Roteiro Senhora

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ROTEIRO

PEÇA TEATRAL

Senhora
(Baseada na obra de José de Alencar)

Roteirista: Clara Gonçalves.

Auxiliares: Ellen Chaves, João P. Melo e Marina de Jesus.

Turma : 2° ano Caruaru


AURÉLIA POBRE
Introdução:
Após a dança de abertura, as luzes se apagam e, no
escuro, enquanto é montado o cenário, o narrador faz a
seguinte narração:

Narração

- Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. Desde o momento de sua ascensão
ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões. Tornou-se deusa dos
bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade. Quem não se recorda
de Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da corte como brilhante meteoro, e
apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira seu fulgor? Tinha ela
dezoito anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Se o lindo semblante não se
impregnasse constantemente, ainda nos momentos de cisma e distração, dessa tinta de
sarcasmo, como acreditar que a natureza houvesse traçado linhas tão puras e límpidas
daquele perfil para quebrar-lhes a harmonia com o riso de uma pungente ironia.

Luzes se apagam novamente e se inicia a cena 1

CENA 1 – PREDOMINANTEMENTE NARRADA – CASA DE AURÉLIA POBRE.

Foco principal é no narrador, mas a luz vai aumentando


gradativamente e mostrando o cenário da simples
casa. Ao longo da narração, o mesmo senta-se no sofá
iniciando a descrição da cena. (Um sofá, uma mesa e
duas cadeiras e um vasinho. Demais decorações para
compor o cenário de uma sala de estar + sala de jantar
pobre.)

Narrador
- Mas, Aurélia de Lemos Camargo nem sempre foi assim... Na rua de Santa Teresa residia uma
simples família; formada pela viúva Emilia Camargo e seus dois filhos: Emilio e Aurélia, ambos já
maiores de idade. Para ajudar a família, Emilio trabalhava de contador. Este tinha alguns
problemas na realização de seu ofício e na maioria das vezes sua irmã o auxiliava.

Emilio, sentado à mesa, tenta realizar seus cálculos,


mas, claramente, não os consegue. Então, Aurélia se
levanta, para de costurar e se oferece para fazer o
trabalho no lugar de Emílio.

Aurélia

- Deixe que faço os cálculos, irmão. Matemática sempre foi o meu forte. (diz sentando-se na
outra cadeira.)

Emílio agradece e empurra os papéis sobre a


mesa na direção da irmã.

Narrador

- Dona Emília era uma mãe bastante preocupada com seus filhos; principalmente com Aurélia,
e esperava ansiosamente vê-la casada e feliz. Vivia, então, insistindo para que a moça ficasse
na janela na intenção de ser cortejada por um possível pretendente. Porém, a jovem
constantemente se recusava a ceder as vontades de sua mãe.

Aurélia ainda auxilia seu irmão enquanto a


mãe insiste para que ela vá à janela.

Emília

- Vá para janela, querida!

Aurélia

- Não posso, mamãe, estou ajudando Emilio.

Luzes se apagam. (Enquanto isso Aurélia, Emilia e Emilio posicionam-se para próxima cena.
Não há alteração no cenário.)
CENA 2 – MESMO CENÁRIO – MESMO FIGURINO (ALTERAÇÃO DE UM ACESSÓRIO OU OUTRO
NAS VESTES.)

Emilio deitado no sofá morrendo, com Aurélia


e sua mãe ao seu lado chorando.

Narrador

- Aurélia e Emilio perderam seu pai quando ainda eram crianças e isto fez com que eles fossem
ficando cada vez mais unidos como uma família. Emilio, como primogênito sempre fazia de tudo
pela mãe e irmã. Após trabalhar por dias de forma exaustiva, adoeceu de uma febre bastante
forte e que em poucos dias o levou, abalando profundamente sua família. (Enquanto isso, Emílio
expira.)

Neste momento Aurélia e Emilia choram diante


do corpo do rapaz. A luz diminui a intensidade.

EMILIA

Meu querido filho! Não! Não se vá! (Diz segurando a mão do defunto.)

LUZES SE APAGAM.

CENA 3 – JANELA E RUA.

As luzes focam apenas no narrador neste


momento. (Emilio sai ficando apenas Aurélia e Emilia.)

Narrador

- Após uma perda tão profunda, Aurélia começou a ceder aos anseios de sua pobre mãe. Por
todas as tardes a jovem ia à janela, determinada a achar um noivo que seria bom o suficiente
para ela. Entre os apaixonados por Aurélia contava-se Eduardo Abreu, rapaz de vinte e cinco
anos, Apesar de sisudo e não propenso a aventuras, Abreu foi tentado pela fascinação do amor
fácil e efêmero. Alistou-se à já numerosa legião dos conquistadores de Aurélia, mas andara
sempre na retaguarda, entre os mais tímidos.

Da Janela mesmo, Aurélia é cortejada por Eduardo. (Ele tira o chapéu para ela.)

Narrador
- Com passar tempo o interesse de Abreu por Aurélia vai aumentando, até que um dia o rapaz
decide tomar uma decisão importante. (enquanto isso eles fingem conversar e rir.)

Eduardo Abreu (ajoelhando-se diante da moça que está à porta.)

- Minha querida Aurélia, gostaria de saber se aceitas casar comigo!

D.Emilia (diz da janela enquanto observa o casal.)

- Deus ouviu minhas súplicas. Agora posso morrer descansada!

Dona Emilia se dirige a Aurélia que se vê perplexa com a


pergunta de Eduardo.

D.Emilia

Vamos filha, responda o rapaz!

Aurélia

Perdoe-me, minha mãe, antes tinha decidido que aceitaria o primeiro casamento que a
senhora achasse conveniente; porém agora tudo mudou.

Não poderei aceitar sua proposta, caro Eduardo, pois amo outro moço.

Aurélia se dirige a Eduardo e o levanta do chão pois ele


ainda se encontrava ajoelhado, Eduardo sai da casa cabisbaixo.

Dona Emília olha para a filha com olhar de repreensão e a mesma se retira.

(Luz apenas no narrador.)

Narrador

- O outro a quem Aurélia se referia era Fernando Seixas, rapaz distinto, que cortejava a moça
pela janela e começou a frequentar a sua casa. Mas, dona Emilia não deixaria que sua filha
ficasse mal vista na sociedade por sempre recebe-lo em casa e não ter intenções matrimoniais
com ele.

Cena 4

(Casa de Aurélia pobre)


Fernando pede licença e entra na casa de Aurélia visando passar a tarde
com a moça. O mesmo cumprimenta Emília e inicia o diálogo.

Fernando

Boa tarde, dona Emília!

D. Emília

Boa tarde, Fernando! Que bom que viestes pois queria falar com você sobre um assunto
bastante importante.

Fernando

E qual seria este?

D. Emília

Suas intenções com minha filha, quero que você saiba que Aurélia é uma moça de respeito e
não quero qualquer um com ela.

Aurélia

Mãe, não vejo necessidade desta conversa.

Fernando

Está tudo bem, Aurélia, sua mãe está certíssima sobre essa conversa.

O foco da luz começa a ser no narrador.

Narrador

Fernando fala sobre suas reais intenções, e a viúva as escuta com cautela e finaliza a conversa
com sua bênção. Com passar dos dias o romance dos dois começa a ficar cada vez mais sério e
concreto; uma certa noite Fernando decide fazer uma surpresa a Aurélia após um jantar na
casa da moça.

Fernando

-Minha doce e linda Aurélia tenho algo para indagar-te!

Aurélia

-Então diga logo, meu amor!

Fernando se ajoelha em frente a Aurélia.

Fernando

- Você aceita casar comigo?


Aurélia

Mas é claro que sim, Fernando!

Aurélia abraça o noivo e a cena encerra.

Cena 6

(Casa Adelaide)

Narração

Na rua das Mangueiras morava Tavares do Amaral, empregado da alfândega Amaral, o mesmo
não via de boa sombra a intimidade de sua filha Adelaide com o Dr. Torquato Ribeiro, que
além de pobre, estava desarranjado. Após escutar sobre o jovem Fernando Seixas decidiu
arranjar um enlace entre sua filha e Fernando.

Fernando entra na casa de Tavares do Amaral e inicia o diálogo.

Fernando

Então sobre o que deseja tratar, Sr. Amaral?

Tavares do Amaral

Pois bem, Fernando, conheces Dr. Torquato Ribeiro?

Fernando

Por certo, em que problema Torquato se meteu?

Tavares do Amaral

- Em nenhum, porém não acho de bom tom a amizade dele com minha filha Adelaide, sendo
assim, achei que poderíamos fazer um acordo.

Fernando

Qual seria este?

Tavares do Amaral

- Minha filha Adelaide é uma moça ótima e merece tudo de melhor, inclusive um marido a sua
altura, por isso pensei que o senhor seria uma pretendente em potencial, o que achas?
Aceitaria o dote?

Fernando
É uma proposta realmente boa, Sr. Amaral, porém estamos falando sobre qual quantia?

Tavares do Amaral

30 contos de réis, Sr. Seixas, precisa de tempo para pensar sobre a proposta?

Fernando

Claro que não, 30 contos de réis está ótimo para mim .

Tavares do Amaral

-Então acordo fechado, irei chamar Adelaide para que o senhor a conheça.

Narrador

-Naquele momento Tavares do Amaral chama Adelaide, quando a moça chega, Amaral explica
sobre o noivado de ambos e a jovem se mostra apreensiva com a ideia de casar-se com
Fernando, mas cumprimenta o rapaz com um singelo sorriso, Amaral olha para os jovens com
um olhar de orgulho sobre sua atitude.

Foco da luz fica apenas sobre o narrador.

Narrador

Quando Seixas convenceu-se que não podia casar com Aurélia, revoltou-se contra si próprio.
Não perdoava a imprudência de apaixonar-se por uma moça pobre e quase órfã, a qual já
havia pedido em casamento.

Cena 7

(Casa de Aurélia pobre)

Narrador

No dia seguinte Aurélia Recebeu uma carta anônima. Comunicavam-lhe que Seixas a tinha
abandonado por um dote de trinta contos de réis . Acabando de ler estas palavras levou a mão
ao seio, para suster o coração que se lhe esvaía. Nunca sentira dor como esta. Sofrera com
resignação e indiferença, o desdém e o abandono; mas o rebaixamento do homem, a quem
amava, era suplício infindo de uma jovem devastada pelo falso amor de Fernando.

O foco de luz principal é em Aurélia com um pouco de luz para o narrador.


Cena 8

(Casa de Aurélia pobre)

Narrador

Um dia, pela manhã, bateram à porta de D. Emília, quando a viúva e a filha vieram à sala,
acharam sentado no sofá um velho alto e robusto, cujo traje denotava um homem do interior;
que com os olhos cheios de lágrimas, de forma inesperada, levanta-se em direção a Aurélia e
suspende a moça em seus braços, antes mesmo que ela pudesse esquivar-se.

D. Emília

Que é isto, senhor? Está louco?

Aurélia desprende-se do velho.

SR. Lourenço Camargo


Não me conhece? Sou o pai de seu marido!

D. Emília

O sr. Lourenço Camargo?

SR. Lourenço Camargo

Ele mesmo. Não consente que abrace minha neta?

Aurélia o abraça novamente e ele senta-se no sofá enxugando as lágrimas.

Narrador

O Sr. Camargo havia sido enviado pela Providência para reconhecer a nora e a neta, deixando
um dinheiro com a viúva, que seria suficiente para ela pagar algumas dívidas.

A luz vai focando apenas no narrador.

Narrador

Porém, após alguns meses, o Sr. Lourenço acaba falecendo, deixando sua herança para D.
Emília e Aurélia. A moça não teve tempo de aproveitar a riqueza ao lado de sua mãe, visto que
D. Emília acabou falecendo antes mesmo da jovem receber a herança.
Cena 9

(Casa nova de Aurélia)

Narrador

- Após a perda de sua mãe, a jovem Aurélia aceitou viver na companhia da viúva Firmina em sua
nova residência. A riqueza, que lhe sobreveio inesperada, erguendo-a subitamente da indigência
ao fastígio, operou em Aurélia rápida transformação; não foi, porém, no caráter, nem nos
sentimentos que se deu a revolução; estes eram inalteráveis, tinham a fina têmpera do seu
coração. A mudança consumou-se apenas na atitude, se assim nos podemos exprimir, dessa
alma perante a sociedade.

CENA QUE DIVIDE A PARTE 1 DA 2.

Dona Firmina andando pela sala e esbarra numa cadeira.

D. FIRMINA

- Já falei para que aquela menina não deixasse essa cadeira nessa posição.

D. FIRMINA

-BEAAAAATRIZZZZZZ.

A empregada chega.

BEATRIZ

- Pois não, senhora Dona Firmina.


D. FIRMINA

- Eu já avisei para que coloques essa cadeira 2 centímetros à esquerda e você colocou 4
centímetros à direita.

BEATRIZ

- A senhora realmente percebeu a diferença? Desculpe-me o palavreado mas estou


prerplequicia.

D. FIRMINA

- Além de não fazer o que eu mando, é ignorante. Não se fala prerplequicia e sim perplexa.
Agora, ajeite essa cadeira no lugar certo antes que Aurélia chegue.

BEATRIZ

-Mas a senhora acha que ela se incomodaria?

D. FIRMINA

- Mas é claro que não, Aurélia tem coisas mais importantes para se preocupar. Nunca foi de
importar-se com meros detalhes desse tipo. Mas EU sei a diferença que faz. Coloque-a no
lugar.

A empregada vai mexendo a cadeira.

D. FIRMINA

- Mais para esse lado. Não, para aquele. Nesse canto Aurélia não irá gostar.

A empregada continua e Firmina fala mais e mais sobre a disposição das coisas na arrumação.
(Dependerá dos objetos de cena. A senhorinha deve colocar defeito em todos eles.

BEATRIZ

- Senhora... assim eu fico confusa.

D. FIRMINA

- Hmmm... Deixe-me ver...


Firmina senta, com cara de pensativa.

D.FIRMINA

-Quer saber, creio que fica melhor no lugar inicial.

BEATRIZ

- Oh céus! (fala a empregada cansada)

Luzes se apagam e o cenário é removido para o baile da próxima cena. O narrador, que
observava as duas mulheres tagarelarem, posiciona-se para próxima cena e entram os
figurantes. Luzes se acendem. Começa a tocar uma música de baile e as pessoas dançam
espontaneamente pelo salão até que Aurélia entre deslumbrante.
AURÉLIA RICA
Cena 1 (Vestido de baile)

(Obs.: Nesta cena dona Firmina e Adelaide têm de estar presentes entre os figurantes.)

Narrador

- Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam
unicamente pela riqueza, Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o
mesmo estalão. Assim costumava ela indicar o merecimento relativo de cada um dos
pretendentes, dando-lhes certo valor monetário. Uma noite, no Cassino, a Lísia Soares, que
fazia-se íntima com ela, e desejava ardentemente vê-la casada, dirigiu-lhe um gracejo acerca do
Alfredo Moreira.

Luminosidade típica de festa, o narrador descreve a cena no meio do


baile próximo a Aurélia que entra deslumbrante.

Nesse momento, Alfredo Passa perto das duas e as cumprimenta.

Alfredo Moreira (galante)

- Boa noite, senhoras.

Lísia (um tanto desajeitada)

- Ótima noite! Não concordas, Aurélia? (Diz a segunda parte virando-se para amiga.)

Aurélia (Rindo)
- Claro.

(O moço segue seu caminho, deixando as duas sozinhas novamente)

Lísia, o que tens hoje?

Lísia (dá um risinho)

- O que achas de Alfredo? Talvez um parceiro em potencial?

Aurélia

- Alfredo é um rapaz bastante distinto... Talvez valeria 100 contos de réis, por aí. Porém, tenho
dinheiro para pagar por um de mais valor.

Lísia

- Certamente tens mesmo! Mas você já tem alguém em mente, digo, esse que valeria tanto
dinheiro assim?

Aurélia

- Oh, se tenho, querida!

Lísia

-Então conte-me quem é o felizardo!

Aurélia

- Minha amiga, não poderei contar ainda, mas daqui a um tempo tu terás a sua resposta.

Lísia sai de cena. Aurélia é cumprimentada por alguns figurantes e sai em direção a porta do
salão.

Narrador

- Os adoradores de Aurélia sabiam, pois ela não fazia mistério, do preço de sua cotação no rol
da moça; e longe de se agastarem com a franqueza, divertiam-se com o jogo que muitas vezes
resultava do ágio de suas ações naquela empresa nupcial.

A cena se encerra com o foco no narrador e tudo apagado. Narrador sai de cena e tudo se
paga. (tempo suficiente para Aurélia trocar de vestido.)
Cena 2 (com vestido mais simples, o qual ela usará na maioria das cenas.)

(Casa Nova de Aurélia de Dia)

Aurélia se encontra deitada em uma poltrona quando Dona Firmina a cumprimenta.

D.Firmina

- Está cansada de ontem, querida?

Aurélia

- Nem por isso; mas sinto-me fraca. Deve ser o calor! (Abana-se com as mãos)

D.Firmina (Entusiasmada)

- Então... o que achou do baile de ontem? creio que foi belíssimo!

Aurélia interrompe D.Firmina.

Aurélia

- Que tal achou a Amaralzinha, dona Firmina?

A senhorinha franze a testa tentando se lembrar da moça.

D.Firmina

-A Amaralzinha?... É aquela moça toda de azul*?

*A descrição da moça dependerá do figurino.

Aurélia

- Ela mesma.

D.Firmina

- Lembro-me. É uma menina bem galante!

Aurélia

- E bem educada. Dizem que toca piano perfeitamente, e que tem uma voz muito agradável.
Mas não costuma aparecer na sociedade. É a primeira vez que a encontramos; não me lembro
de tê-la visto antes.
D.Firmina

-Foi a primeira vez!

Aurélia

- Diga-me uma coisa, dona Firmina...

D.Firmina

- O que é, Aurélia?

Aurélia

- Mas há de ser franca. Promete-me?

D.Firmina

Franca? Mais do que eu sou, menina? Se é este o meu defeito!

Aurélia

- Quem acha a senhora mais bonita, a Amaralzinha ou eu?

D.Firmina

- Ora, ora! (Acudiu a viúva a rir.) Está zombando, Aurélia!

Aurélia

Sendo assim, e quanto a minha educação?

D.Firmina

Do que você, Aurélia? Há de ser difícil que se encontre em todo o Rio de Janeiro outra moça
que tenha a sua educação. Lá mesmo, por Paris, de que tanto se fala, duvido que haja.

Aurélia

Obrigada! É esta a sua franqueza?

D.Firmina

- Sim senhora; a minha franqueza está em dizer a verdade, e não escondê-la. Demais, isso é o
que todos vêem e repetem. Você toca piano como o Arnaud, canta como uma prima-dona, e
conversa na sala com os deputados e os diplomatas, que eles ficam todos enfeitiçados. E como
há de ser assim? Quando você quer, Aurélia, fala que parece uma novela!

Aurélia
- Já vejo que a senhora não é nada lisonjeira. As que falam como uma novela, em vil prosa, são
essas moças românticas e pálidas que se andam.

D.Firmina

- Entendo o que você quer dizer; o dinheiro faz do feio bonito, e dá tudo, até saúde. Mas
repare bem, os seus maiores admiradores são justamente aqueles que não podem pretender
sua riqueza; uns casados, outros já velhos.

D. Firmina ainda proferiu algumas palavras em continuação da conversa, mas notou que a
moça não lhe prestava a menor atenção, antes parecia esquivar-se de qualquer impressão
exterior, para mais profundamente reconcentrar-se.

INT. SALA DE JANTAR. DIA.

Aurélia senta-se a uma escrivaninha e escreve uma pequena carta e


faz todo o processo de dobrar, encerrá-la na capa, derreter o lacre e
assim por diante. Fazia isso cuidadosamente. Disfarçando hesitação,
tira da gaveta da escrivaninha uma caixinha trancada. Ao abrir, dentre
cartas amarelas e flores murchas, retira um cartão de visita e coloca no
bolso de seu roupão. Logo em seguida, toca o pequeno sino que chama
a criadagem. Um criado aparece (José).

AURÉLIA

Para o Sr. Lemos! Depressa!

D. Firmina entra em cena.

D. FIRMINA

Você não vai sair hoje, Aurélia?

AURÉLIA

Pode ser que sim.

D. FIRMINA

Há de ficar sozinha?

AURÉLIA

Tenho algumas coisas para resolver. Um negócio grave! (sorri)

D. FIRMINA

Já é alguma penitenciazinha?

AURÉLIA (RI-SE)
Não, ainda não; é a profissão de noviça.

O Senhor Lemos é introduzido pelo criado José e D. Firmina sai de


cena.

SENHOR LEMOS

Estava a caminho de Botafogo quando José me achou. Estou às suas ordens, minha pupila.

AURÉLIA (Fria, pausada e inflexível)

Tomei a liberdade de incomodá-lo, meu tio. Para tratar do meu casamento, objeto
importantíssimo para mim. Não achas que já estou com idade para pensar nisso?

SENHOR LEMOS

Certamente. Dezoito anos...

AURÉLIA

Dezenove.

SENHOR LEMOS

Dezenove! Não cuidei que já tinha completado ano. Mas não sei. A senhorita não tem seus
pais para ajudar na escolha do noivo e arredar certos interesseiros e espertalhões.

AURÉLIA

Decerto já estou decidida. Tão decidida que lhe pedi esta conferência.

SR. LEMOS

Já sei, quer que seu tutor lhe indique um noivo... Ham... É difícil achar um sujeito para
pretender uma moça como você. Mas... (interrompido)

AURÉLIA (Sorri levemente)

Não precisa. Já o achei. Mas como tutor o senhor há de dar sua aprovação. Não há?

SR. LEMOS

Vamos a ver!

AURÉLIA

É a minha vontade. O senhor não é capaz de mensurar o que ela vale!

SENHOR LEMOS

É próprio da idade. Ideias que se têm somente aos dezenove anos...


AURÉLIA

Esqueça os dezenove anos. Dezoito os vivi em extrema pobreza, conheço a miséria e a


opulência. Antes o dinheiro me era um tirano, já hoje passou a ser um cativo submisso. Não
valia a pena ter tanto dinheiro se eu não me casasse a meu gosto.

SENHOR LEMOS

Sim, senhora. Está em seu direito.

AURÉLIA

Sou agraciada por ter um tutor meu amigo, que me faz todas as vontades, como o senhor meu
tio.

SENHOR LEMOS (sorrindo)

Você é uma feiticeirazinha, Aurélia; faz de mim o que quer.

AURÉLIA (senta-se)

Escute: vou contar-lhe um segredo que só Deus o sabe. Se o senhor revelar a alguém, não hei
de perdoá-lo.

SENHOR LEMOS

Pode confiar em mim sem medo, minha sobrinha.

AURÉLIA

Antes de mais nada, lembre-se que se trata da felicidade de sua pupila.

SENHOR LEMOS

Acredito em você, Aurélia.

AURÉLIA

O senhor conhece o Amaral? O empregado da alfândega.

SENHOR LEMOS (diz lembrando-se)

Sim, o Manuel Tavares do Amaral!

AURÉLIA

Tome liberdade de anotar. (faz uma pausa enquanto espera o tio tomar nota) Pois bem, ele
ajustou o casamento de sua filha, Adelaide, com um moço, a quem ele ofereceu um dote de
trinta contos de réis.

SENHOR LEMOS
Já não é mau começo.

AURÉLIA

É preciso quanto antes desmanchar este casamento. Adelaide deve casar com Torquato
Ribeiro, um moço pobre que seu pai tem rejeitado, mas é de quem ela gosta. Poderia o senhor
assegurar ao Amaral que esse moço tem, pelo menos, uns cinquenta contos de réis? Não acho
que ele recusaria tal dote.

SENHOR LEMOS

De onde sairia esse dinheiro?

AURÉLIA

Eu os daria com maior prazer.

SENHOR LEMOS

Mas por que nos intrometermos em negócios alheios?

AURÉLIA

Esse moço, que está justo com a Adelaide Amaral é o homem a quem eu escolhi
para meu marido. Já vê que, não podendo pertencer a duas, é necessário que eu o
dispute.

SENHOR LEMOS

E esse moço se chama...?

AURÉLIA (faz sinal de espera)

Ele chegou ontem; É natural que esteja tratando dos assuntos do casamenta, que será em um
ano, mais ou menos. O senhor deve procura-lo hoje mesmo e fazer-lhe a proposta.

SENHOR LEMOS

Sim, o farei!

AURÉLIA

Mas, previno-o de que meu nome deve permanecer em sigilo. Para todos os efeitos, uma
família deseja casar a moça com separação de bens, dando ao noivo um total de cem contos
de réis. Se não bastarem e ele exigir mais, o valor será de duzentos. Mas não mencione o
aumento caso ele não exija.

SENHOR LEMOS

Sim, entendo. Visto que a srta. quer permanecer misteriosa, como hei de me apresentar?

AURÉLIA
Não deixe que ele o reconheça como meu tio e tutor. Apenas isso. Mas se ele reconhecer,
convença-o que eu não tenho parte com isso.

SENHOR LEMOS

O que, então, tenho permissão de falar?

AURÉLIA

O bastante para que ele saiba que não sou velha nem feia.

SENHOR LEMOS

Ótimo. Porém, cem não é muito caro para um dote?

AURÉLIA (fala com convicção e tom de deleite)

Ah, meu tio, daria por isso toda a minha fortuna!

Senhor Lemos ri nervoso. Suas mãos estão suando.

AURÉLIA

Falta ainda uma coisa. Não seria possível tratar desse negócio por escrito? Digo... Para que não
haja equívocos.

SENHOR LEMOS

Passarei então ao sujeito um papel. Vejamos... Amaral... Adelaide... Torquato... cinquenta


contos... Só me falta o nome.

Aurélia então tira o cartão de visitas e entrega ao tio.

SENHOR LEMOS

Fe...

AURÉLIA (o repreende)

Escreva!

Luzes se apagam.

CENA - PROPOSTA DO SENHOR LEMOS AO FERNANDO.


(Casa de Fernando Seixas: Sofá, mesa com cadeiras e tapete.)

Senhor Lemos bate na porta e Fernando vai abrir.

SR. LEMOS
- Boa tarde! Eis o senhor Fernando Rodrigues de Seixas?

FERNANDO

- O mesmo! E o senhor é?

SR. LEMOS

Sou o Senhor Lemos, prazer!

FERNANDO (diz sinalizando para o convidado entrar)

O prazer é meu! Perdoe-me pela bagunça acabei de chegar de viagem.

SR. LEMOS

- Desembarcou ontem?

FERNANDO SEIXAS

- Sim, cheguei do Recife já era tarde da noite.

Fernando vai até o sofá, senta-se e bate no assento ao lado para que o senhor Lemos se junte,
mas o velhinho, de nervoso que está, nem percebe. O mesmo, então, começa a andar de um
lado para o outro durante a conversa.

Sr.Lemos

-Sei... é uma cidade belíssima, não é?!

Fernando seixas

- De fato! mas a que tenho a honra de recebe-lo?

Sr. Lemos

- A pessoa que me fez a honra de apresentá-lo, sr. Ramos, merece-me tudo. É para mim uma
honra seguir às suas ordens.

Fernando Seixas

- Seixas.

Sr. Lemos

-Perdoe-me o engano. Como ia dizendo, Senhor Seixas: é negócio importante que exige a
maior reserva e discrição.

Fernando Seixas

-Pode contar com elas.


Sr.Lemos

- Trata-se de uma moça rica, culta, a quem a família deseja casar o quanto antes. Desconfiados
desses espertalhões que existem por aí, fui encarregado de achar um marido para essa jovem.
Minha presença aqui significa que consegui encontrar tal pessoa.

Fernando Seixas

- Humm...

Sr.Lemos

- Faço esta proposta com honestidade Sr.Seixas.

Fernando Seixas

- Já vejo que é um verdadeiro negócio que me propõe!

Sr.Lemos

Sem dúvida! Mas... me esqueci de uma coisa, a pequena é rica o bastante e dota o marido com
cem contos de réis... Que reposta posso dar a família?

Fernando Seixas

- Nenhuma!

Sr.Lemos

-Como assim, nem recusa, nem aceita?!

Fernando Seixas

- Sua proposição, Senhor Lemos, permita-me a franqueza, não é sólida!

Sr.Lemos

- Por qual razão?

Fernando

- Antes de tudo, estou comprometido de certo modo e embora não haja ajuste formal, receio
que não poderei aceitar tal proposta.

Sr.Lemos

- Compromissos podem ser rompidos a qualquer momento!

Fernando Seixas
- Exato! Às vezes ocorrem circunstancias que desatam obrigações solenes...

Sr Lemos

- E o que é da vida, no fim das contas, se não encontros e desencontros, não é mesmo?!

- Bem, negócios não se resolvem assim tão depressa. Pense na proposta. Deixarei o meu
endereço caso o senhor deseje procurar.

-Fernando Seixas

-Não irá adiantar muito, mas pode deixar sim.

Sr.Lemos

-Sendo assim, passar bem, Senhor Seixas.

Seixas o cumprimenta de volta com a cabeça.

Seixas conduz Lemos até a porta da casa. Luzes se apagam para dar início à próxima cena.

Cena 4 - Escritório do senhor Lemos.

Fernando adentra o cômodo olhando em volta e um pouco tímido.

Sr.Lemos

- O senhor deseja falar comigo?

Fernando Seixas

- Não se recorda de mim?

Sr.Lemos
- Vagamente, não és totalmente estranho.

Fernando Seixas

- O senhor esteve da minha casa faz três dias.

Sr .Lemos

-Três dias... Ah! Senhor Seixas!

Fernando Seixas

- Gostaria de saber se o Senhor ainda mantém sua proposta.

Sr.Lemos

- Um dote de cem contos de réis, é isto.

Fernando Seixas

- Pois bem, resta-me conhecer a pessoa!

Sr.Lemos

- Ah! Não tenho autorização para falar sobre ela até que nosso acordo esteja devidamente
selado.

Fernando Seixas

- E qual é a razão para tanto mistério? Existe algo errado com a moça?

Sr.Lemos

- Garanto-lhe que não!

Fernando Seixas

- Ao menos posso saber algumas coisas sobre ela?

Sr. Lemos

- Claro, mas antes... aceitas ou não o dote?

Fernando Seixas

- Ehh... Aceito.

Sr.Lemos

-Muito bem!

Fernando Seixas
- Aceito, mas com uma condição.

Sr.Lemos

- Sendo esta razoável...

Fernando Seixas

- Preciso de vinte contos até amanhã, sem falta!

Sr.Lemos

- Não tenho ordem para lhe dar esse dinheiro, mas posso ir falar com a família da moça sobre
tal adiantamento!

Fernando Seixas

- Tudo bem, então espero.

Sr.Lemos

- Porém, quase certeza que aceitarão sua condição.

Fernando Seixas

Então temos um quase acordo.

Seixas aperta a mão de Lemos como sinal de fechamento do acordo, as luzes se apagam e a
cena 5 começa.

Cena 5

Cassino – Iluminação típica de festa. (figurantes espalhados pelo salão.)

A cena se inicia com um diálogo entre Alfredo Moreira e Fernando.

Alfredo Moreira

- Fernando onde tu estavas? Te procurei a noite toda!


Fernando Seixas

- Andei perto de ti, é que ontem estavas muito encandeado!

Diz Fernando Vislumbrando Aurélia. Alfredo olha para onde o amigo está olhando e ri consigo
mesmo.

Alfredo Moreira

-É verdade meu caro amigo, que mulher! É um anjo da beleza que te fascina e te arrasta os
pés!

Fernando Seixas

- Estais certíssimo, meu caro!

Alfredo Moreira

- Se me dá licença, irei falar com ela!

Fernando

-Tem toda a licença meu amigo.

Alfredo sai, se encontra com Adelaide no meio do


caminho enquanto está indo na direção de Aurélia. Continua a observar Aurélia e percebe que
a mesma está acompanhada, oferecendo-se para ser par de Adelaide logo em seguida.

Alfredo (oferecendo o braço)

Se importa de me acompanhar?

Adelaide

Claro que não. Obrigada. (responde, logo depois segura o braço de Alfredo)

Alfredo e Adelaide vão em direção à Aurélia e seu acompanhante, Torquato Ribeiro.

Aurélia (diz em um tom um tanto irônico, porém sem perder a classe.)

- Boa noite dona Adelaide!

Adelaide Amaral

- Boa noite dona Aurélia!


Aurélia (olhando para Adelaide, logo depois Torquato e Alfredo)

-Proponho-lhe uma troca...

Adelaide

- Oh, e qual seria esta?

Aurélia

-Troquemos os pares. Aceitas?

Adelaide (olha para Moreira)

-Acho que não seria de bom tom, Aurélia.

Aurélia (sorri e solta-se de Torquato)

-Não tenha susto, querida!

Adelaide

- Está bem então. (solta-se de Alfredo)

Ambas trocam os pares.

Aurélia

- Só mais uma coisa, Adelaide.

Adelaide

- O que seria, então?

Aurélia (o tom irônico volta)

- Esta troca é paga da outra que fizemos. Ou melhor, da que fizeram por nós.

Adelaide (sorri e fala no mesmo tom de Aurélia.)

- Alto e claro.

Com o fim do diálogo das personagens, uma dança


se inicia.
Cena 6

(Casa de Aurélia rica)

Fernando bate na porta e dona Firmina o atende.

Fernando Seixas

- Boa tarde, vim falar com senhor Lemos!

D.Firmina

Boa tarde! Entre! Pode se sentar se quiser, irei chamá-lo.

Fernando Seixas

- Obrigado.

Fernando, nervoso, entra e decide ficar de pé enquanto dona Firmina se retira, voltando
sozinha.

D.Firmina

- Ele já está vindo. Aceita alguma coisa? Água, café...?

Fernando Seixas

- Não, obrigado!

Ainda de costas, Seixas checa as horas.

Sr.Lemos (adentrando o cômodo)

Fernando! boa tarde! Gostaria de lhe apresentar a senhorita Aurélia Camargo.

Aurélia acena com a cabeça e estende a mão para Fernando, que a beija em sinal de
cumprimento.

Fernando Seixas (Espantado, porém aliviado.)

- Como...

Aurélia se senta no sofá e indica para que Fernando se senta também.

Aurélia
- Esteve no Nordeste a pouco tempo, não foi, senhor Seixas?

Fernando Seixas

- Sim, senhora, cheguei semana passada de Pernambuco.

Sr.Lemos (completando)

- Onde desempenhou uma comissão bastante importante.

Aurélia

- Recife é realmente tão bonito quanto dizem?

Fernando Seixas

- Creio que poucas cidades do mundo lhe poderão disputar encantos de perspectiva e beleza.

Aurélia

- Nem nosso Rio de Janeiro?

Fernando

- O Rio de Janeiro é, sem dúvida, a majestade da beleza natural; o Recife, porém, tem sua
graça como uma jovem princesa na corte.

Aurélia

- Por isso é chamada de Veneza brasileira!

Fernando

- Não conheço Veneza, mas sim Recife é dotada de uma beleza sem igual.

Aurélia

- Vejo que a cidade o encantou bastante, não é mesmo?!

Fernando Seixas (sorri)

- Com certeza!

Aurélia

- Dona Firmina, o lanche já está pronto?

D.Firmina

-Esta sim, querida, podem ir à sala de jantar!

Ambos se levantam em direção a sala de


jantar e enquanto caminham Fernando para o senhor Lemos para comentar algo. Os demais
prosseguem. Quando estão a uma distância razoável para que não ouçam o que Fernando vai
dizer ele começa:

SEIXAS

Então era ela? (sussurro)

SENHOR LEMOS

Sim. Agora que a conhece, é tempo de saber que eu sou o feliz tutor deste amorzinho. Era
preciso guardar segredo enquanto não se fechava o acordo, compreende?

Dá um belisco no braço do moço em sinal de sua amizade enquanto caminham novamente em


direção à mesa.

INT. SALA DE ESTAR. NOITE

Fernando, Lemos e Aurélia estão sentados no sofá tratando dos


assuntos do casamento.

LEMOS

Aurélia, precisamos de padrinhos para o casamento. É indispensável a presença de, no


mínimo, uma baronesa como madrinha e um senador como padrinho!

AURÉLIA

Não temos amizade com essa gente, tio. Sugiro o dr. Torquato Ribeiro.

FERNANDO

Que lembrança!

AURÉLIA

Desagrada-lhe?
FERNANDO

Poderia ter escolhido outra pessoa, Aurélia.

AURÉLIA

Não era seu amigo?

(Fernando faz cara de reprovação)

AURÉLIA

Ah, deveria ter imaginado!

LEMOS

Não tem posição, a questão é essa. É essencial!

AURÉLIA (levanta-se)

Não, não, não! Quero Dr. Torquato como meu padrinho. E ponto!

Aurélia sai de cena e Fernando e Lemos se entreolham,


vencidos pela palavra da mulher.

INT. SALA DE AURÉLIA. NOITE.

“Reunira-se na casa das Laranjeiras, a convite de Aurélia, uma


sociedade escolhida e não muito numerosa para assistir ao
casamento. A moça não aceitou a ideia de dar um baile por
esse motivo; mas entendeu que devia cercar o ato da
solenidade precisa, para tornar bem notória a espontaneidade
de sua escolha e o prazer que sentia com esse enlace (...)
Lemos conseguira um barão para servir de
contrapeso ao Torquato, e um monsenhor para celebrar o
casamento.” Quanto à madrinha, Aurélia escolhera D.
Margarida, respeitável senhora, a qual não tinha muita
amizade.

Aurélia, vestida de noiva, entra no salão com um sorriso


discreto de dever cumprido, embora tentasse demonstrar
felicidade ao casar-se. Fernando olha para sua noiva e sorri
feliz, não percebendo a ausência desse sentimento nela.

A noiva alcança o altar montado e Fernando toma a mesma


pela mão. Os dois ajoelham-se diante do celebrante.

CELEBRANTE

Hoje estamos aqui reunidos para celebrar o casamento entre Fernando Seixas e Aurélia Lemos
Camargo. O compromisso que ambos assumem hoje é algo deveras importante. Para
oficialização deste matrimônio, peço que respondam: É de livre e espontânea vontade tal
decisão?

FERNANDO
Sim!

AURÉLIA
Sim.

CELEBRANTE

Então, para oficialização deste matrimônio, peço que repita, Fernando:

Eu Fernando Seixas, recebo a ti, Aurélia Lemos Camargo, como minha legítima esposa.

FERNANDO

Eu Fernando Seixas, recebo a ti, Aurélia Lemos Camargo, como minha legítima esposa.

CELEBRANTE

Prometo ser fiel,


Amar-te e respeitar-te
Na alegria e na tristeza,

FERNANDO
Prometo ser fiel,
Amar-te e respeitar-te
Na alegria e na tristeza,

CELEBRANTE

Na saúde e na doença,
Na riqueza e na pobreza,
Por todos os dias da nossa vida
Até que a morte nos separe.

FERNANDO

Na saúde e na doença,
Na riqueza e na pobreza,
Por todos os dias da nossa vida
Até que a morte nos separe.

CELEBRANTE

E agora você, Aurélia. Repita: Eu Aurélia Lemos Camargo, recebo a ti, Fernando Seixas, como
meu legítimo esposo.

AURÉLIA

E agora você, Aurélia. Repita: Eu Aurélia Lemos Camargo, recebo a ti, Fernando Seixas, como
meu legítimo esposo.

CELEBRANTE

Prometo ser fiel,


Amar-te e respeitar-te
Na alegria e na tristeza,

AURÉLIA

Prometo ser fiel,


Amar-te e respeitar-te
Na alegria e na tristeza,

CELEBRANTE
Na saúde e na doença,
Na riqueza e na pobreza,
Por todos os dias da nossa vida
Até que a morte nos separe.

AURÉLIA (repetia tudo olhando para o chão, escondida pelo véu de caxemira.

Na saúde e na doença,
Na riqueza e na pobreza,
Por todos os dias da nossa vida
Até que a morte nos separe.

Então Fernando retira as alianças do bolso do terno e coloca


uma delas na mão esquerda de Aurélia. Ela faz o mesmo.

CELEBRANTE

Eu vos declaro marido e mulher. (todos aplaudem)

O marido dá um beijo na testa da agora esposa e, segurando


sua mão, leva-a na direção de sua mãe e irmãs.

DONA CAMILA

Como está linda, querida!

AURÉLIA (Sorri pensativa)

Obrigada, minha sogra.

FERNANDO

Ah, mãe, a senhora está deslumbrante!


DONA CAMILA

É de orgulho do meu filho, casando-se com uma moça como Aurélia!

MARIQUINHAS

Quando serei eu, mamãe?

NICOTA

Ah, Mariquinhas, dê um tempo desse assunto e aproveite o casamento de nosso irmão!


Fernando, Fernando, estou feliz por você!

(Nicota abraça o Seixas e logo depois Aurélia e Mariquinhas faz o mesmo)

DONA CAMILA

Vamos indo, queridos, até mais!

(A mãe se despede do filho e se retira com as filhas)

Aurélia e Fernando vão de pessoa em pessoa


cumprimenta-las e organizam-se para uma
dança. (Valsa e quadrilhas)

Depois da dança as pessoas começam a se


despedirem e irem embora.

INT. QUARTO. NOITE.

Luzes se acendem revelando Fernando Seixas

impaciente. Aurélia entra em cena. Ele nota a presença dela.


(Roupas: Aurélia – Roupão de cetim de dormir. Fernando –
Roupão de dormir.)
FERNANDO

Por que demorou, Aurélia?

AURÉLIA

Tinha um voto a cumprir antes de pertencer ao meu único senhor.

FERNANDO

Não me mate de felicidade!

AURÉLIA

Então é verdade que me ama? Nunca amou a outra?

FERNANDO

Eu lhe juro! O meu primeiro beijo de amor, guardei-o para minha esposa.

Então Fernando inclina-se para beijá-la, mas ela o afasta com a


ponta dos dedos. Ele fica sem entender.

AURÉLIA

Ou talvez para outra mais rica.

FERNANDO

Hãm?

AURÉLIA

Ah, Fernando! Fazemos parte de uma comédia. Os melhores atores não nos excederiam!
Entremos na realidade por mais triste que ela seja; E cada um aceite seu papel, eu, uma
mulher traída; o senhor, um homem vendido.
FERNANDO

Vendido?!

AURÉLIA

Vendido, sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica; sou milionária;
precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava
no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer.
Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento.

Aurélia profere essas palavras desdobrando um papel, o papel


do contrato do dote.

AURÉLIA

Agora se quiser saber o porquê de eu tê-lo comprado, sente-se e deixe-me falar o que me
amargura há um ano.

AURÉLIA

Eu não preciso dizer que tinha amor e adoração por você desde o início. Para que uma mulher
sacrifique assim o seu futuro sua existência já se tornou um deserto, onde não resta senão o
cadáver do homem que a assolou. O senhor não retribuiu meu amor, nem sequer o
compreendeu. Deve ter sido culpa minha em não saber inspirar-lhe o que eu sentia. Mais tarde
você retirou-me a afeição que me consolava e deu para outra. Mesmo assim eu ainda tive
forças para amá-lo e perdoá-lo. Mas não me trocastes pelo amor dela, e sim pelo seu
mesquinho dote (eleva a voz)! Eu tinha um ídolo e você o destruiu. Eis o seu crime. Não se
assassina assim um coração!

(Durante essas falas seguidas de Aurélia Fernando está pasmo, decepcionado e


humilhadíssimo, porém orgulhoso.)

AURÉLIA

Quando me tornei rica, percebi que as moças ricas eram apenas arranjos, e não esposas. Pois
bem, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação que ainda posso ter
neste mundo. Mostrar a esse homem, que não me soube compreender, que mulher o
amava, e que alma perdeu. Entretanto eu ainda tinha esperança, se ele recusar esta proposta
indigna eu irei lançar-me aos seus pés. Suplicarei que aceite minha riqueza e a disponha como
quiser, desde que consinta que eu o ame. Mas até mesmo essa ilusão você destruiu.

AURÉLIA
Outrora atava-se o cadáver ao homicida como castigo. Você matou-me o coração, Fernando.
Era justo que o prendesse ao que restou de sua vida. Mas esse castigo não pode ser longo.
Logo morrerei na infelicidade e você ficará livre. E rico.

A moça tirou o papel que trazia no bolso, e abriu-o


diante dos olhos de Seixas. Era um cheque
de oitenta contos sobre o Banco do Brasil.

AURÉLIA

Concluiremos nosso negócio. Dos cem contos de réis, em que o senhor


avaliou-se, já recebeu vinte; aqui tem os oitenta que faltavam. Estamos quites, e
posso chamá-lo meu; meu marido.

Aurélia estendeu o papel. Seixas permaneceu imóvel


como uma estátua. Afinal o papel escapou-se dos
dedos trêmulos da moça e caiu sobre o tapete aos pés
de Fernando.

AURÉLIA

Agora podemos continuar a nossa comédia, para divertir-nos. É melhor do que


estarmos aqui mudos. Tome a sua posição, meu marido; ajoelhe-se aqui a meus pés, e venha
dar-me seu primeiro beijo de amor! Porque o senhor ama-me, não é verdade, e nunca amou
outra mulher senão a mim?

FERNANDO

Não; não a amo. É verdade que a amei; mas a senhora acaba de esmagar a seus pés esse amor;
aí fica ele para sempre sepultado na condição a que o deixou. Eu só a amaria agora,
se a quisesse insultar. Há uma vingança que não teria forças para exercer: a de amá-la.

AURÉLIA

Então enganei-me? O senhor ama-me sinceramente, e não se casou comigo por interesse?

FERNANDO

Não, senhora, não se enganou. Vendi-me. A senhora teve o mau gosto de comprar um marido
sem caráter. Preferiu um escravo branco; estava em seu direito, pagava com seu dinheiro, e
pagava generosamente. Esse escravo aqui o tem; é seu marido, porém nada mais do que seu
marido! Ajustei-me por cem contos de réis, foi pouco, mas o negócio está concluído. Recebi
como sinal da compra vinte contos de réis; faltava-me arrecadar o resto do preço, que a
senhora acaba de pagar-me.

O moço curvou-se para apanhar o cheque. Leu com


atenção o algarismo, e dobrando lentamente o papel,
guardou-o no bolso do rico roupão de dormir.
FERNANDO

Quer que lhe passe um recibo?… (Ela permanece muda) Não: confia na minha palavra. Enfim
estou pago. O escravo entra em serviço. (Ele senta-se defronte da moça.) Espero as suas
ordens.

Aurélia cobre o rosto com as mãos.

AURÉLIA (abismada)

MEU DEUS!

Como quem acorda de um pesadelo, ela levanta


novamente olhar, fitando Fernando, que a olhava com
um leve escárnio, com expressão nojo, horror.

FERNANDO

Minha presença a incomoda? Não tem direito de mandar? Ordene, que eu me retiro, senhora.
(enfatizando a última palavra.)

AURÉLIA

Oh! sim, deixe-me! O senhor me causa horror.

FERNANDO

Devia examinar o objeto que comprava para não se arrepender!

Seixas atravessa a câmara nupcial e sai. Luzes se


apagam.

Cena 11
(Casa de Aurélia rica: banquete.)

D.Firmina ao quanto arrumando banquete. Aurélia sentada em uma cadeira.


Fernando entra meio que sem jeito para saudá-la, Aurélia ergueu-se estendendo-lhe a mão, e
inclinando a cabeça sobre o ombro (demonstrando indignação e desprezo). Fernando retrai-se
involuntariamente.
Aurélia
Vamos almoçar! (sem o menor semblante de sarcasmo, dirigindo-se à mesa e acenando ao
marido e D.Firmina.)

Os três sentam-se à mesa e Aurélia trata unicamente de servi-los (Com um rosto feliz)

Aurélia
Fernando, quer que eu lhe sirva algo?

Fernando

Nada mais, obrigado.

Aurélia

Não almoçou!

Fernando

A felicidade tira o apetite. (Fala isso sorrindo)

Aurélia

Nesse caso eu devia jejuar. É que em mim produz o efeito contrário; estava com
uma fome devoradora.

D.Firmina

Nem por isso tem comido muito.

Aurélia

Experimente. Está deliciosa. (Apontando para comida)

Fernando
Ordena?

Aurélia solta uma risada.


Aurélia
Não sabia que as mulheres tinham direito de dar ordens aos maridos. Em todo o caso eu não
usaria do meu poder para coisas tão insignificantes.

Fernando

Mostra que é generosa.


Aurélia

As aparências enganam.

Os três vão para sala e sentam-se.

D.Firmina
Com licença, irei olhar se chegou alguma encomenda. (Saindo da sala)

Fernando abre um jornal e o oferece a Aurélia.

Aurélia
- Agradeço!

Fernando pega o seu charuto

Fernando
Permite-me? (mostrando para Aurélia)
Aurélia
Sim, não me causa incômodo.

Fernando volta a folhear o jornal

Aurélia
O que os jornais trazem de novo?

Fernando
Ainda não os li. Que mais lhe interessa? Naturalmente a parte noticiosa, o folhetim…

Aurélia fingia ouvi-lo

Aurélia
Não fuma?
Fernando

Permite?

Aurélia
Já disse que não me incomoda!
Fernando
Desculpe-me; não tendo recebido um consentimento formal, receei contrariá-la.

Aurélia
Há receios que mais parecem desejos!
Fernando
O tempo a convencerá de minha sinceridade.

Aurélia

O tempo!... Ah! Se realizasse tudo quanto dele se espera!

Fernando

O melhor é não confiar nele e viver do presente. O verdadeiro livro é o jornal, com seus
anúncios do dia.

Fernando volta a percorrer o jornal enquanto a luz apaga lentamente.

Cena de Aurélia reclamando

INT. casa de Aurélia/toucador

Descrição: Aurélia está sozinha em casa e então tranca a porta pra que ninguém entre, ela vai até
o toucador (penteadeira) de Fernando e percebe que nas gavetas está tudo do jeito que deixou,
ele não usou as coisas que ganhou no dote.

EXT. Jardim

- Aurélia segura uma flor na mão.

Aurélia:

Estive em seu toucador hoje.

Seixas:

Ah, fez esta honra?

Aurélia

Uma dona de casa tem a obrigação de ver tudo.

Seixas:
A obrigação e o direito.

Aurélia:

Não é somente este o direito da mulher.

Seixas:

Eu estou ciente de quais são.

Aurélia:

Ainda bem.

Aurélia:

Mas deixe-me perguntar o que fez dos objetos do toucador?

Seixas:

Não se assuste, estão fechados nas gavetas como a senhora os deixou. Pensava que fossem parar
em alguma casa de penhor? (fala com um sorriso de desdém).

Aurélia:

Estes objetos lhe pertencem e podes dispor deles com quiser sem ter que dar contas a ninguém.

Seixas:

Quanta generosidade.

Aurélia:

Não se apresse em agradecer. Se eu respeito o seu direito de dispor livremente do que é seu,
também reclamo a garantia do que adquiri com o sacrifício de minha felicidade casei-me com o
senhor Fernando Rodrigues de Seixas, um cavalheiro distinto e franco, e não com um avarento
pois é esse o conceito que a cidade inteira tem de você.

Fernando fica calado e então eles avistam Dona Firmina.

Seixas:

Dê-me o braço que ali vem D.Firmina.

Aurélia passa a mão pelo braço de Seixas e D.Firmina assa pelos dois que estão admirando o
jardim.

Seixas:

A senhora comprou um marido, portanto tem o direito de exigir dele o respeito, a fidelidade, a
convivência e todas as atenções e homenagens eu um homem deve a sua esposa.
Aurélia:

Faltou mencionar apenas uma, insignificante talvez, o amor.

Aurélia:

Oh! Ninguém sabe melhor do que eu, que tipo de amor é esse que está presente na sociedade e
que simplesmente se compra e vende, numa transação mercantil chamada casamento! E há
também o outro amor, aquele que sonhei outrora, pelo qual por apena um dia, uma hora
sacrificaria não só a riqueza, que nada vale porém, a minha vida, e creio que minha alma!

Ela solta do braço do marido e este com uma expressão de profunda mágoa que logo se dissipa.

Seixas:

A senhora fará o que quiser, e eu devo aceitar desde que não empobreça.

Aurélia:

É verdade, esqueci que entre nós só há um vínculo.

Seixas:

Posso continuar?

Aurélia:

Estou ouvindo.

Seixas:

As obrigações e respeitos que lhe devo como seu marido não eximirei de cumprir-lhes qualquer
que seja a humilhação que eles me imponham.

Seixas:

A senhora sabe também que não comprou m marido qualquer e sim um marido elegante, de boa
sociedade e maneiras distintas. Tudo que for preciso para satisfazer essa vaidade de mulher rica
eu o farei, e tenho feito. Sou o mesmo que era quando recebi a proposta de Lemos. Mas saiba
que não lhe vendi minha alma e individualidade, e a senhora sabia que jamais a compraria a
preço d’ouro.

Aurélia:

A que preço de que então?

Seixas:

A nenhum preço.
Aurélia então se recolhe para dentro de casa desta vez sem a companhia do marido.

INT.NOITE ( CASA DE LÍSIA )

Fernando e Aurélia entram em cena sob


meia luz e cumprimentam Lísia, que inicia um diálogo de maneira ácida.

Lísia

Aurélia! fiquei tão feliz com o seu casamento, lembras quando no cassino fazíamos a cotação
de teus pretendentes?

Aurélia (sorrindo)

Se me lembro?! Perfeitamente!

Lísia (sarcástica e maliciosa)

E o que me disse a respeito de Alfredo Moreira? Que poderia valer 100 contos de réis, mas
disseste que eras muito rica e poderia pagar por um marido melhor.

Aurélia

E não é verdade?

Lísia

Então o Sr. Seixas...

Aurélia (sarcástica e ríspida)

Pode perguntar, querida.

Lísia

Então... Fernando valeu mesmo seus 100 contos de réis?

Aurélia

Como disse, Lísia?

Lísia

Creio que ouvistes bem, ele valeu isso tudo mesmo?

Aurélia e Fernando engolem seco e Lísia se dirige a Fernando.

Lísia

Tu a amas, senhor Seixas? Ou foi apenas por conta do excelente dote que recebestes?

Fernando vira-se em direção a Aurélia com olhar de desconforto, porém discreto.


Aurélia

Responda, Fernando!

Fernando

Se almejas saber tanto sobre minhas intenções, dona Lísia, fique certa que me casei apenas
pelo dote e nada mais. Creio que minha esposa decidiu mudar idéia e pagou por um marido de
um preço razoável.

Aurélia olha com satisfação para Lísia após resposta do marido.

Aurélia ( Satisfeita e enigmática )

Eis o que querias Lísia, era fazer desconfiar Fernando. Quer saber se eu o comprei, e por qual
preço? Não farei mistério disso: comprei-o e muito caro, custou-me mais, muito mais de um
milhão e paguei-o não em ouro, mas em outra moeda de maior valia. Custou-me o coração;
por isso já não o tenho.

Ao fim da fala Aurélia se despede de Lísia com rispidez e vai embora com Fernando.

Cena (Proposta de Aurélia) EXT. rua/jardim

Seixas sai distraído andando pelo jardim e Aurélia o segue.

Aurélia:

Esse passeio todas as tardes deve aborrecê-lo. Por que não sai à cavalo? (Aurélia falava
mexendo nas flores para evitar que seu olhar encontrasse o de Seixas).

Seixas:

Sua companhia não me pode aborrecer nunca.

Aurélia:

Mas torna-se monótona.

Aurélia: (Aurélia se afastou um pouco, observando as flores e depois voltou para perto do
marido).

Nossos destinos estão ligados para sempre. A sorte recusou-me a felicidade que sonhei. Tive
este capricho que nenhuma outra o possuiria enquanto eu viver. Mas não pretendo condená-
lo ao suplício desta existência que vivemos há mais de um mês. Não o retenho, tu és livre,
disponha de seu tempo como quiser, não tem que dar-me contas.

Seixas:
A senhora deseja ficar só? Ordene que eu me retiro agora como em qualquer outra ocasião.

Aurélia:

Ah Fernando, você não me compreendeu mesmo. Há um meio de te aliviar o peso dessa


cadeia que nos prende fatalmente, e poupar-lhe as constantes explosões de meu gênio
excêntrico. É o divórcio que lhe ofereço.

Seixas:

O divórcio? (Exclamou seixas com vivacidade).

Aurélia:

Pode tratar dele quando quiser. (Respondeu Aurélia com um tom firme).

(Aurélia afasta-se e vai olhar os pássaros. Enquanto Seixas surpreso com a proposta feita por
ela, reflete por um momento e então aproxima-se dela).

Seixas:

Esses pássaros agora a divertem mas se amanhã a aborrecerem, irá desprezá-los?

- Aurélia ergue o olhar cheio de surpresa para Seixas.

Seixas:

Talvez nunca tenha parado pra pensar neste problema. A senhora tem o direito de despedir o
cativo, quando quiser?

Aurélia:

Creio que ninguém colocará isso em dúvida.

Seixas:

Então entende que depois de privar um homem de sua liberdade, de o rebaixar diante de sua
própria consciência, de transformá-lo em um instrumento. É justo abandonar esta criatura a
quem sequestraram da sociedade? Eu penso o contrário.

Aurélia:

Mas que relação isso tem?

Seixas:
Toda. A senhora fez de mim seu marido então não me resta outra missão neste mundo, desde
que impôs-me esse destino sacrificou meu futuro, e não tem o direito de negar-me o que eu
paguei tão caro, com o preço da minha liberdade.

Aurélia:

Essa liberdade, eu a restituo.

Aurélia:

Fernando, creio que tenha receio do escândalo que produzirá o divórcio. Não há necessidade
de publicarmos nossa decisão, podemos viver inteiramente estranhos um ao outro na mesma
cidade, e até na mesma casa. E se preciso teremos as desculpas das viagens por moléstia , da
mudança de clima, do passeio à Europa.

Seixas:

A senhora fará o que for de sua vontade, afinal a minha única obrigação é obedecer-lhe assim
como um servo, desde de que não lhe falte com o marido que a senhora comprou.

Aurélia: (fazendo um olhar soberano)

Acredita que eu possa mudar de sentimentos em relação a você?

Seixas:

Não tenha esse receio. Se eu não tivesse certeza que o amor entre nós é impossível, não
estaria aqui neste momento.

Aurélia: (Aurélia sorri de forma superior com um gesto sublime).

Qual é então o motivo para não aceitar o que lhe ofereço?

Seixas:

O que a senhora me propôs custou-lhe 100 contos de reis.

Aurélia: (fala de forma soberba)

Como quiser! O senhor acha que sua presença me incomoda e por isso gosta da ideia de impô-
la como uma contrariedade. Pois engana-se. Bem, então quer dizer que rejeita a separação?
Pois então não pode queixar-se do que vier a acontecer.

Cena da humilhação de Fernando Seixas


EXT. JARDIM (banco)

Aurélia e Fernando sentam-se no banco do jardim.

Aurélia:

Que linda noite, como brilha aquela estrela.

Seixas:

Qual?

Aurélia:

Ali, não vê?

Seixas:

É verdade.

Aurélia:

Não sei o que tem o luzir das estrelas, é algo que notei desde menina, sempre que fico assim
olhando para elas e bebendo seus raios sinto uma vertigem, que me dá sono.

Seixas:

Talvez seja cansaço, dançou tanto.

Aurélia:

Pois reparou?

Seixas:

O que queria que eu fizesse?

Aurélia:

Bem, acho melhor nos recolhermos.

INT. QUARTO

Aurélia:

Nunca me senti tão fatigada, creio estar doente.

Fernando:
Não deveria ter ficado até tão tarde.

Aurélia:

Dê-me seu braço (disse Aurélia com um gesto abatido)

Seixas:

Está realmente incomodada? (disse Fernando inquieto)

Aurélia:

Estou muito doente. (respondeu com a voz abalada, porem com uma certa malícia que
desmentia aquelas palavras.)

Seixas:

É uma enfermidade grave, que a ataca todas as noites e a deixa sem sentido por horas?

Aurélia:

Não sei, nunca a tive. (ela fala abaixando os olhos)

(Fernando deita Aurélia na cama.)

Aurélia:

Veja se não tenho febre. (diz ela colocando a mão de seixas em sua testa)

Seixas:

(Fica de joelhos e olha nos olhos dela.)

Aurélia:

(Ela levanta-se um pouco e sorri e Fernando surpreso a olha.)

Ah..., não me engana, afinal me amas mesmo?

Seixas:

Não acreditas ainda?

Aurélia:

Pois venceu então o impossível.

Seixas:

Fui vencido por ele.

Aurélia:
Essa felicidade, eu não a tenho! (Aurélia levanta-se da cama e começa a andar pelo quarto,
então pega um porta retrato com uma foto antiga de Fernando.)

Aurélia:

Este é o homem que eu amei e que amo! O senhor tem as mesmas feições, a mesma nobreza
de porte. Mas o que não tem é a sua alma, que eu guardo e sinto palpitar dentro de mim.

(Seixas fica com um olha surpreso e Aurélia se volta para ele com um olhar de soberba.)

Seixas:

Bem, boa noite.

Aurélia:

Mas já ...

Seixas:

Ordena que eu fique? (diz ele com a voz tremula)

Aurélia:

Não precisa. Para que?

Seixas:

Irei me retirar então, boa noite.

Cena FINAL
(Quarto de Aurélia/ câmara nupcial)
Baixa iluminação

Aurélia vestida com o roupão. Coloca a mão sobre a escrivaninha reclinando-se, abre e fecha
a gaveta com força, logo em seguida senta-se. Fernando entra no quarto).

Fernando
É a segunda vez que a vejo com este roupão. A primeira foi há cerca de onze meses, não
justamente neste lugar, mas perto daqui, naquele aposento (Olha para

o local)
Aurélia
Deseja que conversemos no mesmo lugar?
Fernando
Não, senhora. Este lugar é mais próprio para o assunto que vamos tratar. Lembrei daquela
circunstância unicamente pela coincidência de representá-la a meus olhos, tal como vi
naquela noite. Recorda-se?

Aurélia
De tudo.

Fernando
A senhora desenganou-me; definiu a minha posição com maior clareza; mostrou que se
tratava de negócios, e exibiu o seu título de compra, que naturalmente ainda conserva.

Aurélia
É a minha maior riqueza. (Misto de emoção e ironia)

Fernando agradece com uma inclinação de cabeça.

Fernando

Se eu tivesse naquele momento os vinte contos de réis, que havia recebido de seu tutor,
por adiantamento do dote, a questão resolvia-se. Desfazia-se o equívoco; devolvia-lhe seu
dinheiro; recuperava minha palavra; e nos separaríamos como fazem dois contratantes de
boa-fé.

Aurélia brinca com os objetos da mesa enquanto ouve.

Fernando

Mas os vinte contos, eu já não os possuía naquela ocasião. Em tais circunstâncias restavam
duas alternativas: trair a obrigação estipulada, tornando-me um caloteiro

ou respeitar o contrato e cumprir minha palavra. Faça-me a justiça de acreditar que a


primeira dessas alternativas, eu só a formulei para negá-la. O homem que se

vende, pode rebaixar-se; mas faz jus ao que lhe pertence. Aceitei o fato, me submeti
lealmente, com grande resistência, ao que eu reconhecera como lei.
Aurélia
Cumpriu sua palavra como um cavalheiro.
Fernando
É o que desejei ouvir de sua boca antes de informá-la do motivo desta conferência.

A quantia que me faltava há onze meses, na noite do casamento, eu a possuo finalmente.


Tenho-a comigo; trago-a aqui nesta carteira, e com ela venho negociar meu resgate.

Fala isso com uma respiração forte enquanto tira a carteira do bolso.

Fernando
Antes de concluir a negociação, devo revelar-lhe que eu adquiri o dinheiro sozinho; e para
maior tranquilidade de minha consciência, ele provém de data anterior ao nosso
casamento. Agora posso quebrar enfim esta opressão vergonhosa. Aqui estão as provas.
Fernando entrega para Aurélia vários papéis que estavam em um envelope e Aurélia passa o
olho neles.

Fernando
Agora nossa conta, a Senhora pagou-me cem contos de réis; oitenta em um cheque do
Banco do Brasil e vinte em dinheiro. Tenho que entregar-lhe esse valor, não é isso? (Fala isso
enquanto tira um cheque da carteira).

Aurélia examina e faz as contas com uma pena de forma rápida.

Aurélia
Está exato. Quer que eu lhe passe um recibo?
Fernando
Não há necessidade. Basta que me devolva o papel da venda.

Aurélia

É verdade. Não me lembrava.

Aurélia para um instante para esconder sua comoção.

Aurélia

Faça-me o favor de abrir aquela gavetinha. Dentro possui papéis amarrados com uma fita
azul… Justamente!... Não conhece esta fita? Foi a primeira coisa que recebi de sua mão, com
um ramalhete de flores. Ah! Perdão; estamos negociando.

Aurélia retira a fita dos papéis e os entrega a Fernando que os coloca na carteira.
Fernando
Enfim partiu-se o vínculo que nos prendia. Reassumi a minha liberdade, e a posse de mim
mesmo. Não sou mais seu marido. A senhora compreende este momento?

Aurélia

É o da nossa separação.
Fernando
Talvez ainda nos encontraremos neste mundo, mas como dois desconhecidos.

Aurélia

Creio que nunca mais. (Fala com convicção)


Fernando
Em todo caso, como esta é a última vez que lhe dirijo a palavra, quero dar-lhe uma explicação,
que não era possível há onze meses na noite do nosso casamento.
Aurélia escuta com
atenção. Fernando

Ouça-me; desejo que em um dia quando refletir sobre este acontecimento, dê a mim um
pouco de sua admiração; nada mais. A sociedade na qual me eduquei, fez de mim um homem
materialista, o luxo me consumia. Me acostumei a considerar a

riqueza como algo primordial para existência, e ensinavam-me que o casamento era o melhor
meio para adquiri-la. Na época em que seu tutor me procurou eu me sentia ameaçado pela
pobreza, estava endividado, me sentia causador da tristeza da minha mãe e da minha irmã.
Tudo isso abateu-me. Não me defendo; eu devia

resistir e lutar; nada justifica a abdicação da dignidade. Hoje eu reagiria de forma


diferente. Mas a senhora regenerou-me e o instrumento foi esse dinheiro. Eu lhe
agradeço.

Aurélia

Eu desejo também que não leve de mim uma imagem injusta.

Aurélia pega o
cheque. Aurélia

Este dinheiro é abençoado. Diz o senhor que ele o regenerou.

Coloca o cheque na gaveta.


Fernando

Talvez a senhora para evitar a curiosidade pública, deseje um pretexto?

Aurélia

Para quê? Desde que uma coisa se tem de fazer o melhor é que se faça logo e sem desculpas.

Fernando
Neste caso receba as minhas despedidas.

Aurélia levanta-se.
Fernando
Adeus, senhora. Acredite…

Aurélia o
interrompe. Aurélia
Sem cumprimentos! O que poderíamos dizer ao outro que já não foi pensando por ambos?
Fernando

Tem razão.

Fernando recua com um passo até o meio do local, faz uma cortesia para Aurélia e ela
responde.

Aurélia

Um instante!

Fernando

Chamou-me?

Aurélia
O passado está extinto. Estes onze meses, não fomos nós que os vivemos, mas aqueles que
acabam de se separar, e para sempre. Não sou mais sua mulher; o senhor já não é meu
marido. Somos dois estranhos. Não é verdade?

Fernando confirma com a cabeça.

Aurélia
Pois bem, agora ajoelho-me eu a teus pés, Fernando, e suplico-te que aceites meu amor, este
amor que nunca deixou de ser teu, ainda quando mais cruelmente ofendia-te. Aquela que te
humilhou aqui a tens implorando seu perdão e feliz porque te adora, como o senhor de sua
alma.

Fernando levanta Aurélia pelos braços e eles encostam o rosto. Logo em seguida ele se
afasta dela com um olhar de tristeza.

Fernando
Não, Aurélia! Tua riqueza separou-nos para sempre.

Aurélia corre e pega um papel dentro de um envelope sobre um móvel.

Fernando
O que é isto, Aurélia?

Aurélia tira o papel do envelope.


Aurélia
Meu testamento. Te instituí como meu herdeiro. Eu o escrevi logo depois do nosso
casamento; pensei que morreria naquela noite.

Fernando fica com os olhos cheios de lágrimas passando a mão no braço de Aurélia.

Aurélia
Esta riqueza causa-te horror? Pois fica comigo, meu Fernando. É o meio de rejeitá-la. Se
não for bastante, eu a dissiparei.

Luzes se apagam e o cenário é retirado. Os músicos entram tocando Stay With Me – Sam
Smith apenas instrumental (foco de luz apenas neles). Em seguida outro foco de luz se acende
onde estão Aurélia e Fernando, que iniciam a dança final.

FIM

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