Roteiro Senhora
Roteiro Senhora
Roteiro Senhora
PEÇA TEATRAL
Senhora
(Baseada na obra de José de Alencar)
Narração
- Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. Desde o momento de sua ascensão
ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões. Tornou-se deusa dos
bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade. Quem não se recorda
de Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da corte como brilhante meteoro, e
apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira seu fulgor? Tinha ela
dezoito anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Se o lindo semblante não se
impregnasse constantemente, ainda nos momentos de cisma e distração, dessa tinta de
sarcasmo, como acreditar que a natureza houvesse traçado linhas tão puras e límpidas
daquele perfil para quebrar-lhes a harmonia com o riso de uma pungente ironia.
Narrador
- Mas, Aurélia de Lemos Camargo nem sempre foi assim... Na rua de Santa Teresa residia uma
simples família; formada pela viúva Emilia Camargo e seus dois filhos: Emilio e Aurélia, ambos já
maiores de idade. Para ajudar a família, Emilio trabalhava de contador. Este tinha alguns
problemas na realização de seu ofício e na maioria das vezes sua irmã o auxiliava.
Aurélia
- Deixe que faço os cálculos, irmão. Matemática sempre foi o meu forte. (diz sentando-se na
outra cadeira.)
Narrador
- Dona Emília era uma mãe bastante preocupada com seus filhos; principalmente com Aurélia,
e esperava ansiosamente vê-la casada e feliz. Vivia, então, insistindo para que a moça ficasse
na janela na intenção de ser cortejada por um possível pretendente. Porém, a jovem
constantemente se recusava a ceder as vontades de sua mãe.
Emília
Aurélia
Luzes se apagam. (Enquanto isso Aurélia, Emilia e Emilio posicionam-se para próxima cena.
Não há alteração no cenário.)
CENA 2 – MESMO CENÁRIO – MESMO FIGURINO (ALTERAÇÃO DE UM ACESSÓRIO OU OUTRO
NAS VESTES.)
Narrador
- Aurélia e Emilio perderam seu pai quando ainda eram crianças e isto fez com que eles fossem
ficando cada vez mais unidos como uma família. Emilio, como primogênito sempre fazia de tudo
pela mãe e irmã. Após trabalhar por dias de forma exaustiva, adoeceu de uma febre bastante
forte e que em poucos dias o levou, abalando profundamente sua família. (Enquanto isso, Emílio
expira.)
EMILIA
Meu querido filho! Não! Não se vá! (Diz segurando a mão do defunto.)
LUZES SE APAGAM.
Narrador
- Após uma perda tão profunda, Aurélia começou a ceder aos anseios de sua pobre mãe. Por
todas as tardes a jovem ia à janela, determinada a achar um noivo que seria bom o suficiente
para ela. Entre os apaixonados por Aurélia contava-se Eduardo Abreu, rapaz de vinte e cinco
anos, Apesar de sisudo e não propenso a aventuras, Abreu foi tentado pela fascinação do amor
fácil e efêmero. Alistou-se à já numerosa legião dos conquistadores de Aurélia, mas andara
sempre na retaguarda, entre os mais tímidos.
Da Janela mesmo, Aurélia é cortejada por Eduardo. (Ele tira o chapéu para ela.)
Narrador
- Com passar tempo o interesse de Abreu por Aurélia vai aumentando, até que um dia o rapaz
decide tomar uma decisão importante. (enquanto isso eles fingem conversar e rir.)
D.Emilia
Aurélia
Perdoe-me, minha mãe, antes tinha decidido que aceitaria o primeiro casamento que a
senhora achasse conveniente; porém agora tudo mudou.
Não poderei aceitar sua proposta, caro Eduardo, pois amo outro moço.
Dona Emília olha para a filha com olhar de repreensão e a mesma se retira.
Narrador
- O outro a quem Aurélia se referia era Fernando Seixas, rapaz distinto, que cortejava a moça
pela janela e começou a frequentar a sua casa. Mas, dona Emilia não deixaria que sua filha
ficasse mal vista na sociedade por sempre recebe-lo em casa e não ter intenções matrimoniais
com ele.
Cena 4
Fernando
D. Emília
Boa tarde, Fernando! Que bom que viestes pois queria falar com você sobre um assunto
bastante importante.
Fernando
D. Emília
Suas intenções com minha filha, quero que você saiba que Aurélia é uma moça de respeito e
não quero qualquer um com ela.
Aurélia
Fernando
Está tudo bem, Aurélia, sua mãe está certíssima sobre essa conversa.
Narrador
Fernando fala sobre suas reais intenções, e a viúva as escuta com cautela e finaliza a conversa
com sua bênção. Com passar dos dias o romance dos dois começa a ficar cada vez mais sério e
concreto; uma certa noite Fernando decide fazer uma surpresa a Aurélia após um jantar na
casa da moça.
Fernando
Aurélia
Fernando
Cena 6
(Casa Adelaide)
Narração
Na rua das Mangueiras morava Tavares do Amaral, empregado da alfândega Amaral, o mesmo
não via de boa sombra a intimidade de sua filha Adelaide com o Dr. Torquato Ribeiro, que
além de pobre, estava desarranjado. Após escutar sobre o jovem Fernando Seixas decidiu
arranjar um enlace entre sua filha e Fernando.
Fernando
Tavares do Amaral
Fernando
Tavares do Amaral
- Em nenhum, porém não acho de bom tom a amizade dele com minha filha Adelaide, sendo
assim, achei que poderíamos fazer um acordo.
Fernando
Tavares do Amaral
- Minha filha Adelaide é uma moça ótima e merece tudo de melhor, inclusive um marido a sua
altura, por isso pensei que o senhor seria uma pretendente em potencial, o que achas?
Aceitaria o dote?
Fernando
É uma proposta realmente boa, Sr. Amaral, porém estamos falando sobre qual quantia?
Tavares do Amaral
30 contos de réis, Sr. Seixas, precisa de tempo para pensar sobre a proposta?
Fernando
Tavares do Amaral
-Então acordo fechado, irei chamar Adelaide para que o senhor a conheça.
Narrador
-Naquele momento Tavares do Amaral chama Adelaide, quando a moça chega, Amaral explica
sobre o noivado de ambos e a jovem se mostra apreensiva com a ideia de casar-se com
Fernando, mas cumprimenta o rapaz com um singelo sorriso, Amaral olha para os jovens com
um olhar de orgulho sobre sua atitude.
Narrador
Quando Seixas convenceu-se que não podia casar com Aurélia, revoltou-se contra si próprio.
Não perdoava a imprudência de apaixonar-se por uma moça pobre e quase órfã, a qual já
havia pedido em casamento.
Cena 7
Narrador
No dia seguinte Aurélia Recebeu uma carta anônima. Comunicavam-lhe que Seixas a tinha
abandonado por um dote de trinta contos de réis . Acabando de ler estas palavras levou a mão
ao seio, para suster o coração que se lhe esvaía. Nunca sentira dor como esta. Sofrera com
resignação e indiferença, o desdém e o abandono; mas o rebaixamento do homem, a quem
amava, era suplício infindo de uma jovem devastada pelo falso amor de Fernando.
Narrador
Um dia, pela manhã, bateram à porta de D. Emília, quando a viúva e a filha vieram à sala,
acharam sentado no sofá um velho alto e robusto, cujo traje denotava um homem do interior;
que com os olhos cheios de lágrimas, de forma inesperada, levanta-se em direção a Aurélia e
suspende a moça em seus braços, antes mesmo que ela pudesse esquivar-se.
D. Emília
D. Emília
Narrador
O Sr. Camargo havia sido enviado pela Providência para reconhecer a nora e a neta, deixando
um dinheiro com a viúva, que seria suficiente para ela pagar algumas dívidas.
Narrador
Porém, após alguns meses, o Sr. Lourenço acaba falecendo, deixando sua herança para D.
Emília e Aurélia. A moça não teve tempo de aproveitar a riqueza ao lado de sua mãe, visto que
D. Emília acabou falecendo antes mesmo da jovem receber a herança.
Cena 9
Narrador
- Após a perda de sua mãe, a jovem Aurélia aceitou viver na companhia da viúva Firmina em sua
nova residência. A riqueza, que lhe sobreveio inesperada, erguendo-a subitamente da indigência
ao fastígio, operou em Aurélia rápida transformação; não foi, porém, no caráter, nem nos
sentimentos que se deu a revolução; estes eram inalteráveis, tinham a fina têmpera do seu
coração. A mudança consumou-se apenas na atitude, se assim nos podemos exprimir, dessa
alma perante a sociedade.
D. FIRMINA
- Já falei para que aquela menina não deixasse essa cadeira nessa posição.
D. FIRMINA
-BEAAAAATRIZZZZZZ.
A empregada chega.
BEATRIZ
- Eu já avisei para que coloques essa cadeira 2 centímetros à esquerda e você colocou 4
centímetros à direita.
BEATRIZ
D. FIRMINA
- Além de não fazer o que eu mando, é ignorante. Não se fala prerplequicia e sim perplexa.
Agora, ajeite essa cadeira no lugar certo antes que Aurélia chegue.
BEATRIZ
D. FIRMINA
- Mas é claro que não, Aurélia tem coisas mais importantes para se preocupar. Nunca foi de
importar-se com meros detalhes desse tipo. Mas EU sei a diferença que faz. Coloque-a no
lugar.
D. FIRMINA
- Mais para esse lado. Não, para aquele. Nesse canto Aurélia não irá gostar.
A empregada continua e Firmina fala mais e mais sobre a disposição das coisas na arrumação.
(Dependerá dos objetos de cena. A senhorinha deve colocar defeito em todos eles.
BEATRIZ
D. FIRMINA
D.FIRMINA
BEATRIZ
Luzes se apagam e o cenário é removido para o baile da próxima cena. O narrador, que
observava as duas mulheres tagarelarem, posiciona-se para próxima cena e entram os
figurantes. Luzes se acendem. Começa a tocar uma música de baile e as pessoas dançam
espontaneamente pelo salão até que Aurélia entre deslumbrante.
AURÉLIA RICA
Cena 1 (Vestido de baile)
(Obs.: Nesta cena dona Firmina e Adelaide têm de estar presentes entre os figurantes.)
Narrador
- Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam
unicamente pela riqueza, Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o
mesmo estalão. Assim costumava ela indicar o merecimento relativo de cada um dos
pretendentes, dando-lhes certo valor monetário. Uma noite, no Cassino, a Lísia Soares, que
fazia-se íntima com ela, e desejava ardentemente vê-la casada, dirigiu-lhe um gracejo acerca do
Alfredo Moreira.
- Ótima noite! Não concordas, Aurélia? (Diz a segunda parte virando-se para amiga.)
Aurélia (Rindo)
- Claro.
Aurélia
- Alfredo é um rapaz bastante distinto... Talvez valeria 100 contos de réis, por aí. Porém, tenho
dinheiro para pagar por um de mais valor.
Lísia
- Certamente tens mesmo! Mas você já tem alguém em mente, digo, esse que valeria tanto
dinheiro assim?
Aurélia
Lísia
Aurélia
- Minha amiga, não poderei contar ainda, mas daqui a um tempo tu terás a sua resposta.
Lísia sai de cena. Aurélia é cumprimentada por alguns figurantes e sai em direção a porta do
salão.
Narrador
- Os adoradores de Aurélia sabiam, pois ela não fazia mistério, do preço de sua cotação no rol
da moça; e longe de se agastarem com a franqueza, divertiam-se com o jogo que muitas vezes
resultava do ágio de suas ações naquela empresa nupcial.
A cena se encerra com o foco no narrador e tudo apagado. Narrador sai de cena e tudo se
paga. (tempo suficiente para Aurélia trocar de vestido.)
Cena 2 (com vestido mais simples, o qual ela usará na maioria das cenas.)
D.Firmina
Aurélia
- Nem por isso; mas sinto-me fraca. Deve ser o calor! (Abana-se com as mãos)
D.Firmina (Entusiasmada)
Aurélia
D.Firmina
Aurélia
- Ela mesma.
D.Firmina
Aurélia
- E bem educada. Dizem que toca piano perfeitamente, e que tem uma voz muito agradável.
Mas não costuma aparecer na sociedade. É a primeira vez que a encontramos; não me lembro
de tê-la visto antes.
D.Firmina
Aurélia
D.Firmina
- O que é, Aurélia?
Aurélia
D.Firmina
Aurélia
D.Firmina
Aurélia
D.Firmina
Do que você, Aurélia? Há de ser difícil que se encontre em todo o Rio de Janeiro outra moça
que tenha a sua educação. Lá mesmo, por Paris, de que tanto se fala, duvido que haja.
Aurélia
D.Firmina
- Sim senhora; a minha franqueza está em dizer a verdade, e não escondê-la. Demais, isso é o
que todos vêem e repetem. Você toca piano como o Arnaud, canta como uma prima-dona, e
conversa na sala com os deputados e os diplomatas, que eles ficam todos enfeitiçados. E como
há de ser assim? Quando você quer, Aurélia, fala que parece uma novela!
Aurélia
- Já vejo que a senhora não é nada lisonjeira. As que falam como uma novela, em vil prosa, são
essas moças românticas e pálidas que se andam.
D.Firmina
- Entendo o que você quer dizer; o dinheiro faz do feio bonito, e dá tudo, até saúde. Mas
repare bem, os seus maiores admiradores são justamente aqueles que não podem pretender
sua riqueza; uns casados, outros já velhos.
D. Firmina ainda proferiu algumas palavras em continuação da conversa, mas notou que a
moça não lhe prestava a menor atenção, antes parecia esquivar-se de qualquer impressão
exterior, para mais profundamente reconcentrar-se.
AURÉLIA
D. FIRMINA
AURÉLIA
D. FIRMINA
Há de ficar sozinha?
AURÉLIA
D. FIRMINA
Já é alguma penitenciazinha?
AURÉLIA (RI-SE)
Não, ainda não; é a profissão de noviça.
SENHOR LEMOS
Estava a caminho de Botafogo quando José me achou. Estou às suas ordens, minha pupila.
Tomei a liberdade de incomodá-lo, meu tio. Para tratar do meu casamento, objeto
importantíssimo para mim. Não achas que já estou com idade para pensar nisso?
SENHOR LEMOS
AURÉLIA
Dezenove.
SENHOR LEMOS
Dezenove! Não cuidei que já tinha completado ano. Mas não sei. A senhorita não tem seus
pais para ajudar na escolha do noivo e arredar certos interesseiros e espertalhões.
AURÉLIA
Decerto já estou decidida. Tão decidida que lhe pedi esta conferência.
SR. LEMOS
Já sei, quer que seu tutor lhe indique um noivo... Ham... É difícil achar um sujeito para
pretender uma moça como você. Mas... (interrompido)
Não precisa. Já o achei. Mas como tutor o senhor há de dar sua aprovação. Não há?
SR. LEMOS
Vamos a ver!
AURÉLIA
SENHOR LEMOS
SENHOR LEMOS
AURÉLIA
Sou agraciada por ter um tutor meu amigo, que me faz todas as vontades, como o senhor meu
tio.
AURÉLIA (senta-se)
Escute: vou contar-lhe um segredo que só Deus o sabe. Se o senhor revelar a alguém, não hei
de perdoá-lo.
SENHOR LEMOS
AURÉLIA
SENHOR LEMOS
AURÉLIA
AURÉLIA
Tome liberdade de anotar. (faz uma pausa enquanto espera o tio tomar nota) Pois bem, ele
ajustou o casamento de sua filha, Adelaide, com um moço, a quem ele ofereceu um dote de
trinta contos de réis.
SENHOR LEMOS
Já não é mau começo.
AURÉLIA
É preciso quanto antes desmanchar este casamento. Adelaide deve casar com Torquato
Ribeiro, um moço pobre que seu pai tem rejeitado, mas é de quem ela gosta. Poderia o senhor
assegurar ao Amaral que esse moço tem, pelo menos, uns cinquenta contos de réis? Não acho
que ele recusaria tal dote.
SENHOR LEMOS
AURÉLIA
SENHOR LEMOS
AURÉLIA
Esse moço, que está justo com a Adelaide Amaral é o homem a quem eu escolhi
para meu marido. Já vê que, não podendo pertencer a duas, é necessário que eu o
dispute.
SENHOR LEMOS
Ele chegou ontem; É natural que esteja tratando dos assuntos do casamenta, que será em um
ano, mais ou menos. O senhor deve procura-lo hoje mesmo e fazer-lhe a proposta.
SENHOR LEMOS
Sim, o farei!
AURÉLIA
Mas, previno-o de que meu nome deve permanecer em sigilo. Para todos os efeitos, uma
família deseja casar a moça com separação de bens, dando ao noivo um total de cem contos
de réis. Se não bastarem e ele exigir mais, o valor será de duzentos. Mas não mencione o
aumento caso ele não exija.
SENHOR LEMOS
Sim, entendo. Visto que a srta. quer permanecer misteriosa, como hei de me apresentar?
AURÉLIA
Não deixe que ele o reconheça como meu tio e tutor. Apenas isso. Mas se ele reconhecer,
convença-o que eu não tenho parte com isso.
SENHOR LEMOS
AURÉLIA
O bastante para que ele saiba que não sou velha nem feia.
SENHOR LEMOS
AURÉLIA
Falta ainda uma coisa. Não seria possível tratar desse negócio por escrito? Digo... Para que não
haja equívocos.
SENHOR LEMOS
SENHOR LEMOS
Fe...
AURÉLIA (o repreende)
Escreva!
Luzes se apagam.
SR. LEMOS
- Boa tarde! Eis o senhor Fernando Rodrigues de Seixas?
FERNANDO
- O mesmo! E o senhor é?
SR. LEMOS
SR. LEMOS
- Desembarcou ontem?
FERNANDO SEIXAS
Fernando vai até o sofá, senta-se e bate no assento ao lado para que o senhor Lemos se junte,
mas o velhinho, de nervoso que está, nem percebe. O mesmo, então, começa a andar de um
lado para o outro durante a conversa.
Sr.Lemos
Fernando seixas
Sr. Lemos
- A pessoa que me fez a honra de apresentá-lo, sr. Ramos, merece-me tudo. É para mim uma
honra seguir às suas ordens.
Fernando Seixas
- Seixas.
Sr. Lemos
-Perdoe-me o engano. Como ia dizendo, Senhor Seixas: é negócio importante que exige a
maior reserva e discrição.
Fernando Seixas
- Trata-se de uma moça rica, culta, a quem a família deseja casar o quanto antes. Desconfiados
desses espertalhões que existem por aí, fui encarregado de achar um marido para essa jovem.
Minha presença aqui significa que consegui encontrar tal pessoa.
Fernando Seixas
- Humm...
Sr.Lemos
Fernando Seixas
Sr.Lemos
Sem dúvida! Mas... me esqueci de uma coisa, a pequena é rica o bastante e dota o marido com
cem contos de réis... Que reposta posso dar a família?
Fernando Seixas
- Nenhuma!
Sr.Lemos
Fernando Seixas
Sr.Lemos
Fernando
- Antes de tudo, estou comprometido de certo modo e embora não haja ajuste formal, receio
que não poderei aceitar tal proposta.
Sr.Lemos
Fernando Seixas
- Exato! Às vezes ocorrem circunstancias que desatam obrigações solenes...
Sr Lemos
- E o que é da vida, no fim das contas, se não encontros e desencontros, não é mesmo?!
- Bem, negócios não se resolvem assim tão depressa. Pense na proposta. Deixarei o meu
endereço caso o senhor deseje procurar.
-Fernando Seixas
Sr.Lemos
Seixas conduz Lemos até a porta da casa. Luzes se apagam para dar início à próxima cena.
Sr.Lemos
Fernando Seixas
Sr.Lemos
- Vagamente, não és totalmente estranho.
Fernando Seixas
Sr .Lemos
Fernando Seixas
Sr.Lemos
Fernando Seixas
Sr.Lemos
- Ah! Não tenho autorização para falar sobre ela até que nosso acordo esteja devidamente
selado.
Fernando Seixas
- E qual é a razão para tanto mistério? Existe algo errado com a moça?
Sr.Lemos
Fernando Seixas
Sr. Lemos
Fernando Seixas
- Ehh... Aceito.
Sr.Lemos
-Muito bem!
Fernando Seixas
- Aceito, mas com uma condição.
Sr.Lemos
Fernando Seixas
Sr.Lemos
- Não tenho ordem para lhe dar esse dinheiro, mas posso ir falar com a família da moça sobre
tal adiantamento!
Fernando Seixas
Sr.Lemos
Fernando Seixas
Seixas aperta a mão de Lemos como sinal de fechamento do acordo, as luzes se apagam e a
cena 5 começa.
Cena 5
Alfredo Moreira
Diz Fernando Vislumbrando Aurélia. Alfredo olha para onde o amigo está olhando e ri consigo
mesmo.
Alfredo Moreira
-É verdade meu caro amigo, que mulher! É um anjo da beleza que te fascina e te arrasta os
pés!
Fernando Seixas
Alfredo Moreira
Fernando
Se importa de me acompanhar?
Adelaide
Claro que não. Obrigada. (responde, logo depois segura o braço de Alfredo)
Adelaide Amaral
Adelaide
Aurélia
Adelaide
Aurélia
Adelaide
- Esta troca é paga da outra que fizemos. Ou melhor, da que fizeram por nós.
- Alto e claro.
Fernando Seixas
D.Firmina
Fernando Seixas
- Obrigado.
Fernando, nervoso, entra e decide ficar de pé enquanto dona Firmina se retira, voltando
sozinha.
D.Firmina
Fernando Seixas
- Não, obrigado!
Aurélia acena com a cabeça e estende a mão para Fernando, que a beija em sinal de
cumprimento.
- Como...
Aurélia
- Esteve no Nordeste a pouco tempo, não foi, senhor Seixas?
Fernando Seixas
Sr.Lemos (completando)
Aurélia
Fernando Seixas
- Creio que poucas cidades do mundo lhe poderão disputar encantos de perspectiva e beleza.
Aurélia
Fernando
- O Rio de Janeiro é, sem dúvida, a majestade da beleza natural; o Recife, porém, tem sua
graça como uma jovem princesa na corte.
Aurélia
Fernando
- Não conheço Veneza, mas sim Recife é dotada de uma beleza sem igual.
Aurélia
- Com certeza!
Aurélia
D.Firmina
SEIXAS
SENHOR LEMOS
Sim. Agora que a conhece, é tempo de saber que eu sou o feliz tutor deste amorzinho. Era
preciso guardar segredo enquanto não se fechava o acordo, compreende?
LEMOS
AURÉLIA
Não temos amizade com essa gente, tio. Sugiro o dr. Torquato Ribeiro.
FERNANDO
Que lembrança!
AURÉLIA
Desagrada-lhe?
FERNANDO
AURÉLIA
AURÉLIA
LEMOS
AURÉLIA (levanta-se)
Não, não, não! Quero Dr. Torquato como meu padrinho. E ponto!
CELEBRANTE
Hoje estamos aqui reunidos para celebrar o casamento entre Fernando Seixas e Aurélia Lemos
Camargo. O compromisso que ambos assumem hoje é algo deveras importante. Para
oficialização deste matrimônio, peço que respondam: É de livre e espontânea vontade tal
decisão?
FERNANDO
Sim!
AURÉLIA
Sim.
CELEBRANTE
Eu Fernando Seixas, recebo a ti, Aurélia Lemos Camargo, como minha legítima esposa.
FERNANDO
Eu Fernando Seixas, recebo a ti, Aurélia Lemos Camargo, como minha legítima esposa.
CELEBRANTE
FERNANDO
Prometo ser fiel,
Amar-te e respeitar-te
Na alegria e na tristeza,
CELEBRANTE
Na saúde e na doença,
Na riqueza e na pobreza,
Por todos os dias da nossa vida
Até que a morte nos separe.
FERNANDO
Na saúde e na doença,
Na riqueza e na pobreza,
Por todos os dias da nossa vida
Até que a morte nos separe.
CELEBRANTE
E agora você, Aurélia. Repita: Eu Aurélia Lemos Camargo, recebo a ti, Fernando Seixas, como
meu legítimo esposo.
AURÉLIA
E agora você, Aurélia. Repita: Eu Aurélia Lemos Camargo, recebo a ti, Fernando Seixas, como
meu legítimo esposo.
CELEBRANTE
AURÉLIA
CELEBRANTE
Na saúde e na doença,
Na riqueza e na pobreza,
Por todos os dias da nossa vida
Até que a morte nos separe.
AURÉLIA (repetia tudo olhando para o chão, escondida pelo véu de caxemira.
Na saúde e na doença,
Na riqueza e na pobreza,
Por todos os dias da nossa vida
Até que a morte nos separe.
CELEBRANTE
DONA CAMILA
FERNANDO
MARIQUINHAS
NICOTA
DONA CAMILA
AURÉLIA
FERNANDO
AURÉLIA
FERNANDO
Eu lhe juro! O meu primeiro beijo de amor, guardei-o para minha esposa.
AURÉLIA
FERNANDO
Hãm?
AURÉLIA
Ah, Fernando! Fazemos parte de uma comédia. Os melhores atores não nos excederiam!
Entremos na realidade por mais triste que ela seja; E cada um aceite seu papel, eu, uma
mulher traída; o senhor, um homem vendido.
FERNANDO
Vendido?!
AURÉLIA
Vendido, sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica; sou milionária;
precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava
no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer.
Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento.
AURÉLIA
Agora se quiser saber o porquê de eu tê-lo comprado, sente-se e deixe-me falar o que me
amargura há um ano.
AURÉLIA
Eu não preciso dizer que tinha amor e adoração por você desde o início. Para que uma mulher
sacrifique assim o seu futuro sua existência já se tornou um deserto, onde não resta senão o
cadáver do homem que a assolou. O senhor não retribuiu meu amor, nem sequer o
compreendeu. Deve ter sido culpa minha em não saber inspirar-lhe o que eu sentia. Mais tarde
você retirou-me a afeição que me consolava e deu para outra. Mesmo assim eu ainda tive
forças para amá-lo e perdoá-lo. Mas não me trocastes pelo amor dela, e sim pelo seu
mesquinho dote (eleva a voz)! Eu tinha um ídolo e você o destruiu. Eis o seu crime. Não se
assassina assim um coração!
AURÉLIA
Quando me tornei rica, percebi que as moças ricas eram apenas arranjos, e não esposas. Pois
bem, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação que ainda posso ter
neste mundo. Mostrar a esse homem, que não me soube compreender, que mulher o
amava, e que alma perdeu. Entretanto eu ainda tinha esperança, se ele recusar esta proposta
indigna eu irei lançar-me aos seus pés. Suplicarei que aceite minha riqueza e a disponha como
quiser, desde que consinta que eu o ame. Mas até mesmo essa ilusão você destruiu.
AURÉLIA
Outrora atava-se o cadáver ao homicida como castigo. Você matou-me o coração, Fernando.
Era justo que o prendesse ao que restou de sua vida. Mas esse castigo não pode ser longo.
Logo morrerei na infelicidade e você ficará livre. E rico.
AURÉLIA
AURÉLIA
FERNANDO
Não; não a amo. É verdade que a amei; mas a senhora acaba de esmagar a seus pés esse amor;
aí fica ele para sempre sepultado na condição a que o deixou. Eu só a amaria agora,
se a quisesse insultar. Há uma vingança que não teria forças para exercer: a de amá-la.
AURÉLIA
Então enganei-me? O senhor ama-me sinceramente, e não se casou comigo por interesse?
FERNANDO
Não, senhora, não se enganou. Vendi-me. A senhora teve o mau gosto de comprar um marido
sem caráter. Preferiu um escravo branco; estava em seu direito, pagava com seu dinheiro, e
pagava generosamente. Esse escravo aqui o tem; é seu marido, porém nada mais do que seu
marido! Ajustei-me por cem contos de réis, foi pouco, mas o negócio está concluído. Recebi
como sinal da compra vinte contos de réis; faltava-me arrecadar o resto do preço, que a
senhora acaba de pagar-me.
Quer que lhe passe um recibo?… (Ela permanece muda) Não: confia na minha palavra. Enfim
estou pago. O escravo entra em serviço. (Ele senta-se defronte da moça.) Espero as suas
ordens.
AURÉLIA (abismada)
MEU DEUS!
FERNANDO
Minha presença a incomoda? Não tem direito de mandar? Ordene, que eu me retiro, senhora.
(enfatizando a última palavra.)
AURÉLIA
FERNANDO
Cena 11
(Casa de Aurélia rica: banquete.)
Os três sentam-se à mesa e Aurélia trata unicamente de servi-los (Com um rosto feliz)
Aurélia
Fernando, quer que eu lhe sirva algo?
Fernando
Aurélia
Não almoçou!
Fernando
Aurélia
Nesse caso eu devia jejuar. É que em mim produz o efeito contrário; estava com
uma fome devoradora.
D.Firmina
Aurélia
Fernando
Ordena?
Fernando
As aparências enganam.
D.Firmina
Com licença, irei olhar se chegou alguma encomenda. (Saindo da sala)
Aurélia
- Agradeço!
Fernando
Permite-me? (mostrando para Aurélia)
Aurélia
Sim, não me causa incômodo.
Aurélia
O que os jornais trazem de novo?
Fernando
Ainda não os li. Que mais lhe interessa? Naturalmente a parte noticiosa, o folhetim…
Aurélia
Não fuma?
Fernando
Permite?
Aurélia
Já disse que não me incomoda!
Fernando
Desculpe-me; não tendo recebido um consentimento formal, receei contrariá-la.
Aurélia
Há receios que mais parecem desejos!
Fernando
O tempo a convencerá de minha sinceridade.
Aurélia
Fernando
O melhor é não confiar nele e viver do presente. O verdadeiro livro é o jornal, com seus
anúncios do dia.
Descrição: Aurélia está sozinha em casa e então tranca a porta pra que ninguém entre, ela vai até
o toucador (penteadeira) de Fernando e percebe que nas gavetas está tudo do jeito que deixou,
ele não usou as coisas que ganhou no dote.
EXT. Jardim
Aurélia:
Seixas:
Aurélia
Seixas:
A obrigação e o direito.
Aurélia:
Seixas:
Aurélia:
Ainda bem.
Aurélia:
Seixas:
Não se assuste, estão fechados nas gavetas como a senhora os deixou. Pensava que fossem parar
em alguma casa de penhor? (fala com um sorriso de desdém).
Aurélia:
Estes objetos lhe pertencem e podes dispor deles com quiser sem ter que dar contas a ninguém.
Seixas:
Quanta generosidade.
Aurélia:
Não se apresse em agradecer. Se eu respeito o seu direito de dispor livremente do que é seu,
também reclamo a garantia do que adquiri com o sacrifício de minha felicidade casei-me com o
senhor Fernando Rodrigues de Seixas, um cavalheiro distinto e franco, e não com um avarento
pois é esse o conceito que a cidade inteira tem de você.
Seixas:
Aurélia passa a mão pelo braço de Seixas e D.Firmina assa pelos dois que estão admirando o
jardim.
Seixas:
A senhora comprou um marido, portanto tem o direito de exigir dele o respeito, a fidelidade, a
convivência e todas as atenções e homenagens eu um homem deve a sua esposa.
Aurélia:
Aurélia:
Oh! Ninguém sabe melhor do que eu, que tipo de amor é esse que está presente na sociedade e
que simplesmente se compra e vende, numa transação mercantil chamada casamento! E há
também o outro amor, aquele que sonhei outrora, pelo qual por apena um dia, uma hora
sacrificaria não só a riqueza, que nada vale porém, a minha vida, e creio que minha alma!
Ela solta do braço do marido e este com uma expressão de profunda mágoa que logo se dissipa.
Seixas:
A senhora fará o que quiser, e eu devo aceitar desde que não empobreça.
Aurélia:
Seixas:
Posso continuar?
Aurélia:
Estou ouvindo.
Seixas:
As obrigações e respeitos que lhe devo como seu marido não eximirei de cumprir-lhes qualquer
que seja a humilhação que eles me imponham.
Seixas:
A senhora sabe também que não comprou m marido qualquer e sim um marido elegante, de boa
sociedade e maneiras distintas. Tudo que for preciso para satisfazer essa vaidade de mulher rica
eu o farei, e tenho feito. Sou o mesmo que era quando recebi a proposta de Lemos. Mas saiba
que não lhe vendi minha alma e individualidade, e a senhora sabia que jamais a compraria a
preço d’ouro.
Aurélia:
Seixas:
A nenhum preço.
Aurélia então se recolhe para dentro de casa desta vez sem a companhia do marido.
Lísia
Aurélia! fiquei tão feliz com o seu casamento, lembras quando no cassino fazíamos a cotação
de teus pretendentes?
Aurélia (sorrindo)
Se me lembro?! Perfeitamente!
E o que me disse a respeito de Alfredo Moreira? Que poderia valer 100 contos de réis, mas
disseste que eras muito rica e poderia pagar por um marido melhor.
Aurélia
E não é verdade?
Lísia
Lísia
Aurélia
Lísia
Lísia
Tu a amas, senhor Seixas? Ou foi apenas por conta do excelente dote que recebestes?
Responda, Fernando!
Fernando
Se almejas saber tanto sobre minhas intenções, dona Lísia, fique certa que me casei apenas
pelo dote e nada mais. Creio que minha esposa decidiu mudar idéia e pagou por um marido de
um preço razoável.
Eis o que querias Lísia, era fazer desconfiar Fernando. Quer saber se eu o comprei, e por qual
preço? Não farei mistério disso: comprei-o e muito caro, custou-me mais, muito mais de um
milhão e paguei-o não em ouro, mas em outra moeda de maior valia. Custou-me o coração;
por isso já não o tenho.
Ao fim da fala Aurélia se despede de Lísia com rispidez e vai embora com Fernando.
Aurélia:
Esse passeio todas as tardes deve aborrecê-lo. Por que não sai à cavalo? (Aurélia falava
mexendo nas flores para evitar que seu olhar encontrasse o de Seixas).
Seixas:
Aurélia:
Aurélia: (Aurélia se afastou um pouco, observando as flores e depois voltou para perto do
marido).
Nossos destinos estão ligados para sempre. A sorte recusou-me a felicidade que sonhei. Tive
este capricho que nenhuma outra o possuiria enquanto eu viver. Mas não pretendo condená-
lo ao suplício desta existência que vivemos há mais de um mês. Não o retenho, tu és livre,
disponha de seu tempo como quiser, não tem que dar-me contas.
Seixas:
A senhora deseja ficar só? Ordene que eu me retiro agora como em qualquer outra ocasião.
Aurélia:
Seixas:
Aurélia:
Pode tratar dele quando quiser. (Respondeu Aurélia com um tom firme).
(Aurélia afasta-se e vai olhar os pássaros. Enquanto Seixas surpreso com a proposta feita por
ela, reflete por um momento e então aproxima-se dela).
Seixas:
Seixas:
Talvez nunca tenha parado pra pensar neste problema. A senhora tem o direito de despedir o
cativo, quando quiser?
Aurélia:
Seixas:
Então entende que depois de privar um homem de sua liberdade, de o rebaixar diante de sua
própria consciência, de transformá-lo em um instrumento. É justo abandonar esta criatura a
quem sequestraram da sociedade? Eu penso o contrário.
Aurélia:
Seixas:
Toda. A senhora fez de mim seu marido então não me resta outra missão neste mundo, desde
que impôs-me esse destino sacrificou meu futuro, e não tem o direito de negar-me o que eu
paguei tão caro, com o preço da minha liberdade.
Aurélia:
Aurélia:
Fernando, creio que tenha receio do escândalo que produzirá o divórcio. Não há necessidade
de publicarmos nossa decisão, podemos viver inteiramente estranhos um ao outro na mesma
cidade, e até na mesma casa. E se preciso teremos as desculpas das viagens por moléstia , da
mudança de clima, do passeio à Europa.
Seixas:
A senhora fará o que for de sua vontade, afinal a minha única obrigação é obedecer-lhe assim
como um servo, desde de que não lhe falte com o marido que a senhora comprou.
Seixas:
Não tenha esse receio. Se eu não tivesse certeza que o amor entre nós é impossível, não
estaria aqui neste momento.
Seixas:
Como quiser! O senhor acha que sua presença me incomoda e por isso gosta da ideia de impô-
la como uma contrariedade. Pois engana-se. Bem, então quer dizer que rejeita a separação?
Pois então não pode queixar-se do que vier a acontecer.
Aurélia:
Seixas:
Qual?
Aurélia:
Seixas:
É verdade.
Aurélia:
Não sei o que tem o luzir das estrelas, é algo que notei desde menina, sempre que fico assim
olhando para elas e bebendo seus raios sinto uma vertigem, que me dá sono.
Seixas:
Aurélia:
Pois reparou?
Seixas:
Aurélia:
INT. QUARTO
Aurélia:
Fernando:
Não deveria ter ficado até tão tarde.
Aurélia:
Seixas:
Aurélia:
Estou muito doente. (respondeu com a voz abalada, porem com uma certa malícia que
desmentia aquelas palavras.)
Seixas:
É uma enfermidade grave, que a ataca todas as noites e a deixa sem sentido por horas?
Aurélia:
Aurélia:
Veja se não tenho febre. (diz ela colocando a mão de seixas em sua testa)
Seixas:
Aurélia:
Seixas:
Aurélia:
Seixas:
Aurélia:
Essa felicidade, eu não a tenho! (Aurélia levanta-se da cama e começa a andar pelo quarto,
então pega um porta retrato com uma foto antiga de Fernando.)
Aurélia:
Este é o homem que eu amei e que amo! O senhor tem as mesmas feições, a mesma nobreza
de porte. Mas o que não tem é a sua alma, que eu guardo e sinto palpitar dentro de mim.
(Seixas fica com um olha surpreso e Aurélia se volta para ele com um olhar de soberba.)
Seixas:
Aurélia:
Mas já ...
Seixas:
Aurélia:
Seixas:
Cena FINAL
(Quarto de Aurélia/ câmara nupcial)
Baixa iluminação
Aurélia vestida com o roupão. Coloca a mão sobre a escrivaninha reclinando-se, abre e fecha
a gaveta com força, logo em seguida senta-se. Fernando entra no quarto).
Fernando
É a segunda vez que a vejo com este roupão. A primeira foi há cerca de onze meses, não
justamente neste lugar, mas perto daqui, naquele aposento (Olha para
o local)
Aurélia
Deseja que conversemos no mesmo lugar?
Fernando
Não, senhora. Este lugar é mais próprio para o assunto que vamos tratar. Lembrei daquela
circunstância unicamente pela coincidência de representá-la a meus olhos, tal como vi
naquela noite. Recorda-se?
Aurélia
De tudo.
Fernando
A senhora desenganou-me; definiu a minha posição com maior clareza; mostrou que se
tratava de negócios, e exibiu o seu título de compra, que naturalmente ainda conserva.
Aurélia
É a minha maior riqueza. (Misto de emoção e ironia)
Fernando
Se eu tivesse naquele momento os vinte contos de réis, que havia recebido de seu tutor,
por adiantamento do dote, a questão resolvia-se. Desfazia-se o equívoco; devolvia-lhe seu
dinheiro; recuperava minha palavra; e nos separaríamos como fazem dois contratantes de
boa-fé.
Fernando
Mas os vinte contos, eu já não os possuía naquela ocasião. Em tais circunstâncias restavam
duas alternativas: trair a obrigação estipulada, tornando-me um caloteiro
vende, pode rebaixar-se; mas faz jus ao que lhe pertence. Aceitei o fato, me submeti
lealmente, com grande resistência, ao que eu reconhecera como lei.
Aurélia
Cumpriu sua palavra como um cavalheiro.
Fernando
É o que desejei ouvir de sua boca antes de informá-la do motivo desta conferência.
Fala isso com uma respiração forte enquanto tira a carteira do bolso.
Fernando
Antes de concluir a negociação, devo revelar-lhe que eu adquiri o dinheiro sozinho; e para
maior tranquilidade de minha consciência, ele provém de data anterior ao nosso
casamento. Agora posso quebrar enfim esta opressão vergonhosa. Aqui estão as provas.
Fernando entrega para Aurélia vários papéis que estavam em um envelope e Aurélia passa o
olho neles.
Fernando
Agora nossa conta, a Senhora pagou-me cem contos de réis; oitenta em um cheque do
Banco do Brasil e vinte em dinheiro. Tenho que entregar-lhe esse valor, não é isso? (Fala isso
enquanto tira um cheque da carteira).
Aurélia
Está exato. Quer que eu lhe passe um recibo?
Fernando
Não há necessidade. Basta que me devolva o papel da venda.
Aurélia
Aurélia
Faça-me o favor de abrir aquela gavetinha. Dentro possui papéis amarrados com uma fita
azul… Justamente!... Não conhece esta fita? Foi a primeira coisa que recebi de sua mão, com
um ramalhete de flores. Ah! Perdão; estamos negociando.
Aurélia retira a fita dos papéis e os entrega a Fernando que os coloca na carteira.
Fernando
Enfim partiu-se o vínculo que nos prendia. Reassumi a minha liberdade, e a posse de mim
mesmo. Não sou mais seu marido. A senhora compreende este momento?
Aurélia
É o da nossa separação.
Fernando
Talvez ainda nos encontraremos neste mundo, mas como dois desconhecidos.
Aurélia
Ouça-me; desejo que em um dia quando refletir sobre este acontecimento, dê a mim um
pouco de sua admiração; nada mais. A sociedade na qual me eduquei, fez de mim um homem
materialista, o luxo me consumia. Me acostumei a considerar a
riqueza como algo primordial para existência, e ensinavam-me que o casamento era o melhor
meio para adquiri-la. Na época em que seu tutor me procurou eu me sentia ameaçado pela
pobreza, estava endividado, me sentia causador da tristeza da minha mãe e da minha irmã.
Tudo isso abateu-me. Não me defendo; eu devia
Aurélia
Aurélia pega o
cheque. Aurélia
Aurélia
Para quê? Desde que uma coisa se tem de fazer o melhor é que se faça logo e sem desculpas.
Fernando
Neste caso receba as minhas despedidas.
Aurélia levanta-se.
Fernando
Adeus, senhora. Acredite…
Aurélia o
interrompe. Aurélia
Sem cumprimentos! O que poderíamos dizer ao outro que já não foi pensando por ambos?
Fernando
Tem razão.
Fernando recua com um passo até o meio do local, faz uma cortesia para Aurélia e ela
responde.
Aurélia
Um instante!
Fernando
Chamou-me?
Aurélia
O passado está extinto. Estes onze meses, não fomos nós que os vivemos, mas aqueles que
acabam de se separar, e para sempre. Não sou mais sua mulher; o senhor já não é meu
marido. Somos dois estranhos. Não é verdade?
Aurélia
Pois bem, agora ajoelho-me eu a teus pés, Fernando, e suplico-te que aceites meu amor, este
amor que nunca deixou de ser teu, ainda quando mais cruelmente ofendia-te. Aquela que te
humilhou aqui a tens implorando seu perdão e feliz porque te adora, como o senhor de sua
alma.
Fernando levanta Aurélia pelos braços e eles encostam o rosto. Logo em seguida ele se
afasta dela com um olhar de tristeza.
Fernando
Não, Aurélia! Tua riqueza separou-nos para sempre.
Fernando
O que é isto, Aurélia?
Fernando fica com os olhos cheios de lágrimas passando a mão no braço de Aurélia.
Aurélia
Esta riqueza causa-te horror? Pois fica comigo, meu Fernando. É o meio de rejeitá-la. Se
não for bastante, eu a dissiparei.
Luzes se apagam e o cenário é retirado. Os músicos entram tocando Stay With Me – Sam
Smith apenas instrumental (foco de luz apenas neles). Em seguida outro foco de luz se acende
onde estão Aurélia e Fernando, que iniciam a dança final.
FIM