uma integração económica com defesa
da concorrência num ambiente de livre circulação promovido pelo Mercado Interno – Por estas

62
razões, o princípio da concorrência assume o caráter de regime-regra de organização da
atividade económica no mercado interno.
O conjunto de liberdades previstos pelos Tratados, no quadro da integração económica, cria uma
dinâmica acelerada e beneficia nos sentidos de (i) limitar os poderes dos Estados e empresas de
criarem obstáculos ao mercado interno; (ii) incremento da eficiência produtiva resultante do
alargamento do espaço de atuação dos agentes econômicos; (iii) eficiência da afetação de
recursos, resultante do incremento da liberdade de escolha dos consumidores, concorrência de
preços, qualidade, variedade e inovação – Todos estes benefícios decorrentes das liberdades na
integração econômica dependem de um estimulo de concorrência para sua adequação e
eficiência, porém um concorrência corretamente regulada e justa.
 Os arts. 101º e 102º TFUE garantem a primazia do princípio da concorrência face o Direito
dos Estados-membros, como também face o direito derivado eurocomunitário (o decisor
europeu não pode pôr em causa a concorrência, exceto nos limites definidos pelos Tratados).
 O princípio da concorrência é o regime-regra, porém pode ser derrogado em situações
tipificadas em que a concorrência não é suscetível de gerar benefícios ou viabilizar a
prossecução dos objetivos previstos.
“A concorrência é simultaneamente o parâmetro-regra de organização do mercado e um
instrumento de promoção do bem-estar, devendo ser conciliada com outras dimensões do
interesse público da União e dos Estados-membros”
A concorrência é considerada um instrumento de eficiência económica, que promove a eficiência
da afetação de recursos, conduzindo a (i) satisfação das necessidades dos consumidores pelo
mais baixo custo, de modo que os produtores também consigam retornos dos seus
investimentos. (ii) Serve como garantia institucional descentralizada e anónima de direitos e
liberdades fundamentais, como a propriedade, liberdade de empresa e direitos do consumidor.
(iii) Além disso, protege os consumidores de atuação de monopólios por parte dos produtores,
de modo que os produtores não se apropriem do controlo do bem-estar dos consumidores. E,
por fim, (iv) estimula e força a atuação eficiente das empresas tanto a curto-prazo como a longo-
prazo.

Determinação de conceitos iniciais


“Poder de mercado” – capacidade de manter, de forma rentável, os preços acima dos níveis
concorrenciais durante um determinado período de tempo ou de manter, de forma rentável, a
produção, em termos de quantidade, qualidade e diversidade do produto ou de inovação, abaixo
dos níveis concorrenciais durante um determinado período de tempo, conforme exposto pela
Comissão Europeia. Todas as empresas podem apresentar um poder de mercado por um período
de tempo, sendo necessária uma intervenção jusconcorrencial apenas quando esse poder se
apresentar de modo estável e duradouro.
“Concorrência efetiva” – será efetiva a concorrência que se traduza na ausência de poder de
mercado, tutelada por eliminar as ineficiências resultantes do exercício do poder de mercado.
Para determinar a necessidade da aplicação de normas de direito da concorrência, é preciso
verificar a existência de um verdadeiro poder de mercado, que afete a concorrência efetiva,
causando danos para os produtores e consumidores. Para verificar a sua existência é necessário
observar a definição do mercado relevante – o TJUE adota critérios para observar a existência de
poder de mercado a partir da análise da comparação entre as quotas de mercado da empresa

63
em causa e as quotas dos concorrentes, da análise do grau de concentração d o mercado, a
ausência de pressões concorrenciais, entre outros modos indiretos de verificação – deve-se, com
certeza, comparar o preço praticado pela empresa em causa e o respetivo custo marginal,
observando se o custo da empresa se situe de forma não meramente espontânea , acima do
custo marginal (porém, não basta adotar esse meio direto, devendo adotar os meios indiretos
citados anteriormente).
 Quanto maior a quota de mercado de uma determinada empresa, maior o potencial se esta
ter capacidade de aumentar os preços acima do nível concorrencial.

IX. 1. NORMAS DE CONCORRÊNCIA APLICÁVEIS ÀS EMPRESAS (ARTS. 101º e 102º TFUE)


O art. 3º/1/b TFUE determina a exclusividade da competência da União para o “estabelecimento
de regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno”. As principais
normas do regime estão nos dispostos dos arts. 101º e 102º TFUE, que são complementadas
pelo Regulamento nº 139/2004 (Regime do Controlo de Concentrações).

Art. 101º TFUE – “São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre
empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que
sejam susceptíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo
ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as
que consistam”. Tal disposição determina o princípio geral de que cada agente deve definir
independentemente a sua conduta no mercado – Há dois requisitos para enquadramento na
previsão da norma: (i) ter como objetivo ou por efeito restringir a concorrência; (ii) que o
comportamento seja suscetível de afetar o comércio entre os Estados-membros.
 Não está em causa a fixação e ter as partes da respetiva transação (o vendedor que
estabelece o preço de uma venda para um cliente), mas sim a restrição da liberdade das
partes quanto às condições que irão praticar no mercado junto dos respetivos clientes.
 Por exemplo, caso num mercado existam cinco empresas concorrentes, e estas se reúnam
para fixar os preços que cada uma irá prática, teremos um caso claro e grave de uma prática
restritiva da concorrência (um cartel – conjunto de empresas) – violação do art. 101º/1/a
TFUE.
O nº3 do art. 101º TFUE estabelece um âmbito de exclusão da proibição do nº1, que mesmo os
comportamentos que preencham os requisitos da proibição, quando cumpre as quatro
condições cumulativas, poderão ser permitidos: (i) contribuam para melhorar a produção ou a
distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, (ii) contanto que
aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que (iii) Não
imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à
consecução desses objetivos, (iv) Nem deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a
concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.
 Os benefícios decorrentes do acordo devem se traduzir em ganhos objetivos e não
puramente subjetivos, contribuindo para melhorar a produção e distribuição dos bens ou
serviços em causa ou para promover o progresso técnico e económico
 As vantagens obtidas devem refletir na sociedade, com uma repercussão positiva nos
utilizadores, que devem receber uma parte equitativa desses ganhos.

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 As restrições devem ser indispensáveis à prossecução dos objetivos legítimos em causa, e
não podem dar às partes a capacidade de eliminar a concorrência numa parte substancial
dos produtos em causa, ou seja, a eliminação da concorrência é um parâmetro
inultrapassável, independentemente dos ganhos associados à prática restritiva do acordo.
A aplicação do art. 101º/3 TFUE é facilitada pela existência de diversos regulamentos da
Comissão que atribuem o benefício da inaplicabilidade do nº1 aos acordos que preencham os
respetivos requisitos – regulamentos de isenção por categoria.
Os acordos que se situem nos termos do nº1 e não sejam excluídos pelo nº3, são considerados
nulos nos termos do nº2.

Art. 102º TFUE – enquanto o art. 101º TFUE se aplica a todas as empresas que se encontrem nas
situações previstas, o art. 102º é aplicável apenas às empresas com detenção de uma posição
dominante. A detenção de uma posição dominante não é ilícito, sendo natural a sua ocorrência
num mercado, o ilícito é o abuso dessa posição dominante. Conclui-se que as empresas
dominantes apresentam deveres especiais de conduta se comparadas com outras empresas.
O artigo mencionado estabeleceu de modo tipificado as condutas abusivas dotadas de desvalor
jurídico, atuando apenas nos atos da empresa dominante que consistam numa “exploração
abusiva”. Além disso, diferentemente do art. 101º TFUE, não há uma exceção expressa que seja
admissível tal conduta abusiva (apesar de haver jurisprudência que admite exceção, conforme
será visto adiante).
 É possível a aplicação do art. 101º e 102º TFUE ao mesmo tempo, desde que sejam
preenchidos os pressupostos.

Determinação de conceitos relativos aos arts. 101º e 102º TFUE


“Empresas” – No caso Hoffner (23.04.1991 TJ) determinou-se o conceito de empresa “no âmbito
do direito da concorrência o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma
atividade econômica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de financiamento”. O
acórdão Centrafarm (31.10.1974 TJ) determina que “sociedades-mãe” e “filiais” não se
enquadram como acordos entre empresas apresentados pelo art. 101º TFUE, visto que as
empresas filiais ou enquadradas em sociedades são pertencentes a um mesmo grupo, podendo
a unidade central determinar as condutas a serem seguidas por cada. Aplica-se a associações de
empresas também.
“Atividade económica” – objeto da empresa é o exercício de uma atividade econômica, como
oferta de bens e serviços num determinado mercado.

IX. 2. ACORDOS E PRÁTICAS CONCERTADAS ENTRE EMPRESAS


O art. 101º/1 TFUE visa proteger o funcionamento do mercado justamente das práticas onde
duas ou mais empresas restringem entre si a concorrência, através de acordos entre si ou por
práticas concertadas. O TJ, em concordância com a definição dada pelo TG, no acórdão Bayer
(06.01.2004 TJ), citou o conceito de “acordo” como “a existência de uma concordância de
vontades entre pelo menos duas partes, cuja forma de manifestação não é importante, desde
que constitua a expressão fiel das mesmas. Basta que as empresas em causa tenham expressado

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a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada” – logo, um
mero gentlemen’s agreement é suficiente para constituir um acordo entre empresas, mesmo
sem ser vinculativo (o conceito se sobrepõe a natureza vinculativa).
Já as práticas concertadas entre empresas pode ser definida como uma prática que constitua
uma forma de coordenação entre empresas que, sem a força necessária para determinar a
existência de um acordo entre estas, substitua conscientemente os riscos da concorrência por
uma cooperação prática com o objetivo anticoncorrencial (elemento subjetivo –
concertação/harmonização de condutas), que, também, conduza a um determinado
comportamento no mercado que seja consequência dessa concertação, devendo existir um nexo
de causalidade entre a concertação e a transformação no mercado (elemento objetivo – acórdão
Anic 08.07.1999 TJ). Para verificar a existência de concertação é necessário uma série de atos
probatórios da “colusão”, ou seja, provar a conduta anticoncorrencial fraudulenta adotada pelas
empresas, a qual pode ser uma colusão expressa (CEOs almoçam juntos e organizam uma
estratégia comum) ou tácita (há um paralelismo de conduta anticoncorrencial entre as
empresas, que será dificilmente provado, mas se for, tal paralelismo só poderá ocorrer pela
existência de uma concertação – caso A Ahlstrom 31.03.1993 TJ).

Restrição da concorrência: Num mercado de concorrência efetiva, cada agente econômico deve
determinar livremente e autonomamente a sua conduta no respetivo mercado, cuja
determinação é protegida juridicamente pelo direito da concorrência, como em seu art. 101º/1
TFUE que impede que as empresas restrinjam a concorrência entre si ou quanto a terceiros
mediante a coordenação da respetiva conduta concorrencial. O artigo mencionado de modo
algum proíbe a autonomia privada das empresas, podendo estas celebrarem contratos entre si
desde que não preencham os pressupostos previstos no artigo, visto que a única conduta dotada
de desvalor jurídico é aquela que tenha como objetivo ou efeito impedir, falsear ou restringir a
concorrência (três tipos englobados no termo “restrição da concorrência”).
Há uma exceção de origem jurisprudencial distinta da prevista no art. 101º/3 TFUE, que consiste
na regra de minimis. A regra de minimis, originada no acórdão Volk c. Vervaecke (09.07.1969 TJ),
refere-se a uma diretriz que estabelece limiares abaixo dos quais determinados acordos entre
empresas não são considerados como tendo um impacto significativo na concorrência e,
portanto, não são alvo de investigação ou sanções pelas autoridades de concorrência. Em outras
palavras, trata-se de uma exceção à proibição de acordos anticoncorrenciais prevista no artigo
101º/1 TFUE. A regra de minimis visa garantir que as autoridades de concorrência da UE
concentrem seus recursos em casos que tenham um impacto real no mercado, evitando a
sobrecarga com investigações de práticas que têm efeitos insignificantes na concorrência.
O Regulamento UE nº330/2010 da Comissão Europeia determina os limiares permitidos para os
acordos entre empresas, nomeadamente: (i) Nos acordos entre concorrentes (acordos
horizontais) – a quota de mercado combinada dos participantes do acordo não deve exceder
10% em qualquer mercado relevante afetado pelo acordo; (ii) Nos acordos entre não
concorrentes (acordos verticais) – a quota de mercado de cada parte do acordo não deve exceder
15% em qualquer mercado relevante afetado pelo acordo.
 Conclui-se que, mesmo que preencha os pressupostos do art. 101º/1 TFUE, caso o acordo
não tenha relevância para o mercado que está inserido, com base nos limiares definidos pela
Comissão, então não haverá ilegalidade do acordo.

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IX. 3. ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE
A detenção de uma posição dominante não é ilícito, apenas o abuso desta posição, exigindo-se
a verificação de um elemento de conduta qualificável como abusivo e distinto da situação
especial do agente. O conceito de abuso não é determinado pelo art. 102º TFUE, se limitando a
uma tipificação exemplificativa.
O TJ determinou no caso United Brands (14.02.1978 TJ) o conceito de posição dominante como
“posição de poder econômico detida por uma empresa que lhe permite afastar a manutenção de
uma concorrência efetiva no mercado em causa e lhe possibilita comportar-se, em medida
apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e,
finalmente, aos consumidores”. - Importante referir que a existência de posição dominante é
totalmente conciliável com a existência de concorrência, não havendo a necessidade de existir
um monopólio ou algo relacionado.
Para a verificação de uma posição dominante, há diversos critérios de análise que não são
necessariamente cumulativos, bastando um para que se verifique, dependendo do caso
concreto: (i) analise do mercado relevante – analisar o produto, local geográfico de venda do
produto, entre outros; (ii) as quotas de mercado – para que haja uma posição dominante com
base apenas nas quotas, a jurisprudência tem demonstrado que mesmo com quotas entre 40%
e 50% não é suficiente para provar – acima de 50% há uma presunção de posição dominante
(acórdão Akzo Chemie BV c. Comissão – 03.07.1991 TJ); (iii) outros fatores, como poder
econômico dos concorrentes, a existência de obstáculos à entrada do mercado, avanço
tecnológico da empresa face os seus concorrentes, entre outros.
O art. 102º TFUE prevê um conceito abrangente de abuso de posição dominante – “consiste no
exercício da margem ampla de apreciação que lhe é conferida pela especial posição que ocupa
de forma a obter vantagens que, na presença de um grau de concorrência efetiva, não poderia
alcançar”. Há duas modalidades de abuso: (i) abuso de exploração – a sua vantagem é auferida
mediante o exercício do poder de mercado sobre os clientes, fornecedores ou consumidores,
como ao praticar preços excessivos ou impor condições não equitativas (discriminação de preços
entre clientes e fornecedores, por razão da nacionalidade, recusa de venda a clientes habituais,
etc.) – preços predatórios, descontos de fidelização, recusa de venda, etc.; (ii) abuso de exclusão
– a sua vantagem é auferida mediante o exercício do poder ao ter a capacidade de impedir a
manutenção de uma concorrência efetiva, através de condutas que eliminem concorrentes ou
os disciplinem. Verifica-se mediante certos fatores, primeiramente pela ocorrência de atos
anticoncorrenciais que impeça a sobrevivência dos concorrentes, como atos de vandalismo
contra os expositores de concorrentes, a compra de máquinas de um concorrente para que este
deixe de beneficiar de um efeito de referenciação entre clientes, etc. Em segundo, com base no
critério do concorrente igualmente eficiente, será abusivo quando, por exemplo, a empresa
dominante abaixe o preço do seu produto de modo que esta diminuição de preço esteja apta a
excluir do mercado uma empresa tão eficiente quanto a empresa dominante.
 Não há previsão de exceção à proibição do abuso da posição dominante, porém é sempre
possível observar o contexto da conduta adotada por esta, que caso haja uma justificação
objetiva para tal então não se enquadrará como abusiva. Não será uma exclusão de ilicitude,
mas sim um não preenchimento dos pressupostos de conduta abusiva (em função da
justificação).

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IX. 4. SISTEMA DE APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 101º E 102º DO TFUE
O diploma responsável pela base jurídica do sistema de aplicação das normas de Direito da
Concorrência é o Regulamento nº 1/2003, cuja aplicação é descentralizada, em que as
Autoridades Nacionais de Concorrência (ANC) e os tribunais nacionais desempenham papéis
essenciais de defesa da concorrência da União. Junto disso, a Comissão é essencial no papel de
coordenação e de garantia da uniformidade na interpretação e aplicação administrativa dos arts.
101º e 102º TFUE.
O Regulamento supramencionado estabelece a competência da Comissão (art. 4º), das ANC (art.
5º) e dos tribunais nacionais, convocados a aplicar as normas de direito concorrencial como
juízes europeus de direito comum, nos termos do art. 19º/1 TUE (princípio da tutela jurisdicional
efetiva). No âmbito dos tribunais nacionais, é relevante ressaltar que as normas previstas nos
arts. 101º e 102º TFUE são dotadas de eficácia direta, podendo ser invocadas pelos particulares
contra empresas que violem as normas concorrenciais, que através ações de indemnização
poderão ser ressarcidos pelos prejuízos causados.
 A Comissão possui grande competência para aplicar o direito da concorrência, atuando
através de instrumentos como: decisões, regulamentos de isenção por categoria, inquéritos
setoriais e atos informais. Será competente para aplicar coimas, que historicamente
demonstram-se elevadas – As decisões da Comissão são recorríveis através de recurso de
anulação (art. 263º TFUE) ou por omissão (art. 265º TFUE).

Importante ressaltar que apesar dos arts. 101º e 102º TFUE aplicarem-se às atuações das
empresas no Mercado Interno, em que são impedidas medidas restritivas da concorrência,
também são aplicáveis à atuação dos Estados-membros, que muitas vezes recorrem a medidas
nacionais que impõe medidas restritivas da concorrência contrárias ao Direito da União,
afetando o Mercado Interno.
Nesta situação, o acórdão INNO c. ATAB (16.11.1977 TJ) determinou que “deste modo, se é
verdade que o art. 102º é dirigido às empresas, não o é menos que o Tratado que impõe aos
Estados-membros que não adotem ou mantenham em vigor medidas suscetíveis de eliminar o
efeito útil dessa disposição”. É possível sustentar tal aplicação da política da concorrência com
fundamento no art. 4º/3 TUE, que determina que “Os Estados-membros abstêm-se de qualquer
medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União”, e é claro que um dos
objetivos da União é a existência de um regime que garanta a concorrência no mercado interno.
Apenas terá violação da obrigação do Estado-membro quando esse “impor ou favorecer a
conclusão de acordos contrários ao artigo 101º TFUE ou reforçar os efeitos de tais acordos ou
retirar à sua própria regulamentação o seu caráter estatal, delegando em operadores
econômicos privados a responsabilidade de tomar decisões de intervenção em matéria
económica” – acórdão Van Eycke (21.09.1988 TJ). A atuação do Estado apenas violará as normas
dos arts. 101º e 102º TFUE quando adote uma medida relacionada a um comportamento já
existente de outras empresas, nunca um ato totalmente autônomo por parte do Estado.
 A regra geral de principal obrigação do Estado neste ramo está prevista no art. 106º TFUE,
considerada uma norma específica, que pode ser acionada independentemente de um
comportamento de outra empresa, mas sim de uma atuação estatal (?).

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IX. 5. CONTROLO DE CONCENTRAÇÕES
A concentração de empresas, regida pelo RCUE (Regulamento nº 139/2004) compreende a
reunião de duas ou mais empresas ou de parte delas, anteriormente independentes uma da
outra, sob controlo unitário, ou seja, consiste na integração de duas ou mais unidades
económicas numa só entidade: existência de controlo por parte de uma empresa sobre as outras
– tal controlo decorre da aquisição de uma participação maioritária no seu capital social, pela
aquisição dos seus ativos, por contrato ou por qualquer outro meio. Há três modalidades de
concentração a serem estudadas:
(i) Concentração horizontal – quando as empresas concentradas eram concorrentes, como ao
produzirem e distribuírem produtos concorrentes numa mesma área geográfica – é um tipo de
concentração perigoso, pois pode gerar situações de monopólio, uma vez que, por exemplo,
existiam duas empresas concorrentes na região apenas e, conforme a concentração, passa a
existir apenas uma empresa, consequentemente, sem concorrência (essa ocasião de monopólio
por concentração é proibida em quase todos os ordenamentos nacionais).
(ii) Concentração vertical – quando duas ou mais empresas concentram-se numa relação de
fornecedor-cliente.
(iii) Conglomerado – quando as empresas envolvidas produzem os mesmos produtos ou
produtos similares em mercados geograficamente distintos, sendo um conglomerado de
extensão de mercado; ou quando os produtos produzidos são complementares, havendo um
conglomerado de extensão do produto; ou até quando os produtos não têm qualquer relação
entre si, tendo um conglomerado puro ou de diversificação.
O Regulamento de Concentrações da União Europeia abrange “qualquer meio apto a conferir a
uma pessoa essa possibilidade de exercer uma influência determinante sobre uma empresa,
devendo ainda ser tidas em conta as circunstâncias de facto e de direito em que esses meios são
adquiridos e exercidos”. O RCUE é regido pelo princípio do balcão único, em que centraliza o
poder dos processos relacionados à concentração de empresas no âmbito de atuação da
Comissão Europeia, sendo que a concentração apenas está no âmbito de atuação da União
Europeia quando se enquadra nas situações previstas no art. 1º, nº 2 e 3 RCUE.

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