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ORGANIZAÇÃO

Alessandra Turini Bolsoni-Silva


Diego Zilio
Helder Lima Gusso
João Henrique de Almeida
Paulo César Morales Mayer

COMPORTAMENTO
EM FOCO

Vol. 9

Análises Teóricas, Educação


e Questões Sociais
Comportamento em foco 9: análises teóricas, educação e
questões sociais /

C737

Organizadores: Alessandra Turini Bolsoni-Silva et al. --


São Paulo: Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Comportamental – ABPMC, 2019.

346 p. : il.

ISBN 978-85-65768-09-2

1. Comportamento humano. 2.Análise do comportamento


3. Gerontologia comportamental. 4. Comportamentalismo radical.
5. Transtorno de comportamento. I. Bolsoni-Silva, Alessandra
Turini. II. Zilio, Diego. III. Gusso, Helder Lima. IV. Almeida,
João Henrique de. V. Mayer, Paulo César Morales. VI. Associação
Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental.

CDD 150.1943

Catalogação pelo Sistema Integrado de Bibliotecas da UNIVASF.


Bibliotecário: Fabio Oliveira Lima - CRB-4/2097.
Organização deste volume
Alessandra Turini Bolsoni-Silva (Universidade Estadual Paulista-Bauru)
Diego Zilio (Universidade Federal do Espírito Santo)
Helder Lima Gusso (Universidade Federal de Santa Catarina)
João Henrique de Almeida (Universidade Federal de São Carlos)
Paulo César Morales Mayer (Universidade CEUMA-Imperatriz,MA)

Comissão de Publicação e Editorial da ABPMC


Angelo A. S. Sampaio (Universidade Federal do Vale do São Francisco)
Hernando B. Neves Filho (Imagine – Tecnologia Comportamental)
Luiz Alexandre B. de Freitas (Universidade Federal de Mato Grosso)
Paulo C. M. Mayer (Universidade CEUMA)

Projeto Gráfico e Editoração


Roberto Colombo - Portfólio

Instituição Organizadora
Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental

Pareceristas
Dr. Adriano Rozendo (UFMT/CUR)
Dra. Aline Beckmann Menezes (UFPa)
Dra. Ana Carina Stelko-Pereira (Universidade Federal do Ceará)
Dr. André Vasconcellos da Silva (Universidade Federal de Goiás)
Dr. Candido Vinicius Bocaiuva Barnsley Pessôa (Paradigma)
Me. Cassiana Stersa Versoza Carvalhal (Universidade Estadual de Londrina)
Dr. César Antonio Alves de Rocha (USP)
Dra. Eileen Pfeiffer Flores (UnB)
Dr. Fábio Leyser Gonçalves (UNESP-Bauru)
Dr. Gabriel Gomes de Luca (UFPR)
Dra. Gabriela Mello Sabbag (FACEL)
Dr. Hernando Neves Filho (Imagine Tecnologia Comportamental)
Dr. Jorge Mendes de Oliveira-Castro Neto (UnB)
Me. José Umbelino Gonçalves Neto (Universidade Federal de São Carlos)
Dra. Josiane Rosa Campos (INAC)
Dra. Juliane Viecili (UNISUL)
Dra. Maísa Pannuti (Universidade Positivo)
Dr. Mariéle Diniz Cortez (Universidade Federal de São Carlos)
Dr. Paulo Chereguini (Universidade Federal do Ceará)
Msc. Renato Molina (Unic)
Dr. Rodrigo Miranda (Universidade Católica Dom Bosco)
Me. Táhcita Medrado Mizael (Universidade Federal de São Carlos)
Dra. Thaissa Neves Rezende Pontes (PUC-GO)
Sobre a ABPMC

A Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC)


é uma associação civil sem fins lucrativos, fundada em 1991, e tem por
objetivos: (a) Promover, na sociedade, a Análise do Comportamento como
área de conhecimento e como campo de atuação profissional por meio
de sua divulgação e de procedimentos para o contínuo aperfeiçoamento
da área; e (b) Criar condições para o aperfeiçoamento do conhecimento
científico relacionado com análise do comportamento, de seus processos
de produção e de uso por parte dos analistas de comportamento no Brasil,
por meio de avaliação e crítica sistemáticas.

A ABPMC é constituída por pesquisadores, professores, profissionais que


trabalham com Análise do Comportamento em suas diferentes dimensões
– pesquisa básica, aplicada, conceitual e prestação de serviços – além de
estudantes de psicologia, medicina comportamental e de outras disciplinas
relacionadas ao comportamento humano. Atualmente congrega mais de
1.500 sócios distribuídos pela maioria dos estados brasileiros.

Entre as principais atividades da ABPMC está o Encontro Brasileiro de


Psicologia e Medicina Comportamental, realizado anualmente. É consi-
derado o maior fórum brasileiro de Análise do Comportamento e um dos
maiores do mundo. A ABPMC também mantém uma série de publicações
científicas: Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
(RBTCC), série Comportamento em Foco (continuação da série Sobre
Comportamento e Cognição), ambas disponíveis online gratuitamente e
bem avaliadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes). A ABPMC também contribui com outras instituições
científicas, como Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
e a Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP).

Outra atividade de grande importância realizada pela ABPMC é o processo


de acreditação de analistas do comportamento no país. Esta ação visa
atender uma demanda da comunidade, que apresentou a necessidade de
monitorar a qualidade da prática do analista do comportamento brasileiro,
favorecendo a escolha, pela comunidade, de profissionais qualificados
para o exercício profissional nos diversos campos de atuação em Análise
do Comportamento.

Saiba mais sobre a ABPMC em www.abpmc.org.br


Diretoria ABPMC 2017-2018
Presidente João Vicente de Sousa Marçal
CRP 01/5316
Vice-presidente Denise Lettieri
CRP 01/10104
Primeiro Secretário Gustavo Tozzi
CRP 01/10104
Segunda secretária Elisa Sanabio Heck
CRP 09/2373
Primeiro Tesoureiro Flávio Borges
CRP 09/2643
Segundo Tesoureiro Cristiano Coelho
CRP 09/3084

Conselho Fiscal
Membros efetivos André Amaral Bravin
Bernardo Dutra Rodrigues

Membro suplente Angelo Sampaio

Conselho Consultivo
Membros permanentes Bernard Pimentel Rangé
Claudia Kami Bastos Oshiro
Denis Roberto Zamignani
Hélio José Guilhardi
Isaías Pessotti
João Claudio Todorov
João Ilo Coelho Barbosa
Maria Martha Hubner
(em licença temporária do conselho)
Maria Zilah Brandão
Roberto Alves Banaco
Wander Pereira da Silva
Sobre a coleção Comportamento em Foco

Em 1997 a ABPMC iniciou a publicação da série Sobre Comportamento e


Cognição, que teve importante papel na disseminação do conhecimento
produzido em Análise do Comportamento no Brasil. Após 16 anos de pu-
blicação da série, a ABPMC mudou seu formato, de impresso para digital
e, em 2012, renomeou a série como Comportamento em Foco.

O objetivo principal da coleção Comportamento em Foco é disseminar o


conhecimento produzido pela comunidade de analistas do comportamento
no Brasil, por meio de coletâneas constituídas pelos trabalhos apresentados
nos encontros anuais da ABPMC sob forma de palestras, mesas redondas,
simpósios, sessões coordenadas, minicursos e sessões primeiros passos.
Também é objetivo contribuir na formação científica dos estudantes e pro-
fissionais da área, por meio da avaliação das produções escritas dos autores.

Cada volume é constituído por um conjunto de artigos com temas em


comum, visando melhorar a experiência de leitura e ampliar o acesso
dos diferentes volumes temáticos aos diferentes segmentos da sociedade
que possam se beneficiar do acesso a esse conhecimento. Os capítulos
que constituem a coleção passaram pela revisão de pareceristas ad-hoc
convidados em processo de duplo-cego.

Os livros digitais de cada volume estão disponibilizados gratuitamente


no site da ABPMC: www.abpmc.org.br
Sobre os autores deste volume

Ana Beatriz Rocha Lima


Possui doutorado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações
(PSTO) pela Universidade de Brasília (2011), mestrado em Educação e
Especialização em Psicologia da Infância pela Universidade do Vale do
Itajaí (2006). Atua no Ensino Superior desde 2001 em algumas universida-
des privadas. Tem experiência na área da Psicologia, atuando principal-
mente nos seguintes temas: avaliação psicológica, envelhecimento, altas
habilidades/superdotação.

Aline Beckmann Menezes


Psicóloga (CRP 010 - 18065), Doutora em Teoria e Pesquisa do
Comportamento pela Universidade Federal do Pará, Mestre em Teoria e
Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará, Especialista
em Psicologia Escolar e Educacional pelo Conselho Federal de Psicologia.
Atua como docente na Universidade Federal do Pará. Atualmente desen-
volve estudos/atividades sobre Psicologia Escolar e Educacional.

Anderson Jonas das Neves


Psicólogo, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem
pela UNESP-Bauru e Doutorando em Psicologia pela UFSCar. Professor
colaborador no IMESS. Membro do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia - Comportamento, Cognição e Ensino (INC&T-ECCE), do
Laboratório de Estudo do Comportamento Humano (LECH/UFSCar), e do
Laboratório de Aprendizagem, Desenvolvimento e Saúde (LADS/UNESP-
Bauru). O interesse em pesquisa e aplicação abrange Educação Especial,
Fonoaudiologia e Psicologia, e a tese aborda procedimentos de ensino e
proposta de currículo de sentenças para crianças com implante cocle-
ar (FAPESP#2016/09109-3). Realiza estudos também com ênfase em
Tecnologia de Ensino, Controle de Estímulos, Relações de Equivalência,
Currículo, Função Simbólica, Aquisição da Linguagem, Implante Coclear,
Aprendizagem de Sentenças, Ensino de Segunda Língua, Reabilitação
Auditiva, Deficiências e Análise do Comportamento.
Andréia Schmidt
Psicóloga (orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Pós-
Graduação em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo), Doutora
em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo, Mestre em
Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos, Especialista
em Terapia Comportamental pela Universidade Federal do Paraná. Atua
como docente no curso de Psicologia da Universidade de são Paulo (campus
Ribeirão Preto). Atualmente desenvolve estudos/atividades sobre apren-
dizagem e recuperação de repertórios verbais em idosos com transtornos
neurocognitivos e crianças com desenvolvimento típico e atípico.

Anna Carolina Gonçalves Souza


Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Mestranda em Psicologia com ênfase em Análise e Evolução do Comportamento
pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Atualmente desenvolve estudos
sobre comportamento alimentar, comportamento de escolha e autocontrole. 

Ariane Rico Gomes


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos, realiza
trabalhos nas áreas de saúde mental, violência e preconceito.

Caio Fernando Fernandes Felisberto


Psicólogo (CRP 18/03887) pela Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT). Atualmente, é psicólogo da Universidade Estadual de Mato Grosso
- UNEMAT/Campus Tangará da Serra e psicólogo clínico. Tem interesse
no estudo de metodologias de ensino-aprendizagem no ensino superior. 

Claudinei Pereira Gonçalves


Bacharel em Ciências Contábeis, mestre em Administração e doutor em
Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). É profes-
sor de Empreendedorismo do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes),
onde também desenvolve atividades de pesquisa e extensão relacionadas a
Empreendedorismo Social. Atualmente coordena o Programa de Impacto
Social e Ambiental Positivo (Pisa+), programa de extensão do Ifes relaciona-
do ao desenvolvimento do setor de negócios de impacto no Espírito Santo. É
membro do Programa Academia do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE),
o qual visa fortalecer a atuação das Instituições de Ensino Superior (IES)
brasileiras nas temáticas de Investimentos Sociais e Negócios de Impacto.
Camila Muchon de Melo

Psicóloga pela Universidade Estadual de Londrina (2000). Mestrado (2004)


e Doutorado (2008) em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos.
Pós-doutorada pelo Instituto Nacional sobre o Comportamento, Cognição
e Ensino, na Universidade Federal de São Carlos. Atualmente é professo-
ra do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento da
Universidade Estadual de Londrina. Orientadora e vice-coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento da UEL. É edi-
tora associada dos periódicos: Acta Comportamentalia e Revista Brasileira de
Análise do Comportamento. Tem experiência na área de Epistemologia da
Psicologia,  Behaviorismo Radical e na Análise Comportamental da Cultura.

Caroline de Paula Corrêa Bezerra

Psicóloga (CRP 16/3183), Mestre em Psicologia pela UFES, Especialista em


Dependência Química pela EMESCAM. Atua como psicóloga na área de
saúde mental na empresa Unimed Vitória e como docente de Psicologia
em faculdade da Grande Vitória. Atualmente, na docência, desenvolve
atividades de pesquisa na área de saúde mental e dependência química.

Cristiano Coelho

Psicólogo (CRP 09/03084), Mestre e Doutor em Psicologia pela UnB.


Atualmente é professor adjunto e coordenador do programa de mes-
trado e doutorado da PUC Goiás e colaborador no MBA em Economia
Comportamental da ESPM.

Cristina Belotto da Silva

Psicóloga (CRP 06/617-65). Doutora em Ciências pelo Departamento


de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Mestre em Psicologia
Experimental: Análise do Comportamento pela PUC-SP. Atua como te-
rapeuta analítico comportamental em consultório particular.
Daniel Carvalho de Matos
Graduado em Psicologia pela Universidade CEUMA (2004), Mestre (2007)
e Doutor (2013) em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Experiência
com intervenções da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) desti-
nadas a crianças, adolescentes e adultos com desenvolvimento atípico,
com ênfase em autismo e quadros relacionados. Terapeuta, supervisor e
consultor ABA. Fundador do Núcleo Evoluir de Análise do Comportamento
Aplicada do Maranhão. Membro da Comissão de Psicologia na Educação
do Maranhão (CRP-22). Professor e pesquisador do curso de Psicologia da
Universidade CEUMA. Coordenador do curso de especialização “Análise do
Comportamento Aplicada (ABA) ao Autismo e Quadros Relacionados” pela
Universidade CEUMA. Professor colaborador do programa de pós-gra-
duação (Mestrado) em Psicologia da Universidade Federal do Maranhão.

Elizeu Borloti
Psicólogo (CRP 16/450), Doutor em Psicologia (Psicologia Social) pela
PUC-SP, Mestre em Psicologia pela UFES, Especialista em Terapia
Comportamental pela USP e em Dependência Química pela UFES, Tutor
do PET Psicologia UFES. Atua como Professor-pesquisador da UFES em
nível de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia da UFES. Atualmente
desenvolve estudos/atividades sobre análise comportamental da lingua-
gem, de práticas culturais e da dependência química.

Fabiana Pinheiro Ramos


Psicóloga (CRP 16/838), Doutora em Psicologia pela UFES, Mestre em
Psicologia pela UFES, Especialista em Terapia por Contingências de
Reforçamento pelo ITCR. Atua como Professora do Departamento de
Psicologia da UFES na área de clínica analítico-comportamental. Atualmente
desenvolve estudos sobre clínica comportamental, intervenções com po-
pulação universitária, violência contra a mulher e dependência química.4

Fábio Henrique Baia


Psicólogo, Doutor em Ciências do Comportamento pela Universidade de
Brasília (2013) e Mestrado em Ciências do Comportamento pela Universidade
de Brasília (2008). Atualmente é professor titular da Universidade de Rio
Verde e tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia
Experimental, atuando principalmente nos seguintes temas: fenômenos
sociais, metacontingência, práticas culturais, macrocontingência.
Fábio Henrique Silva de Souza
Psicólogo (2014) e Especialista em Atenção Integral à Saúde Mental (2018)
pela Universidade Estadual de Maringá. Mestrado (2018) em Análise do
Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina. Atualmente é
psicólogo clínico (CRP 08/21135). Tem experiência na área de Behaviorismo
Radical e Análise Comportamental da Cultura.

Fernanda dos Santos Cerqueira


Psicóloga, Mestre em Psicologia com ênfase em Análise e Evolução do
Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2016).
Atualmente exerce atividades na área de psicologia clínica.

Flávia Caroline Figel


Psicóloga (08/16377), Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo
(campus Ribeirão Preto), Especialista em Terapia Comportamental e
Cognitiva pela Faculdade Evangélica do Paraná. Atua como psicóloga na
Secretaria da Saúde do Estado do Paraná. Atualmente desenvolve atividades
sobre Saúde Pública e Gestão em Saúde Mental.

Gabriela Jheniffer Teixeira Silva


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos, membro
do Grupo de Pesquisa Sobre Análise Comportamental das Práticas Culturais
de Opressão de Gênero e Raça da mesma universidade. Atualmente de-
senvolve estudos nas áreas da história da Análise do Comportamento
no país, papel das mulheres na ciência e correlações entre negritude e
preconceito racial com a análise do comportamento.

Glauce Rocha
Psicóloga, Mestre em Psicologia pela PUC-SP, Coach (Executive e Life
coaching), Consultora Organizacional, com experiência na área organi-
zacional, educacional e pesquisa; publicações na área de performance,
autora do Livro - Avaliação de Performance: diagnósticos e soluções para
prestação de serviços.
Graziela Freire Vieira
Psicóloga (CRP 01/20451), Doutoranda em Psicologia pela PUC-GO, Mestre
em Psicologia pela PUC-GO, Especialista em Psicopatologia pela PUC-GO.
Atua como docente e orientadora de estágio no IESB-DF. Atualmente
desenvolve estudos/atividades sobre Dor Crônica.

Ilma A. Goulart de Souza Britto


Psicóloga (CRP-09/28), Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, Mestre
em Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento pela UNB. Atua como
docente e orientadora nos programas de pós graduação lato e stricto sendo da
PUC-GO. Atualmente desenvolve estudos nos seguintes temas: transtornos
psicóticos com foco na esquizofrenia, transtornos do humos, transtornos
de ansiedade, dor crônica e na análise de comportamentos complexos.

Ivaldo Ferreira de Melo Junior


Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de
Goiás. Mestrando em Psicologia com ênfase em Análise e Evolução do
Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Atualmente
desenvolve estudos sobre comportamento alimentar, comportamento de
escolha e controle instrucional.

João Claudio Todorov


Psicólogo,Ph.D, é Professor Emérito e Pesquisador Associado da
Universidade de Brasília, Brasil. Foi Reitor (1993-1997), Vice-Reitor
(1985-1989) e Decano de Pesquisa e Pós-Graduação (1985). Atualmente
tem contribuído com a análise de Políticas Sociais, nas áreas de transfe-
rência condicionada de renda, educação, medidas socioeducativas, meio
ambiente, mobilidade urbana e direitos de crianças e adolescentes.

Marcus Bentes de Carvalho Neto


Psicólogo, Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São
Paulo, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade
Federal do Pará. Atualmente é professor associado 4 da Universidade Federal
do Para e bolsista de produtividade do cnpq (nível 2). Vinculado ao programa
de pós graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da UFPA, orienta
trabalhos de Iniciação Científica, Mestrado e doutorado em três linhas: (1)
recombinação de repertório (com especial interesse no fenômeno do insight;
em animais não humanos); (2) controle aversivo (especialmente sobre os
mecanismos comportamentais básicos envolvidos na punição); (3) questões
históricas e conceituais em análise do comportamento.
Maria Ester Rodrigues
Psicóloga (CRP 08/04396), Mestre e doutora em Psicologia da Educação pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP). Atualmente é professora
associada do Centro de Educação, Comunicação e Artes da UNIOESTE – Campus
Cascavel. Desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão no campo
da Formação de Professores e Análise do Comportamento. Coordenadora do
grupo de pesquisa em Psicologia e Educação- GPSIE, na linha de pesquisa
“Contribuições da Psicologia à Educação e Formação Docente” do Colegiado de
Pedagogia da UNIOESTE  - Campus Cascavel. Professora efetiva do Mestrado
em Educação UNIOESTE Campus Cascavel na linha de pesquisa “Formação de
Professores e processos de ensino e aprendizagem”.

Mariana Batista
Psicóloga (08/23423), Mestra em Análise do Comportamento pela
Universidade Estadual de Londrina – UEL. Pós-graduada em nível de es-
pecialização em Psicologia e Análise do Comportamento Aplicada pelo
Centro Universitário Filadélfia – UniFil e em Psicopedagogia pela UEL.
Atua como psicóloga clínica e psicopedagoga. Compõe a equipe de coor-
denadores do PSac: Grupo de estudos sobre Política, Sociedade e Análise
do Comportamento. Atualmente desenvolve estudos sobre ética skinne-
riana, justiça social, formação docente, práticas educativas, processo de
ensino-aprendizagem e Habilidades Sociais e Educativas.

Mariana Ducatti Almeida


Psicóloga (06/108109), Doutoranda em Psicobiologia pela Universidade
de São Paulo (campus Ribeirão Preto), Mestre em Ciências pela
Universidade de São Paulo (campus Ribeirão Preto), Especialista em
Clínica Comportamental e Cognitiva pelo PSICÓLOG. Atua como psicólo-
ga na Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Câncer de Barretos
e como docente na Faculdade Barretos. Atualmente desenvolve estudos/
atividades sobre Doença de Alzheimer.

Mariana Frediani Sant’Ana


Psicóloga (2014) e Especialista em Atenção Integral à Saúde Mental
(2018) pela Universidade Estadual de Maringá. Atua como psicóloga (CRP
08/21142) e Coordenadora de Saúde Mental no Departamento de Saúde de
Jandaia do Sul, PR. Tem experiência em Behaviorismo Radical, Feminismo
e Psicologia da Saúde.
Mônica Gianfaldoni
Possui graduação em Psicologia e mestrado e doutorado em Psicologia da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é
vice-coordenadora do curso de Pós-Graduação em Psicologia Experimental:
Análise do Comportamento da PUC-SP. Tem experiência em orientação de
trabalhos na área da Psicologia da Educação e de Performance Management.
Co-autora dos livros Avaliação de Performance: diagnósticos e soluções para
prestação de serviços e Performance Management para equipes de vendas:
um estudo empírico para o aumento de produtividade em equipes comerciais.

Paulo César Morales Mayer


Psicólogo, Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade
Federal do Pará, Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade
Estadual de Londrina. Atua como Professor e pesquisador em regime integral
na Universidade CEUMA, campus Imperatriz.

Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage


Psicólogo, Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade
Federal do Pará, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela
Universidade Federal do Pará. Atua como docente na Universidade do Estado
do Pará. Atualmente desenvolve estudos/atividades sobre Gamificação e
Metodologias Ativas.

Pollianna Galvão Soares de Matos


Psicóloga com doutorado (2014) e mestrado (2008) em Psicologia pela
Universidade de Brasília (UnB). Possui especialização lato sensu em Psicologia
Escolar (UnB). Realiza Pós-Doutorado em Psicologia na Universidade de
Brasília (UnB). É professora e pesquisadora do Curso de Graduação em
Psicologia da Universidade CEUMA e professora colaboradora do Curso
de Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
(PPGPSI) da Universidade Federal do Maranhão. Atuou no CESPE (Centro de
Seleção e Promoção de Eventos) da UnB entre 2007-2015, junto à Diretoria
de Pesquisa em Avaliação Educacional em processos de avaliação educa-
cional em larga escala. É membro do Grupo de Trabalho (GT) de Psicologia
Escolar e Educacional da ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Psicologia).
Compõe a diretoria do Conselho Regional de Psicologia do Maranhão, como
conselheira secretária e preside a Comissão de Psicologia na Educação do
Maranhão (CRP-MA). Suas áreas de interesse são Psicologia e Educação,
com ênfase nos temas: psicologia escolar em escolas e ONGs; história da
atuação e formação em psicologia escolar no Maranhão; inclusão escolar e
autismo; formação de professores e educadores sociais; desenvolvimento
e avaliação de competências.

Reginaldo Pedroso
Psicólogo (CRP-20/ 2714), Mestre, Doutor e Pós-Doutorado pela PUC/
GO. Especialista em Terapia Comportamental. Atualmente é professor
adjunto da Universidade Federal de Rondônia.

Sabrina R. Oliveira Fontanesi


Fonoaudióloga (CRFa 16.961), Doutora em Psicobiologia pela Universidade de
São Paulo (campus Ribeirão Preto), Mestre em Educação Especial (Educação
do Indivíduo Especial) pela Universidade Federal de São Carlos. Atua com
fonoaudióloga clínica, com ênfase em Linguagem. Atualmente desenvolve
atividades/estudos nos seguintes temas: linguagem infantil e adulto, edu-
cação especial, análise aplicada do comportamento e estimulação precoce.

Silvia Campos Brunetti Spagnol


Psicóloga (CRP 16/4909), Mestranda em Psicologia pela UFES, Especialista
em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo ITC/SP. Atua como psicóloga
clínica. Atualmente desenvolve estudos na área de dependência química,
com foco na sobrecarga em familiares de dependentes químicos.

Sabrina R. Oliveira Fontanesi


Fonoaudióloga (CRFa 16.961), Doutora em Psicobiologia pela Universidade
de São Paulo (campus Ribeirão Preto), Mestre em Educação Especial
(Educação do Indivíduo Especial) pela Universidade Federal de São Carlos.
Atua com fonoaudióloga clínica, com ênfase em Linguagem. Atualmente
desenvolve atividades/estudos nos seguintes temas: linguagem infantil
e adulto, educação especial, análise aplicada do comportamento e es-
timulação precoce.
Silvia Campos Brunetti Spagnol
Psicóloga (CRP 16/4909), Mestranda em Psicologia pela UFES, Especialista
em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo ITC/SP. Atua como psicóloga
clínica. Atualmente desenvolve estudos na área de dependência química,
com foco na sobrecarga em familiares de dependentes químicos.

Sônia Maria Mello Neves


Psicóloga, Doutora em Psicologia Experimental pela University College
of North Wales (1994) e mestrado em Ciências do Comportamento pela
Universidade de Brasília (1989). Atualmente é professora titular na Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, atuando na graduação e pós graduação com
ênfase em Psicologia Experimental atuando principalmente na análise do
comportamento alimentar.

Táhcita Medrado Mizael


Psicóloga, mestra e doutoranda em psicologia pela Universidade Federal de
São Carlos. Especialista em Gênero e Sexualidade pela Universidade Estadual
do Rio de Janeiro. Escreve para os blogs “Boletim Behaviorista” e “Cientistas
Feministas”. Atualmente desenvolve estudos sobre preconceito racial e de
gênero de maneira experimental, além de análises teóricas do tema.

Taysa Garcia Castrillon


Psicóloga (CRP 18/03272), graduada pela Universidade Federal de Mato
Grosso (2017). Especialização em Terapia Comportamental – Terapia por
Contingências de Reforçamento (ITCR) em andamento. Atualmente é pro-
fessora substituta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal
de Mato Grosso – UFMT/Cuiabá e psicóloga clínica em consultório parti-
cular. Realiza pesquisas sobre Disseminação e Aprendizagem da Análise
do Comportamento.
Thais Cristina Gutstein
Psicóloga (CRP 08/13298), graduada em Psicologia pela Universidade
Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Especialização em Terapia
Analítico Comportamental (UNIPAR), Mestre em Psicologia (UTP), )
Doutor em Educação (UFPR).  Atua como docente adjunta em disciplinas
e projetos de ensino, pesquisa e extensão em Psicologia Clínica, Educação
e Desenvolvimento Humano na UNIPAR-Campus Francisco  Beltrão.
Coordenadora, docente e supervisora do curso de Pós Graduação em
Terapia Analítico Comportamental.

Thiago Dias Costa


Psicólogo, doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade
Federal do Pará, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela
Universidade Federal do Pará. Atua como docente na Universidade Federal
do Pará. Atualmente desenvolve estudos/atividades sobre Gestão do
Comportamento Organizacional.

Thiago Marques de Brito


Psicólogo e licenciado em Psicologia pela UNESP/CAMPUS DE BAURU,
Mestre e Doutor em Ciências pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto, USP. Atualmente é professor do Departamento de Psicologia
da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), desenvolvendo pesquisas
na área de modelos experimentais de psicopatologias. Tem experiência na
área de psicologia experimental, psicofarmacologia e neuroanatomofisio-
logia dos comportamentos de defesa.

Virginia Cordeiro Amorim


Psicóloga pela UFSJ, Mestre em Psicologia Experimental: Análise do
Comportamento pela PUC-SP e Doutoranda em Teoria e Pesquisa do
Comportamento pela UFPA. Atualmente é professora assistente do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso -
UFMT/Cuiabá. Desenvolve pesquisas sobre Análise Comportamental da
Cultura e  Disseminação da Análise do Comportamento.
Apresentação

O Volume 9 da Comportamento em Foco aborda estudos sobre Análises


Teóricas, Educação e Questões Sociais.

A Análise do Comportamento, em suas origens focada em pesquisa


básica e atenta, naquele momento, principalmente ao comportamento
de organismos não humanos, sempre apresentou com clareza qual era
o fim último de sua vocação. Skinner (1938), afirmou que a importância
da ciência comportamental deriva diretamente da possibilidade de uma
extensão dos resultados de suas investigações para interesses humanos.
Naquele momento inicial, poderiam parecer ainda muito distantes as
possibilidades de inserção dessa ciência em questões humanas complexas,
permitindo intervenções em questões educacionais e sociais e a possiblidade
de empregar os conceitos da Análise do Comportamento para realização
de Análises Teóricas de comportamentos complexos.

Atualmente, podemos notar que pouco mais de 80 anos após a publicação


dessa obra seminal de Skinner, e graças ao desenvolvimento e trabalho
contínuo da comunidade analítico-comportamental, essa inserção é uma
realidade. Neste nono volume da Comportamento em Foco, poderemos
observar diversos trabalhos brasileiros que apresentam desde exemplos
sofisticados do trabalho em laboratório com humanos até o uso dos
princípios comportamentais para interpretação de comportamentos
sociais e/ou culturais como também a proposição de intervenções e
desenvolvimento de tecnologias para os contextos educacionais.

O volume nove, inicialmente, apresenta o capítulo “Avaliando


aprendizagem de sentenças: considerações sobre testes comportamentais
e de consciência sintática” de autoria de Anderson Jonas das Neves,
que realiza uma ponte entre os testes de consciência sintática e os
testes comportamentais que medem relações de ordem entre as palavras
no contexto de avaliação e aprendizagem de sentenças, mostrando a
relevância da integração dessas tecnologias.

O Capítulo “Gerontologia Comportamental: Manejo Comportamental de


Problemas Associados ao Envelhecimento” escrito por Flávia Caroline
Figel, Mariana Ducatti Almeida, Sabrina R. Oliveira Fontanesi e Andréia
Schmidt, trata-se de uma revisão de literatura apresentando um panorama
do estudo comportamental da terceira idade e problemas relacionados ao
envelhecimento, apontando contingências tipicamente observadas nas
dificuldades comportamentais apresentadas por essa população, assim
como a descrição de diferentes tratamentos para alguns acometimentos
frequentes em idosos.

No capítulo “Transtornos de Conduta e Opositivo Desafiador: Conceitos,


revisão de pesquisas e intervenções” Cristina Belotto da Silva apresenta
uma revisão de literatura sobre os critérios diagnósticos, variáveis
ambientais relacionadas e estratégias de intervenção para o transtorno
de conduta opositivo desafiador.

O capítulo “Controle Aversivo do Comportamento: do Laboratório ao


Cotidiano” dos autores Paulo César Morales Mayer e Marcus Bentes
de Carvalho Neto discute o papel do controle aversivo destacando sua
relevância e a importância do seu estudo experimental para compreensão
mais apropriada e sua aplicação em diferentes contextos.

O capítulo “Contribuições da Análise Comportamental da Dor” escrito por


Graziela Freire Vieira e Ilma A. Goulart de Souza Britto, é um ensaio teórico
da pertinência de estudos comportamentais da dor salientando os processos
comportamentais relacionados com a resposta da dor argumentando a
necessidade de se prescindir de estudos puramente neurofisiológicos.

Os autores Poliana Ferreira da Silva, Rogério Guaita dos Santos Baia,


Alina Barboza Cabral Biano, Rafael Peres Macêdo, Fábio Henrique Baia,
Carlos Renato Xavier Cançado, do capítulo “Renovação Comportamental
e Resistência a Mudanças em Humanos” apresentam um experimento,
com humanos, avaliando o efeito da taxa de reforços sobre a resistência
à mudança e renovação comportamental.

O capítulo “Negritude e análise do comportamento: Publicações, relevância


e caminhos para seu estudo” elaborado por Táhcita Medrado Mizael,
Ariane Rico Gomes, Gabriela Jheniffer Teixeira Silva, é uma revisão
da literatura comportamental sobre questões raciais, descrevendo os
estudos encontrados, algumas lacunas identificadas nessa área e aponta
direcionamentos para estudos futuros.
No Capítulo “Uma discussão sobre identidade de gênero e orientação
sexual no Comportamentalismo”, os autores Mariana Frediani Sant’Ana,
Fábio Henrique Silva de Souza e Camila Muchon de Melo apresentam
uma pesquisa teórico-conceitual oferecendo uma possível definição de
identidade de gênero e orientação sexual pelo comportamentalismo radical.

Em “Práticas educativas docente: contribuições das habilidades sociais


para uma formação ética”, considerando a função de professores no ensino
fundamental e a partir do exame da literatura, foi evidenciando pelas
autoras Mariana Batista e Camila Muchon de Melo, o quanto o investimento
na formação de professores para o desenvolvimento de habilidades sociais
pode contribuir no desenvolvimento de comportamentos pró-éticos e
prossociais das crianças que atendem

O capítulo “Processos Educacionais Pautados em Metodologias Ativas”


escrito por Aline Beckmann Menezes e Paulo Elias Gotardelo Audebert
Delage, trata-se de uma revisão de literatura na qual se apresenta uma
leitura comportamental do conceito de metodologias ativas, através da
análise de exemplos desta prática educacional

No capítulo “Estratégias de disseminação da Análise do Comportamento


na extensão universitária”, Maria Ester Rodrigues, Taysa Garcia Castrillon,
Caio Fernando Fernandes Felisberto, Virginia Cordeiro Amorim, Thais
Cristina Gutstein e Thiago Marques de Brito tratam de tema extremamente
relevante à análise do comportamento: a sua disseminação por meio de
grupos de estudos e projetos de extensão.

O capítulo “Ensino de Soma e Subtração para Crianças com Autismo”


dos autores Daniel Carvalho de Matos, Pollliana Galvão Soares de Matos
e Ana Beatriz Rocha Lima descreve uma pesquisa que trata de uma
intervenção realizada em três crianças com autismo para o ensino de
repertório de matemática, especificamente soma e subtração, mostrando
resultados promissores.
No capítulo intitulado “Efeitos de selos ambientais: comportamento do
consumidor em escolher produtos sustentáveis” os autores Reginaldo
Pedroso e Cristiano Coelho verificaram o conhecimento de selos de
certificação ambiental por universitários. Foi constatado que a maioria
demonstrou um baixo conhecimento sobre os selos investigados e foram
sugeridas contribuições da análise do comportamento para aumentar a
eficácia do controle deste comportamento.

O Capítulo “Comportamentos registrados em livro de ocorrências escolar:


Interpretação e categorização” desenvolvido por Sônia Maria Mello Neves,
Fernanda dos Santos Cerqueira, João Claudio Todorov, Fábio Henrique
Baia, Anna Carolina Gonçalves Souza e Ivaldo Ferreira de Melo Junior,
apresenta um estudo sobre os registro de comportamentos violentos no
livro de ocorrências de uma escola municipal, discutindo a qualidade
das informações registradas, quanto à possibilidade destas permitirem
a identificação de suas variáveis determinantes

O capitulo intitulado “Famílias e Drogas: Analistas do Comportamento


em uma Política de Educação Permanente” de Elizeu Batista Borloti,
Fabiana Pinheiro Ramos, Silvia Campos Brunetti Spagnol e Caroline
de Paula Corrêa Bezerra, traz o relato da experiência de capacitação de
profissionais da saúde pública em relação a intervenções familiares para
o enfrentamento do uso de drogas.

No capítulo “Origens evolutivas da cooperação e seu papel como variável


determinante de políticas públicas: o caso das políticas sobre drogas”
os autores Elizeu Borloti e Claudinei Pereira Gonçalves discutem em
termos comportamentais a influência da cooperação, articulando a mesma
ao conceito de intersetorialidade nas políticas públicas sobre drogas e
apresentando quais propriedades são selecionadas por contingências de
reforçamento mantidas pelos próprios Estados.

O capítulo “Condições que Interferem no Exercício de Competências do


Psicólogo Escolar” foi desenvolvido por Aline Beckmann Menezes e Thiago
Dias Costa, com o objetivo de investigar o exercício de competências de
profissionais que atuam no contexto da inclusão e discute condições que
podem afetar as contingências em vigor para que os comportamentos
esperados destes profissionais possam ou não ocorrer
No capítulo “Performance diagnostic checklist - Human Services: comparação
entre aplicação em lideranças e liderados”, as autoras, Glauce Rocha e
Mônica Gianfaldoni, apresentam o instrumento PDC-HS, importante
recurso utilizado por analistas do comportamento no campo organizacional,
e o trabalho realizado na tradução e adaptação dele no Brasil. É destacada
que a decisão de usar o instrumento não apenas com gestores, mas
também com as equipes cujo comportamento era analisado, produziu mais
informações que auxiliaram a caracterizar adequadamente problemas
de desempenho em exame.

Alessandra Turini Bolsoni-Silva

Diego Zilio

Helder Lima Gusso

João Henrique de Almeida

Paulo César Morales Mayer

Referência

Skinner, B. F. (1938). Behavior of Organisms. Appelton-Century-Crofts,


New York.
Sumário
Avaliando aprendizagem de sentenças: considerações
27 sobre testes comportamentais e de consciência sintática

Anderson Jonas das Neves

Gerontologia Comportamental: Manejo Comportamental


48 de Problemas Associados ao Envelhecimento

Flávia Caroline Figel, Mariana Ducatti,


Sabrina R. Oliveira Fontanesi, Andréia Schmidt

Transtornos de Conduta e Opositivo Desafiador:


69 Conceitos, revisão de pesquisas e intervenções

Cristina Belotto da Silva

Controle Aversivo do Comportamento:


83 Do Laboratório ao Cotidiano

Paulo César Morales Mayer, Marcus Bentes de Carvalho Neto

95 Contribuições da Análise Comportamental da Dor

Graziela Freire Vieira , Ilma A. Goulart de Souza Britto

Renovação Comportamental e Resistência


106 a Mudanças em Humanos

Poliana F. da Silva, Rogério G. dos Santos Baia,


Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado

Negritude e análise do comportamento:


120 Publicações, relevância e caminhos para seu estudo

Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva

Uma discussão sobre identidade de gênero e orientação


136 sexual no Comportamentalismo Radical

Mariana Frediani Sant’Ana, Fábio Henrique Silva de Souza,


Camila Muchon de Melo
Práticas Educativas Docente: Contribuições das
153 Habilidades Sociais para uma Formação Ética

Mariana Batista, Camila Muchon de Melo

Processos Educacionais Pautados em Metodologias Ativas


172
Aline Beckmann Menezes, Paulo E. G. Audebert Delage

Estratégias de disseminação da Análise do


190 Comportamento na extensão universitária

Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto, Taysa G. Castrillon,


Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito

207 Ensino de Soma e Subtração para Crianças com Autismo

Daniel Carvalho de Matos, Pollianna G. Soares de Matos,


Ana Beatriz Rocha Lima

Efeito de selos ambientais: comportamento do


230 consumidor em escolher produtos sustentáveis

Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho

Comportamentos registrados em livro de ocorrências


252 escolar: interpretação e categorização

Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S.


Cerqueira, João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza,
Ivaldo F. de Melo Junior

Famílias e Drogas: Analistas do Comportamento


273 em uma Política de Educação Permanente

Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto,


Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
Origens evolutivas da cooperação e seu papel como
290 variável determinante de políticas públicas: o caso
das políticas sobre drogas

Elizeu Batista Borloti, Claudinei Pereira Gonçalves

Condições que Interferem no Exercício


307 de Competências do Psicólogo Escolar

Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa

Performance Diagnostic Checklist – Human Services:


326 comparação entre aplicação em lideranças e liderados

Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni


COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 9

Avaliando aprendizagem de sentenças: Anderson Jonas das Neves


Universidade Estadual Paulista (UNESP-
considerações sobre testes comporta- Bauru); Instituto Nacional de Ciência e
mentais e de consciência sintática Tecnologia – Comportamento, Cognição
e Ensino (INC&T-ECCE)
filosofoajn@gmail.com
Assessing learning of sentences: considerations
about behavioral and syntactic awareness tests

Resumo Abstract
O presente estudo visa discorrer sobre a avaliação da The present study aims to discuss about the
aprendizagem de sentenças e traçar possíveis apro- assessment of learning of sentences and to outline
ximações entre os testes de consciência sintática e possible approximations between the tests of
os testes comportamentais que aferem relações de syntactic awareness and the behavioral tests that
ordem entre palavras. Os aspectos teóricos e metodo- measure words-order relations. Theoretical and
lógicos desses testes foram descritos a partir da abor- methodological aspects of these tests were described
dagem da Análise do Comportamento e da Psicologia from of the Behavior Analysis and Cognitive
Cognitiva. Esse trabalho identificou que os testes de Psychology approaches. This work identified that
consciência sintática compartilham de componentes the syntactic awareness tests share of commons
comuns aos mensurados nos testes experimentais components, to those measured in experimental tests
que envolvem relações de ordem entre estímulos. that involve order relations between stimuli. Thus,
Logo, os testes de consciência sintática são compa- the tests of syntactic awareness are compatible and
tíveis e correspondentes em vários aspectos com a correspondents in several aspects with the Behavior
Análise do Comportamento, e podem configurar como Analysis, and can configure as relevant tools to
instrumentos relevantes para avaliar e monitorar a evaluate and to monitor learning of sentences.
aprendizagem de sentenças.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Avaliação, Sentenças, Consciência sintática, Assessment, Sentences,


Relações ordinais. Syntactic awareness, Ordinal relations.

Agradeço ao Prof. Dr. Jair Lopes Jr. pelas profícuas discussões nas aulas da pós-graduação da UNESP-Bauru em 2012, as quais
possibilitaram lançar essa proposta. Agradeço ao Me. Christian Pineda (UFRJ) pelas discussões que tivemos sobre os aspectos
teórico-metodológicos da consciência sintática. Agradeço também a Profa. Dra. Ana Claudia Moreira Almeida-Verdu (UNESP-Bauru),
Prof. Dr. Grauben Assis (UFPa) e Profa. Dra. Deisy das Graças de Souza (UFSCar) pelas oportunidades de dialogar sobre esse tema
ao longo de minha formação. Agradeço a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP# 2012/05696-0;
2016/09109-3; 2018/16694-5) e ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Comportamento, Cognição e Ensino (INC&T-
ECCE) (FAPESP#2008/57705-8 e 2014/50909-8; CNPq#573972/2008-7 e #465686/2014-1; CAPES#88887136407/2017‐00).

27
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

A produção de sentenças, seja na modalidade disposição da palavra na sentença e das re-


oral ou escrita, abrange a habilidade de orga- lações dela com as outras palavras (da sen-
nizar as palavras e articulá-las nas diferentes tença), como em “Eu caso com Paula” ou
dimensões da língua (semântica, morfológica, “Esse caso exige cuidados médicos”. Nessa
fonológica e sintática), permitindo ao falante direção, Coseriu (1993, p. 33) afirma que “a
ampliar as possibilidades de interação com a sentença é a unidade central da língua na
comunidade verbal (Ignácio, 2002; Papalia & qual se comunicam as mensagens e se com-
Olds, 2000; Skinner, 1957). No desenvolvi- preendem os significados”.
mento linguístico oral, o balbucio amplia-se
para vocalização de palavras isoladas e ganha A sentença, enquanto unidade da língua,
notável complexidade quando a criança, aos integra as dimensões semântica, fonológica,
três a quatro anos, é capaz de agrupar palavras morfológica e sintática. Essa ideia contradiz
e verbalizar sentenças (Papalia & Olds, 2000). a concepção de que a sentença é uma mera
Na aprendizagem da linguagem escrita, tra- aglomeração de palavras (Dutra, 2003) e
çados amorfos avançam para escrita de letras enfatiza que a compreensão (semântica) de
e palavras durante a escolarização, atingindo unidades linguísticas mais amplas requer
o ápice com a produção de sentenças e textos que palavras estejam dispostas em dada
(Ignácio, 2002). Embora as modalidades e os ordem (sintaxe); assim, não basta juntar as
processos sejam distintos (Greenfield, 1972), palavras “menino”, “limão” e “rala” para
o pleno domínio da linguagem oral e escri- que haja compreensão da sentença, sendo
ta é evidenciado quando o falante se torna necessária a sintaxe correta “menino rala
capaz de produzir sentenças com sentido e limão”. As regras sintático-semânticas que
de acordo com as convenções linguísticas. organizam o enunciado são convenciona-
das pela comunidade verbal e arbitrárias, ou
Em alguns contextos, palavras isoladas difi- seja, não estabelecem qualquer correspon-
cilmente expressariam a totalidade do enun- dência física e direta com os eventos que as
ciado do falante (Ignácio, 2002; Neves, 1994; evocam (Catania, 1999).
Rescorla, 1989). Essa “totalidade do enun-
ciado” pode requerer que palavras sejam es- Para se estudar sentenças, uma dimensão
pecialmente arranjadas em uma sentença, de particularmente importante é a ordinalida-
modo a afetar a audiência e garantir a com- de. As relações de ordem entre as palavras
preensão da mensagem. Um exemplo dessa estão nas bases das relações e produtivida-
proposição é quando delimitamos a palavra de sintáticas. A Sintaxe, enquanto campo
“caso”. Essa palavra, se usada isoladamente, da Linguística, é responsável por investi-
pode aludir a múltiplos significados como gar, sistematizar e regulamentar as regras
“acontecimento”, “apreço”, “manifestação de ordem das palavras (nas sentenças) que
de doença” ou “conjugação do verbo casar”. foram convencionadas pela comunidade
O significado dependerá do contexto, da verbal (Catania, 1999; Neves, 1994).

28
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

Quando ocorre o desenvolvimento típico, abordados por diferentes mediações teóricas


crianças pré-escolares tendem a falar com que ora enfatizam as variáveis ambientais
uma organização que se aproxima bastante (as interações da criança com o contexto lin-
das exigências da comunidade verbal, pro- guístico e as contingências da comunidade
duzindo sentenças como “mamãe quero verbal), ora maturacionais (desenvolvimen-
água” e “menino chuta bola” (Bublitz, 2010); to do aparato fonoarticulatório e motor) ou
contudo, podem acontecer omissões ou dis- cognitivas (processo psicolinguístico). No
torções durante o desenvolvimento da lin- escopo da Psicologia, as pesquisas têm se
guagem oral, como “menino chuta __ bola dedicado majoritariamente à avaliação psi-
___ o pé direito”. Essa habilidade sintática cométrica e à identificação de níveis de cons-
favorece a aprendizagem da leitura e da es- ciência sintática (e mais geral, da consciência
crita e fica mais complexa quando a criança metalinguística). Nesse escopo, o objetivo do
inicia a alfabetização e começa a estruturar presente estudo é discorrer sobre a avaliação
sintaticamente as produções textuais (Mota da aprendizagem das sentenças e esboçar
et al., 2009; Rego, 1993). O contato com as aproximações entre os testes de fundamen-
regras formais da língua afeta também a tação cognitiva e os testes de aprendizagem
oralidade da criança e algumas convenções em experimentos comportamentais que en-
da escrita tendem a se estender para a fala volvem ordenar estímulos.
(Barrera & Maluf, 2003; Capovilla, Capovilla,
& Soares, 2004). Para alcançar esse objetivo, foram rastre-
adas produções científicas, em Português
Os conteúdos envolvendo sintaxe estão ou Inglês, que estavam disponíveis na in-
preconizados nos Parâmetros Curriculares ternet e de acesso gratuito. As principais
Nacionais e configuram alvos de ensino no bases de acesso foram Scielo (Scientific
Ensino Fundamental (EF) (Sebra & Dias, Eletronic Library Online), Catálogo de Teses
2011). No EF, esses conteúdos são inicial- e Dissertações da CAPES e Google Acadêmico
mente trabalhados de maneira indireta e e foram adotados os termos “consciência
com outros componentes curriculares, como sintática”, “sintaxe”, “relações ordinais”,
leitura e interpretação de texto (Catelão, “sequências”, “sentenças” e “avaliação”
2007), e se tornam mais frequentes e explí- (“syntactic awareness”, “syntax”, “ordinal
citos nos anos finais do EF, com a finalidade relations”, “sequences”, “sentences” e
de que o aluno seja capaz de refletir e ma- “evaluation” or “assessment” respectivamente
nejar deliberadamente as relações sintáticas em inglês). A busca ocorreu por meio de ex-
nas sentenças. pressões que combinavam dois termos, quais
sejam, “consciência sintática [E] avaliação”,
A aprendizagem e o desenvolvimento das “sintaxe [E] avaliação”, “relações ordinais
habilidades sintáticas, especialmente no que [E] avaliação”, “sequências [E] avaliação” e
tange à construção de sentenças, têm sido “sentenças [E] avaliação”.

29
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

As produções científicas foram seleciona- fonológica), os significados (consciência se-


das com base nos seguintes critérios: (1) mântica), o uso social da língua (consciência
formato de artigos (relato de pesquisa ou pragmática) e os aspectos sintáticos (cons-
estudo conceitual), capítulos de livros, teses ciência sintática).
e dissertações; (2) relacionadas às áreas
da Fonoaudiologia, Linguística, Educação, Dado o interesse desse estudo, o foco se dará
Psicologia e Análise do Comportamento (res- sobre os aspectos sintáticos. A consciên-
pectivamente, em inglês, Speech-Language cia sintática é definida como a capacidade
Pathology, Linguistic, Education, Psychology cognitiva de refletir sobre aspectos sintáticos
e Behavior Analysis) e; (3) publicadas entre da língua e o controle deliberado de sua
2000 a 2017. Em seguida, foram lidos todos aplicação (Correa, 2004; Mota et al., 2008).
os resumos das produções decorrentes da Essa consciência pode ser observada por meio
busca (n=70) e foram selecionados para a de ações intencionais de refletir e manejar
leitura na íntegra apenas as que versavam a flexões de palavras e verbos, julgamento da
avaliação da consciência sintática, da sinta- gramaticalidade (de sentenças e textos) e
xe, das relações ordinais, das sequências ou construção de sentenças orais e textuais. A
das sentenças (n=45). construção de sentenças sintaticamente cor-
retas, quer na fala ou na escrita, dependerá
do nível metalinguístico sintático alcançado
A Consciência Sintática pela criança, e prejuízos nesse desenvolvi-
mento podem derivar em imprecisões, omis-
Gombert (2003) descreve que crianças pe- sões e distorções da ordem das palavras na
quenas (a partir dos dois anos) apresen- sentença e na dificuldade em refletir e usar
tam a consciência epilinguística, que é uma elementos sintáticos (Mota et al., 2009).
consciência linguística inicial e não regulada
por processos cognitivos conscientes e in- Enquanto processo cognitivo metalinguísti-
tencionais. No período de transição entre o co, a consciência sintática contribui para a
estágio pré-operatório e operatório concreto, aprendizagem do ler e do escrever (Capovilla
o desenvolvimento do pensamento e o in- et al., 2004; Rego & Bryant, 1993). Embora
gresso no ambiente escolar possibilitam a não haja consenso na literatura sobre a in-
aquisição da consciência metalinguística, ou terferência da consciência sintática na aqui-
seja, a capacidade cognitiva de refletir sobre sição da leitura e da escrita (Bowey, 2005;
os usos da língua e da linguagem e manejar Correa, 2005), estudos apontam uma cor-
seus diferentes aspectos de forma intencio- relação positiva entre níveis de consciên-
nal e consciente (Garton & Pratt, 1989). A cia sintática e os desempenhos em leitura
consciência metalinguística pode ser cate- e escrita (Correa, 2005; Mota et al., 2009).
gorizada a partir de objetos linguísticos que Esses resultados, por vezes controversos,
são passíveis de reflexão cognitiva (Barrera & têm produzido pesquisas em três direções
Maluf, 2003): os sons da língua (consciência principais: 1) criação de instrumentos que

30
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

possam mensurar o nível cognitivo sintático específica, tendem a integrar componentes


e predizer desempenhos escolares futuros; semânticos (como as tarefas de julgamentos
2) elaboração de recursos e procedimentos de sentenças) que interferem na precisão da
de ensino para potencializar a consciência avaliação (Correa, 2004).
sintática; e 3) investigação sobre os pro-
cessos cognitivos subjacentes à consciência Diversos testes e tarefas foram formulados
sintática e suas relações com as habilidades para identificar e medir quanto e qual a ca-
verbais complexas, como a produção oral e pacidade cognitiva da criança em refletir e
escrita de sentenças. usar intencionalmente aspectos sintáticos
da língua: tarefa de julgamento de senten-
Pesquisas em Psicologia Cognitiva tem con- ças (Scholl & Ryan, 1975; Smith & Targer-
tribuído na identificação de processos cog- Flusberg, 1982), tarefas de correção sintática
nitivos e na validação de instrumentos que (Guimarães, 2003; Pratt, Tunmer, & Bowey,
podem, de alguma forma, mensurar o nível 1984; Rego & Buarque, 1997), tarefas de
de consciência sintática, especialmente de repetição (Gaux & Gombert, 1999; Ryan &
crianças nas diferentes etapas da escolari- Ledger, 1979), tarefas de localização (Gaux &
zação. A avaliação de consciência sintática Gombert, 1999; Smith-Lock & Rubin, 1993),
será abordada a seguir. tarefa de complementação (Rego & Bryant,
1993; Tunmer, Nesdale, & Wright, 1987),
tarefa de analogia sintática (Nunes, Bryant,
Avaliação da Consciência & Bindman, 1997) e tarefa de replicação

Sintática (Gaux & Gombert, 1999). No cenário nacio-


nal, Capovilla e Capovilla (2006) elaboraram
Um desafio que se coloca nas pesquisas em a Prova de Consciência Sintática (PCS) como
Psicologia é a mensuração do processo cogni- um instrumento para avaliar a consciência
tivo sintático e do uso deliberado da sintaxe, sintática de escolares do Ensino Fundamental,
principalmente em crianças (Correa, 2004). a qual contêm quatro subtestes: 1) julgamento
O acesso isolado à consciência sintática, por gramatical de 20 sentenças, 2) correção gra-
meio de testes e inventários, ainda requer matical de dez sentenças, 3) correção grama-
mais investigações sobre a reflexão inten- tical de frases agramaticais e assemânticas e
cional da sintaxe, visto que há uma provável 4) categorização de 15 palavras.
independência entre as múltiplas consciên-
cias metalinguísticas, embora admitem-nas Os testes de consciência sintática podem
como relacionadas (Correa, 2005; Mota et ser aplicados por meio de fantoches (Rego,
al., 2009). As dificuldades para isolar o fe- 1993) ou por tarefas orais (Capovilla et al.,
nômeno têm implicações metodológicas 2004), e compartilham algumas caracterís-
na avaliação da metalinguagem sintática, ticas: as instruções e os componentes das
visto que os testes de consciência sintá- tarefas são falados pelo avaliador e exigem
tica, embora primem por sua mensuração respostas orais do indivíduo (exceto a tarefa

31
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

de categorização de palavras); logo, deman- 2003; Pratt et al., 1984; Rego & Buarque,
dam também memória auditiva, pensamento 1997), tarefas de localização (Smith-Lock &
lógico e abstração. O presente estudo se- Rubin, 1993; Gaux & Gombert, 1999), tarefas
lecionou algumas tarefas relacionadas à de complementação (Rego & Bryant, 1993;
disposição (ordinalidade) das palavras na Tunmer et al., 1987) e tarefas de analogia
sentença e que são semelhantes às que com- sintática (Nunes et al., 1997). O Quadro 1
põem a PCS e outros testes de consciência ilustra essas tarefas de consciência sintática,
sintática1: tarefas de correção (Guimarães, e serão sucintamente descritas a seguir.

TAREFA DE ESTÍMULO
CONSCIÊNCIA FALADO PELO RESPOSTA DO
SINTÁTICA AVALIADOR AVALIADO

Futebol O menino
CORREÇÃO o joga joga
menino futebol

A sentença está
Come errada porque
LOCALIZAÇÃO maçã “menina” vem
menina antes de “come
maçã”

Mamãe Mamãe
COMPLEMENTAÇÃO “ ” “come”
bolo bolo

A
Mica come pão

B D
Mica come bolo Malu joga
vôlei
ANALOGIA
C Malu joga
futebol

Quadro 1. Quadro ilustrativo das tarefas envolvidas nos testes de consciência sintática.

1 Todos os exemplos apresentados ao longo do trabalho foram elaborados a partir da descrição das tarefas e dos exemplos
relatados na literatura e não constituem traduções ou réplicas dos testes originais.

32
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

Tarefa de correção

A tarefa de correção de sentenças consiste necessariamente na incapacidade dela em re-


em apresentar uma sentença ditada e, em fletir e manipular intencionalmente aspectos
seguida, solicitar que sejam corrigidos pos- sintáticos da língua (Green & Hecht, 1992;
síveis erros de organização sintática e/ou Sorace, 1985), visto que a descrição das regras
concordância verbal e nominal (vide Quadro sintáticas pode ser produto de aprendizagens
1). Na PCS, 50% das sentenças apresentam requeridas no ensino regular.
erros de ordenação das palavras, semelhan-
tes aos da sentença “Futebol o joga menino”.
Teste de complementação

Teste de localização O teste de complementação abrange um pro-


cessamento metalinguístico em nível semân-
O teste de localização apresenta sentenças tico e não permite mensurar, isoladamente,
ditadas com erros na ordem ou flexão mor- a consciência sintática (Correa, 2004). Nesta
fossintática e exigem que o avaliado localize tarefa, o avaliado deve dizer quais palavras que
o erro, verbalizando ou explicando porque o faltam nas sentenças ditadas (Rego & Bryant,
enunciado está incorreto (Gaux & Gombert, 1993; Tunmer et al., 1987). Um exemplo é
1999; Smith-Lock & Rubin,1993); p. ex., quando o avaliador fala as palavras “Mamãe”
se o avaliador fala a sentença “Come maçã seguida de “bolo” e a criança completa com
menina”, o avaliado deve identificar o erro de verbos, formando sentenças como “Mamãe
inversão de ordem das palavras e dizer que a come bolo”, “Mamãe cortará o bolo” ou
sentença está errada “porque ‘menina’ vem “Mamãe fez o bolo” (vide Quadro 1).
antes de ‘come maçã’” ou “porque menina é
sujeito da frase e por isso deve ser colocada
antes do verbo ‘come’ e do objeto ‘maçã’” Teste de analogia sintática
(vide Quadro 1).
O teste de analogia sintática (Nunes et al.,
Correa (2004) assinala alguns aspectos desse 1997) pode ser descrito pela seguinte rela-
teste que não estão diretamente relacionados ção: A está para B assim como C está para
à consciência sintática e comprometem a ava- D. Considere A como a sentença “Mica come
liação da consciência sintática. Uma questão pão” e B como “Mica come bolo”. Dada a sen-
é que a inversão de ordem pode provocar um tença C (“Malu joga futebol”), que mantêm
estranhamento e, em função do julgamen- a mesma estrutura sintática da sentença A, o
to semântico, o avaliado para aumentar as avaliado deve emitir uma sentença D (“Malu
chances de acerto na tarefa. Cabe ressaltar joga vôlei”). Esse teste avalia se a crian-
também que se a criança não formula verbal- ça demonstra a identificação e construção
mente as regras sintáticas, isso não implica de sentenças por meio da recombinação de

33
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

palavras que ocupam a mesma função sin- controle de estímulos por uma ou mais dessas
tática. A tarefa de analogia sintática impõe propriedades/dimensões (dos estímulos), de
ao avaliado, portanto, atentar para a rela- modo que o operante e o reforço ocorram
ção entre o primeiro par de sentenças e a somente se essas propriedades/dimensões
sua aplicação intencional ao segundo par. estiverem presentes (Catania, 1999). Nesse
Considerando que esse teste requer a capa- escopo, a topografia de controle de estímulos
cidade de raciocinar por analogia, não pode (TCE) refere-se às propriedades, relações e
ser considerado como uma medida exclusiva dimensões dos estímulos (ou entre os es-
da consciência sintática (Correa, 2004). tímulos) que controlam um determinado
responder (McIlvane & Dube, 1992).
Até o presente momento, foram apresentados
alguns aspectos relacionados à consciência A ordinalidade é uma relação de controle de
sintática e aos principais testes embasa- estímulos relevante para vários repertórios
dos na Psicologia Cognitiva. A seguir, serão comportamentais. Diversos procedimentos
apresentados alguns aspectos de avaliação e podem ensinar relações de ordem entre estí-
aprendizagem das sentenças pela perspec- mulos, como o encadeamento, a sobreposição,
tiva analítico-comportamental. ensino por matrizes e o constructed-response
matching to sample (CRMTS) (Almeida-Verdu,
de Souza, & Lopes Jr., 2006; Assis, Baptista &
Aprendizagem de sentenças Nunes, 2009; Goldstein, 1983; Golfeto, 2010;
Sigurdardottir, Green & Saunders, 1990; Dube
O modelo de seleção pelas consequências et al., 1991; Stromer & Mackay, 1993; Mackay,
descreve que a ocorrência do operante está 2013; Neves et al., 2018; Silva, Neves, & Almeida-
relacionada às consequências produzidas no Verdu, 2017). Condições de ensino arranjadas
meio, de modo que respostas consequenciadas por meio desses procedimentos podem derivar
por eventos reforçadores aumentam a proba- mais que as relações diretamente ensinadas e
bilidade de ocorrência (Skinner, 1969). Além produzir classes de estímulos ordinais (Green,
de aumentar a probabilidade de ocorrência Stromer, & Mackay, 1993).
do operante, os eventos reforçadores podem
favorecer que eventos antecedentes adquiram A proposta da formação de classes de estímu-
função sinalizadora e de controle discrimina- los ordinais expande o modelo das relações de
tivo em determinadas contingências (Sério, equivalência (Sidman & Tailby, 1982) e tem
Andery, Gioia, & Micheletto, 2002), em uma sido adotado no estudo das relações de ordem
relação definida como “controle de estímulos”. entre os estímulos. Green et al. (1993) propu-
seram que as relações ordinais são atestadas se,
Os estímulos são compostos por proprieda- por meio de testes comportamentais (Stevens,
des, dimensões ou componentes, tais como 1951), apresentarem as propriedades da assi-
tamanho, cor e textura. As contingências metria, da irreflexibilidade, da transitividade e
de reforço podem estabelecer relações de da conectividade. A assimetria é definida pela

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COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

unidirecionalidade das relações ordinais (se sobre produção e sequenciação de material


A1→A2, a relação reversível A2→A1 não é ver- verbal, de maneira específica (Ribeiro, Assis,
dadeira). A irreflexibilidade expressa relações & Emuno, 2005). Operantes intraverbais
de ordem que não podem ser reflexivas (A1 (como a contagem) e repertórios matemá-
não pode “vir antes” dele mesmo, logo A1→A1 ticos (Assis & Costa, 2004; Assis, Élleres,
é falsa). A propriedade transitiva das relações & Sampaio, 2006; Catania, 1999; Carmo
ordinais é expressa apenas para estímulos não & Prado, 2004; Lazar & Kotlarchyk, 1986;
adjacentes que compartilham um elemento Mackay, Kotlarchyk, & Stromer, 1997; Sella
em comum (dada à relação A1→A2 e A2→A3, & Bandini, 2012; Stromer & Mackay, 1990)
logo A1→A3). Por fim, a conectividade descreve envolvem respostas (ou de classe de res-
as relações entre todos os estímulos da sequ- postas) que ficam sob controle de relações
ência, sejam adjacentes ou não (se A1→A2→A3, ordinais. Sob algumas condições, compor-
nota relações A1→A2, A2→A3 e A1→A3). tamentos verbais que envolvem sintaxe,
como a produção de sentenças, podem ser
Em uma perspectiva analítico-comporta- descritos como autoclíticos (Skinner, 1957)
mental, a sintaxe é o estudo das relações que exigem a sequenciação de respostas em
de ordem (entre as palavras nas sentenças) ordem arbitrariamente convencionada.
que foram convencionadas pela comunidade
verbal (Catania, 1999; Skinner, 1957). Quando No escopo do presente estudo, produzir ou
ocorrem falhas no controle pela ordem, a construir sentenças (que serão usados como
efetividade do comportamento do falante e equivalentes nesse texto) consiste em res-
respectiva mediação das consequências pelo ponder ordenadamente a um conjunto de
ouvinte fica comprometida. Dificilmente o estímulos (Mackay & Brown, 1971; Sampaio,
aprendiz será reforçado no ambiente acadê- Assis, & Baptista, 2010). Em interações que
mico quando escrever “Casa menino cons- envolvem a fala, uma criança pode vocali-
truiu a” diante da respectiva figura. Mandos zar sequencialmente “Pedro”, seguido por
desorganizados, como “Copo do quero verde “descasca” e por “laranja” ao ver uma cena;
eu água”, tornarão menos provável que ao produzir essa sentença, o controle pode
o ouvinte traga água em um copo verde. ser pelo todo da cena ou por cada compo-
Tatos que violam as convenções sintáticas, nente (para aprofundar essa discussão, vide
como “Morango menino fazenda na come Skinner [1957] e Neves et al. [2018]). De
da Tabilu”, dificultarão que o ouvinte refor- modo análogo, tarefas de construção que
ce esse comportamento e entre em contato apresentam as palavras impressas “Pedro”,
com o evento não-verbal de que um “menino “laranja” e “descasca”, o aprendiz poderá
come morango na fazenda da Tabilu”. selecionar ordenadamente as palavras, sendo
primeiro a palavra “Pedro”, depois “descas-
O estudo comportamental da sintaxe está ca” e finalmente “laranja”. Em ambos os
relacionado à investigação de repertórios or- casos, o reforço é contingente ao responder
denados e formação de sequências (Carmo & na ordem convencionada e que produziu a
Prado, 2004), de modo geral, e aos estudos sentença sintaticamente correta.

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COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

Avaliação de Ordinalidade Sintática

A Análise do Comportamento tem especial são apresentadas por meio de softwares com-
interesse nos procedimentos de ensino e nos putacionais, fichas ou cartões impressos; (c)
processos de aprendizagem da construção a resposta requerida do aprendiz é a seleção
de sentenças e dos repertórios sintáticos. motora e ordenada dos estímulos para formar
A avaliação da sintaxe geralmente integra a sequência; e (d) não há feedback para acertos
a sequência de etapas dos estudos e ocorre ou erros. Considerando o objetivo do presente
antes (pré-testes) ou depois (pós-testes) do estudo, o Quadro 2 ilustra os testes de conec-
ensino. O presente trabalho visará os testes tividade e de sequenciação com sentenças,
após o ensino e que configuram medidas que serão descritos a seguir.
de aprendizagem.

A avaliação das relações ordinais se baseia na Teste de sequenciação


proposta de Green et al. (1993) e aplica testes
específicos para verificar as propriedades de O teste de sequenciação avalia o efeito do
ordem (irreflexibilidade, assimetria, transiti- ensino no estabelecimento das relações de
vidade e conectividade). Resultados positivos ordem entre os estímulos do treino e geral-
nesses testes, especialmente em transitividade mente consiste em um teste intermediário
ENSINO
e conectividade, demostram a emergência das dentro da sequência de etapas dos estudos
relações ordinais (Almeida-Verdu
EU → et al.,COMO
2006; → (Assis
PÃO et al., 2006). Esse teste apresenta si-
Assis & Costa, 2004); alguns testes adicionais multaneamente todos os estímulos do ensino
tem sido feitos, como o de sequenciação (Assis e a tarefa do participante é selecioná-los para
TESTE DE SEQUENCIAÇÃO
& Costa, 2004; Sampaio et al., 2010) e teste produzir a sequência que foi ensinada. Veja
de transferência de funções ordinais (Nunes o exemplo no Quadro 2, em que ao apren-
EU EU COMO EU COMO PÃO
& Assis, 2006). De modo geral, esses testes der as sequências sintáticas “Eu→como” e
(a) exibemPÃO
COMO estímulos visuais
COMO (como
PÃO figuras, “como→pão”,
PÃO uma tarefa apresenta todos
números, cores e palavras) e podem envolver os estímulos (“Eu”, “como” e “pão”) e o
EU
uma instrução ou prompt; (b) os estímulos aprendiz deve sequenciar “Eu→como→pão”.

ENSINO CLASSES ORDINAIS

1os TERMOS 2os TERMOS 3os TERMOS


EU → COMO → PÃO
EU COMO PÃO
ELE → PEGA → BOLO
ELE PEGA BOLO

Quadro 2 (Parte 1). Quadro ilustrativo das tarefas envolvidas nos testes das relações ordinais.
TESTE DE SEQUENCIAÇÃO

EU EU COMO EU COMO PÃO


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COMO PÃO COMO PÃO PÃO
ENSINO CLASSES ORDINAIS
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves

EU → EM →FOCO
COMO PÃO VOL. 8
1 TERMOS
os
2 TERMOS
os
3 TERMOS
os

EU COMO PÃO
ELE → PEGA → BOLO
ELE PEGA BOLO

TESTE DE SEQUENCIAÇÃO

EU EU COMO EU COMO PÃO

COMO PÃO COMO PÃO PÃO

EU

TESTE DE SEQUENCIAÇÃO

ELE ELE PEGA ELE PEGA BOLO

PEGA BOLO PEGA BOLO BOLO

ELE

TESTE DE CONECTIVIDADE INTERSEQUENCIAL

ELE ELE PEGA ELE PEGA PÃO

PEGA PÃO PEGA PÃO PÃO

ELE

Quadro 2 (Parte 2). Quadro ilustrativo das tarefas envolvidas nos testes das relações ordinais.

Teste de conectividade

O teste de conectividade visa averiguar se, a a conectividade intrasequencial, os estímu-


partir do ensino de dada sequência, o apren- los de uma mesma sequência devem ser or-
diz demonstra relações de ordem entre todos denados; p. ex., após ensinar a sequência
os estímulos da sequência. O teste apresenta numérica romana I→II→III, o aprendiz deve
estímulos adjacentes ou não, e o participante produzir as sequências I→II, II→III e I→III.
deve selecioná-los em ordem. O teste pode No teste de conectividade intersequencial
ser feito com estímulos de uma mesma se- (chamado também de teste de substitubili-
quência (intrasequencial) ou de distintas se- dade), estímulos de diferentes sequências são
quências (intersequencial). Quando se avalia apresentados e o aprendiz deve ordená-los

37
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

e substituir (caso preciso) um estímulo por As aproximações entre os testes cognitivos


outro que pertença à mesma classe ordi- e comportamentais podem ser traçadas se
nal/função ordinal; p. ex., após aprender a atentarmos ao controle de estímulos rele-
construir as sentenças “Eu→como→pão” e vante. Independente se envolve selecionar ou
“Ele→pega→bolo”, o aprendiz poderá sele- falar, o responder deve estar sob controle das
cionar palavras e construir a nova sentença relações de ordem estabelecidas entre os es-
“Ele→pega→pão”. tímulos. Na tarefa de construção de sentenças
com as palavras impressas “Eu”, “arroz” e
“como”, o aprendiz deve selecionar primeiro
Possíveis aproximações entre “Eu” depois “como” e por fim “arroz”. De
os testes comportamentais e de modo análogo, quando o avaliador dita as

consciência sintática mesmas palavras (“Eu”, “arroz” e “como”),


o avaliado deve organizá-las e produzir oral-
mente a sentença sintaticamente correta, de
Seria possível traçar aproximações entre os modo que o pronome “Eu” é vocalizado pri-
testes de consciência sintática e testes com- meiro, seguido do verbo “como” e ao final
portamentais de ordem entre estímulos? A o objeto “arroz”. Assim sendo, “aquilo que
aproximação entre esses testes deve ser cau- é relevante” nas tarefas cognitivas “corres-
telosa e considerar as diferenças teóricas, me- ponde” às relações de controle de estímulos
todológicas, de objetos sob os quais recaem as que são apresentadas nos testes de relações
mensurações e as exigências nos testes. ordinais. O Quadro 3 ilustra as tarefas cog-
nitivas e comportamentais com a senten-
Ressalta-se que os testes de consciência sin- ça “Mica come pão”; foi adotada a mesma
tática e os testes de relações ordinais são dis- sentença com uma finalidade didática de
tintos quanto às situações de aplicação, aos elucidar algumas aproximações.
estímulos envolvidos e aos tipos de respostas
requeridas. Enquanto os testes de relações
ordinais geralmente envolvem estímulos Teste cognitivo de correção e
visuais e respostas motoras do aprendiz, os teste comportamental de sequen-
testes de consciência sintática apresentam
ciação e de conectividade
estímulos ditados (falados pelo avaliador) e
exigem respostas vocais do avaliado; logo,
as modalidades de estímulos e de respostas A tarefa cognitiva de correção (Rego & Buarque,
são distintas. Em relação à tarefa, os testes 1997) se aproxima, dadas as devidas propor-
ordinais geralmente mantêm os estímulos ções, do teste comportamental de sequenciação
no campo visual do aprendiz – o que pode (Sampaio et al., 2010). Em ambos os testes, os
dar pistas para responder –, ao passo que os estímulos que compõem as sentenças/sequ-
estímulos auditivos das tarefas de consciên- ências são apresentados e a resposta é formar,
cia sintática não ficam presentes, requerendo por meio da seleção ou da fala, a sequência/
atenção e memória auditivas. sentença com os estímulos disponíveis.

38
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

PSICOLOGIA COGNITIVA ANÁLISE DE COMPORTAMENTO

ENSINO DE UMA SENTENÇA ENSINO DE DUAS SENTENÇAS

MICA → FAZ → PÃO


MICA → COME → PÃO
TICO → COME → BOLO

CORREÇÃO SEQUENCIAÇÃO CONECTIVIDADE

come Mica pão COME PÃO MICA COME PÃO MICA

Mica come pão MICA COME PÃO MICA COME PÃO

LOCALIZAÇÃO SEQUENCIAÇÃO CONECTIVIDADE

come Mica pão COME PÃO MICA COME PÃO MICA

Está errada
porque “Mica”
MICA COME PÃO MICA COME PÃO
vem 1º, depois
“come” e em
3º “pão”

COMPLEMENTAÇÃO SEQUENCIAÇÃO CONECTIVIDADE

Mica “ ” pão COME PÃO MICA COME PÃO MICA

Mica “come” pão MICA COME PÃO MICA COME PÃO

COMPLEMENTAÇÃO CONECTIVIDADE

Tico joga futebol A COME PÃO MICA

Tico joga vôlei B

Mica come bolo C MICA COME PÃO

Mica come pão D

Quadro 3. Quadro ilustrativo das aproximações entre os testes de consciência sintática e os testes de relações ordinais.

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COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

O teste de correção prevê que o avaliador comportamentais de sequenciação e conec-


fale as palavras que compõem a sentença tividade intersequencial. O fato do aprendiz
em uma ordem diferente da convencionada, selecionar ordenadamente os estímulos (de
e o avaliado deve reorganizar as palavras e uma mesma ou de diferentes sequências)
verbalizar a sentença sintaticamente corre- fornece indicativos que ele “sabe” qual dos
ta; veja no Quadro 3, em que ao ser falado estímulos “é o ‘primeiro’ e que depois vem
“come Mica pão”, o avaliado corrige e res- o ‘segundo’ e no final é o ‘terceiro’ elemento”,
ponde oralmente “Mica come pão”. O teste de modo próximo à situação do teste de lo-
comportamental de sequenciação apresenta calização (vide Quadro 3). É bem provável
uma tarefa semelhante, em que após o treino que se perguntássemos “Por que ordenou
de uma sequência, os estímulos são exibidos desta forma?”, o aprendiz verbalizaria que é
simultaneamente (Sampaio et al., 2010) e o porque um estímulo “vem antes” ou “depois
aprendiz tem que selecionar cada uma das de” outro estímulo, ou ainda é porque “o
palavras, na ordem convencionada, de modo sujeito é o primeiro depois vem o verbo e
a construir a sentença “Mica come pão” (vide depois o objeto”.
Quadro 3). O teste de correção também pode
estabelecer aproximações com o teste de co-
nectividade intersequencial quando os estí- O teste cognitivo de complemen-
mulos exibidos foram apresentados no ensino tação e teste comportamental de
de sequências distintas e a seleção é feita
conectividade
com base na posição ordinal dos estímulos;
no Quadro 3, se ensinadas “Mica→faz→pão”
e “Tico→come→bolo”, as palavras “Mica”, O teste comportamental de conectividade in-
“come” e “pão” podem compor a nova se- tersequencial pode apresentar proximidades
quência “Mica→come→pão”. com o teste cognitivo de complementação,
com ressalvas em relação ao controle con-
textual e semântico que o teste cognitivo
O teste cognitivo de localiza- apresenta. Considere o exemplo no Quadro
ção e teste comportamental de 3. No teste de complementação, apresen-

conectividade ta-se uma sentença ditada (como “Mica


___ pão”) e a pergunta “O que falta na
sentença?”. A tarefa do avaliado é completar
O teste de localização exige que o avaliado a lacuna com uma palavra que complete o
explique a razão do enunciado estar incor- significado (semântica) da sentença e que
reto (Gaux & Gombert, 1999) e pode de- atenda à função sintática correspondente.
mandar algumas aprendizagens escolares
de sintaxe. Essa competência também pode O ensino de diferentes sequências pode favo-
ser averiguada implicitamente (ou seja, por recer a formação de classes ordinais e o teste
observação direta e sem recorrer ao com- de conectividade intersequencial pode aferir se
portamento verbal), por meio dos testes estímulos que compõem uma mesma classe

40
COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

ordinal serão substituídos na construção de O teste cognitivo de analogia sin-


novas sequências. A “abstração” das relações tática e o teste comportamental
do tipo “se X e Y aparecem sempre na mesma po-
de conectividade
sição (da sequência), logo X e Y permutam a função
ordinal” estão nas bases da construção de sen-
tenças (como a de sujeito-verbo-objeto), de O teste de analogia sintática oferece modelos de
modo que a formação de classes ordinais pos- como o avaliado deve produzir a nova sentença,
sibilita que estímulos de mesma função ordinal por meio da comparação entre as estruturas
sejam permutados, derivando produtividade sentenciais (de A para B e de C para D), como
sintática. Considere o exemplo do Quadro 3: expresso no Quadro 3. Nesse teste, as sen-
se ensinadas a construir as sentenças “Mica tenças A e B têm a mesma estrutura sintática
faz pão” e “Tico come bolo” e formadas as e alteram alguns de seus elementos (sujeito,
classes ordinais dos primeiros (ou dos nomes, verbo ou objeto); de forma análoga, diante da
com “Mica” e “Tico”) dos segundos (ou dos sentença C, o avaliado deve produzir uma nova
verbos, com “faz” e “come”) e dos terceiros sentença D, mantendo alguns elementos da C
(ou dos objetos, com “pão” e “bolo”) elemen- e alterando os demais, com base na alteração
tos, provavelmente, o aprendiz será capaz de da sentença B em relação à A. Exemplificando:
construir as sentenças inéditas “Mica come a sentença A “Tico joga futebol” e B “Tico
pão” e “Tico faz bolo” permutando as palavras joga vôlei” mantêm o sujeito “Tico” e o verbo
com a função ordinal de segundo termo (ou “joga”, sendo alterado apenas os objetos (“fu-
classe ordinal “dos verbos”). tebol” para “vôlei”); ao apresentar a sentença C
“Mica come bolo”, o avaliado deve substituir o
A resposta no teste de complementação se objeto por outro elemento com mesma função
aproxima daquilo que se espera nos testes sintática e manter os demais componentes,
de conectividade intersequencial. Uma vez construindo sentenças como “Mica come pão”.
estabelecidas as classes de estímulos ordi-
nais, o aprendiz pode completar verbalmente Os testes de conectividade intersequencial
a sentença “Mica ___ pão” com elementos avaliam os mesmos componentes comporta-
da classe ordinal “dos segundos elementos da mentais que são exigidos no teste de analogia
sequência” ou classe dos verbos (que assume sintática, mas diferem em relação à apresen-
aqui status de função sintática), tais como tação da tarefa, à modalidade de resposta
“come”, “faz” e “corta”. Cabe a ressalva de e aos estímulos. Ao aprender as sentenças
que os testes comportamentais mantêm os “Mica faz pão” e “Tico come bolo”, o teste
estímulos visuais sempre disponíveis para de conectividade mostra que diante dos es-
o aprendiz, o que pode favorecer o desem- tímulos “Mica”, “come” e “pão” pode ser
penho e fornecer pistas discriminativas de formada a sentença “Mica come pão”. No
qual estímulo deve ser selecionado; diante da teste de analogia sintática, a produção da
frase “Mica ______ pão” e dos estímulos nova sentença envolve o controle das rela-
impressos “mata”, “come” e “lava”, possi- ções ordinais entre os estímulos da sentença
velmente o aprendiz selecionará “come”. e o controle pela relação de analogia.

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COMPORTAMENTO Anderson Jonas das Neves
EM FOCO VOL. 8

Conclusão

Ao estabelecer aproximações entre testes de tarefas, os quais podem ser considerados


abordagens diferentes, o presente estudo para a elaboração e o aprimoramento da
sugere que as medidas nos testes de consci- avaliação da consciência sintática.
ência sintática podem ser produzidas, dadas
as devidas proporções, também nos testes As possibilidades de aproximação não se
comportamentais de relações ordinais. Um esgotam no escopo do presente trabalho.
desdobramento importante é o de que os Futuros estudos devem analisar e investigar
testes de consciência sintática podem avaliar experimentalmente a extensão dessa aproxi-
a aprendizagem das sentenças (especifica- mação e mensurar objetivamente as relações
mente das relações de ordem entre pala- entre os testes de consciência sintática e os
vras), de modo preciso e consistente com testes comportamentais que envolvem ordem
princípios analítico-comportamentais, e de palavras, inclusive por meio da estatística.
fornecer subsídios para planejar o ensino Em um esforço de superar diferenças de na-
dessas habilidades. As investigações em tureza teórica, o presente estudo lança pos-
Análise do Comportamento, por sua vez, sibilidades de interlocução entre a Psicologia
também oferecem critérios operacionais Cognitiva e a Análise do Comportamento, com
sobre as relações de controle de estímulos vistas à produção de conhecimento integrado
e os componentes comportamentais dessas sobre os fenômenos linguísticos.

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47
Flávia Caroline Figel, Mariana Ducatti,
COMPORTAMENTO Sabrina R. Oliveira Fontanesi, Andréia Schmidt
EM FOCO VOL. 9

Gerontologia Comportamental: Flávia Caroline Figel1


flaviafigel@yahoo.com.br
Manejo Comportamental de Problemas Universidade de São Paulo (USP) e
Associados ao Envelhecimento Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
Sobre Comportamento, Cognição e
Ensino (INCT-ECCE)
Behavioral Gerontology: Behavioral Management
Mariana Ducatti
in Problems Associated with Aging
marianaducatti@hotmail.com
Universidade de São Paulo (USP) e
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
Sobre Comportamento, Cognição e
Ensino (INCT-ECCE)
Resumo
Sabrina R. Oliveira Fontanesi2
O crescente aumento do número de idosos na po-
sabrina.fontanesi@yahoo.com
pulação é um fenômeno relativamente recente nos
países em desenvolvimento e tem gerado a demanda Universidade de São Paulo (USP) e
por diferentes soluções para problemas relacionados Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
à saúde e ao bem-estar de idosos. O objetivo deste Sobre Comportamento, Cognição e
capítulo é apresentar um breve panorama de estudos Ensino (INCT-ECCE)
que têm sido desenvolvidos no campo da gerontolo-
Sabrina R. Oliveira Fontanesi
gia comportamental dirigidos a diferentes problemas
relacionados ao envelhecimento. Inicialmente, serão aschmidt@ffclrp.usp.br
apresentadas as contingências mais comumente as- Universidade de São Paulo (USP) e
sociadas a dificuldades comportamentais encontradas Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
em ambientes institucionais e estudos desenvolvidos Sobre Comportamento, Cognição e
para o manejo dessas dificuldades. Em seguida, serão Ensino (INCT-ECCE)
discutidas intervenções com familiares/cuidadores e
com idosos acometidos por transtornos neurocogni-
tivos (comprometimento cognitivo leve e demências)
e por afasias, duas condições frequentes na população
idosa. A gerontologia comportamental está em expan-
são, mas apresenta ainda uma série de desafios que
podem ser enfrentados por analistas do comporta-
mento interessados no desenvolvimento de estudos e
intervenções sobre o tema.

1  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado


PALAVRAS-CHAVE de São Paulo – FAPESP processo 2015/15458-8

Intervenções comportamentais; Instituições de longa 2  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado


permanência para idosos; Demência; Afasia; Idosos de São Paulo – FAPESP processo 2013/07004-1

48
Flávia Caroline Figel, Mariana Ducatti,
COMPORTAMENTO Sabrina R. Oliveira Fontanesi, Andréia Schmidt
EM FOCO VOL. 9

Abstract

The increasing number of elderly people in Next, we will discuss interventions with
the population is a relatively recent phe- family / caregivers and with elderly people
nomenon in developing countries and has affected by neurocognitive disorders (mild
generated the demand for different solu- cognitive impairment and dementias) and
tions to problems related to the health and by aphasias, two frequent conditions in the
well-being of the elderly. The aim of this elderly population. Behavioral gerontology
chapter is to present a brief overview of stu- is expanding, but it also presents a series
dies that have been developed in the field of of challenges that can be faced by behavior
behavioral gerontology directed to different analysts interested in developing studies
problems related to aging. Initially, we will and interventions on this topic.
present the contingencies most common-
ly associated with behavioral difficulties KEYWORDS
found in institutional settings and studies Behavioral interventions; Institutions for elderly;
developed to manage these difficulties. Ddementia; Aphasia; Elderly people

Gerontologia Comportamental:
uma breve introdução
O processo de envelhecimento não está re- aspectos relacionados à história de vida dos
lacionado apenas a aspectos biológicos, mas indivíduos, como seu estilo de vida, a quali-
também, a aspectos relativos à história de dade de seus relacionamentos sociais, suas
vida dos indivíduos e a aspectos culturais. condições econômicas, grau de escolarida-
Em termos biológicos, ao longo do envelhe- de, entre outros (WHO, 2015). Além disso,
cimento ocorre o declínio de funções mo- é preciso levar em consideração aspectos
toras, sensoriais e cognitivas, o que pode culturais, como políticas públicas relacio-
acarretar prejuízos em diversas áreas para nadas ao envelhecimento e seus problemas,
os idosos, como nos seus relacionamentos e a forma como a sociedade se comporta em
sociais e na manutenção de sua autonomia. relação ao envelhecimento e ao idoso. Todos
A extensão e os impactos desses prejuízos na esses processos concorrerão para um enve-
saúde geral e no bem-estar do idoso, porém, lhecimento mais ou menos saudável (Liu &
dependerão de predisposições orgânicas e de Su, 2017).

49
Flávia Caroline Figel, Mariana Ducatti,
COMPORTAMENTO Sabrina R. Oliveira Fontanesi, Andréia Schmidt
EM FOCO VOL. 9

Em 2010, existiam no Brasil 39 idosos para material, instrumental e emocional ofere-


cada grupo de 100 jovens (cerca de 19 mi- cidos formal ou informalmente durante um
lhões de pessoas), o que significa que 10,8% longo período de tempo (Camarano & Mello,
da população brasileira tinha 60 anos ou 2010). Culturalmente, as mulheres (e.g.,
mais. Projeta-se para 2020 um contingente filhas, netas ou sobrinhas) sempre foram as
de aproximadamente 30,9 milhões de pesso- principais responsáveis pelos cuidados aos
as com mais de 60 anos (14% da população) idosos física, financeira ou emocionalmente
e em 2040, estima-se 153 idosos para cada dependentes. O aumento do número de mu-
100 jovens (IBGE, 2013). Essa tendência de lheres no mercado de trabalho e a redução
envelhecimento da população é mundial: das estruturas familiares geraram, ao longo
estima-se que entre 2015 e 2050 haja um das últimas décadas, a redução da capacidade
aumento de 900 milhões para 2 bilhões de das famílias de oferecerem cuidado aos seus
idosos, fazendo com que a porcentagem de idosos (Camarano, Kanso, Mello, & Carvalho,
idosos passem de 12 para 22% da população 2010). Por um lado, essa mudança cultural
mundial (WHO, 2015). gerou o aumento da dificuldade de famílias
assumirem os cuidados com os idosos de
De acordo com Neri e Fortes-Burgos (2009) forma eficaz, proporcionando-lhes acesso
a manutenção da funcionalidade e do bem- aos cuidados de saúde necessários e a condi-
-estar psicológico dos indivíduos na velhi- ções que mantenham bons níveis de qualida-
ce envolve a ponderação de um conjunto de de de vida. Por outro, um número crescente
variáveis de risco de natureza biológica, so- de idosos necessita dos serviços oferecidos
cioeconômica e psicológica. Essas variáveis por instituições de longa permanência para
podem ser moderadas por recursos pessoais idosos (ILPI’s).
e sociais, de tal modo que, mesmo expostos
a fatores de risco, os idosos podem funcionar No Brasil, há cerca de 3.500 ILPI’s, abri-
bem, investir na própria saúde e na solução gando cerca de 100 mil pessoas (Camarano
de problemas cotidianos e ajudar a família & Kanso, 2010). Os fatores que mais contri-
e a comunidade. buem para a institucionalização são a idade
avançada (acima de 80 anos), a ausência
Para uma parcela da população idosa, porém, de companheiro(a), a baixa escolaridade e
os fatores de risco se impõem, gerando ne- a incapacidade funcional (Del Duca, Silva,
cessidades de cuidado formal ou informal. Thumé, Santos, & Hallal, 2012). Vários estu-
Cerca de dois milhões de idosos no Brasil dos têm apontado, no entanto, que apesar da
apresentam dificuldades graves para realizar necessidade crescente de ambientes institu-
atividades da vida diária (Miranda, Mendes, cionais para idosos, uma série de problemas
& Silva, 2016), apresentando níveis de de- estruturais relacionados à própria concepção
pendência que requerem cuidados frequentes desse tipo de instituição e à falta de profis-
e assistência contínua. Os cuidados de longa sionalização do seu funcionamento (Souza,
duração podem ser definidos como apoio Beneditti, Borges, Mazo, & Gonçalves, 2011)

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Flávia Caroline Figel, Mariana Ducatti,
COMPORTAMENTO Sabrina R. Oliveira Fontanesi, Andréia Schmidt
EM FOCO VOL. 9

tornam-na um ambiente de risco para os de forma a aumentar o bem-estar e a qua-


idosos. O isolamento, a inatividade, a falta de lidade de vida de idosos e seus cuidadores
estimulação cognitiva, a perda de autonomia (LeBlanc et al., 2011).
e de identidade, além da falta de perspectivas
para uma vida ativa e produtiva, fazem com O objetivo deste capítulo é apresentar um
que as instituições aumentem a vulnerabili- breve panorama de estudos que têm sido
dade do idoso a quadros depressivos, perda desenvolvidos no campo da gerontologia
de autonomia e agravamento de patologias comportamental dirigidos a diferentes pro-
já existentes (Jesus, Sena, Meira, Gonçalves, blemas relacionados ao envelhecimento.
& Alvarez, 2010; Nóbrega, Leal, Marques, & Inicialmente, serão apresentados estudos
Vieira, 2015; Souza et al., 2011). desenvolvidos em ambientes institucionais.
Em seguida, serão discutidas intervenções
O ambiente familiar, por sua vez, também com idosos acometidos por transtornos neu-
pode aumentar a vulnerabilidade de idosos rocognitivos e por afasias.
e de seus cuidadores ao estresse, perda de
qualidade de vida, piores condições de saúde
e aumento de incidência de doenças como Intervenções em ambientes
depressão e ansiedade (Santos-Orlandi et al., institucionais
2017). Todas essas condições merecem aten-
ção de múltiplos profissionais e programas, As ILPI’s são caracterizadas como instituições
assim como políticas de assistência à saúde. de caráter residencial, destinadas a domicílio
coletivo de pessoas com idade igual ou
Uma parte expressiva de problemas com- superior a 60 anos, com ou sem suporte
portamentais decorrentes dos processos de familiar, em condição de liberdade, dignidade
envelhecimento tem sido estudada por ana- e cidadania. As normas específicas para esses
listas do comportamento, tanto em termos tipos de instituições envolvem questões de
de pesquisa básica, quanto em termos de saúde, acessibilidade, segurança e recursos
aplicações clínicas e questões organizacio- humanos, com o objetivo de estabelecer
nais relacionadas aos ambientes institucio- padrões mínimos de funcionamento (Agência
nais (LeBlanc, Raetz, & Feliciano, 2011). O Nacional de Vigilância Sanitária, 2005).
termo “gerontologia comportamental” tem
sido utilizado para designar o estudo sobre Pesquisas sobre ILPI’s no Brasil mostram
a maneira pela qual eventos ambientais an- que, em geral, essas instituições cumprem as
tecedentes e consequentes interagem com normas sanitárias mínimas de funcionamen-
o organismo ao longo do processo de enve- to, e apresentam padrões de funcionamento
lhecimento para produzir comportamento bastante similares (Camarano et al., 2010). A
(Burgio & Burgio, 1986). De modo geral, é a queda da qualidade de vida dos idosos insti-
aplicação da análise do comportamento para tucionalizados, porém, não está relacionada
problemas decorrentes do envelhecimento, apenas ao número de profissionais atuantes

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Flávia Caroline Figel, Mariana Ducatti,
COMPORTAMENTO Sabrina R. Oliveira Fontanesi, Andréia Schmidt
EM FOCO VOL. 9

nas ILPI’s ou à estrutura física da instituição, independência e de privacidade dos idosos


mas principalmente à organização do am- (Gaugler, Leach, & Anderson, 2004). Pode-se
biente institucional e à qualificação desses tomar como exemplo o funcionamento geral
profissionais para manejar eventuais pro- de idosos com limitações físicas e sensoriais
blemas de comportamento. De modo geral, (Cohen-Mansfield & Werner, 1998), cujas
o ambiente nas instituições é compartilhado adaptações do ambiente institucional a essas
por vários residentes, que apresentam di- limitações devem proporcionar familiaridade
ferentes interesses, idades, graus de inde- e conforto no acesso a itens significativos,
pendência e dificuldades. A rotina dessas ou seja, a facilidade de acesso a prováveis
instituições já está estabelecida quando o reforçadores. Essas adaptações, além de levar
idoso chega, e é comumente inflexível, com em conta a rotina e a preferências dos idosos
pouca ou nenhuma possibilidade de mudan- (Cutler, Kane, Degenholtz, Miller, & Grant,
ça nos horários estabelecidos para banho e 2006), devem envolver o aumento da segu-
refeições, por exemplo. Há a presença de rança que, por sua vez, favorece a manutenção
cuidadores (enfermeiros, auxiliares de en- ou o aumento da independência dos idosos
fermagem, entre outros) que se revezam nos (Sloane et al., 1991). Adaptações físicas que
cuidados dos idosos todo o tempo e as visitas garantam a diminuição de quedas (Capezuti et
dos familiares são realizadas em horários al., 1998), por exemplo, permitirão que esses
específicos. Todos esses fatores podem con- idosos tenham maior autonomia na institui-
tribuir para diferentes problemas e queixas ção, com relação a andar sozinhos ou realizar
por parte dos residentes (Choi, Ransom, & as rotinas de higiene (e.g., o banho ou o des-
Wyllie, 2008). As queixas envolvem desde locamento dentro da instituição). É preciso
questões amplas, como a perda da indepen- considerar que as melhorias ambientais das
dência, da privacidade e o isolamento social, ILPI’s, tanto sociais como físicas, significam,
até queixas mais específicas sobre os colegas também, melhoria do ambiente de trabalho
de quarto, a necessidade de dividir o ba- dos cuidadores. Além disso, uma organização
nheiro e demais espaços, a rotina e regula- ambiental que favoreça interações positivas
mentos institucionais. Outros fatores, como e relacionamentos sociais entre os idosos e
a presença de idosos com comprometimento outros residentes e cuidadores, assim como
cognitivo, a morte dos residentes, a saída e a participação em atividades, está fortemente
troca de cuidadores e a ausência de ativida- correlacionada com baixos níveis de depres-
des também se constituem eventos aversivos são (Gaugler, et al., 2004).
para os idosos, fazendo com que ocorra o
aumento da frequência de queixas e de com- No entanto, quando o ambiente institucional
portamentos considerados problemáticos. das ILPI’s é pouco flexível e não é planejado
para favorecer a manutenção da autonomia
Várias pesquisas mostram que a forma dos residentes, é frequente a ocorrência de
como o ambiente institucional é organiza- alguns comportamentos problemáticos, que
do tem notável influência sobre o grau de podem ser descritos em termos de excessos e

52
Flávia Caroline Figel, Mariana Ducatti,
COMPORTAMENTO Sabrina R. Oliveira Fontanesi, Andréia Schmidt
EM FOCO VOL. 9

déficits comportamentais. Os excessos com- outras atividades de higiene sozinhos, o


portamentais acontecem quando a ocorrência tempo gasto com tais atividades costuma ser
do comportamento é o problema, enquanto maior, gerando contingências aversivas para
nos déficits a não ocorrência de determina- os cuidadores, que têm, por sua vez, dispo-
dos comportamentos é problemática (Allen nibilidade de tempo limitada para atender
& Burgio, 1999). Como excessos comporta- cada residente. Dessa forma, é comum que
mentais em idosos institucionalizados po- os cuidadores auxiliem os idosos para que o
de-se observar o comportamento de vagar tempo de execução das tarefas seja menor,
(frequente nos residentes com comprometi- reforçando, assim, um padrão de dependên-
mento cognitivo), agitação, comportamentos cia dos idosos em atividades de auto-cuidado
de fuga, além de comportamentos agressivos. (Allen & Burgio, 1999; Baltes, 1988, 1995). A
O comportamento de vagar, por exemplo, incontrolabilidade, comum nesses ambien-
pode ser intrinsecamente reforçador, uma tes, também pode causar uma diminuição do
vez que pode fornecer estimulação física em responder geral dos idosos. Ela ocorre a partir
um ambiente que, muitas vezes, restringe a do momento em que esses indivíduos devem
possibilidade de atividades físicas. A frequ- se submeter às normas da instituição, não
ência aumentada desse comportamento na conseguindo exercer controle sobre o horário
população com comprometimento cognitivo das refeições, banhos, horários de dormir e,
pode estar relacionada ao fato de que essas muitas vezes, nem das atividades que lhes
pessoas têm ainda mais dificuldades em são oferecidas (Langer & Rodin, 1976).
acessar outros reforçadores, em comparação
com idosos saudáveis (Cohen-Mansfield & Tendo em vista os excessos e déficits com-
Werner, 1998). Por outro lado, esse compor- portamentais frequentemente apresentados
tamento pode estar relacionado a dificul- por idosos institucionalizados, diversas in-
dades do idosos em encontrar os ambientes tervenções comportamentais podem ser uti-
em que precisa realizar uma tarefa (e.g., o lizadas a partir da análise de sua função dos
refeitório ou o banheiro) ou onde quer des- comportamentos considerados problemáti-
cansar (e.g., a sala de estar ou seu quarto). cos. No caso do excesso comportamental de
vagar, pode-se incluir dicas ambientais que
Os déficits comportamentais podem incluir funcionem como estímulos discriminativos
isolamento e dependência. O isolamento pode para atividades específicas (e.g., a figura de
ter a função de interromper ou evitar intera- um vaso sanitário na porta do banheiro, ou
ções aversivas com outros residentes ou com de talheres na porta do refeitório), além de
os cuidadores, e essa é uma das razões pelas atenção dos cuidadores contingente a com-
quais alguns idosos não participam das ati- portamentos alternativos. No caso de com-
vidades propostas pela instituição. A depen- portamento agitado e de situações de fuga,
dência pode ser reforçada pelos cuidadores, as intervenções ambientais, como a imple-
uma vez que, a partir do momento em que mentação de estímulos visuais, auditivos e
os idosos se vestem sozinhos ou realizam olfativos que simulem o lar ou o ambiente

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de moradia anterior dos idosos pode contri- 1995). Assim, em determinados casos a
buir para a diminuição de comportamentos dependência pode ser reforçadora para os
considerados problema. A implementação idosos, uma vez que eles não precisam entrar
desses estímulos pode aumentar as chances em contato com a aversividade de não con-
dos idosos permanecerem durante um tempo seguir realizar alguma tarefa. Para que sejam
maior nesses ambientes do que no restante resolvidas questões relativas à dependên-
da casa (Cohen-Mansfield & Werner, 1998), cia, é necessário buscar intervenções que
provavelmente em virtude desses ambientes desenvolvam o repertório de autonomia do
se tornarem mais reforçadores, o que di- idoso. Van Ort e Phillips (1995), por exem-
minuiria a probabilidade de comportamento plo, implementaram uma intervenção com
agitado ou de fugas. Contudo, em um am- a equipe de enfermagem de uma instituição
biente institucional a intervenção individu- com o objetivo de aumentar a autonomia
alizada seria possível? Essa é uma dificul- dos residentes no momento da alimenta-
dade comumente trazida por profissionais ção. As intervenções realizadas foram des-
que trabalham nessas instituições. Embora critas como ambientais e comportamentais,
seja possível e necessário realizar uma ma- sendo que as ambientais incluíram treinar
croanálise das contingências em vigor na a equipe para diminuir o barulho no am-
instituição, intervindo nesse aspecto, é de biente e posicionar os residentes à mesa e
suma importância analisar, também, cada a comida em frente a eles. As intervenções
caso individualmente. comportamentais diziam respeito a utilizar
dicas visuais e táteis, realizar instruções e
No caso de déficits comportamentais, como a modelar o comportamento de se alimentar
dependência, o arranjo de contingências am- com independência. Exemplos como esse
bientais das ILPI’s poderia auxiliar na ma- evidenciam a importância de serem reali-
nutenção de habilidades funcionais e suprir a zadas, concomitantemente, intervenções
necessidade de contato interpessoal (Allen & com os cuidadores, não apenas para que eles
Burgio, 1999). Entretanto, essas instituições não punam comportamentos de autonomia
são repletas de contingências ambientais que (e.g., impedir os idosos de se alimentarem
reforçam comportamentos de dependência sozinhos, para que o horário da refeição seja
(Baltes, 1988), uma vez que o ambiente é mais rápido), mas também para que refor-
pouco responsivo, é negligente ou espera cem as tentativas de independência.
incompetência, fornecendo auxílio mesmo
quando não é necessário (Baltes, 1995). A Em relação à incontrolabilidade dos am-
dependência deve ser vista, também, como bientes institucionais, a privação sensorial e
uma estratégia adaptativa empregada pelos ausência de controle sobre o ambiente pode
idosos como forma de lidar com o próprio exacerbar a ansiedade e a depressão, além
envelhecimento, em virtude de possíveis de induzir o desamparo aprendido (Langer &
limitações físicas que implicam em maior Rodin, 1976; Seligman & Beagley, 1975). Em
dificuldade para realizar as tarefas (Baltes, situações como essa é comum o aumento da

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prevalência de depressão entre idosos insti- intervenções baseadas em princípios compor-


tucionalizados, em comparação ao restante tamentais com essa população é minimizar a
da população (Brown, Lapane. & Luisi, 2002; deterioração causada pela doença (diminuindo
Friedhoff et al., 1992), o que pode ocorrer em o ritmo de progressão de sintomas de perda
função da perda de reforçadores e da alteração de memória) e melhorar o funcionamento
do valor reforçador de alguns estímulos. Uma dos indivíduos que vivem nessas condições,
intervenção realizada com relação à proble- assim como de seus familiares e cuidadores,
mática da incontrolabilidade diz respeito a melhorando habilidades de auto-cuidado e
oferecer um número maior de atividades e de independência (Buchanan, Christenson,
oportunidades de interação social, propician- Houlihan, & Ostrom, 2011).
do ao residente maior flexibilidade quanto à
escolha de com quem ele irá interagir, e em Toda intervenção com indivíduos com DA
qual contexto (Gaugler et al., 2004), possi- deve ser implementada a partir da análise
bilitando a exposição a situações de controle funcional dos comportamentos conside-
(Lieder, Goodman, & Huys, 2013). Medidas rados disfuncionais do ponto de vista dos
como essa podem ser suplementadas com idosos e/ou de seus familiares/cuidadores.
dicas visuais (como cadernos de memória, A análise funcional é uma ferramenta que
quadros de avisos, calendários, lembretes auxilia a identificação do comportamento e
escritos ou com figuras) que podem melho- dos estímulos antecedentes e consequen-
rar não apenas o engajamento social, mas tes à resposta (Leonardi, Borges, & Cassas,
também o controle de atividades diárias a 2012), levando à compreensão das relações
serem desempenhadas, especificando deter- de dependência entre esses eventos e o com-
minadas rotinas que o idoso – com ou sem portamento em questão.
demência - precisa executar, com instruções
mínimas (Bourgeois, 1990, 1993). Compreender a função de um comporta-
mento é entender “Por que nos compor-
tamentos de determinada forma?”, ou, no
Intervenções com idosos com caso da gerontologia comportamental “Por

transtornos neurocognitivos que aquele idoso com DA se recusa a tomar


banho e o outro idoso com DA tornou-se
A Demência de Alzheimer (DA) é um trans- agressivo com o avanço da doença?”. Se o
torno neurocognitivo caracterizado pelo de- comportamento está ocorrendo, é impor-
clínio progressivo das funções cognitivas e tante determinar os antecedentes que o
da capacidade de aprendizagem. Os idosos evocam ou favorecem sua ocorrência, bem
diagnosticados com DA costumam apresen- como os consequentes que concorrem para
tar alterações comportamentais (APA, 2014) sua manutenção (Matos, 1999).
e discurso incoerente, justificado pelos lapsos
de memória (Jackson, 2011). Apesar da DA e de Neste sentido, considere um idoso com DA
outras demências não terem cura, o objetivo de em estágio inicial que apresenta “falhas na

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memória”, mas mantém a condição física descrição do comportamento seja feita pelos
preservada. Considere também que este familiares ou cuidadores do idosos com DA.
idoso, por diferentes motivos, pouco se mo- Apesar do analista do comportamento ter o
vimenta em sua casa e passa a maior parte do domínio sobre os passos da análise funcio-
dia na sala de televisão. Por fim, imagine que nal, é importante que cuidadores de idosos
este idoso se comunica com gritos sempre com DA também compreendam o funciona-
que precisa de algo, desde o auxílio para ligar mento dos comportamentos operantes, para
a televisão até um pedido para ser levado ao que possam manipular estímulos ambientais
banheiro. Provavelmente a queixa da família e promover a alteração de comportamentos.
deste idoso é que o mesmo “grita muito”.
Diante deste quadro, é possível supor que o McCurry e Drossel (2011) propõem que cada
comportamento de gritar ocorra em função comportamento alvo seja anotado em uma
da necessidade de resolver um problema, folha de registro a fim de auxiliar os envolvi-
mas que só se mantenha ocorrendo porque dos com o idoso na compreensão do mesmo.
toda vez que o comportamento é emitido, Isto pode ser feito não só pelo analista do
gera consequências reforçadoras (positivas comportamento, mas pelo cuidador de idosos
ou negativas). que seja instruído para este fim. Assim, o
familiar/cuidador do idoso com DA deveria,
As intervenções sobre o comportamento alvo ao realizar o registro, responder as seguintes
necessitam da identificação do comporta- perguntas: “Onde e perto de quem o com-
mento (como ele ocorre e com que frequên- portamento ocorreu?”, “O que exatamente
cia), da descrição dos efeitos comportamen- ocorreu que precisa de mudança?” e “Qual a
tais, (o que ocorre depois que ele é emitido consequência imediata do comportamento?”.
e com que frequência essas consequências
sucedem o comportamento), da identificação Considerando novamente o exemplo ante-
dos estímulos antecedentes (qual a situação rior é possível supor que o seguinte registro
ambiental ou condicional anterior ao com- ocorra: o comportamento de gritar ocorre
portamento alvo ser emitido), da formulação quando o idoso está sozinho na sala ou em
de hipóteses dos possíveis efeitos gerados algum cômodo da casa; o comportamento
caso haja manipulação das variáveis, e da que necessita de mudança é o de gritar, uma
aplicação e acompanhamento da intervenção vez que o idoso ainda tem independência para
(Garrison-Diehn, Rummel, & Fisher, 2013). realizar as tarefas em que grita por ajuda; e
a consequência imediata do comportamento
Diferentemente do contexto clínico tradi- é o idoso receber o auxílio de que necessita.
cional, em que o cliente, juntamente com o Quando o cuidador do idoso identificar que o
terapeuta, identificarão o comportamento e comportamento dele de atender aos chama-
as variáveis que o antecedem e sucedem, a dos concorre para a manutenção do compor-
aplicação da análise funcional à gerontologia tamento de gritar, ele pode propor mudanças
comportamental exige, muitas vezes, que a ambientais que alterem o comportamento

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alvo: ao invés de fazer a tarefa pelo idoso, por direcionamento da atenção (Gitlin et al.,
exemplo, arranjar o ambiente de tal forma 2006) e aumento da socialização (Gentry &
que o controle da TV esteja à mão em um Fischer, 2007; Teten, Dagenais, & Friehe,
lugar determinado, ou que o caminho para o 2015) também têm sido estudadas por ana-
banheiro esteja bem sinalizado; além disso, listas do comportamento, com efeitos po-
o cuidador poderia dispor de condições para sitivos, tanto em ambientes residenciais,
que o idoso aprendesse onde o controle da TV quanto institucionais. Esses são apenas
permanece (e garantir que o controle sempre alguns exemplos de intervenções bem-su-
permaneça naquele lugar) e a iniciar o trajeto cedidas com idosos com DA e seus fami-
para o banheiro sempre que necessitasse. liares/cuidadores, mas ilustram um campo
de estudos em ampla expansão, com forte
O exemplo acima ilustra de forma simples potencial para ações socialmente relevantes.
como arranjos ambientais podem favorecer
não apenas a emissão de comportamen- Goyos, Rossi, Elias, Escobal e Chreguini
tos adaptativos em pacientes com DA, mas (2009) ressaltam que o processo de enve-
também o decréscimo de comportamentos lhecimento é usualmente explicado por al-
considerados desadaptativos pelas pessoas terações do sistema nervoso que aparente-
que com eles convivem. Vários autores têm mente não são sensíveis ao ambiente e isto
desenvolvido estudos sobre técnicas efetivas provavelmente faz com que analistas do
para diferentes tipos de problemas encon- comportamento não se dediquem ao traba-
trados frequentemente entre idosos com lho com pessoas com declínio cognitivo. Pelo
DA. Dificuldades relacionadas à memória e mesmo motivo, familiares de idosos com DA
a problemas em aprender novas informa- podem não procurar ajuda para alterar os
ções têm sido estudados por diversos au- comportamentos-problema desses idosos.
tores com o uso de técnicas como ajudas Os exemplos de intervenções acima cita-
externas de memória (Benigas & Bourgeois, dos mostram que a DA deve ser entendida
2016; Bourgeois, 1993), recuperação espa- como uma condição antecedente que pode
çada (Wu, Lin, Su, & Wu, 2014), aprendi- favorecer a ocorrência de alguns compor-
zagem sem erros (Choi & Twamley, 2013) tamentos disfuncionais para o idoso e seus
ou a combinação dessas e outras técnicas familiares, contudo, a DA não é uma condi-
(Kelly, Lawlor, Coen, Robertson, & Brennan, ção determinante: os comportamentos não
2017). Outros autores têm focalizado seus são mantidos pela demência, mas pelas suas
estudos nas alterações do repertório verbal consequências. Isso significa que ao invés de
de idosos com DA e em intervenções nos considerar que o idoso se comporta de deter-
estilos de comunicação de cuidadores desses minada forma porque tem DA (uma relação
idosos (Christenson, Buchanan, Houlihan, & causal) se considere que o idoso se comporta
Wanzek, 2011). Mudanças ambientais para o de determinada maneira devido à relação de
aumento da segurança de idosos (Chaudhury, dependência entre os eventos que antece-
& Cooke, 2014), melhora na orientação e dem e que sucedem seu comportamento.

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O desenvolvimento de intervenções efetivas condução, anômica e transcortical senso-


para os diferentes problemas que podem rial. As afasias podem trazer alterações na
surgir em função da deterioração de reper- comunicação, como trocas semânticas, fo-
tório comportamental, favorecida pela de- nológicas e fonéticas, omissões de fonemas,
mência, mostra que os esforços nessa área e/ou preposições, paráfrases e neologismos,
podem evoluir muito dentro da gerontologia perseveração e ecolalia, redução da fala e até
comportamental, com resultados efetivos na mesmo o mutismo (Damasio, 1992; Vieira,
melhora da qualidade de vida de idosos com Roazzi, Queiroga, Asfora, & Valença, 2011).
DA e de seus familiares e cuidadores.
Alguns estudos com indivíduos com afasia
têm sido conduzidos por analistas do com-
Intervenções em afasia portamento ao longo das últimas décadas,
ainda que em número reduzido. Sidman e
As principais alterações de saúde na popula- colaboradores (Leicester, Sidman, Stoddard,
ção de idosos acontecem após acidentes vas- & Mohr, 1971; Mohr & Sidman, 1975; Sidman,
culares cerebrais (AVC’s), que são, também, 1971; Sidman, Stoddard, Mohr, & Leicester,
uma das principais causas de dependência e 1971) realizaram um conjunto de estudos
mortalidade em idosos (Conterno, Barbosa, no início da década de 1970 com indivíduos
Rego, & da Silva Filho, 2016). Nos AVC’s es- com afasia, buscando descrever os déficits
pecíficos das artérias do hemisfério domi- nos repertórios verbais desses indivíduos em
nante (cerebral média ou carótida interna) termos de controle de estímulos. Os autores
ocorre o prejuízo das áreas relacionadas à propuseram que esses déficits deveriam ser
linguagem, acentuando dificuldades de co- descritos em termos de deterioração de re-
municação e gerando as chamadas afasias lações de controle entre as respostas verbais
(Pinto, Conrado, Barbosa, & Ruiz, 2009). e seus antecedentes e que os procedimentos
de recuperação desses repertórios deveriam
As afasias são perturbações na comunica- se basear no reestabelecimento dessas rela-
ção oral adquiridas após uma lesão cere- ções (e.g., o reestabelecimento de respostas
bral. Essas lesões acometem geralmente o orais diante de figuras – nomeação, ou de
hemisfério esquerdo, podendo atingir áreas estímulos auditivos - ecoicos).
motoras ou áreas associativas e de compre-
ensão. Quando a lesão afeta áreas motoras, Mais tarde, entendendo que a recuperação de
responsáveis pelas habilidades de ordenação repertórios verbais por indivíduos com afasia
dos movimentos da fala, ocorrem as chama- envolve a recuperação de redes de relações
das afasias não fluentes, que envolvem as condicionais, Cowley, Green e McMorrow
afasias globais, mistas, de Broca e transcor- (1992) realizaram um procedimento de
tical motora. Se a lesão atinge áreas asso- ensino de relações entre faces e seus cor-
ciativas as afasias são chamadas de fluentes, respondentes nomes ditados e escritos, por
que englobam as afasias de Wernicke, de meio de uma tarefa de emparelhamento ao

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modelo, para três homens com acometimen- mais graves, tenham apresentado um ganho
tos cerebrais e prejuízos em diferentes áreas maior no procedimento de ensino de subs-
anatômicas relacionadas à linguagem. Pós- tantivos em comparação com o ensino de
testes demonstraram a emergência de rela- verbos. Além disso, em ambos os procedi-
ções não diretamente ensinadas, indicando mentos houve emergência de nomeação, mas
a formação de classes de equivalência entre esta ocorreu mais rapidamente nos proce-
os estímulos, e dois participantes mostra- dimentos de ensino de substantivos do que
ram melhoras na nomeação de fotos, além de no procedimento de ensino de verbos.
relacionarem corretamente nomes escritos
às suas respectivas faces. Sigurdardottir e Todos esses estudos mostram que proce-
Sighvatsson (2006) realizaram uma inter- dimentos desenvolvidos por analistas do
venção com três idosos com afasia crônica, comportamento para diferentes populações
empregando procedimentos de ensino sem e dificuldades são aplicáveis a idosos que
erros (e.g., reforçamento diferencial, fading e passaram por agravos cerebrais e que apre-
imitação) para os desempenhos de nomeação sentam afasias. As dificuldades de comuni-
de pessoas ou objetos, construção de frases, cação decorrentes da afasia trazem prejuízos
sequenciação de estímulos, leitura e elabo- sociais importantes para os pacientes, daí a
ração espontânea. Todos os participantes importância do desenvolvimento de procedi-
apresentavam desempenhos muito pobres mentos para recuperação desses repertórios,
em todas as tarefas e apresentaram melhoras além do desenvolvimento de procedimentos
nos pós-testes dos desempenhos que foram de orientação para familiares e cuidadores
ensinados. Em posterior replicação dessa desses indivíduos.
intervenção, Sigurdardottir e Sighvatsson
(2011) trabalharam com outros quatro par- Em geral, as pessoas com afasia apresentam
ticipantes com afasia crônica, e encontraram esquiva de contato social, uma vez que as
resultados tão satisfatórios quanto os ante- interações com as pessoas tornam-se aver-
riores, com mudanças nos comportamentos sivas: por um lado, os indivíduos com afasia
vocais de três participantes. discriminam suas dificuldades, sentem-se
envergonhados por não conseguirem falar
Em outra série de estudos conduzidos com corretamente ou entender o que escutam,
indivíduos com afasia, Conroy, Sage e Ralph além de terem suas tentativas de emissão de
(2009a; 2009b; 2009c) comparam tipos de respostas verbais frequentemente punidas
terapias (com fading in e fading out de dicas) pelos interlocutores; por outro lado, os in-
para ensinar substantivos e verbos. Na terlocutores de pessoas com afasia sentem-se
maioria dos casos não foi possível observar desconfortáveis em sua presença (especial-
diferenças significativas entre as apren- mente porque não entendem o que a pessoa
dizagens de substantivos e verbos, e nem fala ou porque não sabem como reagir às
entre os tipos de terapias aplicadas, embora dificuldades do paciente), esquivando-se de
alguns dos participantes, os com alterações estabelecer interações verbais com eles ou

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Terapeuta: - Por quê?


tratando-os de forma infantilizada. A esquiva
social de pessoas com afasia pode ser obser- Acompanhante: - As pessoas acham que ele
vada, por exemplo, em um trecho de conversa não entende o que falam, uma das vizinhas
1
entre terapeuta e cliente : fala com ele gritando e fala espaçado, como
se ele fosse criança.
Terapeuta: - Sr. P., o senhor sai de casa para
fazer algo?
As situações de exclusão social pelas quais o
Sr. P.: - Não indivíduo afásico passa variam de acordo com
a extensão do dano, do repertório preservado,
Terapeuta: - Por quê?
da velocidade (ou da possibilidade) de reabi-
Sr. P.: - Eu _ fica aqui (aponta para a gar- litação, do grau de conhecimento do idoso e
ganta) _bobo né_ retard_retarda. dos seus familiares/cuidadores, do conheci-
mento do interlocutor e do ambiente em que
Essas situações podem gerar também um esse indivíduo se encontra. O comportamento
comportamento de infantilização por parte de esquiva social do indivíduo com afasia será
do ouvinte. Isso ocorre, em geral, pela falta modelado pelas consequências das intera-
de conhecimento da população sobre as ções com as pessoas com quem ele convive,
dificuldades de pessoas com afasia, e do pela maneira como essas pessoas reagem e se
desconhecimento sobre como ajudar idosos comportam em relação às sequelas da afasia
com dificuldades de comunicação decor- (Parr, 2007). A afasia, portanto, vai afetar
rentes da afasia. Muitas pessoas acreditam também os familiares e/ou acompanhantes
que, porque os idosos não emitem corre- que estão em contato com o afásico.
tamente a fala, por exemplo, também não
entendem o que lhes é dito. Essa situação Várias pessoas que apresentam afasia após
pode ser observada em uma interação entre um AVC passam a conviver mais com seus
terapeuta/cuidador. companheiros, filhos, cuidadores, ou passam
a viver em ILPIs. A maioria deles é cuidada
A conversa ocorreu com um acompanhante de pelo(a) companheiro(a), uma vez que, fre-
um adulto em mutismo (J.E., 45 anos, ex-re- quentemente, além do suporte para comu-
presentante farmacêutico – Fontanesi, 2017): nicação, o afásico também pode apresentar
alterações de locomoção. Outra parte terá
Terapeuta: - M., o Sr. J. sai ou se comunica
seus cuidados realizados por familiares,
com mais alguém?
como os filhos, ou cuidadores particulares,
Acompanhante - É difícil, ele às vezes sai aqui e os demais passam a depender dos cuidados
na área comum do prédio, porém ele evita. dispensados pelas instituições (Parr, 2007).

1  Os trechos de conversas apresentados neste tópico são excertos retirados da anamnese realizada com os participantes ou seus
cuidadores na pesquisa de doutorado da terceira autora (Fontanesi, 2017).

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Nessas circunstâncias, é fundamental a orien- tratá-la de acordo com sua idade cronológica,
tação das pessoas envolvidas com os indiví- lembrando que a alteração na comunicação
duos com afasia para a organização de um altera sua forma de falar e compreender, mas
ambiente que ofereça oportunidades de inte- não a transforma em outra pessoa ou em uma
rações verbais reforçadoras, e que os eventos criança. Não confundir falta de iniciativa e de
aversivos decorrentes das dificuldades sejam motivação para falar com “preguiça”; a falta
evitados ou reduzidos. Isso pode ser realiza- de iniciativa para falar pode ser decorrente de
do pelos familiares e cuidadores a partir de um ambiente que não favorece tais iniciati-
algumas orientações práticas. Um exemplo vas, por isso é necessário o arranjo adequado
desse tipo de organização foi desenvolvido em do ambiente comunicativo.
um estudo realizado por Michellini e Caldana
(2005) com familiares de pessoas com afasia, Arranjando o ambiente comunicativo: Toda a
a partir de discussões sobre as dificuldades comunicação deve ser facilitada por arranjos
de comunicação, conceituação das afasias, e simples no ambiente. Sempre que possível,
estratégias facilitadoras da comunicação. As evitar ambientes muito ruidosos durante a
autoras verificaram que, após 25 horas de par- comunicação, para que a pessoas com afasia
ticipação no grupo, as dificuldades de comu- possa estar atenta à atividade que está re-
nicação dos pacientes com afasia passaram a alizando. Posicionar-se sempre de frente
afetar menos negativamente a relação com os para a pessoa, facilitando que a pessoa com
familiares. Além disso, e o grupo forneceu aos afasia mantenha sua atenção para a fala de
participantes um canal de informação sobre o seu interlocutor.
quadro e apresentou manobras facilitadoras
de comunicação. Fornecendo os estímulos: No caso de difi-
culdades de compreensão de diálogos, utili-
As orientações trabalhadas no programa de zar sempre frases simples, diretas e curtas,
Michellini e Caldana (2005) foram organizadas suplementadas, se necessário, por recursos
em etapas para o manejo comportamental e como gestos ou objetos concretos. O mesmo é
envolvem desde orientações gerais, até arran- válido para dificuldades na expressão: nesses
jos ambientais específicos, descritos a seguir: casos fazer perguntas simples para que o in-
divíduo responda sim ou não, falando ou por
Orientações gerais: seguir sempre as orienta- meio de gestos. Utilizar, também, recursos
ções médicas e dos profissionais presentes no alternativos de comunicação, como fichas
processo de reabilitação. Sempre que possível, com desenhos, materiais escritos, álbum
durante as diversas atividades do dia a dia, de fotografias, computadores/tablets, entre
estimular a pessoa com afasia a realizar as outros. Apresentar um assunto de cada vez
ações de forma autônoma, mesmo que isto e não mudar rapidamente de tópico, o que
resulte em um tempo maior para execução da facilita a compreensão do afásico sobre o
tarefa. Não obrigá-la a participar de ativida- assunto da conversa. Falar devagar, mas com
des que não queira. Respeitar suas opiniões e naturalidade e sem elevar o tom da voz.

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Flávia Caroline Figel, Mariana Ducatti,
COMPORTAMENTO Sabrina R. Oliveira Fontanesi, Andréia Schmidt
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Utilizando reforçadores corretamente: em reabilitação se aprimorem e se aproximem


Demonstrar interesse em qualquer tentativa dos desempenhos anteriores ao dano cerebral.
de comunicação, ainda que essas tentativas
não ocorram por meio da fala (gestos, olhares
ou expressões faciais). Isso fortalecerá as ten- Considerações finais
tativas de comunicação, aumentando a proba-
bilidade de que a pessoa com afasia repita suas O breve panorama apresentado neste capítulo
tentativas e tente se aproximar cada vez mais mostra que o campo da gerontologia compor-
do seu desempenho anterior ao AVC. Evitar tamental é amplo e envolve tanto o trabalho
falar pela pessoa ou terminar suas frases; essas direto com idosos, como o trabalho com as
atitudes geralmente funcionam como punido- pessoas que convivem com eles (familiares e
res para as tentativas de comunicação da pessoa cuidadores). Além disso, o ambiente institu-
com afasia. Se não houver compreensão do que cional de ILPIs apresenta inúmeros desafios
a pessoa tentou dizer, incentivá-la a tentar ainda a serem enfrentados, especialmente no
novamente, sem necessariamente forçá-la a Brasil, em que o número dessas instituições
fazer. É importante deixar a pessoa falar, não é crescente e onde a demanda por profis-
interrompê-la e não interpretá-la de imedia- sionais capacitados será cada vez maior para
to; isso facilita a comunicação, evita estresse e a manutenção das condições de saúde e de
fortalece suas tentativas de comunicação. Ao qualidade de vida dos residentes. Para além
responder, ter paciência, respeitando o ritmo das possibilidades apresentadas nesse capí-
da pessoa, que poderá levar mais tempo em tulo, a pesquisa sobre os efeitos de transtor-
função de sua condição. Não insistir para que nos neurocognitivos sobre o comportamento
a pessoa pronuncie as palavras corretamente; simbólico de idosos ainda se encontra em fase
ao invés disso, oferecer o modelo adequado inicial, com um número reduzidos de estudos
(e.g., se a pessoa pedir água falando de forma publicados por analistas do comportamen-
incorreta ou incompleta, entregar a água e to (e.g., Camara, Ducatti, & Schmidt, 2017;
dizer “ muito bem, é água que você quer”). Ducatti & Schmidt, 2016; Steingrimsdottir &
Esse tipo de atitude reforçará a tentativa de Arntzen, 2014 a, b). Os efeitos ainda limita-
comunicação da pessoa com afasia, uma vez dos dos tratamentos farmacológicos sobre os
que ela é atendida em seu pedido, e oferece sintomas de declínio cognitivo de idosos com
um modelo que, ao longo do tempo, será re- demência aumentam a importância do desen-
ferência para as emissões corretas. Identificar volvimento de intervenções comportamentais
e evitar situações muito difíceis para a pessoa que possam atuar na manutenção de repertó-
com afasia, diminuindo a sua exposição a si- rios verbais, importantes para a manutenção
tuações em que eventos aversivos podem se de relacionamentos sociais e da autonomia.
seguir às tentativas de comunicação. Por outro Nesse cenário, analistas do comportamento
lado, ficar atento a todos os progressos e va- interessados na pesquisa e na intervenção
lorizá-los pode aumentar a frequência de ten- sobre os processos relacionados ao envelhe-
tativas de comunicação da pessoa com afasia, cimento encontram um campo extenso a ser
aumentando as chances de que os repertórios explorado, de inequívoca relevância social.

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COMPORTAMENTO Sabrina R. Oliveira Fontanesi, Andréia Schmidt
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COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

Transtornos de Conduta e Opositivo Cristina Belotto da Silva


Consultório particular
Desafiador: Conceitos, revisão de pes- -@gmail.com
quisas e intervenções

Conduct Disorder and Oppositional-Defiant


Disorder: Concepts, revision, and interventions

Resumo Abstract
Este artigo consiste na revisão de literatura dos A literature review about the diagnoses of Conduct
diagnósticos de Transtorno de Conduta e Transtorno Disorder and Oppositional Defiant Disorder was
Desafiador Opositivo, segundo a psiquiatria, e a iden- developed, regarding the psychiatric concepts, and
tificação de variáveis ambientais relacionadas à pre- the environmental variables related to anti-social
sença e manutenção de respostas antissociais infan- behaviors in children. Parental trainings analyzed in
tis. Foram levantados treinos parentais avaliados em researches were found in PubMed articles identified
pesquisas a partir de artigos selecionados no PubMed by the key words: Conduct Disorder, Oppositional
com as palavras de busca: Transtorno de Conduta, Defiant Disorder, anti-social behavior, and Parental
Transtorno Desafiador Opositivo, Comportamento training. Researches about interventions of parental
Antissocial e Treino Parental. Pesquisas de inter- training to anti-social behavior in children developed
venções de treinamento parental em casos de com- in Brazil were also found in brazilian universities
portamento antissocial infantil realizadas no Brasil, indexes, and PuBMed. The categories of parental
também foram levantadas a partir de banco de teses practices developed by Paula Gomide, and the
de universidades brasileiras e publicações identifica- understanding of anti-social behavior by the behavior
das no PubMed. Por fim, as categorias de práticas pa- analysis are described.
rentais desenvolvidas por Paula Gomide são apresen-
tadas, assim como a compreensão do comportamento
antissocial a partir da análise do comportamento.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Transtorno de Conduta; Transtorno Desafiador Conduct Disorder; Oppositional Defiant Disorder;


Opositivo; Comportamento antissocial; Treino Parental; Anti-social behavior Parental Training; Parental Practices
Práticas Parentais.

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COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

Comportamentos relacionados Já, um recorrente padrão de comportamento

ao diagnóstico de Transtorno desafiador, desobediente e com comporta-


mentos hostis frente a figuras de autori-
de Conduta e Transtorno dade, em crianças e adolescentes, pode ser
Desafiador Opositivo categorizado como Transtorno Desafiador
Opositivo. Para ser assim diagnosticado, este
Comportamentos agressivos e de oposição, padrão deve estar ocorrendo há pelo menos
como agressão a colegas, não aceitação de seis meses e apresentar pelo menos quatro
regras e pobre controle de impulsos, podem comportamentos entre os seguintes: perder a
ser identificados ainda na infância e são con- calma, discutir com adultos deliberadamente,
siderados importantes fatores de risco para recusar-se a obedecer uma ordem ou pedido
o desenvolvimento de comportamentos des- de adultos, comportar-se de forma a pertur-
viantes ao longo da vida, tais como abandono bar outras pessoas, acusar outros por seus
escolar, delinquência e uso de substâncias erros e ou mau comportamento, irritar-se e
psicoativas (Conduct Problems Prevention ressentir-se facilmente, e vingar-se de forma
Research Group, 1999; Kazdin, 1998; Moffit geral (American Psychiatric Association, 2000).
& Caspi, 2001).
Em ambos os diagnósticos, comportamentos
Quando há, em crianças ou adolescentes, que acarretam prejuízos aos demais estão
predominância regular e persistente de um presentes, como, a desobediência a regras, as
modo agressivo na interação afetando a so- ações vingativas e as falsas acusações, con-
cialização e resultando em graves prejuízos a dutas que estão relacionadas há um déficit de
demais pessoas, levanta-se a hipótese de um empatia nas relações sociais, e consequente-
Transtorno de Conduta (Marmorato, 2011). mente demonstram o déficit de moralidade.
Segundo a American Psychiatric Association
(2000), este transtorno é caracterizado por Diante do fato de que a capacidade para se
um padrão de comportamento persistente inserir em um grupo, de acordo com o código
no qual são violadas normas sociais e ou os de normas deste grupo, é importante, para
direitos básicos de outros. Esta categorização uma socialização considerada saudável (o
engloba quatro padrões de comportamen- que abrange adequação a limites e contextos
to principais: comportamentos agressivos para manifestação de agressividade, princí-
que produzem danos físicos em pessoas ou pios de respeito a semelhantes e adequação
animais, comportamentos que produzem à hierarquia observada) (Marmorato, 2011),
perdas ou danos em propriedades, roubos os padrões de comportamento agressivos e
ou mentiras e sérias violações a regras. Para desafiadores acabam resultando em inter-
receber este diagnóstico é necessário apre- ferências graves no funcionamento social e
sentar três ou mais desses comportamentos acadêmico da criança quando persistentes e
há pelo menos doze meses em diferentes e recorrentes. Tanto o TOD quanto o TC são
variados contextos. graves e, embora ambos sejam marcados

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COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

pela ausência de empatia pelos sentimentos Relação entre comportamento


alheios, são quadros distintos, que podem ou antissocial infantil e ambiente
não ocorrer conjuntamente. Enquanto no TC
existem comportamentos mais planejados,
familiar
com maior distância emocional, no TOD nem
sempre há ações com intenção de agredir, A correlação entre características do am-
mostrando-se um quadro mais próximo biente familiar com formas de comporta-
do impulsivo, no qual a criança reage, nem mento antissocial infantil, seguidos pelo
sempre ciente das consequências, o que o desenvolvimento de comportamentos in-
torna menos grave que o TC. fracionais em jovens, tem sido detectadas
em pesquisas desenvolvidas por grupos de
Pesquisas internacionais têm identificado que pesquisa consolidados para o tratamento
7% a 35% das crianças em idade escolar e pré- de Transtornos de Conduta e Desafiador
-escolar preenchem os critérios diagnósticos Opositivo (Patterson, Reid & Eddy, 2002;
para Transtorno de Conduta (Webster-Stratton Webster-Stratton, 1987), e também, foi iden-
& Lindsay, 1999; Campbell & Ewing, 1990). E tificada por pesquisadores nacionais (Gallo &
taxas mais altas do transtorno são encontradas Williams, 2005). Estes estudos apontam que
em famílias em que só há um dos pais presente famílias com padrões de disciplina inconsis-
(single-parent families) (Bloomquist & Schnell, tentes, vagos e punitivos, com relações nas
2002), com baixa renda (Attride-Stirling, quais há pouco envolvimento positivo com a
Davis, Day & Sclare, 2000; Kazdin & Wassel, criança e pouco acompanhamento e moni-
2000), com história parental de alguma psico- toramento do seu desenvolvimento, favore-
patologia (Alpern & Lyons-Ruth, 1993; Kazdin, cem o desenvolvimento de comportamentos
1995), uso de substância ou atividade criminal antissociais infantis. Segundo Marmoratto
por parte dos pais (Patterson, DeBaryshe & (2011), as alterações relacionadas à agressi-
Ramsey, 1989; Frick et al, 1991) e com proble- vidade no desenvolvimento da socialização
mas conjugais (Webster-Stratton & Herbert, de crianças e adolescentes diagnosticados
1994). A partir dos dados destas pesquisas, com Transtorno de Conduta são adquiridas
percebe-se que há diversos fatores associados de maneira funcional permitindo a interação
ao desenvolvimento desses transtornos: pouca e a relação com os demais e com o mundo,
presença parental ou de baixa qualidade afeti- o qual provavelmente se manifesta de forma
va, condições de vida mais precárias, históricos aversiva para as mesmas.
psicopatológicos em família, históricos de uso
de substancias ou atividade criminal familiar Alguns estudos têm corroborado a relação
- advindos das relações sociais. Dentre esses, entre estilos parentais e o comportamento
tem-se as variáveis do contexto familiar, em moral de crianças, como os que identifi-
especial a relação entre pais e filhos, que tem caram correlação positiva entre compor-
sido muito estudada e para a qual muitas in- tamento pró-social de crianças e: 1) prá-
tervenções têm sido desenvolvidas. ticas maternas de educação voltadas para

71
COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

o desenvolvimento da empatia (Eisenberg que sofrem destes transtornos. Estratégias


et al, 1993; Zahn-Waxler, Radke-Yarrow, que buscam beneficiar e ampliar o reper-
& King, 1979); 2) comportamento pró-so- tório das crianças que são acometidas por
cial da criança e estilo parental responsivo tais transtornos vem sendo desenvolvidas
(Jansens & Dekovic, 1997; Krevans & Gibbs, por grupos e centros de pesquisas,
1996); e 3) uso apropriado de reforçamento
positivo, habilidade para resolver problemas
de grupo, e a supervisão e monitoria dos pais Treinos parentais para cuidado
(Patterson, Reid & Dishion, 1992). de comportamentos antisso-
Dessa forma, determinadas práticas paren-
ciais infantis desenvolvidos em
tais como supervisão, estabelecimentos de centros pesquisa
limites, posicionamentos claros em relação
a regras e relacionamento estreito entre os Entre os vários treinos parentais desenvol-
membros da família podem reduzir a pos- vidos por diversos grupos de pesquisa estão:
sibilidade de engajamento de crianças em o programa Oregon Social Learning Center
comportamentos de risco (Weber & Gomide, (Centro de Aprendizagem Social de Oregon),
2004). Tendo em vista que o Transtorno de o Parent-Child Interaction Therapy (PCIT –
Conduta e o Transtorno Desafiador Opositivo Terapia Interacional entre Pais e Crianças),
têm como um de seus determinantes a re- o Incredible Years Training Series (IY - Anos
lação entre pais e filhos pouco adaptativa, Incríveis) e o Positive Parenting Program
uma estratégia considerada promissora com (Triple-P – Programa Parental Positivo).
crianças e suas famílias tem sido o treina-
mento de habilidades parentais, no qual se O modelo de Oregon tem como principais
costuma estimular e possibilitar novas formas bases a teoria do condicionamento operante
dos pais se relacionarem com seus filhos, de B.F. Skinner1 e as pesquisas de Patterson
reforçando comportamentos socialmente sobre a influência de práticas disciplinares
aceitáveis e desenvolvendo novas formas de inadequadas na agressividade infantil. Neste
solucionar problemas interpessoais (Eames programa, os pais costumam aprender como
et al, 2009), o que parece benéfico para a reforçar positivamente2 comportamentos
desenvolvimento do repertório das crianças que eles desejam que a frequência aumente

1  O paradigma do condicionamento operante de B.F. Skinner aponta que eventos antecedentes e subsequentes ao comporta-
mento podem aumentar ou diminuir a emissão de um comportamento. Assim, quando um comportamento inadequado é emitido
em determinado contexto e consequenciado com atenção ou qualquer outra consequência interessante para o sujeito, costuma
ocorrer um aumento da probabilidade deste mesmo comportamento ser emitido em uma situação semelhante futura. Neste caso,
a consequência acaba mantendo o comportamento em questão. E quando observa-se o aumento da frequência nestes casos,
podemos dizer que o comportamento foi reforçado por determinada consequência.

2  Reforçar positivamente é apresentar um evento subsequente ao comportamento que aumenta a frequência da emissão do
mesmo comportamento em situações semelhantes futuras.

72
COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

e como acidentalmente eles podem reforçar estabelecido em meta-análise (Thomaz &


comportamentos indesejáveis nas crianças Zimmer-Gembeck, 2007).
(Patterson, & Gillion, 1968), por meio da
oferta de atenção, ou ainda por reforçamen- O IY (Incredible Years) foi desenvolvido por C.
to negativo3. Neste modelo, costuma-se ter Webster-Stratton para crianças de dois a oito
atendimentos individuais de uma hora com os anos de idade que apresentam problemas de
pais de crianças de três a 12 anos de idade, o conduta, e inclui programas de treinamento
que geralmente apresenta variação de 10 a 17 de pais, professores e crianças. São utiliza-
sessões. Diversos ensaios clínicos randomi- dos: uma videoteca com aproximadamente
zados (aleatorizados) foram conduzidos com 200 vinhetas em vídeo de situações comuns
crianças de dois a 17 anos de idade nos quais enfrentadas, manuais que descrevem pro-
o programa de Oregon foi aplicado (Kazdin, cedimentos de cada sessão, roteiros para os
1997), e foi considerado como um tratamento condutores de grupo, material para lições de
bem estabelecido para comportamentos dis- casa e atividades práticas (Reid & Webster-
ruptivos em meta-análises (Brestan & Eyberg, Stratton, 2001; Webster-Stratton, Reid &
1998; Eyberg, Nelson & Boggs, 2008). Hammond, 2004). Estudos têm mostrado
bons resultados utilizando este programa,
Já o PCIT (Parent-Child Interaction Therapy), até em diferentes grupos étnicos inseridos
desenvolvido por S. Eyberg na década de na cultura americana (Gross et al, 2003; Reid,
1970, apresenta componentes das teorias Webster-Stratton & Beauchaine, 2001). Em
do desenvolvimento e do apego, integrando serviços de proteção a crianças negligenciadas
também os princípios do condicionamento ou que sofreram abuso observou-se melho-
operante. Um diferencial deste programa é o ra nas práticas parentais e na percepção dos
foco no uso de play therapy (terapia da brin- pais em relação aos comportamentos de seus
cadeira), no qual os pais e as crianças são filhos (Letarte, Normandeau & Allard, 2010).
colocados em determinados contextos para
interagir, junto a um supervisor que observa O Triple-P, desenvolvido por M. Sanders e
e orienta os pais no momento. Este progra- colegas da Universidade de Queensland na
ma foi também adaptado para ser aplicado Austrália, também é derivado de teorias de
em grupos (Niec, Hemme, Yopp & Brestan, desenvolvimento e de aprendizado social e
2005), em casa (Ware, McNeil, Masse & é dividido em 5 níveis de tratamento que
Stevens, 2008) e com professores em sala podem ser usados por famílias com diferentes
de aula (Filcheck, McNeil, Greco & Bernard, gravidades de disfunção. Busca-se melhorar
2004), e foi considerado um tratamento bem as habilidades parentais e fortalecer a crença

3  Reforçamento negativo é o processo no qual há um aumento na frequência do comportamento devido ao fato deste ser con-
sequenciado pela retirada de uma situação aversiva. Por exemplo: estudar para não ir mal na prova, para não levar bronca ou para
não ficar de castigo. Ou ainda brigar e agredir para não ser agredido por outros. Neste último caso, o brigar e agredir resultam na
retirada da situação aversiva, e suas frequências aumentam

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COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

de que os pais podem superar as dificulda- Outro programa, desenvolvido por Ormeño
des de manejo de problemas com crianças. e Williams (2006), focou a intervenção pre-
Como os estudos utilizando o Triple-P não coce de três crianças agressivas em idade
têm sido avaliados por dois investigadores pré-escolar a partir de trabalhos com as
independentes ou por diferentes grupos de crianças, mães e professoras. Entre os temas
pesquisa, para que se pudesse avaliar a ge- trabalhados estiveram: imposição de regras,
neralização do programa, ele foi considerado formas alternativas à agressão e resolução
apenas como um tratamento provavelmente de conflitos. Houve diminuição da frequência
eficaz em uma meta-análise conduzida por de comportamentos agressivos das crianças,
Thomaz e Zimmer-Gembeck (2007). mas observou-se que isto ocorreu em geral
no contexto terapêutico, sem ocorrer gene-
ralização para outros ambientes.
Intervenções familiares para
cuidado de comportamentos Com o foco em crianças diagnosticadas com
Transtorno Desafiador Opositivo, Serra-
antissociais infantis desenvolvi- Pinheiro, Guimarães e Serrano (2005) ava-
das no Brasil liaram a eficácia de um programa de treina-
mento de pais de cinco crianças para redução
No Brasil, ainda não foram desenvolvidos de sintomas tanto desafiadores e opositivos,
estudos com programas de treino parental como de problemas de conduta. O programa
com base teórica e prática bem estabelecidas de treinamento teve como base o protocolo
(Rios & Williams, 2008). Um estudo pioneiro de R. Barkley (Barkley, 1995), no qual são
na área é o de Santos e Williams (2006) no qual trabalhados em dez sessões semanais de duas
um programa sistemático de intervenção foi horas cada: o conhecimento dos pais em re-
elaborado e testado com três famílias com lação a suas próprias características e dos
histórico de agressão. A intervenção focada filhos, como aumentar e melhorar o tempo
em reduzir e, quando possível, eliminar dispensado à criança, técnicas de atenção,
comportamentos coercitivos dos pais durou sistema de fichas para aumentar obediên-
sete meses e buscou ensinar novos reper- cia (sistema em que fichas são entregues ao
tórios de comportamento para educar utili- sujeito quando este se comporta de deter-
zando discussões, aulas expositivas, vídeos, minada forma e que podem ser trocadas por
tarefas de casa, role-playings, feedbacks coisas interessantes para o sujeito) e utili-
e técnicas de relaxamento. Embora tenha zação de time-out (não consequenciação a
ocorrido alta desistência (duas famílias), comportamentos e retirada do ambiente).
a família que participou integralmente do Embora as crianças tenham continuado com
treinamento beneficiou-se com a elimi- o diagnóstico, houve uma redução significa-
nação de comportamentos agressivos por tiva na gravidade dos sintomas (p=0.031), e
parte de seus integrantes. redução no número de critérios diagnósticos

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COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

preenchidos pelos pacientes. No entanto, as dois grupos, sendo que em um grupo só


autoras apontaram a necessidade de escalas uma mãe permaneceu em treinamento, foi
validadas para o Brasil específicas para coleta possível observar também que a situação de
de dados destes diagnósticos, a necessidade intervenção individual demonstrou ser mais
de estudos com amostras maiores, com maior efetiva para a mudança no comportamento
tempo de observação e intervenção e com de- da mãe do que o treinamento em grupo.
senhos experimentais que permitam ensaios
clínicos comparativos para avaliar eficácia. Até o momento, estes estudos no Brasil uti-
lizaram amostras pequenas e propostas in-
Outro programa parental para famílias de dividualizadas na maioria dos casos. Embora
baixa renda visando maximizar práticas as propostas individualizadas possam ser
parentais positivas voltadas à prevenção do mais efetivas, intervenções a grupos que
desenvolvimento de problemas de compor- possam ser generalizadas em diferentes cen-
tamento em crianças de seis meses a três tros de saúde talvez sejam uma necessidade
anos de idade foi desenvolvido e avaliado na quando há índices elevados de um transtorno
pesquisa de Rios (2006). Cinco mães parti- comportamental que resulta em problemas
ciparam de 10 sessões semanais nas quais acadêmicos, abandono escolar, abuso e de-
foram trabalhados: desenvolvimento infan- pendência de substâncias, e comportamentos
til, habilidades de comunicação parental, agressivos e antissociais.
técnicas de disciplina adequadas, violência
doméstica, monitoria parental positiva e
comportamento moral. Utilizando entre- Práticas parentais associadas
vistas e escalas, pode-se concluir que as ao comportamentos moral e
participantes cuja frequência ao treino foi
maior do que 70% melhoraram seus índices
preventivas de comportamento
de satisfação e eficácia parental, diminuíram antissocial
o uso de técnicas de disciplina inadequadas e
aumentaram o número de interações positivas Ao investigar a relação entre determinadas
com os filhos. Foi possível fazer observações práticas parentais de relacionamento com
semanais da interação entre pais e filhos seus filhos e desenvolvimento ou inibição de
em dois dos cinco casos estudados, o que comportamento antissocial, Gomide (2006)
permitiu um delineamento de linha de base identificou sete categorias de práticas educa-
múltipla entre participantes, e a identificação tivas para avaliar o estilo parental; cinco delas
de que ocorreu um aumento da frequência de vinculadas ao desenvolvimento do comporta-
interações positivas entre mães e filhos após mento antissocial: negligência, abuso físico,
a intervenção, o que resultou em um maior disciplina relaxada, punição inconsistente
número de comportamentos adequados por e monitoria negativa, e duas relacionadas à
parte das crianças nas interações com suas promoção de comportamentos pró-sociais:
mães. Como o estudo foi conduzido com monitoria positiva e comportamento moral.

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COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

Esta proposta busca o desenvolvimento de foram reforçados (não foram seguidos por
estratégias preventivas, considerando que atenção ou por consequências importantes
possui ênfase no desenvolvimento da mora- para sobrevivência do indivíduo que possibi-
lidade, variável preventiva do comportamen- litassem a manutenção deste). Este conceito
to antissocial, bem como permite a detecção é diferente da ideia de que uma pessoa age
das práticas que favorecem a problemática de de forma adequada moralmente simples-
conduta, as quais devem ser evitadas. mente porque possui virtudes e é consciente
de seus semelhantes e de seus direitos, e
Com relação às práticas educativas positivas leva em conta a forma como pessoas que
segundo Gomide (2006), a monitoria positi- participaram do desenvolvimento da pessoa
va envolve o uso adequado da atenção e dis- consequenciaram seus comportamentos – o
tribuição de privilégios, utilizando regras de que dá espaço e importância para prestarmos
forma adequada, promovendo afeto de forma atenção às ações dos pais de crianças que
contínua e segura, e acompanhando e super- apresentam comportamentos antissociais.
visionando atividades escolares, afetivas e
de lazer da criança de forma agradável para Inicialmente, comportamentos relacionados
ambas as partes. Já o desenvolvimento do a valores, empatia, moral e ética são adqui-
comportamento moral implica em promo- ridos por meio de imitação de comporta-
ver condições favoráveis ao desenvolvimento mentos de outros, comumente dos pais, e
de virtudes como empatia, senso de justiça, podem ser intermitentemente reforçados por
responsabilidade, trabalho e generosidade, sorrisos, toques, atenção, elogios, imitações
as quais são apresentadas como não com- recíprocas de pessoas em torno da criança.
patíveis com condutas antissociais. Ao longo do desenvolvimento da criança,
as imitações passam a ser emitidas após
De acordo com pesquisadores da análise do os modelos, depois um certo tempo após o
comportamento (Skinner 1974; Silva, 2003; modelo, ou ainda na ausência dos modelos,
Weber & Gomide, 2004, Gewirtz & Peláez- podendo envolver formas mais elaboradas
Nogueras, 1992), o comportamento moral e de interação social (Weber & Gomide, 2004).
ético é produto de contingências ambientais,
produzidos e mantidos pelas consequências Considerando especificamente o desenvol-
resultantes destes comportamentos. Ou seja, vimento do comportamento moral, costu-
uma pessoa que apresenta condutas consi- mam ser mais efetivas práticas educativas
deradas moralmente adequadas em nossa que induzem à reflexão, como a aprendi-
sociedade age desta forma porque ao longo zagem a partir de contingências saudáveis
de sua vida houve ambiente para desen- junto à identificação das consequências
volver estes comportamentos e eles foram das ações que produzimos, do que prá-
reforçados por consequências tanto sociais ticas punitivas, como simplesmente re-
quanto intrínsecas, enquanto que os atos tirar coisas importantes para criança sem
considerados inadequados moralmente não explicar porque, quando ela se comporta

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COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

inadequadamente. Weber e Gomide (2004) como se sentem e não com o que a criança
apresentam o seguinte exemplo (pag. 277): fez. Dessa forma, a criança não aprende que
O pai que leva o filho a imaginar como se certas coisas não podem ser feitas, e fica
sentiria caso estivesse no lugar da pessoa apenas sob controle do humor dos pais, ge-
prejudicada por ele desenvolveria uma res- rando situações de incontrolabilidade (não
posta empática que seria emitida em situa- saber quando será punido ou não – o que
ções diversas, enquanto um pai que pune o resulta em ansiedade, medo e prostração),
dano causado pelo filho sem que um diálogo ou ainda de aprendizado apenas com relação
seja estabelecido para que ambas as partes se a identificação do estado emocional dos pais
expressem não pode esperar a generalização e não aprendizado de determinados valo-
do comportamento adequado para outras si- res. E por fim, a monitoria negativa inclui
tuações. O esperado neste caso seria o com- instruções excessivas independentemente
portamento opositivo, a mágoa, a mentira, a do cumprimento das mesmas, gerando um
omissão e outras consequências que podem ambiento hostil.
levar a uma convivência infeliz.
Com intuito de detectar as práticas parentais
Com relação às práticas educativas negativas, vigentes e a sua frequência, foi desenvol-
Gomide (2006) categoriza como importan- vido o Inventário de Estilos Parentais (IEP,
tes variáveis relacionais a negligência, abuso Gomide, 2006), o qual contempla as práticas
físico, disciplina relaxada, punição inconsis- apresentadas Para isto, contem 42 questões,
tente e monitoria negativa. Pais que agem de e cada uma das sete práticas educativas
forma negligente são aqueles não responsivos do modelo é investigada por meio de seis
às necessidades básicas da criança, e limita- questões espaçadas ao longo do inventá-
dos quanto à competência de se relacionar rio. Este instrumento foi avaliado quanto a
de forma saudável com seus filhos. O abuso sua validade interna, constructo e validade
físico muitas vezes é caracterizado por atos externa (Gomide, 2007), e tem sido utili-
que procuram disciplinar por meio de práti- zado em algumas pesquisas nacionais que
cas corporais negativas, ameaças e chanta- investigaram e interviram na relação entre
gens envolvendo abandono e humilhação da comportamentos parentais e comportamen-
criança, e acaba produzindo pouca disciplina. tos infantis (Carvalho, 2003; Pinheiro, 2003;
A disciplina relaxada caracteriza-se pelo não Weber, 2004; Gomide, Pinheiro, Sabbag,
cumprimento de regras previamente expos- Salvo, 2005; Berri, 2004).
tas. A criança recebe ameaças, e a experi-
ência mostra que elas não se concretizam, Considerando que os diagnósticos de
o que resulta em um não cumprimento das Transtorno de Conduta e Transtorno Desafiado
regras por parte da criança e não aprendiza- Opositivo estão relacionados a ações que trazem
do do porque cumprir acordos com os pais. prejuízos aos demais e a própria criança, e
Já a punição inconsistente é quando os pais identificando-se que a ausência de empatia é
punem ou reforçam a criança de acordo com um dos fatores que possibilita a manutenção

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COMPORTAMENTO Cristina Belotto da Silva
EM FOCO VOL. 9

destes quadros, a proposta de Gomide é aqui realização de pesquisas que investiguem os


sugerida para detecção da práticas parentais estilos e práticas educativas de pais de crianças
associadas e preventivas do comportamento com diagnósticos específicos de Transtorno de
antissocial, o que pode facilitar a organiza- Conduta e Transtorno Desafiador-Opositivo
ção de uma intervenção que visa desenvolver na população brasileira, até para identificar
empatia e moralidade no repertório parental e que categorias de estilos parentais precisam
infantil e evitar estratégias coercitivas. Neste ser mais desenvolvidas em determinados pro-
sentido, uma possibilidade inovadora seria a tocolos de treinamento parental nestes casos.

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82
COMPORTAMENTO Paulo César Morales Mayer, Marcus Bentes de Carvalho Neto
EM FOCO VOL. 9

Controle Aversivo do Comportamento: Paulo César Morales Mayer


Universidade CEUMA - Imperatriz
Do Laboratório ao Cotidiano paulocmayer@gmail.com

Marcus Bentes de Carvalho Neto


Aversive Control of Behavior: From the UFPA
marcusbentesufpa@gmail.com
Laboratory Setting to the Everyday Life

Resumo Abstract
O controle aversivo é tradicionalmente definido pelas Aversive Control is traditionally defined by the
contingências de reforçamento negativo (fuga e es- contingencies of negative reinforcement (escape and
quiva) e de punição (positiva e negativa), podendo se avoidance) and punishment (positive and negative),
estender, também, para relações comportamentais in some texts, it is extended to behavioral relations
que envolvem o contato do organismo com eventos involving non-contingent contact of the organism
aversivos de modo não contingente (e.g. supressão with aversive events (e.g. conditioned suppression
condicionada e desamparo aprendido). Trata-se de and learned helplessness). The theme is broad and
um tema abrangente e fundamental para a formação fundamental for anyone interested in becoming a
de qualquer analista do comportamento. Contudo, behavior analyst, however, different authors indicate
diferentes autores destacam a queda no número de a decrease in behavioral studies on the subject,
estudos comportamentais sobre o tema desde o final since the end of the 1970’s decade. The purpose
da década de 1970. O objetivo do presente capítulo of this chapter is to highlight the relevance and to
é destacar a relevância e tentar incentivar o estudo encourage the study of the aversive control. First,
do controle aversivo. Para tanto, discorre-se sobre a we discuss the relevance of experimental studies for
importância dos estudos experimentais para a com- the comprehension of different phenomena such as
preensão de diferentes transtornos psicológicos e o stress and depression and for the development of
desenvolvimento de tratamentos e fármacos; apre- treatment and drugs; then we present an analysis
senta-se uma análise de como o estudo do compor- of how the study of the aversive control provides us
tamento aversivo permite discutir fenômenos sociais some perspectives on complex social phenomena
complexos como violência e cooperação; e por fim, são such as the urban violence and cooperation; and
descritas algumas questões conceituais relevantes. finally we present some relevant conceptual issues.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Controle aversivo; Punição; Reforçamento negativo; Aversive control; Punishment; Negative reinforcement;
Violência; Violence.

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COMPORTAMENTO Paulo César Morales Mayer, Marcus Bentes de Carvalho Neto
EM FOCO VOL. 9

Na literatura comportamental o controle teste de hipóteses teóricas sobre processos


aversivo é caracterizado a partir das contin- comportamentais, fisiologia (hormônios e
gências de punição (positiva e negativa) e de neurotransmissores) e vias neurais (sero-
reforço negativo (fuga e esquiva), podendo toninérgicas e gabaérgicas). Para além da
também abranger os fenômenos de supres- pesquisa básica, fenômenos sociais como
são condicionada e da agressão induzida por violência, coesão social e suicídio, também
estímulos, quando envolvem eventos que são exemplos de questões que são estudadas
comumente funcionam como aversivos nas dentro da temática do controle aversivo.
contingências de punição e de reforço nega-
tivo (Hineline, 1984)1. Apesar desta ser uma O objetivo do presente ensaio é explicitar a
definição bastante consensual entre analistas abrangência e a complexidade do controle
do comportamento, o controle aversivo é um aversivo, apresentando algumas dimensões
complexo e controverso campo de estudo. menos usuais do tema. Para tanto, serão
As controvérsias envolvem questões teóri- apresentadas: a) exemplos de modelos ex-
cas em relação às delimitações dos conceitos perimentais de ansiedade e depressão e da
empregados tradicionalmente, quais seriam relevância das contingências aversivas para o
afinal os estímulos e as relações compor- teste de novas drogas; b) descrição de como
tamentais envolvidas, diferentes perspecti- o controle aversivo pode auxiliar na com-
vas em relação aos seus efeitos primários e preensão de fenômenos sociais complexos,
secundários, aspectos éticos que envolvem como violência e cooperação e c) algumas
tanto o seu estudo quanto a possibilidade de das controvérsias conceituais atuais do tema.
sua utilização em contextos aplicados, entre
outras (Gongora, Mayer, & Mota, 2009).
Pesquisa básica: Ansiedade,
Apesar das controvérsias envolvidas no con- depressão e teste de fármacos
trole aversivo, os métodos e conceitos deri-
vados desse campo de estudo permitem aná- Apesar de tradicionalmente caracterizado
lises experimentais de diversos fenômenos, pelas contingências de punição e de re-
dentre eles: medo, depressão, ansiedade, forçamento negativo (respostas de fuga e
estresse, estresse pós-traumático, conflito, esquiva), um dos parâmetros do controle
abuso de drogas e impulsividade. O estudo aversivo frequentemente apontado como
do controle aversivo é relevante, também, determinante de transtornos como depres-
para o desenvolvimento e teste de fármacos são e ansiedade, é a incontrolabilidade em
como antidepressivos, ansiolíticos, analgé- relação ao evento aversivo. Relação essa que
sicos e antipsicóticos. Outra contribuição dos se estabelece independente das respostas
experimentos sobre o controle aversivo é o que o organismo emite.

1  Ao leitor interessado em uma apresentação didática e detalhada das operações comportamentais que envolvem o controle
aversivo, recomenda-se a leitura de Mazzo e Gongora (2007).

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COMPORTAMENTO Paulo César Morales Mayer, Marcus Bentes de Carvalho Neto
EM FOCO VOL. 9

Em um estudo pioneiro sobre ansiedade, Catania (1998/1999) descreve que crianças


Estes e Skinner (1941) treinaram ratos pri- quando internadas em hospitais, estão sujei-
vados de alimento a pressionarem uma ala- tas a procedimentos, muitas vezes, doloro-
vanca tendo a comida como consequência. sos em intervalos irregulares e imprevisíveis
Uma vez estabelecido este comportamento, (além de incontroláveis), com isso, qualquer
os ratos eram expostos a um período em que estímulo pode evocar respondentes relacio-
um estímulo sonoro ficava em vigor. Ao final nados à ansiedade. Baseado no experimento
deste período, o estímulo era desligado e os de Estes e Skinner (1941), uma sugestão de
ratos recebiam um choque através do piso Catania para que a criança ficasse “menos
da caixa experimental. Após alguns parea- ansiosa” seria a utilização de uma luz na
mentos, toda vez que o estímulo sonoro era sala na qual a criança está internada e que
acionado o rato permanecia sem pressionar a esta fosse acesa pouco tempo antes dos pro-
barra, embora o pressionar a barra produzisse cedimentos, restringindo a “ansiedade” a
alimento e nenhuma resposta poderia evitar momentos mais curtos e previsíveis.
o choque ou produzi-lo. Tal experimento é
análogo às situações nas quais não conse- Um segundo modelo experimental que
guimos nos concentrar ou executar adequa- exemplifica a importância de estudos sobre
damente nossas atividades diárias quando controle aversivo é o denominado Estresse
cientes (sob controle de estímulos aversivos Crônico Moderado (mais conhecido como
condicionais) que teremos de enfrentar uma CMS, da sigla em inglês para Chronic Mild
situação aversiva inevitável em um momen- Stress, Willner, et al., 1987). O estresse é um
to determinado (e.g. uma prova difícil, uma conceito bastante genérico e impreciso, o que
cirurgia, uma reunião de negócios impor- dificulta o estudo específico de seus efeitos.
tante). Nesse caso o experimento conseguiu Nesse modelo, ratos são expostos diaria-
reproduzir parâmetros mínimos necessários mente, por um período de ao menos cinco
para compreender variáveis determinantes semanas, a diferentes estressores moderados
deste fenômeno, exposição incontrolável e no biotério, tais como: não higienização da
inevitável a um evento aversivo, o qual é gaiola viveiro, maravalha da gaiola vivei-
precedido por um estímulo ambiental con- ro umedecida, aumento de níveis de ruído,
sistente e discriminável. alterações no ciclo claro-escuro, não forne-
cimento de água ou comida, etc... Testes se-
Embora tal situação pareça descrever apenas manais de consumo de água açucarada mos-
efeitos infelizes dessa relação comportamen- tram que o rato progressivamente diminui
tal, esse experimento relativamente simples, o consumo desta substância, reproduzindo
permite o desenvolvimento de tecnologias o efeito denominado de anedonia, presente
para amenizar estados de ansiedade (in- frequentemente em pacientes depressivos,
cluindo seus respondentes desconfortáveis, no qual eles deixam de se envolver em ativi-
como taquicardia, reações gastrointesti- dades de que gostavam e relatam não sentir
nais, estado de apreensão, sudorese, etc...). mais prazer nelas (em ambos casos ocorreria

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EM FOCO VOL. 9

a perda da função reforçadora de eventos afetem o responder mantido por reforça-


historicamente tendo tal função). A exposi- mento positivo, indicando que este aumento
ção breve ou mesmo crônica a apenas algum comportamental não é devido a um efeito
dos estressores testados, em contrapartida, estimulante genérico da droga (Rasmussen,
não produz tal resultado. 2006). Por outro lado, tais drogas apresentam
efeitos mínimos sobre responder mantido
O CMS reproduz várias condições quotidia- em esquiva sinalizada, enquanto antipsicó-
nas nas quais estamos expostos diariamente ticos suprimem tal responder (Li, Fletcher
a diferentes estressores, dos quais não temos & Kapur, 2007). Mesmo que tais contingên-
controle e não podemos evitar, tais como: cias não representem modelos de ansiedade
dormir poucas horas, trânsito excessivo, altos ou esquizofrenia, por exemplo, seus efeitos
níveis de ruído, oscilações de temperatura, sobre o responder nas contingências testadas
pressões para cumprimento de prazo, etc... são bons preditores dos efeitos esperados por
Cada um desses estressores, individualmente, tais drogas em humanos.
talvez não tenha grandes efeitos sobre nosso
bem estar, mas a exposição crônica a dife- Obviamente que os modelos animais são
rentes estressores frequentes pode produzir exatamente isso: modelos. Precisam ser
um efeito progressivo sutil que, cumulati- devidamente testados com humanos em
vamente, pode potencialmente gerar estados condições controladas. No sentido inverso,
depressivos e explicar, ao menos em parte, o pacientes em situações reais precisam ter
elevado índice de depressão atual. seu ambiente alterado pelos profissionais
seguindo as pistas das variáveis relevantes
Além do valor heurístico dos modelos ex- indicadas pelos experimentos buscando a re-
perimentais, por permitirem identificação versão e ou a prevenção dos efeitos compor-
de variáveis relevantes para a determinação tamentais problemáticos. As duas estratégias
de processos comportamentais complexos, trabalham em conjunto para colocar à prova
eles permitem, também, o teste de drogas o valor heurístico dos modelos animais.
que podem auxiliar na prevenção, reversão
ou amenização dos efeitos produzidos (neles
incluído os estados emocionais e subjetivos). Análises culturais:
Mesmo procedimentos experimentais mais Violência e cooperação
simples que não envolvem modelos compor-
tamentais propriamente ditos podem apre- Além dos conhecimentos e tecnologias
sentar sensibilidade diferencial a determina- produzidos nos laboratórios, o conceito de
do tipos de drogas. Drogas ansiolíticas, por controle aversivo também permite a inter-
exemplo, produzem recuperação do respon- pretação de fenômenos sociais, estes en-
der em ratos submetidos às contingências tendidos como derivados da relação entre
de punição (em geral punição positiva com ao menos dois indivíduos, um em relação ao
choque elétrico), embora tais fármacos não outro ou em relação a um ambiente comum

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(Skinner, 1953/2003). Mais do que meras A análise da violência urbana é um exem-


interações ocasionais, tais relações têm um plo de como todos esses fatores se articu-
caráter relativamente estável que determi- lam. A pesquisa básica aponta que agressão
na certos padrões de comportamento que pode ser eliciada pelo contato com estímu-
constituem as práticas culturais, constata- los dolorosos, ratos submetidos a choque,
das pelo modo como um determinado povo por exemplo, atacam outros ratos presentes
educa suas crianças, produz sua alimen- no contexto, mesmo que sua presença não
tação, constrói sua habitação, diverte-se, tenha relação com a produção do choque.
como seus indivíduos tratam uns aos outros, Além disso, o contato com eventos aversivos
etc... (Skinner, 1971/1983). É nesse contexto é também uma operação motivacional que
que se destaca a importância dos reforça- torna o agredir outro organismo um refor-
dores positivos secundários, nesse caso, çador: ratos expostos a choques (mesmo
aqueles estímulos socialmente construídos que contingentes a respostas específicas)
que determinam a conduta dos membros se comportam de modo a produzir acesso
da cultura e podem ser considerados como a outro rato e o atacam quando em conta-
seus “valores” (Skinner, 1971/1983), dentre to. Contudo, tais relações não se restringem
eles podemos citar smartphones, carros po- ao uso da punição, por vezes, são também
tentes, roupas de marca, viagens luxuosas, verificadas em situações de reforçamento
residências confortáveis, etc... positivo intermitente logo após a produção
da consequência reforçadora (Azrin & Holz,
Para a análise dessas relações complexas, o 1966). Tais experimentos descrevem rela-
conceito de controle aversivo carece de certas ções tanto operantes quanto respondentes
ponderações. Em primeiro lugar, dever-se- envolvidas na agressão.
-ia levar em conta que as relações organis-
mo-ambiente não são mais apenas diretas, Sociedades com excesso populacional, escas-
elas também ocorrem através da mediação sez de recursos, acesso limitado a reforçado-
do comportamento de outros indivíduos, res primários e secundários, com desigual-
os quais podem exercer controle deliberado dades sociais acentuadas e com “valores”
tanto de reforçadores quanto de punido- estabelecidos em estímulos secundários de
res (sejam eles primários ou secundários) alto custo e acesso restrito, estabelecem
em benefício próprio e até em detrimento condições de elevadas privações socialmente
de prejuízos a terceiros. Nessa perspectiva, impostas e de competição entre seus mem-
Sidman (1989/2003) propõe uma expansão bros. Nesse contexto, roubos, manifestações
do conceito de controle aversivo, incluindo a sociais e depredações, além de reações in-
privação socialmente imposta e, a partir do duzidas pela contingência aversiva, podem
advento do comportamento verbal, a ameaça ser também interpretados como formas de
de punição, elementos esses que caracteri- contracontrole. Comportamentos de con-
zam o que o autor denomina de “coerção”. tracontrole têm como função diminuir ou

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eliminar o controle dos controladores, seja (2014) sugere limitações na concepção predo-
pela maior acessibilidade ao reforçadores minante de que punição teria apenas efeitos
dos quais se está privado ou pela preven- deletérios sobre as pessoas e sobre a socie-
ção de contato com contingências punitivas dade. A situação básica em tais experimen-
(Carvalho Neto, Alves, & Baptista, 2007). tos é composta de contingencias nas quais
Segundo Andery e Sério (1997), o problema a colaboração produziria maior benefício
é que para lidar com tais questões, ao invés para o grupo, mas a não cooperação (padrões
de se promover alterações nas suas variá- egoístas e individualistas) poderia produzir
veis determinantes, geralmente utilizamos vantagens para o indivíduo. Permite-se aos
de punições que precisam ser cada vez mais participantes a administração de punição
intensas. Tal estratégia tem como produtos (na forma de multas), a outro participante
a naturalização e a banalização da violência, a qualquer momento. De um modo geral, os
além de seu escalonamento. Os autores de participantes utilizam a punição de forma
ambos os estudos citados concordam que consistente e contingente a comportamentos
uma abordagem mais efetiva seria a análise de não cooperação (em benefício do grupo).
e a busca de alternativas que visem lidar com Em um estudo, por exemplo, era oferecido
as variáveis que produziram a violência, o aos participantes possibilidade de, volunta-
que, a longo prazo, poderia ser mais benéfica riamente, se retirar do grupo e participar de
para a sociedade como um todo. um outro grupo, no qual a possibilidade de
punição não existia, verificou-se, nas pri-
Sidman (1989/2003) destaca o papel de con- meiras rodadas, uma grande migração para
tingências punitivas na determinação de o grupo sem punição, porém, conforme o
violência e diversos prejuízos sociais de seu experimento continuava, progressivamente
uso e do controle aversivo como um todo, os participantes migraram para o grupo com
quando utilizado nas relações interpesso- possibilidade de punição e lá permaneciam2
ais. Publicações mais recentes, contudo, (Gürerk, Irlenbusch, & Rockenbach, 2006).
apesar de não invalidarem as considerações
de Sidman, indicam que elas precisam ser Em outro estudo (Andreoni, Harbaugh, &
contextualizadas e não meramente generali- Versterlund,2003) os participantes poderiam
zadas para qualquer episódio comportamen- utilizar seus próprios rendimentos para re-
tal. Um exemplo de tal análise é a discussão forçar o comportamento de colaboração de
do papel da punição no estabelecimento do outros participantes, essa estratégia contudo,
comportamento de cooperação. produziu apenas aumento sutil de compor-
tamentos de cooperação. Índices interme-
Com base em estudos experimentais sobre o diários, porém significativos de cooperação
comportamento de colaboração, Critchfield foram encontrados quando o comportamento

2  Critchfield aponta que os dados deste estudo não permitem identificar a variável que determinou essa migração reversa para
o grupo com possibilidade de punição (e.g. diferença nos níveis de cooperação; diferenças nos ganhos micro/macro; diferenças
dinâmica de interação/ludicidade; ou até possíveis efeitos reforçadores intrínsecos de se punir indivíduos que não cooperam).

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de não-cooperação podia ser punido. Os listagem de relações operantes e responden-


maiores índices de cooperação foram obti- tes, sem um critério comportamental claro
dos nas situações em que tanto punição para de identificação da “aversividade”. Critérios
não-cooperação quanto reforçamento para comportamentais objetivos como proces-
cooperação podiam ser administrados. so comportamental, operação ambiental ou
natureza do estímulo, por exemplo, não per-
Com base em resultados como os obtidos mitem, com um mesmo critério, identificar a
nos dois estudos acima descritos, Critchfield aversividade em todas as três relações descri-
(2014) questiona a generalidade de que o uso tas. Na punição o processo comportamental
da punição nas relações sociais teria apenas seria o de supressão de respostas, no refor-
efeitos deletérios e argumenta que ela pode çamento negativo, ao contrário, seria o de
ser um fator que permitiria humanos obterem fortalecimento. No caso de punição positiva
melhores resultados através da cooperação a operação seria a adição de estímulo, já nos
do que individualmente, e que os benefícios casos da punição negativa e do reforçamento
derivados poderiam inclusive atrair pessoas negativo seriam a remoção de estímulo. Já em
para ambientes nos quais existiria punição relação à natureza dos estímulos envolvidos,
prevista para o comportamento egoísta. Sendo nos casos do reforçamento negativo e da pu-
a corrupção exatamente um padrão egoísta nição positiva o estímulo relevante (removi-
apresentado por indivíduos em detrimento do do pelo comportamento no primeiro caso e
grupo ou do bem coletivo, estariam as pesso- produzido pelo comportamento no segundo)
as suscetíveis a migrarem para ambientes nos é denominado aversivo e, no caso da punição
quais haveria punição previsível e efetiva para negativa, o estímulo envolvido (mesmo que
tais padrões predatórios? Ou prefeririam viver sendo removido) é um reforçador positivo.
em ambientes nos quais padrões corruptos
fossem toleráveis em algum grau, inclusive os Deste modo, a solução que se abre é a de
seus próprios? São perguntas experimentais considerar que em todos os casos o elemento
em busca de pesquisas na linha aqui descrita. central é o contato com a “estimulação aver-
siva” (Hineline, 1984), descrita pelo contato
do organismo com estímulos aversivos ou
Controvérsias conceituais perda de estímulos reforçadores positivos,
sejam estes contatos contingentes a uma
Por fim, uma outra área pouco explorada do classe de respostas ou não. O problema de
controle aversivo, que vale ser brevemen- tal “solução” é que a aversividade da relação,
te descrita refere-se a questões conceituais quando muito, é inferida a partir da cons-
ainda em debate. Apesar de haver pouca dis- tatação de que estes eventos foram eficazes
cussão sobre a definição de controle aversivo, em situações de reforçamento negativo e
Hunziker (2011) aponta a sua fragilidade con- punição, não necessariamente envolvendo
ceitual ao destacar que não se trata de uma o organismo que está sendo observado no
definição específica e coerente e sim de uma presente (Hunziker, 2011).

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Perone (2003) aponta para os riscos de inferir destas questões será aprofundada no pre-
a aversividade de um estímulo em uma situa- sente ensaio por exceder a sua temática, mas
ção a partir de outra. O autor verificou que em exemplificam a amplitude de questões con-
um estudo a intensidade mínima do choque ceituais relacionadas ao tema (ver Mayer &
elétrico necessária para produzir supressão Gongora, 2011, para maiores detalhes).
comportamental em contingências de puni-
ção era de 0,4 mA, enquanto que, em outro Embora diversas questões conceituais re-
estudo, respostas de esquiva só ocorriam a ferentes ao controle aversivo ainda estejam
partir de 1,0 mA. Ou seja, a intensidade do abertas, e a própria definição do conceito
choque que funcionava como punição não era seja insatisfatória, ela é válida para uma va-
a mesma que funcionava como reforçador ne- riedade de situações e sua precisão, mesmo
gativo em uma tarefa de esquiva. Tal exem- que apenas descritiva das relações com-
plo revela que a aversividade de uma relação portamentais que a compõem, permitiu o
organismo-ambiente (eficácia funcional em desenvolvimento de modelos experimentais
uma dada contingência) nem sempre pode consistentes e de suma importância.
ser inferida a partir de outra.

Outro exemplo de questões conceituais Considerações finais


atuais relacionadas ao controle aversivo na
análise do comportamento é a própria de- O controle aversivo do comportamento é
finição de punição (Carvalho Neto & Mayer, um vasto campo de estudos. Seus princí-
2011; Carvalho Neto, Mayer & Ferreira, 2017; pios e conceitos permitem a compreensão
Holth, 2005;). É possível definir a punição a de processos comportamentais básicos a
partir do efeito comportamental (supressão fenômenos comportamentais complexos,
de respostas, como propuseram Azrin & Holz, como certas práticas culturais. Além disso, o
1966) ou a partir das operações que suce- seu estudo possibilita o desenvolvimento de
dem o responder (apresentação de estímulos tecnologias e intervenções, principalmente,
reforçadores negativos ou remoção de estí- mas não limitado, ao manejo de efeitos no-
mulos reforçadores positivos, como propôs civos decorrentes desse tipo de controle.
Skinner, 1953/2003). Do mesmo modo, a
dificuldade de se diferenciar funcionalmen- Apesar do conceito de controle aversivo ainda
te reforçamento “positivo” de “negativo”, apresentar diversas e severas limitações teó-
apesar de já levantada na década de 1970 ricas, resta pouca dúvida de que a exposição
(Michael, 1975), teve certos desdobramentos prolongada e/ou indiscriminada a esse fe-
teóricos, mas ainda não produziu qualquer nômeno pode produzir diversos déficits de
consenso (Baron & Galizio, 2006)3. Nenhuma repertório tais como:

3  Recentemente, Magoon, Critchfield, Merrill, Newland e Schneider (2017) testaram experimentalmente com humanos, usando
ganho e perda de pontos, se as duas contingências (reforçamento positivo e negativo) seriam funcionalmente equivalentes e
concluíram que seriam processos comportamentais distintos.Contudo, chama atenção o fato da contingência social que envolve
punição ser a preferida pelos participantes, ao contrário do genericamente esperado.

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redução de variabilidade comportamental, (Critchfield & Rasmussen, 2007). Tal cons-


com consequente aumento de estereotipias e tatação indica o quanto a compreensão do
rituais; ausência de iniciativa; insensibilida- controle aversivo ainda carece de articulação
de à contingências de reforçamento positivo; com perspectivas mais recentes da teoria
dificuldade de emitir comportamentos dis- comportamental. Não é de se estranhar que
criminativos, com consequente generalização boa parte da literatura mencionada no pre-
exagerada da função dos estímulos, avaliados sente ensaio seja derivada de linhas de pes-
de modo geral e abrangente como aversivos quisa de outras tradições teóricas (como no
ou pré-aversivos; excesso de comportamentos caso do CMS, desenvolvimento de fármacos
de fuga e esquiva disfuncionais, aqueles que e estudos de cooperação) ou tenha sido pu-
não evitam, nem removem eventos aversi- blicada há mais de 10 anos.
vos; disfunções neurovegetativas. Além das
dificuldades comportamentais, aparecem sen- O estudo do controle aversivo talvez nunca
timentos aversivos intensos, tais como ansie- tenha sido de fato abandonado. De certo modo
dade, medo, fobias, hipocondria, sentimentos continuou e continua ocorrendo sob diferen-
de incontrolabilidade ou desamparo (Martins tes denominações e por linhas de investigação
& Gilhardi, 2006, 240-241). outras, distintas, mas não necessariamente in-
compatíveis, com a análise do comportamento.
Contudo, mesmo que se argumente a impos- Com isso, encerramos esse ensaio afirmando:
sibilidade de seu uso em intervenções aplica- 1) a importância da retomada de debates con-
das, isso não equivale afirmar que seu estudo ceituais sobre o tema, para que tal literatura
deva ser interrompido (Sidman, 1989/2003) difusa possa ser conceitualmente relacionada;
ou que os conhecimentos até então produ- 2) a pertinência da interlocução entre analistas
zidos já sejam suficientes (Carvalho Neto, do comportamento e outras áreas que estudam
Mayer & Ferreira, 2017; Lerman & Vorndram, fenômenos em comum; 3) a necessidade de
2002), nem tão pouco que questões refe- atualização dos conhecimentos sobre contro-
rentes ao seu uso aplicado sejam de respos- le aversivo com conceitos comportamentais
ta tão simples e direta (Martins & Barros, mais recentes; 4) a relevância de continuidade
2017; Martins, Carvalho Neto, & Mayer, 2017; de estudos e debates sobre controle aversivo,
Mazzo & Gongora, 2007). pois, conforme ilustrado no presente ensaio,
mesmo com suas limitações conceituais e sua
Ao longo da história da análise do compor- aparente estagnação, muito do comportamen-
tamento, observou-se um grande volume de to, enquanto relações organismo ambiente
publicações sobre controle aversivo entre as (ambiente social incluído), depende da com-
décadas de 1940 e 1970, seguido de um forte preensão do papel deste controle, até porque,
declínio de tais estudos justamente no perí- das quatro relações comportamentais básicas
odo em que áreas como controle de estímu- (reforçamento positivo, reforçamento negati-
los, análises quantitativas e comportamen- vo, punição positiva e punição negativa), três
to verbal tiveram grande desenvolvimento delas fazem parte deste tipo de controle.

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EM FOCO VOL. 9

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COMPORTAMENTO Graziela Freire Vieira , Ilma A. Goulart de Souza Britto
EM FOCO VOL. 9

Contribuições da Análise Graziela Freire Vieira


IESB-DF
Comportamental da Dor graziela_fv@hotmail.com

Ilma A. Goulart de Souza Britto


Contributions of the Behavioral PUC-GO
ilmaagoulart@gmail.com
Analysis of Pain

Resumo Abstract
O presente texto apresenta uma discussão sobre a This paper presents a discussion regarding the
importância da produção de conhecimento derivado importance of knowledge production derived from
de estudo empírico acerca das aplicações da ciência empirical study of behavioral science applications
do comportamento ao estudo da dor A dor tem função to the study of pain. Pain has an adaptive function
adaptativa e é vital ao desenvolvimento filogenético e and it is vital to phylogenetic and ontogenetic
ontogenético, o que possibilita ao indivíduo escapar development, which enables individuals to avoid
de situações danosas à sua sobrevivência. O estudo situations harmful to their survival. The study of
da dor se torna relevante para a ciência, porém, como pain becomes relevant to science; however, because
trata-se de um evento privado ou comportamento en- it is a private event or hidden behavior, it is difficult
coberto, dificilmente se terá acesso a sensação de dor to have access to a person’s sense of pain. The study
de uma pessoa. O estudo da dor ficará incompleto se of pain will be incomplete if it is based only on the
for baseado apenas a partir das mudanças biológicas underlying biological or neurophysiological changes.
ou mudanças neurofisiológicas subjacentes. Há outras There are other environmental variables involved that
variáveis ambientais envolvidas que devem ser estu- should be studied through behavioral relationships.
dadas por meio de relações comportamentais. Fordyce Fordyce emphasized possible learning processes
ressaltou possíveis processos de aprendizagem que that are directly related to the pain response. It is
estão diretamente relacionados com a resposta de concluded that the behavioral analyst, supported by
dor. Conclui-se que o analista do comportamento, other areas of science that study this phenomenon,
amparado por outras áreas da ciência que estudam should devote himself to the task of describing the
esse fenômeno, deve se dedicar a tarefa de descrever main behavioral effects of various environmental
os principais efeitos comportamentais das várias mu- changes related to pain responses.
danças ambientais relacionadas às respostas de dor.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Dor; Resposta de dor; Avaliação Funcional; Pain; Pain Response; Functional Evaluation;
Análise do Comportamento Behavior’s Analysis

O presente capítulo é derivado de uma Mesa redonda apresentada no XXV Encontro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Comportamental, realizada no dia 08 de SETEMBRO de 2016, sob o título: Dor Crônica na Perspectiva da Análise do Comportamento.

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COMPORTAMENTO Graziela Freire Vieira , Ilma A. Goulart de Souza Britto
EM FOCO VOL. 9

O primeiro estudo que aborda a dor em Aprendemos a descrever estados de nosso


termos de relações comportamentais surgiu próprio corpo usando condições públicas
da prática clínica de W. E. Fordyce com a pu- correlatas às condições internas sentidas.
blicação de Behavioral Methods for Chronic Pain Assim, os adjetivos usados para descre-
and Illness (Rachlin, 2010). Nesse estudo foi ver a dor são aplicados, pela comunidade
desenvolvido um tratamento comportamen- verbal, às coisas públicas que causava dor,
tal para a dor crônica, onde os argumentos por exemplo, uma dor leve é causada por um
de Fordyce (1976) foram divididos em duas objeto leve e a aguda por um objeto agudo;
categorias: a dor sensorial como comporta- o termo “excruciante é tomado da prática de
mento respondente (e.g., dor de estomago crucificação” (p. 354). Na realidade, a dor é
eliciada por uma intoxicação) e a dor psi- comumente oferecida como exemplo de ex-
cológica (e.g., relato de dor na ausência de periência imediata, uma vez que os estímu-
lesões) como comportamento operante. los dolorosos se localizam dentro do corpo
e são frequentemente muito fortes. Com
Ao apontar estas categorias notam-se três efeito, estes estímulos internos persistem
implicações importantes. Primeira, respostas nas descrições das sensações e, como tais,
sensoriais internas são eventos que ocorrem estão entre as variáveis independentes que
sob a pele do organismo e não mediadores controlam o comportamento verbal (Skinner;
fisiológicos dos comportamentos, mas 1969/1980). A dor de dente sentida não é
parte do comportamento em si (Skinner, simplesmente o nervo inflamado.
1969/1980). Segunda, ainda que se desen-
volvam tecnologias neurofisiológicas, nunca Skinner (1969/1980) argumenta que entre os
ou dificilmente se terá acesso à sensação de eventos que são sentidos dentro do corpo,
dor de uma pessoa (Zilio, 2010). Terceira, estão os estímulos proprioceptivos e intero-
como forma de comportamento operante, ceptivos. Também se sente o comportamen-
o relato de dor, por definição é sensível às to, incluindo as condições que precedem ou
suas consequências. estão associadas ao comportar-se. Martinez e
Soriano, (2005) afirmam que a discriminação
Skinner (1945) explica que a comunidade de uma experiência dolorosa pode ser a oca-
verbal tem um importante papel no treino sião para outras ações (e.g., excessos de anal-
de relatos de dor, já que a contingência de gésicos, inatividade, isolamento social). Ao
reforçamento, necessária para tal relato, é discriminar a dor como um sinal de alarme,
produzida por ela. Para isso, a comunidade como se existisse um processo patológico
verbal utiliza de informações públicas, como subjacente, um conjunto de comportamen-
estímulos públicos dolorosos (tecido ferido tos que sinalizam dor são progressivamente
ou pancada aguda) ou respostas colaterais modelados pelo ambiente social da pessoa.
públicas ao estímulo doloroso (expressões
faciais ou gemidos) para estabelecer relações Motivo pelo qual, um relato de dor identifica,
com os estímulos privados. antes de tudo, um conjunto de comportamentos,

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COMPORTAMENTO Graziela Freire Vieira , Ilma A. Goulart de Souza Britto
EM FOCO VOL. 9

cujas execuções requerem um sistema fisio- Um importante avanço no tratamento


lógico, incluindo órgãos efetores e recepto- comportamental foi o desenvolvimento de
res, sistema nervoso e um cérebro (Skinner, métodos sistemáticos para determinar a
1974/2006). Entende-se, assim, que as va- função do comportamento, em vez de sua
riáveis enfatizadas para o estudo da dor não topografia. Este desenvolvimento tecnoló-
devem ser apenas as biológicas ou mudanças gico deve ser aplicado ao estudo da dor. O
neurofisiológicas subjacentes, pois há outras termo funcional possui uma longa história
variáveis ambientais envolvidas que devem na pesquisa básica e prática da análise do
ser estudadas por meio de relações compor- comportamento. A identificação das relações
tamentais (Martinez & Soriano, 2005). funcionais tem sido fundamental para o de-
senvolvimento da ciência do comportamento
Neste contexto, destaca-se a importância da (Dunlap & Kincaid, 2001; Hagopian, Dozier,
produção de conhecimento derivado de estudo Rooker & Jones, 2013; Hanley, 2012; O’Neill
empírico acerca das aplicações da ciência do et al., 1997; O’Neill., Albin, Storey, Horner
comportamento à experiência de sentir uma & Sprague, 2015).
dor. Esta ciência tem como meta, estudar o
comportamento, sendo este definido como De uma perspectiva funcional, a dor deve
a própria relação entre eventos ambientais e ser estudada como atividade do organismo.
as ações do organismo (Skinner, 1938). Nas Com o advento da avaliação funcional e dos
relações comportamentais estudam-se os métodos experimentais da análise funcional
eventos antecedentes (estímulos discrimi- (Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman & Richman,
nativos e operações motivadoras) e conse- 1982/1994) foram incorporadas várias condi-
quentes (reforçadores) sobre as respostas do ções como teste experimental. As condições
organismo (Marcon & Britto, 2011, 2015). usadas (a) atenção contingente (e.g., fonte
de reforçamento positivo), (b) escapar das
Por ambiente deve-se compreender qual- demandas difíceis (e.g., fonte de reforça-
quer evento do universo capaz de afetar o mento negativo), (c) sozinho sem interação
organismo (Skinner, 1953/1970). Quando se (e.g., fonte de reforçamento automático ou
refere a tudo o que afeta o organismo deve- natural) intercaladas com uma condição de
-se incluir sua história passada e presente, (d) controle (Hagopian et al., 2013; Iwata el
seja de reforçamento ou de punição. O termo al., 1982/1994; O’Neill et al., 1997, 2015) são
afetar deve ser também entendido como sistematicamente manipuladas.
ocasionar alguma modificação fisiológica
(Skinner, 1953/1970; Zilio, 2015). Ainda que Portanto, os métodos experimentais da aná-
as variáveis biológicas possam fazer parte lise funcional envolvem observar a ocorrência
das relações comportamentais, deve-se es- de comportamento alvo durante várias con-
clarecer que estas não são objetos de estudo dições experimentais para elucidar e isolar os
de uma ciência do comportamento, e sim, efeitos de potenciais reforçadores (Marcon
das neurociências (Zilio, 2015). & Britto, 2015). Por meio desta metodologia

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torna-se possível aos pesquisadores delinear (1967/1955) argumenta que nenhuma aná-
intervenções que se baseiam nas investigações lise do fenômeno emocional seria completa
das variáveis antecedentes e consequentes de sem alguma descrição das mudanças fisio-
um comportamento, seja relato de dor ou não. lógicas envolvidas. Em suas palavras, os
limites entre as disciplinas científicas são
Por sua vez, Hunziker (2010) argumenta quase sempre traçados de forma arbitrária
que a dor é um fenômeno complexo e mul- e é obvio que um cientista interessado nos
tideterminado, sendo necessária a junção fenômenos emocionais pode utilizar-se da
das ciências para o seu estudo. A análise do análise comportamental, da fisiologia do
comportamento destaca as diferentes rela- reflexo, da neurofisiologia etc., no entanto,
ções que podem ser estabelecidas entre o or- cabe ao analista do comportamento descre-
ganismo e o seu ambiente, o que pode gerar ver os principais efeitos comportamentais
processos que se relacionam diretamente das várias mudanças ambientais.
com a resposta de dor. O estudo da dor como
relações comportamentais deve abranger va- Para os neurofisiologistas, a dor é conceitu-
riáveis ambientais presentes ou históricas, ada como algum tipo específico de atividade
às variáveis neufisiológicas, uma vez que, o no sistema sensorial. Skinner (1974/2006)
que há para observar são comportamentos e esclarece que os organismos respondem ao
fisiologia (Skinner, 1956/1959; Zilio, 2015). seu próprio corpo com três sistemas senso-
riais, o interoceptivo (e.g., transmite a es-
timulação da bexiga, do aparelho digestivo,
A função adaptativa da dor glândulas e vasos sanguíneos) o proprio-
ceptivo (e.g., transmite a estimulação dos
A dor tem função adaptativa e é vital ao de- músculos, articulações e tendões do esque-
senvolvimento filogenético e ontogenético, o leto e de órgãos envolvidos na postura e na
que possibilita ao indivíduo escapar de situ- execução de movimentos) e o exterocepti-
ações danosas (e.g., reforçamento negativo) vo (e.g., envolvido no ver, ouvir, degustar,
à sua sobrevivência (Fordyce & Steger, 1979). cheirar, sentir) com os quais os organismos
Porém, ela pode ser prejudicial e incapaci- respondem ao mundo que os cercam.
tante principalmente quando se torna crôni-
ca (Murta, 1999). A International Association Os estudos da dor evoluíram a partir de dados
for the Study of Pain (IASP) define dor como sobre a natureza da dor na fisiologia humana.
uma resposta sensorial, geralmente tida Porém, as teorias sobre dor não conseguiam
como experiência emocional desagradável explicar certas relações envolvidas na resposta
decorrente de uma lesão real ou potencial de dor. Algumas provas disso ocorreram em
dos tecidos do organismo (APA, 1994). experimentos envolvendo estados ansiogêni-
cos induzidos experimentalmente. Nestes es-
Sentir a dor envolve fatores filogenéti- tudos, os participantes relataram aumento de
cos, ontogenéticos e culturais. Millenson intensidade de dor significativamente maior

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em comparação com os relatos do grupo de dor aguda se refere a uma resposta de dor
controle. Além disso, o efeito da morfina para causada por um dano a um tecido orgânico,
diminuição das respostas de dor mostrou-se sendo facilmente identificada por exames
mais eficaz quando os estados ansiogênicos clínicos. Geralmente, a dor aguda é aliviada
do paciente eram altos, e mostrou pouco ou com tratamento médico não persiste com o
nenhum efeito quando os relatos de dor destes passar do tempo. A dor crônica, geralmente,
estados diminuíram (Fordyce & Steger, 1979). começa com um episódio de dor aguda e não
apresenta diminuição com os tratamentos
Uma nova concepção de dor, derivada de médicos (Fordyce & Steger, 1979; Hanley,
estudos com medicamentos, placebos e de Ehde & Smith, 2006). Pode haver transição
observações diretas de pacientes, levou os da dor aguda para a dor crônica quando a
pesquisadores a adotarem uma definição pessoa experimenta medo da dor e quando
mais geral e descritiva de dor que envolve ela emite respostas de esquiva da dor. Nestes
não só as respostas sensoriais de mecanis- casos, possíveis sinais pré-correntes de dor
mos fisiológicos, mas também a compo- se tornam ameaçadores e provocam respos-
nentes comportamentais e culturais. Assim, tas de esquiva (Vandenberghe, 2005).
as discussões e descrições de dor com base
unicamente em fatores fisiológicos ou neu- Fordyce e Steger (1979) salientam que a
rológicos ficaram aquém em suas tentativas correlação entre dor e estados de ansiedade
de identificar e contabilizar todos os aspec- pode ser uma variável adicional importante
tos da dor experimentada na situação clínica na diferenciação entre o sofrimento crônico
(Fordyce, 1984; Fordyce & Steger, 1979). e agudo. A pessoa experimenta quantidades
crescentes de relatos de ansiedade, seguido
Em comum acordo com essas discussões, por sua redução após o início do tratamento
Hanley, Ehde e Smith (2006) ressaltam ainda nos casos de dor aguda. Nos casos de dor
que a dor é uma resposta sensorial, em res- crônica, o relato de ansiedade inicial é asso-
posta a uma estimulação periférica específi- ciado com a experiência de dor que persiste
ca, e ao mesmo tempo, uma interação desta apesar do tratamento. A pessoa pode ficar
resposta com um conjunto complexo de va- sob controle de estados emocionais como
riáveis a nível​fisiológico e comportamental solidão e frustrações por não visualizar o
que não podem ser descritas facilmente. Por fim de seu sofrimento mesmo com admi-
sua vez, Fordyce e Steger (1979) argumentam nistração do tratamento médico adequado.
que dor é uma resposta privada que ainda O comportamento emocional de frustração
não foi observada, até porque os eventos poderá afetar ou se estender ao sistema de
privados não são expostos em laboratórios saúde e à família, que começam a sugerir que
para serem observados e manipulados. a dor sentida não seja real, e que o fracasso
no tratamento seja de algum modo, culpa da
Os estudos sobre dor demonstram dife- própria pessoa. Portanto, focar no tratamen-
renças entre dor aguda e dor crônica. A to somente ao dano tecidual, pode ser efetivo

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na dor aguda, mas pode levar a conclusões impossível o estudo do mesmo, o que signi-
enganosas em casos de dor crônica. fica que, na prática, não exista um problema
de dor (Fordyce, 1984; Fordyce, Roberts &
De acordo com Fordyce (1984), o estudo da Sternbach, 1985).
dor pelos analistas de comportamento deve
ser feito com base em modelos teóricos e Portanto, quando se observa um atleta rece-
afirmações sobre fatos. Este apontamento é bendo e suportando um golpe forte, pode-se
importante, pois ajuda no desenvolvimento concluir que ele está experimentando a no-
de teorias ou modelos conceituais para au- cicepção (termo utilizado para expressar a
xiliar na construção de padrões mais coe- capacidade fisiológica para sentir dor). No
rentes de explicações. Observações oriundas entanto, se esse atleta prossegue sem sig-
da perspectiva de um determinado modelo nificativa mudança de comportamento, ou
podem levar a um conjunto de conclusões. sem expressões visíveis de dor, dificilmente
As mesmas observações, vistas a partir de se pode concluir que há um problema de dor.
um modelo conceitual diferente, levam a Pode ter havido nocicepção e, presumivel-
conclusões diferentes. mente, a resposta privada de dor, mas não
há nenhum problema de dor (Fordyce, 1984;
Tradicionalmente, a dor tem sido explica- Fordyce, Roberts & Sternbach, 1985)
da com base no modelo de doença, que a
descreve como sinais e sintomas resultantes Comportamentos emocionais de dor podem
de processos que se encontram dentro da incluir queixas verbais e sofrimento, sons
pessoa. As explicações para a dor são infe- sem linguagem, expressões faciais, postura
ridas como consequência de algum processo corporal e gestos, e limitações nas ativida-
mental. Geralmente está relacionada a uma des. Medir relatos verbais de dor rende mais
histeria (hipocondria), como uma personali- dados sobre os estímulos envolvidos que as
dade ou um problema motivacional, ou ainda medidas fisiológicas, o que comprova que
como fingimento. Este modelo de explicação a dor é um conjunto complexo de variáveis
é tido como conceitual, e não há relação com e não simplesmente um evento sensorial.
declaração de fatos (Fordyce, 1984; Fordyce, Através dos relatos, o indivíduo sinaliza o
Roberts & Sternbach, 1985). tipo de dor experimentada, assim como a
intensidade e a frequência (Fordyce & Steger,
Diferente da perspectiva tradicional, o 1979). Avaliação desse fenômeno exige uma
modelo comportamental considera que dor contínua interação entre medicina e a ciência
é um comportamento emocional sujeito a do comportamento (Fordyce, 1984).
controle do ambiente, como qualquer outro
comportamento. Os problemas de dor são Tem havido uma atenção crescente nos últi-
observados pelas sinalizações que a pessoa mos anos para a visualização da dor crônica
emite, ou seja, sem indicações visíveis ou em termos comportamentais. Tomando como
audíveis do sofrimento da pessoa, será um todo, as premissas básicas subjacentes à

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análise comportamental e tratamento da dor da própria sensação, assim como o estresse


crônica apresentam as seguintes caracterís- decorrente de relações interpessoais proble-
ticas: (a) comportamentos de dor podem ter máticas. Fordyce e Steger (1979) ressaltam
pouca ou nenhuma ligação a nocicepção de- que na clínica, a dor crônica deve ser enten-
corrente do local orgânico lesionado, (b) apesar dida como um comportamento sujeito a todas
de a dor poder persistir por outras razões que as leis de aprendizagem e condicionamento.
não a lesão orgânica, não há a necessidade de
conceituar o problema em termos de variáveis Quando os relatos de dor são sensíveis ao con-
intrapsíquicas, como a personalidade e a mo- trole de suas consequências, diz-se que esta
tivação, (c) os comportamentos de dor crônica dor é operante. Quando estes ocorrem automa-
podem estar ligados a efeitos de condiciona- ticamente após a apresentação de um estímulo
mento, então, as estratégias para tratamento específico (como uma farpa de madeira fincada
podem ser embasadas nos princípios básicos no dedo ou como um hematoma causado por
de mudança de comportamento e (d) vários uma pancada forte, por exemplo), diz-se que
métodos comportamentais existem para ajudar esta dor é respondente. Esta última resposta
os pacientes a alterar os comportamentos de de dor tende a cair lentamente de frequência
dor (Fordyce, Shelton & Dundore, 1981). com o passar do tempo, ou com a retirada do
estímulo, porém, pode se tornar um operante
Revicki et al. (2009) relatam que medidas cui- caso haja consequências ambientais reforça-
dadosas do relato da dor podem ser úteis para doras contingentes aos comportamentos de
fornecer pistas sobre a existência, intensidade relatar a dor (Fordyce & Steger, 1979).
e causas. Além disso, o conhecimento sobre
esses tipos de comportamento podem ajudar Então, relatos de dor podem ocorrer como
a conhecer as tentativas de uma pessoa para respostas diretas e automáticas diante de es-
lidar ou controlar a dor. Esta informação con- tímulos antecedentes específicos dolorosos, e
tribui significativamente para a identificação também podem ocorrer, independente destes
do problema, para reforçar esforços adapta- estímulos, quando a ocorrência de tais com-
tivos de enfrentamento da dor e a identificar portamentos forem mantidas pelas consequ-
os esforços de enfrentamento desadaptados ências positivas ou negativas. As implicações
que serão alvo de intervenções de tratamento. destas possibilidades são essenciais para o
tratamento adequado da dor crônica que en-
Vandenberghe et al., (2014) elaboraram um volverá avaliação da função das respostas de
protocolo estruturado a partir da compreen- dor e a modificação das contingências am-
são de diferentes mecanismos psicológicos e bientais relevantes (Fordyce & Steger, 1979).
sociais que contribuem para manter os relatos
de dor. A partir deste protocolo, o clínico pode Fordyce e Steger (1979) salientam que a medida
escolher estratégias comportamentais para que a duração da dor aumenta, a chance de
ajudar a pessoa com dor a retomar atividades haver reforçamento destas respostas, também
saudáveis e a manejar o estresse decorrente aumenta. Os próprios elementos do tratamento

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da dor podem se tornar reforçadores, como a clínica universitária, como o objetivo de avaliar
medicação administrada por equipe médica, a relação entre a atenção à dor e à intensidade
permanecer em repouso, e até a compensação de dor. Essas relações foram examinadas em
monetária (auxílio doença, por exemplo). A circunstâncias naturais. Os resultados mostra-
situação dolorosa pode envolver não só reforço ram que pessoas com dor lombar crônica que
dos relatos de dor, mas também o não reforça- relataram maior atenção à dor também rela-
mento de comportamentos de enfrentamento taram maior intensidade de dor, maior sofri-
da dor. As consequências da dor estão relacio- mento emocional e mais visitas médicas devido
nadas a diminuição de atividades do dia-a-dia, a dor. Os resultados deste estudo forneceram
diminuição da eficácia social e diminuição da suporte para uma conceituação comportamen-
eficácia profissional. tal de atenção descrita por Fordyce em 1976.

Vandenberghe (2005) e Vandenberghe et al. Os estudos de Fordyce ressaltaram a impor-


(2014) salientam que os relatos de dor condi- tância de se estudar a dor, comportamento
cionados são difíceis de serem extintos. Além encoberto, complexo e multideterminado,
disso, explicam que respostas de dor também a partir das relações estabelecidas entre o
podem ser mantidas por reforçamento negati- organismo e o seu ambiente, contemplando,
vo, e que suas consequências trazem prejuízos assim, os processos de aprendizagem que se
significativos. As atividades nas quais a pessoa relacionam diretamente com a resposta de
sentiu dor no passado se tornam estímulos dor. Nota-se que a contribuição de profis-
condicionados que também provocam dor. As sionais de diferentes áreas da ciência, como a
tentativas de fuga ou de esquiva se tornam neurofisiologia e a farmacologia são impor-
fontes de manutenção da dor. Assim, a pessoa tantes para a compreensão deste fenômeno,
com dor crônica cria um ambiente restrito e mas cabe ao analista do comportamento des-
pobre denominado por dor e incapacidade. crever os principais efeitos comportamentais
das várias mudanças ambientais relacionadas
McCracken (1997) realizou um estudo com às respostas de dor. E, nesse sentido, ainda
80 pacientes com dor lombar crônica em uma há muito a ser investigado.

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Poliana F. da Silva, Rogério G. dos Santos Baia,
COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
EM FOCO VOL. 9

Renovação Comportamental e Poliana Ferreira da Silva1


Universidade de Rio Verde
Resistência a Mudanças em Humanos polianasab@hotmail.com

Renewal and Resistance to Change in Humans Rogério Guaita dos Santos Baia1
Universidade de Rio Verde
rogerioguaita@uol.com.br

Alina Barboza Cabral Biano1


Universidade de Rio Verde
alinacabral@icloud.com

Resumo Rafael Peres Macêdo


Universidade de Brasília
A recorrência de respostas previamente reforçadas é um rafaelperesmacedo@gmail.com
fenômeno de interesse de analistas do comportamen-
to. Os três procedimentos mais comumente utilizados Fábio Henrique Baia2
para a investigação da recorrência de respostas são (a)
Universidade de Rio Verde
ressurgência, (b) reestabelecimento e (c) renovação.
O objetivo desse experimento foi analisar os efeitos fabio@unirv.edu.br
da taxa de reforços sobre a resistência à mudanças e
Carlos Renato Xavier Cançado
a renovação em humanos. Participaram deste estudo
três universitários. Na Fase de Reforçamento esteve em Universidade de Brasília
vigor um esquema múltiplo intervalo variável(VI) 15 carlos.cancado@gmail.com
s VI60s. Na Fase de Extinção, os reforços foram des-
continuados (i.e., extinção) em ambos os componentes
do esquema múltiplo em um contexto de estímulos
diferente daquele em vigor na Fase de Reforçamento.
Na Fase de Teste, a extinção continuou em vigor em
ambos os componentes, mas o contexto foi o mesmo da
Fase de Reforçamento (i.e., um procedimento de reno-
vação ABA). Não foram observados efeitos consistentes
da taxa de reforços sobre a resistência à mudanças e
sobre a renovação. Possíveis variáveis responsáveis 1  Bolsista do Programa de Iniciação Científica
pelos resultados e aspectos de controle experimental (PIBIC) CNPq/UniRV 2017-2018.
a serem refinados são discutidos.
2  Os autores agradecem ao Dr. Carlos Eduardo
Costa por ceder o programa ProgRef V4 de modo
PALAVRAS-CHAVE gratuito para realização desta pesquisa. Os
agradecimentos são extensivos a Fundação de
Renovação comportamental; Resistência a mudanças; Amparo a Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG)
Taxa de reforço; ProgRef v4; Esquema múltiplos; Humanos. por financiar parcialmente este trabalho.

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Poliana F. da Silva, Rogério G. dos Santos Baia,
COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
EM FOCO VOL. 9

Abstract

The recurrence of previously reinforced from that in effect in the Reinforcement


responses is a phenomenon of interest phase. In the Test Phase, extinction still was
to behavior analysts. The three most in effect in both components but the context
commonly used procedures to investigate was the same as that in the Reinforcement
the response recurrence are (a) resurgence; Phase (i.e., an ABA renewal procedure).
(b) reinstatement and (c) renewal. The goal Effects of reinforcement rate on resistance to
of the present experiment was to assess the change and renewal were inconsistent across
effects of reinforcement rate on resistance participants. We discuss variables that might
to change and renewal with humans. account for the present results and aspects
Three undergraduate students served as of experimental control that can be refined
participants. In the Reinforcement Phase, in future experiments.
a multiple variable-interval(VI) 15 s VI 60
s schedule was in effect. In the Extinction
Phase, reinforcers were discontinued (i.e., KEYWORDS
extinction) in both multiple-schedule Renewal; Resistance to change; Reinforcement rate;
components in a stimulus context that differed ProgRef v4; Multiple schedules; Humans.

O reaparecimento de respostas após ex- Nessa fase, para os seis pombos, observou-se
tinção é um fenômeno bem conhecido na que o comportamento de bicar o disco voltou
literatura comportamental. Epstein (1983), a ocorrer. Vale destacar que o bicar ocorreu
em um experimento com pombos, relatou apenas no disco que tinha história previa de
o reaparecimento de respostas previamente reforçamento. Esse resultado sugere que o
reforçadas após terem sido extintas quando reaparecimento de respostas (nesse caso a
reforços alternativos foram descontinuados. ressurgência) depende da história de refor-
Na primeira fase, o comportamento de bicar çamento prévio para o comportamento.
foi reforçado em um esquema de interva-
lo variável (VI) 1 min. Após estabilidade no Os três procedimentos mais comumente uti-
responder, todos os sujeitos foram expostos lizados para a investigação da recorrência de
a sessões de extinção (1 a 15 sessões, entre respostas previamente reforçadas são ressur-
pombos). Em seguida, respostas incompatí- gência (como no estudo de Epstein, 1983, des-
veis com o bicar (e.g., levantar a asa) foram crito acima), reestabelecimento e renovação
reforçadas 20 vezes. Por fim, a resposta al- (Bouton, Winterbauer, & Todd, 2012). Esses pro-
ternativa também foi colocada em extinção. cedimentos envolvem, comumente, três fases.

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Poliana F. da Silva, Rogério G. dos Santos Baia,
COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
EM FOCO VOL. 9

A ressurgência é investigada de modo que na como“renovação ABA” (em que cada letra re-
Fase de Reforçamento uma resposta é refor- presenta um contexto). Já quando o contexto é
çada até atingir estabilidade no responder. Na diferente entre as fases, nomeia-se o procedi-
Fase Eliminação a resposta (R1) reforçada na mento de renovação ABC (Bouton et al., 2012).
Fase de Reforçamento é extinta e uma segunda
resposta (R2) – resposta alternativa – é re- Kelley, Liddon, Ribeiro, Greif e Podlesnik
forçada. No Teste não há reforçados progra- (2015) realizaram um estudo que visou
mados, isto é, ambas as respostas reforçadas contribuir para colaboração entre pesqui-
previamente (R1 e R2) são submetidas a ex- sa básica e translacional no paradigma
tinção (Pontes, 2014). O efeito deste procedi- da renovação comportamental. Pombos
mento é que a reposta reforçada (R1) na Fase (Experimento 1) e crianças diagnosticadas
de Reforçamento tende a reaparecer (Villas- com autismo (Experimento 2) foram ex-
Bôas, Haydi, & Tomanari, 2010; ver Pontes & postas ao procedimento de renovação ABA.
Abreu-Rodrigues, 2015, para uma revisão da Para pombos o contexto foi determinado pela
literatura). No procedimento de restabeleci- taxa de alternância entre as cores vermelho
mento uma resposta é reforçada na Fase de e branco do disco de respostas – 0.1 s para
Reforçamento. Na Fase Eliminação é condu- o Contexto A e 0.5 s para o contexto B. Na
zida a extinção do responder. No Teste são Fase de Reforçamento, respostas de bicar
apresentados eventos ambientais não contin- foram reforçadas em um esquema intervalo
gentes ao responder, como comida ou pontos fixo (FI) 10 s. Para as crianças o contexto foi
- isto é, o mesmo evento utilizado como re- determinado pela cor da camisa do pesqui-
forçador na primeira fase – o que produz o sador e por um quadro situado na parede a
reaparecimento do responder previamente frente do participante – no contexto A foi
reforçado (e.g., Epstein, Preston, Stewart, & utilizada a cor amarela, no contexto B a cor
Shaham, 2006). No procedimento de reno- verde. A tarefa para as crianças exigia ligar
vação, na Fase de Reforçamento respostas são números em quadro branco ou escolher car-
reforçadas até que o critério de estabilidade do tões iguais. As respostas foram reforçadas na
responder seja atingido. Em seguida, é condu- Fase de Reforçamento sob um esquema de
zida a Fase de Eliminação (ou Extinção, como razão fixa (FR) 1. Nas Fases Extinção – com
denominada no presente trabalho), na qual a contexto distinto da Fase de Reforçamento
resposta previamente reforçada é extinta em – nenhuma resposta (de pombos ou crian-
um novo contexto ou em contexto similar a ças) foi reforçada. No Teste a extinção con-
Fase de Reforçamento. Por fim, é conduzida a tinuou em vigor, mas houve retorno ao
Fase de Teste na qual a extinção continua em contexto da primeira fase.Os resultados
vigor, porém em contexto diferente da Fase foram similares entre pombos e crianças.
de Extinção (e.g., Crombag, Bossert, Koya, & Isto é, no Teste, o responder aumentou de
Shaham, 2008). Quando o contexto do Teste frequência em relação a como ocorria na
é similar a Fase de Reforçamento e distinto da segunda fase, o que indica a ocorrência de
Fase de Extinção, classifica-se o procedimento renovação comportamental.

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COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
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Os resultados de alguns estudos condu- para uma replicação desses resultados em


zidos com pombos têm indicado que o um experimento com pombos expostos a
principal determinante da resistência à um procedimento de renovação ABC).
mudanças (i.e., a taxa de reforços; Nevin,
Tota, Torquato & Shull, 1990; Nevin, 2015) A análise dos efeitos da taxa de reforços
também produz efeitos sistemáticos sobre sobre a resistência a mudanças e sobre a
a recorrência de respostas. Especificamente recorrência em estudos com humanos foi
em relação a renovação, em experimen- conduzida utilizando-se o procedimentos
tos com pombos têm-se observado que de ressurgência (e.g., Kuroda, Cançado, &
a magnitude da renovação é influenciada Podlesnik, 2016; Nevin et al., 2016), mas
pela taxa de reforços em vigor na Fase de não utilizando o procedimento de renovação.
Reforçamento. Podlesnik e Shahan (2009, Portanto, dando continuidade aos estudos
Experimento 3), por exemplo, investigaram de Berry et al. (2014) e Podlesnik e Shahan
os efeitos da taxa de reforços sobre a mag- (2009, Experimento 3), o objetivo do presen-
nitude da recorrência em um procedimento te experimento foi avaliar os efeitos de taxas
de renovação ABA. Pombos foram expostos de reforço diferenciais (i.e., alta vs. baixa)
a um esquema múltiplo VI 20 s VI 20 s, na fase de Reforçamento sobre a magnitude
sendo que em um dos componentes comida da recorrência em humanos utilizando um
livre foi apresentada em um esquema de procedimento de renovação ABA.
tempo variável (VT) 20 s. Assim, em um dos
componentes (VI 120 s + VT 20 s) a taxa de
reforços era relativamente mais alta (i.e., Método
3,5 reforços por minuto) do que no outro
(i.e., VI 20 s, programando 0,5 reforços por Participantes
minuto). Na Fase de Reforçamento, a luz
da caixa experimental foi mantida acessa Participaram três universitários, dois do
(contexto A). Na fase de Extinção, os refor- sexo masculino (Participantes 1 e 3) e uma
ços foram descontinuados e a luz da caixa do sexo feminino (Participante 2). O critério
piscava (contexto B). No Teste, a extinção de inclusão para participação foi ser maior de
ainda estava em vigor e a luz da caixa voltou 18 anos; discente de cursos de graduação da
a ser mantida acesa (i.e., um retorno ao Universidade de Rio Verde (exceto Psicologia)
contexto A). Na Fase de Extinção, o com- e não ter experiência prévia em participação
portamento foi mais resistente a mudanças de pesquisas realizadas no Laboratório de
no componente com maior taxa de refor- Psicologia Experimental da Universidade de
ços na Fase de Reforçamento. Além disso, Rio Verde (LAPEX-UniRV). Todos os par-
no Teste, a magnitude da renovação foi ticipantes leram e assinaram o Termo de
também maior no componente previamente Consentimento Livre Esclarecido (TCLE)
correlacionado a altas taxa de reforços na no qual constava o número de aprovação
primeira fase (ver Berry, Sweeney & Odum do parecer do Comitê de Ética em Pesquisa.


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COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
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Após a assinatura os participantes eram so- seus custos de transporte e alimentação”. A


licitados a entregar telefones celulares, reló- informação sobre pagamento era fornecida
gios e outros equipamentos que eram devol- no TCLE e também durante a apresentação
vidos ao final de cada visita ao Laboratório. de instruções aos participantes, como des-
crito a seguir.

Ambiente e Materiais
Procedimento
O experimento foi conduzido no LAPEX-
UniRV. O local de coleta dos dados continha No início da primeira sessão, a seguinte ins-
uma cadeira e um computador de mesa equi- trução era apresentada na tela do computador:
pado com teclado e mouse. Para a programa-
ção de contingências e registro dos dados foi Você deverá clicar no retângulo vermelho para
utilizado o ProgRef v4 (ver Costa & Banaco, obter pontos. Cada ponto será trocado por
2002, 2003 para detalhes). dinheiro ao final de sua participação. Tente
ganhar o máximo de pontos. Quando conse-
Neste experimento, cada ponto produzido guir obter pontos, uma carinha feliz (smile)

pelos participantes era trocado ao final da será apresentada no canto superior direito.
Para que seu ponto seja registrado, clique na
participação por R$0,09. Este estudo foi sub-
barra abaixo da carinha feliz. Caso você não
metido ao Comitê de Ética em Pesquisa via
clique na barra da carinha feliz, seu ponto
Plataforma Brasil e foi aprovado sob o CAAE:
não será registrado e você perderá o dinheiro
56798616.4.0000.5077.Como a Resolução
daquele ponto. Ao final de cada sessão será in-
466/12 e 510/16 proíbem o pagamento de
formado o quanto de dinheiro você conseguiu.
participação em pesquisa, a estratégia uti- Para mover o cursor (a seta) utilize o mouse.
lizada foi estabelecer a troca de pontos por Quando a sessão terminar o computador irá
dinheiro de modo que o valor pago ao parti- apresentar o quanto de dinheiro você ganhou.
cipante fosse referente ao ressarcimento de Nessa hora, chame o experimentador.
gastos com transporte e alimentação. Deste
modo, caso o total de pontos obtidos em uma
visita ao Laboratório não atingisse o valor A Figura 1 mostra a tela do computador que
do ressarcimento, os pesquisadores infor- era apresentada ao participante durante o ex-
mavam: “você receberá X reais pelos pontos perimento. A tarefa exigia que o participante
produzidos e lhe daremos mais Y reais para clicasse com o botão esquerdo do mouse no
ressarcir seus gastos com transporte e ali- retângulo na parte central da tela. As res-
mentação” (totalizando cerca de R$260). postas no retângulo no canto superior direito
Nas sessões nas quais extinção esteve em eram respostas de consumação. A resposta
vigor (o que implica em nenhum ponto de consumação foi programada para garan-
produzido) os pesquisadores informavam: tir que o participante estava atento a tela do
“Esses X reais são para ressarcimento com computador e aos eventos programados.

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Poliana F. da Silva, Rogério G. dos Santos Baia,
COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
EM FOCO VOL. 9

“aguarde” em branco apresentada no centro


da tela. Respostas durante o ICI não tinham
consequências programadas. Os VIs em cada
componente foram constituídos por 6 inter-
valos da distribuição de Fleshler e Hoffman
(1962), selecionados aleatoriamente e sem
reposição. Essa fase foi conduzida até que a
variação na taxa de respostas em cada com-
ponente do esquema múltiplo em duas sessões
consecutivas não fosse maior do que 10%.

Fase de Extinção: O esquema múltiplo como


Figura 1. Tela do ProgRef v4. O fundo de tela (cinza) pode
ter sua cor definida pelo experimentador. O retângulo descrito na Fase de Reforçamento esteve em
azul é o operandum e também pode ter a cor manipulada. vigor nessa fase, exceto que extinção esteve
A barra cinza acima do smile é o botão de resposta de
consumação. A denominação de cada parte da tela não em vigor em cada componente do múltiplo.
é visível para os participantes. Além disso, os estímulos correlacionados a
cada componente foram alterados em relação à
fase anterior. Isto é, em um componente (pre-
Neste estudo foi utilizado um procedimento viamente correlacionado ao VI 15 s) o fundo
de renovação ABA. Assim, cada participante de tela era rosa e no outro (previamente cor-
foi exposto a três fases. relacionado ao VI 60 s) bordô. A diferença de
cores do fundo de tela do computador (azul e
Fase de Reforçamento: nessa fase, os partici- verde – Fase de Treino; rosa e bordô – Fase de
pantes foram expostos à um esquema múltiplo Extinção) caracterizava diferentes contextos
com dois componentes. Em um componente entre aprendizagem (contexto A) e extinção da
estava em vigor um VI 15 s e, no outro, um resposta (contexto B). A cor do botão de res-
VI 60 s. O VI 15 s foi correlacionado a cor do postas em cada componente permaneceu como
fundo da tela azul, enquanto o VI 60 s foi cor- na fase anterior, isto é vermelho. O critério de
relacionado ao fundo da tela verde. Em ambos encerramento da Fase de Extinção exigia que
os componentes, a cor do botão de respostas a taxa de respostas em cada componente fosse
foi vermelho. Cada componente do múltiplo menor ou igual a 5 respostas por min por duas
(a) teve a duração de 60 s, (b) era apresen- sessões consecutivas.
tado quatro vezes na sessão e se alternavam
de forma semialeatória, com a restrição que o Fase de Teste: Nessa fase, esteve em vigor
mesmo componente não ocorresse mais que o esquema múltiplo como descrito na Fase
duas vezes consecutivas. Um intervalo entre de Extinção, exceto que as cores de fundo
componentes (ICI) de 15 s separava a apresen- de tela foram as mesmas em vigor em cada
tação dos componentes. Durante o ICI, a tela componente na Fase de Reforçamento (i.e.,
do computador ficava preta com a mensagem verde em um componente, azul no outro). A

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COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
EM FOCO VOL. 9

utilização de cores de tela idênticas às utili- ambos os componentes, para cada participan-
zadas na Fase de Reforçamento caracterizam te. Na Fase de Teste, renovação ocorreu de
o retorno ao contexto de treino (i.e., contexto forma consistente (e teve magnitude relati-
A). A Fase de Teste foi encerrada quando a vamente alta, com valores próximos aqueles
taxa de respostas em cada componente fosse observados para cada participante nas últimas
menor ou igual a 5 respostas por min por sessões da Fase de Reforçamento) para cada
duas sessões consecutivas. participante, em ambos os componentes do
esquema múltiplo (vale destacar que apenas
Cada sessão deste experimento durava 9 min P1 apresentou taxas de respostas próximas a
(i.e., 4 min de cada componente do esquema zero nas últimas sessões da Fase de Teste.
múltiplo e 1 min de ICI). Uma visita ao LAPEX Tanto P2 quanto P3 tiveram sua participação
envolvia no máximo 8 sessões. Foi reali- encerrada por desistência). Como detalhado
zado um intervalo de 2 min entre sessões. abaixo, contudo, renovação diferencial siste-
Nesse momento o experimentador solicitava mática não foi observada entre participantes.
ao participante que se retirasse da sala de
coleta de dados, quando o experimentador A Figura 3 apresenta a taxa de respostas na
programava uma nova sessão. Fase de Extinção como proporção da média
da taxa de respostasdas últimas cinco sessões
da Fase de Reforçamento. Para o Participante
Resultados 1, em quatro das 10 sessões (2, 4, 5 e 6) da
Fase de Extinção, houve maior resistência no
A Figura 2 apresenta a taxa de respostas em componente previamente correlacionado ao
cada componente do esquema múltiplo em VI 15 s, em três sessões (1, 3 e 7) houve maior
cada sessão do experimento. Para cada par- resistência no componente previamente cor-
ticipante, embora o comportamento em cada relacionado ao VI 60 s. Nas últimas três ses-
componente tenha sido variável nas primeiras sões dessa fase, os valores se sobrepõem para
sessões da Fase de Reforçamento, todos os par- ambos os componentes. Para o Participante 2,
ticipantes atingiram o critério de estabilidade. em seis (1, 8, 10, 11, 12, 13) das 15 sessões foi
Nas sessões finais dessa fase, a taxa de respos- observada maior resistência no componen-
tas foi semelhante entre os componentes para te previamente correlacionado ao VI 60 s. O
o Participante 2, e maiores no componente comportamento no componente previamente
correlacionado ao VI 60 s para os participantes correlacionado ao VI 15 s foi mais resistente
1 e 3. Na primeira sessão da Fase de Extinção, a em apenas duas sessões (3 e 5); nas demais
taxa de respostas aumentou em ambos os com- sessões não houve diferenciação entre os
ponentes em relação à última sessão da Fase componentes. O Participante 3, por sua vez,
de Reforçamento (exceto para o Participante apresentou maior resistência no componente
1, no componente previamente correlacionado previamente correlacionado ao VI 60 s em 16
ao VI 15). Entre sessões dessa fase, a taxa de (1, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 22,
respostas diminuiu para próximo de zero em 24, 25, 26, 27, 28 e 35) das 37 sessões.

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Figura 2. Taxa de respostas (por min) em cada sessão do experimento. Círculos fechados representam o com-
ponente correlacionado com o VI 15 s na Fase de Reforçamento; círculos abertos representam o componente
correlacionado com o VI 60s nessa mesma fase. Note as diferentes escalas do eixo Y em cada gráfico.

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Já no componente previamente correlacio- Discussão


nado ao VI 15 s, o comportamento foi mais
resistente em apenas quatro sessões.Em Neste estudo foi possível notar que renova-
geral, entre sessões dessa fase, não houve ção de alta magnitude foi observada em cada
resistência à mudança diferencial entre os componente do esquema múltiplo, para cada
componentes do esquema múltiplo. Isto é, participante do presente experimento (ver
para os três participantes, o comportamento Figura 1). Esse resultado é similar ao obtido
ora foi mais resistente no componente pre- em estudos anteriores (e.g., Bouton et al.,
viamente correlacionado ao VI 15 s, ora no 2012; Kelley et al., 2015). No entanto, não
componente previamente correlacionado ao foram observados efeitos sistemáticos da taxa
VI 60 s, ora não houve diferença na resis- de reforços na Fase de Reforçamento sobre
tência entre os componentes. a resistência a mudanças e sobre a renova-
ção (ver Figura 2). Portanto, os resultados do
A Figura 4 apresenta o log (base 10) da taxa de presente estudo não replicam aqueles obtidos
respostas na Fase de Teste como proporção previamente com pombos expostos a dife-
da média da taxa de respostas nas últimas rentes taxas de reforços na primeira fase em
duas sessões da Fase de Extinção. Valores um procedimento de renovação (Berry et al.,
maiores e menores do que zero indicam que 2014; Podlesnik & Shahan, 2009, Experimento
a taxa de respostas no teste foi, respectiva- 3). Nesses estudos, o comportamento foi mais
mente, maior (i.e., renovação) e menor do resistente, e a renovação de maior magnitude,
que a taxa de respostas na Fase de Extinção. no componente correlacionado a altas taxas
A ausência de pontos indica que a taxa de de reforços na primeira fase.
respostas foi igual a zero em uma determi-
nada sessão (cf. Cançado, Abreu-Rodrigues É possível que o comportamento dos par-
& Aló, 2016). Assim como na Figura 1, os ticipantes não tenha sido sensível a taxa
dados dessa figura mostram que a reno- diferencial de reforços programada na Fase
vação ocorreu em cada componente, para de Reforçamento (i.e., VI 15 s vs. VI 60 s). A
cada participante (i.e., os valores em cada não diferenciação da taxa de respostas entre
componente são maiores do que zero). Além os componentes nessa fase é um dado que
disso, mostram que, para cada participante, sugere que esse seja um fator importante
renovação diferencial não foi observada. Isto para compreender os presentes resultados.
é, a magnitude da renovação não foi siste- No presente estudo o controle da taxa de
maticamente diferente entre os componentes respostas foi realizado ao se estabelecer que
do esquema múltiplo correlacionados a taxas a estabilidade ocorreria quando não hou-
de reforços diferentes na Fase Treino (i.e., os vesse variação maior do que 10% nas taxas
dados de cada componente estão sobrepos- de resposta. Entretanto, essa exigência
tos em praticamente todas as sessões com não especificava que as taxas deveriam ser
exceção das sessões 8, 10, 11, 12 3 13 do P2). diferenciadas.

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COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
EM FOCO VOL. 9

Figura 3.Taxa de respostas em cada componente na Fase de Extinção como proporção da média da
taxa de respostas nas últimas cinco sessões da Fase de Reforçamento. O cálculo de proporção foi
realizado da seguinte maneira: primeiro a taxas de respostas das últimas cinco sessões foram somadas
e o total dividido por cinco, o valor obtido foi a média da taxa de respostas. Depois a taxa de respostas
de sessão da Fase de Extinção foi dividida pelo valor da média da taxa de respostas. Círculos fechados
representam o componente correlacionado com o VI 15 s na Fase de Reforçamento; círculos abertos
representam o componente correlacionado com o VI 60 s nessa mesma fase.Note as diferentes escalas
do eixo Y em cada gráfico.

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Poliana F. da Silva, Rogério G. dos Santos Baia,
COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
EM FOCO VOL. 9

Figura 4. Log (base 10) da taxa de respostas na Fase de Teste como proporção da média da taxa de respostas
nas últimas duas sessões da Fase de Extinção. Círculos fechados representam o componente correlacionado
com o VI 15 s na Fase de Reforçamento; círculos abertos representam o componente correlacionado com
o VI 60 s nessa mesma fase. Note as diferentes escalas do eixo Y em cada gráfico.

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Poliana F. da Silva, Rogério G. dos Santos Baia,
COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
EM FOCO VOL. 9

Apesar de não ter sido exigida a diferen- da manipulação de estímulos antecedentes


ciação das taxas de respostas na Fase de (e.g., o uso de cores de botão de respostas
Reforçamento durante a estabilidade ocorreu diferentes) pode ser uma alternativa a ser
para um participante (Participante 1) como explorada em experimentos futuros. Estudos
pode ser observado na Figura 1. Ademais, a au- em desenvolvimento em nosso laboratório
sência de resistência a mudanças diferencial estamos investigando se, de fato, a forma
é um outro fator que sugere pouco controle como o contexto foi programado pode in-
do comportamento na Fase de Reforçamento fluenciar na diferenciação da resistência a
pela taxa de reforços em cada componente. É mudança e na magnitude de renovação do
possível que esse seja um fator responsável comportamento em esquemas múltiplos.
também pela ausência de renovação dife-
rencial no presente estudo. Embora os es- Outra possibilidade de investigação sobre va-
quemas utilizados no presente experimento riáveis determinantes da renovação compor-
(VI 15 s e VI 60 s) programassem uma razão tamental com humanos é analisar os efeitos
de 4:1 reforços entre componentes, a utili- da taxa de reforços sobre a resistência a mu-
zação de razões de reforços mais extremas danças e a renovação por meio de esquemas
entre componentes em estudos futuros pode simples, o que permitiria a exposição de cada
facilitar o controle da taxa de respostas pela participante aos diferentes esquemas de re-
taxa de reforços e permitir a observação de forçamento na Fase de Reforçamento por um
resistência a mudanças e renovação diferen- tempo maior do que aquele programado em
ciais com um procedimento semelhante ao cada sessão do presente experimento (4 min a
utilizado no presente experimento. cada esquema em cada sessão). Um modo de
investigar a renovação com esquemas sim-
Um outro fator que pode ter influenciado os ples poderia envolver a exposição as três fases
resultados do presente experimento é a forma (Fase de Reforçamento, Fase de Extinção e
como o contexto foi manipulado. Em estudos Fase de Teste) com um único esquema – um
sobre renovação os estímulos antecedentes VI 10s, por exemplo. Depois de finalizada a
são constantes entre as fases (e.g., a cor do investigação nesse esquema inicial, o parti-
disco de respostas nos experimentos com cipante seria exposto as mesmas três fases,
pombos conduzidos por Berry et al., 2014, e mas em outro esquema – VI 120s. Os dados do
por Podlesnik & Shahan, 2009, Experimento mesmo participante seriam comparados nas
3) e o contexto é manipulado. No presente diferentes fases com diferentes esquemas.
experimento, a cor do botão de respostas era Dado o acesso limitado ao comportamento
constante entre as fases, e não houve dife- de participantes humanos, essa é uma opção
renciação entre os estímulos programados que pode ser útil se comparada ao aumento
como contexto e os estímulos antecedentes da duração de cada componente do esquema
(ambos, cor do fundo da tela do computa- múltiplo. Essa possibilidade também está
dor). A manipulação do contexto (e.g., cor sendo investigada em experimentos em an-
do fundo da tela) de maneira independente damento em nosso laboratório.

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Poliana F. da Silva, Rogério G. dos Santos Baia,
COMPORTAMENTO Alina B. Cabral, Fábio H. Baia, Carlos R. X. Cançado
EM FOCO VOL. 9

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Poliana F. da Silva, Rogério G. dos Santos Baia,
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119
COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

Negritude e análise do comportamento: Táhcita Medrado Mizael 


UFSCar
Publicações, relevância e caminhos tahcitammizael@gmail.com

para seu estudo Ariane Rico Gomes 


UFSCar

Gabriela Jheniffer Teixeira Silva 


Blackness and Behavior Analysis: Publications,
UFSCar
relevance and paths for studying it

Resumo Abstract
O objetivo deste capítulo foi analisar pesquisas da The aim of this chapter was to analyze behavioral-
análise do comportamento com questões raciais, de analytic research with racial issues, in order to justify
modo a justificar o estudo dessa temática, elencar a the study of this theme, to summarize the academic
produção a respeito do tema e apontar novas propos- publications on the subject and to propose new
tas de investigação. Uma revisão da literatura analíti- research ideas. A literature review regarding behavior
co-comportamental sobre questões raciais evidenciou analysis and racial issues showed the scarcity of
a escassez de estudos dessa temática na área. Em such studies in the field. Then, a brief description
seguida, foi feita uma breve descrição de cada uma of each of the studies found in the literature review
das pesquisas encontradas. Utilizando as ideias de was summarized. Using Skinner’s ideas concerning
Skinner sobre os propósitos da ciência, justificativas the purposes of science, the social and scientific
sobre a relevância social e científica deste tema foram relevance of this theme was presented and related
apresentadas e relacionadas com dados estatísticos to statistical data on the social disparities between
a respeito das disparidades sociais entre negros e Black and non-Black individuals in Brazil. Finally,
não-negros no Brasil. Por fim, foram mostradas al- some research ideas that can be addressed in future
gumas ideias de pesquisas que podem ser conduzidas studies were shown.
no futuro.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Raça; Análise do comportamento; Preconceito racial; Race; Behavior analysis; Racial prejudice; Blackness
Negritude

120
COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

A interlocução da análise do comportamento Analysis: Research and Practice, Behavior and


com questões sociais é um tópico relevante Social Issues, Journal of Applied Behavior Analysis,
do ponto de vista social e científico. No Brasil, Journal of Contextual Behavioral Science, Journal
embora a maioria da população seja autode- of the Experimental Analysis of Behavior, The
clarada negra (IBGE, 2017), as questões raciais, Analysis of Verbal Behavior, The Behavior Analyst
como a negritude e o preconceito racial, são e The Psychological Record. A busca dos artigos
temas pouco estudados na psicologia (e.g., foi realizada em julho de 2017.
Sacco, Couto, & Koller, 2016). E a análise do
comportamento? O que tem produzido a res- Na busca realizada nos periódicos nacionais
peito deste tema? O objetivo deste trabalho não foram encontrados artigos que tratas-
foi analisar as pesquisas da análise do com- sem da temática negritude. Nos periódicos
portamento com questões raciais, de modo a internacionais, foram encontrados nove
justificar o estudo dessa temática, elencar a artigos sobre o tema, sendo que seis deles
produção a respeito do tema e apontar novas foram publicados em um mesmo periódico
propostas de investigação. (The Psychological Record). A Tabela 1 mostra
a distribuição dos artigos com os nomes dos
Inicialmente foi feita uma revisão das pes- autores, título, ano e periódico de publicação.
quisas publicadas nas principais revistas de
análise do comportamento nacionais e in- Como pode ser visto na Tabela 1, apenas
ternacionais sobre a temática negritude. O dez pesquisas foram encontradas sobre a
critério de inclusão dos artigos foi tratar da temática negritude nos periódicos interna-
temática negritude na perspectiva analíti- cionais. Somente 35 anos após a primeira
co-comportamental, independentemente publicação sobre a temática um novo tra-
do tipo de pesquisa e data de publicação. balho foi publicado. Desde então, poucos
As palavras-chave buscadas foram: racis- estudos foram publicados, apesar de haver
mo, preconceito racial, discriminação racial, uma tendência de um novo artigo publica-
negro, preconceito, racial e intervenção e do a cada um ano e meio, em média. Outro
seus equivalentes em inglês. O termo negro dado que merece destaque é que na metade
foi traduzido como “Black” e como “afro- dos artigos publicados o Procedimento de
American” no inglês. Avaliação Relacional Implícita foi utili-
zado (IRAP - Implicit Relational Assessment
A busca dos artigos foi realizada em duas Procedure). Em termos gerais, o IRAP é um
etapas. Na primeira, foram revisados três peri- software desenvolvido para avaliar respostas
ódicos nacionais, sendo eles: Revista Brasileira relacionais breves e imediatas (i.e., padrões
de Análise do Comportamento (REBAC), de resposta com baixa latência), como, por
Revista Brasileira de Terapia Comportamental exemplo, vieses e preconceitos, evidenciando
e Cognitiva (RBTCC) e Revista Perspectivas a história de aprendizagem de um indiví-
em Análise do Comportamento. Na segunda duo, apesar das tentativas de não os eviden-
etapa, foram revisados nove periódicos in- ciar (e.g., Barnes-Holmes, Barnes-Holmes,
ternacionais: Acta Comportamentalia, Behavior Power, Hayden, Milne, & Stewart, 2006).

121
COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

Título Autores Periódico Data

Exploring racial bias in a European country Power, P. M, Barnes-


The Psychological
with a recent history of immigration of Holmes, D., & Barnes- 2017
Black Africans Record
Holmes, Y.
Análise do Comportamento e preconceito Mizael, T, M, & de Rose, J. Acta
racial: Possibilidades de interpretação e 2017
desafios C. Comportamentalia

Mizael, T. M., de Almeida,


Changing racial bias by transfer of func- The Psychological
J. H., Silveira, C. C., & de 2016
tions in equivalence classes Record
Rose, J. C.

Drake, C. E., Kramer, S.,


Exploring the reliability and convergent Behavior and
Saim, T., Swiatek, R., Kohn, 2015
validity of implicit racial evaluations Social Issues
K., & Murphy, M.

Understanding racial attitudes through the Carvalho, M. P., & de Rose, The Psychological
2014
stimulus equivalence paradigm J. C. Record

Drake, C. E., Kellum, K. K.,


Examining the Implicit Relational Wilson, K. G., Luoma, J. B., The Psychological
Assessment Procedure: Four preliminary 2010
studies Weinstein, J. H., & Adams, Record
C. H.
The Implicit Relational Assessment
Procedure: Exploring the impact of private
Barnes-Holmes, D., Murphy,
versus public contexts and the response The Psychological
A., Barnes-Holmes, Y., & 2010
latency criterion on Pro-White and Anti- Record
Stewart, I.
Black stereotyping among white Irish
individuals

The Implicit Relational Assessment


Power, P. M., Barnes-Holmes, The Psychological
Procedure (IRAP) as a measure of implicit 2009
D., & Barnes- Holmes, Y. Record
relative preferences: A first study

Combating everyday racial discrimination


without assuming racists or racism: New Behavior and Social
Guerin, B. 2005
intervention ideas from a contextual Issues
analysis

Reinforced racial integration in the first Hauserman, N., Walen, S. R., Journal of Applied
1973
grade: A study in generalization & Behling, M. Behavior Analysis

Tabela 1. Artigos encontrados.

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COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

Breve resumo da literatura o conceito em diferentes abordagens analíti-

encontrada co-comportamentais. A primeira abordagem


do tema analisou as atitudes como compor-
tamento verbal. Assim, as atitudes, além de
Análises Teóricas
funcionarem como tato, também poderiam
ter a função de intraverbais e mandos. A se-
Guerin (2005) realizou uma análise teórica gunda visão foi interpretada a partir do par-
sobre práticas racistas cotidianas, como o adigma de equivalência de estímulos. Nesse
uso de piadas, sugerindo novas formas de tipo de análise, o preconceito racial é visto
intervenção no problema. O autor inicia o como a formação de classes de equivalência
texto analisando o que tem sido estudado entre pessoas negras e atributos considerados
na psicologia sobre o racismo, concluindo negativos. Desse modo, o preconceito racial
que a área tem se dedicado ao estudo de não seria aprendido apenas por treino direto,
como mudar comportamentos de pesso- mas também a partir de relações derivadas
as rotuladas como racistas apenas quando entre estímulos que foram relacionados in-
os comportamentos são abertos e de alta diretamente na vida de um indivíduo.
magnitude, como agressões físicas. Guerin,
então, sumariza as principais discrimina- Na terceira abordagem, de acordo com a
ções sofridas pelas vítimas de racismo em teoria das molduras relacionais (RFT; Hayes,
diversos âmbitos (como escola, trabalho e Barnes-Holmes, & Roche, 2001), o preconcei-
em situações sociais), na forma de piadas, to seria o resultado da participação dos indi-
rotulação, exclusão, entre outros compor- víduos em categorias verbais. Assim, a partir
tamentos, analisando funcionalmente as de dicas contextuais, os indivíduos teriam a
diversas variáveis que poderiam controlar habilidade de derivar relações a partir da for-
a emissão desses comportamentos racistas. mação de relações entre estímulos/eventos.
Por fim, são sugeridas novas intervenções Por fim, tanto na equivalência quanto na RFT,
baseadas no ensino de interações sociais a transferência ou transformação de funções
saudáveis (que incluem habilidades sociais pode ocorrer. Isso significa que, quando um
e comunicação verbal adequada), além de estímulo relacionado com outros n estímu-
serem propostas intervenções diferenciadas los na vida de um indivíduo passa a ter uma
a indivíduos que se comportem de maneira função, esta é transferida ou transformada
racista com o intuito de prejudicar ou não a entre os demais membros da classe, de acordo
vítima (e.g., para ser integrado, por falta de com o tipo de relação estabelecida (e.g., si-
habilidades sociais, etc.). milaridade, oposição, hierarquia, etc.), sem
a necessidade de treino direto.
O segundo estudo desta categoria, de Mizael
e de Rose (2017), objetivou sistematizar a Pode-se ver, portanto, que apesar da escassez
contribuição da análise do comportamento de análises teóricas, os conceitos analítico-
com relação ao preconceito racial, analisando -comportamentais parecem ser úteis para

123
COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

analisar comportamentos envolvidos em prá- brancas com crianças negras. Apesar de ter
ticas racistas, bem como para entender ati- resultados promissores, não encontramos
tudes negativas com relação a um indivíduo replicações ou pesquisas do mesmo tipo, o
ou grupo de indivíduos, a despeito de uma que mostra como a área tem negligenciado
história de punição ou outras consequências a negritude como tema de importância.
aversivas com essa pessoa ou grupo.

Procedimento de Avaliação
Reforçamento Diferencial Relacional Implícita (IRAP)
O trabalho de Hauserman, Walen e Behling O IRAP (Implicit Relational Assessment
(1973) teve como objetivo a promoção de in- Procedure, Barnes-Holmes et al., 2006) é
tegração entre crianças brancas e negras em um instrumento que utiliza a latência de
uma sala de aula predominantemente branca. resposta como medida central para a ava-
Participaram da pesquisa cinco crianças liação de relações consideradas consistentes
negras e 20 crianças brancas de uma mesma ou inconsistentes com a história de vida de
sala de aula. A escolha dessa sala de aula se cada participante. No computador, termos
deu devido a reclamações da professora, que relacionais são apresentados (e.g., negro-
percebeu que as crianças negras eram isola- positivo, negro-negativo, branco-positivo,
das pelo resto da turma. Neste estudo, a pro- branco-negativo), e os participantes devem
fessora foi instruída a reforçar (com elogios) responder rapidamente (geralmente em até 2
os alunos que se sentavam durante o lanche segundos para adultos) e de maneira acurada
com uma criança negra (embora não fosse a essas relações, de acordo com uma regra
pedido explicitamente que as crianças bran- dada pelo experimentador. Assim, em cada
cas se sentassem com as negras, e sim que se tentativa, um estímulo-alvo é apresentado
sentassem com um novo colega) e que reali- (e.g. negro) junto com dicas contextuais,
zavam atividades em grupo com tais crianças. também chamadas de rótulos (e.g. bom/
Depois, o reforço continuou a ser dado sem ruim), e os participantes devem confirmar
que a professora desse as instruções sobre o ou não essa relação apertando teclas do
“jogo” (se sentar com um novo amigo). Os computador (opções de resposta; e.g. D para
elogios aumentaram a integração das crian- sim e K para não; D para verdadeiro e K para
ças, e após a fase experimental, verificou-se falso). As tentativas são separadas em blocos
que as crianças brancas também generali- considerados consistentes e inconsistentes
zaram tais comportamentos de integração, com a história de vida dos participantes, e
passando a brincar e sentar em grupo com a avaliação é feita pela diferença da latência
as crianças negras durante as aulas também. de respostas nos blocos consistentes e in-
consistentes, obtendo-se informações sobre,
Essa foi a única pesquisa encontrada que por exemplo, vieses e preconceitos. Cinco
utilizou reforçamento diferencial para au- pesquisas encontradas utilizaram o IRAP
mentar diretamente a interação de crianças para a investigação de questões raciais.

124
COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

Power, Barnes-Holmes, Barnes-Holmes e de questões, sem restrições temporais para


Stewart (2009) conduziram duas pesquisas. fazê-lo). O primeiro estudo tinha como ob-
Participaram do primeiro estudo 16 irlande- jetivo verificar se havia diferenças no viés
ses com idades entre 18 e 35 anos. Os par- racial dos participantes dependendo do con-
ticipantes responderam uma escala Likert texto em que respondiam os instrumentos.
sobre quão simpáticos eles acreditavam ser Participaram do estudo 31 indivíduos com
pessoas irlandesas, escocesas, americanas e idades entre 18 e 62 anos, os quais respon-
africanas. Depois os participantes respon- deram o IRAP em um contexto privado (15
deram o IRAP, que continha, além desses participantes) ou público (16 participantes).
estímulos-alvo, os rótulos “mais agradá- No contexto público os participantes foram
vel” e “menos agradável” e duas opções de instruídos que o escore de viés racial obtido
resposta, “verdadeiro” e “falso”. Na escala seria comparado com a pontuação de outros
Likert, os irlandeses e escoceses foram con- participantes; no contexto privado essa in-
siderados mais simpáticos que os africanos, formação era omitida. No IRAP, os estímu-
e estes, mais simpáticos que americanos. los-alvo eram um homem branco ou negro
Entretanto, no IRAP os participantes mos- segurando uma arma, os rótulos “seguro”
traram preferência por irlandeses quando e “perigoso”, e as opções de resposta eram
comparados com escoceses, escoceses, verdadeiro e falso. Neste estudo, não houve-
quando comparados com americanos e ame- ram diferenças significativas entre os grupos
ricanos, quando comparados aos africanos. de contexto público e privado em nenhum
No Estudo 2, 16 participantes que nasceram dos instrumentos. Os resultados do IRAP
nos Estados Unidos e viviam na Irlanda, indicaram um viés pró-negro, ou seja, os
com idades entre 18 e 35 anos, responde- participantes tendiam a responder “seguro”
ram aos mesmos instrumentos do Estudo 1. nas imagens de homens negros segurando
Como resultado da escala Likert, os irlande- uma arma, tanto na condição pública quanto
ses foram vistos como mais simpáticos que privada. O mesmo viés pode ser observa-
os outros três grupos, os quais obtiveram do nas medidas de autorrelato em contex-
pontuações semelhantes entre si. No IRAP, to privado (relacionar homens negros com
os participantes mostraram preferência por seguro), enquanto no contexto público houve
americanos quando comparados com irlan- um viés pró-branco – participantes classi-
deses, irlandeses quando comparados com ficaram as fotos de homens brancos como
escoceses, e escoceses, quando comparados mais seguras –, contrariando a hipótese de
com africanos. maior viés pró-negro no contexto público.
Por essa razão, um novo estudo foi proposto:
Barnes-Holmes, Murphy, Barnes-Holmes e Nele, participaram 19 pessoas brancas, com
Stewart (2010) descrevem dois estudos que idades entre 18 e 52 anos, que responde-
utilizaram o IRAP, além de outras medidas de ram os mesmos instrumentos utilizados no
autorrelato (medidas em que o participante Estudo 1, mas desta vez a latência das respos-
responde deliberadamente a um conjunto tas foi reduzida de três para dois segundos.

125
COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

Nesta condição, os resultados do IRAP evi- viés significativo anti-negro. Assim, todos
denciaram vieses pró-branco e anti-negro, os participantes (brancos e negros) tende-
embora as medidas de autorrelato continu- ram a atribuir mais características positivas
assem a evidenciar vieses pró-negro. a seu próprio grupo racial sem, entretanto,
atribuir características negativas ao outro
A pesquisa de Drake, Kellum, Wilson e Luoma grupo. Nas medidas de autorrelato, os par-
(2010) investigou a sensibilidade do IRAP in- ticipantes brancos demonstraram maiores
vestigando quatro temas: raça, gênero, re- níveis de viés negativo para os negros, em
ligião e obesidade. Por conta da temática do comparação com o viés demonstrado pelos
presente capítulo, só serão apresentados os negros com relação a pessoas brancas.
métodos e resultados relativos a raça. Quinze
estudantes universitários de raças não iden- Power, Harte, Barnes-Holmes e Barnes-
tificadas no texto responderam o IRAP que Holmes (2017) tiveram como objetivo iden-
mostrava os estímulos-alvo “branco” e tificar a existência de viés racial em indiví-
“negro” juntamente com atributos positivos duos negros e brancos residentes na Irlanda.
e negativos (e.g., bom e ruim) e as opções Participaram da pesquisa 22 jovens adul-
de resposta verdadeiro e falso. Nesse grupo, tos, com idades entre 17 e 26 anos de idade,
os resultados mostraram a presença de viés nascidos na Nigéria e residentes na Irlanda
pró-branco nos participantes, enquanto os desde os cinco anos de idade. Além disso,
vieses pró e anti-negro não foram estatis- outros 18 jovens adultos irlandeses, com
ticamente significativos. idades entre 18 e 28 anos foram recrutados
para a pesquisa. Os instrumentos utiliza-
Drake, Kramer, Sain, Swiatek, Kohn e Murphy dos foram o IRAP e medidas de autorrelato.
(2015) tiveram como objetivo utilizar o IRAP No IRAP, os estímulos-alvo eram “Eu acho
em uma amostra de estudantes negros e que pessoas brancas/negras são”, os rótu-
brancos. Participaram da pesquisa 57 estu- los “estúpido” e “esperto” (stupid e clever,
dantes de psicologia, sendo 22 declarados respectivamente), e as opções de resposta
brancos, 22 negros, nove de outras raças e verdadeiro e falso. De maneira geral, os re-
quatro com classificação mista. Os instru- sultados mostraram a existência de vieses
mentos utilizados foram medidas de autor- anti-negro e pró-branco nos participantes
relato e o IRAP. No IRAP, os estímulos-alvo irlandeses, e vieses pró-negro e pró-branco
foram “pessoas brancas” e “pessoas negras”, nos participantes nigerianos. Nas medidas
os rótulos, atributos positivos e negativos, e de autorrelato, ambos os participantes de-
as opções de resposta, verdadeiro e falso. Os monstraram viés pró-negro.
resultados mostraram que os participantes
brancos demonstraram um viés pró-bran- Os estudos com o IRAP permitem verificar
co e nenhum viés significativo anti-branco. a complexidade das relações que podem ser
Da mesma maneira, os participantes negros identificadas. Em alguns casos, foi identifi-
demonstraram viés pró-negro, mas nenhum cado um viés positivo para o endogrupo sem,

126
COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

necessariamente, existir um viés negativo um estímulo considerado negativo com outros


para o exogrupo (embora em alguns casos dois estímulos abstratos. Após o treino, apenas
isso tenha ocorrido). Talvez o principal dado um participante reverteu essa relação, passan-
obtido nessas pesquisas foram as diferenças do a relacionar o símbolo positivo às faces de
obtidas entre as medidas de autorrelato, e o pessoas negras. Os outros participantes man-
IRAP, mostrando o potencial do IRAP para tiveram o resultado do pré-teste, mostrando,
estudar temas socialmente sensíveis, como portanto, que mesmo em crianças a reversão
o preconceito. Além disso, apesar da iden- das relações entre estímulos socialmente car-
tificação de vieses por meio dessa medida, regados pode ser difícil.
nenhum destes estudos planejou algum tipo
de intervenção com o intuito de reduzir os Mizael, de Almeida, Silveira e de Rose (2016)
vieses evidenciados pelo instrumento. objetivaram estabelecer relações de equiva-
lência entre faces negras e um símbolo po-
sitivo em crianças que demonstraram vieses
Paradigma de Equivalência raciais em um pré-teste. Participaram do
de Estímulos estudo 13 crianças, com idades entre 8 e 10
anos. Inicialmente os participantes foram
Nos estudos que utilizaram o paradigma de treinados a relacionar o símbolo positivo com
equivalência de estímulos (Sidman, 1994; um símbolo abstrato, e este a faces de pes-
Sidman & Tailby, 1982), o preconceito racial soas negras. Na segunda classe, um símbolo
foi visto como a formação de classes de equi- considerado negativo foi relacionado a dois
valência entre pessoas negras e atributos ne- estímulos abstratos distintos. Embora no
gativos, envolvendo também a transferência pré-teste os participantes relacionaram, de
de funções, geralmente negativas, para essas maneira geral, as faces brancas ao estímulo
pessoas (cf. Mizael & de Rose, 2017). Duas positivo e/ou as faces negras ao estímulo
pesquisas encontradas utilizaram o para- negativo, após a intervenção ambas as faces
digma de equivalência de estímulos com o foram relacionadas com o símbolo positivo.
intuito de reverter ou reorganizar tais rela- Esses resultados foram inéditos e envolve-
ções e, assim, reduzir o preconceito racial. ram a manipulação de variáveis específicas
de treino e de teste, mostrando como tais
Na pesquisa de Carvalho e de Rose (2014) par- variáveis podem ser importantes na condu-
ticiparam da pesquisa quatro crianças, com ção desse tipo de pesquisa.
idades entre sete e 10 anos de idade. Os par-
ticipantes foram recrutados por demonstra- Em suma, essas duas pesquisas mostraram
rem vieses raciais em um pré-teste. O treino que, embora seja difícil reverter ou reorga-
consistiu em relacionar um símbolo positivo nizar classes de equivalência com estímulos
com um símbolo abstrato e depois, o símbolo socialmente sensíveis, é possível que uma
abstrato com faces de pessoas negras. Além reversão ocorra. Os estudos, apesar de possu-
disso, as crianças foram treinadas a relacionar írem um caráter social, ainda se enquadram

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COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

no que é referido como pesquisa básica (ou Para o pensamento skinneriano, a ciência
translacional), contudo, os autores comen- seria encarada então como uma ferramenta
tam que seus resultados podem ser úteis em prol da liberdade1 e do bem-estar social.
para a criação de intervenções futuras que Para colocá-la em prática seria necessário
objetivem a redução do preconceito racial (e seguir quatro objetivos que norteariam o
de outros tipos de preconceito). trabalho dos cientistas:

1. A descrição dos fatos: conhecer a fundo


O papel da ciência e informações sobre o fenômeno/variável
as questões raciais investigada;

Como pode ser visto nas pesquisas encon- 2. A descoberta da relação: buscar compre-
tradas, existem poucos estudos da AC no ender e tentar descobrir ordem no mundo,
que se refere ao tema “negritude”. Seria tentando encontrar causalidade entre
este então um tema desnecessário ou uma fenômenos/eventos;
variável sem grande impacto nos problemas
sociais? Antes de responder estas questões, 3. Previsão: a partir do conhecimen-
primeiro é necessário compreender qual a to dos fatos e das relações entre estes,
função da ciência. Para isso, será realiza- tentar prever quais seriam os próximos
do um breve resgate deste tópico na obra acontecimentos.
“Ciência e Comportamento Humano” de B.
F. Skinner (1953/2003). 4. Controle e modificação do comportamen-
to: caso, após a análise, constatar-se a
Logo no primeiro capítulo Skinner (1953/2003) necessidade de alteração da situação, uti-
discute questões relacionadas ao (mau) uso lizar-se-ia então a ciência como método
da ciência e enfatiza a necessidade de que o para alteração do contexto atual.
conhecimento seja útil e possua um objetivo
prático e relevante socialmente. Este argu- Por que levar em consideração a variável
mento é bastante presente em suas obras negritude nos estudos?
relativas ao comportamento humano, de
modo que Skinner defende uma ciência que Utilizemos a proposta de Skinner (1953/2003)
possa ter impactos práticos positivos para referente aos objetivos da ciência para ana-
a sociedade (e.g., Dittrich, 2004; Sampaio, lisar e responder esta questão:
2005; Skinner, 1953/2003).

1  Dentro da AC existe uma discussão importante acerca do conceito de “liberdade”. Aqui utilizamos este termo não como “pessoa
liberta de quaisquer contingências ou agências de controle”, mas sim como “a possibilidade de, por meio do conhecimento, modificar
suas interações com o ambiente (e o próprio ambiente) de forma a melhorar sua qualidade de vida” (Brandenburg & Weber, 2005).
Para maior aprofundamento da questão, ver mais em “O Mito da Liberdade” (Skinner, 1971/1973).

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COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

Descrição dos fatos

De acordo com dados disponibilizados pelo podemos encontrar as raízes destas dispari-
IBGE (2017), 54,9% da população brasile- dades. Inicialmente, logo após a chegada dos
ira é negra2. Tendo este dado como base, colonizadores no país, era necessária mão
podemos analisar pesquisas que realizam de obra barata para transformar a terra em
recortes sociais para verificar a existência algo produtivo. Assim, se aproveitando do já
de alguma disparidade: Quase 70% da pop- existente e lucrativo mercado escravagista,
ulação carcerária é composta por pessoas inicia-se em 1583 a vinda à força dos africa-
negras (Brasil, 2014); no campo da educação, nos para o Brasil, prática que terminou (pelo
apenas 20% dos estudantes universitários menos legalmente) com a assinatura da Lei
são negros (Brasil, 2016) e, de acordo com o Áurea em 1888 (Fernandes, 2016).
IBGE (2013), a diferença de salários entre pes-
soas negras e não-negras chega a 57%, com Os africanos eram considerados pela Igreja,
prejuízo para as primeiras. Pessoas negras instituição de grande poder no século XVI,
são as que mais morrem devido a condições como seres sem alma. Com o declínio do poder
reversíveis como desnutrição, mortes vio- da Igreja e advento da ciência como uma das
lentas, abortos sépticos, hanseníase, aids e maiores agências de controle (especialmente
doenças do trabalho (ONU, 2018). a partir do Iluminismo), a Frenologia ganha
força e adeptos em toda a Europa e é uti-
Pesquisas apontam também que profissionais lizada para reforçar a ideia da inferiorida-
de saúde ainda referenciam a pessoas negras de das pessoas negras. Em linhas gerais, a
uma suposta “resistência maior” a doenças e Frenologia afirmava que as características fí-
dores, o que resulta em negligências por parte sicas do crânio dos indivíduos determinavam
da equipe médica e sofrimentos desnecessári- traços da sua personalidade e inteligência. Os
os dos pacientes (Carias & Silva, 2016). Um moldes considerados ideais coincidiam com
exemplo deste estereótipo é trazido no estudo os traços europeus, enquanto os considerados
de Pinto (2016), onde evidencia-se que mul- inadequados e/ou limitados estavam ligados a
heres negras recebem menos anestesia em traços negroides (Macedo, 2016). Ao mesmo
procedimentos cirúrgicos, tendo maior mor- tempo, a economia era fortemente enrique-
talidade que mulheres brancas. cida com o tráfico de escravizados cada vez
mais crescente, uma vez que a expectativa
de vida de uma pessoa escravizada era ex-
Descobrir a relação tremamente baixa, o que resultava em uma
necessidade constante de novas “mercado-
Ao realizar o resgaste histórico da construção rias” (Amantino, 2007). Apesar da homolo-
do nosso país e do processo de miscigenação, gação da Lei Áurea em 1888, a escravatura

2  O IBGE não trabalha com o que os autores chamam de “raça”, mas sim com o chamado “quesito cor” (a cor da pele; Oliveira, 2004).

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COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

continuou como prática ilegal no país – ainda Nunes, 2006) e ausência de qualquer medida
atualmente temos registros de fazendas que de acesso ou permanência aos espaços ocu-
mantêm trabalhadores em condições análogas pados pelos indivíduos brancos.
à escravidão (e.g., Figueira, 2000; Rezende &
Rezende, 2013). Com base no exposto, é possível prever o que
acontece depois?
Durante a monarquia e, mesmo após a tran-
sição para a República, não houve qualquer
medida de apoio para os escravizados re- Previsão
cém-libertos. Eles não tinham amparo
algum, seja para voltar para seu continente Conforme os estudos supracitados, pode-se
de origem, seja para tentar reconstruir a pensar que a aprendizagem do preconcei-
vida no Brasil. Os mesmos argumentos que to racial se dá pelos menos das seguintes
justificavam a escravidão como algo não formas: aprendizagem direta, via, por exem-
passível de punição (como a afirmação de plo, reforçamento e punição; e aprendiza-
que eram desprovidos de inteligência) foram gem indireta, via formação de classes de
utilizados e reforçados após a (suposta) li- equivalência (ou de outras relações, como
bertação, o que se tornou mais uma barreira oposição, hierarquia, etc.) e via transferência
para a reconstrução da vida destas pessoas e transformação de funções. É interessante
(Amantino, 2007). Não houve qualquer tipo salientar que tanto nos casos de aprendiza-
de campanha ou movimento por parte dos gem direta quanto indireta, é possível que
governantes que visasse a humanização do a generalização baseada em características
indivíduo negro. Crenças difundidas pelas físicas ocorra3. Uma vez que não é necessá-
instituições de poder, como mencionado rio que as relações entre a população negra
anteriormente, não foram contraditas e se- e atributos negativos sejam acuradas para
guiram sendo reproduzidas no discurso do serem estabelecidas, a população negra sofre
senso comum. O corpo negro seguiu sendo com as consequências nefastas dessas formas
considerado inferior, “sem alma”, e desca- de aprendizagem, algumas delas brevemen-
racterizado enquanto ser humano – situação te supracitadas nas estatísticas do IBGE que
que segue até os dias atuais. mostram as disparidades entre a população
branca e não-branca.
Em resumo, temos 305 anos de escravatura
(legal) contra 130 anos da Lei Áurea, aliado Um exemplo interessante que ilustra como
ao ensino e manutenção de estereótipos essas crenças são amplamente difundidas e
perpetuados por instituições de poder (e.g., possuem implicações importantes na vida de

2  As formas de aprendizagem abordadas aqui não esgotam as análises ou as formas de aprendizagem possíveis (e.g., a aprendizagem
por regras também pode ocorrer, embora ainda não encontramos publicados estudos da área que discorram sobre o assunto), apenas
ilustram algumas maneiras pelas quais o preconceito racial pode ser aprendido”.

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COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

pessoas negras é um vídeo produzido por uma Controle e Modificação


campanha contra o racismo institucional, em
que o Governo do Estado do Paraná realizou um Os dados apresentados até aqui corroboram
teste de imagem e disponibilizou o resultado, não só a escassez de estudos sobre essa te-
por meio de um vídeo no site Youtube (https:// mática na AC, como salientam sua impor-
www.youtube.com/watch?v=JtLaI_jcoDQ). No tância. Entender os processos de aprendi-
vídeo explica-se brevemente a metodologia: zagem é um primeiro passo para o controle
profissionais de recursos humanos foram di- e modificação de práticas racistas. Desse
vididos em dois grupos distintos e emitiram modo, pesquisas que busquem entender as
opiniões espontâneas acerca de imagens apre- diversas formas pelas quais o preconceito
sentadas para estes por um mediador. Tais é aprendido, assim como os contextos nos
imagens continham pessoas em diferentes si- quais as pessoas emitem comportamentos
tuações cotidianas (em uma loja de roupas, em considerados racistas e o que tem reforçado
um shopping, paradas em frente a um prédio, esse tipo de comportamento são essenciais
correndo). As imagens apresentadas aos dois para se pensar em maneiras de reduzi-los.
grupos eram muito semelhantes: possuíam
o mesmo cenário, mesmo vestuário, mesma As pesquisas que utilizaram reforçamento
pose e mesma expressão facial. A única dife- diferencial e relações derivadas mostraram
rença entre cada uma delas era a cor de pele que, em determinados contextos, é possível
da pessoa fotografada, sendo branca para um reduzir os vieses raciais negativos e aumentar
grupo, e negra para o outro. Após a apresen- a interação entre crianças brancas e negras,
tação de cada foto, os profissionais deveriam mas outras pesquisas também podem ser
inferir a profissão daquela pessoa (ou o que ela feitas, utilizando-se os conhecimentos da
estava fazendo). As diferenças nas atribuições área e articulando-os com a literatura de
foram gritantes entre os grupos: enquanto as outras áreas como a psicologia social e a
imagens que continham pessoas brancas foram sociologia, por exemplo.
relacionadas a profissões de alto poder aqui-
sitivo e status social elevado (e.g., designer de
moda, executivo), as fotos das pessoas negras Caminhos para o estudo
foram relacionadas a cargos mais baixos e de
menos status social (e.g., vendedora de loja Com base no exposto, há necessidade de mais
e segurança de um shopping) e inclusive de pesquisas analítico-comportamentais sobre
condutas criminosas (pichadora), algo que não a temática negritude, com foco interventi-
ocorreu nas fotos com as pessoas brancas (a vo e em populações de diferentes culturas
mesma imagem com a pessoa branca foi vista e idades (tendo em vista que a maior parte
como “grafiteira”). Isso mostra como essas dos estudos encontrados foram realizados
avaliações podem impedir pessoas negras de com adultos). A maioria dos estudos foram
conseguir empregos e inclusive classifica-las publicados em revistas internacionais, no
como criminosas indevidamente. entanto, três pesquisas publicadas em tais

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COMPORTAMENTO Táhcita M. Mizael, Ariane R. Gomes, Gabriela J. T. Silva
EM FOCO VOL. 9

periódicos foram de autores brasileiros. A aprendizagem e seus processos, não sendo


despeito disto, há a necessidade de mais típico da área o estudo do conteúdo do com-
pesquisas divulgadas no Brasil, em portu- portamento (Glenn & Malagodi, 1991), ou
guês, sobre a questão racial brasileira, que seja, seus temas particulares. No entanto,
pode ser diferente da encontrada em outros todo o arsenal analítico-comportamental
países, como os Estados Unidos e, também sobre controle de estímulos, por exemplo,
possibilitando que indivíduos que não ti- auxilia no entendimento de como práticas
veram oportunidade para aprender inglês racistas (machistas, sexistas, homofóbicas,
tenham acesso à literatura. etc.) são selecionadas e perpetuadas. Assim,
diante de temas sociais importantes, como
Outras sugestões de pesquisa são: estudos os apontados (machismo, racismo, homofo-
sobre o preconceito a partir de análises bia), o conteúdo do comportamento pode ser
culturais, utilizando, por exemplo, con- relevante para a área, no sentido de discutir
ceitos como metacontingências e macro- e pensar sobre soluções para problemas so-
contingências (se adequado), estudos sobre ciais que atingem um grande contingente de
questões raciais como o preconceito a partir pessoas em nossa cultura.
de diferentes molduras relacionais (e.g.,
oposição, hierarquia, diferença); análise e De acordo com Skinner (1953/2003):
criação de estratégias de contracontrole,
como as cotas raciais; além disso, e fazendo A ciência tem se desenvolvido desigualmen-
um paralelo com as terapias analítico-com- te. Ao atacar os problemas mais fáceis, vem
portamentais feministas, pesquisas que aumentando nosso domínio sobre a natureza
culminem no desenvolvimento de terapias inanimada sem nos preparar para os sérios
analítico-comportamentais anti-racistas problemas sociais que daí decorrem (p.4).

são muito bem-vindas.


Portanto, reconhecer a urgência desta inves-
A pesquisa em análise do comportamen- tigação é crucial para a construção de uma
to costuma ser sobre princípios básicos de sociedade igualitária.

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Mariana Frediani Sant’Ana,
COMPORTAMENTO Fábio Henrique Silva de Souza, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Uma discussão sobre identidade Mariana Frediani Sant’Ana


marianafs.psico@gmail.com
de gênero e orientação sexual no Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Comportamentalismo Radical Fábio Henrique Silva de Souza
fabio.h.de.souza@gmail.com
A Radical Behaviorism discussion on Universidade Estadual de Londrina (UEL)
gender identity and sexual orientation Camila Muchon de Melo
camuchon@uel.br
Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Resumo Abstract
Identidade de gênero e orientação sexual estão em Gender identity and sexual orientation are being dis-
pauta em debates políticos e educacionais atuais. cussed in current political and educational matters.
Trata-se de uma pesquisa teórico-conceitual cujo This chapter is about theoretical research, which
objetivo é apresentar apontamentos para uma pos- aims to present notes to a possible definition of
sível definição de identidade de gênero e orientação gender identity and sexual orientation according
sexual pelo Comportamentalismo Radical. Textos de to Radical Behaviorism. Texts of B. F. Skinner and
B. F. Skinner e Richard Malott foram as principais Richard Malott were the main sources utilized, beside
fontes utilizadas, além de publicações que auxiliaram others papers on current definitions of sexuality.
nas definições contemporâneas sobre sexualidade. Sexual orientation and gender identity are discussed
Discute-se orientação sexual e identidade de gênero as sexual values and behavioral styles, according to
enquanto valores sexuais e estilos comportamentais, the explanatory model of selection by consequen-
de acordo com o modelo explicativo da seleção por ces. It concludes that sexual orientation and gender
consequências. Conclui-se que a orientação sexual e identity are mainly derived from learning during
a identidade de gênero decorrem principalmente da lifetime, including cultural context features. Future
aprendizagem durante a história de vida, atravessa- research should consider recent investigations on
da por características do contexto cultural. Futuras biological variables. It is mentioned the relevance of
pesquisas devem considerar produções recentes sobre behavioral psychology, as science and profession, to
variáveis biológicas. Comenta-se a importância da psi- engage in this discussion, paying attention to ethical
cologia comportamental participar desse debate, en- and political aspects of the sexual diversity.
quanto ciência e profissão, atentando-se para aspectos
éticos e políticos a respeito da diversidade sexual.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Gênero; Orientação sexual; Comportamentalismo Radical; Gender; Sexual orientation; Radical behaviorism; Sexuality;
Sexualidade; Seleção por consequências. Selection by consequences.

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Mariana Frediani Sant’Ana,
COMPORTAMENTO Fábio Henrique Silva de Souza, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Introdução

Frente a debates atuais sobre a comunidade O Comportamentalismo Radical pode produ-


LGBT (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais zir um debate promissor sobre a sexualidade
e Transgêneros), dos movimentos feministas por abordar o comportamento como mutável
e suas repercussões políticas e práticas, a e determinado por três níveis de variação
Psicologia participa das discussões enquanto e seleção, ou seja, os níveis filogenético,
ciência e profissão. Considera-se importante ontogenético e cultural (Skinner, 1990). Ao
um posicionamento por parte da Psicologia, conceber o comportamento como multide-
e neste caso da Análise do Comportamento, terminado e dependente tanto da história da
para refletir suas práticas a partir do reco- evolução da espécie como da história indivi-
nhecimento do direito à diversidade sexual dual e do desenvolvimento das culturas, há a
e identidade de gênero. Assim, este capítulo possibilidade de compreender a sexualidade
busca contribuir para as discussões dentro humana com menor risco de explicações re-
dos movimentos recentes que colocam em ducionistas e naturalizantes.
pauta o direito das mulheres e da comuni-
dade LGBT, adotando um olhar crítico em Pesquisas recentes evidenciam possibilida-
relação à participação de instituições reli- des animadoras para a abordagem do fe-
giosas nas explicações sobre sexualidade e minismo e da sexualidade pela Análise do
suas consequências produzidas nos campos Comportamento. Fideles e Vandenberghe
político e social. Como exemplo, pode-se (2014) apresentam uma comparação entre a
citar o uso comparativo, em discursos que Psicoterapia Analítico Funcional e a Terapia
culpabilizam a mulher e exigem sua submis- Feminista, apontando que uma possível
são, da personagem bíblica feminina Eva e união entre as duas psicoterapias resulta-
seu suposto erro ao render-se à tentação da ria numa visão clínica engajada em valores
cobra e experimentar a maçã do conheci- políticos e mais ampla para acolher temas
mento. Também é possível observar figuras relacionados à identidade de gênero.
políticas valendo-se de trechos bíblicos para
justificar discursos que criminalizam as di- Silva e Laurenti (2016) discutem aproxima-
versas expressões de sexualidade. ções possíveis entre os fundamentos filosó-
ficos de B. F. Skinner e Simone de Beauvoir,
Representante do Comportamentalismo autora responsável pela sistematização e
Radical, B. F. Skinner (1904-1990) buscou divulgação de concepções das primeiras
construir uma teoria que explicasse os pro- teorias feministas. Presente nas filosofias
cessos psicológicos por meio da compre- de ambos autores, destaca-se a crítica a
ensão do comportamento em sua relação explicações que recorrem à essências para
com o ambiente, sem recorrer a causas explicar comportamentos e a feminilidade.
internas ou de outra natureza, como uma Em sua noção platônica, essência constitui
mente iniciadora (Skinner, 1950, 1977). a expressão real e imutável dos fenômenos,

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COMPORTAMENTO Fábio Henrique Silva de Souza, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

oposta às aparências, fonte de variabilidade e sexualidade e da temática no campo da


passível de erros e enganos. O antiessencia- Psicologia e da Análise do Comportamento,
lismo dos autores permite uma compreensão especificamente. Realizou-se a análise das
contextualista, que enfatiza a multidetermi- teses defendidas nos textos selecionados,
nação do comportamento humano enquanto comparando-as e discutindo seus princi-
produto das histórias da espécie, pessoal e pais conceitos. O capítulo se organiza com a
cultural (Silva & Laurenti, 2016). As autoras apresentação de um breve percurso histórico
concluem que “existem, portanto, diferentes do conhecimento acerca da sexualidade e a
modos de vida femininos, diferentes formas explicitação de quais definições contempo-
de relação com o mundo – notadamente com râneas dos conceitos de sexo biológico, iden-
o mundo social –, que constituem manei- tidade de gênero e orientação sexual foram
ras distintas de agir, perceber-se e sentir-se úteis para o estudo. Por fim, são apresentados
mulher” (p. 209). aspectos do Comportamentalismo Radical
que favorecem uma visão contextualista e
Outro exemplo de pesquisa recente sobre o selecionista sobre a sexualidade.
tema é a de Guerin e Ortolan (2017), na qual
analisam possíveis contextos mantenedores
da violência doméstica sofrida por mulheres, Breve história sobre
não se tratando de uma prática desconexa a sexualidade
do contexto social. Os autores enfatizam a
necessidade de análises que considerem ca- Ao longo da história houve uma diversida-
racterísticas relacionadas à organização pa- de de possibilidades tanto da experiência
triarcal e capitalista de nossa sociedade, uma da sexualidade como em sua compreensão,
vez que contingências estruturadas sob esse evidenciando que nossas práticas culturais e
tipo de sociedade afetam comportamentos concepções sobre o assunto se apresentam de
dos indivíduos mesmo em contextos ínti- forma não-linear com a passagem do tempo.
mos, como no relacionamento amoroso. Por exemplo, relacionamentos homoafetivos
entre os homens eram valorizados na Grécia
Qual é o papel da biologia na orientação Antiga (Corino, 2006), enquanto ainda são
sexual? O que é identidade de gênero? Quais as moralmente julgados em alguns setores das
influências culturais em nossa sexualidade? sociedades contemporâneas.
Tendo em vista a importância de tais ques-
tionamentos, o presente capítulo visa deli- Nas sociedades pré-estatais, as relações
near uma discussão sobre a relação entre os sexuais e afetivas entre os humanos eram
conceitos de identidade de gênero e orienta- consensuais e livres, mesmo que com ca-
ção sexual baseada no Comportamentalismo racterísticas diferentes das relações con-
Radical. Para tanto, o estudo consistiu em temporâneas. Segundo Lessa (2012), não
uma análise teórico-conceitual envolven- havia limites ou imposições advindas de
do a leitura de bibliografias a respeito da instituições semelhantes ao Estado ou ao

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COMPORTAMENTO Fábio Henrique Silva de Souza, Camila Muchon de Melo
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Direito para regular as relações sexuais. Na não havia uma diferença natural entre os
passagem da “sociedade primitiva” para a sexos biológicos, entretanto o gênero femi-
sociedade de classes, com o desenvolvimen- nino nas relações sociais se diferenciava do
to da produção de excedentes e da prática gênero masculino. Stearns (2007) discorre
escravista, houve a “substituição do consen- que as mulheres gregas ocupavam-se de ati-
so pela dominação na relação entre homens vidades maternas e domésticas e não parti-
e mulheres [...] A relação sexual passou a cipavam da política, pois eram consideradas
ocorrer entre maridos e esposas ou entre incapazes de raciocinar.
senhores e prostitutas” (Lessa, 2012, p. 31).
A relação familiar entre marido e mulher No Ocidente, as religiões como o Catolicismo,
visava a garantia de um herdeiro homem o Judaísmo e o Protestantismo tiveram um
que pudesse perpetuar a acumulação de papel decisivo para uma regulamentação
riqueza da família, muito importante para da heteronormatividade, ou seja, na valo-
a manutenção de um status na sociedade. rização da heterossexualidade como única
Dessa forma, a virgindade da mulher a se orientação sexual normal e a consequente
tornar esposa revelou-se essencial, pois ga- condenação de qualquer relacionamento
rantia que a herança familiar fosse para o sexual que não fosse entre um homem e uma
primogênito legítimo (Lessa, 2012; Stearns, mulher. A defesa da heteronormatividade
2007). Em decorrência dessa exigência para visava assegurar a função da família nucle-
a mulher, Lessa (2012) aponta que houve ar heterossexual e monogâmica, garantindo
uma limitação em seu desenvolvimento, a reprodução humana e a manutenção da
uma vez que as funções da esposa passaram ordem social (Adelman, 2000). A normati-
a envolver atividades restritas como limpar zação da constituição familiar e da relação
a casa, cozinhar, bordar e etc. A mulher era entre homem e mulher, já presentes desde
destinada aos afazeres domésticos enquanto algumas sociedades antigas, passam a ser
o homem participava da vida pública. consolidadas pelos ensinamentos e práticas
das instituições religiosas mais poderosas.
Na Grécia Antiga não havia diferenças entre os
sexos feminino e masculino, uma vez que os Durante a Idade Média, a sexualidade fe-
órgãos íntimos femininos eram considerados minina foi alvo de violenta repressão por
órgãos masculinos invertidos. A referência parte da Igreja Católica. Malleus Maleficarum
era o padrão masculino. “Segundo essa aná- ou ‘O martelo das feiticeiras’, foi um manual
lise, pode-se concluir que a anatomia nada utilizado pela Inquisição para a classificação
mais fez do que reiterar a ideia da supre- e para o julgamento de mulheres considera-
macia do homem, tomando-o como modelo das bruxas. Baseando-se no conteúdo desse
da estrutura do corpo humano e tratando a livro, Zordan (2005) mostra que a sexualida-
diferença sexual em termos de imperfeição” de e a expressão de poder estavam atreladas
(Martins, 2004, p. 29). Martins afirma que aos comportamentos das chamadas bruxas.

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Nas palavras da autora: secular que se propunha igualmente inques-


tionável (Szasz, 1978). Passou-se a investigar
Toda expressão de poder por parte de mulhe- com a medicina, a química e outras áreas,
res desembocava em punição. Cunhada dentro as diferenças orgânicas que justificassem
do cristianismo, a figura das bruxas tradu- as diferenças de gênero. Segundo Martins
zia-se em mulheres devoradoras e perversas (2004), as discussões filosóficas apresenta-
que matavam recém-nascidos, comiam carne vam um teor ideológico a respeito da natu-
humana, participavam de orgias, transforma- reza humana, visando justificar e naturalizar
vam-se em animais, tinham relações íntimas
as diferenças sociais entre homem e mulher:
com demônios e entregavam sua alma para o
diabo. (Zordan, 2005, p.332)
Se, por um lado, a filosofia defendia a digni-
dade natural dos seres humanos, sustentan-
Como explica Szasz (1978), Sprenger e do os argumentos em favor da liberdade e da
Krämer, os autores do Malleus Malleficarum, igualdade; por outro, utilizava-se das mesmas
afirmavam que a crença na existência de leis naturais para justificar as desigualdades

bruxas era inerente à fé cristã, conside- sociais ao afirmar que a Natureza não era
uniforme e que a existência de diferenças
rando heresia quem apresentasse a opinião
naturais entre os seres humanos podia ex-
contrária sobre sua existência. Szasz (1978)
plicar o motivo pelos quais alguns eram mais
afirma que o Malleus Malleficarum era um
aptos a assumir responsabilidades, a explicar
instrumento que justificava a superioridade
as coisas e a comandar, enquanto outros, por
masculina, pautando-se na figura mascu-
um impedimento natural, estavam destinados
lina de Jesus enquanto as mulheres eram a obedecer, a serem explicados e a se subor-
vistas como pecadoras e perigosas. Mulheres dinarem. (Martins, 2004, p. 30)
que dançavam nuas sob o luar, que provo-
cavam excitação sexual nos homens, que No final do século XIX surgem estudos no
participavam de orgias, que se rebelavam campo científico na tentativa de definir e clas-
ou incomodavam a comunidade, que viviam sificar pela primeira vez as pessoas homosse-
solitariamente ou eram vizinhas indiscretas xuais, construindo limites com o seu oposto,
poderiam ser castigadas pela Igreja sendo a heterossexualidade. Com estudos médicos
enforcadas, queimadas ou destinadas ao con- sobre os comportamentos sexuais que fugiam
finamento. Tais mulheres eram consideradas à norma, essas pessoas começaram a ser con-
bruxas justamente por divergirem da norma sideradas doentes, o que pressupunha haver
moral que ditava os limites da sexualidade uma dualidade entre a sexualidade saudável
(Zordan, 2005; Szasz, 1978). As bruxas eram e a doentia. O objetivo dos estudos era o de
rotuladas e torturadas por representarem a classificar a homossexualidade dentro das
insubmissão aos homens e a manifestação patologias, permitindo discutir suas possíveis
livre de sua sexualidade (Zordan, 2005). causas e promover uma terapização e norma-
tização da vida sexual, já que eram vinculados
No século XVIII, com o declínio do poder da a um movimento de higiene social (Adelman,
Igreja, estabelece-se uma visão científica e 2000; Vieira, 2009). Se a homossexualidade

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era entendida como doença, logo, haveria afirmações científicas que se pautavam no uso
uma cura. Evidencia-se uma concepção de da anatomia e fisiologia para classificação e
sexualidade heteronormativa e inerente ao patologização (Adelman, 2000; Vieira, 2009).
aspecto biológico.
Adelman (2000) esclarece que, de acordo com
Divergindo do discurso médico hegemônico, a teoria freudiana, as instituições criadas ao
uma das abordagens da sexologia enquanto longo do desenvolvimento da civilização são as
ciência concebia a homossexualidade como mesmas que limitam o ser humano de maneira
uma variação natural humana, não havendo repressiva e violenta. A institucionalização das
razão para classificá-la enquanto patologia. práticas sexuais colide com as possibilidades
A teoria de Karl Heinrich Ulrichs, por exem- de expressão sexual, visto que Freud defende
plo, pautou-se no materialismo e positivismo que somos predispostos à bissexualidade e
das ciências biológicas vigentes para afastar que as pressões e tabus culturais reduzem-na
a homossexualidade enquanto expressão de à escolha de um parceiro ou objeto de gênero
vício, devassidão ou doença (Vieira, 2009). específicos (Adelman, 2000).
Ulrichs, estudioso sobre a sexualidade e
advogado defensor da diversidade sexual, De acordo com o recorte histórico apresen-
“pensava que essa naturalidade baseava-se tado até o momento e considerando alguns
numa inversão sexual ‘natural’: a existên- fatos históricos mais recentes como as con-
cia de pessoas com corpos masculinos mas quistas das sufragistas e a retirada da ho-
possuidores de um desejo sexual ‘feminino’” mossexualidade da lista de doenças pela OMS
(Adelman, 2000, p. 166). em 1990, entende-se que a sexualidade não
é estanque e apresentou ao longo da história
Percebe-se que as justificativas da Igreja definições e práticas variadas, além de ainda
Católica para a heteronormatividade apoia- ser atravessada pela ciência e pela religião,
vam-se na moral religiosa e faziam menção ambas produzindo e ditando o que é certo e
a aspectos imateriais, como a alma, enquan- errado sobre práticas sexuais. A sexualidade
to que a abordagem da Ciência Moderna re- atualmente é definida, segundo o Caderno de
duzia a sexualidade ao biológico. Por outro Atenção Básica de Saúde Sexual e Reprodutiva
lado, Sigmund Freud (1856-1939), apesar de do Ministério da Saúde (Brasil, 2010), como
apresentar algumas contradições teóricas ao uma dimensão que envolve aspectos bioló-
longo de sua obra, foi um dos responsáveis gicos, psíquicos, sociais, culturais e históri-
na época por questionar a redução da cons- cos, constituindo-se das relações amorosas
tituição da sexualidade a aspectos biológicos. e do laço afetivo entre as pessoas e não se
Freud afirmou que as possíveis expressões da restringindo à reprodução. Pautando-se na
sexualidade são reprimidas pelas formas ins- compreensão contemporânea sobre o assun-
titucionalizadas da prática sexual e sua obra to, elenca-se a seguir algumas definições a
possibilitou pensar o masculino e o femini- respeito do que é sexo biológico, identidade
no para além da anatomia, questionando as de gênero e orientação sexual.

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COMPORTAMENTO Fábio Henrique Silva de Souza, Camila Muchon de Melo
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Afinal, o que é sexo, identidade


de gênero e orientação sexual?
Segundo a American Psychological Association assignada. Essa experiência pode se apresen-
(APA, 2011), o sexo biológico (ou sexo assig- tar por diferentes expressões de gênero, que
nado no nascimento) pode ser definido pelos “refere-se a maneira como a pessoa comu-
aspectos físicos e biológicos atribuídos ao nica sua identidade de gênero para os outros
indivíduo ao nascer. Corroborando com esta por meio de comportamentos, vestimentas,
definição, Jesus (2008) o compreende pelas estilo de cabelo, voz ou características cor-
características fenotípicas (órgãos genitais e porais” (APA, p.1, 2011). A transexualidade
órgãos reprodutores), fisiológicas (distribuição é considerada como parte da categoria geral
diferencial dos hormônios sexuais) e genotí- da transgeneralidade. No caso de transexuais
picas (genes masculinos e genes femininos) que se sentem desconfortáveis com seu corpo
presentes em nosso corpo. Nem sempre a e sexo biológico, intervenções hormonais e/
identificação de um recém-nascido enquanto ou cirurgias de redesignação sexual são bus-
macho ou fêmea é realizável, como no caso da cadas para afirmar sua identidade de gênero.
intersexualidade. Indivíduos sob essa condição A travesti sente-se confortável com seu sexo
podem apresentar genitálias incompletas ou biológico, mas se manifesta socialmente como
ambíguas, desenvolvimento incompleto dos mulher. Comumente, a população leiga pensa
órgãos reprodutores internos, anomalias cro- a travesti e a transexual como sendo neces-
mossômicas como a síndrome de Klinefelter e sariamente homossexuais, pois tomam o fato
a síndrome de Turner e super ou subprodução do indivíduo se identificar com um gênero
de hormônios sexuais (APA, 2009). diferente do seu sexo biológico com as pos-
sibilidades de atração afetiva e sexual (APA,
A identidade de gênero diz respeito a como 2011). Vestir-se como mulher não pressupõe
a pessoa se sente e se identifica em relação necessariamente atração sexual por homens.
aos padrões comportamentais, atividades e
atributos que um contexto social específico Sobre a orientação sexual, a APA (2008) a
considera adequado ao sexo biológico (APA, define como um padrão duradouro de atra-
2011). Tanto a APA (2011) como o Ministério ção sexual, romântica e/ou emocional por
da Saúde do Brasil (2010) validam a experi- homens, mulheres ou ambos, considerada
ência subjetiva a respeito da identidade de em um continuum “da atração exclusiva pelo
gênero do indivíduo, que pode não corres- sexo oposto à atração exclusiva pelo mesmo
ponder ao sexo biológico. Chama-se cis- sexo” (APA, 2008, p.1). De maneira seme-
gênero a pessoa que está confortável com a lhante, o Ministério da Saúde do Brasil (2010)
correspondência entre identidade de gênero explica a orientação sexual como envolvendo
assignado no nascimento e o sexo biológi- o interesse emocional, afetivo e/ou sexual por
co, enquanto a transgênero encontra-se em indivíduos, sejam estes de outro sexo (hete-
desconexão emocional com o gênero a que foi rossexual), do mesmo sexo (homossexual)

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ou de ambos os sexos (bissexual). É impor- o cognitivismo como uma abordagem psi-


tante considerar também a assexualidade, cológica que recorre a eventos, processos e
compreendida como a ausência de desejo por aparatos cognitivos internos para explicar
qualquer um dos sexos. a aprendizagem, a percepção e a formação
de conceitos, considerando-os mediadores
Segundo as definições apresentadas, é pos- entre organismo e ambiente, que substitui a
sível afirmar que atualmente a sexualidade própria contingência na explicação do fenô-
é compreendida como multideterminada, no meno (Skinner, 1977). Geralmente utilizada
sentido de ser afetada pela história bioló- por críticos para atacar a teoria skinneriana,
gica, individual e cultural, os três níveis de o ambientalismo refere-se a uma das carac-
seleção que determinam o comportamento terísticas da psicologia estímulo-resposta,
(Skinner, 1981). Em razão de considerar os compreendendo o ser humano como passi-
diferentes níveis de seleção e a importância vo e vítima diante de seu meio, unicamente
do contexto nas relações comportamentais, respondendo às ações do ambiente como um
a Análise do Comportamento pode auxiliar autômato ou fantoche (Skinner, 2004; Lopes,
na desconstrução de concepções naturali- Laurenti & Abib, 2012).
zantes a respeito da sexualidade. Concepções
que naturalizam a sexualidade atribuem O Comportamentalismo Radical, filosofia que
comumente a agentes internos mentais ou embasa a ciência analítico-comportamental,
orgânicos as causas dos comportamentos, não se filia nem a uma visão de total pre-
tratando, muitas vezes, a sexualidade como valência do ambiente sobre aspectos inatos
uma estrutura estática. no processo de aprendizagem, nem ao seu
oposto, ou seja, uma supervalorização de
determinações biológicas inatas em detri-
Comportamentalismo radical mento do contexto ambiental. Na concepção
e sexualidade skinneriana de relação entre ação e mundo,
o papel da ação humana sobre o ambiente é
Os debates a respeito da sexualidade geral- ressaltado: “os homens agem sobre o mundo,
mente envolvem discussões sobre o que é modificam-no e, por sua vez são modificados
aprendido e o que é inato, o que a aproxi- pelas consequências de sua ação” (Skinner,
ma de outros temas abordados pela Análise 1978, p.15). Ambiente e comportamento não
do Comportamento, como a inteligência antecedem um ao outro, ambos são parte de
e traços de personalidade (Skinner, 1977, uma relação “fundadora, primordial, origi-
Malott, 1996). Psicologias e teorias tradi- nária e irredutível” (Abib, 2001, p. 23). Como
cionais buscam explicar o comportamento dito anteriormente, Skinner (1981) defen-
humano recorrendo a eventos internos ao de o comportamento como multidetermi-
organismo ou unicamente ao ambiente, como nado, produto de três níveis de seleção: os
é o caso das teorias cognitivista e ambien- níveis filogenético, ontogenético e cultural.
talista, respectivamente. Compreende-se Reconhecer os diferentes níveis de seleção do

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comportamento implica em reconhecer a in- da criança há também o desenvolvimento


tersecção entre a Análise do Comportamento de seus conceitos, aproximando suas ações
e outras áreas do conhecimento, como a dos comportamentos esperados socialmente.
Antropologia, a Genética e a Etologia. O desenvolvimento de constructos inter-
nos explicaria o desenvolvimento sexual e
Skinner (2003/1953) comenta que buscar adequação social das crianças. O compor-
explicações internas, recorrendo à vontade, tamento da criança se torna cada vez mais
aos traços, às essências ou ao caráter, obscu- próximo do que a cultura denomina como
recem a compreensão das variáveis ambien- “ser menina” ou “ser menino” na medida
tais e deixam o comportamento como mera em que o conceito formado por ela torna-se
expressão dessas características, ilegítimo mais sofisticado (Skinner, 1977).
como objeto de estudo em si. Por esses mo-
tivos o Comportamentalismo Radical, consi- Skinner, em contrapartida, afirma que ana-
derando o comportamento como “mutável, lisar o desenvolvimento das contingências
fluído e evanescente” (Skinner, 2003, p.16), substitui a explicação cognitivista. Segundo
em relação funcional com variáveis ambien- ele, “o comportamento de uma criança é afe-
tais, pode se afastar em alguns aspectos da tado pelo que é observado e dito sobre ser um
Psicologia Cognitivista. menino ou uma menina” (Skinner, 1977, p.2,
tradução nossa), deixando claro que a iden-
Debatendo com a Psicologia Cognitivista tidade de gênero é delineada por regras que
sobre diversos processos psicológicos, Skinner o ambiente social apresenta para a criança, a
(1977) traz como exemplo o desenvolvimento partir de experiências de terceiros e demandas
da identidade sexual como um processo re- da cultura, que envolvem tanto a modelação
sultante da formação de conceito. Apesar de por parte da sociedade e a imitação por parte
Skinner (1977) ter empregado o termo iden- da criança. Por isso, Skinner explica que “as
tidade sexual, interpretamos o fenômeno que contingências que afetam o comportamento
ele descreve como equivalente à nossa defi- são simplificadas e exageradas e envolvem o
nição de identidade de gênero, apresentada comportamento estereotipado por parte dos
anteriormente, uma vez que o que está sendo pais e outros” (Skinner, 1977, p. 2, tradução
descrito refere-se a relações entre compor- nossa). São simplificadas e estereotipadas
tamentos e características culturalmente de- por se tratarem de regras, mas, por envolver
finidas como masculinas e femininas e sua comportamentos mutáveis e de acordo com
adequação ao sexo biológico da criança. contingências mantidas pela cultura, tais
regras mudam ao longo do tempo e com o
Segundo a visão do autor sobre a abordagem contexto. Por fim, Skinner comenta que:
Cognitivista, a criança forma um concei-
to a partir do que observa e do que escuta (...) crianças não saem por aí formando con-
sobre o que é ser menino ou menina. Dessa ceitos sobre sua identidade sexual e “con-
forma, com o desenvolvimento cognitivo sequentemente” se comportando de manei-
ras especiais; elas mudam lentamente seu

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comportamento a medida em que as pessoas Nesse sentido, os produtos emocionais ad-


mudam as maneiras nas quais tratam-nas por vindos de tais contingências participam da
conta de seu sexo. O comportamento muda formação da experiência subjetiva e indivi-
porque as contingências mudam, não porque dual apontada por Brasil (2010). A concepção
uma entidade mental chamada conceito se de identidade sexual defendida por Skinner,
desenvolve. (Skinner, 1977, p. 2)
tomada no presente texto como equivalente a
identidade de gênero, mostra-se condizente
Skinner ressalta que o comportamento re- com as definições apresentadas na APA (2008;
ferente à identidade de gênero é aprendido e 2011) e por Brasil (2010), salvaguardando as
se modifica de acordo com as contingências, especificidades da teoria, além de permi-
considerando os ambientes específicos com o tir considerações a respeito de como o que é
qual a criança entra em contato à medida que sentido e dito sobre a identidade de gênero é
cresce. De maneira semelhante, Ruiz (2003) modificado ao longo da aprendizagem.
aponta que práticas associadas ao masculino
e feminino se desenvolveram em contextos Apesar de a sexualidade estar pouco presente
separados, visto que “tradicionalmente o na obra de Skinner, Malott (1996) oferece
masculino foi associado à esfera pública do interpretações interessantes sobre o assun-
trabalho enquanto o feminino foi associado à to a partir do Comportamentalismo Radical.
esfera privada do lar e da família” (p. 13, tra- Malott (1996) afirma que uma análise com-
dução nossa). Práticas de gênero socialmente portamental da sexualidade seria cientifica-
estabelecidas ditam contingências diferentes mente mais útil ao operacionalizar termos
para homens e mulheres. A relação entre as como gays, lésbicas, transexuais, pois tais
práticas e o sexo relacionado a elas é arbi- rótulos tendem reificar as relações entre res-
trária e não decorrem da formação de um postas e variáveis ambientais em ação.
conceito pelo indivíduo, mas diz respeito às
regras sociais de como cada gênero deve agir. Cabe dizer, todavia, que o autor promove
um intercâmbio dos conceitos empregados,
A aprendizagem, além de envolver processos criando possível confusão no leitor. Malott
como a formação de classes de equivalência de (1996) afirma que a orientação sexual pode
estímulos, envolve o seguimento de regras e ser estudada a partir da sua divisão em:
o contato com contingências reforçadoras ou papel sexual (a ser tratado como expressão
aversivas, acompanhada dos sentimentos es- de gênero)1, estilo de comportamento (in-
pecíficos produzidos por cada tipo de controle. cluindo a topografia do comportamento) e os

1  A teoria dos papéis sexuais utiliza as categorias “papel masculino” e “papel feminino” para delimitar quais são as atividades e ca-
racterísticas esperadas de cada gênero numa sociedade. Assim como um ator, o indivíduo exerce um papel designado pela sociedade
para exercer determinada função pré-estabelecida. Apesar de sua contribuição para afastar o determinismo biológico e ressaltar
as influências sociais na identidade de gênero, a teoria é alvo de críticas por reiterar o binarismo composto somente pelos gêneros
feminino e masculino, desconsiderar as relações de poder construída na própria relação entre os gêneros, além de ter como fonte
para a definição dos papéis sexuais a família nuclear abstrata, tida como ideal (Connell, 1987). Cientes dessa crítica, substituímos a
nomenclatura originalmente empregada por Mallot (1996) por expressão de gênero (APA, 2011), devido suas definições semelhantes.

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valores sexuais do indivíduo. Primeiramente, Por essa razão, Malott (1996) afirma que o
Malott (1996) inclui a expressão de gênero estilo de comportamento sexual “feminino”
como orientação sexual, sendo que ela está ou “masculino” é aprendido e depende de
associada a identidade de gênero. Em segun- contingências de reforçamento ou punição.
do lugar, a discriminação do que é expressão
de gênero e estilo de comportamento fica Considerar que as expressões de gênero, en-
imprecisa e é tratada como a mesma coisa. quanto comportamentos, sejam aprendidas
e mutáveis pode parecer impossível para
Para Malott (1996) os valores sexuais dizem alguns. Malott (1996) faz uma comparação
respeito a qual estimulação sexual é reforça- entre aprender um estilo comportamental
dora para determinada pessoa e advinda de novo e aprender uma língua nova. Seria im-
qual fonte (pessoa do sexo oposto, pessoa do possível para a maioria dos anglofônicos falar
mesmo sexo, objetos, etc), logo, diz respeito espanhol sem soar como estrangeiro, por
à orientação sexual. Sem abordar pormenores, tratar-se de um comportamento complexo
pode-se afirmar que heterossexuais valorizam e novo que se sobreporia a um previamente
estimulação sexual advinda de pessoas do sexo instalado com bastante dificuldade. Mesmo
oposto, homossexuais valorizam estimulação assim, não se considera que falar a língua
sexual advinda de pessoas do mesmo sexo original seja um comportamento inato, ao
e bissexuais valorizam a estimulação sexual contrário da crença geral sobre o inatismo de
advinda de pessoas de ambos os sexos. Estilos comportamentos relacionados à sexualidade.
de comportamento aproximam-se do con- Assim como as contingências que contro-
ceito de expressão da identidade de gênero, lam a utilização de determinada língua na
pois Mallot (1996) estabelece-os como com- comunidade verbal, as contingências con-
portamentos determinados culturalmente que troladoras dos estilos sexuais são sutis e em
definem como homens e mulheres devem constante presença (Malott, 1996).
sentar-se, andar, falar, etc.
Pode-se discutir orientação sexual a partir
Mallot (1996) cita o estudo de Barlow, da consideração sobre a estimulação física
Reynolds, e Agras (1973 apud Mallot) no de zonas erógenas. Mallot (1996) diz que ela
qual ensinaram um homem transexual a ter própria tem valor reforçador inato, produ-
estilo de comportamentos típicos masculi- to da história filogenética com a função de
nos, como andar, falar e sentar de maneira aumentar as chances de reprodução e sobre-
diferente do estilo considerado feminino vivência da espécie. Mas e quanto ao objeto
emitido até então. Os experimentadores con- ou pessoa que serve como fonte estimula-
seguiram ensinar novos comportamentos de dora? O autor argumenta que a estimulação
acordo com expressões do gênero masculino, sexual é reforçadora a despeito de por quem
mesmo com o fato da família e a comunidade ela é estimulada, sendo que certas fontes de
terem o ensinado a agir como uma menina de estimulação passam a ser aversivas pelo em-
acordo com o sexo assignado no nascimento. parelhamento com outros estímulos, como

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Mariana Frediani Sant’Ana,
COMPORTAMENTO Fábio Henrique Silva de Souza, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

reprovação verbal de terceiros, dizendo que relações comportamentais, não havendo algo
o ato é vergonhoso ou pecado. O argumento de positivo inerente ou essencial em qual-
central de Malott (1996) pode ser resumido quer tipo de relação. Historicamente, quem
com o seguinte trecho: ditou as regras do comportamento sexual no
mundo ocidental foi principalmente a Igreja
(...) tudo isso sugere para mim que nós nas- Católica, contando com o apoio da educação
cemos bissexuais ou até mesmo multissexu- e do governo, das agências de controle como
ais (ou seja, suscetíveis a reforços sexuais de define Skinner (2003/1953). Os comporta-
uma ampla variedade de fontes). É somente mentos aceitáveis e condenáveis definidos
por meio de nossa história comportamental pelas agências de controle têm relação com
que nós nos tornamos mais focados em nosso o interesse da sobrevivência e manutenção
comportamento sexual e nas nossas preferên-
do poder da própria agência (Skinner, 1987).
cias por e aversões contra fontes específicas
Como uma forma de enfrentar e descons-
de estimulação sexual. (Malott, 1996, p. 130,
truir padrões rígidos e que já não se aplicam
tradução nossa)
às características do contexto social atual,
ou seja, regras que não correspondem a
O emparelhamento entre certas práticas se- contingências, movimentos sociais como o
xuais - como o sexo anal, pré ou extramatri- Movimento LGBT e o feminismo lutam por
monial e a relação homossexual - e estímulos mudanças nas descrições de regras presentes
verbais como “imoral”, “errado” ou “nojen- nas leis e em outras práticas culturais.
to”, além de punições físicas e exclusão de
círculos sociais, explicam o caráter aversivo Utilizando-se de dados de pesquisas sobre
que tais práticas exercem em certas pessoas comparações entre culturas e espécies,
(Malott, 1996). Por isso é comum pessoas Malott (1996) defende que não há espaço
transexuais e homossexuais sentirem-se para argumentações a favor do inatismo da
culpadas, angustiadas, além de perderem heterossexualidade. Bonobos, também co-
empregos e laços familiares, serem vistas nhecidos como chimpanzés pigmeus, podem
como prostitutas e relacionadas ao vírus da ser considerados bissexuais (de Waal, 1995,
AIDS. Tal análise é válida para o outro lado citado por Mallot, 1996) e ratos machos cria-
da dicotomia aceitável/inaceitável ou corre- dos desde o nascimento sem contato com
to/errado. Pode-se dizer que os sentimentos fêmeas engajam-se em relações sexuais
envolvidos no relacionamento amoroso hete- entre eles (Moss, 1924, citado por Mallot,
rossexual e dentro da norma são compreen- 1996). Segundo Marvin Harris (1989, citado
didos como sensações corporais geradas pela por Malott, 1996), a homossexualidade na
interação do sujeito com as contingências, Grécia Antiga não somente era valorizada,
sendo este sentimento resultante da apren- mas também era oficialmente sancionada
dizagem do que a sociedade descreve a res- para os guerreiros, que tinham jovens apren-
peito do que se sente. Ou seja, os sentimen- dizes como parceiros sexuais. O sexo entre os
tos positivos são igualmente construídos por homens tornava os guerreiros mais efetivos

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COMPORTAMENTO Fábio Henrique Silva de Souza, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

em batalha. De acordo com Malott (1996), Apesar da determinação biológica não estar
não haveria razão para tanto controle aver- clara para a formação da identidade de gênero
sivo legal e religioso contra práticas sexuais e da orientação sexual apontadas pelos auto-
não procriativas se os seres humanos fossem res discutidos, desconsiderar previamente a
heterossexuais por natureza. estrutura e o funcionamento do corpo, como
os genes e os hormônios, seria desconside-
Mallot (1996) mostra-se bastante crítico rar a história filogenética e o corpo humano
ao comentar pesquisas que investigaram o como produto de tal história. Sem o corpo,
papel dos genes e das estruturas biológicas não haveria comportamento, nem reprodução
na orientação sexual. As pesquisas realiza- e sensação de prazer sexual. Skinner (1990),
das com o intuito de verificar a correlação entendendo o comportamento humano como
entre as estruturas biológicas e a homos- fruto da filogênese, ontogênese e da história
sexualidade não eliminaram a possibilidade cultural, defende um diálogo entre disciplinas
da atuação de elementos ambientais. Além como a Etologia, a Fisiologia, a Psicologia e a
disso, há possíveis interesses de patologi- Antropologia, sem que os respectivos objetos
zar a diversidade sexual e resgatar o de- de estudo e os princípios explicativos sejam
terminismo biológico, como nas pesquisas mesclados ou confundidos de maneira ingê-
médicas do século XIX. No caso da pes- nua. Skinner (1990) aponta que a fisiologia
quisa de Hamer (1993, citado por Malott, explica o corpo como “máquina bioquími-
1996), “afirmava-se uma aparente trans- ca”, em sua composição e funcionamento,
missão materna da orientação homossexual enquanto ciências que lidam com a variação e
masculina baseada em uma ligação entre seleção de comportamentos explicam o porquê
marcadores no DNA do cromossomo X e do corpo comportar-se como tal, ou o corpo
a orientação sexual masculina” (p. 130). “como ação”, como exemplos de ciências da
Entretanto, não foi descartada a possibi- variação e seleção estão parte da Etologia e da
lidade da criação da mãe ser determinante Antropologia e a Análise do Comportamento.
na formação do comportamento sexual da Nesse sentido, pesquisas que deixam de olhar
criança. Outra pesquisa (Ezzell, 1991, citado ou ignoram totalmente as variáveis biológicas
por Malott, 1996), estabeleceu uma corre- desconsideram a complexidade e a multide-
lação de dados entre aglomerados celulares terminação do comportamento.
na parte frontal do hipotálamo em homens
heterossexuais e homossexuais, mostrando A partir dessas discussões, de uma forma
que os últimos apresentam menor quanti- sintética, orientação sexual pode ser defi-
dade de massa na estrutura do hipotálamo. nida comportamentalmente como uma ten-
Mesmo assim, Malott (1996) aponta que, dência estável a engajar-se em obtenção de
nessa pesquisa, não fica claro se a estru- estimulação sexual advinda de alguma fonte
tura cerebral é causa ou consequência da reforçadora, como uma pessoa do mesmo
orientação sexual, criticando o controle de sexo (homossexual), pessoas do mesmo sexo
variáveis nos estudos. e do sexo oposto (bissexual), ou advinda por

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COMPORTAMENTO Fábio Henrique Silva de Souza, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

uma pessoa de outro sexo (heterossexual). fatores biológicos, avaliando sua influência
A pessoa assexual não apresenta essa ten- sobre aspectos da sexualidade. Mesmo Malott
dência, podendo-se pensar sua adequação (1996) negando a influência de fatores bioló-
na presente definição de orientação sexual. gicos na sexualidade, a história filogenética
A tendência é entendida como produto da é essencial para se compreender a evolução e
história de reforçamento por meio de con- funcionamento do corpo humano, seus órgãos
tingências mantidas pela comunidade que sexuais e a suscetibilidade ao contato sexual.
emparelham práticas sexuais e fontes de
estimulação como certo/moral e errado/ Abordou-se neste texto aspectos culturais
imoral. Abordou-se a identidade de gênero, enquanto influências sobre a orientação
principalmente na compreensão de como sexual e a identidade de gênero dos indivídu-
ocorre a expressão de gênero. Nesse senti- os, priorizando as contingências no âmbito
do, a identidade de gênero é composta por ontogenético. Futuras pesquisas podem con-
padrões comportamentais, estilos de vesti- siderar o terceiro nível de seleção mais pro-
menta, cortes de cabelo e demais caracterís- fundamente, tomando a própria evolução das
ticas que são diferencialmente reforçados em práticas culturais relacionadas à sexualidade
contingências sociais. O sentir-se bem como como objeto de estudo.
homem ou mulher pode ser entendido como
um produto de tais contingências, sendo que O Comportamentalismo Radical contribui para
os sentimentos variam de acordo com o valor a discussão da diversidade sexual, pois per-
reforçador ou punitivo das mesmas. Pelas mite que a sexualidade seja compreendida nos
consequências produzidas nas interações so- domínios dos três níveis de seleção do com-
ciais, padrões “femininos” e “masculinos” portamento. A análise de contingências mos-
são estabelecidos. tra-se útil e produtiva para a discussão cien-
tífica em oposição a explicações que atribuem
unicamente a causas internas ou puramente
Conclusão biológicas as diversas orientações sexuais e
identidades de gênero. Por elucidar que se
Segundo as pesquisas e autores utilizados trata de um aspecto influenciado e construído
neste estudo, pode-se concluir que a iden- no mundo, no ambiente físico e social, com
tidade de gênero e a orientação sexual são possibilidade de manipulação de variáveis,
determinadas principalmente pela história isto traz compromissos éticos e práticos para
de vida, sendo esta intimamente permeada atuações do profissional que trabalha com a
pelo contexto cultural. Segundo as pesquisas sexualidade, como no campo terapêutico e
comentadas por Malott (1996), fatores bio- das políticas públicas. A importância deste
lógicos como genes e hormônios têm pouca estudo reside num contexto de discussão no
atuação sobre a identidade de gênero e orien- qual argumentos e discursos visam naturali-
tação sexual. Futuras pesquisas devem consi- zar e criminalizar práticas sexuais que fujam
derar as recentes produções a respeito desses dos padrões heteronormativo e cisgênero. A

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Mariana Frediani Sant’Ana,
COMPORTAMENTO Fábio Henrique Silva de Souza, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

interpretação analítico-comportamental ex- científicos, de rótulos como gay, lésbica etc,


posta parece inserir-se em discussões atuais apresentando uma visão abrangente da sexu-
que tratam da identidade de gênero e da alidade. No entanto, é válido evidenciar que a
orientação sexual para além dos binarismos, delimitação de alguns grupos no campo das
uma vez que Mallot (1996) ressalta a rigidez políticas públicas possibilita compreender e
e contraprodutividade, no contexto de estudos suprir suas demandas.

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152
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Práticas Educativas Docente: Mariana Batista


Universidade Estadual de Londrina - UEL
Contribuições das Habilidades Sociais maribatistaferreira@gmail.com

para uma Formação Ética Camila Muchon de Melo


Universidade Estadual de Londrina - UEL
camuchon@hotmail.com
Educational Practices Teacher: Contributions
of Social Skills to an Ethical Training

Resumo
Professores, como agentes de controle, podem fun- e aprimoramento de práticas educativas positivas e
cionar como modelos e ambiente social para a emis- reconhecimento do papel do professor como agentes
são de comportamentos socialmente relevantes de no processo educacional de seus alunos, viabilizan-
seus alunos, maximizando o papel socializador da do a socialização e escolarização dos aprendizes a
escola. Este estudo objetivou avaliar na literatura partir da redução de problemas de comportamento
Analítico-Comportamental estratégias e efeitos de e aumento no desempenho acadêmico. Portanto,
intervenções direcionadas às práticas educacionais concluiu-se que a condução de intervenções com
de docentes do Ensino Fundamental I na promoção professores é relevante dada a sua amplitude e ao seu
de comportamentos pró-éticos e prossociais junto caráter preventivo, especialmente junto a crianças
aos aprendizes. Realizou-se uma revisão bibliográfi- na primeira e segunda infância.
ca considerando trabalhos nas bases de dados: Banco
de Teses Capes, Index Psi Teses, IBICT, LILACS,
PePSIC e SciELO, catalogados entre 2004 a 2014.
Foram selecionados sete estudos que atenderam as PALAVRAS-CHAVE
palavras-chave “práticas educativas docentes” e
Práticas educativas de professores;
“habilidades sociais”. Os programas analisados, de “Comportamentos pró-éticos e prossociais”;
treinamento em Habilidades Sociais com docentes, Behaviorismo Radical; Ensino Fundamental;
funcionaram como estratégia para desenvolvimento Habilidades Sociais

O presente trabalho é fruto de Iniciação Científica apoiado pela Fundação Araucária:


Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná

153
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Abstract
Teachers, as control agents, can function as models developing and improving positive educational prac-
and social environment for the emission of socially tices and recognition of their role as agents in the
relevant behaviors of their students, maximizing educational process of their students, enabling the
the socializing role of the school. This study aimed socialization and schooling of learners by reducing
to evaluate in the analytical-behavioral literature behavioral problems and increase academic perfor-
strategies and effects of interventions directed at mance. Therefore, the conduction of interventions
the educational practices of primary school teachers with teachers is relevant given their breadth and
in the promotion of ethical and prosocial behaviors their preventive character, especially with children
among apprentices. A bibliographic review was car- in the first and second childhood.
ried out considering works in the databases: Banco
de Teses Capes, Index Psi Teses, IBICT, LILACS,
PePSIC and SciELO, cataloged between 2004 and
PALAVRAS-CHAVE
2014. Seven studies were selected that met the ke-
ywords “practices Educational teachers” and “social Teaching practices of teachers; “pro-ethical behavior
skills”. The programs analyzed, of training in Social and prossocial”; Radical Behaviorism; Elementary
Skills with teachers, functioned as a strategy for Education; Social Skills

O Compromisso Social da
Escola com a Formação
Integral do Aprendiz

A formação ética no processo educacional mo- proposta do PCN consiste no desenvolvimento


biliza, no cenário nacional, esforços para que do aluno para a participação social efetiva a
a notoriedade dos conteúdos curriculares ceda partir da aprendizagem de novas alternati-
espaço a uma ênfase na formação ético-mo- vas de ação e no Referencial Curricular para
ral dos educandos, como meio de viabilizar Educação Infantil (RCNEI), além de progra-
a compatibilidade entre os conteúdos apren- mas de ação do governo federal (Corrêa, 2008,
didos e as demandas sociais (Bolsoni-Silva, p.12); (Rocha & Carrara, 2011).
Mariano, Loureiro, & Bonaccorsi, 2013a). Essa
tendência encontra apoio em planos políticos Skinner definiu a educação como uma agên-
como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação cia de controle que guarda como caracterís-
Nacional nº 9394/96 (LDB) que, alicerça- tica o “estabelecimento de comportamen-
da na Constituição de 1988, estabelece os tos que serão vantajosos para o indivíduo e
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A para os outros em algum momento futuro”

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COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

(Skinner, 1953/2003, p. 256). Seu interesse essa razão, uma função social da escola é
nos processos educacionais, especificamen- preparar o indivíduo para viver e participar
te, nas diferentes redes de relações que se numa sociedade democrática e multicultu-
estabelecem no contexto escolar, permitiu ral, por meio da implantação de estratégias
uma análise do sistema educacional como que permitam a construção e manutenção
uma rede de relações que não envolve, de comportamentos sociais adequados,
apenas, professor-aluno, mas aqueles “que possibilitando a capacitação da população
organizam o sistema educacional” (Skinner, para desenvolver valores compatíveis com
1968/1972, p. 218). Essas pessoas, como a cidadania (Bolsoni-Silva, Almeida-Verdu,
parte de um sistema, determinam a política Carrara, Melchiori, leite, & Calais, 2013b;
a ser adotada e estabelecem os objetivos de Lopes, 2013; Zanotto, 2004).
ensino a serem alcançados. Dessa forma,
estão sujeitas a contingências que também Delineamentos culturais e políticas públicas
devem ser analisadas. são discutidos como estratégias no campo da
educação a fim de desenvolver cidadania e
Nesta direção, Pereira, Marinotti e Luna gerar uma sociedade mais preocupada e vol-
(2004) afirmaram que o conceito de Educação tada para a promoção dos direitos humanos
contempla (1) as diferentes relações ime- e comportamentos pró-éticos e prossociais.
diatas que se estabelecem entre professor- Dentre as possíveis práticas, programas de
aluno e aluno-aluno dentro de uma sala de treinamento para o desenvolvimento de habi-
aula e, (2) o quadro político-econômico que lidades sociais são considerados na medida em
responde pela formulação de políticas públi- que contribuem para produzir consequências
cas, considerando suas prioridades. Assim, o positivas, de longo prazo, para o indivíduo
processo de Educação não se resume apenas - favorecendo repertórios comportamentais
ao ensino de conteúdos curriculares, mas pró-éticos e prossociais - e para a sociedade
também, a preocupação com a formação in- (Carrara, Bolsoni-Silva, & Almeida-Verdu,
tegral de indivíduos a partir da promoção de 2006). A importância das habilidades sociais
autonomia e capacidade de operar no meio (HS) para a infância vem sendo amplamen-
de forma crítica e efetiva. te discutida na literatura, em função do seu
papel decisivo na socialização, pelo impacto
A escola consiste em um espaço privilegia- na qualidade das relações interpessoais, no
do, pois ocorrem relações que pretendem ser desenvolvimento acadêmico, social e emo-
educativas. Esse espaço constitui-se em uma cional da criança (Bolsoni-Silva, et al., 2013b;
das primeiras e mais fundamentais instân- Borelli, 2016; Del Prette & Del Prette, 1999,
cias que permite contato com conceitos fun- 2005, 2011; Rocha & Carrara, 2011;).
damentais para uma convivência respeitosa,
cooperativa e construtiva, fornecendo assim, De maneira geral, o termo HS é usado por di-
a base para valores éticos que constituem ferentes autores para “designar um conjunto
alguns dos pilares da formação cidadã. Por de capacidades comportamentais aprendidas

155
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

que envolvem interações sociais” (Bolsoni- de contingência de três termos e de relação


Silva, 2002, p. 2). Em consonância, Del Prette funcional entre eventos antecedentes, res-
e Del Prette (2001, p. 31) afirmam que o termo postas e suas consequências. Dessa perspec-
faz referência “às diferentes classes de com- tiva, o desenvolvimento de uma habilidade
portamentos sociais do repertório do indiví- reflete uma história de aprendizagem, em que
duo para lidar de maneira adequada com as os comportamentos julgados como social-
demandas das situações interpessoais”. Ou mente habilidosos foram aprendidos ao longo
ainda, como um conjunto de comportamentos da história de vida do indivíduo e mantidos
emitidos pelo indivíduo diante das demandas pelas consequências produzidas no contexto
de uma situação interpessoal na qual se ma- atual. Logo, uma habilidade não é atribuída à
ximizem os ganhos e se reduzam as perdas pessoa, não é entendida como algo inerente
para as pessoas envolvidas numa interação a mesma, como um traço de sua personali-
social (Del Prette & Del Prette, 1999). dade ou como um aspecto hereditário/inato
(Gresham, 2009), mas sim como produto das
Os termos “comportamentos pró-éticos” e interações do indivíduo.
“comportamentos prossociais” correspon-
dem a “comportamentos preliminares” que A construção de um repertório socialmente
funcionam como pré-requisitos e são com- eficiente depende das relações sociais do in-
patíveis com o exercício de interações so- divíduo. Cabe à comunidade verbal a tarefa de
ciais cooperativas, construtivas e dirigidas ensinar quais comportamentos são adequados
à busca da equidade e justiça social (Rocha e como emiti-los para produzir uma relação
& Carrara, 2011). Borelli (2016) afirma que o com o outro mais efetiva. O ensino pode reali-
desenvolvimento de um senso de cidadania zar-se por meio de discriminações de estímu-
- comportamentos com base no respeito aos los, controle de respondentes envolvidos em
direitos humanos – relaciona-se à apresen- respostas emocionais, tais como a ansiedade e
tação de comportamentos prossociais como a raiva, manipulação de consequências aversi-
comunicar-se, manter amizades, mostrar vas (evitar ou fugir de interações sociais nega-
empatia, cooperar, compartilhar, entre outros tivas) e positivas (elogiar ou expressar opinião
que somados a valores éticos – daí decorre o de forma assertiva, por exemplo) (Gresham,
termo pró-ético - favorecem uma convivên- 2009). Por esta razão, o conceito de HS ado-
cia coletiva mais respeitosa e harmoniosa. tado, neste estudo, será o cunhado por Lopes
(2013) que tem por definição “um construc-
De uma perspectiva behaviorista radical, falar to descritivo de classes de respostas que, sob
de HS é falar sobre comportamento e, desta determinados antecedentes, apresentam alta
forma, como qualquer outro comportamento, probabilidade de reforço positivo (obtenção
não apresenta diferenças no que tange as leis de estimulação social desejável) ou negativo
que o regem. Assim, a análise baseia-se no (redução ou eliminação de estimulação inde-
modelo de seleção por consequências, pro- sejável) que contribuem para a competência
posto por Skinner (1981), apoiada no conceito social” (Lopes, 2013, p. 21).

156
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

A adoção de programas de HS em contex- agentes de controle, podem funcionar como


tos educacionais justifica-se ao considerar modelos e como ambiente social relevan-
a função do professor como mediador das te para a emissão de comportamentos de
relações sociais da criança com seus colegas. seus alunos (Skinner, 1953/2003). Como um
A função mediadora do professor pode: 1) mediador, contribui de forma significativa
ampliar ou restringir as oportunidades de para o desenvolvimento social, emocional,
interação em sala de aula; 2) expressar de cognitivo e acadêmico dos aprendizes, ao
formas desejáveis rejeição ou aceitação nos mesmo tempo em que favorece a redução de
relacionamentos entre os alunos; 3) oferecer problemas emocionais e de comportamento
modelos adequados ou inadequados de rela- (Del Prette, Del Prette, Garcia, Bolsoni-Silva,
cionamento com as crianças, influenciando & Puntel, 1998).
na qualidade dessas interações (Del Prette &
Del Prette, 2005). Por meio das interações Sendo assim, o objetivo deste estudo foi ana-
entre professor-aluno é possível a constru- lisar na literatura Analítico-Comportamental
ção de repertórios sociais que possibilitem estratégias e efeitos de intervenções dire-
aos alunos lidarem com as demandas, com cionadas às práticas educacionais de docen-
adversidades, pessoas e problemas da vida tes do Ensino Fundamental I na promoção
cotidiana, contribuindo, desta forma, para o de comportamentos pró-éticos e prosso-
desenvolvimento global do indivíduo (Borelli, ciais junto aos aprendizes. A escolha por
2016; Lopes, 2013; Skinner, 1953/2000). delimitar a pesquisa ao Ciclo I baseou-se
na revisão de Luizzi e De Rose (2010) que
Todavia, é necessário que os professores dis- sugeriu que intervenções preventivas junto
criminem a importância de se comportarem a crianças na primeira e segunda infância
de forma socialmente habilidosa, tanto no exibiram resultados consistentes, bem como
que diz respeito à sua vida pessoal, quanto em apresentaram maiores chances de serem
sua atividade profissional para que promo- bem-sucedidas.
vam contextos socialmente habilidosos para
seus alunos. Portanto, para que professores
sejam capazes de discriminarem sua função Método
como promotores de repertórios socialmen-
te relevantes junto aos alunos, bem como Procedimento
para a maximização do papel socializador
da escola, a implementação de programas de Foi realizada uma revisão bibliográfi-
Treinamento em Habilidades Sociais (THS) ca que contemplou trabalhos acadêmicos
deveria ocorrer no contexto escolar, com a (teses e dissertações) e publicações cien-
participação efetiva do professor, principal tíficas desenvolvidas nos últimos 10 anos.
mediador das relações interpessoais nesse Foram considerados trabalhos catalogados
espaço (Lopes, 2013). Professores, como no período de 2004 a 2014. As bases de

157
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Análise de Dados

dados consultadas foram: Banco de Teses No que concerne ao tratamento dos dados,
da Capes; Index Psi Teses, Biblioteca Digital os trabalhos foram lidos e classificados, por
Brasileira de Teses e Dissertações (IBICT); meio da análise das propostas dos programas
LILACS; PePSIC e SciELO. de capacitação, sendo distribuídos em cate-
gorias previamente elaboradas: (1) Estrutura
A pesquisa se deu a partir da combinação e Temas abordados na Intervenção, (2)
dos seguintes descritores: programas de Práticas utilizadas e (3) Objetivos pretendi-
treinamento em habilidades sociais, edu- dos com as práticas; (4) Efeitos observados
cação, professores, comportamentos pró-é- quanto ao (a) comportamento de professores
ticos, comportamentos prossociais, análise e (b) comportamento dos alunos.
do comportamento e ensino fundamental. O
critério de seleção dos textos foi baseado na
identificação de pelo menos dois descritores Resultados
no título. O critério de recuperação foi esta-
belecido com base na leitura preliminar dos Foram selecionados sete estudos, sendo dois
resumos dos trabalhos. Foram seleciona- artigos, três dissertações e duas teses que
dos aqueles que atenderam aos objetivos da atenderam aos critérios descritos anterior-
pesquisa: desenvolvimento de programas de mente. Na Tabela 1 a seguir são descritas
capacitação em HS ou comportamento pró- informações para identificação dos textos
-éticos e prossociais cujo público-alvo con- selecionados, bem como a posição de cada
sistiu em docentes do Ensino Fundamental I. um na presente investigação.

Revista ou
Tipo de Referência Ano de
Título Autor(es) Programa de Base
Texto no trabalho Publicação
Pós-Graduação

Formação ética para a DA ROCHA,


cidadania: Reorganizando J. F.; Psicologia Escolar
Artigo 1 SciELO 2011
contingências na intera- CARRARA, e Educacional
ção professor-aluno. K.

Ampliando
Comportamentos Pró-
BOLSONI-
Éticos dos Alunos: Relato Temas em
Artigo 2 SILVA, A. T, SciELO 2013ª
de pesquisa e interven- Psicologia
et al.
ção com educadores do
ensino fundamental.

Tabela 1 (Parte 2). Apresentação dos textos analisados. 

158
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Treinamento de
Habilidades Sociais em
grupo com professores Programa de Pós-
de crianças com dificul- Graduação em
Dissertação 3  VILA, E. M. IBICT 2005
dades de aprendizagem: Educação Especial
Uma análise sobre pro- da UFSCar
cedimentos e efeitos da
intervenção.

Programa de
Avaliação dos efeitos da
Pós-Graduação
variação de estímulos FACCO, F.
Dissertação 4 em Análise do IBICT 2008
para a generalização de N.G.
Comportamento
habilidades sociais.
da UEL

Ensino de habilidades Programa de


sociais educativas a pro- Pós-Graduação
Dissertação 5 fessores de crianças defi- GRASSI, P. F. em Análise do IBICT 2009
cientes visuais: Validação Comportamento
social e experimental. da UEL

Avaliação de programas  
de treinamento de pro- Programa de Pós-
fessores para promover MOLINA, R. Graduação em
Tese 6 IBICT 2013
habilidades sociais de C. M. Educação Especial
crianças com dificuldades da UFSCar
de aprendizagem.  

Programa universal
de habilidades sociais Programa de
aplicado pelo professor:  LOPES, D. Pós-Graduação
Tese 7 IBICT 2013
Impacto sobre com- C. em Psicologia da
portamentos sociais e UFSCar
acadêmicos.

Tabela 1 (Parte 2). Apresentação dos textos analisados. 

A descrição dos resultados foi organizada em avaliação que compuseram os programas de


categorias previamente estabelecidas a partir da capacitação em HS analisados. 28,5% dos
identificação de elementos comuns aos progra- estudos avaliados contemplaram todos os
mas de intervenção apresentado por cada estudo. elementos alvo de análise (estudos seis e
A Tabela 2 a seguir apresenta os elementos sete), 28,5% dos textos analisados abrange-
identificados durante a análise dos textos. ram sete dos oitos elementos (estudos um e
cinco) e 43% dos estudos apresentaram seis
A Tabela 2 apresenta oito elementos básicos elementos na estrutura de seus programas
constituintes do processo de intervenção e (estudos dois, três e quatro).

159
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Presença / Ausência no texto


 Elementos
Texto 1 Texto 2 Texto 3 Texto 4 Texto 5 Texto 6 Texto 7

Capacitação prévia sobre princípios básicos da


Análise do Comportamento e do campo das x x x
Habilidades Sociais.

Elucidação dos conceitos básicos do campo


das habilidades sociais e da Análise do x x x x x x x
Comportamento durante a intervenção.

Descrição da estrutura do programa (formato da


x x x x x x x
sessão e temas).

Descrição dos recursos utilizados. x x x x x x

Apresentação precisa dos objetivos em termos


comportamentais pretendidos com os recursos x x x x x x x
selecionados para a intervenção

Promoção de condições para o desenvolvimento


x x x x x x x
de Análise Funcional.

Avaliação formal ou descrição de desempenho


x x x x x x
dos professores

Avaliação formal ou descrição de desempenho


x x x x x
dos alunos

Tabela 2. Presença ou ausência de elementos constitutivos da análise.

A partir da identificação dos elementos estrutura desses programas e principais:


constituintes dos programas de capacitação, (1) temas abordados na intervenção, (2)
os dados levantados foram sistematizados práticas utilizadas e (3) objetivos preten-
nas categorias descritas anteriormente. A didos com as práticas. A Tabela 4 apre-
categorização foi elaborada a partir dos senta os resultados quanto aos efeitos das
elementos em comum a esses estudos. As intervenções sobre o comportamento dos
Tabelas 3 e 4 sintetizam os resultados por professores e alunos.
categorias. A Tabela 3 apresenta a descrição
dos resultados quanto à identificação da

160
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Categorias

Estrutura e temas abordados na intervenção Recursos


Objetivos pretendidos
utilizados nas
com as práticas
Estrutura Eixos temáticos intervenções

(1) parte inicial: Discussão de Expressão de Sentimento Atribuição e dis- Melhorar a comunicação e
acontecimentos da semana Positivo: Elogio, Feedback cussão de tarefas relacionamento com o docen-
que envolveram a habilidade Positivo, Afetividade e de casa; te e entre os discentes;
discutida e/ou tarefas de Empatia;
casa estruturadas; Aplicação de Promover o comportamento
Habilidades Sociais de vivências perti- de valorizar diferencialmen-
(2) parte central: (a) forne- Direito, Cidadania e nentes ao tema de te os comportamentos dos
cimento de conceitos - ex- Assertividade: resolução cada sessão; discentes;
posição teórica dialogada de conflito, expressão
acerca do tema e aplicação sentimento negativo, Uso de instruções Promover comportamento
de recursos; (b) modelos manejo de compor- verbais; empático (lidar e ensinar a
de atuação; (c) experiências tamento e lidar com lidar com sentimentos);
práticas e/ou vivências; críticas; Encorajamento de
auto exposição; Promover comportamento
(3) parte final: Solicitação de Habilidades Sociais assertivo (lidar e ofertar mo-
tarefas. Educativas: arranjo de Modelagem; delos de comportamentos
contingências para ati- adequados frente a situações
Capacitação e/ou elucidação vidades pedagógicas e Modelação; de enfrentamento)
sobre princípios básicos da interativas.
Análise do Comportamento: Role-playing; Favorecer manejo
comportamental;
(A) relação contingente entre Reforçamento
uma situação ambiental, sua positivo; Possibilitar condições de
ação e uma consequência compreender a contingência
que a segue; Análise funcional; de três termos, os processos
comportamentais e realizar
(B) seu papel na ampliação e Feedback informa- análise funcional;
manutenção de repertórios tivo e positivo.
socialmente habilidosos. Favorecer condições para
discriminar possíveis recursos
facilitadores da aprendizagem;

Organizar contextos po-


tencialmente educativos e
interativos;

Tabela 3. Sistematização dos principais elementos constituintes dos programas de intervenção analisados.

161
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Comportamento dos
Efeitos Comportamento dos Professores
alunos

• Modificação de práticas educativas: desenvolvimento e/ • Redução do número


ou aprimorando de repertórios mais adequados - compor- de crianças com indi-
tamentos alternativos a reações agressivas e/ou passivas, cativo de problemas de
tais como: comportamento;

• Expressão de afeto e elogio. • Redução na porcentagem


de alunos com dificulda-
• Valorização de comportamentos adequados dos alunos. des de aprendizagem;

• Acolhimento de sentimentos negativos e críticas dos alunos. • Desenvolvimento da


capacidade reflexiva e
• Críticas construtivas – Apontamentos sobre o comporta- crítica: emissão de ques-
mento e valorização de aspectos positivos dos alunos. tionamentos e análises
quanto aos diferentes
• Correção de comportamentos inadequados dos alunos e so- contextos em que estão
licitação de mudança de comportamento de forma assertiva. inseridos;

• Remoção ou redução dos problemas de interação social – • Aumento na frequência


professor-aluno e aluno-aluno; de comportamentos de
participação nas aulas por
• Aprimoramento do repertório de auto-observação e meio do arranjo e de ati-
autoconhecimento; vidades pedagógicas que
maximizaram interações
Relacionamento
• Identificação de sua função como modelo para promoção sociais com o docente e
interpessoal
de comportamentos socialmente valorizados (efetivos); entre os alunos.
e aspectos
emocionais
• Identificação de sua função como promotor de condições • Aumento na frequência
de ensino – análise das condições de ensino relacionando de comportamentos de
suas práticas aos efeitos produzidos nos comportamentos respeito, expressão de
dos alunos. afeto e valorização do
outro colega ou do pró-
• Condução de análises funcionais; prio professor;

• Oferta de suporte à tarefa: oferta de pistas verbais ou • Desenvolvimento de


recursos concretos para os alunos realizarem a tarefa; relacionamentos inter-
pessoais mais empáticos,
• Sentimento de domínio da sala de aula: as docentes au- amistosos e respeitosos
mentaram a frequência de respostas como manter a classe tanto com os docentes
interessada e envolvida na tarefa proposta, estabelecer limi- quanto com os pares;
tes e regras bem instituídas em situações prévias e relata-
ram entusiasmo e aumento na autoestima e autoconfiança; • Redução de conflitos e
problemas de comporta-
• Sentimentos de valorização, satisfação, bem-estar e en- mentos em sala de aula;
tusiasmo quanto ao seu desempenho interações mais
adequadas entre os alunos, sugerindo melhora no relacio- • Ganhos nos repertórios
namento em sala de aula; acadêmicos dos alunos;

• Sentimento de segurança e de “capacidade” no manejo de • Identificação e validação


conflitos e comportamentos de seus alunos; de sentimentos.

Tabela 4. Efeitos observados no comportamento de docentes e discentes pós-intervenção.

162
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Discussão
estudos contemplaram as seguintes cate-
Os estudos avaliados (e.g. Facco, 2008; Grassi, gorias: elucidação dos conceitos básicos do
2009; Lopes, 2013; Molina, 2003; Rocha & campo das habilidades sociais e da Análise
Carrara, 2011; Vila, 2005) apresentaram (a) do Comportamento durante a intervenção;
intervenção apoiada em sólida fundamenta- descrição da estrutura do programa - forma-
ção teórica (todos os estudos contemplaram to da sessão e temas; apresentação precisa
o item elucidação dos conceitos básicos do dos objetivos em termos comportamentais
campo das habilidades sociais e da Análise pretendidos com os recursos selecionados
do Comportamento durante a intervenção e para a intervenção; promoção de condições
três apresentaram capacitação prévia sobre para o desenvolvimento de análise funcional;
os princípios comportamentais – Tabela 2), exceto o estudo dois para categoria descri-
(b) condições aos participantes para descre- ção formal dos recursos utilizados – Tabela
ver comportamentos de acordo com con- 2) e as consequências observadas após a
ceitos éticos, sociais e de cidadania (todas intervenção (Tabelas 4). Foi possível per-
as intervenções promoveram apresentação ceber, nas Tabelas 3 e 4 que as estratégias
precisa dos objetivos em termos comporta- estabelecidas favoreceram: (1) promoção da
mentais aliados aos recursos selecionados, aquisição de comportamentos socialmente
proporcionando condições para o desenvol- valorizados (efetivos) por meio de instruções
vimento de análises funcionais - Tabela 2) e modelos; (2) a possibilidade do aperfei-
e (c) prática que fosse eficaz para produzir çoamento do desempenho dos comporta-
comportamentos socialmente habilidosos mentos efetivos para que sejam emitidos
em detrimento de respostas agressivas, via- em maior frequência. Dito de outra forma,
bilizando redução de conflitos, dificuldades “ensinar” especificamente como desempe-
de interação e de competência acadêmica, nhar um comportamento social a partir da
favorecendo, dessa forma, a socialização e promoção de arranjos apropriados das situa-
escolarização dos alunos. ções que antecedem o comportamento e das
consequências que o seguem, favorecendo
Os resultados apontaram que a condução a discriminação das diferentes situações;
de práticas educativas mais positivas, pelos (3) a remoção ou redução dos problemas de
docentes, favoreceu o desenvolvimento de interação social que podem derivar-se de
relacionamentos interpessoais e reduziu padrões socialmente indesejáveis.
conflitos e problemas de comportamentos,
sugerindo que repertórios inassertivos, es- De maneira geral, quanto à estrutura da in-
pecialmente agressivos tendem a diminuir tervenção, a condução das sessões (Tabela 3)
de frequência à medida que alunos são ex- potencializou a possibilidade de observação,
postos a outras formas de se comportar. Os identificação e análise de variáveis que in-
programas avaliados sugeriram haver uma fluenciam o comportamento dos docentes,
relação direta entre sua aplicação (todos os seja para aprimorar repertórios adequados

163
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

já presentes, seja para desenvolver com- 2010, 2011) afirmaram que um dos princi-
portamentos socialmente habilidosos em pais problemas enfrentados pelos humanos
detrimento de práticas educativas negati- se relaciona a área de relacionamento inter-
vas (apresentação dos objetivos em termos pessoal. Frequentemente, nos estudos dos
comportamentais e promoção de análises autores os eixos temáticos em questão são
funcionais foram identificados em todos destacados como os principais prejuízos no
os estudos). O estabelecimento da estrutu- que tange aos repertórios comportamentais.
ra dos programas a partir da análise inicial
das necessidades dos docentes e discentes, Os dados da avaliação dos efeitos das in-
seguidos da descrição precisa de objetivos tervenções (Tabela 2) sugeriram que 43%
de ensino em termos comportamentais, bem dos estudos (1, 2, 6 e 7) buscaram verificar
como dos recursos utilizados como condição as consequências alcançadas a partir das
de ensino atendeu aos fundamentos de uma avaliações de desempenho tanto dos alunos
educação baseadas nos princípios compor- quanto dos professores antes e depois da
tamentais (Kubo & Botomé, 2001; Santos, etapa de intervenção. Enquanto 28,5% ava-
Kienen, Viecili, Botomé, & Kubo, 2009). O liaram apenas o comportamento das crianças
planejamento de atividades estruturadas (estudos 3 e 5) e 28,5% avaliaram somente os
com instruções bem organizadas e protocolos repertórios dos professores (estudos 4 e 5).
facilmente compreensíveis parecem ter sido Considerando as práticas descritas na Tabela
elementos fundamentais para a efetividade 4, de modo geral, o treino em Habilidades
do processo de intervenção (Tabela 3). Sociais funcionou como uma estratégia im-
portante para alterar os déficits de aquisição
A organização dos temas em três grandes de comportamentos socialmente competen-
eixos - (1) Expressão de Sentimento Positivo: tes, os déficits de desempenho encontrados e
Elogio, Feedback Positivo e Afetividade; (2) aprimorar os repertórios adequados já exis-
Habilidades Sociais de Direito, Cidadania tentes. Os resultados em termos de efeitos
e Assertividade: resolução de conflito, ex- das intervenções, descritos na Tabela 4, su-
pressão de sentimento negativo, manejo geriram que os professores alcançaram mu-
de comportamento e lidar com críticas; (3) danças positivas em relação às habilidades
Habilidades Sociais Educativas: arranjo de sociais apresentadas, tanto no que concerne
contingências para atividades pedagógicas e a modificação de seu próprio desempenho,
interativas - descreve demandas cotidianas e quanto na promoção de HS em seus alunos,
comuns ao contexto escolar. Embora, o es- além de redução de comportamentos pro-
tabelecimento dos temas contemplados nos blemáticos como efeito indireto do treino.
programas derivou-se da análise inicial das
necessidades de cada escola, verificou-se que O comportamento das crianças foi avaliado
as dificuldades vivenciadas pelos docentes positivamente em todos os estudos analisa-
e discentes assumiram função similar. Del dos direta (71% via instrumentos – Tabela
Prette e Del Prette (1999, 2001, 2002, 2005, 2) ou indiretamente (29% descrição pelas

164
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

docentes) pós intervenção. Os dados indica- entre HS, problemas de comportamentos e


ram que os educandos tornaram-se capazes funcionamento acadêmico, bem como para o
de desenvolver relacionamentos interpesso- fato de que intervenções nessa relação pode-
ais mais empáticos, amistosos e respeitosos riam restaurar possíveis comprometimentos
tanto com os docentes quanto com seus pares. (Bolsoni-Silva, 2003). Considerando a fre-
Além disso, observou-se redução de conflitos quência de problemas de aprendizagem e de
e problemas de comportamento e aumento no comportamento na escola, os investimentos
desempenho acadêmico dos alunos. em intervenções poderiam ser direcionados a
promoção de programas de treinamento em
Problemas de comportamento podem ser HS na escola, tanto para a promoção de desen-
entendidos “como déficits e/ou excessos volvimento, quanto para estabelecer condições
comportamentais que dificultariam o acesso para minimização desses problemas (Bolsoni-
da criança a novas contingências de reforça- Silva, 2003; Lopes, 2013).
mento, que por sua vez, facilitariam a aqui-
sição de repertórios relevantes de aprendi- O desempenho dos professores sugeriu be-
zagem” (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003, nefícios com a aprendizagem e aprimora-
p.94). Considerando essa definição, Bolsini- mento de suas práticas educativas, indicando
Silva (2003) e Lopes (2013) destacaram que que programas de THS podem ser impres-
tais problemas podem configurar-se em um cindíveis para substituir práticas negativas
conjunto de comportamentos que interferem, que parecem estar relacionadas a problemas
“bloqueiam” os desempenhos acadêmicos comportamentais das crianças. Considera-se
e de HS. Geralmente, crianças com baixo que o treinamento dos professores possibili-
rendimento acadêmico tendem a apresentar tou aprimorar suas práticas e reconhecer seu
mais problemas de comportamento que, por papel como agentes no processo educacional
sua vez, podem dificultar o rendimento es- de seus alunos, principalmente como modelos
colar. Problemas de comportamento podem para o desenvolvimento de comportamentos
representar um dos principais fatores que considerados socialmente adequados, pois
limitam a ampliação de repertório social de funcionam como ambiente social relevante
uma pessoa, porém não o inviabilizem (Del para a emissão desses comportamentos por
Prette & Del Prette, 2005). seus alunos. Por essa razão, Bolsoni-Silva, et
al (2013b) alegam que a aplicação desses pro-
Déficits em HS e/ou baixa competência social gramas é de extrema importância para uma
estão associados a diferentes indicadores nega- adequada formação dos professores, seja para
tivos de desenvolvimento infantil em crianças ajudá-los a usar as práticas educativas posi-
com dificuldade de aprendizagem comparadas tivas que já possuem, seja para auxiliá-los a
a crianças que não apresentam dificuldade, tais identificar déficits e desenvolver as habilidades
como autoconceito negativo e repertório mais necessárias, tornando-os aptos para lidarem
deficitário em HS. Cabe destacar que a autora com os desafios que atravessam o ensino do
chama atenção para relações bidirecionais conteúdo acadêmico e social.

165
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Os relatos dos professores sugeriram, ainda, segue, bem como seu papel na ampliação e
que as práticas implementadas produziram manutenção de repertórios socialmente ha-
“efeitos emocionais” descritos como: senti- bilidosos (estudos 5, 6 e 7). Cabe salientar
mentos de valorização, satisfação quanto ao que os resultados descritos nos trabalhos que
seu desempenho; “segurança” no manejo de adotaram a capacitação prévia sobre os prin-
conflitos e comportamentos de seus alunos, cípios comportamentais foram mais efetivos
além de interações mais adequadas entre os para os docentes na promoção de repertórios
alunos, sugerindo melhora no relacionamen- mais hábeis em (a) analisar funcionalmente
to em sala de aula (Tabela 4). É importan- as contingências de ensino, (b) relacionar seu
te que professores sejam treinados sobre o comportamento com os comportamentos de
manejo de comportamentos de seus alunos, seus alunos, (c) manejar comportamento e
promoção de habilidades sociais infantis e resolver conflito interpessoal e (d) programar
habilidades de enfrentamento de situações condições de ensino mais efetivas. Ao mesmo
conflituosas dentro do contexto escolar. tempo, a avaliação dos alunos apontou redu-
ção significativa na apresentação de compor-
Isso pode permitir aos docentes, com alta tamentos problemas, aumento na frequência
probabilidade, condições de produzir con- de comportamentos cooperativos e amistosos
sequências reforçadoras para si e para os e aumento no desempenho acadêmico com-
demais indivíduos do grupo social em que parados aos demais estudos.
estão inseridos, especialmente para seus
alunos, assumindo ainda função de modelo. A importância em se trabalhar de forma
Programas THS viabilizam a alteração de consistente os conceitos da Análise do
padrões indesejáveis e aumentam a compe- Comportamento reside no fato de que é im-
tência social de um indivíduo em diferentes prescindível para a obtenção de resultados
contextos. Possibilitam a aprendizagem de positivos que os professores estejam de acordo
estratégias e habilidades interpessoais a fim com a concepção adotada pelos promotores
de melhorar as respostas de uma pessoa e/ do programa. Conforme Luizzi e De Rose
ou promover a aquisição de comportamentos (2010, p.66), é de suma relevância que os
necessários em tipos específicos de situa- professores tenham pleno entendimento dos
ções sociais, bem como reduzir problemas referenciais teórico e empírico que norteiam
de comportamentos concorrentes (Del Prette as atividades e das “práticas inadequadas de
& Del Prette, 2001, 2011). socialização favorecem que as crianças in-
gressem na escola com baixo preparo para as
Por fim, ao incluir a capacitação e/ou elu- tarefas sociais, emocionais e cognitivas que
cidação sobre princípios básicos da Análise lhes são exigidas”.
do Comportamento observou-se maior apro-
priação por parte dos professores quanto à Bijou (2006) discutiu a aplicação dos princí-
relação contingente entre uma situação am- pios comportamentais à educação justificando
biental, sua ação e uma consequência que a que essa ação promoveria professores hábeis

166
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

em gerenciar contingências e programar con- funcionalmente as contingências da situação


dições de ensino efetivas. O autor discutiu que de ensino, frequentemente, não é capaz de
os efeitos dessa capacitação poderiam ser a perceber que seu comportamento está rela-
satisfação dos docentes em relação às suas cionado ao comportamento de seus alunos,
práticas ao observar de forma concreta o pro- ou seja, tem efeitos sobre o aprendiz, assim
gresso de cada aluno, bem como sentimentos como não identifica que discentes desmoti-
de segurança, confiança e responsabilidade, vados são produtos de arranjos ambientais.
que podem favorecer a reavaliação das con- Ensinar docentes a analisar funcionalmente
dições de ensino quando um aprendiz não seu comportamento é relevante para que eles
apresentar desempenho esperado. fiquem sensíveis aos efeitos do seu compor-
tamento e, desta forma, entendam que sua
A colocação de Bijou (2006) se relaciona com prática pode gerar mudanças, empreenden-
a diferença discutida por Skinner (1974) em do as alterações necessárias, tal como foi
não saber apenas o que fazer, mas como fazer. possível observar frente aos resultados dos
A análise funcional como recurso facilitaria estudos analisados.
os educadores avaliar sua prática, entender
as variáveis que influenciam nos resultados
do processo de ensino, além de propor novas Considerações Finais
formas de ensinar e explorar conteúdos não
programados. A adoção da perspectiva ana- A literatura aponta a relevância de pro-
lítico-comportamental como norteadora da gramas de THS eficazes na promoção de
intervenção revela, em última instância, que comportamentos pró-éticos e prossociais,
o desenvolvimento de uma habilidade re- a fim de contribuir para o fortalecimen-
flete uma história de aprendizagem, em que to da compreensão da função da escola no
comportamentos julgados como socialmen- desenvolvimento de indivíduos. Os resul-
te habilidosos foram aprendidos ao longo da tados dos estudos analisados sugeriram
história de vida de um indivíduo e mantidos que esses programas foram efetivos em
pelas consequências produzidas no contexto produzir mudanças no repertório de HS
atual. Portanto, padrões deficitários e difi- e desempenho acadêmico, além de mini-
culdades em relações interpessoais que deles mizarem problemas de comportamento.
resultam revelam uma história de aprendiza- Os programas atuaram como uma valio-
gem e frente a um rearranjo de contingências sa estratégia preventiva, especialmente
podem ser alterados, inviabilizando a noção quanto a inviabilização de impactos nega-
de que um padrão é imutável e inerente a um tivos, sobretudo prejuízos socioemocionais
sujeito Lopes (2013). e comportamentais que podem interferir
nas relações interpessoais e no ajusta-
Em consonância, Forteski (2013) afirma que mento da criança em etapas posteriores de
quando o professor não é capaz de analisar seu desenvolvimento.

167
COMPORTAMENTO Mariana Batista, Camila Muchon de Melo
EM FOCO VOL. 9

Sugeriram, ainda, que intervenções com pro- uma análise das contingências que atuam
fessores são uma estratégia efetiva, de am- sobre o seu comportamento e o planejamento
plitude vasta e consistente no que concerne para sua mudança. Entende-se que o papel
à prevenção de problemas de aprendizagem do docente assume relevância social quando
e de comportamento, dada a possibilidade o educador considera seu compromisso com
de se conduzir um trabalho junto ao público o futuro da sociedade, haja vista que, neste
geral (todos os alunos) ou para populações espaço, os alunos compartilham uma jorna-
com características específicas (alunos com da significativa de seu tempo. Essa jornada
TDAH ou com problemas de comportamento, pode ser ainda mais intensa ao se ponderar
por exemplo). Os programas, em sua grande a implantação da Escola em tempo integral,
maioria, visam propor um treinamento sobre fazendo deste um ambiente de significativas
manejo dos comportamentos dos alunos e e variadas relações sociais.
investimentos no ensino de habilidades so-
ciais dos mesmos (Lopes, 2013). É importante ressaltar que, em alguns es-
tudos analisados (Tabela 2), a descrição dos
O desenvolvimento de estudos que avaliam a procedimentos não foi tão bem detalhada,
eficácia e eficiência dos programas em THS fa- especialmente quanto aos recursos utiliza-
vorecem a compreensão da função do profes- dos ou esteve ausente a avaliação e/ou des-
sor como um facilitador para a aprendizagem crição de desempenho de um dos públicos-
de comportamentos pró-éticos e prossociais -alvo (alunos ou professores). Destaca-se
dos alunos, colaborando para o entendimento a importância em se conduzir estudos que
das contingências que favorecem uma forma- priorizem esses elementos como base de
ção pautada em valores éticos e compromis- dados consistentes para a replicação de in-
sada com a cidadania. Possibilitam, ainda, tervenções e como modelos para promoção
considerar que a preparação do professor de programas ao longo dos anos escolares,
como um pilar fundamental na construção tornando a atividade uma proposta curricu-
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Aline Beckmann Menezes,
COMPORTAMENTO Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage
EM FOCO VOL. 9

Processos Educacionais Pautados Aline Beckmann Menezes


alinebcm@gmail.com
em Metodologias Ativas Universidade Federal do Pará (UFPA)

Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage


Educational Processes based upon
gotardelo@gmail.com
Active Methodologies Universidade Federal do Pará (UFPA)

Resumo Abstract
O processo educacional deve ser compreendido a partir The educational process must be understood through
de sua abrangência de todo o percurso educativo, de its impact on the whole educational path, beyond
forma articulada, indo além da noção convencional the traditional teach-learn approach. Therefore, it
de ensino-aprendizagem. É constituído assim desde involves since planning educational goals, based
o planejamento dos objetivos educacionais, pautado upon the concept of competencies development,
na noção de desenvolvimento de competências, até until critical and reflexives evaluation strategies.
estratégias avaliativas crítico-reflexivas. Uma forma One way to organize this process is with active
de estruturar este processo é a partir da adoção de methodologies. These methodologies have some
metodologias ativas. Tais metodologias têm por ca- essential characteristics: 1) apprentice protagonism; 2)
racterísticas essenciais: 1) o protagonismo do aprendiz; apprentice autonomy; 3) social and critical formation.
2) a autonomia deste aprendiz; 3) sua formação críti- They might be applied to any educational context,
ca e social. Podem ser, assim, aplicadas em qualquer with timely interventions or even as constitutive
contexto educacional, desde intervenções pontuais até aspects of the politic and pedagogical project. It is
como elementos constituintes do projeto político pe- expected to contribute with an initial contact with
dagógico. O presente trabalho se propõe a apresentar this literature, enabling future implementation of
a perspectiva do uso de metodologias ativas no pro- what is discussed in distinct educational contexts.
cesso educacional por meio de exemplos aplicados de
práticas educacionais. Espera-se contribuir com um
contato inicial com a literatura da área, de modo a
favorecer a aplicação futura em contextos educacionais
variados dos tópicos discutidos.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Metodologias ativas; Processo educacional; Active methodologies; Educational Process;


Educação; Escola. Education; School.

O presente capítulo é derivado de um Minicurso apresentado no XXIV Encontro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Comportamental, realizado no dia 07 de setembro de 2017, sob o título: “Processos Educacionais Pautados em Metodologias Ativas”.

172
Aline Beckmann Menezes,
COMPORTAMENTO Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage
EM FOCO VOL. 9

Este é um Artigo de Revisão de Literatura (ARL) em refletir sobre o seu real significado. Em
que propõe uma aproximação dos princípios alguns contextos, pode ser encontrada como
e diferentes modelos de Metodologias Ativas sinônimo de “processo de ensino-aprendiza-
de Ensino e a Análise do Comportamento. gem”; de “processo de ensino”; de educação;
ou mesmo de formação. Considerando que
Por se tratar de um ARL, seu objetivo é or- tais expressões acabam por denotar senti-
ganizar e integrar criticamente conteúdos dos estanques, opta-se no presente texto por
já produzidos anteriormente, de modo que utilizar o sentido atribuído por Anastasiou
não são apresentadas informações sobre (1998) ao termo “ensinagem”. Para a autora,
procedimentos de busca, descritores e locais o termo apresenta a inerente implicação do
utilizados (Hohendorff, 2014). Assim, o ma- ensino na aprendizagem e vice-versa, enfa-
terial-base aqui analisado foi selecionado a tizando sua perspectiva processual.
partir de sua relevância para a área e adesão
ao tema em estudo. Deste modo, propõe-se discutir o processo
educacional como envolvendo tanto ensino
A discussão está aqui organizada nas se- quanto aprendizagem de forma indissociada.
guintes seções: Processo educacional, onde Nesse sentido, aprender estaria relaciona-
é apresentada a concepção aqui adotada; do ao próprio processo de desenvolvimento
Metodologias ativas, onde o tema é intro- humano e seria mais eficaz em situações de
duzido a partir de suas características defi- horizontalidade, que favoreçam a identifi-
nidoras e então são apresentados exemplos cação da influência mútua entre estes ele-
de metodologias ativas muito utilizados mentos constituintes do processo.
em outras áreas mas pouco conhecidos
na comunidade analítico-comportamen- Falar de processo não pode ser apenas uma
tal (Aprendizagem Baseada em Problemas; questão vocabular. Implica, acima de tudo,
Metodologia da Problematização pelo Arco desconstruir a fragmentação usualmente
de Maguerez; e Processo do Incidente); feita entre planejamento docente, metodo-
Metodologias Ativas na Perspectiva da Análise logias de ensino e avaliação. Essa reflexão é
do Comportamento, onde um paralelo entre também proposta por Kubo e Botomé (2001),
as premissas já apresentadas e o referencial que enfatizam que “ensinar” é um verbo que
analítico comportamental é sintetizado; e, se refere a um processo que pressupõe a in-
por fim, as considerações finais do trabalho. teração entre, pelo menos, dois organismos.
Desta forma, propõem que o processo en-
sinar-aprender implica na análise do com-
Processo Educacional portamento do aluno como decorrência do
comportamento docente – logo, interdepen-
Apesar da expressão “processo educacio- dentes. Nessa perspectiva, o docente deve
nal” ser utilizada de forma recorrente na estar sob controle tanto de estímulos con-
literatura. Observa-se pouca preocupação textuais (como objetivos de aprendizagem)

173
Aline Beckmann Menezes,
COMPORTAMENTO Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage
EM FOCO VOL. 9

quanto do comportamento do discente, que emitido); habilidades (como aplicar o conhe-


passa a ter a função de indicar a eficácia do cimento, o que o aprendiz deve saber fazer);
comportamento docente. Para tal, os autores e atitudes (o comportamento ético e social,
destacam a relevância do planejamento do- o modo como o aprendiz deve se comportar
cente – o qual vem sendo discutido, estudado enquanto aplica tais conhecimentos).
e defendido em diversas publicações analí-
tico-comportamentais (como Gianfaldoni, Kaslow et al. (2004) destacam a importância
Rubano, de Assis & Zanotto, 2015; Henklain da clareza das competências a serem desen-
& Carmo, 2013; Skinner, 1974). volvidas para que o professor seja capaz de
definir sua metodologia de ensino e sua ava-
O planejamento docente deve, assim, iden- liação. Deste modo, ao traçar seus objetivos
tificar o contexto no qual se insere a dis- de aprendizagem e ao definir as competên-
ciplina (ou curso, ou conteúdo etc.). Este cias, o professor deve planejar também como
contexto pode se referir ao Projeto Político avaliará o sucesso do processo educacional.
Pedagógico, à série ou ao semestre, ao ce-
nário sociopolítico... É importante que o Desta forma, propõe-se uma mudança de
professor inicie seu planejamento com cla- perspectiva ante a concepção convencional
reza do quadro geral no qual sua atuação de avaliação, usualmente restrita a conteú-
será inserida. Só a partir de então poderá dos. Tendo por base as propostas de Luckesi
desenvolver objetivos de aprendizagem que (2010), compreende-se que a avaliação “não
deixem claro o que se pretende alcançar no é e não pode continuar sendo a tirana da
fim do processo. Esse processo decisório prática educativa, que ameaça e submete a
é apresentado por Kubo e Botomé (2001), todos” (p.6). Essa mudança de perspectiva
que destacam as demandas sociais da co- proposta por ele, implica em uma concepção
munidade como ponto de partida docente multidimensional que permita que diferen-
e o profissional formado como o resultado tes habilidades sejam exigidas do aprendiz,
almejado – cabendo ao professor traçar um possibilitando o desempenho das compe-
percurso que os conecte. Por fim, cabe ao tências de forma complexa e diversa no pró-
professor identificar quais as competências prio processo avaliativo. Deve ser, também,
que pretende favorecer que sejam desenvol- inclusiva, de modo a possibilitar que todos
vidas (Kaslow et. al., 2004). Para maior efi- aqueles que serão avaliados tenham condi-
cácia nesse processo, Brandão (2012) propõe ções de apresentar o que foi aprendido. O
que estas competências sejam descritas de autor afirma ainda que a avaliação deve ser
forma clara, apresentando comportamentos escalonada, avançando do nível mais baixo
observáveis e passíveis de mensuração. Esse ao mais elevado de dificuldade, o que favo-
autor destaca, ainda, que tais competências rece tanto que ocorra aprendizado durante
devem ser compostas com conhecimen- a própria avaliação quanto que o professor
tos (os conteúdos em si, o que o aprendiz possa diagnosticar se a aprendizagem está
deve saber, o comportamento verbal a ser efetivamente ocorrendo.

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COMPORTAMENTO Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage
EM FOCO VOL. 9

A função diagnóstica da avaliação merece desempenho” (Kubo & Botomé, 2001, p.2).
destaque, pois ela amplia a função do ato de Essa preocupação com uma nova função para
avaliar de algo restrito à hierarquização de o processo de avaliação pode ser percebida
desempenhos para o próprio planejamento ainda em propostas como a programação
em si, afinal, caso seja identificado que a de contingências de ensino no modelo de
aprendizagem não ocorreu como esperado, “aprendizagem sem erros” (Melo, Carmo
deve ser revisto o processo e viabilizados & Hanna, 2014). Estes autores defendem,
recursos que favoreçam tal aprendizagem. a partir de uma vasta linha de pesquisa já
Como afirma Barbosa (2008, p. 2), existente, a aprendizagem gradual de desem-
penhos precisos, com a evocação de poucas
A avaliação assume uma dimensão orien- respostas emocionais e de esquiva da tarefa e/
tadora, cooperativa e interativa, onde os ou do professor. Para tal, todavia, a avaliação
resultados obtidos no decorrer do trabalho deve ter a função de nortear a tarefa docente
conjunto do professor e dos alunos são com- de planejamento de novas contingências e ou
parados com os objetivos propostos, a fim de arranjos de estímulos que favoreçam a apren-
constatar progressos, dificuldades e, também dizagem. A avaliação não poderia ser, assim,
reorientar o trabalho docente e a construção
um fim em si mesma, mas uma importante
dos projetos pedagógicos.
fonte de informações para o planejamento
contínuo do processo ensinar-aprender.
Assim, o resultado da avaliação não é apenas
a “nota” obtida pelo aluno, mas um diag- Muito tem sido discutido quanto a como de-
nóstico do desenvolvimento individual de senvolver e avaliar as competências propostas.
cada aprendiz, do desenvolvimento coletivo A tendência educacional atual tem sido da uti-
da turma, da eficácia do processo de ensino lização de metodologias ativas. Considerando
aplicado. São avaliados, assim, o aprendiz, o potencial destas metodologias dentro da
a turma, a disciplina, o professor – pois é perspectiva educacional aqui adotada, o foco
da interação entre todos estes componentes do presente texto será, assim, a apresentação
que se poderá inferir o sucesso (ou não) do do conceito de metodologias ativas e descrição
processo educacional. dos limites e possibilidades de algumas das
mais relatadas na literatura da área.
Skinner (1964) criticava a aplicação de testes
como medida de fracasso escolar, o qual era
interpretado como total responsabilidade do Metodologias Ativas
aluno. Nesta mesma direção, Carolina Bori
defendia um processo de ensino no qual um A ênfase em metodologias ativas tem sido
dos princípios básicos consistia em que “a muito forte em especial no ensino supe-
cada aprendizagem, em lugar de notas, o rior, fazendo parte inclusive das Diretrizes
aluno deveria ter conseqüências informativas, Curriculares Nacionais de cursos de graduação
tanto técnicas como sociais, conforme seu como Medicina (Brasil, 2001); Odontologia

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COMPORTAMENTO Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage
EM FOCO VOL. 9

(Brasil, 2002); Engenharia (Ribeiro, 2005). modo que seu progresso se torna dependen-
Contudo, sua proposição não é tão nova e te diretamente de sua ação. Desta forma, é
nem restrita a este nível de ensino (Leite, preciso que sejam desenvolvidos repertórios
Cunha & Schneider, 2017), muito menos à de estudo independente, de resolução de pro-
realidade nacional. blemas e outros. Cabe ao professor, orien-
tar e acompanhar o desenvolvimento destes
A origem das metodologias ativas remonta repertórios.
ao Relatório Delors (Delors et al, 1996) de-
senvolvido a partir de uma conferência da Formação Crítica do Aprendiz - Aprendiz
Unesco sob influência filosófica do pragma- está apto a avaliar a eficácia de suas deci-
tismo de John Dewey, que destacava (entre sões, considerando as consequências sociais,
outras coisas) a importância de aprender- acadêmicas e pessoais do que foi feito. Para
-a-aprender. Neste relatório foram defini- tal, o professor deve favorecer a reflexão e
dos, então, os chamados quatro pilares da avaliação contínua do processo educacional.
educação: aprender a aprender; aprender a
fazer; aprender a ser; e aprender a conviver. A utilização de metodologias ativas não é
um “modismo” e sua operacionalização não
Para favorecer tais pilares, foram propos- significa que práticas que atendam tais cri-
tas metodologias que fossem centradas no térios não possam ter sido implementadas
aprendiz. Isto implica mais do que a simples em diferentes momentos da história, como
designação de atividades a serem desempe- é o caso do Personalized System of Instruction
nhadas pelos alunos, mas no envolvimento – PSI, proposto por Keller, em seu artigo
deste aprendiz no seu processo de constru- clássico Goodbye, teacher (Keller, 1972/1999).
ção do conhecimento. Assim, para uma me- Apesar do PSI não adotar a nomenclatura de
todologia ser considerada ativa ela precisa “metodologia ativa”, nem atender plena-
atender três critérios (Berbel, 2012; Diesel, mente todos os critérios aqui apresentados,
Baldez & Martins, 2017): é possível classifica-lo como uma impor-
tante proposição nessa direção. Contudo, a
Protagonismo do aprendiz - Aprendiz toma ênfase atual em sua utilização não é casual,
parte e é o foco dos processos decisórios. mas decorre de mudanças socioculturais
O professor muda seu papel, devendo não relevantes que precisam ser contempladas
mais apresentar suas decisões sobre a con- por mudanças na forma de se conduzir o
dução do processo mas sendo um mediador ambiente educativo.
da aprendizagem, compartilhando com os
discentes a responsabilidade ante a definição É interessante ressaltar que a adoção de
dos percursos a serem percorridos. metodologias ativas de ensino não representa
uma abdicação da sistematização e rigor
Autonomia do aprendiz - Aprendiz toma dos métodos de ensino – pelo contrário
as rédeas do processo de aprendizagem, de – por serem estratégias de ensino menos

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Aline Beckmann Menezes,
COMPORTAMENTO Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage
EM FOCO VOL. 9

previsíveis, demandam planejamento e Essa é uma preocupação transversal em


atenção a todas as suas nuances ainda toda a obra de Skinner (para uma revisão,
maior que os métodos convencionais. Caso recomendamos a leitura de Araújo, 2008).
contrário se correria o risco de incorrer na Ao defender a aprendizagem de comporta-
falácia da “aprendizagem espontânea”, mentos que serão vantajosos para o futuro,
duramente criticada por Skinner (1973/1978) a proposta de Skinner (1953) não era centra-
e considerada por ele como pouco eficiente, da apenas em vantagens individuais – mas,
facilitadora de concepções supersticiosas da principalmente, vantajosos também para
realidade e até mesmo perigosas e danosas. outros indivíduos e, assim, para a sobrevi-
vência de uma cultura, com compromisso
Atualmente, vive-se diante de um excesso de ético de “produção de liberdade, dignidade
informações e de velocidade de transforma- e qualidade de vida para todos os seus inte-
ções nunca antes observado. Enquanto um grantes” (Henklain & Carmo, 2013, p.327).
conhecimento científico demora mais de 10
anos para ser incorporado às salas de aula da Não existe nenhum protocolo padrão que
educação básica (Arreguy & Ferreira, 2017), especifique como devem ser aplicadas as
esta mesma informação está disponível a um metodologias ativas e nem que metodologias
toque na tela do celular do aprendiz. Assim, ativas existem, de modo que muito ainda
antes de ser um provedor de informações, é precisa ser desenvolvido, implementado, es-
importante que o professor favoreça que o tudado. Analisando as diversas experiências
aprendiz desenvolva repertórios relevantes existentes, pode-se identificar, contudo, que
de análise crítica, seleção de informações e há diferentes níveis de abrangência ao im-
contestação. Isto favorece, ainda, que o co- plementar metodologias ativas.
nhecimento não fique defasado pois torna o
aprendiz autônomo no seu processo de busca A forma mais abrangente, refere-se à cons-
e produção de conhecimento (Bzuneck, 2010). trução de Projetos Políticos Pedagógicos (PPP)
pautados em metodologias ativas. Isto impli-
Outro benefício que pode ser apontado do uso ca em uma revisão da concepção da proposta
de metodologias ativas refere-se a uma maior educacional do curso e/ou da instituição como
conexão com o “mundo real”, diminuindo os um todo, requerendo assim o engajamento
muros tão criticados, que separam a academia de toda a comunidade – docentes, discentes,
de comunidade externa (Coutinho, Folmer & técnicos, comunidade externa. No Brasil, há
Puntel, 2014). Desta forma, espera-se que vários casos em que isso tem sido feito es-
este tipo de metodologia favoreça o desen- pecialmente nos cursos de nível superior da
volvimento de cidadãos mais comprometidos área de saúde, a partir da implementação da
socialmente, com habilidades para intervir Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL
na realidade e desempenhar autocrítica ante – da sigla em inglês – que será apresenta-
a própria atuação. da mais adiante) (Costa, 2011). Nos Estados

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Aline Beckmann Menezes,
COMPORTAMENTO Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage
EM FOCO VOL. 9

Unidos, por sua vez, isso já tem ocorrido e fazer a implementação das metodologias
em escolas de ensino fundamental, que têm ativas em semestres ou períodos específi-
sido reconfiguradas a partir da proposta de cos. Nesses casos, grupos de professores
Aprendizagem Baseada em Projetos (como precisam ser articulados para que durante
o Buck Institute for Education, citado por um período específico pré-definido possam
Toyohara, de Sena, Araújo & Akamatsu, 2010). trabalhar conjuntamente a partir de uma
Ao reformular o PPP a partir desta proposta, (ou mais) metodologia ativa, possuindo,
finda-se o conceito de disciplinas e toda a deste modo, formas comuns de produção
dinâmica interacional entre a equipe precisa e avaliação do conhecimento. Este forma-
ser reestruturada, muitas vezes com impli- to pode ser observado em vários relatos de
cações para a estrutura física da instituição caso, tanto da educação básica, quanto do
também, já que as salas de aula convencionais ensino superior (Berbel, 2012).
passam a ser inadequadas ou insuficientes
para a proposta pedagógica adotada. Considerando as dificuldades muitas vezes
encontradas para que tais articulações sejam
A limitação das salas de aula em seus forma- efetivadas, há a possibilidade do desenvol-
tos convencionais não deveria surpreender. vimento de metodologias ativas circunscri-
Historicamente, segundo Araújo (2011), o for- tas apenas a uma disciplina. Nesse caso, há
mato das salas de aula em filas de carteiras uma articulação entre diferentes conteúdos
padronizadas e voltadas ao quadro-negro da disciplina e entre o ensino e a avaliação,
surge para atender uma demanda específica dentro de uma única disciplina. Apesar de ter
do final do século XVIII na Prússia – carência suas limitações, há relatos de benefícios não
de material impresso e necessidade de ho- só de aprendizagem quanto de engajamento
mogeneidade do aluno (técnica e ideológica). em situações do tipo (Cohen, 2017).
Em 1974, Skinner critica a falta de avanços
em transformar este cenário: predomínio de Por fim, é possível ainda aplicar este tipo de
controle aversivo; atraso do contato com os metodologia de forma ainda mais restrita.
(poucos) reforçadores; e ausência de plane- Como em uma única aula ou em apenas um
jamento de aproximações sucessivas com o conteúdo específico (Massignani, Oliveira,
comportamento final. Pode-se refletir que de Kubo & Botomé, 2012). Neste caso, o objetivo
1974 até hoje já houve avanços, mas muito da é favorecer o desenvolvimento de compe-
estrutura física e social das escolas permanece tências específicas e/ou a dinamização de
(Paro, 2017). As alterações no PPP aqui des- conteúdos tradicionalmente enfadonhos e
critas demandam, deste modo, mudanças sig- tediosos (Menezes, 2016).
nificativas nesta estrutura e por isso não são
facilmente aceitas pela comunidade escolar. Tendo por base o que foi apresentado até o
momento e visando contribuir com a ins-
Tendo em vista as implicações descritas trumentalização de docentes interessados
acima, é possível reduzir esta abrangência na temática, serão apresentados a seguir

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COMPORTAMENTO Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage
EM FOCO VOL. 9

três exemplos de metodologias ativas: “CALAFRIOS”


Aprendizagem Baseada em Problemas;
Metodologia da Problematização pelo Arco Em uma tarde fria de maio você se sente “can-
de Maguerez; e Processo do Incidente. sado”- suas pernas estão “pesadas”, os seus
Existem outros exemplos que não serão olhos estão “ardidos”, um pouco lacrimejan-
aqui descritos, seja por se caracterizarem tes. Mais tarde você sente alguns calafrios. Eles
como tecnologias de ensino mais específicas aumentam e embora você se deite e se cubra

(como o uso de dramatização proposto por com vários cobertores, não consegue sentir-se
confortável e treme continuamente. Isto dura
Massignani et al., 2012; ou a tutoria por
uma hora e meia. A seguir, você começa a sentir
pares proposta por Arreaga-Mayer, 1998) ou
calor e mesmo depois de tirar todas as cobertas,
por já terem sido apresentados previamente
ainda transpira abundantemente. Sua mãe diz
na literatura analítico-comportamental e,
circunspectamente que você pegou uma “gripe”.
assim, fugindo dos objetivos do presen-
te trabalho (é o caso do precision teaching, Explique os fenômenos.
ensino programado, PSI, direct instruction
e interteaching, descritos por Henklain & De acordo com Berbel (1998), o problema
Carmo, 2013, entre outros autores). precisa ser simples, conciso, focado, rea-
lista e com base em conhecimentos prévios
que o aprendiz já possua. Deve demandar
Aprendizagem Baseada no máximo 16h de estudo para ser resolvido

em Problemas (PBL) pelos integrantes da tutoria. Para que o pro-


blema possa atender estes requisitos e, ao
O PBL tem sido implementado de forma pre- mesmo tempo, contemple diferentes objeti-
ponderante nos cursos brasileiros de nível vos de aprendizagem, ele deve ser formulado
superior da área de saúde, em especial nos por uma comissão interdisciplinar. A partir de
de Medicina. Entretanto, pode-se esperar uma perspectiva analítico-comportamental,
um crescimento nas demais áreas, já ha- pode-se dizer que o problema deve estabele-
vendo registros de iniciativas em cursos de cer contingências favoráveis para o compor-
Engenharia (Toyohara et al., 2010) e da área tamentos de estudo que se pretende evocar.
de humanas (Soares, 2008).
Tendo compreendido o que é o problema,
Como o próprio nome diz, o PBL é estrutura- faz-se necessário apresentar como funciona
do a partir de “problemas” que são apresen- a tutoria. No PBL, as aulas tradicionais (bem
tados a grupos de poucos alunos, intitula- como a noção de disciplinas) são abolidas.
dos de “tutorias”. Um exemplo de problema O processo educacional se dá em contex-
utilizado no primeiro semestre da faculdade tos diversificados compostos por tutorias,
de Medicina da Universidade de Maastricht treinamento de habilidades psicomotoras e
é apresentado por Costa (2011, p.2): conferências temáticas.

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COMPORTAMENTO Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage
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Segundo Mamede (2001), as tutorias devem pelo enunciado – no exemplo anterior, po-
ser compostas por um tutor; um coordena- deria ser discutido quais são os fenômenos
dor; um secretário; e debatedores. O papel de apresentados que demandam explicação.
tutor é exercido pela figura docente, que aqui O terceiro passo refere-se à formulação de
assume uma função distinta. O tutor deve fa- hipóteses explicativas aos problemas identi-
vorecer que a tutoria se desenvolva de acordo ficados, a partir do conhecimento pré-exis-
com os objetivos de aprendizagem, podendo tente. Nesse momento, o grupo deve debater
apresentar perguntas e sugerir alguns dire- e podem surgir hipóteses contraditórias. No
cionamentos. Contudo, não lhe cabe respon- quarto passo, o secretário deve resumir as
der o problema em si nem explicar o que não hipóteses levantadas e então todos (inclusive
foi compreendido. O tutor tem por objetivo o tutor) contribuem com a formulação dos
favorecer o estudo, a autonomia do aprendiz. objetivos da aprendizagem. O primeiro en-
contro é então encerrado pois o sexto passo
Todos os demais papéis são exercidos pelo se refere ao estudo individualizado, quando
corpo discente e não devem ser fixos, isto todos os aprendizes devem buscar alcançar
é, ao mudar o problema, os papéis devem os objetivos de aprendizagem. No segundo
ser redistribuídos. Cabe ao coordenador ge- encontro ocorre o sétimo e último passo, que
renciar a tutoria, no que tange as falas dos consiste na rediscussão do problema a partir
colegas e os direcionamentos necessários. do que foi estudado no passo anterior.
Ao secretário, cabe o registro das falas e,
principalmente, das decisões tomadas pelos A participação na tutoria é avaliada não só pela
debatedores. Esse registro pode ser feito em frequência mas, principalmente, pela qualidade
quadro na sala de tutoria, favorecendo o das contribuições. Dessa forma, é fundamental
acompanhamento por todos, mas deve ser que haja uma Comissão de Avaliação formada
posteriormente compartilhado de modo que de forma interdisciplinar por docentes que es-
todos tenham clareza do que será investi- tabeleçam critérios claros do que e como serão
gado durante o tempo de estudo individual. avaliadas as tutorias. Tais critérios devem ser
Por fim, os debatedores devem discutir o socializados com os aprendizes. Esta comissão
problema tal qual se apresenta, construindo deve também prever como serão avaliadas as
os caminhos para a sua resolução. habilidades psicomotoras.

Mamede (2001) apresenta sete passos para O treinamento de habilidades psicomotoras


uma tutoria – estrutura que facilita a sua refere-se ao desenvolvimento de habilidades
compreensão. O primeiro passo seria a lei- e atitudes voltadas à prática profissional, po-
tura coletiva do problema, momento no qual dendo ser aplicado em contexto laboratorial
quaisquer dúvidas quanto a termos desconhe- ou de campo profissional. Como tudo no PBL,
cidos devem ser dirimidas a partir do uso de este treinamento tem caráter interdiscipli-
dicionário e do debate coletivo. O grupo deve, nar. Assim, uma habilidade como “realizar
então identificar qual o problema proposto anamnese” seria treinada e avaliada a partir

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de múltiplos componentes, como os itens sejam autônomos, apresentem autogeren-


abordados, os equipamentos de proteção ciamento e dedicação para que os objetivos
individual utilizados, a relação interpessoal sejam alcançados. Quanto ao perfil discente,
estabelecida etc. muitos relatos informais discutem o impacto
ao adentrar no PBL, gerando muitas reações
De acordo com Berbel (1998), a avaliação do adversas em um primeiro momento, contudo
PBL deve ser diversificada, a partir de módulos com crescente desenvolvimento de compe-
que contemplam vários problemas e múlti- tências e, consequentemente, de adesão à
plas habilidades psicomotoras. Esta proposta proposta pedagógica.
é compatível com o que tem sido discutido no
âmbito do desenvolvimento de competências.
Método da Problematização
Por fim, o PBL possui ainda conferências pelo Arco de Maguerez
temáticas. Em geral, são ministradas por
especialistas da área e ofertadas a aprendizes Introduzida no Brasil por Bordenave e Pereira
que já cumpriram determinados requisitos. (1982), a Metodologia da Problematização
As conferências têm por objetivo favorecer pelo Arco de Maguerez foi aprimorado e di-
o contato com conhecimentos de ponta e a fundido por Berbel (1995), a partir da apro-
consolidação de conhecimentos já aprendi- ximação com o pensamento de Paulo Freire,
dos – e não de introduzir informações. em especial a Pedagogia da Libertação e a
Pedagogia do Oprimido.
A implementação do PBL não é fácil. Requer
espaço adequado: as salas de tutoria devem De acordo com Berbel (1995), seu princí-
ser menores (cada tutoria deve ter no máximo pio básico implica que a aprendizagem deve
10 aprendizes), com mesas centrais e quadro partir de uma realidade, na qual são identifi-
para registro; a biblioteca deve ser ampla e cadas problemáticas ou os chamados “pontos
estruturada pois será utilizada por número chave” a serem trabalhados. O aprendiz
elevado de aprendizes simultaneamente du- deve, então, partir para a teorização, quando
rante o passo de estudo individual; os la- elaborará criticamente os elementos desta
boratórios devem ser disponibilizados para realidade, integrando múltiplos conteúdos
a realização de testes, práticas e estudos ao teóricos. Após esta etapa, há o fechamento
longo do processo. Por sua vez, a equipe do arco, com a elaboração de hipóteses para
pedagógica precisa aderir à proposta pois solução e enfim um retorno à realidade com
o planejamento é coletivo e é fundamental um propósito transformador.
que todos atuem de forma coerente com o
que for planejado, favorecendo uma unidade Esta metodologia tem sido empregada por
na condução das atividades em geral. Por ambos os autores do presente texto, em ex-
fim, o PBL traz implicações também ao perfil periências docentes em universidades públi-
discente, pois requer que seus aprendizes cas de Belém/PA, nos cursos de Enfermagem

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(onde ocorre ao longo de todo o curso, abar- da educação especial. O resultado final foi
cando todas as disciplinas de cada semestre socializado com toda a comunidade aca-
letivo) e Psicologia (restrita a uma discipli- dêmica em evento interno, favorecendo o
na). Com fins de ilustração para favorecer a debate crítico dos limites e dos alcances das
compreensão, será descrita brevemente uma ações efetivadas, bem como estimulando a
destas experiências. autoavaliação de cada subgrupo.

A turma do segundo semestre do curso de Este tipo de metodologia implica um ele-


Enfermagem foi dividida em cinco subgrupos. vado grau de autonomia discente, devendo
Todos os subgrupos visitaram uma escola o corpo docente estar apto a orientar de-
estadual para observar a realidade, fazendo mandas inesperadas e acompanhar o pro-
registros de potenciais situações problemas cesso de forma articulada e interdisciplinar.
(como riscos de contaminação). Em reunião Um dos maiores benefícios observados, é o
coletiva com os corpos discente e docente, desenvolvimento de competências comple-
foi feito um brainstorm sobre os pontos chave xas, favorecendo um olhar mais abrangente
identificados, de forma interdisciplinar. sobre problemáticas reais.
Cada subgrupo definiu seu tema de trabalho
e passou, então, a coletar dados específicos
para fundamentar seu processo de teoriza- Processo do Incidente
ção. Este ocorre a partir dos dados coletados
e do levantamento de literatura pertinente, Uma metodologia ativa muito conhecida
sob orientação e supervisão dos docentes e usada com frequência, em especial nos
envolvidos. As hipóteses de solução foram cursos das áreas de Ciências Humanas e
estruturadas e apresentadas na forma de um Sociais, é o Estudo de Caso (Berbel, 1998).
plano de trabalho que continha projetos de Considerando a provável familiaridade com
intervenção, como ações socioeducativas. essa proposta, ela não será desenvolvida no
Neste momento, os docentes estimulavam presente trabalho. Contudo, pode ser utili-
que as ações fossem também pautadas na zada como ponto de partida para compre-
concepção de metodologias ativas, isto é, os ensão do Processo do Incidente.
aprendizes elaboraram propostas que favo-
recem o empoderamento da comunidade na A ideia do Estudo de Caso é propiciar um
qual estão atuando. Após as aprovações dos contato indireto com a realidade, utilizando
planos, os subgrupos retornaram à comuni- a análise documental de experiências con-
dade e implementaram suas ações, como por cretas ou fictícias, mas realistas. Contudo,
exemplo, oficinas de construção e instalação uma limitação desta metodologia é que o
de lixeiras para coleta seletiva; campanha aprendiz fica restrito a discutir uma expe-
de vacinação contra HPV; e orientações de riência já apresentada, restringindo sua au-
higiene pessoal para os alunos público alvo tonomia e sua responsabilidade na produção
do conhecimento.

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Surge, assim, a proposta do Processo do a condução do caso, requerendo preparo


Incidente. Gil (1990) apresenta seis passos docente e o fornecimento de recursos com-
principais para a execução desta metodologia. plementares às equipes.
A primeira consiste na apresentação do “inci-
dente” de forma resumida. Diferentemente do Atualmente, uma das autoras do presente
Estudo de Caso, o incidente não deve conter trabalho desenvolve esta metodologia de
informações demais, mas funcionar como forma contínua abarcando uma disciplina
um ponto de partida no processo decisório. O inteira. Nessa experiência, o avançar da dis-
segundo passo consiste nos esclarecimentos ciplina contribui com a construção das pro-
acerca do incidente, que podem ser forneci- postas que são complementadas com novos
dos pelo docente ou por outros aprendizes. incidentes, em crescente de complexidade
A equipe deverá então estudar e discutir os e influenciados pelas resoluções anteriores.
possíveis encaminhamentos a serem feitos. O
quarto passo é a apresentação da proposta da A disciplina em questão é intitulada
equipe de como lidar com o incidente, para “Psicologia e Educação Inclusiva” e possui
qual o docente deve fornecer feedback – o como uma das competências a ser desenvol-
mais breve e qualificado possível. Por fim, vida, segundo o Projeto Político Pedagógico
pode haver a socialização com a turma. do Curso, “atuar no contexto organizacional/
institucional da escola, de modo a adequá-
Em experiência realizada de forma pontu- -la para o atendimento da diversidade do
al, em apenas uma aula, Menezes (2016) alunado, inclusive das pessoas com necessi-
apresentou um mesmo incidente a múlti- dades especiais, com o intuito de promover
plas equipes em sala de aula. Ao passo que sua inclusão social” (Universidade Federal
as equipes apresentavam propostas (passo do Pará, 2011, p. 6). Considerando que a
quatro), a docente apresentava as consequ- disciplina não prevê carga horária prática,
ências e a equipe deveria retornar ao passo utiliza-se o Processo do Incidente com o
três – estudando e discutindo o que fazer. objetivo de favorecer o desenvolvimento da
Ao final, pôde-se observar que as equipes competência em questão. Assim, no primeiro
não só apresentaram diferentes formas de dia de aula, a turma é dividida em equipes.
agir como, em consequência disto, obtive- Cada equipe recebe o primeiro incidente:
ram diferentes informações e consequências. uma ficha de matrícula de um aluno com
deficiência. Eles são então contextualizados
Esta metodologia demonstra-se pertinente de que representam o setor de Psicologia da
quando se busca um contato indireto com escola e devem pensar em como agir para
a realidade, seja pela ausência de requi- favorecer a inclusão do aluno em questão,
sitos para a prática em campo ou seja por que acaba de se matricular na escola. Após
questões burocráticas institucionais. Apesar estudo e discussão, cada equipe apresenta
de ser desenvolvida em sala de aula, favo- por escrito propostas de como lidar com esse
rece a responsabilização do aprendiz sobre momento inicial. Como feedback, recebem

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as respostas de cada instrumento que uti- (como já proposto por Kubo & Botomé, 2001),
lizem (por exemplo, fichas de anamnese) as estratégias ativas de ensino criam condições
e uma descrição de como foi o início das para que as histórias filogenética, ontológica
aulas. Essa descrição configura o segundo e cultural deste aprendiz sejam respeitadas
incidente. Progressivamente, as equipes vão e que os conteúdos trabalhados lhes sejam
planejando ações complexas para viabilizar naturalmente mais relevantes. Essa proposta
a inclusão da criança fictícia. remete às considerações de Skinner (1987)
sobre o que há de errado no mundo ocidental
Em avaliação da implementação dessa me- moderno, quando trata do distanciamento das
todologia, Cohen (2017) encontrou que que consequências naturais das atividades labo-
os alunos atribuíram em média notas 4,6 rais em si. Assim, ao adotar, por exemplo, a
e 4,4 (máximo de 5) para os aspectos mo- metodologia da problematização, o professor
tivacionais e de assimilação de conteúdo. permite que o aprendiz selecione aspectos
Foram destacados por eles a autonomia e da realidade que lhe sejam mais relevantes
a liberdade para buscar conhecimento e a (estímulos discriminativos) e cuja resolução
aproximação com a prática, possibilitados lhe pareça mais impactante (reforçadora), de
pela metodologia. modo a estabelecer uma contingência natural
para o processo de aprendizagem.

Metodologias Ativas na O respeito à autonomia se dá em função

Perspectiva da Análise do de que nas Metodologias Ativas a ênfase


do processo de aprendizagem não está na
Comportamento topografia da resposta, mas sim em sua
função. Deste modo, diferente das metodo-
Como mencionado anteriormente, as me- logias de ensino convencionais, o professor
todologias ativas estão pautadas em três não espera uma reprodução sistemática de
princípios: protagonismo, autonomia e respostas reforçadas anteriormente e sim
formação crítica do aprendiz. Mas o que um caráter generativo na resolução de si-
a Análise do Comportamento entende por tuações práticas, enfatizando a aquisição de
cada um desses princípios? classes de comportamento de ordem supe-
rior (Catania, 1999). O papel do professor,
O protagonismo pode ser entendido como o portanto, não é descrever a topografia a
reconhecido de que cada organismo é único ser emitida em uma ocasião oportuna, mas
e que se comporta de maneira idiossincráti- apresentar a contingência em vigor em de-
ca, de modo que métodos convencionais de terminada situação. Tome-se o exemplo do
ensino, predominantemente homogêneos e PBL, em que o tutor não descreve o que os
predeterminados, são contrários à hetero- aprendizes devem fazer e sim qual o pro-
geneidade do seu público-alvo. Ao colocar blema a ser resolvido (situação problema),
o aprendiz no centro do processo decisório os encoraja a emitirem respostas que levem

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à sua resolução (respostas precorrentes) e Considerações Finais


fornece feedbacks (reforçamento diferen-
cial), treinando assim repertórios úteis à O presente texto não é um relato de pes-
resolução não apenas daquele problema, quisa e não se pressupõe abarcar todas as
mas de problemas em geral. discussões pertinentes à temática. Espera-
se, ainda assim, ter contribuído com leitores
Por fim, a formação crítica do aprendiz diz iniciantes na área e/ou docentes interessados
respeito a permitir que este vivencie direta em utilizar metodologias ativas e em mos-
(Metodologia da Problematização) ou indi- trar como esta área está intimamente ligada
retamente (PBL e Processo do Incidente) as aos princípios comportamentais.
consequências de suas ações. Ao trabalhar
o processo de aprendizagem como parte de Sobre o aspecto revisional do texto, espe-
uma contingência natural, ou emular uma, o ra-se que as referências aqui apresentadas
professor cria um contexto em que as con- podem ser utilizadas como um ponto de
sequências naturais prevalecem sobre as ar- partida. É importante ressaltar, todavia,
tificiais, o que é algo vantajoso no processo que há a necessidade de mais publicações
de aprendizagem (Velasco, 2016). Em um sobre o tema, tanto no formato de relato
processo de ensino ativo, como o Processo de experiências, quanto – e principalmente
do Incidente, por exemplo, a consequência – enquanto pesquisas científicas, avalian-
do sucesso ou fracasso não se limita a um do impactos do uso destas metodologias
número, mas tem impacto na vida de uma em diferentes componentes do processo
pessoa ou da comunidade. educacional. Além disso, é fundamental
que os analistas do comportamento come-
Sumarizando, o trabalho com metodologias cem a incluir o termo Metodologias Ativas
ativas garante que o aprendiz seja respeita- como descritor dos trabalhos publicados
do em suas particularidades e que os con- nesta temática, já que uma busca por este
teúdos trabalhados e formas de trabalho lhe termo nas revistas brasileiras de Análise do
sejam relevantes; que a ênfase do produto Comportamento não encontrou uma única
da aprendizagem seja a função generativa ocorrência. Considerando que muito do
do que é aprendido e não a reprodução de que é produzido em educação pela Análise
topografias estereotipadas; e que ao criar do Comportamento pode ser considerado,
essas contingências naturais, adequadas ao em última instância, como exemplo de
organismo apto a aprender, cria-se condi- Metodologias Ativas, corre-se o risco de
ções em que as consequências do aprender que essa produção seja sub difundida, já
são mais naturais e, portanto, mais rele- que não se está utilizando os descritores
vantes para o aprendiz. característicos da área.

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A utilização de metodologias ativas pode tornam este um caminho sem volta. Como
parecer custosa e desafiadora, mas os au- afirmou Skinner (1973/1978, p.148), “quando
tores aqui defendem, com base em expe- encontrar seus métodos mais efetivos, a
riência pessoal e em relatos da literatura, educação será quase totalmente dedicada à
que o impacto sobre a aprendizagem, a tarefa de estabelecer e manter uma melhor
motivação discente e a motivação docente forma de vida”.

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189
Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto, Taysa G.Castrillon,
COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

Estratégias de disseminação da Maria Ester Rodrigues


mariaester.rodrigues@gmail.com
Análise do Comportamento na Unioeste-Cascavel
extensão universitária Caio Fernando Fernandes Felisberto
caio.felisberto@gmail.com
Strategies to disseminate Behavior UNEMAT-Tangará
Analysis in university extension Taysa Garcia Castrillon
taysa.garciaa@gmail.com
UFMT-Cuiabá

Virgínia Cordeiro Amorim


Resumo virginiacordeiroamorim@gmail.com

O objetivo do trabalho é descrever a primeira experi- UFMT-Cuiabá


ência do Grupo de Estudos Análise do Comportamento
Thaís Cristina Gutstein Nazar
e Educação – Um panorama Introdutório (GEACE) e
thaiscg@prof.unipar.br
parte da experiência do GEDAC (Grupo de Estudos e
Difusão da Análise do Comportamento) como traba- UNIPAR-Francisco Beltrão
lhos voltados à difusão da Análise do Comportamento.
Thiago Marques de Brito
O GEACE foi criado em 2016 na Universidade Estadual
do Oeste do Paraná, para que estudantes e profissio- thiagombrito@gmail.com
nais de Pedagogia, Psicologia e áreas afins pudessem UFMT-Cuiabá
conhecer mais sobre Análise do Comportamento, acu-
radamente. O GEDAC existe desde 2012. Discorremos
sobre a importância da disseminação da Análise do
Comportamento, sobre alguns percalços comumente
encontrados e estratégias utilizadas para sua superação
como a criação de grupos de estudos, comuns entre as
atividades desenvolvidas por ligas acadêmicas, geri-
das por estudantes e tradicionalmente encontradas na
área de saúde. A experiência do GEACE é introdutória
e atinge um perfil diverso de participantes, incluindo
profissionais. A importância da inserção de estudan-
tes na gestão dos grupos é enfatizada, e direções no
aperfeiçoamento da experiência de ensino-extensão
são apontadas, bem como o potencial para realização
de pesquisas.

PALAVRAS-CHAVE

GEDAC; GEACE; Disseminação da Análise do


Comportamento; Grupos de Estudo; Extensão Universitária.

190
Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto, Taysa G.Castrillon,
COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

Abstract
strategies used to overcome it, such as the
The aim of this work is to describe the first creation of study groups, common among
experience of the Behavior Analysis and activities carried out by academic leagues,
Education Studies Group - An Introductory managed by students and traditionally found
Overview (GEACE) and part of the GEDAC in the health area. Despite similar objectives,
(Studies and Dissemination in Behavior the GEACE experience is introductory and
Analysis) experience as works focused on reaches a diverse profile of participants,
the diffusion of the Analysis of Behavior and including professionals. The importance
Education. Behavior. GEACE was created in of student insertion in group management
2016 at the State University of the West of is emphasized, and directions in the
Paraná, so that students and professionals improvement of the teaching-extension
of Pedagogy, Psychology and related areas experience are pointed out, as well as the
could know more about Behavior Analysis, potential for conducting research.
accurately. The GEDAC has existed since
2012. We discuss the importance of the
KEYWORDS
dissemination of Behavior Analysis, about
GEDAC; GEACE; Dissemination of Behavior Analysis;
some commonly encountered mishaps and
Study Groups; University Extension.

A Análise do Comportamento (AC) é uma com o ambiente não apenas em condições


abordagem que tem como objeto de estudo experimentais mas também em contextos
o comportamento, entendido como todas as fora do laboratório. Estes conhecimentos
ações (públicas ou privadas, encobertas ou são relevantes para todos os contextos (es-
abertas) de um organismo em relação com colas, hospitais, políticas públicas, etc.) em
um ambiente (de Rose, 1997; Matos et al., que existam organismos se comportando e
1988; Sério, Micheletto & Andery, 2007), ela- que precisem de práticas mais eficientes.
borando conceitos e produzindo tecnologias Portanto, esta produção científica é útil não
que permitem lidar com comportamentos apenas para estudantes e profissionais da
onde quer que ocorram. Carmo e Batista Psicologia, mas também para profissionais
(2003) apontam que em setenta anos, esta de outras áreas. Neste capítulo, tem-se
abordagem, desenvolveu inúmeros proce- como objetivo discutir sobre a importância
dimentos e conhecimentos que permitem de se utilizar os conhecimentos da AC para
observar, prever e alterar comportamentos a disseminar a própria área, bem como encon-
partir do manejo da interação do organismo trar diferentes metodologias que auxiliem na

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Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto, Taysa G.Castrillon,
COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

solução de problemas educacionais, em es- relacionados. A linguagem hermética utili-


pecial no ensino superior. Alguns obstáculos zada muitas vezes é vista como difícil ou até
dificultam a difusão da AC não só entre os mesmo relacionada a questões ideológicas.
profissionais de outras áreas, mas também Entre analistas do comportamento é comum
dentro da própria Psicologia. Embora a in- o uso de muitos conceitos como estímulo,
trodução da AC no Brasil tenha impacta- resposta, punição, controle, DRO, matching
do a Psicologia aperfeiçoando os métodos to sample, esquemas de reforçamento inter-
de estudo para questões tradicionais da mitente, e muitos outros. Entretanto não-a-
Psicologia, abrindo novos campos de pes- nalistas do comportamento podem apresen-
quisa e gerando tecnologias para aplicação tar dificuldade no entendimento de tantos
em diferentes contextos, ainda hoje não há conceitos, como também associá-los a prá-
uma disseminação efetiva e aprofundada da ticas autoritárias e reducionistas (punição,
abordagem dentro dos currículos dos cursos controle, estímulo). Outra variável é a forma
de graduação (Todorov & Hanna, 2010). como a teoria é apresentada academicamen-
te, podendo gerar rejeições, deturpações e
Dentre esses obstáculos, Todorov e Hanna entendimento errôneo do Behaviorismo
(2010) apontam que mesmo com todo o avanço, Radical (Carmo & Batista, 2003).
o ensino de AC para os alunos das graduações
ocorre apenas em uma ou duas disciplinas, A crítica ao ensino de AC como inefetivo
restringindo-se aos conceitos básicos de re- na disseminação acurada da abordagem e
forçamento, punição e esquemas de reforça- mesmo à criação de materiais didáticos que
mento. Consequentemente, não há discussões ofereçam suporte aos cursos não é novidade
sobre vários fenômenos que podem ser inter- na literatura (Rodrigues, 2000, 2002, 2011).
pretados à luz desse campo, nem exploração A linguagem, os termos utilizados e aspectos
do alcance explicativo do modelo proposto históricos de desenvolvimento da abordagem
por B. F. Skinner e em desenvolvimento até são mencionados como fatores produtores
hoje. Além disso, os autores explicitam que de deturpações sobre a abordagem (Deitz &
a AC precisa se incluir em outros temas da Arrington, 1983; Hickey, 1994; Foxx, 1996;
Psicologia (como, por exemplo, a Psicologia Carmo & Batista, 2003 e Cruz, 2010).
do Desenvolvimento) e que as disciplinas
devem ser ministradas por profissionais que Não há como discordar da contribuição de
conheçam os pressupostos teóricos da área, tais fatores concorrendo para a produção de
diminuindo a possibilidade de os alunos terem equívocos e dificuldades de disseminação
informações equivocadas e preconceituosas. da AC no Brasil, mas a situação pode ser
mais complexa do que a princípio pode-se
Em relação à ausência de disseminação da supor. Nem sempre a dificuldade de atingir
teoria/prática analítico-comportamental um público mais amplo se deve apenas à
para profissionais de outras áreas do co- ausência de recursos humanos preparado ou
nhecimento, inúmeros fatores podem estar de material didático apropriado.

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
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Rodrigues (2000, 2002, 2011) alertava para interface com outras áreas do conhecimen-
o fato de que, mesmo conhecendo AC e o to, Jardim (2007) e Rodrigues (2000, 2002 e
Behaviorismo Radical (BR), indivíduos podem 2011) são exemplos de autores que afirmam
apresentar discordâncias entre pressupostos a inexistência de comportamentos suficien-
teórico-filosóficos e metodológicos da AC/ temente efetivos, por parte dos analistas do
BR e valores próprios do indivíduo e/ou da comportamento, para influenciar outras pes-
cultura em que se encontram . Os exemplos soas a adotarem a AC. Seguindo essa lógica,
mais comuns de pontos de divergência são Jardim (2007) provoca para a necessidade
concepção de homem (dualista/monista), de da criação de instrumentos de pesquisa para
comportamento, de liberdade e de determi- difundir a AC com base em princípios analí-
nação. Os trabalhos de Otta et al. (1983), Silva tico-comportamentais, colocando a difusão
(1987), Hickey, (1987), Miguel e Nakamura como um desafio aos profissionais da área,
(1996) Mallot (1996) e Cruz (2011)também para o qual devem buscar soluções analíti-
apontam a existência de discordâncias ou co-comportamentais a fim de ampliar seu
diferenças filosófico-epistemológicas. Já reconhecimento público e relevância social.
Miraldo (1985), Carrara (1998/2005) e Carmo Ainda destaca que a colaboração com profis-
e Batista, (2003) apontam a existência de sionais de outras áreas teria impacto positivo
diferenças metodológicas. sobre esse processo.

Existiam (Rodrigues, 2000) e possivelmente A partir dessas preocupações, estratégias têm


ainda existem os fatores relacionados aos sido pensadas por grupos que visam dissemi-
próprios analistas do comportamento, que nar a AC no cenário nacional, principalmente,
podem estar ligados à ausência/inadequação em regiões em que a área não tem destaque,
de estratégias para solucionar as deturpações nem é conhecida, até mesmo pelos profissio-
existentes em larga escala. Em reedição da nais de psicologia. As ligas acadêmicas, grupos
obra de 2000, Rodrigues (2011) ressalta a de estudos e discussão e projetos de extensão
sugestão de Mallot (1996) de criação de uma universitária são metodologias que ganham
“tecnologia” de disseminação/divulgação destaque no ensino superior, e têm sido utili-
da análise do comportamento, com ênfase zadas e adaptadas com o objetivo de ampliar o
à aplicada. A autora relaciona algumas di- alcance e aprofundar o estudo sobre diferen-
ficuldades dos analistas do comportamento tes áreas do conhecimento. É neste contexto,
em relação ao público interno e externo, e diante de todos estes desafios, que o Grupo de
questiona se realmente desejam se multipli- Estudo e Difusão da Análise do Comportamento
car e disseminar a abordagem para o público (GEDAC) e o Grupo de Estudos: Análise do
em geral, ou se manter em comunidades fe- Comportamento e Educação - Um Panorama
chadas (Rodrigues, 2011). Introdutório (GEACE) surgem buscando en-
frentar estas dificuldades, criando procedi-
Diante dos obstáculos para disseminação mentos efetivos com o propósito de estudar e
da AC, tanto dentro da psicologia, como na difundir os seus resultados.

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
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Ligas Acadêmicas e
Grupos de Estudos
No Brasil, existe pouca produção intelectual ativo em sua própria formação, escolhendo
sobre grupos de estudo e discussão que fun- sobre o que se aprofundar e interagindo com
cionem baseados no tripé ensino-pesquisa- os outros estudantes. Também torna pos-
-extensão, muito embora sejam utilizados sível a criação de iniciativas de ação junto
com frequência por estudantes e profissio- à comunidade acadêmica, o que fomenta a
nais. As iniciativas mais comumente descri- interlocução entre teoria e prática.
tas na literatura (embora não em profusão)
são as das Ligas Acadêmicas (LAs), com Depois do período de redemocratização do
tradição na área de saúde, principalmente a país e com o advento da Constituição de
Medicina. Vários artigos já foram publicados 1988, em que se elaborou o princípio da
descrevendo objetivos, criação e funciona- indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
mento dessas ligas Brasil afora, havendo até extensão, o papel das LAs se fortaleceu. A Lei
mesmo artigos de revisão que efetuam re- de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
flexões críticas a respeito (Botelho, Ferreira, (LDB) de 1996, também teve essa influência,
Souza, 2013; Hamamoto Filho, 2011; Torres, uma vez que definiu o papel da educação
Oliveira, Yamamoto, Lima, 2008). superior na prática e na formação acadê-
micas, destacando o estímulo ao conheci-
Despontando durante o período da Ditadura mento dos problemas do mundo presente
Militar, as chamadas Ligas Acadêmicas (mundiais, nacionais e regionais). Diante
(LAs), consistem em associações estudantis, das novas diretrizes, o maior contato com a
modelo idealizado e organizado por alunos comunidade recebeu destaque rumo a uma
sob a tutela de um professor coordenador, formação acadêmica mais contextualizada
cuja função é auxiliar e orientar as atividades, e comprometida com a realidade (Torres,
objetivando estudar e se aprofundar em um Oliveira, Yamamoto & Lima, 2008).
determinado tema. Segundo Ferreira, Aranha
& Souza (2011), as LAs constituem um espaço No campo da psicologia, regulamentada como
no qual os alunos assumem os seus respecti- profissão no país em 1962, as LAs chegaram
vos processos de construção de aprendizado, mais tarde, também influenciadas pelas mu-
o que possibilita a aplicação de novas me- danças nas diretrizes curriculares dos cursos
todologias de ensino que contribuem como de graduação em 2004, com a descrição das
uma alternativa consideradas mais eficazes competências e habilidades para a formação
do que o modelo tradicionalista do professor e o exercício profissional da área. Em le-
como transmissor da informação e o aluno vantamento feito por Magalhães, Rechtman
como receptor. Dessa maneira, possibilitam & Barreto (2015) nas plataformas on-line e
a flexibilização curricular por meio da criação em bases de dados foram encontradas onze
desse espaço em que o aluno pode ser mais ligas acadêmicas de Psicologia no Brasil, com

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

diferentes temáticas de estudo, em diferentes Sendo assim, outros formatos de organiza-


regiões do país (LAPES EBMSP BA, LIGAPSI ção estudantil têm ganhado espaço, a fim
UNIVAS MG, CES/JF MJ, LASMental UFJF MG, de aprofundar o estudo de determinados
FCMMG MG, LAPSI PUC GO), cinco das quais temas e áreas do conhecimento previstos
em Análise do Comportamento (LIAAC – UEP nos componentes curriculares dos cursos de
– PI, LIAAC – UNIFOR – CE, LAAC- UFSJ graduação ou fomentar o estudo de temas
-MG, UFES ES, LABAC FRB BA). Magalhães, e áreas não contempladas pelo currículo e,
Rechtman & Barreto (2015) têm como hipótese ao mesmo tempo, incentivar produção de
para o pequeno número de LAs a fase inicial pesquisa e atividades de extensão junto à
de desenvolvimento nesta área do conheci- comunidade acadêmica. Para ter suas ativi-
mento. Contudo, outros fatores podem estar dades reconhecidas pelas universidades por
relacionados a esse número inexpressivo. meio de emissão de certificados e uso do
espaço físico, muitos desses grupos se regis-
Marques, Holanda e Nogueira (2009) descre- tram como projetos de extensão que, abertos
veram a formação da Liga do Comportamento ao público, promovem suas ações e buscam
na Universidade Federal do Ceará, incluindo alcançar o tripé ensino-pesquisa-extensão.
atividades de ensino e pesquisa, além das Esse é o caso dos grupos de estudos apresen-
de extensão universitária. Costa, Gusmão e tados a seguir que, de acordo com sua reali-
Grincenkov (2016) relatam o funcionamento dade local, se estruturaram para disseminar
de uma liga, no âmbito da Psicologia da Saúde a análise do comportamento em regiões em
Comunitária, na interação ensino, pesquisa que discussões sobre a área são escassos.
e extensão, com a promoção de atividades
variadas, proporcionando uma formação di-
ferenciada ao acadêmico. Grupos de Estudos e
Extensão Universitária
Embora se destaque os pontos positivos das
LAs, o modelo recebe algumas críticas, em A principal diferença entre as atividades
especial, por reproduzir o modelo hierár- propostas por uma liga acadêmica e as
quico e burocrático já comum nas univer- atividades de ensino, pesquisa e extensão
sidades. Geralmente, é formada por uma propostas em outros âmbitos universitários
diretoria executiva composta por presiden- (projetos e programas de ensino, pesquisa
te, vice-presidente, tesoureiro e secretário, ou extensão) está no fato de se constituir
normalmente com gestão anual, e são es- num espaço “menos engessado”, em que
truturadas em diferentes frentes de atuação. os alunos podem assumir papel mais ativo,
Além dos diversos critérios para entrada que num modelo de autogestão estudantil, com
contribuem para competição entre os gradu- escolha dos projetos e temáticas, ainda que
andos e, em alguns casos, se distanciam da supervisionados por docentes. Atividades de
execução de seus objetivos (Torres, Oliveira, extensão centradas na atividade do aluno fa-
Yamamoto & Lima, 2008). vorecem, segundo Cardoso, Corralo, Krohl e

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
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Alves (2015), além de habilidades acadêmicas destinam à criação de currículo paralelo ou


e profissionais, o desenvolvimento de habi- a preencher lacunas curriculares. Tais pre-
lidades como liderança, tomada de decisões, tensões são criticadas por Hamamoto Filho
comunicação e de resolução de problemas. (2011), juntamente com a potencial especia-
Ferreira, Aranha e Souza (2011) consideram lização precoce e a possibilidade de fortale-
as ligas acadêmicas uma ferramenta de cimento de vícios acadêmicos. É importante
construção de conhecimento que possibilita evidenciar que, no caso dos grupos de estu-
a flexibilização curricular com níveis mais dos abarcados por esse capítulo, a extensão
elevados de aprendizagem. não beneficia apenas os alunos (Psicologia/
Pedagogia), mas também alunos de outros
Para Botelho, Ferreira, Souza (2013) e Porto cursos, alunos de outras universidades da
(2017) as atividades de extensão se consti- região, profissionais já formados de diversas
tuem em atividade de destaque na formação áreas e, a comunidade não acadêmica. Esta,
discente. Segundo dados de pesquisa empí- por sua vez, além de ter acesso aos conheci-
rica de Porto (2017), os discentes apresentam mentos produzidos na Universidade, também
alta expectativa de aplicação nas atividades trazia o seu conhecimento enriquecendo os
de extensão dos conhecimentos ensinados, encontros, sobretudo no sentido de propiciar
demonstrando anseio de que espaços “ex- oportunidades de aprendizagem para o grupo
tensionistas” funcionem regularmente. proponente de como viabilizar disseminação.

Oliveira e Silva (2015), em ensaio teórico O GEDAC e o GEACE, como atividades de


sobre o ensino superior de direito, defendem ensino e extensão, estão se configurando
tanto o ensino em grupo quanto a discussão numa oportunidade de acesso ao conhe-
como recursos didáticos de grande potencial cimento produzido pela AC, praticamente
no processo ensino-aprendizagem. Segundo inexistente no ensino formalizado pelas
de Souza, de Freitas e Amorim (2018), grupos ementas das disciplinas curriculares de
possibilitam o compartilhamento de experi- cursos de pedagogia e áreas afins, e existente
ências, materiais e possibilitam a troca inte- em pouca quantidade na grade curricular de
lectual e profissional, abrindo a possibilidade muitos cursos de Psicologia. Logo, mesmo
para a modelagem e a modelação de respos- contrários à extensão como forma de suprir
tas cada vez mais sofisticadas, bem como os déficits dos currículos, sabe-se que, em
maiores oportunidades de reforçamento da parte, os grupos acabam por desempenhar
variabilidade comportamental. também essa função.

As atividades de extensão proporcionam o


contato do aluno com áreas que a universi- GEDAC
dade não abrange total ou parcialmente, o que
amplia a aquisição de conhecimento (Botelho, O surgimento do GEDAC em 2012, por exem-
Ferreira, Souza, 2013). No entanto, não se plo, se deu através da iniciativa de alunos

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
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que haviam terminado de cursar a única experiência, em 2013 o GEDAC se tornou um


disciplina curricular de AC na graduação de projeto de extensão, o que permitiu a di-
Psicologia da Universidade Federal de Mato fusão dos pressupostos teóricos básicos da
Grosso (UFMT) e queriam muito continuar área tanto à comunidade acadêmica, como
seus estudos nessa área. Desta forma, o grupo à comunidade em um contexto geral, já que
surgiu com o objetivo de diminuir a escas- as temáticas discutidas e as dinâmicas dos
sez/limitação de espaços acadêmicos para o encontros sempre buscaram abarcar assun-
estudo da AC, inicialmente para estudantes tos que fossem de interesse geral e compre-
do curso e, mais adiante, para profissionais ensíveis aos acadêmicos e não acadêmicos.
da Psicologia, assim como para estudantes,
profissionais de outras áreas do conheci- Para atingir o seu o objetivo, de estudar e di-
mento e à comunidade local. Paralelamente fundir a AC, o GEDAC precisou desenvolver
a isso, houve um esforço para a contratação estratégias e procedimentos que fossem efe-
de mais professores da área. Estes, com a tivos e que utilizassem os princípios e con-
ajuda dos alunos que se interessavam pela ceitos comportamentais. As estratégias foram
área (interesse muitas vezes despertado e/ selecionadas ao longo das seis edições (2012 a
ou mantido pelo GEDAC), por diversas vezes, 2017), em que o grupo foi, por meio de avalia-
se reuniram e solicitaram ao departamento ções de seus membros, se adaptando às mu-
do curso para que uma reforma do currículo danças ambientais, o que provavelmente con-
da graduação implicasse na oferta de mais tinuará a ocorrer em 2018 e anos posteriores1.
disciplinas de AC/BR. Assumiu-se, portanto
que o GEDAC preencheria algumas lacunas Entre as estratégias, o uso de filmes e vídeos
do currículo temporariamente. Mesmo tal para ilustrar fenômenos e processos e dis-
papel não cabendo à extensão, essa estra- cutir os conceitos e princípios da análise do
tégia fortaleceu a abordagem entre os estu- comportamento se mostraram de grande
dantes de graduação, os quais constituíram valia. Embora não tenha ocorrido nenhuma
um apoio fundamental para que o restante verificação mais controlada desta variável,
do corpo docente reconhecesse a necessidade os extensionistas observaram, comparan-
de expansão da carga horária de AC/BR na do o primeiro encontro de 2013 e 2014, que
graduação e para que a extensão possa ser houve mudança na participação quando se
reservada unicamente aos seus propósitos utilizou no primeiro encontro um filme. A
após a implantação da nova grade curricular. discussão durou mais tempo e um maior
número de pessoas fizeram comentários, in-
Em 2012, o GEDAC conduziu encontros para clusive aqueles que não eram da Psicologia.
estudo de alguns temas com a participa- Considera-se que esta estratégia contribui
ção de cerca de 20 alunos. Com base nessa para que os participantes, conhecedores ou

1  Para acessar a descrição detalhada das contingências que levaram a mudanças no GEDAC ao longo dos anos, consulte de Souza,
de Freitas e Amorim (2018).

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
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não da teoria, que vão para o grupo pela pri- dos estudantes, ampliando seu repertório de
meira vez, comentem sobre o filme e como planejamento e execução das atividades e se
consequência recebam reforçadores sociais comportar de maneira coordenada em relação
contingentes à exposição em grupo, e au- aos seus parceiros, sob controle da ocorrên-
mentando a interação entre os participantes cia dos encontros e avaliação dos participan-
e o debate no decorrer dos encontros. tes. Esse tipo de iniciativa também colabora
para que os extensionistas se mantenham na
No ano de 2015, foram realizados encontros organização e sob contingências de refor-
temáticos com a participação de profissio- çamento natural, pelo próprio engajamen-
nais de outras áreas para discutir fenômenos to na atividade que seja de seu interesse e
do cotidiano, com o objetivo de aproximar do grupo. Propicia, ainda, uma experiência
a AC de outras áreas. Alguns temas debati- compatível com parcela da prática docente,
dos foram: Sustentabilidade, Criatividade, haja visto o contato com planejamento de
Comportamento Verbal, Autocontrole, ensino de conteúdos da AC para pessoas em
Habilidades Sociais, Práticas culturais e diferentes níveis de compreensão da teoria.
compromisso social com a participação de
uma engenheira ambiental, empreendedor, A autogestão do grupo de estudos ainda per-
intérpretes de Libras, nutricionista, psicólo- mitiu que, além dos encontros temáticos de
gas clínicas e representantes de movimentos estudo, os estudantes pudessem implemen-
e organizações sociais que trataram, respec- tar intervenções junto à comunidade, como
tivamente, sobre sua relação com as temá- ocorreu na execução, pela primeira vez no
ticas abordadas. Essa aproximação permite ano de 2017, de um programa de Orientação
que os participantes vejam a possibilidade Profissional com alunos do Pró-Enem da
de troca com diferentes áreas e o alcance UFMT, projeto de cursinho popular condu-
explicativo da teoria que permite ao analisar zido pelos acadêmicos dos cursos de licen-
o comportamento, onde quer que ele ocorra. ciatura da instituição que tinha como público
estudantes de ensino médio de escolas pú-
Em 2016, o grupo passou a se organizar pelo blicas periféricas da região de Cuiabá- MT2.
modelo de autogestão, em que os próprios A iniciativa revela o potencial do grupo em
extensionistas passaram a escolher as te- não só se aprofundar teoricamente no estudo
máticas, textos, dinâmicas dos encontros e em AC, como também criar oportunidades de
seleção de novos membros. Tal modelo que atuação e prestação de serviço à comunidade
vigora até a edição deste ano (2018) ajuda a baseada nos temas previamente estudados.
fomentar a autonomia e autogerenciamento

2  O programa tem como base a experiência de Moura (2004) com 10 encontros semanais com atividades de autoconhecimento,
conhecimento sobre a realidade do mercado de trabalho e de tomada de decisão, que foram adaptadas de acordo com a realidade
do grupo e os recursos disponíveis pelos extensionistas que foram responsáveis pela mediação dos grupos, que contavam em
média com 10 estudantes do Pró-Enem.

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

O modelo de autogestão também possibilita Além das ações de extensão, duas pesqui-
que os próprios estudantes utilizem os prin- sas foram realizadas por membros do grupo
cípios da AC para estabelecer contingências visando avaliar a aprendizagem dos parti-
de gestão do grupo e de ensino. Assim, além cipantes do grupo e o seu desenvolvimento
de se aprofundar no ‘saber sobre’, cria-se como prática cultural. Todas as atividades ao
contexto para o desenvolvimento do ‘saber longo das seis edições do GEDAC mostram a
como’ aplicar esses princípios em condições relevância do grupo para a difusão da AC no
semelhantes e espera-se que tais habilidades cenário regional. Como também alcançam
possam se generalizar para o exercício profis- o tripé ensino-pesquisa-extensão que, se-
sional dos extensionistas. Aprende-se, então, gundo Enumo (1996), “oferece ganhos para
a se comportar de maneira mais efetiva rumo a qualificação profissional do aluno, cujo de-
aos objetivos estabelecidos em seu percurso. sempenho melhora em rigor metodológico
e ético” (p. 196).
Nesse contexto, em que extensionistas e
professores vêm trabalhando intensamente Dentre as atividades desenvolvidas, as apre-
pela disseminação da ciência do compor- sentações em eventos científicos são de fun-
tamento e de sua filosofia em uma região damental importância, pois consistem em
onde há pouquíssimos analistas do compor- ocasiões em que as contingências acabam
tamento, o repertório adquirido e transmi- por evocar e fortalecer ainda mais respos-
tido ao longo de gerações de extensionistas tas relacionadas ao estudo e difusão da área.
do GEDAC desempenha mais uma função. O Para o presente trabalho, destaca-se o XXIII
grupo foi capaz de se manter em atividade encontro anual da Associação Brasileira
mesmo após a formatura/saída de extensio- de Psicologia e Medicina Comportamental
nistas que eram muito ativos na condução (ABPMC) em 2014 . Alguns membros do
do grupo, mostrando que, através de pla- GEDAC, juntamente com uma professora
nejamento e parceria entre extensionistas e da UNIOESTE (uma das autoras do presente
professores (que permanecem na instituição capítulo), organizaram uma mesa redon-
ao longo dos anos e podem acompanhar o da sobre “Dificuldades e possibilidades da
andamento), é possível evitar que a renova- formação em Análise do Comportamento”.
ção de membros prejudique a manutenção da Naquela ocasião foram apresentados resul-
prática, conforme já alertado por Marques, tados dos anos iniciais do GEDAC e a profes-
Holanda e Nogueira (2009). Espera-se sora da UNIOESTE se aproximou do grupo da
ainda, que após dois anos de autogestão, UFMT, se inspirando para o que, mais tarde,
o grupo seja capaz de continuar atraindo veio a ser o GEACE.
interessados e mantendo as discussões da
área presentes na graduação, mesmo com o A seguir serão apresentados a história deste
afastamento dos poucos professores da área novo grupo, o método adotado, seus resulta-
para qualificação e dedicação parcial de um dos e relações com resultados já verificados no
deles à pós-graduação. GEDAC (de Souza, de Freitas e Amorim, 2018).

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
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GEACE

O grupo GEACE surgiu a partir da necessi- Beltrão, da FADEP e de outras instituições


dade de aprofundamento de conceitos do de ensino superior da região e profissionais
BR/AC dos alunos orientados na graduação conheçam melhor uma nova abordagem em
e na pós-graduação, em 2016. Tanto as dis- Psicologia, que estudantes de Psicologia
ciplinas lecionadas na graduação quanto na eventualmente ampliem seus conhecimentos
pós-graduação previam (e preveem) apenas em relação a uma abordagem já conhecida,
um de seus módulos ao respectivo assunto. bem como possibilita à comunidade em geral
Assim, são deixados de lado ou abordados en um novo tipo de reflexão acerca da educação
passant uma série de assuntos importantes e de fenômenos comportamentais.
como contribuições ao campo aplicado, bem
como bases conceituais, filosóficas e meto- Na primeira edição 2016/2017 o grupo rea-
dológicas. Além disso, o cenário regional do lizou encontros regulares como projeto de
oeste e sudoeste do Paraná conta com poucos curso de extensão universitária cadastrado
eventos que integrem os poucos profissionais institucionalmente, versando sobre temas da
e estudantes de AC, bem como não existem Psicologia sob a perspectiva da AC. O perfil
instituições que ofereçam formação específica dos participantes foi conhecido pelo preen-
nessa matriz teórica, exceto na área clínica, chimento do formulário de inscrição. O cer-
em nível de especialização lato sensu. tificado de participação no projeto era obtido
caso houvesse 75% de frequência e entrega de
Tendo em vista essas condições, o objetivo um trabalho final, na modalidade de artigo.
inicial do grupo foi criar uma contingên-
cia para que estudantes de Pedagogia da O calendário com as datas dos encontros foi
UNIOESTE (Universidade Estadual do Oeste divulgado no folder informativo e os temas
do Paraná) e estudantes de áreas afins pu- foram divulgados nos encontros iniciais,
dessem aprender mais e melhor sobre AC, havendo uma preocupação em organizá-los
de modo desvinculado dos mitos usual- dos mais simples para os mais complexos.
mente preconizados no meio educacio- Os temas incluíram: Definição de análise do
nal. Além disso, um objetivo acoplado foi comportamento e behaviorismo radical; de-
criar uma contingência para que estudan- finição de aprendizagem por consequências;
tes de Psicologia da UNIPAR (Universidade conceitos básicos como reforço positivo e con-
Paranaense) e profissionais da área pudes- trole aversivo; Análise funcional do compor-
sem iniciar um trabalho de aprofundamento tamento; Bases filosóficas do Behaviorismo
e difusão da AC através da articulação com Radical/AC; Preconceitos e Mitos em relação
estudantes e profissionais de outras áreas. ao Behaviorismo Radical/AC; Contribuições
da análise do comportamento à educação e à
O GEACE permite que estudantes de Pedagogia formação de Professores; Psicologia, Cultura
da UNIOESTE, da UNIPAR Campus Francisco e Sociedade (Metacontingências); Liberdade

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

e Autocontrole; Política e análise do compor- público bastante heterogêneo, composto por


tamento. A organização e escolha dos temas estudantes (Psicologia, Pedagogia, História,
foi realizada pela coordenação. Geografia) e profissionais (Psicologia,
Pedagogia, História, Educação Física,
Os textos eram enviados para os participantes Direito). Destes, 12 (30%) nunca compa-
via e-mail com cerca de um mês de antece- recerem. Compareceram a pelo menos um
dência e foi criado um grupo de WhatsApp para encontro 28 participantes. Portanto, assim
recados entre os componentes. Os participan- como descrito por de Souza, de Freitas e
tes receberam instruções para lerem com an- Amorim (2018), foi grande o número de pes-
tecedência os textos que serviam de base para soas que se inscreveu e não participou, ou
as discussões, o que nem sempre ocorria. desistiu ao longo do processo, o que pode
estar ligado a inúmeros fatores como o fato
Os encontros aconteceram mensalmente, de os encontros terem ocorrido em horá-
nas dependências da UNIOESTE – Campus rio comercial à tarde e alguns participan-
Francisco Beltrão, às últimas terças-feiras do tes terem: a) descrito dificuldades para se
mês, das 13h30 às 17h30. Exceção ao período desvencilhar de outras atividades (como o
de greve, onde as reuniões ocorreram nas de- trabalho) para comparecer nesse horário,
pendências da UNIPAR – Campus Francisco b) o fato de ser uma atividade gratuita, o
Beltrão, com mesmas datas e horários. A du- que não implicava em perda financeira no
ração dos encontros era de 4 horas e envolvia caso de desistência, c) a existência de muitos
dinâmicas variadas como exposição dialogada, participantes residentes em municípios vi-
leitura e discussão de textos em grupos de tra- zinhos, o que dificultava o deslocamento,
balho, sempre promovendo discussões sobre d) espaçamento de um mês entre os men-
os conteúdos apresentados. Os coordenado- cionado como desvantagem, por favorecer
res substituíram gradualmente a exposição, o comprometimento com outras atividades
mesmo dialogada e procuraram incentivar cada no intervalo entre um encontro e outro, e)
vez mais a participação dos frequentadores, de a possível expectativa de que a participação
forma igualitária, uma vez que a formação dos nos encontros pudesse favorecer a entrada
mesmos era bastante heterogênea (estudantes na seleção para o mestrado em educação da
e profissionais de diferentes formações), com UNIOESTE, uma vez que houve sensível re-
repertórios bastante distintos nas discussões e dução do número de participantes após a 1ª e
conhecimento em análise do comportamento. a 2ª etapas para o referido exame de seleção
Para aumentar a probabilidade de todos parti- se concretizarem, f) a exigência de confecção
ciparem foi incentivada a discussão em duplas de trabalho final em modalidade de artigo,
ou trios antes da exposição no grupo maior, aumentando o custo de resposta de parti-
o que aumentou a participação de todos nos cipação. Quanto à cidade de origem, mais
encontros em que a estratégia foi utilizada. da metade dos participantes de municípios
vizinhos era residente em cidades vizinhas.
Tivemos quarenta inscritos, dentre um Tal predomínio pode ser considerado um dos

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
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fatores geradores de desistências ao longo subgrupo de frequentadores mais assíduo e


do processo. com características semelhantes em vários
sentidos, participativo, contribuindo para
Dentre os frequentadores (28), o número discussões mais aprofundadas, o que corro-
de profissionais do GEACE foi nitidamente bora os resultados encontrados por de Souza,
superior em relação ao número dos estu- de Freitas e Amorim (2018). Exceto um parti-
dantes, sendo que houve mais frequenta- cipante, com formação em Direito e selecio-
dores com curso/profissão declarada como nado para o Mestrado em Educação durante
Psicologia, tanto para profissionais quanto a vigência do grupo de estudos, os demais
para estudantes. No entanto, frequentaram eram psicólogos ou estudantes de psicologia.
também profissionais e estudantes das áreas
de Pedagogia, História e Direito, este último Os vinte e dois participantes presentes no
indo até o final dos encontros. Já entre os segundo encontro preencheram um pré-
estudantes, o predomínio foi de estudantes -teste de conhecimentos gerais sobre AC e
de Psicologia. BR. No último encontro, oito participantes
preencheram um pós-teste, com as mesmas
Quanto à instituição de origem, observamos questões de conhecimentos gerais sobre AC
que os frequentadores do GEACE foram pre- e BR. A tabela III evidencia que a maior parte
dominantemente estudantes e profissionais dos participantes obteve um índice de acertos
provenientes da UNIPAR, que oferta o curso acima de 70% já no pré-teste, o que indica
de Psicologia mais próximo da região, além um bom resultado para um teste de conhe-
de ser nossa instituição parceira na realização cimentos gerais. Outra possibilidade é que as
do projeto. Em segundo lugar foram profis- questões escolhidas para o pré-teste tenham
sionais egressos da UNIOESTE. O perfil dos sido de dificuldade leve a moderada.
participantes foi conhecido com base na ficha
de inscrição preenchida pelos participantes e O pós-teste, aplicado em 8 participantes
a situação de alguns se modificou ao longo com potencial para receber certificados, evi-
de um ano de duração do projeto. Alguns es- denciou que não houve diferença entre os
tudantes se formaram, profissionais se tor- resultados do pré e pós-teste para dois dos
naram estudantes do curso de Mestrado em participantes cujo percentual de acertos já
Educação, incluindo uma egressa da FADEP havia sido elevado no pré-teste (98, 3% para
que se tornou orientanda de Mestrado de uma um sujeito e 90% para o outro). Para cinco
das coordenadoras do GEACE. participantes houve aumento em pontos
percentuais variando de 3,4 a 10 pontos per-
O número de participantes no início e no final centuais entre os acertos obtidos no pré e no
da primeira edição do grupo, bem como as pós-teste, ou seja, 2 a 6 acertos a mais. Para
diferentes formações e trajetórias, trouxe um participante (part. 5) houve decréscimo
desafios ao planejamento da metodologia de 5 pontos percentuais no resultado obtido
dos encontros. Ao final dos encontros um no pós-teste em relação ao pré-teste.

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COMPORTAMENTO Virgínia C. Amorim, Thaís C. G. Nazar, Thiago M. de Brito
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Os resultados indicam que o grupo de estudos também um desafio metodológico para atin-
pode ter sido eficiente em modificar concep- gir um público de participantes com caracte-
ções sobre BR/AC para a maior parte dos par- rísticas diferenciadas em nível (profissionais,
ticipantes (exceto o participante 5), variando estudantes) e natureza formativa (psicólogos,
níveis de aquisição. Mantiveram-se as con- pedagogos, outros profissionais), pelos dois
cepções dos que já possuíam conhecimento grupos. Os objetivos são semelhantes, porém,
elevado sobre o assunto (participantes 1 e 3). ressalta-se a experiência introdutória do
GEACE, atingindo um perfil diverso de parti-
cipantes, incluindo profissionais de diferentes
Conclusões áreas como o Direito. Quanto ao GEDAC, ao
longo de suas seis edições, o grupo de es-
Entre os principais resultados obtidos pelos tudos permanece recebendo participantes de
dois grupos, estão a maior participação de es- outras áreas e instituições. Os encontros de
tudantes de Psicologia do que de outros cursos, estudo e ações de extensão na comunidade
mas com a presença de estudantes de outras continuam ocorrendo, seguindo o modelo
áreas e alguns poucos profissionais (maioria de autogestão. Pesquisas em que o grupo é
psicólogos) no GEDAC e maior quantidade objeto de estudo e/ou seus extensionistas são
de profissionais (maioria psicólogos) em re- pesquisadores podem voltar a ocorrer, contri-
lação aos estudantes no GEACE. Também buindo para diminuir a escassez de produção
pode-se notar que os encontros iniciais têm científica na área.
mais participantes, número que ao longo dos
encontros vai reduzindo. Paralelamente, as O ideal é que grupos dirigidos a estudantes
discussões passam de mais rasas para mais sejam organizados por estudantes, tal como na
profundas no decorrer da edição. Entre os tradição ancorada nas ligas acadêmicas, tradi-
efeitos da participação no grupo, observa-se cionais na área de saúde, o que já ocorre com
um efeito sobre a aprendizagem, pelo au- o GEDAC. Para Marques, Holanda e Nogueira
mento no número de acertos no pós teste. (2009) a falta de planejamento para a reno-
vação dos membros pode comprometer a ma-
A criação de grupos de estudos como o GEACE nutenção da prática. Caso se decida pela con-
e o GEDAC permite a estudantes e profissio- tinuidade do GEACE na região, o grupo optará
nais o acesso a discussões de vários temas pela inserção na organização de alunos de pós-
sob a perspectiva da AC/BR. No caso especí- -graduação e inserção de novos extensionistas
fico do GEACE, tais discussões, até então, só a cada ano, para que possam aprender com os
ocorriam na região sudoeste do Paraná numa mais antigos e criar uma prática cultural. A
perspectiva clínica. Há seis anos, quando o supervisão docente continuará existindo.
GEDAC surgiu em Cuiabá, não existia nenhum
espaço para discussões da área. Além do de- A não existência de um núcleo forte em AC
safio da disseminação da AC, permeada por na região oeste e sudoeste do Paraná, assim
inúmeros fatores, é possível dizer que existe como o fato dos profissionais e estudantes

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da área ainda estarem se estruturando em de metodologias que favoreçam o


Cuiabá e região, aliados à constatação de que envolvimento dos alunos em atividades,
sempre haverá necessidades específicas, tó- trazendo maiores oportunidades de reforço
picos avançados a serem sugeridos e temas positivo e de desenvolvimento de habilidades,
transversais compartilhados com outras pode aperfeiçoar iniciativas extensionistas
áreas do conhecimento, justificam a manu- como as aqui descritas. Como possibilida-
tenção de grupos de estudos como esse, para des a serem desenvolvidas existe o possível
ampliar o número de interessados na área e, entrelaçamento com outras atividades de
se possível, promover ações de caráter apli- extensão e de pesquisa futuras e o aperfei-
cado externos à Universidade, em interlocu- çoamento constante de grupos de estudos
ção com outras áreas do conhecimento. destinados à disseminação da AC.

A autogestão dos alunos e o aperfeiçoamento

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206
Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

Ensino de Soma e Subtração Daniel Carvalho de Matos


Universidade Ceuma
para Crianças com Autismo Universidade Federal do Maranhão
dcmatos23@hotmail.com
Teaching Sum and Subtraction
for Children with Autism Pollianna Galvão Soares de Matos
Universidade Ceuma
Universidade Federal do Maranhão
polliannagalvao@yahoo.com.br

Ana Beatriz Rocha Lima


Universidade Ceuma
anabeatriz.rochalima@gmail.com

Resumo Abstract
Pessoas com deficiência já pertencem às classes re- People with deficiencies already belong to regular
gulares de ensino. Contudo, comumente apresentam classrooms. However, deficits on academic repertoi-
deficiências em repertórios acadêmicos. Intervenções res are common. Interventions by behavior analysts
de analistas do comportamento voltam-se para o are established to develop skills such as math, rea-
desenvolvimento de habilidades como matemática, ding and writing. This study is about an interven-
leitura e escrita. Esta pesquisa trata de uma inter- tion conducted with three children with autism with
venção realizada em três crianças com autismo para the purpose of assessing the efficacy of a procedure
o incremento de repertórios em matemática relativos to solve addition problems (sum and subtraction)
a resolução de problemas aditivos (soma e subtração) through visual cues and reinforcement. The teaching
a partir da manipulação de pistas visuais e refor- of sum was successful for all participants. For sub-
çamento. O ensino da soma foi bem-sucedido para traction, the criterion of 100% correct responses was
todos os participantes. Para subtração, o critério de established for just one. It was shown a generalizing
100% de acertos foi verificado para apenas um. Foi effect of the training, and, in the end, the sums were
identificado efeito de generalização do treino para established as intraverbals for two participants. The
todos e, ao final, as somas foram mantidas como data are discussed as to the efficacy of the procedure
intraverbais para dois participantes. Os dados são and its implications for generalization and emergen-
discutidos em relação a eficácia do procedimento e ce of intraverbal repertoire. It is expected that this
suas implicações para generalização e emergência de study may contribute to the improvement of school
repertório intraverbal. Espera-se com esse estudo teaching to children with deficiencies.
contribuir com o aperfeiçoamento do ensino escolar
para crianças com deficiência.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Autismo; Fracasso escolar; Autism; School failure;


Resolução de problemas aditivos; Intraverbal Solving addition problems; Intraverbal.

207
Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

Introdução

Muito vem se discutindo sobre a especifi- Esse cenário convida o empreendimento de


cidade de atuação do psicólogo na interface novas pesquisas em Psicologia no campo da
com a educação, sobretudo em um perío- Educação direcionadas para o incremento da
do recente no qual os desafios da educação qualidade de ensino do público da educação
especial na perspectiva da inclusão escolar especial, desde a educação básica à educação
são estabelecidos no dia a dia da escolari- superior (Mítjáns-Martínez, 2005). A mag-
zação. Em coerência ao paradigma da edu- nitude acerca da incidência do autismo no
cação inclusiva (Brasil, 2008), que orienta mundo e no Brasil chama atenção dos pesqui-
a inserção de estudantes com necessidades sadores e estudiosos da Psicologia e Educação
educacionais especiais nas salas regulares, para produzirem referencial teórico e meto-
a Política Nacional de Proteção dos Direitos dológico sobre o processo de aprendizagem
da Pessoa com Transtorno do Espectro do de pessoas com esse tipo de transtorno do
Autismo (Brasil, 2012) instaura um cenário desenvolvimento (Paula et. al., 2011).
em que é garantida a matrícula de crianças
com TEA na escola regular. Em uma estimativa do cenário nacional,
aproximadamente dois milhões de jovens
Contudo, a ampliação das políticas educa- e crianças possuem diagnóstico de autismo
cionais brasileiras ainda não tem garantido e outros tipos de desenvolvimento atípico
a qualidade do ensino necessária para o de- (Centro de Prevenção e Controle de Doenças).
senvolvimento das funções psicológicas do A Associação Brasileira de Autismo (ABRA)
público da educação especial pela mediação enfatiza a existência de aproximadamente
do professor (Anache, 2009; Barroco, 2011; 600 mil pessoas com autismo (Paula et. al.,
Galvão & Beckman, 2016). Embora se reco- 2011) e a Associação dos Amigos do Autismo
nheça o direito legal de acesso à educação, (AMA, 2014) estima que, no Brasil atualmen-
é comum observar a falta de preparo do- te, os indivíduos diagnosticados com autismo
cente para lidar com a presença do público representam 1% da população brasileira, de
estudantil que apresenta o autismo (Nunes, acordo com o Ministério da Saúde. Tal fator
Azevedo & Schmidt, 2013; Schmidt et. al., tem gerado um aumento na demanda por tra-
2016). No Brasil, pesquisas como as desen- tamento no Brasil, com o propósito de ensinar
volvidas por Camargo e Bosa (2009), Gomes e habilidades, que costumam ser deficientes em
Mendes (2012), Gomes e Souza (2011), Nunes, muitos indivíduos com autismo, tais como
Azevedo e Schmidt (2013) e Oliveira (2015) linguagem, comunicação e outras habilidades
indicaram a percepção do professor sobre relacionadas e que são importantes para o
a importância da inclusão escolar de forma desenvolvimento em diversos contextos so-
geral e, ao mesmo tempo, o sentimento de ciais (Galvão & Beckman, 2016; Matos, 2016;
despreparo para o atendimento educacional Matos, Matos & Figueiredo, 2017).
regular de indivíduos com autismo.

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

De acordo com Richman (2001) diferentes repertórios sobre desempenhos em testes de


propostas de tratamento foram desenvol- inteligência. As intervenções consistiam em
vidas ao longo dos anos fora e dentro da acompanhamentos de 40 horas semanais por
Psicologia e, em se tratando desta, modelos 2 ou 3 anos. Após esse período de intervenções
oriundos de abordagens com diferentes bases e com a replicação dos testes, foi observado
epistemológicas foram delineados. Dentre que, para uma parte dos participantes de um
os tipos de tratamento de diferentes áreas grupo experimental, mudanças significati-
destacam-se propostas como Psicanálise; vas foram identificadas em comparação com
Integração Sensorial; terapias com música, os dados de linha de base, indicando para
arte e dança; entre outras que são importan- alguns desempenho compatível com pares de
tes para a ampliação dos estudos que versam mesma idade com desenvolvimento típico. A
sobre a temática. Sobretudo, defende-se o partir desse trabalho, a literatura científica
desenvolvimento de pesquisas cujos des- revela diversos estudos que, pelo menos de
dobramentos ampliem as possibilidades de modo parcial, replicam os dados de pesquisa
pais, responsáveis e profissionais da saúde e de Loovas (Eikeseth, Smith, Jahr & Eldevik,
da educação estarem melhor preparados para 2002; Harris & Handleman, 2000; Sheinkopf
o manejo de comportamento de indivíduos & Siegel, 1998; Valenti, Cerbo, Masedu, De
com autismo com propósito de ampliar as Caris & Sorge, 2010).
possibilidades de inclusão em diversos con-
textos institucionais. Entre esses contextos, Vários anos após o estudo de Loovas (1987),
destaca-se a escola que vivencia políticas o modelo de intervenção fundamentado pelo
inclusivas atuais no Brasil, que objetivam mesmo foi documentado em manual (Loovas,
garantir a ampliação do acesso e da qualida- 2003), tendo como proposta o ensino de habi-
de do ensino em classes regulares oferecido lidades deficientes em crianças com autismo
ao público de estudantes com autismo e qua- e quadros relacionados por meio de tenta-
dros relacionados (Galvão e Beckman, 2016; tivas discretas (discrete trial training – DTT).
Matos, Matos & Figueiredo, 2017; Stichter, O ensino é programado em sequências de
Riley-Tillman & Jimerson, 2016). passos, semelhante ao procedimento de mo-
delagem proposto por Skinner (2003/1953)
A Análise do Comportamento Aplicada, em a partir de pesquisas básicas de laboratório
relação ao desenvolvimento atípico como o com organismos infra-humanos.
autismo e quadros semelhantes, propõe-se à
programação de medidas de avaliação e in- Segundo Allen e Cowan (2008), o trabalho
tervenção fundamentadas em procedimentos com tentativas discretas costuma ser de-
empiricamente validados. Loovas (1987) foi senvolvido em ambiente estruturado e com
responsável por um estudo pioneiro com eliminação de fontes de distração e é alvo de
crianças com autismo e cujo objetivo foi críticas por alguns pelo fato de, muitas vezes,
avaliar os efeitos de intervenções comporta- os estímulos utilizados nas situações de
mentais intensivas para amenizar déficits de aprendizagem não estarem funcionalmente

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

relacionados às respostas que precisam ser de reduzir excessos de comportamentos in-


ensinadas. Isso pode ser ilustrado por meio de desejáveis (Greer & Ross, 2008; Loovas, 2003;
um caso em que uma criança precisa nomear Matos, 2016; Sundberg & Partington, 1998).
“carro” em voz alta diante do modelo de
um carro de brinquedo apresentado por um Protocolos formais de avaliação de repertó-
adulto. Como consequência reforçadora dife- rios foram desenvolvidos ao longo dos anos
rencial para aprendizagem, o adulto entrega com o propósito de definir níveis de linha de
um doce de forma contingente à resposta da base para o planejamento e estabelecimento
criança ao invés do próprio brinquedo em de intervenções (Partington, 2006; Sundberg,
função da criança do caso não manifestar 2008). O protocolo VB-MAPP (Verbal Behavior
interesse pelo brinquedo, mas sim pelo doce, Milestones Assessment and Placement Program),
que foi utilizado como um reforçador arbi- por exemplo, enfatiza em parte a avaliação de
trário para modelar a resposta verbal. Ainda repertórios considerados marcos necessários
de acordo com Allen e Cowan, uma proposta para o desenvolvimento, tomando como pa-
de mediação denominada de ensino inciden- râmetro o desenvolvimento típico de crian-
tal (e variações) defende ser importante que ças de até 4 anos. Os repertórios relevantes
os estímulos de aprendizagem sejam sele- são avaliados ao longo de três níveis, sendo
cionados com base nos interesses da própria que o nível 1 contempla o que é esperado
criança e as interações deveriam acontecer de uma criança típica de até 1 ano e meio; o
sob circunstâncias ditas mais naturalísticas nível 2 contempla o que é esperado de uma
no sentido de corresponderem aos ambientes criança típica de até dois anos e meio; por
do cotidiano. As consequências reforçadoras fim, o nível 3 compreende o que se espera
diferenciais a serem utilizadas na modela- de uma criança típica de até 4 anos.
gem de comportamento verbal estariam fun-
cionalmente relacionadas às respostas que a Dentre os repertórios avaliados ao longo dos
criança deveria emitir, como dizer “carro” níveis, destacam-se operantes verbais como
para receber um carrinho de brinquedo. mando, tato, ecoico e intraverbal; responder
como ouvinte; imitação; brincar indepen-
Ainda que se reconheça a relevância da apren- dente; percepção visual e emparelhamento
dizagem sob condições naturalísticas, des- ao modelo; dentre outros. Mais especifica-
taca-se que o ensino formal por tentativas mente no nível 3 são avaliados repertórios
discretas é também reconhecido pela comu- acadêmicos com ênfase em leitura, escrita
nidade científica em função de sua eficácia e matemática em nível mais básico. Para
para a aprendizagem de habilidades defi- cada repertório avaliado de cada nível, são
cientes em indivíduos com desenvolvimento enfatizados cinco itens, sendo que cada um
atípico e protocolos têm sido documentados deles corresponde ao que o instrumento
em diversos manuais, que orientam inter- busca definir se está presente ou não no
venções com o propósito tanto de compensar repertório da criança. O presente trabalho
déficits de comportamentos desejados como enfatizou em parte a avaliação da eficácia de

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

um procedimento de ensino de repertórios para o presente trabalho têm relação com o


de resolução de problemas aditivos (soma e que é avaliado pelo VB-MAPP. No entanto,
subtração) em três crianças com diagnóstico a avaliação do ABLLS-R revela-se mais ri-
de autismo. Embora tais repertórios sejam gorosa em uma série de demandas como,
mais avançados em comparação ao que é por exemplo, contar uma maior quantidade
medido em um protocolo como o VB-MAPP, de objetos (ex: até 30); identificar números
os itens a respeito de matemática são impor- até 100; realizar emparelhamentos de itens
tantes e podem ser considerados, ao menos com numerais correspondentes até 30, etc.
em parte, pré-requisitos para o estabeleci- No fim das contas, ambos os protocolos de
mento dos repertórios mencionados. Os itens avaliação ajudam a definir níveis de linha
da matemática no VB-MAPP de Sundberg de base que orientam intervenções com o
(2008) buscam determinar o seguinte: 11 – propósito de produzir mudanças de repertó-
M – o aprendiz consegue identificar como rio de crianças com autismo e outros casos
ouvinte os números de 1 a 5 em um arranjo com desenvolvimento atípico. Dentre esses
com cinco diferentes números?; 12 – M – o repertórios destacam-se também os de na-
aprendiz consegue tatear os números de 1 tureza acadêmica, incluindo matemática.
a 5?; 13 – M – o aprendiz consegue contar
de 1 a 5 itens de um conjunto maior com Vale destacar, de acordo com Partington
correspondência de um para um? (ex: dê-me (2006), que o ensino de habilidades acadê-
quatro carros); 14 – M – o aprendiz con- micas poderia ou deveria ser considerado se-
segue discriminar como ouvinte oito dife- cundário no caso de crianças que manifestam
rentes comparações envolvendo medidas? déficits em repertórios mais básicos e que
(ex: mostre mais ou menos)?; 15 – M – o tenham relação com identificar itens como
aprendiz consegue emparelhar corretamente ouvinte, nomear (tatear), solicitar (mandar)
numerais impressos ou escritos de 1 a 5 a ou ainda falar (intraverbal em parte) a res-
uma quantidade correspondente e vice-ver- peito de itens cujo uso se dá em uma base
sa? (ex: emparelhar o numeral 3 a uma figura diária, como, por exemplo, toalhas, sabone-
com três caminhões). te, janelas, portas, etc. Nos casos de crianças
que apresentam um maior nível de desen-
Outro protocolo de avaliação de repertó- volvimento nesses repertórios mais básicos,
rios desenvolvido por Partington (2006), o aqueles relacionados a habilidades acadê-
ABLLS-R (Assessment of Basic Language and micas passam a se tornar mais relevantes e
Learning Skills – Revised) apresenta caracte- sobretudo demandas oriundas de ambientes
rísticas semelhantes às do VB-MAPP. Em sociais como a escola passam a estabelecer a
relação a avaliação de habilidades acadêmi- necessidade de que algo seja feito no sentido
cas por parte desse outro instrumento e mais de ampliar repertórios no plano acadêmico.
especificamente no que diz respeito à ma-
temática, no entanto, destacam-se 29 itens Muitas crianças com autismo apresen-
de avaliação, sendo que os mais relevantes tam deficiência na realização de atividades

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

acadêmicas relacionadas a matemática. Uma papel em branco, um lápis, ou ainda, um


dificuldade diz respeito ao estabelecimento pedaço de giz e uma lousa. O protocolo por
do controle de estímulos apropriado em si- elas proposto envolve as seguintes etapas no
tuação de resolução de problemas aditivos sentido da descrição do papel do mediador:
(soma e subtração). Em situações que envol-
vem apresentação de somas simples (ex: 3+1 1. O mediador escreve um problema de adição
=___), a criança pode não atentar para os no papel ou lousa (ex: 1+3 =);
aspectos relevantes da tarefa e isso a impede 2. Oferece assistência na tarefa de leitura do
de responder de forma correta. Metodologias problema em voz alta;
são propostas para o estabelecimento da
3. Durante a leitura da criança, o mediador
resolução de forma apropriada (Whitman &
auxilia na contagem do número de blocos
Dewitt, 2011) e, posteriormente, as respostas
correspondentes a cada numeral da soma
podem permanecer no repertório sob con-
e posicionamento dos blocos embaixo dos
trole intraverbal (Valentino, Conine, Delfs
números;
& Furlow, 2015). Na condição de um tipo de
operante verbal, o intraverbal compreende a 4. Auxilia a criança a posicionar todos os
emissão de uma resposta verbal por um fa- blocos após o sinal de igual e a contar os
lante na presença de um estímulo anteceden- mesmos;
te verbal, sem haver correspondência ponto
5. Auxilia a criança com a escrita do número
a entre eles, e mantida por um reforçador
que corresponde ao total de blocos contados;
condicionado generalizado por parte de um
ouvinte (Skinner, 1978/1953). Em relação à 6. Elogia a criança e permite que a mesma
temática do presente manuscrito, considere tenha acesso a um reforçador arbitrário de
o caso em que um professor, diante de um menor preferência (como um brinquedo);
criança de ensino fundamental, diz “quanto 7. Repete o procedimento com outros pro-
dá 3+2?” e a criança, por sua vez, responde blemas de adição, esvanecendo gradual-
“5”. O professor então diz “está correto!”. mente a ajuda ao longo de cada tentativa;
Esse exemplo também poderia ser represen-
tado por uma situação em que o professor 8. Esvanece uso dos blocos (de pareamento de
apresenta o mesmo problema por escrito em quantidade com os modelos de numerais),
uma lousa ou folha de avaliação e a criança posicionando os mesmos de modo que per-
precisa emitir uma resposta na forma escrita. maneçam cada vez mais distantes e, even-
tualmente, não utilizando mais os mesmos
Whitman e Dewitt (2011) apresentam uma (nesses casos, as respostas independentes
sugestão de protocolo de intervenção com o poderão ser denominadas de intraverbais).
objetivo de ensinar um repertório de resolu- O acesso a reforçadores de maior qualidade
ção de problemas aditivos (do tipo soma) para e preferência é permitido na medida que a
crianças com autismo. As autoras orientam a criança consegue finalizar os problemas de
seleção de materiais como pequenos blocos, forma independente do mediador.

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

Whitman e Dewitt (2011) sugerem também e, se o ensino de ambos os repertórios (o


que, uma vez que a criança tenha começado de subtração também, se fosse necessário
a dominar o conceito de adição, o mediador ou possível) produziria o estabelecimento
pode praticar a habilidade em outros locais, das respostas como intraverbais. A partir do
como o chão fora de casa (usando giz) e trabalho delineado buscou-se responder as
também manipular dinheiro para comprar seguintes perguntas de pesquisa:
alguma coisa. Além disso, o mediador pode
apresentar vários problemas de matemática 1. O presente trabalho demonstra a eficácia de
em uma folha de uma vez para a criança uma variação do procedimento de Whitman
resolver. Elas sugerem também que o me- e Dewitt (2011) com as três crianças par-
diador, durante a tarefa de adição, oriente a ticipantes? Diferentemente da proposta do
criança para que aponte para cada número da protocolo original, este estudo não envolveu
equação, incluindo sinais de adição e igual, manipulação sistemática de ajuda no início
na medida que lê a equação em voz alta. dos passos dos problemas e posterior esva-
Falam também sobre a importância de apre- necimento da mesma. As crianças tinham
sentar as equações em diferentes formatos a oportunidade de responder de forma in-
(ex: 1+3 = ou 3+1=), tanto horizontal como dependente desde o momento em que as
verticalmente. Sugerem, ainda, que o media- tarefas de resolução de problemas de adição
dor pode começar com poucos dígitos por vez e subtração passaram a ser manipuladas.
(ex: primeiro os números de 1 a 5 e, depois, Não houve uma razão específica para esse
os números de 6 a 9). Tais domínios são de tipo de mudança, mas a mesma pode ser
extrema relevância para o desenvolvimento justificada pelo fato de procedimentos com
do conhecimento lógico-matemático e suas tentativas discretas também compreende-
implicações às etapas importantes da edu- rem a manipulação de pistas atrasadas como
cação infantil e ensino fundamental (Gontijo correções (segundos após a apresentação
& Fleith, 2010). de instruções), conforme documentado
na literatura científica, incluindo manuais
A presente pesquisa teve o objetivo de adotar de intervenção previamente mencionados
o protocolo sugerido por Whitman e Dewitt (Greer & Ross, 2008; Loovas, 2003; Matos,
(2011) em uma versão adaptada a fim de 2016; Sundberg & Partington, 1998);
testar sua eficácia com três crianças com
autismo, que apresentavam deficiência em 2. Se eficaz, o procedimento permitirá a de-
repertórios acadêmicos, incluindo matemá- monstração de um efeito de generalização?
tica. Entretanto, para além do que foi pro- Nesse sentido, uma vez que uma dada crian-
posto pelas autoras, houve o objetivo, neste ça aprenda a responder de forma apropriada
estudo, de avaliar se o ensino do repertó- diante do problema 2+3= com manipulação
rio de resolução de problemas aditivos do de blocos, espera-se que a mesma consiga
tipo soma produziria algum efeito sobre a responder também na presença de 3+2=
resolução de problemas do tipo subtração sem a necessidade de treino direto.

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EM FOCO VOL. 9

O ensino do repertório de adição com os pro- impressa). As crianças não tinham acesso a
blemas manipulados permitirá um efeito de qualquer recurso concreto como blocos para
emergência de repertório de subtração ou o verbalizar o resultado.
mesmo precisará ser diretamente ensinado?
Embora o protocolo original de Whitman e
Dewitt (2011) não tenha enfatizado especi- Método
ficamente a possibilidade de emergência de
um repertório de subtração como função do Participantes
ensino da soma e nem mesmo o ensino direto
da subtração, as investigações do presente Três crianças com diagnóstico de autismo
estudo a esse respeito tiveram duas razões: a) participaram da pesquisa. Na ocasião da
os pais das crianças, que participaram desta coleta de dados, P1 e P2 tinham 6 anos de
pesquisa, tinham grandes demandas quanto idade e P3, 7 anos. Elas eram atendidas com
a aprendizagem de repertório de soma e, base em currículos individualizados com
também, de subtração por causa do ano es- programas da Análise do Comportamento
colar das crianças e houve a preocupação por Aplicada pelo menos duas vezes por semana.
parte dos autores em testar a eficácia das in- Vale destacar que todas as crianças não apre-
tervenções no sentido de atender as deman- sentavam repertório de resolução de proble-
das sociais de família e escola; b) a própria mas aditivos (soma e subtração) no início da
literatura científica destaca a importância pesquisa, mas já existia uma preocupação
de desenvolvimento de intervenções para o antes da mesma quanto a aprendizagem de
ensino de um repertório e que promovam a habilidades acadêmicas por parte de familia-
emergência de outro, considerando que são res e escolas. Por parte dos autores sempre
importantes e valorizados os procedimentos existiu a preocupação com a realização de
cujos ganhos estão para além daquilo que é avaliações sistemáticas quanto a habilidades
diretamente ensinado, implicando em menor acadêmicas e diversas outras por meio dos
exposição dos aprendizes a arranjos de con- protocolos VB-MAPP e ABLLS. Na ocasião da
tingências de ensino (Greer & Ross, 2008; pesquisa, as crianças já apresentavam re-
Matos, 2016; Sundberg & Partington, 1998). pertórios de centenas de tatos, respostas de
ouvinte e diversas respostas intraverbais na
O posterior esvanecimento do uso dos blocos presença de perguntas e esse nível de desen-
permitirá o estabelecimento das respostas volvimento nesses repertórios foi o principal
aos problemas como intraverbais (Valentino critério de seleção de participantes, pois a
et. al. 2015)? Nesse sentido foram considera- ênfase em habilidades acadêmicas é secun-
das intraverbais apenas as respostas verbais dária quando são identificadas grandes de-
vocais arbitrariamente correspondentes aos ficiências em repertórios mais básicos, como
problemas de soma e subtração manipulados tato de objetos e figuras e responder como
(ex: dizer “5” diante de um estímulo verbal ouvinte (Partington, 2006). Entretanto,
vocal como “2+ 3” e também de sua forma as posteriores avaliações de repertórios

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

acadêmicos indicaram dificuldade em prin- 6 X 3cm. Durante a avaliação de linha de base


cípio com o contar objetos, tatear números, e condições de ensino de soma e subtração
identificar números como ouvinte e realizar foram manipulados papel, lápis e borracha.
pareamentos de quantidades aos modelos Além disso, pequenos blocos se faziam pre-
de seus números correspondentes e vice- sentes para pareamentos com numerais e
-versa. Amenizar tais dificuldades foi uma contagem. Por fim, fichas eram manipuladas
meta para a realização deste estudo, pois como reforçadores condicionados pelos acer-
representavam habilidades pré-requisitos. tos durante os momentos de intervenção.

Ambiente Procedimento

A coleta de dados foi realizada na clínica-es- Vale destacar que, na presente pesquisa,
cola de uma Universidade particular em São habilidades pré-requisitos apresentadas na
Luís - MA. A criança e dois terapeutas esta- primeira e segunda condições a seguir foram
giários do curso de graduação de Psicologia avaliadas e ensinadas (primeira e segunda
permaneceram em uma sala equipada com condições, respectivamente) antes do tra-
uma mesa e três cadeiras. Um dos terapeutas balho com resolução de soma e subtração.
sentava frente a frente com a criança, sendo As demais condições do estudo representam
este o estagiário responsável pela manipula- investigações com as principais variáveis
ção de materiais relevantes para avaliação e dependentes, os percentuais de acertos de
intervenção. Atrás da criança havia ainda uma soma, subtração e intraverbais, conforme se
cadeira onde se acomodava outro estagiário destaca na ordem, a seguir.
que, por sua vez, tinha o papel de fornecer
modelos de ajuda durante momentos de in- Primeira condição. Avaliação de matemática
tervenção em que correções eram necessárias. por meio de tarefas adaptadas dos protocolos
VB-MAPP e ABLLS-R. Dentre os repertórios
Materiais e instrumentos avaliados, destacaram-se os seguintes: A)
identificação dos números de 1 a 10 como
Os instrumentos selecionados para avaliação ouvinte; B) tatear números de 1 a 10; C) em-
com as crianças foram VB-MAPP e ABLLS-R, parelhar numerais de 1 a 10 às quantidades
que, para além da ênfase da presente pes- de blocos correspondentes e vice-versa; D)
quisa com repertórios acadêmicos de mate- contar 10 objetos (blocos idênticos). Cada
mática, tinham o propósito de definir metas repertório foi avaliado com 20 tentativas
curriculares de intervenção visando o desen- discretas. Para cada tentativa de cada reper-
volvimento de outros repertórios. Durante as tório, o experimentador apresentava uma
avaliações dos pré-requisitos previamente instrução (ex: na tarefa de tato, apresentava
mencionados, cartões representando estí- o numeral 8 impresso junto com a pergunta
mulos como numerais e pontos medindo “que número é este?”). Cada participan-
quantidades, quando fosse o caso, mediam te tinha até 5s para responder e havia um

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

intervalo de 3s entre as tentativas. Os estí- Segunda condição. Ensino dos protocolos de


mulos, quando representados por cartões, matemática adaptados dos protocolos VB-MAPP
mediam 6 X 3cm. O repertório A foi avaliado e ABLLS-R nos quais erros foram identificados.
com o posicionamento de três números em Foram programadas 20 tentativas discretas. As
cartões como estímulos de comparação por instruções para cada tipo de repertório eram
tentativa e, para cada uma, apresentava-se apresentadas seguindo o mesmo formato da
o modelo do nome de um número apenas primeira condição da pesquisa. Entretanto
para que cada criança, em seguida, selecio- foram programadas consequências diferenciais
nasse o número impresso correspondente. O para acertos e erros. Uma ficha era entregue
repertório B foi avaliado com a apresentação de forma contingente a cada resposta correta
de um cartão com um número impresso por de qualquer tarefa e os erros eram corrigidos.
tentativa junto com a pergunta “que número Nas tarefas que envolvessem verbalizações por
é este?” para que cada criança verbalizasse o parte das crianças, cada verbalização incorreta
nome do número em voz alta. O repertório ou ausência de resposta por até 5s era seguida
C envolveu um tipo de avaliação em que, de um modelo ditado pelo experimentador. No
para uma das tarefas, eram manipulados caso de tarefas que envolvessem respostas de
três números em cartões como estímulos seleção por parte das crianças, cada erro ou
de comparação por tentativa e, além disso, ausência de resposta em até 5s implicava na
um estímulo modelo (cartão representan- manipulação de uma correção com ajuda física
do uma determinada quantidade de pontos) com a mão por parte do experimentador. O
era apresentado a fim de que cada criança critério de encerramento desta segunda con-
pudesse indicar o estímulo de comparação dição do estudo foi 100% de acertos em um
correspondente. O outro tipo de tarefa de bloco de 20 tentativas ou 90% de acertos em
avaliação do repertório C envolveu a apre- dois blocos consecutivos.
sentação de um cartão com um numeral
por tentativa em que cada criança deveria Terceira condição. Avaliação de intraverbais.
mover uma quantidade de pequenos blocos Cinco diferentes somas (ex: 5 + 4=) e suas
correspondentes embaixo do numeral. Uma inversões (ex: 4 + 5 =) e cinco diferentes sub-
quantidade de blocos superior ao que era trações (ex: 6 – 2 =) foram aleatoriamente
correspondente ao modelo ficava disponível selecionadas, considerando que o resultado
para cada tentativa. O repertório D compre- não poderia ser superior a dez, assim como os
endeu a apresentação de blocos idênticos números utilizados para soma e subtração. Em
cuja quantidade variava de tentativa para cada tentativa de avaliação, o experimentador
tentativa (o máximo eram dez blocos) e apresentava uma soma ou subtração escrita
cada criança tinha que contar o número de em um pedaço de papel, lendo-a em voz alta
blocos em voz alta. Durante as tarefas da para cada criança e aguardava até 5s por uma
primeira condição da pesquisa não foram resposta por parte da criança. Foram progra-
programadas consequências diferenciais mados blocos com 20 tentativas, destacando-
para acertos e erros. se dez para soma e dez para subtração.

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Quarta condição. Avaliação de soma. Cinco Quinta condição. Avaliação de subtração.


diferentes somas e suas inversões (ex: 5 + 4 Cinco diferentes subtrações (ex: 6 – 2 =)
=; 4 + 5 =) foram selecionadas, considerando foram selecionadas, considerando que os
que o resultado máximo era dez. As somas números da subtração não poderiam ser su-
eram iguais às que foram selecionadas na periores a dez. As subtrações eram iguais às
terceira condição. Cada bloco de avaliação que foram selecionadas na terceira condi-
contou com dez tentativas discretas para as ção. Cada bloco de avaliação contou com dez
cinco primeiras somas selecionadas e mais tentativas discretas para as cinco subtrações
dez tentativas discretas para suas inver- selecionadas. O experimentador apresen-
sões. O experimentador apresentava, para tava, para cada tentativa, uma subtração
cada tentativa, uma soma em um pedaço em um pedaço de papel e disponibilizava
de papel e disponibilizava lápis, borracha e lápis, borracha e blocos para cada criança,
blocos para cada criança, além de números além de números em cartões dispostos de
em cartões dispostos de forma desordenada forma desordenada sobre a mesa. Em cada
sobre a mesa. Em cada tentativa, a criança tentativa, após a leitura da subtração por
tinha até 5s para responder o problema e, parte do experimentador, um acerto era
após a leitura da soma por parte do expe- definido pelo (1) mover os blocos embaixo
rimentador, um acerto era definido pelo (1) de cada número da subtração, contando os
mover os blocos embaixo de cada número mesmos; (2) mover todos os blocos para
da soma, contando os mesmos; (2) mover depois do sinal de igual; (3) apontar para o
todos os blocos para depois do sinal de sinal de menos e o número que se segue a
igual; (3) contar a quantidade de blocos; ele na subtração; (4) retirar a quantidade de
(4) selecionar, após a contagem, o cartão blocos correspondentes ao segundo número
com o número correspondente ao resultado da subtração; (5) contar a quantidade de
da soma; (5) copiar o resultado depois do blocos que restaram após o sinal de igual;
sinal de igual com o lápis. Consequências (6) selecionar, após a contagem, o cartão
diferenciais para acertos e erros não foram com o número correspondente ao resultado;
programadas nesta condição. Acertos eram (5) copiar o resultado depois do sinal de
definidos pelo cumprimento de todos os igual com o lápis. Acertos eram definidos
passos da cadeia comportamental de forma pelo cumprimento de todos os passos da
correta. Erros eram definidos pelo não cum- cadeia comportamental de forma correta.
primento de pelo menos um dos passos ou Erros eram definidos pelo não cumprimento
ausência de resposta até 15s depois por ten- de pelo menos um dos passos ou ausência
tativa e após o experimentador apresentar de resposta até 15s depois por tentativa e
a instrução para começar. Não havia con- após o experimentador apresentar a instru-
sequências diferenciais programadas para ção para começar. Não havia consequên-
acertos e erros nesta condição. cias diferenciais programadas para acertos
e erros nesta condição.

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COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
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Sexta condição. Ensino do repertório de no acesso a fichas que poderiam ser, poste-
soma. As características dessa condição riormente, trocadas pelo acesso a itens de
foram semelhantes às da quarta condição de preferência da criança, como brinquedos.
avaliação de soma. Uma diferença foi o fato Erros em quaisquer passos da cadeia eram
de consequências diferenciais para acertos imediatamente corrigidos fisicamente pela
e erros terem sido programadas. Tentativas segunda pessoa, que ficava atrás da criança,
bem-sucedidas no sentido de uma dada ou pelo experimentador que se encontrava à
criança cumprir os critérios de uma cadeia frente da mesma. Durante o ensino da subtra-
comportamental para um dado problema ção, cada bloco consistia em cinco tentativas,
de soma resultavam no acesso a fichas que de modo que cada tentativa correspondia a
poderiam ser, posteriormente, trocadas pelo uma de cinco subtrações selecionadas. O cri-
acesso a itens de preferência da criança, como tério na condição era alcançado mediante dois
brinquedos. Erros em quaisquer passos da blocos de tentativas com 100% de acertos.
cadeia eram imediatamente corrigidos fisi-
camente pela segunda pessoa, um auxiliar de Oitava condição. Avaliação de somas inver-
pesquisa que ficava atrás da criança, ou pelo tidas. Esta condição foi semelhante à quarta
experimentador que se encontrava à frente de avaliação de soma. No entanto, apenas as
da mesma. Durante o ensino da soma, cada cinco somas, que consistiram em inversões
bloco consistia em cinco tentativas, de modo das que foram utilizadas no treino, foram
que cada tentativa correspondia a uma das manipuladas. Os blocos consistiram em dez
cinco primeiras somas selecionadas (as in- tentativas discretas.
versões foram excluídas do treino). O crité-
rio na condição era alcançado mediante dois Nona condição. Avaliação de intraverbais.
blocos de tentativas com 100% de acertos. Esta foi idêntica à terceira condição.
Vale destacar que, enquanto esta condição
estivesse em vigor, a subtração continuava A Tabela 1 apresenta uma esquematização de
em processo de avaliação. Com o cumpri- todas as nove condições da pesquisa.
mento do critério nesta condição, o ensino
da subtração passava a ser implementado. As principais variáveis dependentes (VD) da
pesquisa referiram-se aos percentuais de
Sétima condição. Ensino do repertório de respostas corretas diante dos problemas de
subtração. As características dessa condição soma e subtração nas condições de avaliação
foram semelhantes às da quinta condição de e intervenção para resolução de problemas; e
avaliação de subtração. Uma diferença foi a também os percentuais de respostas corretas
programação de consequências diferenciais de soma e subtração como intraverbais. O
para acertos e erros. Tentativas bem-sucedi- controle experimental foi definido por meio
das no sentido de uma dada criança cumprir os de um delineamento de linha de base múl-
critérios de uma cadeia comportamental para tipla com diferentes operações matemáticas
um dado problema de subtração resultavam (soma e subtração).

218
Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

Condição Nome da condição


Avaliação de pré-requisitos dos repertórios de resolução de problemas aditivos (soma e
Primeira condição
subtração)
Segunda
Ensino de repertórios pré-requisitos de resolução de problemas aditivos (soma e subtração)
condição
Terceira condição Avaliação de intraverbais

Quarta condição Avaliação do repertório de resolução de problemas aditivos do tipo soma

Quinta condição Avaliação do repertório de resolução de problemas aditivos do tipo subtração

Sexta condição Ensino do repertório de resolução de problemas aditivos do tipo soma

Sétima condição Ensino do repertório de resolução de problemas aditivos do tipo subtração

Oitava condição Avaliação de somas invertidas

Nona condição Avaliação de intraverbais

Tabela 1. Esquematização de todas as condições da pesquisa.

Este trabalho foi submetido à avalia- essas habilidades consideradas pré-requisitos


ção do comitê de Ética da Universidade para o início do trabalho com soma e subtra-
onde as coletas foram realizadas (CAAE ção. Esses dados de pré-requisitos, no entan-
46257415.0.0000.5084). to, não foram coletados de forma sistemática
e não são apresentados neste trabalho. Por
outro lado, considerando as principais vari-
Resultados áveis dependentes da presente pesquisa, os
percentuais de acertos de soma e subtração
Todos os participantes (P1, P2 e P3) apre- nas condições de resolução de problemas com
sentaram inicialmente dificuldade com os os blocos e percentuais das respostas corre-
repertórios das avaliações das condições que tas de soma e subtração como intraverbais,
representaram o que foi chamado de pré-re- as mesmas são apresentadas nas Figuras 1,
quisitos da presente pesquisa e que diz res- 2 e 3, sendo que as mesmas se aplicam aos
peito a contar objetos/blocos, discriminar os participantes P1, P2 e P3, respectivamente.
números de 1 a 10 como ouvinte e falante, e
parear quantidades aos modelos de numerais Conforme pode ser verificado na Figura 1,
impressos correspondentes e vice-versa. Isso P1 não apresentou acertos nas condições de
aconteceu meses antes da coleta de dados a linha de base de intraverbais e de resolução
respeito das avaliações e ensino de adição e de problemas de soma. Quando o ensino da
subtração começarem. Todos os três parti- soma foi programado, foram necessários
cipantes, no entanto, desenvolveram todas seis blocos de tentativas para cumprimento

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

SOMAS
INVERT INTRAVERBAL
TREINO SOMA PÓS- TESTE PÓS-TESTE

100 LB LB
INTRA SOMA
80

60

40
Percentual de acertos

20

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28

TREINO SUBTRAÇÃO
100
LB
INTRA
80

60 LB
SUBTRAÇÃO
40

20

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28

Blocos de tentativas

Figura 1. Percentual de acertos referentes às respostas de resolução de soma, subtração e intraverbais para P1.

de critério. Deste modo, o ensino da sub- foi interrompido. Quando as inversões das
tração foi implementado, mas o treino da somas foram avaliadas, após esse momento
soma continuou em operação por propósito de interrupção, foi verificado efeito de emer-
de manutenção de desempenho. Por outro gência do responder correto em 100%, sendo
lado é possível constatar que o desempe- que o mesmo foi mantido ao longo de seis
nho caiu ao longo de blocos de tentativas blocos de tentativas. Por fim, na avaliação
seguintes ao treino de soma e os 100% de de intraverbais pós-treino, foi constatado
acertos foram restabelecidos nos blocos de também efeito de emergência do respon-
número 18 e 19. A partir daí, o treino da soma der em 100% de acertos e manutenção do

220
Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

mesmo ao longo de três blocos. No caso do No caso de P2 e de acordo com a Figura 2,


trabalho com a subtração, não foram identi- não foram observados acertos na condição de
ficados acertos na avaliação de linha de base linha de base para ambos os repertórios de
de intraverbais e de resolução de proble- resolução de problemas de soma e subtração e
mas. Quando o ensino da subtração entrou também intraverbais. Com a programação do
em vigor, após cumprimento do critério no ensino da soma foram necessários 17 blocos
ensino da adição (bloco de número 12), ve- de tentativas para cumprimento do critério
rificou-se que o mesmo foi insuficiente para e, a partir de então, o desempenho em 100%
a aprendizagem da subtração para P1. de acertos foi mantido. Houve emergência do
responder correto quando as somas invertidas
A Figura 2 apresenta os resultados de re- foram avaliadas, mas o mesmo não foi verifi-
solução de problema de soma e subtração e cado no caso do responder intraverbal em que
intraverbais para P2. nenhuma resposta correta foi identificada para

SOM AS
SOMAS
I INVERT
NVERT
TREINO
TREI NO PÓS-
PÓS-
Soma TESTE
TESTE
LLB
B IINTRAVERBAL
NTRAVERBAL
100 LLB
B PÓS-TESTE
PÓS-TESTE
SOM
SOMA A
IINTRA
NTRA
80

60

40
acertos
deacertos

20

0
Percentual de
Percentual

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

SUBTRAÇÃO TREINO
TREI NO

100 IINTRAVERBAL
NTRAVERBAL
LLB
B PÓS-TESTE
PÓS-TESTE
IINTRA
NTRA
80
LLB
B
60 SUBTRAÇÃO
SUBTRAÇÃO

40

20

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35

Blocos de
de tentativas
tentativas

Figura 2. Percentual de acertos referentes às respostas de resolução de soma, subtração e intraverbais para P2.

221
Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

três blocos de tentativas. O ensino da soma foi A Figura 3 exibe os resultados de resolução
insuficiente para a emergência do responder de de problema de soma e subtração e intra-
resolução de problemas de subtração. Quando verbais para P3.
o ensino foi programado, foram necessários
quatro blocos de tentativas para cumprimento Nota-se na Figura 3 que, também para o caso
de critério. No entanto, assim como aconteceu de P3, não houve acertos nas linhas de base
com o caso da soma, o ensino da resolução de resolução de problemas de soma e subtra-
de problemas de subtração também foi insu- ção, assim como o foi caso dos intraverbais.
ficiente para o estabelecimento do responder Quando o ensino de resolução de soma foi
como intraverbais. programado, 17 blocos de tentativas foram

SOMAS
INVERT INTRAVERBAL
PÓS-TESTE
LB TREINO Soma PÓS-
LB TESTE
100 SOMA
INTRA

80

60

40

20
Percentual de acertos

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

Subtração
100 TREINO
LB
INTRA
80

LB
60 SUBTRAÇÃO

40

20

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33
Blocos de tentativas

Figura 3. Percentual de acertos referentes às respostas de resolução de soma, subtração e intraverbais para P3.

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COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

necessários para o cumprimento de critério desenvolvimento que englobam diferentes


na condição. O resultado de 100% de acertos níveis de mediação decorrentes da relação
na avaliação das somas invertidas sugeriu do sujeito com o seu processo de apren-
ter sido esse efeito da condição de ensino der na escola e cuja defesa de intervenção
de soma. Foi identificado também estabe- deve ser fomentada no contexto de origem
lecimento das respostas aos problemas de (Neves, 2011; Viégas, 2016; Machado, 2016).
soma como intraverbais. Como aconteceu
com os outros dois participantes, o ensino Essa também é uma importante pauta que
da resolução da soma não exerceu influên- tem sido uma realidade para o analista do
cia sobre a subtração, cuja resolução apenas comportamento aplicado ao longo de muitos
indicou melhora a partir do ensino direto da anos, especialmente para o desenvolvimento
subtração. Entretanto, o critério de 100% de de crianças com autismo. Protocolos de ava-
acertos não foi atingido. No bloco de tenta- liação (Partington, 2006; Sundberg, 2008)
tivas de número 29, P3 alcançou o percentual formalmente auxiliam na definição de níveis
de 73% de acertos e esse mesmo percentual de linha de base de repertórios relacionados
foi mantido até o final da coleta de dados. à linguagem e comunicação diretamente ou
não e também habilidades acadêmicas como
leitura, escrita e matemática, que represen-
Discussão tou o principal foco do presente trabalho. A
partir das avaliações, metas curriculares são
A preocupação sobre o desenvolvimen- estabelecidas com o propósito de amenizar
to de aprendizagem requerida no curso déficits de repertórios de relevância social e
do processo de escolarização é uma pauta acadêmica. Schmidt et. al. (2016) alerta sobre
historicamente relevante aos profissio- as lacunas na formação dos profissionais da
nais da Psicologia que atuam na interfa- educação e das percepções romantizadas do
ce com a Educação (Barroco, 2011; Neves, indivíduo com autismo, como aquele isola-
2011). Mais especificamente, a produção da do e preso a um mundo próprio, o que não
queixa escolar de crianças com autismo, favorece uma prática educativa exitosa para
ante a mudança de paradigma da educa- a inclusão escolar. Alertam, ainda, para a
ção inclusiva, é um desafio que se interpõe falsa ideia sobre a escola como um espaço
tanto aos profissionais que atuam de forma para a socialização, o que limita o acesso
paralela/complementar à escola como aos deste público ao conhecimento científico
profissionais que atuam diretamente no organizado no currículo regular. Os estudos
contexto educacional (Galvão & Beckman, analítico-comportamentais e outros aportes
2016). Modelos de atuação para lidar com teóricos da Psicologia aplicada ao autismo
os problemas relativos à produção da queixa são importantes conhecimentos que podem
e do fracasso escolar estão sendo pautados e devem se articular com o fazer da escola
a partir de concepções de aprendizagem e (Stichter, Riley-Tillman, & Jimerson, 2016).

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

Neste estudo de base analítico-comporta- regulares onde a aprendizagem de operações


mental, os resultados das avaliações dos matemáticas como soma e subtração eram
protocolos relacionados à matemática, para preconizadas, mas de todo modo os dados da
as três crianças participantes da pesquisa, pesquisa sugerem que tal exposição foi uma
indicaram déficits nas habilidades de contar variável que parece não ter interferido no
de 1 a 10; reconhecer os números de 1 a 10 estabelecimento do controle experimental.
como ouvinte e falante; contar objetos/ Contudo, a escola, como lócus de interação
blocos; realizar pareamentos de numerais social, é fator indispensável para o desen-
aos modelos de suas quantidades correspon- volvimento do raciocínio lógico-matemático
dentes e vice-versa. O ensino de tais re- pela natureza das mediações que provoca para
pertórios foi necessário para que passassem o desenvolvimento do conceito de número e
pelas condições da pesquisa que seguiram suas operações (Gontijo & Fleith, 2103).
em parte o modelo do protocolo de ensino
de soma desenvolvido por Whitman e Dewitt Valentino et. al. (2015) descreveram em parte
(2011). As linhas de base de resolução de sobre o ensino de habilidades acadêmicas,
problemas de soma e subtração e respos- enfatizando que a resolução de problemas
tas intraverbais revelaram que nenhum dos de soma, por exemplo, deve envolver o es-
três participantes apresentava repertório tabelecimento das respostas como intraver-
de entrada em relação a essas variáveis de- bais no futuro. Uma pesquisa desenvolvida
pendentes da pesquisa. A programação do por Matos, Hamasaki, Ribeiro e Costa (2015)
ensino da soma com a manipulação de blocos avaliou a eficácia de um procedimento que
como recurso para resolução dos problemas visava a aprendizagem de uma série de ope-
e o reforçamento foram suficientes para a rações simples de multiplicação por parte de
aprendizagem desse repertório para todos três crianças do ensino fundamental de es-
os participantes, ainda que diversos blocos colas públicas e que tinham passado por uma
de tentativas tenham sido necessários para história de fracasso escolar. As idades das
o estabelecimento de um desempenho sem crianças variavam de 8 a 11 anos na ocasião
erros. Entretanto, o ensino da resolução de das coletas de dados e se tratavam de crian-
soma não exerceu influência sobre o desen- ças com desenvolvimento típico. Durante
volvimento da resolução da subtração. Pelas as intervenções, elas tinham que responder
questões de controle experimental, tal dado na presença de problemas, como 2 x 8, e
é relevante, tendo em vista que, para dois os mesmos eram apresentados em tiras de
dos participantes (P2 e P3), evoluções foram papel. Um problema era apresentado por vez,
identificadas no repertório de resolução de para cada uma de 20 tentativas discretas de
problemas de subtração apenas quando o um bloco. Caso cada criança apresentasse um
mesmo foi diretamente ensinado. acerto na tentativa (resposta intraverbal de
relatar o resultado correspondente), recebia
Vale destacar que todas as crianças parti- uma ficha que, ao final do procedimento, era
cipantes estavam matriculadas em escolas trocada pelo acesso a jogos e outros itens

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Daniel Carvalho de Matos,
COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
EM FOCO VOL. 9

reforçadores de preferência. Caso um erro recurso indicado para os casos das crianças
acontecesse ou não respondesse dentro de em que um efeito de emergência de intra-
um período específico em segundos, o expe- verbais não foi demonstrado após o ensino
rimentador mostrava o verso da tira de papel com os blocos. Na resolução dos problemas
que continha o resultado de modo que cada de subtração com a manipulação dos blocos,
criança pudesse ler o mesmo. Era esperado o não cumprimento de critério de um de-
que, com mais exposição às contingências sempenho livre de erros foi verificado para
programadas, as crianças respondessem livre dois dos participantes (P1 e P3). Esse dado
do controle de pistas de correção, de modo parece indicar que as condições de ensino
que um desempenho intraverbal fluente, foram insuficientes para o estabelecimento
livre de erros e dentro de um tempo fixo de dos sinais mais (+) e menos (-) como estí-
3 minutos arbitrariamente definidos pelos mulos discriminativos para o comportamento
autores fosse estabelecido. de resolver problemas. É possível que os par-
ticipantes (especialmente P1) não estivessem
Os resultados indicaram que a criança mais respondendo sob controle dos sinais, mas
nova de 8 anos de idade não apresentou evo- sim dos números e do que primeiramente
lução na direção de um desempenho fluen- aprenderam a fazer com eles. Inclusive vale
te, mas as crianças mais velhas (de 10 e 11 destacar que, durante o ensino da subtração,
anos) apresentaram maiores percentuais de P1 e P3, em diversas ocasiões, responderam
acertos por meio do procedimento. A de 10 nas tentativas discretas em função do que
anos, na realidade, cumpriu com o critério aprenderam durante o ensino da soma, o que
de fluência. Essa pesquisa não enfatizou a parece fortalecer ainda mais a hipótese do
manipulação de recursos concretos como não controle do responder pelos sinais. Isso
blocos para a resolução dos problemas. As pode ter sido mais crítico no caso de P1, cujo
respostas foram ensinadas como intraverbais percentual de acertos nos últimos seis blocos
e com mais limitações nos resultados de dois de treino de subtração foi de 23% e, no caso
dos participantes. Na presente pesquisa, com de P3, chegou a 80% de acertos, manten-
ênfase na manipulação de recursos concretos do-se estável em cinco blocos de tentativas.
consistindo em blocos para a resolução de P1 também apresentou altas frequências de
problemas de soma e subtração, foi verifica- “respostas emocionais” e “frustração” com
do um efeito de emergência de respostas de choro e tentativas de fuga da atividade, o que
soma como intraverbais para dois dos três também dificultou sua adesão à condição de
participantes (P1 e P3). Tais dados sugerem ensino de subtração.
que o uso de recursos concretos como blocos
para a resolução de problemas de soma pode A dificuldade de P1 e P3 durante o ensino da
auxiliar no estabelecimento das respostas subtração e o possível não estabelecimento
como intraverbais para algumas crianças, o do controle do responder pelos sinais, espe-
que é relevante. Do contrário, o ensino direto cialmente para P1, sugere a necessidade de
das respostas como intraverbais pode ser um adaptações metodológicas sob controle dos

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COMPORTAMENTO Pollianna Galvão Soares de Matos, Ana Beatriz Rocha Lima
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desempenhos de cada aprendiz e também de condição de ensino de subtração, a avaliação do


forma a prevenir e reduzir frequências de com- responder como intraverbal, no caso da sub-
portamentos indesejáveis e incompatíveis com tração, foi feita apenas para ele. Entretanto,
a aprendizagem de repertórios acadêmicos e para essa criança, ambas as respostas de soma
outros desejáveis. Futuras pesquisas poderão e subtração não emergiram como intraverbais
investigar mais a respeito de metodologias que após o ensino da resolução dos problemas com
favoreçam com que a discriminação seja esta- a manipulação dos blocos. A alternativa para
belecida com menos dificuldade. Como apenas ela poderia ter sido o ensino direto das res-
P2 atendeu aos critérios de encerramento da postas como intraverbais.

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COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

Efeito de selos ambientais: Reginaldo Pedroso


Pontifícia Universidade Católica de Goiás
comportamento do consumidor em pedroso.r9@gmail.com
escolher produtos sustentáveis
Cristiano Coelho
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Effects of Environmental Labelling: Consumer
cristicoelho@gmail.com
Behavior in Choosing Sustainable Products

Resumo Abstract
O objetivo do estudo foi verificar o conhecimento de The aim of the study was to verify the knowledge of
selos de certificação ambiental e de comportamen- environmental and behavior labels with undergraduate
to pró-ambiental por universitários, como meio de students, as a mean to evaluate if the environmental
avaliar se os selos ambientais estão exercendo sua labels are exerting their discriminative functions. Two
função discriminativa. Duzentos e quatro universitá- hundred and four university students responded to
rios responderam a um de dois protocolos sobre selos one of two protocols on environmental labelling, one
ambientais, sendo um com imagens de 18 selos am- with images of 18 environmental and recycling labels
bientais e de reciclagem e o outro com nove nomes de and the other with nine label names. The task was
selos. A tarefa consistia em relatar se conhecia ou não to report whether or not one knew the labels, then
os selos e em seguida descrever a que se referia cada describe what each Figure/Name was referring to.
Figura/Nome. A coleta foi individual. Para cada condi- The participants responded individually. The results
ção foram mensuradas as porcentagens de indicação de demonstrate a low level of knowledge for all labels,
conhecimento e de descrições corretas do significado and less than 25% of the participants recognized the
de cada selo. Os resultados demonstram baixo nível labels appropriately in both conditions. The label with
de conhecimento para todos os selos, com menos de the highest level of knowledge was ABNT / ISO 14000
25% dos participantes reconhecendo apropriadamente with 22.55%. When asked about labels meaning, most
os selos nas duas condições. O selo com maior nível de participants responded they didn’t know. From those
conhecimento foi o ABNT/ISO 14000 com 22,55%. Com who indicated to know, most responses were not
relação ao que se referia os selos, a maioria respondeu appropriate. It can be concluded that the labels are
não saber. Dos que indicaram saber, a maioria das not exerting their discriminative function. The work
respostas não apontou a indicação correta dos signi- suggests some contributions based upon behavior
ficados dos selos. Pode-se concluir que os selos não analysis to increase the efficacy in controlling the
exerceram função discriminativa para a maioria dos desired behavior.
participantes. Sugere-se contribuições da Análise do
Comportamento para aumentar a eficácia do controle
do comportamento desejado.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Desenvolvimento sustentável; Análise do comportamento; Sustainable development; Behavior analysis;


Selos ambientais; Comportamento do consumidor Environmental labelling; Consumer behavior

230
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

Introdução

A literatura tem apontado que o modelo atual Silva, Ribeiro, & Bertolini, 2014). Uma em-
de consumo é influenciado pelo desejo, pelos presa só escolherá estratégias sustentáveis
estímulos ambientais, por necessidades, pela se isso for compatível com lucro (Manzini &
idade e renda, nível educacional, padrão de Vezzoli, 2011).
mobilidade, gosto dos consumidores e pelas
diferentes propostas do marketing. E é esse Essa preocupação com os impactos sobre o
modelo de consumo que vem se tornando meio ambiente fez com que empresas mudas-
preocupante no que se diz respeito à fini- sem o uso dos recursos naturais para serem
tude dos recursos naturais. Não só para as consideradas sustentáveis, levando a um
pessoas, mas também para empresas que modelo atual no qual sustentável será aquela
necessitam desses recursos para atender as empresa que busca soluções para minimizar
demandas dos consumidores (c.f. Brandalise, o impacto sobre o meio ambiente promo-
Silva, Ribeiro & Bertolini, 2014). vendo o desenvolvimento sustentável e que
proporcione equidade social (Evangelista,
Desde que o dilema sobre crescimento eco- 2010; Hart & Milstein, 2003). Ou seja, atu-
nômico e desenvolvimento sustentável tor- almente as empresas precisam desenvolver
nou-se questão mundial, algumas empresas novas propostas para o desenvolvimento de
passaram a buscar soluções para minimizar produtos para serem consideradas susten-
o impacto do seu processo sobre o meio am- táveis (Jabbour & Santos, 2007).
biente, mas também se iniciou uma corrida
por lucratividade associada ao tema. Buscando O Marketing exerce importante papel no que
ganhos financeiros, as empresas investem na se refere à obtenção de lucros para empresas.
sustentabilidade de seus processos. Porém, Sua intenção é criar produtos, aguçar dese-
essas empresas esbarram na questão da com- jos e vender o máximo que puder, para com
petitividade, pois ao oferecer um produto ou isso, possibilitar um retorno para a empresa
serviço, é necessário obter o lucro necessário (Kohlrausch, 2003). Para solucionar problemas
tanto para sua manutenção quanto para lidar sobre questões ambientais, surge a proposta
com a competitividade do mercado. de um Marketing Verde, que se refere a instru-
mentos mercadológicos destinados a explorar
Dificilmente, no curto prazo, todas as empre- os benefícios ambientais proporcionados por
sas se voltarão para as questões ambientais, um produto, contribuindo para a sustentabili-
ficando a cargo do consumidor a escolha por dade (Gonzaga, 2005). O Marketing Verde con-
produtos sustentáveis ou não. As empresas seguiu, com suas ferramentas, criar elementos
estão voltadas para a rapidez no processo que facilitam a percepção de consumidores,
de produção e lucratividade; do outro lado, fazendo com que os mesmos reconheçam o
os consumidores estão preocupados com o diferencial entre produtos sustentáveis e não
que lhes interessam, o produto (Brandalise, sustentáveis. Isso se deu a partir dos selos e

231
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

rótulos ambientais que tem como objetivo: critérios de uma certificação acaba levando
1) proteger o meio ambiente, 2) encorajar a os indivíduosa relacionarem uma certificação
inovação ambiental sustentável na indústria, a um selo verde ou prêmio por não poluir o
e 3) desenvolver a consciência ambiental dos meio ambiente (Silva & Ribeiro, 2005).
consumidores (Tomé, 2008).
Mesmo com uma vasta quantidade de nomes
De acordo com Kohlrausch (2003), a rotulação para os mais variados tipos de selos ambien-
ambiental tem por objetivo passar informa- tais, existe concordância na literatura que os
ções claras e concisas a respeito do ciclo de rótulos ambientais devam ser precisos, ve-
vida de um determinado produto que contenha rificáveis, relevantes e não enganosos. Caso
o rótulo. Com isso, as empresas começaram a contrário, não serão eficazes, fazendo com
aderir a um processo de gestão ambiental para que o consumidor não se familiarize com
conseguir incrementar vendas de produtos questões ambientais (Kohlrausch, Campos
diferenciados em um mercado cada vez mais & Selig, 2004).
crescente. Assim, selos verdes são etiquetas
colocadas em produtos com a finalidade de As informações contidas na embalagem
tornar a marca socioambiental e conscientizar devem ser objetivas e compreensíveis, visto
o consumidor com relação ao consumo sus- que no momento da escolha de um produto,
tentável (Deus, Felizola & Silva, 2010; Godoy o consumidor não tem tempo para leitura
& Biazin, 2000). Sua outra função é fazer com de muitas informações contidas nas emba-
que, de forma voluntária, indústrias mudem lagens, sendo que o espaço em embalagens
seus processos de produção devido à preferên- para selo é limitado. No entanto, existe muita
cia de consumidores por produtos sustentáveis confusão em relação às informações contidas
em relação aos seus substitutos (Dias, 2008). nos rótulos ambientais (Kohlrausch, 2003).
A rotulagem ambiental acaba por fazer com
que empresas adotem estratégias de produção Só mensagens claras não seriam suficientes
mais limpas, e por consequente, fazer com que para que o consumidor faça escolhas positi-
consumidores mudem seu padrão de consu- vas em prol da sustentabilidade. É necessária
mo diante dos riscos ambientais (Campanhol, uma política de educação ambiental, o que
Andrade & Alves, 2003). envolve ciência e tecnologia, órgãos gover-
namentais e não governamentais, instituições
Apesar do objetivo de uma certificação ser de ensino e meios de comunicação, no int uito
desenvolver um sistema de certificação am- de capacitar o usuário a relacionar as infor-
biental para a melhoria contínua e no aten- mações contidas nas embalagens com outros
dimento da legislação e normas existentes dados sobre responsabilidade social e impacto
no local onde as empresas estão situadas, ambiental (Zavadil & Silva, 2014). Segundo
buscando diminuir os riscos ambientais Tomé (2008), “Um consumidor/comprador,
daquela atividade certificada, a falta de co- entre decidir adquirir um produto ou serviço
nhecimento da sociedade sobre as normas e ao qual tenha sido concedida uma ecoetiqueta

232
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

e outro produto ou serviço convencional, sem Mesmo quando os participantes conhecem os


qualificação extra, tenderá a decidir pelo pro- selos, pode-se concordar com Valent et. al.
duto ecoetiquetado”” (p. 37). (2014) de que o preço elevado, a pouca diver-
sidade e dificuldade de encontrar produtos
Para Nakahira e Medeiros (2009), espera-se no mercado são empecilhos ao consumo de
que através da rotulagem ambiental ocorra produtos certificados. Esses dados replicam
crescimento na conscientização tanto de con- outros achados, como de Veras et. al. (2014)
sumidores quanto de empresas, pois a ini- que demonstraram que o preço elevado ainda
ciativa de algumas empresas em se ajustar às é o que influencia a baixa procura por esse
questões ambientais pode levar concorrentes tipo de produto, Castilho e Gómez (2014),
a adotarem tal prática, tornando assim um que indicaram que consumidores não tem o
estímulo para a inovação de processos e me- costume de conferir embalagens no ato da
lhoria no setor em que pertencem. Contudo, a comprae Pinto e Pedroso (2015), que encon-
falta de conhecimento sobre o tema faz com traram dados de acordo com os quais con-
que empresas não se sensibilizem para a ne- sumidores tendem a não gastar mais por um
cessidade de mudança e, com isso, haja pouca produto sustentável.
adesão à rotulagem ambiental e a procura por
tais produtos pelos consumidores. Mesmo com a inserção da Educação ambien-
tal em todos os níveis de ensino de 2002,
Estudos que verificaram o nível de conheci- Brandalise, Silva, Ribeiro e Bertolini (2014)
mento sobre selos ambientais demonstram demonstraram que a disciplina de educação
que a maioria dos participantes não apresenta ambiental não é determinante para formação
conhecimento sobre o que sejam selos am- de cidadãos ambientalmente conscientes,
bientais. Porém, segundo Kohlrausch, Campos sendo que o ambiente familiar, o ambiente
e Selig (2004), ainda que o consumidor não que frequentam e os valores são fatores que
identifique o significado do selo ambiental, o podem ser mais decisivos em suas atitu-
mesmo exerce um papel importante junto ao des. Para Izaguirre et. al. (2013), mesmo os
consumidor, pois ele pode acreditar no selo estudantes universitários brasileiros terem
como algo que contribui para agregar informa- mais disciplinas sobre educação ambiental
ções verdadeiras e confiáveis, garantindo tanto em relação à estudantes da Espanha, não foi
a preservação da natureza quanto a qualidade o determinante para fazer com que no Brasil
do produto. Dessa forma, o selo ambiental teria se tenha mais hábitos sustentáveis.
função também para uma educação ambiental.
Dessa forma, a compreensão dos fatores que
Por outro lado, de acordo com Barbosa, levam o consumidor a comprar produtos ou
Araújo e Cabral (2014), o nível de instrução agir de maneira sustentável torna-se pri-
não é uma variável significativa para o co- mordial para que se alcance uma sociedade
nhecimento de selos, e sua presença não é sustentável. Nesse sentido, é fundamental
determinante na escolha de serviços. identificar se selos estão desempenhando

233
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

sua função de sinalizar ao consumidor que James, Oliveira-Castro & Ribier, 2010). Nesse
a empresa tem gestão ambiental, principal- caso, o marketing verde vem buscando ma-
mente considerando-se que os selos devem neiras de fazer com que aumente a preferência
apontar para consequências específicas. por produtos sustentáveis.

Do ponto de vista da Análise do Dado que o comportamento é controlado


Comportamento, selo ambiental tem pro- pelas consequências (Moreira & Medeiros,
priedades compatíveis com a definição 2007), o ambiente tem papel importante
de estímulo discriminativo proposta por nesse controle (Skinner, 1975). O ambiente
Skinner (2003). Nesse sentido, serviria de é composto por estímulos, que quando os
ocasião para que um consumidor escolhesse indivíduos se comportam diante desses es-
um produto sustentável para ter acesso a re- tímulos e entram em contato com as conse-
forçadores. Entretanto, no geral, a literatura quências, eles passam a discriminar e gene-
vem mostrando que esse estímulo (selo am- ralizar para outros ambientes (Sério, Andery,
biental) não está tendo função discriminativa Gioia & Micheletto, 2002). Nesse sentido, es-
para o comportamento de compra de produ- pera-se que um consumidor pró-ambiental
tos sustentáveis para muitos consumidores. discrimine um produto sustentável de outros
produtos e passe a generalizar esse com-
Deve-se buscar as variáveis situacionais portamento para outros produtos e serviços
presentes no cenário atual de consumo e na em outros ambientes. O fato é que, para que
história de aprendizagem do indivíduo, jun- o consumidor se comporte de tal maneira,
tamente com as consequências da escolha de é necessário que o mesmo tenha aprendido
um produto, para entender o comportamento que essa é a maneira mais eficiente (refor-
do consumidor (Foxall, 1990; Oliveira-Castro çadora) de se comportar, dado o contexto de
& Foxall, 2005), para depois estabelecer es- compra de produto sustentável.
tratégias em prol de um consumo sustentável.
Marcas, datas especiais, presença de outras Os dados vêm demonstrando que a maiorias
pessoas e regras fazem parte de um cenário no dos participantes de pesquisas sobre o tema
qual o consumidor terá influência na escolha não conhece sobre selos ambientais, certi-
de um determinado produto. O selo ambien- ficação ambiental ou índices de avaliação de
tal, nesse sentido pode fazer parte da marca, gestão ambiental (Brandalise, et. al. 2014;
servindo de ocasião para aquele que o escolhe Castillo & Gómez, 2014; Silva, 2014; Valent,
tenha acesso a certas consequências. No en- et. al. 2014; Veras, et. al., 2014). Apesar disso,
tanto, consumidores escolhem seus produtos tem-se também encontrado que consumido-
não só pelos benefícios funcionais intrínsecos res estariam dispostos a pagar mais por um
adquiridos a partir de classes de produtos; eles produto sustentável (Pinto & Pedroso, 2015).
também são influenciados pelos benefícios Atingir esse objetivo parece ser prejudicado
proporcionados por atividades de marketing, pelo baixo nível de conhecimento sobre os
cujos efeitos são inerentes à marca (Foxall, selos ambientais.

234
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

Visto essa dificuldade e a necessidade de se Material


fornecer conhecimento acerca de como con-
sumidores interagem com selos, o presente Foram elaboradas duas versões de proto-
experimento objetivou avaliar o conheci- colos, um com Figuras de selos conforme
mento e a nomeação de diversos selos de apresentados nos produtos (selos de certi-
certificação ambiental e rótulos de compor- ficação ambiental e selos de comportamento
tamentos pró-ambientais por universitários, pró-ambiental e reciclagem), e outra versão
comparando a apresentação do selo e do apenas com Nomes dos selos de certifica-
nome/sigla referente. ção ambiental. Foram utilizados os selos de
certificação ambiental FSC, ISO 14001, LEED,
Rainforest Alliance, Ecocert, IBD, Procel,
Método CNDA, Green Seal, DEMETER e Sustentax,
que sinalizam o cumprimento de critérios de
Participantes exploração e/ou de produção que reduzem o
impacto sobre o meio ambiente e os selos de
Participaram do presente estudo 204 uni- comportamentos pró-ambientais referentes
versitários dos cursos de administração, a reciclagem/coleta seletiva: preservação da
direito, enfermagem e farmácia de uma natureza, alumínio reciclável, aço reciclável,
instituição de ensino superior de Rondônia, vidro reciclável, lixo comum e embalagem
com idade entre 18 a 47 anos (média 28 reciclável, que sinalizam padrões de compor-
anos), sendo 92 do sexo feminino e 112 do tamentos específicos. A Figura 1 apresenta os
sexo masculino. nomes dos selos de certificação ambiental e
os respectivos critérios gerais de certificação.

FSC Certifica áreas e produtos florestais, como toras de madeira, móveis, lenha, papel, nozes e sementes.

Concedido a edificações que minimizam impactos ambientais,


LEED
tanto na fase de construção quanto na de uso.

Rainforest Comprova que os produtores respeitam a biodiversidade


Alliance e os trabalhadores rurais envolvidos no processo.

Certifica alimentos orgânicos e cosméticos naturais ou orgânicos. Os alimentos processados


ECOCERT
devem conter um mínimo de 95% de ingredientes orgânicos para serem certificados.

Certifica alimentos, cosméticos e algodão orgânicos. Além de cumprir os requisitos básicos para a
produção orgânica (como fazer rotação de culturas e não usar agrotóxicos), garante que a fabricação
IBD
daquele produto obedece ao Código Florestal Brasileiro e às leis trabalhistas. Os produtos industriali-
zados devem ter ao menos 95% de ingredientes orgânicos certificados.

Certifica equipamentos eletrônicos e eletrodomésticos. O selo do Programa Nacional de


PROCEL Conservação de Energia Elétrica indica os produtos que apresentam os melhores níveis
de eficiência energética dentro de cada categoria.

Figura 1 (Parte 1). Nomes dos selos de certificação ambiental e respectivos critérios gerais de certificação.

235
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

ISO Certifica sistema de gestão ambiental de empresas e empreendimentos de qualquer setor. Em sua
operação, a empresa deve levar em conta o uso racional de recursos naturais, a proteção de flores-
14001 tas e a preservação da biodiversidade, entre outros quesitos.

Selo Verde Selo Verde é a ecoetiqueta que atesta a qualidade ecológica, socioambiental, do produto ou serviço que
tem o apoio da sociedade civil. E fornecida para empresas que comprovam periodicamente, por meio
CNDA de laudos técnicos, que seus ciclos de vida são amigáveis para o planeta e a vida que nele habita.

Green Fornece indicações de produção ecologicamente sustentável em diferentes esferas da extração,


Seal produção e uso. Contém diversos selos para diferentes atividades.

Avalia os atributos essenciais, complementares e suplementares da sustentabilidade. A avaliação se


dá além das questões ambientais previstas na ISO 14024, abrangendo características de salubrida-
Sustentax
de e qualidade (funcional e ambiental) do produto, assim como as responsabilidades socioambien-
tais e de comunicação com o consumidor.

Agricultura, pecuária, processamento e cosméticos, Identifica, mundialmente, os produtos


Demeter
biodinâmicos.

Figura 1 (Parte 2). Nomes dos selos de certificação ambiental e respectivos critérios gerais de certificação.

O protocolo Figura continha 18 imagens dos 10 minutos. Os dados foram tabulados em


selos de certificação ambiental e reciclagem, planilha de dados para posterior análise, na
e o protocolo Nome continha nove nomes de qual avaliou-se o conhecimento dos diferentes
selos de certificação ambiental. Não foram selos e comparou-se as respostas às situações
colocados os nomes dos selos de reciclagem com imagem e sigla (nome), utilizando-se o
no protocolo de Nomes visto não terem teste Binomial. Foi utilizada a nomenclatu-
um nome específico e apenas indicarem o ra Figura e Nome para separar os conjuntos
comportamento frente a cada situação. As de dados, visto que nas imagens dos selos
Figuras/Nomes foram misturadas aleato- consta o respectivo nome. Assim, o conjunto
riamente, criando três diferentes protocolos de dados referenciado Nome são aqueles que
para cada versão com o objetivo de minimi- os participantes só tinham acesso ao nome do
zar o efeito de ordem. selo, sem a imagem do referido selo.

A coleta de dados foi realizada individual-


Procedimento mente. Os participantes eram convidados nas
áreas sociais da faculdade e, após o aceite
Os participantes foram divididos aleatoria- do participante, o pesquisador se dirigia para
mente em dois grupos, cada um com 102 par- uma sala contendo uma mesa e duas cadeiras.
ticipantes. Um grupo respondeu o Protocolo Era entregue o Termo de Consentimento Livre
Figura e o outro grupo o Protocolo Nome. e Esclarecido, e posteriormente à assinatura
Durante a aplicação o pesquisador permanecia deste, era entregue o protocolo ao partici-
sentado do lado oposto da mesa durante toda pante, o qual era solicitado a respondê-lo.
a coleta. A coleta de dados durava no máximo Era dada a seguinte instrução:

236
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

Você está participando de uma pesquisa sobre participantes quando confrontados com a
sustentabilidade. Será apresentado algumas Figura referente ao selo de certificação am-
imagens e siglas, você terá que responder se biental e selo de reciclagem e o Nome do
conhece cada imagem/nome, caso conheça selo de certificação ambiental. A Tabela 1
descreva a que se refere, e caso não conheça, apresenta a porcentagem de conhecimento
descreva o que você acha que se refere. de cada selo nas duas situações.

Abaixo das instruções, os participantes se Pode ser observado que na condição Figura, a
deparavam com o protocolo de respostas porcentagem de conhecimento dos selos ficou
que apresentava o respectivo selo (Condição abaixo de 4% para 15 dos 18 selos utiliza-
Figura) ou o nome do selo de certificação dos, com dois deles, Demeter e CNDA com
(Condição Nome). A Figura 2 mostra um nenhum participante tendo informado co-
exemplo do protocolo em cada condição. nhecê-los. Dos outros três selos, todos foram
indicados como conhecidos por menos de
25% dos participantes. Destes, as porcenta-
Resultados gens de conhecimento pelos participantes da
pesquisa foram: ISO 14001 (22,55%); PROCEL
Conhecimento dos selos (18,63%); e Embalagem reciclável (11,76%).

A presente análise objetivou identificar o co- Na condição Nome, a porcentagem de co-


nhecimento de cada um dos selos ambientais nhecimento ficou abaixo de 5% para todos
e selos de comportamento e comparar a por- os nove nomes de selos para os quais essa
centagem de conhecimento relatado pelos informação foi solicitada. Os conhecidos por

Figura 2. Modelo de apresentação dos estímulos nas condições Figura e Nome

237
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

mais participantes foram o ISO 14001 (4,9%) A comparação entre a porcentagem de co-
e IBD (2,94%). Todos os demais foram co- nhecimento nas condições com Figura e
nhecidos por 1,96% dos participantes. As Nome, realizada a partir do teste Binomial,
informações dos selos DEMETER e Carbono indicou que as diferenças não foram signi-
Neutralizado não foram inclusas nos ques- ficativas (p >0,05; Z <2,96) para oito dos 10
tionários referentes a esta condição. selos avaliados (SUSTENTAX, FSC, GREEN
SEAL, IBD, ECO CERT, LEED, RAINFOREST
Teste ALLIANCE e CNDA), indicando porcentagem
Selo Figura Nome Binomial – de conhecimento semelhante em ambas as
Z (p)
condições. Para os selos ISO 14001 e PROCEL,
ABNT/ISO 14001 22,55 4,90 3,66 (0,0001*)
os únicos selos ambientais para os quais a
PROCEL 18,63 1,96 3,92 (0,0000*)
porcentagem de conhecimento na condição
EMBALAGEM
11,76 - com a apresentação da Figura foi superior
RECICLÁVEL
SUSTENTAX 3,92 1,96 0,83 (0,204) a 10%, observou-se que a porcentagem de
ALUMÍNIO conhecimento da Figura foi estatisticamente
3,92 -
RECICLÁVEL maior que observada na condição Nome nos
LIXO COMUM 3,92 - dois casos (ISO 14001 – Z = 3,66 e p = 0,0001;
FSC 2,94 1,96 0,45 (0,325)
PROCEL – Z = 3,92 e p = 0,0000).
VIDRO RECICLÁVEL 2,94 -
GREEN SEAL 1,96 1,96 0 (1)
IBD 1,96 2,94 0,45 (0,325) Análise das questões abertas
CONSTRUIR
1,96 -
SUSTENTÁVEL Foram utilizadas para análise as respostas dos
ECO CERT 0,98 1,96 -0,58 (0,28) participantes que mencionaram o que signi-
LEED 0,98 1,96 -0,58 (0,28) ficaria a Figura ou Nome referente ao selo
RAINFOREST apresentado. Para os que não responderam e
0,98 1,96 -0,58 (0,28)
ALLIANCE
os que responderam que não sabiam a que
AÇO RECICLÁVEL 0,98 -
CARBONO se referia, não foi computado nas referidas
0,98 -
NEUTRALIZADO análises. Pode-se observar na Tabela 2 que a
CNDA 0,00 1,96 - maioria dos participantes não deram respostas
DEMETER 0,00 - apropriadas para todos os selos, com exceção
* p < 0,05 do selo PROCEL para o grupo Figura, tanto
para os que conheciam quanto para os que não
Tabela 1. Porcentagem de pessoas que afirmaram co-
nheceros selos de certificação e selos de reciclagem nas o conheciam. No entanto, os participantes do
condições com apresentação da Figura e Nome. Dados grupo Figura, no geral, relataram mais sobre
com (-) indicam que a informação não foi obtida. Os
dados do teste Binomial compararam as porcentagens o significado do que o grupo Nome.
nas condições com Figura e Nome para um mesmo selo.

238
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

FIGURA NOME

NÃO
CONHECE CONHECE NÃO CONHECE
SELOS CONHECE
APROPRIADO APROPRIADO APROPRIADO
APROPRIADO

SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO


PROCEL 16 2 14 0 0 0 4 0
ISO 14001 1 19 1 6 1 3 0 3
FSC 1 1 0 6 1 0 0 3
LED 0 0 1 7 0 0 0 2
RAINFOREST
0 0 0 9 0 0 0 0
ALLIANCE
ECO CERT 0 0 1 7 0 0 0 0
IBD 1 0 3 1 0 2 0 0
CNDA 0 0 0 5 0 0 0 0
GREEN SEAL 0 0 1 6 0 0 0 3
SUSTENTAX 2 0 10 0 1 0 7 0
DEMETER 0 0 0 3
CARBONO
0 0 5 6
NEUTRALIZAVEL
CONSTRUIR
2 0 8 0
SUSTENTÁVEL
ALUMINIO
1 0 2 2
RECICLÁVEL
AÇO RECICLÁVEL 0 1 0 5
VIDRO RECICLAVEL 0 0 0 9
LIXO COMUM 2 0 3 1

EMBALAGEM
7 5 6 14
RECICLÁVEL

Tabela 2. Relação das respostas apropriadas e não apropriadas dadas pelos participantes que relataram conhecer a que se
referia a Figura e Nome dos selos apresentados. Foi considerada apropriada a resposta que descrevia o significado do selo.

Para a resposta à pergunta sobre o que os x não conhece) e se o conhecimento na res-


participantes achavam que significava a posta sobre “a que se refere” era apropriado
Figura e Nome, foi realizada uma categori- ou não apropriado, gerando quatro categorias
zação conforme a sinalização indicada pelos para Figura e quatro para Nome, indicadas na
participantes que emitiram suas respostas Tabela 2. Esta categorização permitiu avaliar
para c ada um com relação à indicação de co- o nível de controle discriminativo referente
nhecimento da Figura ou do Nome (conhece aos próprios selos em si e comparar se as

239
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

respostas daqueles que indicaram conhecer Para o selo ISO 14001/ABNT, dos participan-
os selos, tanto na condição Figura quanto tes submetidos à condição Figura, 20 dentre
na condição Nome, estava de acordo com o os que responderam conhecer o selo indi-
significado apropriado de cada selo. Uma caram seu significado. Destes, 10 indica-
resposta apropriada necessitava conter pelo ram ABNT ou descreveram o significado da
menos um termo que se referia ao tipo de sigla como Associação Brasileira de Normas
certificação; não apenas indicar sustentá- Técnicas, seis indicaram estar relacionado a
vel ou sustentabilidade. Por exemplo, no normas de trabalhos acadêmicos / normas
Rainforest, a indicação da biodiversidade no da ABNT, dois relacionaram a controle de
ISO 14001, gestão ambiental, e assim, por qualidade, um sobre preservação ambiental
diante, conforme cada certificação. e um seria certificação ambiental. Na condi-
ção Figura, dos que relataram não conhecer,
Visto o baixo nível de participantes que in- dois relacionaram às normas da ABNT para
dicaram conhecer os selos, tanto do grupo trabalhos acadêmicos, três a controle de
Figura quanto no grupo Nome, procedeu-se qualidade e um mencionou que seria sobre
uma análise descritiva das respostas apro- preservação do meio ambiente. Para os par-
priadas e não apropriadas à questão “a que ticipantes do grupo com Nomes, dos que
se refere o nome (a Figura)”, tanto para os informaram conhecer, dois relacionaram a
participantes que indicaram conhecer os aspectos ambientais, e dois a controle de
nomes ou figuras quanto para os partici- qualidade. De forma semelhante, dos que
pantes que indicaram não conhecê-los. indicaram não conhecer o selo neste grupo,
três responderam a esta questão, com dois
Para o selo PROCEL, na condição com Figura, relacionando a controle de qualidade, um a
32 participantes indicaram o que significa ou meio ambiente.
o que acham que significa. Dos 18 partici-
pantes que relataram conhecer o selo, cinco Para o grupo com Figura, dois responderam
indicaram que ele significa o consumo de conhecer o selo FSC. Desses, um demons-
energia, 11 indicaram que significa baixo trou conhecimento total sobre o objetivo da
consumo de energia, dois indicaram teste/ certificação, outro relacionou sobre meio
selo INMETRO. Dentre os participantes que ambiente. Para os que relataram não co-
relataram não conhecer, 10 relacionaram nhecer a Figura seis responderam sobre o
ao gasto da geladeira ou economia de gasto que achavam que o selo se relacionava, dos
da geladeira, três indicaram o consumo de quais cinco relataram que estava associa-
energia e um ao programa de certificação de da a algo sobre o meio ambiente e um que
eletricidade. Na condição com Nome, quatro era uma fundação. Para o grupo com Nome,
participantes que indicaram não conhecer, um relatou conhecer o Nome associando-o a
responderam ao significado que considera- manejo florestal. Para os que não conheciam
vam ser PROCEL. Todos esses participantes o Nome, três relataram sobre o que achavam
relacionaram a celular, telefonia ou energia. que o Nome se referia, um relatou que vem

240
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

em produtos recicláveis, algo sobre floresta Para a Figura do selo IBD, um relatou conhe-
e um sobre time de futebol respectivamente. cê-la relacionando-a a produtos orgânicos.
Para os participantes que não conheciam,
Com relação ao selo LEED para o grupo Figura, quatro disseram sobre a que relacionaria,
nenhum relatou sobre ela. Os demais que não sendo que três relacionaram a agrotóxico e
conheciam o selo referente à imagem, oito produto orgânico, e um à indústria brasilei-
responderam o que achava a que se referia, ra de derivados. Os participantes do grupo
sendo que apenas um soube descrever o sig- Nome, dois relataram conhecê-la, sendo que
nificado do mesmo, cinco disseram algo sobre disseram ser um índice brasileiro de desen-
meio ambiente e/ou proteção ambiental, um volvimento, nenhum que não conhecia o
que era de uma universidade ecológica, outro Nome relataram sobre o mesmo.
que era algum jardim aberto para visitação.
Para o grupo com Nome, nenhum relatou co- Com relação ao selo CNDA, nenhum parti-
nhecer. Para os que não conheciam o Nome, cipante conhecia. Dos participantes que não
dois relataram que se referiam e lâmpada. conheciam e que relataram a que se refe-
ria, cinco relacionaram a meio ambiente,
Para a Figura do selo Rainforest Alliance, sustentabilidade e ecologia. Com relação ao
apenas uma pessoa relatou conhecê-la, mas grupo Nome, nenhum relato.
não soube dizer ao que se referia. Para os
que não conheciam a Figura, 8,9% desses O selo de certificação Green Seal não teve
relataram o que achavam que se referia a reconhecimento por nenhum participante no
Figura, sendo que três associaram ao meio grupo Figura, sete participantes relataram
ambiente, dois disseram que era sobre certi- sobre ele mesmo não conhecendo, onde as
ficação ambiental, um sobre alguma campa- respostas de seis estavam relacionadas a selo
nha sexual, outro sobre proteção ambiental verde, meio ambiente certificado de proteção
e dois sobre proteção de rãs. Para o grupo ambiental, apenas um relacionou de forma
com Nome, 1,96% relataram que conheciam correta que é sobre produto adequado. Dentre
o Nome, mas não souberam dizer ao que se os participantes do grupo Nome, os três que
referia. Os demais 98% que não conheciam relataram, o relacionaram a sal e dois a algo
o Nome também não souberam responder. verde, mesmo indicando que não o conhecia.

Sobre o selo ECO CERT, no grupo da Figura O selo Sustentax teve três participantes que
nenhum relatou conhecer. Para os que não mencionaram conhecê-la, e disseram que
conheciam, mas se referiam a Figura, um estaria relacionado a produto sustentável.
relacionou com selo para produto orgânico Dos que relataram não conhecer a Figura,
e sete relacionaram à questão de meio am- dez relacionaram à sustentabilidade. Para o
biente e ecologia. Para o grupo do Nome no grupo Nome, um disse conhecer e indicou a
houve descrição. produto sustentável. Dos que não conhecia

241
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

o Nome apresentado, sete participantes dis- material magnético, um disse que seria objeto
seram estar associado à sustentabilidade. de metal e outro falou que seria atração.

Com relação à Imagem de Carbono Para a Figura de Vidro reciclável, um men-


Neutralizado, nenhum respondeu conhe- cionou conhecer e relatou ser sobre recicla-
cer, dos 11 que comentaram sobre a Figura gem. Para os participantes que não conhecia,
mesmo não a conhecendo, cinco relacio- oito relacionaram à reciclagem e jogar lixo,
naram-na a carbono estando próximo do e um a reciclagem de papel.
real significado do selo, e seis à ecologia e
meio ambiente. Sobre a Figura de Lixo Comum, dois partici-
pantes relataram conhecê-la, e disseram que
Para o selo DEMETER, nenhum participante a Figura está relacionada a jogar lixo no lixo.
demonstrou conhecimento sobre a Figura, Para os participantes que mencionaram não
três relataram que se referia à marca de ex- conhecer, três disseram que era para jogar
trato de tomate, meteorologia e marca de lixo no lixo e um relacionou à lixeira.
margarina respectivamente.
Para a Figura Embalagem Reciclável, sete
Sobre o selo Construir Sustentável, dois par- participantes mencionaram conhecê-la, re-
ticipantes relataram conhecer e menciona- lacionaram à reciclagem, coleta seletiva, que
ram ser sobre reciclagem e sustentabilidade, era para colocar lixo no lixo. Para os partici-
respectivamente. Para os participantes que pantes que relataram não conhecer a Figura,
não conheciam a Figura, três relacionaram a novamente relacionaram à coleta de lixo,
um planeta sustentável, para dois seria sobre separar lixo, coleta seletiva e reciclagem.
reciclagem, dois disseram ser sobre preser-
vação ambiental e um disse estar associada
ao meio ambiente. Discussão
Para a Figura do selo referente à Alumínio Mesmo estando presente no cotidiano, já há
Reciclável, um disse conhecer e relacionou de décadas os selos relacionados a algum aspec-
forma correta com seu significado. Para os to de sustentabilidade não estão exercendo
quatro que não conheciam, mas comentaram sua função. O nível de conhecimento sobre
sobre a Figura, relacionaram-na a alumínio selos ambientais, nos seus mais variados
reciclado e a reciclagem apenas. tipos e funções, demonstrou ser muito baixo
na amostra pesquisada. Assim, se conhecer é
Com relação ao selo de Aço reciclável, um par- se comportar sob controle de estímulos, seja
ticipante relatou conhecer e referiu à Figura no caso de responder adequadamente ao es-
como se fosse um imã puxando um item, para tímulo ou ter acesso aos mesmos estímulos,
os demais participantes que não conheceram, essas respostas dependerão da história de
dois disseram ser um imã, dois relacionaram a aprendizagem com contato as contingências

242
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

ou ao controle de regras (Skinner, 1969, adotam essa postura e a estão tornando um


1982/1974). O baixo nível de conhecimento hábito no critério de escolha de um produto”
dos selos pode então ser justificado, dentre (Botelho & Manolescu, 2010, p. 2).
outras variáveis, pela ausência de uma his-
tória de aprendizagem em se comportar ao Apenas três selos apresentaram porcentagens
comprar produtos com selos ambientais. mais altas de participantes que indicaram
conhecê-los, em relação aos demais pes-
A literatura sobre sustentabilidade traz a ideia quisados. Mesmo ainda não sendo expres-
de crescimento no conhecimento e escolhas sivo (muito inferior a 50%), para esses três
por produtos que apresentam baixa agressão selos (ISO-14001/ABNT, PROCEL, Embalagem
ao meio ambiente. No entanto, dados apre- Reciclável), pode observar o efeito de histó-
sentados por vários estudos, corroborados por ria de aprendizagem, pois esses selos estão
esse estudo, demonstram que o conhecimento mais presentes no ambiente das pessoas.
sobre selos ambientais não é expressivo. Atualmente, todos os produtos eletroeletrôni-
cos trazem o selo PROCEL, fazendo com que o
Os dados do presente estudo não foram com- comportamento verbal dos participantes, em
patíveis com os da pesquisa que Campanhol, relatar que o conhecia, ficassem sob controle
Andrade e Alves (2003) apresentaram sobre desses estímulos em função de sua história.
pesquisa realizada pelo PROCON de São
Paulo, onde 85% dos entrevistados, que Apesar de uma maior porcentagens de par-
segundo os autores, sabiam identificar um ticipantes que indicaram conhecê-las, a di-
produto sustentável. Contudo, por não se ferença entre Figura e Nome foi significativa
caracterizar como uma pesquisa acadêmica apenas para ISO-14001/ABNT e PROCEL, com
e também não ter uma descrição precisa, a maior conhecimento para Figura. Para os
falta de apresentação da metodologia dessa demais, mesmo a maioria dos selos ambien-
pesquisa inviabiliza aprofundar em possí- tais apresentando uma logo (representação
veis comparações. gráficas) e o respectivo nome, observou-se
que o controle exercido pela Figura foi supe-
No entanto, o Marketing verde parece não ter rior, sugerindo que estratégias de Marketing
conseguido facilitar a percepção destes con- devem focar em estruturas de representação
sumidores para que os mesmos reconheçam gráficas e seu respectivo significado. Talvez
o diferencial entre produtos sustentáveis e o espaço destinado na embalagem seja um
não sustentáveis, conforme apresentado por fator primordial para melhorar o controle
Botelho e Manolescu (2010), visto a falta de dos selos, e isso pode justificar o baixo nível
conhecimento que se observou dos selos aqui de conhecimento dos selos de reciclagem.
apresentados. Nesse sentido, vale questionar Mesmo estando tão presentes no cotidiano
a literatura quando se refere que “são cada das pessoas (latas de refrigerantes, garra-
vez mais crescentes os consumidores que fas de todos os tipos, embalagens no geral)

243
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

parece não ter efeito sobre o conhecer suas parece que os selos, aqui sendo entendidos
funções. A esta tendência, apenas Embalagem como uma regra de acordo com a definição
Reciclável demonstrou maior nível de co- acima, não estão afetando o comportamen-
nhecimento em relação aos demais selos de to desejado, visto que os consumidores não
reciclagem, mas para uma porcentagem da entram em contato com a regra descrita pelo
amostra pouco acima dos 10%. selo (por exemplo: “comprar o produto afeta
menos o meio ambiente”) nem com as con-
Sendo os selos ambientais uma estratégia de sequências às quais a regra aponta. Como
Marketing em diferenciar as empresas em assinalado por Kohlrausch, Campos e Selig
um mercado competitivo, e como apontado (2004), pode-se inferir, a partir dos dados
por Botelho e Manolescu (2010) onde os con- aqui apresentados, que as pessoas não estão
sumidores estão adotando um hábito em es- tendo acesso a essas informações.
colher produtos sustentáveis, pode-se dizer,
a partir dos presentes resultados, que essa Também, não se pode esperar que apenas o
estratégia não está sendo efetiva no sentido conhecimento sobre o que venham a ser os
de controlar as escolhas por produtos que selos possa controlar por si só o compor-
apresentem os selos aqui apresentados. Além tamento de escolher produtos sustentáveis.
da baixa porcentagem, é importante sinalizar Neste caso, a manipulação nos antecedentes
que a maioria dos participantes não soube e o contato com as consequências. Segundo
descrever o que seriam os selos apresenta- Moreira e Medeiros (2007), dizemos que
dos, dado que não corrobora o pensamento alguém sabe sobre algo quando ele sabe como
dos autores supracitados, tendo em vista que e/ou sabe sobre. Saber como está relaciona-
o selo é uma propriedade do estímulo que do à pessoa responder ao estímulo discri-
sinaliza o seu diferencial sustentável. minativo adequadamente; e saber sobre, ao
comportamento verbal estar sob controle do
Um dos objetivos da certificação ambiental é ouvinte em ter acesso aos mesmos estímu-
o de informar ao consumidor que um produ- los discriminativos. Para Matos (1999), uma
to afeta menos o meio ambiente, tendo uma pessoa sabe quando ela se comporta sob con-
função de regra como “um sistema que esta- trole de relações com variáveis diretas quando
belece certas contingências de reforçamento” está em contato (nesse caso com o selo) no
ou “derivadas de contingências, na forma de momento e com variáveis indiretas, as quais
injunções ou descrições que especificam oca- foram estabelecidas na história de vida.
siões, respostas e consequências” (Skinner,
1969, p. 160). Contudo, estímulos anteceden- Mesmo indicando conhecer os selos, a maio-
tes verbais passam a afetar o comportamento ria dos participantes não demonstrou co-
quando eles sinalizam uma consequência e nhecimento sobre eles quando perguntados
possibilitam o contato com as consequên- sobre a que se referiam. Apenas para os selos
ciass, seja por regras ou pela exposição às sustentáveis PROCEL, ISO 14001 e para o selo
contingências (Galizio, 1979). No entanto, de reciclagem EMBALAGEM RECICLÁVEL

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COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

obteve-se mais participantes que relataram meio acadêmico com relação às normas dos
sobre os selos em relação aos demais selos. trabalhos que os alunos devem realizar. Ao
Essa baixa frequência de participantes que re- mesmo tempo, os participantes não ficaram
lataram sobre o selo demonstra a ineficiência sob o controle das propriedades relevantes
do controle exercido pelos selos sustentáveis. do estímulo que seria referente à certificação
de Gestão Ambiental.
No entanto, para o selo PROCEL, em ambas as
condições (Figura e Nome) a maioria dos par- A falta de conhecimento sobre princípios de
ticipantes que relatou sobre o selo conseguiu análise do comportamento, das pessoas que
relacionar com o significado do selo, ou seja, elaboram essas ferramentas, pode levar a
relacioná-lo com o consumo de energia. Esse essa ineficácia no controle do comportamen-
dado abre campo para novas estratégias em to desejado. Além da necessidade de treino
relação aos demais selos, onde a exposição ao discriminativo para que um dado estímulo ou
estímulo e o contato com as consequências, propriedade dele exerça controle eficaz sobre
diminuição na conta de energia, pode tê-lo o comportamento, a representação gráfica
tornado mais efetivo no seu controle. Mesmo deve levar em conta essas particularidades,
que a quantidade de participantes que men- pois os participantes generalizaram a pro-
cionaram conhecer o selo ainda seja baixa, os priedade mais comum; ABNT para normas
que relataram conhecê-lo souberam relacio- de trabalhos técnicos, e ISO para controle de
nar com seu significado. Independentemente qualidade (ISO 9000).
de ter ocorrido pelo contato com represen-
tação gráfica ou com o nome, a exposição a Conforme apontaram Nakahira e Medeiros
esse estímulo passou a fazer parte da história (2009), no cenário empresarial tem-se maior
de aprendizagem desses participantes. aderência à ISO 9000 em relação à ISO 14001,
o que pode ser justificado pelo tempo de ex-
Outro dado que demonstrou o efeito de posição maior que os indivíduos e empresas
história de aprendizagem foi em relação às tem com a primeira e pelas consequências
respostas sobre o selo ISO 14001/ABNT. O oferecidas por essa certificação. Talvez a
fato da amostra pesquisada ser composta por falta de expressão no meio social da ISO
universitários, a maioria dos participantes 14001 (Certificação de Gestão Ambiental) e
relacionaram o selo a normas de trabalho o maior contato com a ISO 9000 (Certificação
acadêmico (normas da ABNT). Ou seja, pode- de Gestão de Qualidade) pode ter feito com
-se analisar esse resultado a luz do conceito que alguns participantes relacionassem a ISO
de Abstração (Catania, 1999; Skinner, 1953), 14001 com controle de qualidade.
onde o comportamento dos participantes
em responder a que se referia o selo estava Os selos apresentam imagens que muitas
sob controle de uma propriedade do estí- vezes estão relacionados a outras respostas
mulo, que é comum a mais de um estímulo, verbais ou não verbais estabelecidas nas his-
nesse caso a história de aprendizagem no tórias dos participantes. Nem sempre essas

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COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

respostas que são evocadas são compatíveis sobre as Figuras do que sobre os Nomes,
com as contingências que são descritas pelos mesmo para aqueles que não conheciam a
selos, nem mesmo com as contingências que Figura, as respostas não apropriadas dadas
levaram à obtenção do selo pela empresa ou pelos participantes, quando era para Figura
pelo produto (gestão ambiental, retorno de ou Nome que continham algum estímulo
carbono, preocupação com a biodiversidade, comum com sustentabilidade (CNDA com a
etc.). Essas respostas podem levar ao bloqueio expressão “Green Seal” e SUSTENTAX com
na aquisição de uma resposta discriminativa uma palavra que compartilha propriedades
nova (cf. Catania, 1999). Além disso, os selos topográficas comuns com sustentabilidade)
são dispostos nas embalagens em tamanho estava dentro da temática, por exemplo, o
reduzido e entremeada a logotipos e quanti- selo SUSTENTAX, atesta a qualidade ecológica,
dade de informação que podem sombrear o socioambiental, do produto ou serviço que tem
estímulo selo. Mesmo para Figuras que ti- o apoio da sociedade civil, mesmo que o par-
veram poucos participantes que indicaram ticipante relatasse não conhecer a Figura,
conhecê-las, pode-se observar que na pre- quando mencionava algo sobre ela, associava
sença de propriedades de estímulos comuns a algo como sustentável ou meio ambiente.
ao tema, como imagem de árvore ou palavras
semelhantes à sustentabilidade (como no Com relação aos selos de reciclagem, nova-
caso dos selos FSC, CNDA e SUSTENTAX) os mente a falta de controle de estímulos pode
relatos dos participantes que indicaram o que ser observada. Isto pode ser ilustrado pelo
significam (ou o que achavam que significam) caso da imagem de vidro reciclado, outro
se aproximam a algo sobre meio ambiente e/ exemplo de falha de controle na represen-
ou sustentabilidade. Em contrapartida, selos tação gráfica, na qual os participantes que
como DEMETER que não apresenta similari- responderam sobre seu significado relacio-
dade com aspectos diretamente relacionados naram a reciclagem e/ou jogar no lixo. No
ao meio ambiente, não controlaram respostas entanto seu objetivo é sinalizar que recipien-
relacionadas à sustentabilidade. Do ponto do te de vidro deve ser jogado naquele local. O
conceito de gradiente de generalização (Sério, que pode ser observado para essa classe de
Andery, Gioia & Micheletto, 2002), deve-se selos relacionados à reciclagem é um caso de
levar em conta a similaridade com o tema ao generalização inapropriada, pois as pessoas
propor uma representação gráfica para um os percebem como tendo apenas a função de
selo que contenha estímulos próximos tanto sinalizar reciclagem de forma geral, e não
do tema quanto da história de aprendizagem abstendo às suas particularidades, e isso
das pessoas, como por exemplo, conter uma pode estar relacionado à falta de campa-
árvore e uma palavra ou sigla com proximi- nhas efetivas de educação ambiental e da
dade à palavra sustentabilidade. própria coleta seletiva pública de lixo. Como
no caso de praças e ruas onde são colocadas
Como também pode ser observado na Tabela latas de lixos para separar lixo, e as pessoas
2, onde os participantes relataram mais não separam adequadamente, a coleta não é

246
COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

totalmente seletiva e não há divulgação dos Talvez o problema mais significativo esteja
destinos ou do retorno à sociedade deriva- relacionado à espera, que empresas e órgãos
dos deste padrão comportamental. Além do governamentais ou não tem em relação ao
mais, aqui entra um problema em relação consumidor se tornar consciente para que
à exposição, pois esses selos de reciclagem ocorra uma mudança nas escolhas por pro-
estão presentes em praticamente tudo que dutos sustentáveis. Diferentemente das pro-
se compra e que pode ser reciclado, levando postas tradicionais da psicologia em relação
à ineficácia de controle discriminativo do à consciência, as quais tem a consciência
próprio selo, tanto pela estrutura (repre- como um processo mental com um status
sentação gráfica) quanto pela função (não causal, do ponto de vista da análise do com-
sinaliza uma consequência efetiva). portamento estar consciente é descrever o
próprio comportamento e as condições que
Os resultados obtidos indicam ainda que, produziram tal comportamento (Simonassi,
talvez, pouco estejam adiantando as estra- 1999a, Simonassi, Cameschi, Coelho, Coelho
tégias de Marketing Verde e das empresas & Fernandes, 2011). No caso da sustentabili-
em colocar produtos diferenciados no mer- dade, o indivíduo estaria consciente quando
cado tendo em vista que os consumidores ao entrar em contato com um ambiente onde
não reconhecem a propriedade do estímulo está disponível uma variedade de produtos
que diferencia um produto sustentável de substitutos, escolhesse aquele com selo am-
seu substituto. Diminuir a quantidade de biental pelo fato de saber que aquele produto
selos e melhorar suas representações gráfi- agride menos o meio ambiente e com isso
cas poderia ser uma estratégia, pois mesmo estaria dando mais condições para gerações
com uma vasta quantidade de nomes para futuras poderem continuar a usufruir dos
os mais variados tipos de selos ambientais, recursos naturais. Atualmente, tem sido
como apontado por Kohlrausch, Campos e frequente campanhas pró-ambientais que
Selig (2004), existe concordância na lite- abordam o dizer, baseadas na descrição do
ratura de que os rótulos ambientais devam comportamento. Como a literatura demons-
ser precisos, verificáveis, relevantes e não tra, porém a correspondência entre o fazer
enganosos. Caso contrário, não serão efica- e o dizer é incrementada quando a corres-
zes, fazendo com que o consumidor não se pondência dizer-fazer é reforçada (Porto &
familiarize com questões ambientais. Selos Oliveira-Castro, 2013).
maiores, colocados em locais mais visíveis
e com textos e/ou imagens com maior pro- Além disso, estudos tem demonstran-
ximidade à função do selo podem elevar o do (Simonassi, 1999a; Simonassi, 1999b;
poder discrimativo desses selos. Para tanto, Borges, Todorov & Simonassi, 2006) que
a Análise Experimental do Comportamento o comportamento das pessoas é alterado
pode contribuir com pesquisas específicas mesmo antes dela descrever a relação entre
sobre a temática. seu comportamento e ambiente, ou seja, não

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COMPORTAMENTO Reginaldo Pedroso, Cristiano Coelho
EM FOCO VOL. 9

precisa estar consciente para que o ambiente Para finalizar, a busca por um padrão de
afete o comportamento das pessoas. Essa comportamento ambientalmente sustentável
mudança se dá a partir do contato com as apresenta-se hoje como uma necessidade.
consequências reforçadoras, o que acaba Infelizmente, muitas das consequências de
tendo uma função organizadora do compor- comportamento não sustentável são atrasadas
tamento verbal. Entretanto, deve-se levar e afetarão indivíduos e sociedades nas pró-
em consideração que ao ler a literatura geral ximas gerações. Isso faz necessário o uso de
sobre sustentabilidade, a proposta de esperar controle por estímulos verbais e não verbais
que a pessoa se torne consciente para depois para que comportamentos pró-ambientais au-
mudar seu padrão de compra, não é, a partir mentem sua frequência. Os selos de certifica-
de uma perspectiva analítico comportamen- ção têm um papel fundamental para sinalizar
tal, muito viável. A mudança no arranjo das e fortalecer um consumo com menor impacto
variáveis ambientais juntamente com regras sobre o meio ambiente. Porém, para cumprir
que, além de sinalizar, dê condição para que a sua função, os presentes dados mostram que é
pessoa entre em contato com consequências necessário que essa função discriminativa seja
reforçadoras pode ser uma estratégia mais estabelecida, fazendo com que o consumidor
efetiva na mudança do padrão de consumo passe a se comportar de forma mais efetiva
por produtos sustentáveis. das consequências sinalizadas por esses selos.

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251
Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

EM FOCO VOL. 9

Comportamentos registrados Sônia Maria Mello Neves


Pontifícia Universidade Católica de Goiás
em livro de ocorrências escolar: soniamelloneves@gmail.com
interpretação e categorização
Fábio Henrique Baia
Universidade de Rio Verde
Behaviors recorded in incidence report books:
fabio@unirv.edu.br
interpretation and categorization
Fernanda dos Santos Cerqueira
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
nandacerqueira-@hotmail.com
Resumo
João Claudio Todorov
Objetivos: Categorizar comportamentos violentos e não
Universidade de Brasília
violentos e analisar funcionalmente os categorizados
como violentos. Metodologia: Pesquisa documental joaoclaudio.todorov@gmail.com
que teve como fonte de informações o livro de ocor-
rências de uma escola municipal de ensino funda- Anna Carolina Gonçalves Souza
mental de Goiânia/GO. Resultados: Identificaram-se
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
329 ocorrências, sendo 181 classificadas como com-
annacarolina_1988@hotmail.com
portamentos violentos e 148 como não violentos. A
categoria “Desrespeitar” foi a mais frequente (50%)
seguida por “Agredir Fisicamente” (22%) e “Agredir Ivaldo Ferreira de Melo Junior
Verbalmente” (20%). Em somente 16% das ocorrências Pontifícia Universidade Católica de Goiás
foram identificados antecedentes e foram registradas
ifmelojr@hotmail.com
221 consequências, sendo as categorias “Encaminhar à
coordenação” (34%) e “Convocar o responsável” (41%)
as mais frequentes. Conclusões: A alta frequência de
episódios de violência e a descrição superficial das si-
Fundação de Amparo à Pesquisa
tuações que antecedem e resultam essas ocorrências
do Estado de Goiás (FAPEG)  
indicam necessidade de melhoria na descrição desses
episódios, permitindo assim que o livro de ocorrências
venha a ser instrumento útil para identificação das
variáveis determinantes contribuindo para o delinea-
mento de intervenção efetiva.

PALAVRAS-CHAVE

Comportamento violento; Análise Funcional;


Livro de Ocorrência; Escola

252
Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

EM FOCO VOL. 9

Abstract
Objectives: Categorizing violent and non-violent of violent episodes and the superficial description
behaviors and functionally analyzing those categori- of the situations that precede and result in these
zed as violent. Methodology: Document analysis using incidents indicate a need for improvement of these
the incidence report book from a municipal middle descriptions. This may accomplish incident report
school in Goiânia, Brazil. Results: We identified 329 books that are a more useful instrument to identify
incidents, 181 were classified as violent and 148 as determinant variables and contribute to designing
non-violent. The category “Disrespect” was most effective interventions.
frequent (50%), followed by “Physical Aggression”
(22%), and “Verbal Aggression” (20%). Only 16%
of incidents specified antecedents and 221 conse-
KEYWORDS
quences were recorded, such as “Send to director’s
office” (34%) and “Call parents” (41%), which were Violent Behavior; Functional Analysis;
the most frequent. Conclusions: The high frequency Incident Reports; School

Análise Funcional de
Comportamentos Violentos
registrados em Livro de
Ocorrências Escolar

Uma das formas mais eficazes do controle do Os membros das agências de controle atuam
comportamento de pessoas é exercido pelas com o objetivo de estabelecer um repertório
agências de controle social (governo, religião, bem determinado, de modo tal, que mesmo
psicoterapia, economia e educação). Estas na ausência do agente controlador, os indiví-
são geralmente bem organizadas e exercem duos continuem se comportando da maneira
controle sobre seus membros por meio de considerada adequada. A Escola é uma agência
reforçamento e punição de comportamentos. de controle, segundo Skinner (1953/2003)
Os membros do grupo no qual o indivíduo “Educação é o estabelecimento de compor-
está inserido reforçam os comportamentos tamento que seja vantajoso para o indivíduo e
adequados (isto é, atendem a critérios pre- para os outros em um tempo futuro” (p.437).
viamente estabelecidos pelo grupo), aumen- Nesta conceituação, é possível identificar três
tado a probabilidade destes voltarem a ocor- aspectos: o primeiro é que educar envolve a
rer, assim como punem os comportamentos atuação de alguém em relação a outrem; o
considerados inadequados, diminuindo à segundo aspecto refere-se ao fato de que o
probabilidade de recorrência destes com- comportamento a ser estabelecido deve ser
portamentos (Skinner, 1953/2003). vantajoso não apenas para o indivíduo alvo

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Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

EM FOCO VOL. 9

da ação educativa, mas também, para outros Do ponto de vista de alguns analistas do
indivíduos; e o terceiro aspecto refere-se ao comportamento existem várias deficiências
fato de que educar implica atuação temporal notáveis nos atuais métodos de ensino: um
dos agentes educativos ocorrendo no presente dos grandes problemas do ensino é o uso
para o estabelecimento de comportamento do controle aversivo (Todorov, 2001, 2011).
que deve ser vantajoso em um tempo futuro. Skinner (1953/2003) por exemplo, acredita
Nesse sentido, pode-se dizer que o estudan- que os professores, em sua maioria, não
te passa grande parte de sua rotina fazendo desejam usar esse tipo de controle, porém,
coisas para as quais não há reforços positivos por não conhecerem alternativas mais efi-
imediatos e que provavelmente não deseja cazes acabem fazendo uso da coerção. Por
fazer (Moroz, 1993). conseguinte, os alunos tendem a se com-
portar com a principal função de eliminar
A Escola, como instituição e agência de estimulação aversiva. Por exemplo, aten-
controle, tem como um de seus objetivos a dendo a mandos do professor, já que o não
transmissão de comportamentos. Por meio atendimento acarretaria em estimulação
de modelagem os membros dessa agência aversiva como a perda de pontos ou adver-
de controle tentam ampliar o repertório dos tências. Um dos efeitos do controle aversivo
aprendizes ao estabelecer diversos tipos de é o contra controle (Sidman, 1989/2001). O
controle de estímulos sobre ampla gama de contra-controle se caracteriza por emissão
comportamentos (Skinner, 1953/2003). Como de respostas que tem como função elimi-
agência de controle uma instituição educacio- nar ou diminuir o controle aversivo. Como
nal faz mais do que simplesmente transmitir exemplo, o estudante atrasa-se, falta, não
o conhecimento, ela deve ensinar o aluno a tem atenção às aulas (retirando reforçado-
pensar, estabelecer um repertório especial que res do professor), devaneia ou inquieta-se,
tem como efeito a manipulação de variáveis, esquece o lecionado, torna-se agressivo e
as quais encorajam o surgimento de soluções recusa-se a obedecer, exercendo assim o
para problemas (Moroz, 1993). Nas salas de contra-controle (Skinner, 1972). O contro-
aulas tradicionais, as contingências de refor- le-controle pode ainda envolver outros tipos
ço mais eficiente para controlar o estudante de estimulação aversiva para o comporta-
provavelmente estão além das capacidades de mento do agente de controle. Os membros
um professor. Pode-se afirmar que Skinner controlados passam a agir, inconformados,
propõe, enquanto projeto educacional, formar escapando dos controladores, ou então os
os alunos para o autogoverno intelectual, e atacando a fim de desmoralizá-los ou des-
isto é possível se os agentes educacionais tituir o poder que eles exercem sobre o
tiverem como foco de atuação planejada o grupo, seja de forma branda ou de forma
desenvolvimento de comportamentos precor- extrema (Skinner, 1974). Isso significa
rentes – isto é, comportamentos cuja função que, em longo prazo, o controle surtiu um
é tornar mais provável a ocorrência de outras efeito negativo e não previsto, a saber o
respostas (Moroz, 1993). contra-controle.

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COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

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O contra-controle pode assumir topografias aponta que o contra-controle é por vezes


típicas de comportamentos violentos. Segundo uma estratégia para modificação do ambiente
Catania (1999), um padrão agressivo pode ser aversivo e nesse sentido é um modo de criar
produzido ou ser modelado por contingências ambientes mais democráticos. É notável que
em vigor; como por exemplo no ambiente os comportamentos violentos dos alunos são
social, por meio de imitação ou controlado uma forma de contra-controle à violência a
por regras. Analistas do comportamento reco- qual são expostos. A Escola deveria identificar
nhecem que um ambiente aversivo é um fato. tais comportamentos violentos, as variáveis
Sidman (1989/2001) afirma que a aversividade que os determinam e modificar o ambiente
do ambiente está presente na natureza, como (diminuindo a aversividade) e ensinar aos
a ocorrências de desastres ambientais (como alunos a emissão de contra-controle sem
tempestades e furações), frio ou calor, etc. Até necessariamente envolver violência. Apesar
mesmo em ambientais sociais há ambiente das formas extremas de punição física serem
aversivo. Andery e Sério (1997), afirmaram proibidas atualmente, ainda é possível obser-
que, na sociedade, o controle aversivo é pre- var outras formas de punição como ameaça
dominante nas relações humanas, e que essa de reprovação ou exclusão social. Também é
mesma sociedade incentiva seus membros possível observar coerção sob a forma de im-
a fazerem uso da punição. Portanto, não é pedimento à acesso a reforçadores positivos
inesperado que o controla-controle ocorra como por exemplo, proibição de participação
com emissão de comportamentos violen- de atividades esportivas ou entretenimento
tos. Em um ambiente com muitos estímulos (Skinner, 1953/2003; 1972).
aversivos a esquiva e a fuga são as únicas
alternativas, produzindo pessoas passivas ou O fenômeno da violência escolar tem rece-
agressivas (Biglan & Cody, 2003; Biglan, 2015; bido especial atenção de diversos campos
Sidman, 1989/2001). como: o da Educação, das Ciências Sociais e
da Psicologia, com uma produção científica
Na Escola o contra-controle toma outras crescente (Vóvio, Ribeiro, Novaes & Bravo,
formas, tais como o vandalismo, o anti- 2016). Gomes e Martins (2014) apontam que
-intelectualismo e a simples inatividade. são inúmeros os tipos de conflito e violência
O estudante recusa-se a obedecer, em vez no espaço escolar. Gomes e Martins chamam
de realizar uma tarefa, este simplesmen- atenção para a dificuldade enfrentada por
te aceita o castigo como mal menor, o que membros de comunidades escolares em seu
pode ser considerado uma forma de fuga. cotidiano. Em geral tais situações de conflito
E algumas vezes uma forma de ataque cujo levam à violência verbal e física que inter-
objetivo é enfurecer o professor, resultan- fere na condução de atividades escolares,
do em sequelas emocionais como medo e resultando em sentimento de inseguran-
ansiedade, sendo estas, características da ça que tencionam as relações interpesso-
fuga e da esquiva e a raiva, do contra-a- ais entre membros da comunidade escolar.
taque (Skinner, 1972). Skinner (1953/2003) Uma destas estratégias mais utilizadas para

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COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

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registro da violência nas Escolas é o “Livros registros somente foi encontrado, na presen-
de Ocorrências”. Neste são registradas ocor- te revisão da literatura, o estudo de Santos
rências relativas à indisciplina e violência e Gomide (2014).
(Fonseca, Salles e Paula & Silva, 2014).
Santos e Gomide (2014), realizaram a análise
Por se tratar de um instrumento da gestão, de documentos para obtenção de dados sobre
os livros de ocorrência poderiam permitir a violência na escola a fim de respaldar a
compreender os episódios que conturbam o aplicação de um programa chamado “Justiça
cotidiano escolar. Para tanto, seria necessá- Restaurativa”. O estudo teve como objetivo
rio que os relatos fornecessem informações elaborar, aplicar e avaliar este programa em
necessárias como antecedentes, respostas e uma escola pública estadual localizada na
consequências. Também deveriam propiciar região metropolitana de Curitiba, Paraná.
a identificação dos alunos e demais membros Observou-se no Livro de ocorrências da
da comunidade escolar envolvidos nessas si- escola o registro de 353 comportamentos,
tuações e os procedimentos adotados (Vóvio destes 225 comportamentos classificados
et al., 2016). Entretanto, do modo como é re- como comportamento indisciplinar
alizado (apenas um relato superficial de todos e 128 comportamentos classificados
os eventos relativos a indisciplina) o livro de como comportamento antissocial. Entre
ocorrência acaba por gerar a necessidade de os comportamentos considerados
constante vigilância e controle sobre os edu- comportamento indisciplinar, o de maior
candos (Ratto, 2006; 2007). Além da função incidência foi desobedecer à autoridade (40%),
de controle do comportamento do aluno, este e entre os comportamentos classificados
recurso também é utilizado para resguardar o como comportamento antissocial foi agressão
professor e a escola de possíveis acusações, de verbal (34%). As autoras concluíram que a
questionamentos sobre alguma atitude dis- forma com que os episódios foram regis-
ciplinar tomada e os motivos que os levaram trados não favoreceu a categorização dos
a isto (Fonseca, Rodrigues & Antônio, 2012; comportamentos, pois, em alguns casos,
Ratto, 2007). sequer foi possível a identificação do com-
portamento do aluno devido a uma narrativa
Vários estudos já foram realizados sobre as evasiva, tampouco a identificação clara dos
diversas funções ou implicações do uso do antecedentes e consequentes dos comporta-
livro de ocorrências nas escolas brasilei- mentos registrados que permitissem a ava-
ras, incluindo sua utilização como fonte de liação funcional desses episódios.
análise do índice de violência nas mesmas
(Cunha, 2009; Fonseca et al., 2012; Fonseca A análise funcional é uma estratégia que
et al., 2014; Nascente, Luiz & Fonseca, 2015; permite compreender a determinação de
Nascimento, Dias e Souza & Azevedo, 2006; comportamentos (Skinner, 1953/2003). Isso
Ratto, 2006; Vóvio et al., 2016). No entanto, porque em uma análise funcional é possível
sob a perspectiva analítico funcional desses identificar a relação de dependência entre

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Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

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eventos e a regularidade entre variáveis de- descrição de contingências que fazem parte
pendentes e independentes (Chiesa, 2006). A da história do indivíduo, permitem trabalhar
definição de análise funcional é controversa. com um conjunto extenso de variáveis de uma
Diferentes definições têm sido propostas (ver única vez, possibilitando a predição de com-
Neno, 2003). O termo análise funcional é aqui portamentos futuros que poderão ser obser-
empregado como uma descrição do compor- vados e manipulados (Carrara, 2008).
tamento individual em termos operacionais.
Tal descrição operacional envolve especi- Partindo da possibilidade do uso da análi-
ficar as consequências do comportamento se de relatos verbais como potencial fonte
em termos funcionais, isto é, em termos de de informações, e compreendendo que uma
dependência entre respostas e eventos am- análise funcional é impossibilitada pela na-
bientais consequentes (i.e., produzidos pela tureza da fonte de dados (um relato verbal
resposta) e dos eventos ambientais antece- que indiretamente descreve eventos compor-
dentes (i.e., correlacionados a disponibilidade tamentais e ambientais) o presente estudo
de consequências) (Sturmey, 1996). foi realizado: (1) utilizando os relatos verbais
como fonte de dados para (2) proceder a uma
Sturmey (1996) sugere que um modo de obter interpretação das relações entre eventos am-
dados para condução de uma análise funcional bientais e comportamentais de modo a per-
é por meio da avaliação comportamental. A mitir (3) a compreensão da violência em uma
avaliação comportamental consiste no uso de escola municipal da cidade de Goiânia. Nesse
estratégias que forneçam informações indiretas sentido, o presente estudo pode ser caracte-
(isto é, sem observação direta do comporta- rizado como uma interpretação dos eventos
mento) para coleta de dados que pode fomen- registrados no Livro de Ocorrências com base
tar a análise funcional. Entre as estratégias nos conceitos da Análise do Comportamento.
apontadas por Sturmey estão o uso de produ-
tos permanentes e a condução de entrevistas Para atingir tais objetivos, buscou-se primei-
(seja com o emissor do comportamento alvo ramente identificar e categorizar os compor-
ou com pessoas que possam fornecer infor- tamentos violentos (isto é, agressões físicas e
mações sobre a emissão do comportamento). verbais) e não violentos registrados no livro
Por produtos permanentes entende-se “traços de ocorrência da escola; em seguida, identificar
ambientais de comportamentos como lixo, os tipos de antecedentes e consequentes dos
danificações, materiais escritos, produtos de episódios categorizados como comportamentos
trabalho ou comportamentos relacionados a violentos e a frequência de sua ocorrência, além
educação” (p.69). Nesse sentido o Livro de de identificar o contexto/ambiente físico em que
Ocorrências de uma escola poderia funcionar esses episódios ocorreram, a frequência de epi-
como material para avaliação comportamental sódios registrados por aluno identificado como
uma vez que possui relatos verbais (materiais protagonista dos comportamentos violentos e a
escritos). Os instrumentos que se baseiam em frequência em que os responsáveis pelos alunos
relatos são importantes por auxiliarem na compareceram à escola após convocação.

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Método

O presente estudo foi submetido e apro- funcional dos eventos registrados no Livro
vado pelo ao Comitê de Ética da Pontifícia de Ocorrências.
Universidade Católica de Goiás sob o pro-
tocolo nº 34169814.5.0000.0037. Após a 1ª Etapa – Elaboração de Categorias
aprovação do CEP a Secretaria Municipal de Comportamentais e Treino dos
Educação de Goiânia indicou uma escola com Categorizadores
alto índice de violência escolar. A escola indi-
cada era composta por uma comunidade com De posse das fotocópias do Livro de Registro
550 estudantes. A escola é localizada em uma uma pesquisadora leu os 329 eventos regis-
região considerada de vulnerabilidade – em trados e a partir destes eventos criou duas
função do alto índice de violência, segundo categorias: (1) Comportamentos Violentos
relato da Secretaria Municipal de Educação – e (2) Comportamentos não violentos. Os
da cidade de Goiânia. De posse do nome da Comportamentos violentos foram definidos
escola e da autorização prévia da Secretária como relatos no qual os eventos registrados
Municipal de Goiânia entramos em contato descreviam respostas que se enquadravam
com o Diretor da unidade de ensino e soli- nas subcategorias descritas na Tabela 1, a
citamos livre acesso ao livro de ocorrências saber: (a) desacatar – comportamento verbal
do ano de 2015. Com permissão do Diretor que envolvia palavrões emitidos pelo aluno
fotocopiamos todas as páginas do livro com como falante e tendo o professores, funcio-
a descrição de eventos registrados naquele nários ou outros alunos como ouvinte ou
ano. Por questões éticas não apresentaremos desobedecer às normas e regras e ordens
o nome da escola ou qualquer dado que possa emitidas por professores ou funcionários
identificar membros da comunidade escolar da escola; (b) agredir fisicamente - bater,
que participou desta pesquisa. chutar, morder, pisar, torcer, imobilizar e
socar qualquer parte do corpo de outra pessoa,
enforcar, derrubar ou tentar jogar outra
Material pessoa no chão, tocar em partes íntimas do
corpo de outra pessoa sem sua permissão ou
Foram utilizadas três cópias do Livro de jogar objetos de qualquer formato e tamanho
Ocorrências da escola, três computadores em outra pessoa podendo ser emitida entre
com MS-Excel, lápis, caneta e papel. quaisquer membros da comunidade escolar;
(c) agredir verbalmente - na qual a respos-
Procedimento ta envolvia ameaças verbais, discriminação
por cor, gênero ou sexualidade proferida por
Este estudo foi dividido em duas etapas: (1) pares, isto é de aluno para aluno, professor
elaboração das categorias comportamentais para professor ou servidor para servidor (d)
e treino dos categorizadores e (2) análise causar danos – produzir estragos em objetos

258
Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

EM FOCO VOL. 9

de outras pessoas ou patrimônio da institui- encontro em que os dois categorizadores es-


ção – como por exemplo, pichação de pare- tavam presentes. Neste encontro foram apre-
des ou rasgar páginas de livros. sentados os objetivos do estudo e as definições
de cada categoria e subcategoria (como des-
A categoria Comportamentos não violen- crito na Tabela 1). Os categorizadores realiza-
tos foi definida por situações no qual o re- ram questionamentos que foram esclarecidos
gistro do evento não descrevia relatos de pela pesquisadora responsável. Após sanar os
eventos que se enquadravam na categoria questionamentos a pesquisadora apresentou
Comportamentos violentos. Neste caso os registros fictícios, os quais os categorizadores
comportamentos envolvidos descreviam res- deveriam registrar como pertencente a uma
postas tais como não ter realizado a tarefa de das categorias e subcategorias. Os registros
casa, não utilizar o uniforme escolar, atra- dos categorizadores eram comparados entre
palhar a aula, etc. A Tabela 6 apresenta uma si e com o registro da pesquisadora. Apenas
descrição detalhada destes eventos. quando os três registros concordavam em
todos os exemplos é que foi considerado que
Vale ressaltar que as categorias criadas eram o treino de categorias havia sido concluído.
auto-excludentes. No caso das subcategorias
de comportamento violento a prioridade foi Ao final do treino de categorias comporta-
respectivamente: agredir fisicamente sobre mentais a pesquisadora forneceu as foto-
desacato; desacato sobre agressão verbal cópias do Livro de Ocorrências com os 329
e agressão verbal sobre causar danos. Foi registros e solicitou que os categorizadores
necessário estabelecer prioridade já que realizassem em separado (isto é, sem comu-
em algumas situações o registro envolvia a nicação) o registro em uma planilha do MS-
descrição tanto de agressão física quanto de Excel classificando os eventos nas categorias
agressão verbal. Já no caso das subcategorias e subcategorias. A partir da categorização e
de comportamento não violento o critério identificação dos comportamentos violentos e
utilizado foi o evento que primeiro apare- não violentos, foi comparada a concordância
cesse no registro. Por exemplo, se o relato entre os avaliadores de acordo com a frequên-
descrevesse “o aluno estava usando o celular cia identificada para cada comportamento. O
ao invés de realizar a tarefa.” o evento seria índice de concordância entre categorizadores
registrado como uso de celular. foi calculado por total de acordos dividido pela
soma de acordos e desacordos multiplicado
Após a criação das categorias foi realizado o por 100. O índice obtido foi de 75%. Após a
treino de categorizadores. Dois categoriza- contabilização do índice de concordância dos
dores (estudantes de mestrado do curso de categorizadores foi iniciada a segunda etapa
Psicologia, com experiência prévia em pes- deste estudo, onde foram considerados todos
quisa) foram treinados para identificar os os episódios identificados pelo categorizador
episódios comportamentais registrados no que identificou o maior número de episódios
livro de ocorrências. O treino envolveu um comportamentais categorizados.

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COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

EM FOCO VOL. 9

2ª Etapa – Análise Funcional dos eventos Resultados


registrados no Livro de Ocorrências
A Tabela 1 apresenta as subcategorias de
O objetivo desta etapa foi verificar se os comportamentos violentos e a Tabela 2 as
eventos registrados no Livro de Ocorrências subcategorias de comportamentos não vio-
poderiam ser compreendidos em função lentos, suas respectivas descrições operacio-
das relações entre respostas e eventos am- nais, além da frequência e a porcentagem de
bientais. Desse modo seria possível tentar ocorrência de cada uma das subcategorias de
identificar variáveis determinantes para comportamentos violentos e não violentos.
ocorrência da violência na escola. A pes-
quisadora responsável criou uma outra Categorias Frequência (%)
planilha que foi preenchida por ela e pelos Desrespeitar 91 50
dois categorizadores concomitantemente. Agredir fisicamente 40 20
A planilha possuía campos relativos à (1) Agredir Verbalmente 37 20
Causar danos 13 7
o contexto/local de ocorrência do episódio
Total 127 100
(2) o agente emissor do comportamento; (3)
eventos ambientais antecedentes, definidos Tabela 1. Relação das categorias de comportamentos
como eventos ambientais que antecederam violentos, sua respectiva frequência e porcentagem.

as respostas registradas e sinalizavam a re-


lação condicional entre respostas e eventos Dos 329 registros presentes no Livro de
consequentes, (4) comportamentos emi- Ocorrências, 181 foram classificados como
tidos pelo indivíduo conforme descrito no comportamentos violentos. Como pode
livro de ocorrências e (5) consequências – ser observado na Tabela 1 a categoria
eventos ambientais que ocorriam em função “Desrespeitar” foi a mais frequente, cor-
das respostas emitidas. Esse procedimento respondendo a 50% dos episódios violentos
buscou identificar as relações de dependên- registrados no Livro de Ocorrências, segui-
cia entre eventos. da das categorias “Agredir Fisicamente” e
“Agredir Verbalmente” que apresentaram
Em um encontro a pesquisadora e os dois ca- percentuais aproximados (22% e 20%, res-
tegorizadores preencheram os campos com a pectivamente). “Causar danos” aparece
análise de um registro fictício. Após o preen- como a categoria menos frequente com
chimento foram discutidas possíveis dúvidas apenas 13% do total de comportamentos
dos categorizadores. Sanadas as dúvidas os violentos. Como os registros foram classifi-
categorizadores e a pesquisadora preenche- cados em subcategorias, cuja descrição ope-
ram conjuntamente a planilha procedendo a racional envolvia diferentes topografias de
análise dos 329 registros contidos no Livro respostas, foi realizada análise da frequência
de Ocorrências. desses episódios em termos da topografia.

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Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

EM FOCO VOL. 9

A Tabela 2 apresenta a frequência das dife- A categoria “Chamar a atenção do aluno”


rentes topografias membro da classe “des- foi apontada com maior frequência, porém,
respeitar”, além dos eventos ambientais em somente seis dos registros classificados
antecedentes e consequentes para cada ca- como antecedentes descritos no livro. Já em
tegoria. Dos 91 eventos categorizados como relação ao relato de ocorrência dos “Tipos
desrespeitar, 54 referem-se a desrespeito de Consequentes”, foram identificadas 106
às Normas e Regras da Escola, 31 ocorrên- emissões destes, ou seja, houve situações em
cias descrevem situações de desrespeito ao que mais que um tipo de consequência foi
professor, 5 de desrespeito a funcionários apresentada para um só episódio compor-
e somente 1 aponta o desrespeito entre os tamental categorizado como “Desrespeitar”.
próprios alunos. Em relação a essa catego- As consequências “Escola convocou o res-
ria de comportamentos, pode-se identificar ponsável” e “Encaminhou à coordenação”
ainda que foram raras as ocasiões (10%) foram as mais frequentemente registradas
em que se registrou os eventos que antece- no Livro de Ocorrências com frequência de
deram a emissão desses comportamentos. 57 e 31 vezes, respectivamente.

Categoria Tipos de
Frequência Frequência Tipos de Consequentes Frequência
Desrespeitar Antecedentes

Normas e regras Aluno foi cha- Escola convocou o


54 6 57
da escola mado atenção responsável

Encaminhou
Aluno professor 31 Ordens 2 31
coordenação

Aluno foi
Aluno funcionário 5 1 Aluno foi advertido 7
orientado

Lanche fora da
Aluno aluno 1 1 Orientou responsável 4
escola

Orientou aluno 2

Responsável orientado
a procurar o Conselho 2
tutelar

Responsável orientado a
1
procurar um psicólogo

Foi chamado atenção 1

Aluna ligou para sua mãe 1

Total 91 10 106

Tabela 2. Frequência de comportamentos pertencentes à Categoria Desrespeitar (normas e regras da escola, aluno-pro-
fessor, aluno-funcionário e aluno-aluno) e frequência dos diferentes tipos de antecedentes e consequentes relatados
como relacionados à emissão destes.

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COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

EM FOCO VOL. 9

Categoria Tipos de
Frequência Frequência Tipos de Consequentes Frequência
Agredir Fisicamente Antecedentes

Desentendimento Escola convocou


Aluno aluno 38 4 19
entre alunos responsável

Encaminhado à
Aluno professor 2 Agressão física 1 18
coordenação

Não uso de
1 Aluno foi advertido 4
medicamento

Interação com
1 Suspensão 3 dias 4
o colega

Orientação aluno 3

Responsável orientado
2
procurar psicólogo

Retirou o recreio do aluno 1

Responsável orientado
1
procurar Conselho tutelar

Responsável orientado
1
levar aluno ao CAIS

Total 40 7 54

Tabela 3. Frequência de comportamentos pertencentes à Categoria Agredir Fisicamente (aluno-aluno, aluno-professor)


e frequência dos diferentes tipos de antecedentes e consequentes relatados como relacionados à emissão destes.

A Tabela 3 apresenta a frequência dos regis- à coordenação”. Nos demais registros houve
tros classificados como envolvendo a categoria grande diversificação do tipo de consequência
agredir fisicamente. Em geral a agressão física liberadas pela escola para episódios de agres-
envolveu conflitos entre alunos. Vale destacar são física. Na Tabela 4 é possível observar as
que foi possível categorizar ao menos dois categorizações de registros classificados como
episódios nos quais um aluno agrediu um pro- envolvendo agressão verbal. Em geral os re-
fessor. Nas situações nas quais foram possíveis sultados são similares aos da categoria agredir
identificar os eventos ambientais antecedentes, fisicamente. A maioria dos episódios envolveu
na maioria das vezes, o registro descrevia que agressões entre alunos. Porém a frequência de
um desentendimento entre alunos havia ocor- agressões de alunos a professores foi maior
rido. Em relação aos eventos consequentes foi – 11 ocorrências. O evento antecedente mais
possível perceber que “chamar o responsável frequente foi “chamar a atenção do aluno”.
pelos alunos envolvidos na agressão” foi a con- Novamente as consequências mais frequentes
sequência mais comum em casos de agressão foram respectivamente, “encaminhar à coor-
física seguida da consequência “encaminhar denação” e “chamar o responsável”.

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Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

EM FOCO VOL. 9

Categoria
Agredir Frequência Antecedentes Frequência Consequentes Frequência
Verbalmente

Desentendimento Encaminhado à
Aluno aluno 19 4 20
entre alunos coordenação
Escola convocou o
Aluno professor 11 Agressão física 3 11
responsável
Não uso de Aluno foi chamado
Aluno Funcionário 7 2 3
medicamento atenção
Interação com Responsável orientado a
1 3
o colega procurar um psicólogo
Coordenadora foi chama-
2
da à sala de aula
Orientação ao
1
responsável
Suspensão por 3 dias 1
Orientação ao aluno 1
Retirou o recreio do aluno 1
Total 37 10 44

Tabela 4. Frequência de comportamentos pertencentes à Categoria Agredir Verbalmente (normas e regras da escola,
aluno-professor, aluno-funcionário e aluno-aluno) e frequência dos diferentes tipos de antecedentes e consequentes
relatados como relacionados à emissão destes.

A Tabela 5 apresenta a frequência dos regis- “Não realizar tarefas” e “Atrapalhar a aula”
tros categorizados como “causar danos”. De foram as categorias mais registradas como
modo geral os danos foram causados mais não violentas. Vale destacar que a categoria
à escola do que aos pertences de outros “usar drogas” correspondeu à apenas 4% das
alunos. Não houve danos a propriedades de ocorrências. Em relação ao contexto/ambiente
professores e funcionários. Em apenas três físico “Sala de aula” foi o de maior frequência.
registros foi possível identificar o evento an-
tecedente. Nesses casos, em cada registro Dada a frequência com que o evento “chamar
o evento antecedente foi diferente. Já em responsável a escola” apareceu nos registros
relação às consequências novamente “en- foi realizada a verificação da correspondência
caminhar à coordenação” e “chamar o res- entre esse registro e o comparecimento dos
ponsável foram os registros mais frequentes. responsáveis. Essa checagem foi realizada
por meio de registros de comparecimento.
Os episódios não violentos foram categoriza- Das 92 vezes em que foram registradas as
dos em 148 registros como pode ser observa- convocações após episódios de violência ob-
do na Tabela 6. Em relação aos registros dos servou-se que em 61 delas (66%) os respon-
comportamentos não violentos, as categorias sáveis compareceram.

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Categoria Tipos de Tipos de


Frequência Frequência Frequência
Causar Danos Antecedentes Consequentes

Interação com o Encaminhado à


Danos à escola 10 1 20
colega coordenação
Danos a pertences Aluno foi chamado Escola convocou o
3 1 11
pessoais atenção responsável
Desentendimento
1 Orientação ao aluno 3
entre alunos
Aluno foi advertido 3
Coordenadora foi cha-
2
mada à sala de aula
Orientação ao
1
responsável
Aluno foi advertido 1
Suspensão por 3 dias 1
Total 13 3 17

Tabela 5. Frequência de comportamentos pertencentes à Categoria Causar Danos (depredação a escola, danos a pertences
pessoais) e frequência dos diferentes tipos de antecedentes e consequentes relatados como relacionados à emissão destes.

Categorias de Comportamentos Não Violentos Frequência (%)

Não realizar tarefas: Não realizar atividades propostas pelos professores em sala de aula ou para
488 32
serem feitas em casa e não realizar atividades propostas pela escola.
Atrapalhar a aula: Conversar e brincar durante a aula com colegas de dentro ou do lado de fora
da sala de aula. Assoviar dentro da sala de aula. Gritar ou conversar alto com um colega. Fazer
barulho com as mãos, batendo em alguma coisa ou falando sozinho de forma que atrapalhe o
43 29
trabalho do professor e dos colegas, chamando atenção para si. Fazer com que atenção dos co-
legas e do professor se volte à um objeto específico não relacionado com o tema da aula. Entrar
em outras salas durante as aulas de outros professores que não seja a do aluno.
Faltar com zelo em relação aos materiais escolares: Não levar livros e/ou matérias escolares
20 14
necessários para as aulas. Desorganização com os materiais escolares.
Apresentar baixo rendimento escolar: Tirar notas baixas, demonstrar incapacidade de realizar
13 9
tarefas escolares, dificuldades de aprendizagem em relação aos conteúdos escolares
Produzir situações aversivas no relacionamento interpessoal: Entrar em conflito e gerar intrigas com
9 6
colegas. Demonstrar nervosismo, falta de educação e arrogância ao se relacionar com outras pessoas.
Usar drogas: Relatos e suspeitas do uso de drogas dentro e fora da escola. 5 4
Usar celular: Fazer ou atender ligações durante as aulas. Usar aparelhos celulares para conectar à
3 2
internet ou mandar mensagens durante as aulas.
Fazer comentários com conteúdo sexual: Conversas sobre relatos de relação sexual e com con-
3 2
teúdos pornográficos em público.
Sentir-se mal: Sentir mal-estar corporal dentro ou fora da sala de aula. Desmaiar ou ficar inconsciente. 2 1
Relacionar-se com intimidade física: Beijar colega dentro do ambiente escolar. 2 1
Total 148 100

Tabela 6. Relação das categorias de comportamentos não violentos, sua respectiva frequência e porcentagem.

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Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

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Discussão

Os resultados obtidos a partir da leitura e Nesse sentido vale destacar que o presente
categorização dos episódios relatados ver- estudo envolveu uma interpretação dos re-
balmente no Livro de Ocorrências permiti- gistros comportamentais presente no Livro
ram conhecer alguns aspectos da realidade de Ocorrências. Dada a impossibilidade de
da violência experienciada por membros de acesso direto ao comportamento e em função
uma escola pública inserida em um território das ocorrências terem sido registradas de
de vulnerabilidade. Estes relatos facilitaram modo incompleto, não foi possível proceder
a análise do fenômeno, permitindo identifi- uma análise funcional do comportamento. O
car possíveis relações de dependência entre o uso da interpretação não é novo na Análise
comportamento violento dos alunos e even- do Comportamento. Skinner (1957) fez uso
tos ambientais. O relato verbal é, portanto, de interpretações para compreender o com-
considerado um dado que se apresenta útil portamento verbal. É necessário que as in-
para interpretação dos fenômenos compor- terpretações sejam amparadas por conceitos
tamentais (Neno, 2003). desenvolvidos com base em estudos empíri-
cos, especialmente de caráter experimental.
A análise documental ofereceu a possibili-
dade de interpretação dos registros ao serem Outro ponto de limitação deste trabalho en-
categorizados. Entretanto, é preciso consi- volve a definição do que é um comportamen-
derar com cuidado os resultados apontados to violento. Isso porque a variabilidade na
neste estudo. Isso porque os registros não compreensão do que é um comportamento
são produtos diretos dos comportamentos violento ou não, é determinado por diferen-
descritos no Livro de Ocorrências. De fato, tes realidades sociais. A categorização dos
os registros podem no máximo serem con- eventos registrados no livro de ocorrências
siderados como produto do comportamento de uma escola permite identificar que tipos
de quem redige os registros. Essa limitação de episódios mostram-se relevantes para
é exatamente importante a ser considerada esta comunidade, ou seja, que tipos de even-
pelo leitor. Entretanto, é preciso destacar tos conturbam o seu ambiente, comprome-
que o Livro de Registros pode tornar-se tendo a segurança e intervindo na qualidade
uma importante ferramenta para diagnós- das relações interpessoais do cotidiano da
tico situacional da violência nas escolas. Para escola. Também permite comparar os dados
tanto, seriam necessários treinos do com- obtidos em diferentes estudos, caracteri-
portamento de registrar tanto para professo- zando como a violência ou indisciplina se
res quanto funcionários. A correspondência manifestam em diferentes ambientes esco-
verbal fazer – dizer, a acurácia do tato são lares (Vóvio et al., 2016). Porém, é preciso
fatores importantíssimos para que o Livro de ainda considerar que o Livro de Ocorrências
Ocorrências seja uma ferramenta mais eficaz é utilizado mais como uma forma de coagir
para mensuração da violência nas escolas. o estudante. O registro de comportamentos

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Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

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depende de um julgamento moral por parte Além das categorias de comportamentos vio-
de quem registra. Pode ser que o livro seja lentos, também foi identificado um número
usado mais como um modo de suprimir expressivo de episódios que foram catego-
comportamentos do que permitir um re- rizados pelos pesquisadores como inapro-
gistro do que ocorre na escola. O uso do priados. Em outros estudos, (Cunha, 2009;
Livro de Ocorrências como um instrumen- Fonseca et al, 2012; Santos & Gomide, 2014;
to para suprimir comportamentos denota Vóvio et al., 2016) estes são identificados
a incapacidade da comunidade escolar em como indisciplinares. Mas vale questionar
programar contingências que promovam se episódios como “passar mal” deveriam
comportamentos pró-estudo e pró-sociais. ser considerados indisciplina.

Vale destacar que o modo como a interpreta- No presente estudo, observamos maior fre-
ção foi possível neste trabalho não permite, quência de ocorrência de comportamentos
por exemplo, determinar se dada consequ- considerados violentos do que não violen-
ência de fato controla o comportamento. O tos corroborando os dados encontrados por
que foi realizado é uma interpretação por Cunha (2009) e por Vóvio et al. (2016), cujas
meio da contiguidade entre eventos des- pesquisas também foram realizadas em es-
critos no registro. É sabido que no caso de colas da rede pública municipal de grandes
controle coercitivo existem ao menos duas centros urbanos, localizadas em regiões,
contingências que precisam ser considera- descritas pelos autores, com alto índice de
das. A saber (1) do comportamento passível violência. Diferentemente dos achados do
de punição e (2) do comportamento do pu- presente estudo onde episódios categorizados
nidor. Neste estudo não foi possível detec- como “Desrespeito” foram mais frequentes
tar eventos ambientais que determinaram o que a “Agressão Física” e “Agressão Verbal”,
comportamento dos punidores – isto é, quais em ambos os trabalhos citados acima, episó-
eventos estão relacionados na determinação dios de agressão física lideraram nos relatos
do comportamento de registrar episódios no dos livros de ocorrência. Os relatos utiliza-
Livro de Ocorrências. dos nesta análise não permitiram identificar
outras variáveis que possam explicar essas
As categorias identificadas no presente diferenças, mas apontam para a urgência de
estudo mostraram que comportamentos medidas que visem conter os altos índices
como desrespeito, agressão física, verbal e de comportamentos considerados violen-
causar danos são frequentes relatados pelos tos e que também sejam adotadas medidas
agentes disciplinadores e foram considera- preventivas para que episódios de violência
dos violentos já que implicam o uso de força física não venham a sobrepor os outros tipos
física ou poder, ameaçados ou reais, contra de violência já identificados.
si mesmo, contra outra pessoa ou contra um
grupo ou comunidade, que possam resultar Observou-se, no entanto, maior número
em ferimento, morte ou dano psicológico. de comportamentos indisciplinados que

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Sônia M. M. Neves, Fábio H. Baia, Fernanda dos S. Cerqueira,
COMPORTAMENTO João Claudio Todorov, Anna C. G. Souza, Ivaldo F. de Melo Junior

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violentos nos estudos de Santos e Gomide comportamentos, entendendo que essa análise
(2014), Nascimento et al. (2006) e Nascente nos permite averiguar a determinação desses
et al. (2015). O fato de Nascente et al. (2015) comportamentos (Catania, 1999). Nesse sen-
e Nascimento et al. (2006), conduzirem seus tido, a análise funcional dos episódios de vio-
estudos em escolas do interior dos estados de lência identificados no presente estudo, assim
São Paulo e Minas Gerais, respectivamente, como o relatado por Santos e Gomide (2014)
indica uma importante diferença contextu- evidenciou, principalmente, que o registro
al, muito discutida na literatura e na mídia, dos episódios carecem de informações sobre
que apontam a formação de grandes centros os antecedentes, ou seja sobre as circunstan-
urbanos como preditores do aumento da vio- cias que geram essas ocorrências. No presente
lência (Kaztman, 2001) e correlacionado este estudo dos 181 eventos registrados no Livro
fenômeno a baixa qualidade das oportunidades de Ocorrência e categorizados como compor-
educativas para aqueles situados nas periferias tamentos violentos apenas em 30 (16,5% dos
das metrópoles (Érnica & Batista, 2012). registros) foi possível identificar descrição de
evento antecedente. Havia 40 ocorrências de
Segundo Mattaini (1996), o comportamento comportamentos violentos do tipo agredir fi-
violento deve ser analisado como uma prati- sicamente e em apenas sete registros o evento
ca cultural, composta por contingencias en- antecedente foi descrito (ver Tabela 3). Chama
trelaçadas. O comportamento violento é uma atenção o fato de que mesmo em casos de
prática em nossa cultura e sociedade onde comportamentos violentos – como agressão
aprendemos através de modelos e instrução física – o registro não envolveu a descrição
a emitir o comportamento violento, o qual é de eventos antecedentes o que dificulta com-
mantido pela cultura através de reforçamen- preender por exemplo quais situações estão
to positivo e negativo. Análises culturais do envolvidas na determinação deste comporta-
comportamento violento podem, portanto, mento. Por outro lado, em dois dos três re-
ajudar a identificar as várias e complexas gistros de danos a pertences de outros alunos
relações que nos permitirão compreender e foi realizado o registro do evento antecedente
intervir não só no âmbito do comportamento (ver Tabela 5). Na subcategoria “desrespeitar”
do indivíduo como da sociedade. nota-se que os eventos categorizados como
“Normas e regras da escola” foram poucos os
Diferentemente de outros estudos que tive- registros nos quais foi possível identificar o
ram como fonte de dados os livros de ocor- evento antecedentes. Nestes casos de registro
rências, visando compreender o fenômeno da do antecedente todos envolveram o professor
violência escolar acima citados, as pesquisas “chamar a atenção do aluno”. Entende-se que
analítico funcionais se interessam não só com a atitude do professor de chamar a atenção do
a descrição topográfica dos eventos compor- aluno pode ter funcionado como um estímulo
tamentais, mas se atentam principalmente discriminativo para uma resposta violenta por
com a identificação dos eventos ambientais parte do aluno nessas ocasiões. Porém, como
antecedentes e consequentes na emissão dos destacado anteriormente é preciso considerar

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as limitações que s interpretações imputam consequências, da forma como são descritas,


sobre este tipo de afirmação. De todo modo, parecem bem genéricas e provavelmente, na
caso a interpretação esteja correta é possível sua prática, não gerem um efeito duradou-
afirmar que o comportamento de desrespei- ro na diminuição da frequência de emissão
tar por parte do aluno possa configurar um dos comportamentos dos alunos, visto que
contra-controle como apontado por Sidman o problema da violência escolar permanece.
(1989/2001). Assim, faz-se necessário iden- A convocação dos pais ou a ida à coorde-
tificar a forma como esse professor chama nação, normalmente são considerados es-
a atenção do aluno e em que circunstancias tímulos aversivos para os alunos e podem
isso ocorre para que sejam desenvolvidas ter um efeito temporário sobre a emissão
estratégias para minimização desses episó- desses comportamentos, mas, certamente,
dios. Entretanto, o conteúdo dos registros não devem ser esses os eventos responsáveis
não permitiu esse tipo de análise, já que em pela manutenção dessas práticas, a não ser
geral apresentava-se apenas o termo “após que tenham valor reforçador para alguns.
o professor chamar sua atenção...”. Conclui-se então que apesar da frequência
em que se identificou consequentes regis-
Outro ponto importante para uma análise trados nos livros de ocorrência, estes não
funcional é a identificação das consequências são suficientemente elucidativos para a
para os comportamentos analisados. Essa compreensão dos reais mantenedores dos
identificação é de fundamental importância comportamentos problema. No entanto, a
para a compreensão da emissão e manu- análise nos permite entender que os pro-
tenção de um comportamento. No presente fessores e gestores da escola lançam mão
estudo um dos objetivos era identificar esses principalmente de estímulos socialmente
episódios. Observou-se primeiramente que entendidos como aversivos, na tentativa
o relato dos consequentes superou o número controle dessas situações.
de episódios violentos registrados no livro de
ocorrências, sendo “Escola convocou o res- Observa-se também que os alunos protago-
ponsável” e “Encaminhou a coordenação” as nistas da violência na escola representam 12%
categorias mais frequentemente registradas do total de alunos matriculados e, ao anali-
para todos os tipos de comportamentos vio- sarmos a recorrência de emissão de compor-
lentos identificados. Nos estudos de Cunha tamentos violentos por aluno, percebe-se que
(2009) e Fonseca et al. (2012) também foi um pouco mais da metade só aparece no livro
relatado que o tipo de consequência mais uma vez. Isto indica a possibilidade de que as
encontrado nos livros de ocorrências foi a consequências administradas, apesar de não
convocação dos responsáveis. resolver os casos mais graves, seja o suficien-
te para que a forma como a escola lida com
Apesar da importância dada pela escola esses problemas, seja mantida. Em relação ao
estudada, ao registro do que ocorre após local mais frequente, evidenciou-se a sala de
a emissão desses comportamentos, as aula. Portanto, existe um local mais propicio

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e um pequeno e especifico grupo de alunos foi uma das consequências mais frequentes
responsáveis pela alta frequência desse tipo dada emissão dos episódios de violência.
de prática nessa escola. Porém, é preciso considerar que isso não
significa que as famílias estejam presen-
Em relação aos protagonistas, os dados do tes na comunidade escolar. É possível que
presente estudo, corroboram os de Fonseca tenha ocorrido uma espécie de “devolução
et al. (2012). Nas duas escolas investigadas do problema” para os responsáveis. A Escola
naquele estudo, 9% e 12% do total de alunos deveria ser capaz de auxiliar no ensino de
dessas instituições apareceram como sujei- comportamentos pró-sociais. E não apenas
tos desses episódios de violência. Deve-se imputar aos responsáveis legais como os
considerar um grupo alvo no delineamento únicos responsáveis pelo ensino de habili-
de uma intervenção efetiva e levar em con- dades sociais e comportamentos pró-sociais.
sideração aspectos específicos do contexto O estreitamento da relação família escola é
de sala de aula. Além disso, casos específicos frequentemente apontado na literatura como
como o identificado nesse estudo, em que um importante e frágil aspecto para lidar
dois alunos que aparecem mais de 10 vezes com as mais diversas situações problema na
nos registros, indicam a necessidade de in- escola (Fonseca et al., 2012).
tervenção comportamental individualizada.
Certamente, o comportamento violento de Biglan e Glenn (2013) afirmam ser necessária
poucos alunos pode comprometer a sensação a identificação das variáveis controladoras
de segurança e bem-estar de todos os mem- do comportamento violento na escola e os
bros da comunidade escolar (Fonseca et al., autores descrevem algumas formas de pro-
2012). É preciso ainda considerar a limitação mover um ambiente que favoreça compor-
nestes estudos uma vez que os alunos são tamentos pró-sociais (comportamento que
sempre os protagonistas de atos de violência contribui positivamente para a sociedade e/
já que cabe aos professores e funcionários o ou o próprio indivíduo), nos diversos seto-
registro de eventos no Livro de Ocorrências. res da sociedade, como a família e a escola,
Nesse sentido, os alunos não podem registrar ressaltando a importância do reforçamento
os episódios em que são vítimas da violência dos comportamentos pró-sociais e seu re-
perpetrada por professores e funcionários. conhecimento pela sociedade.
Um modo de compreender a violência a qual
alunos estão sujeitos seria considerar que o Mattaini e McGuire (2006) afirmam que vários
contra-controle é um sintoma de um am- programas de treinamento de habilidades
biente aversivo. Deste modo, alta frequência universais e alguns programas comunitários,
de contra-controle poderia estar correlacio- parecem ter a promessa significativa para a
nado a ambientes coercitivos. operacionalização da diminuição da violên-
cia, porém as estratégias comportamentais
A participação da família na tentativa de básicas (por exemplo, treinamento de ha-
lidar com o problema da violência escolar bilidades, aumentos substanciais no reforço

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positivo para o comportamento pró-social, Mattaini e McGuire (2006) como estratégias


a moderação de aversivos, e a avaliação sis- básicas para diminuir os índices de violência
temática) parecem estar no centro das in- observados no presente estudo. Porém, para
tervenções efetivas que foram identificadas. que o Livro de Ocorrências torne-se mais do
que uma mera estratégia punitiva, seria ne-
As informações obtidas na interpretação dos cessário aprimoramento dos profissionais e da
eventos relatados no Livro de Ocorrência podem própria ferramenta. Nesse sentido, o Livro de
fornecer importantes dados para o desenvol- Ocorrência deveria ter campos que versassem
vimento de um programa de intervenção a ser sobre eventos antecedentes, consequentes,
implantado em escolas, e parecem estar em emissores e outras informações relevantes
consonância com os pontos ressaltados por para compreensão dos eventos ali registrados.

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Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto,
COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

Famílias e Drogas: Analistas do Elizeu Batista Borloti


Universidade Federal do Espírito Santo
Comportamento em uma Política borloti@hotmail.com
de Educação Permanente Fabiana Pinheiro Ramos
Universidade Federal do Espírito Santo
Families and Drugs: Behavioral Analysts fabiana.ramos@ufes.br
in a Permanent Education Policy
Silvia Campos Brunetti Spagnol
Universidade Federal do Espírito Santo
Universidade Federal do Espírito Santo

Caroline de Paula Corrêa Bezerra


Resumo Instituto de Ensino Superior e Formação
Políticas públicas podem ser entendidas por meio Avançada de Vitória
da análise comportamental da cultura. No caso do carolinecorrea.psicologia@gmail.com
enfrentamento ao uso de drogas é possível, a partir
da legislação vigente, propor estratégias educativas
executadas por Centros Regionais de Referência. Este
capítulo descreve o processo formativo “Teoria e
Instituições de Fomento: Secretaria Nacional de
Prática em Intervenções com Familiares de Usuários Políticas Sobre Drogas e Ministério da Justiça
de Drogas”, coordenado por analistas do comporta-
mento, no qual foram capacitados 43 profissionais dos
Sistemas Únicos de Saúde e de Assistência Social, nos
seguintes temas: impacto do uso de drogas na família,
avaliação do perfil comportamental colaborativo dos
familiares e proposição de intervenções para as famí-
lias. O ensino pautou-se por discussão intersetorial
e interdisciplinar de casos, por meio da estratégia de
aprendizagem baseada em problemas com drogas. A
formação proporcionou mudanças na percepção sobre
família, autoconfiança na intervenção com familiares,
e construção da rede de atenção intersetorial, confor-
me dados dos diversos instrumentos aplicados antes,
durante e após o processo formativo.

PALAVRAS-CHAVE

Prática cultural; Educação permanente; Política pública;


Dependência química; Família.

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Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto,
COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

Abstract
for the families. The teaching was based
Public policies can be understood through on an intersectoral and interdisciplinary
the behavioral analysis of culture. In the discussion of cases, through a learning
case of drug use policies, it is possible to strategy based on drug problems. The
propose educational strategies, implemented training provided changes in the perception
by Regional Reference Centers. This chapter about family, self-confidence in intervention
describes the formative process “Theory with family members, and construction of
and Practice in Interventions with Families the intersectoral care network, according to
of Drug Users”, coordinated by behavior data from the various instruments applied
analysts, in which 43 professionals from before, during and after the training process.
the Unified Health and Social Care Systems
were trained in the following topics: impact
of drug use in the family, evaluation of KEYWORDS
the collaborative behavioral profile of the
Cultural practice; Permanent education; Public policy;
relatives, and proposition of interventions Chemical dependency; Family.

Análise do comportamento e
políticas públicas
A análise comportamental da cultura foi da seleção cultural do comportamento de
iniciada no livro Ciência e Comportamento grupos (Skinner, 1981).
Humano (Skinner, 1953), desenvolveu-se
nos anos de 1980 e 1990, e aperfeiçoou-se Em meados dos anos de 1980, Glenn (1986)
nos últimos anos com uma robustez teó- propôs o conceito de metacontingência e,
rico-metodológica que permite entender o em seguida, formulou novos conceitos, tais
surgimento, a manutenção, a modificação como produto agregado (Glenn, 1988) e
e a extinção de práticas culturais (Glenn et macrocontingência (Glenn, 2004), apresen-
al., 2016). Isto foi possível pela potencia- tados como úteis na mudança de compor-
lidade da análise funcional do comporta- tamentos envolvidos em problemas sociais
mento individual, com o conceito de con- (Malott & Glenn, 2006), como a incidência
tingência de reforço, transferida ao nível ou a prevalência do uso arriscado de drogas1.

1  Este capítulo emprega o termo arriscado para os dois padrões de uso de drogas constantes nos manuais diagnósticos e relevantes
à saúde pública: o abuso e a dependência (Barbor, Campbell, Room, & Saunders, 1994).

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Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto,
COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

Como unidade de análise de uma prática cul- de drogas ilícitas ou de atenção integral a
tural, metacontingência descreve relações usuários e familiares podem ser analisadas
funcionais em um conjunto de contingências como metacontingências, porque são con-
de reforço entrelaçadas, formando uma cul- tingências comportamentais entrelaçadas
tura, ou seja, a prática na qual comporta- em práticas culturais que geram um pro-
mentos de membros individuais e produtos duto agregado que as mantém, por reforçar
desses comportamentos interagem, gerando o entrelaçamento.
um produto agregado que seleciona a prática
dos membros, em vez dos seus comporta- Políticas públicas (e.g., saúde, assistência
mentos individuais (Glenn, 1988). O produ- social, segurança) são conjuntos de regras e
to agregado é selecionado por um sistema de contingências que controlam programas
receptor (Glenn, 2004). Quando o compor- de ações governamentais (nos níveis federal,
tamento individual tem como consequên- estadual ou municipal) com objetivos defi-
cia um produto e esse produto é recorrente nidos e procedimentos de enfrentamento de
como a mesma consequência para o com- problemas sociais. Tais políticas iniciaram-
portamento de vários indivíduos, tem-se um -se com o controle das epidemias e hoje são
macrocomportamento, que é parte de uma dirigidas a uma ampla variedade de proble-
macrocontingência. O produto cumulativo mas psicológicos e comportamentais, bem
do macrocomportamento em uma macro- como aos fatores de risco a eles associados
contingência não retroage sobre os compor- (Biglan, 2016), como os problemas do abuso
tamentos individuais (Glenn, 2004). e da dependência de substâncias psicoati-
vas (drogas). Esses conjuntos de regras e
Os conceitos da análise comportamental da contingências são interconectados (em por-
cultura podem ser empregados na compre- tarias/decretos que funcionam como guias
ensão do problema social do uso arriscado de para intervenções), e as contingências são
drogas e da proposta para seu enfrentamen- em geral entrelaçadas, e visam a execução
to, segundo descrevem, em geral, as políticas direta de intervenções e/ou o treinamento
públicas sobre drogas no Brasil (cf. Brasil, para a realização de tais intervenções por
2003; 2005). Assim, padrões de uso indivi- meio de políticas de educação permanente.
dual (e.g., o abuso) podem ser compreen-
didos como componentes de contingências, Uma vez que se configuram como aspecto
porque são relações de dependência entre do ambiente cultural, as políticas públicas
eventos envolvendo o uso; já a prevalência interferem em vários contextos da nossa
desses padrões em muitos indivíduos pode vida, e se integram (ou deveriam se inte-
ser entendida como macrocontingência, uma grar) na consecução da atenção integral às
vez que essa prevalência, em epidemiologia, necessidades dos cidadãos que pagam os tri-
é o somatório das contingências individuais butos que sustentam tais políticas (Biglan,
das quais o uso é um componente. Por sua 2015; Dittrich, 2004). Tal integralidade se
vez, as estratégias de produção e comércio relaciona com as características-chave das

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COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
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políticas públicas (Biglan, 2016): a redução Descreve-se esse processo formativo conce-
da incidência ou prevalência de transtornos bendo-o como parte de um conjunto de prá-
ou do comportamento-alvo; a realização ticas culturais, que segundo o “Plano Crack”,
de pesquisas sobre fatores de risco e pro- possui três eixos (prevenção, cuidado e auto-
teção relacionados a tal comportamento, ridade), sendo a educação permanente parte
bem como sua vigilância epidemiológica; e do eixo prevenção. Tal conjunto de práticas
a implementação de programas ou práticas culturais tem como objetivo, como produto
que incidam sobre o comportamento-alvo. agregado final, a redução da oferta e da pro-
cura de substâncias psicoativas no contexto
A Análise do Comportamento, como corpo social. As práticas do eixo prevenção, pela
de conhecimento sólido e sistematizado, via da capacitação de servidores públicos, a
tem participado da avaliação e do enfrenta- maioria do poder executivo municipal, deve-
mento de problemas sociais, contribuindo riam ter como efeito (ou produto agregado)
para a elaboração e reformulação de políticas o aumento do número de profissionais (das
públicas (Sampaio & Leite, 2015), demons- redes de saúde, segurança pública, educação,
trando efetividade no trabalho com práticas assistência social, justiça, operadores do di-
culturais (Fawcett et al., 1988). O trabalho reito, lideranças religiosas e comunitárias)
do analista de comportamento em políticas capacitados para fazerem ocorrer a redução
públicas é o meio mais prático de influenciar da incidência de fatores de risco e o aumento
práticas culturais. Nesse contexto, o alcan- da incidência de fatores de proteção para o
ce dos objetivos das políticas públicas pode comportamento de usar drogas.
ser expandido por meio da disseminação de
intervenções eficazes para lidar com proble- Para que se compreenda o processo formativo
mas comportamentais (Biglan, 2016). aqui descrito, aborda-se nas seções seguin-
tes a política pública como prática cultural,
Este capítulo é sobre um desses meios: a especificamente a política sobre drogas atu-
educação permanente em saúde e assistên- almente em vigor no Brasil, destacando-se
cia social, um trabalho realizado na política nela o papel da família do usuário de drogas
pública em álcool e drogas no Brasil, deno- como parte dos objetivos e procedimentos
minada Plano Integrado de Enfrentamento da execução dessa política. A experiência em
ao Crack e outras Drogas, instituído pelo política pública aqui descrita se insere nas
Decreto nº 7.179, de 20 de maio de 2010, ou características-chave descritas por Biglan
resumidamente “Plano Crack” (Brasil, 2010). (2016), mais especificamente, em seus objeti-
Assim, o objetivo deste trabalho é descrever vos de reduzir fatores de risco familiares para
um processo formativo do “Plano Crack” de- o uso de drogas e criar condições de ensino de
nominado “Teoria e Prática em Intervenções práticas apontadas na literatura como tendo
com Familiares de Usuários de Drogas”, uma efeitos sobre a incidência ou prevalência de
prática cultural de educação permanente co- problemas na família relacionados ao uso de
ordenada por analistas do comportamento. drogas por um ou mais dos seus membros.

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Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto,
COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
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Nesse contexto, o comportamento usar droga para mudar o repertório de agentes de ser-
é analisado como tendo sido selecionado viços de saúde e assistência social diante da
por três histórias inter-relacionadas: a da prevalência do uso de drogas, a fim de que
espécie humana (filogênese), a do usuário eles pudessem mudar os comportamentos
ou indivíduo (ontogênese) e a da cultura do de familiares de usuários de drogas, como
grupo do usuário (Skinner, 1981). Uma vez parte da atenção integral e intersetorial pre-
que essas histórias interatuam na determina- conizada pelo “Plano Crack” (Brasil, 2010).
ção da dependência química, vista como um
processo biopsicossocial, seu enfrentamento
em políticas públicas deve envolver ações em Políticas públicas sobre drogas
variáveis derivadas destes três níveis de se- e famílias de usuários
leção (Borloti, Machado, & Haydu, 2015), tais
como a farmacoterapia, a terapia compor- A Lei Federal 10.216 (Brasil, 2001) redire-
tamental individual e o delineamento cul- cionou o modelo de assistência em saúde
tural que, segundo as práticas selecionadas mental (aí incluída a atenção decorrente de
de reinserção social de usuários de drogas transtornos pelo uso de substâncias psico-
(Arsa & Comas, 2000), poderia ocorrer no ativas), assegurando tratamento realizado
nível microssocial (como a intervenção fa- preferencialmente em serviços comunitá-
miliar) ou macrossocial (como a educação rios de saúde mental, em ambientes extra-
permanente do funcionalismo público que -hospitalares e com adequada participação
objetiva torná-los capacitados para executar da sociedade e da família (Brasil, 2001). A
essa intervenção). partir dessa legislação, a família foi sendo
gradualmente incorporada às políticas pú-
Seja como for, ao mudarmos qualquer prá- blicas, como parte ativa e como parceira no
tica cultural, como as de uma família, as do tratamento em saúde mental.
tráfico ou as da execução de serviços aos
usuários de drogas, estaremos diante do A criação dos Centros de Atenção Psicossocial
objeto da Análise do Comportamento, visto (CAPS), nas suas múltiplas modalidades
que “Propor uma mudança em uma práti- (Brasil, 2002), foi determinante para a con-
ca cultural, fazer tal mudança e aceitar tal solidação da oferta de serviços ambulatoriais
mudança são todas partes do nosso objeto aos usuários de drogas e suas famílias. O
de interesse” (Skinner, 1953, p. 427). Assim, CAPS Álcool e Drogas (CAPS ad), direciona-
para propormos uma mudança em uma prá- do à prevenção do uso arriscado de drogas
tica cultural relacionada ou inserida em uma e ao tratamento e reabilitação de pessoas
política pública, devemos estar cientes de com transtornos relacionados a este uso, é
que estamos tentando mudar práticas dentro o principal serviço especializado para acom-
de práticas. No caso discutido neste capítulo, panhamento dos usuários e de suas famílias.
mudamos a forma de ensinar em educação Nele, as famílias são atendidas e orientadas
permanente em saúde e em assistência social por meio de diversos serviços previstos, como

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COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
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reuniões com famílias nucleares, grupos de redução de danos, reabilitação e reinserção


acolhimento e grupos terapêuticos. Os fami- do usuário na sociedade (Brasil, 2011). Assim,
liares também são chamados a participar de esta Portaria consolidou o modelo de atenção
reuniões e assembleias do serviço, trazendo em base comunitária, trazendo os elementos
sugestões e esclarecendo dúvidas sobre o mínimos para o atendimento do usuário com
tratamento dos usuários (Brasil, 2004a). transtornos relacionados ao uso de substân-
cias em seu território de vivência, articulando
A formulação da Política do Ministério da e ampliando serviços e pontos de atenção às
Saúde para a Atenção Integral a Usuários de suas demandas.
Álcool e outras Drogas (PAIUAD), apresentada
na Portaria 2.197 (Brasil, 2004c), representa Notadamente, o Brasil avançou, ao longo
um avanço na legislação, pois possibilitou a das últimas décadas, em consonância com
ampliação da assistência a usuários e fami- as políticas globais de atenção a usuários de
liares no âmbito do Sistema Único de Saúde substâncias e seus familiares, com a criação
(SUS), com serviços na Atenção Primária e na de políticas, serviços e equipamentos públicos
Atenção Especializada. Essa política preconiza destinados a essa parcela da população. No
o acolhimento, a oferta de cuidados na forma que tange às famílias dos usuários de álcool e
de atenção integral, atividades terapêuticas, outras drogas, algumas questões continuam a
preventivas, educativas e de reabilitação psi- ser alvo de controvérsias, como a motivação
cossocial, estimulando a integração sociofa- para busca por internações involuntárias ou
miliar dos usuários (Brasil, 2004c). compulsórias para garantir o tratamento aos
familiares usuários, medida que é parado-
Outro avanço nesta área foi a publicação da xal em relação ao modelo de serviço de base
Lei 11.343 (Brasil, 2006), o conhecido Sistema comunitária (Teixeira, Ramôa, Engstrom, &
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Ribeiro, 2017). No que tange ao seu cotidiano
(SISNAD), que atualizou o marco legal sobre vivencial, familiares são afetados pelo com-
drogas, orientando medidas de prevenção do portamento de usuários com quem convivem,
uso arriscado de drogas e de promoção da aten- podendo esses familiares adoecerem por não
ção e reinserção social de usuários. A diferen- terem habilidade de mediar conflitos decor-
ciação legal entre usuários não dependentes e rentes do uso de drogas (Laranjeira, Sakiyama,
dependentes, e entre usuários traficantes e não Padin, Mitsuhiro & Madruga, 2013). Para
traficantes (dependentes ou não) pelo SISNAD, responder a estas questões sociais, é preciso
possibilitou a diminuição da vulnerabilidade analisar a oferta de serviço, o tipo de inter-
de usuários de substâncias ilícitas e seus fa- venções com familiares e os resultados que
miliares e facilitou a adesão deles aos servi- têm sido produzidos, fomentando a oferta de
ços. Por sua vez, a criação da Rede de Atenção qualificação dos agentes públicos que atuam
Psicossocial (RAPS), por meio da Portaria 3.088 nessa área. Estes aspectos nortearam o pla-
(Brasil, 2011), objetivou ampliação de acesso, nejamento do processo formativo de servi-
promoção de cuidados, prevenção de consumo, dores públicos para a atenção aos familiares.

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A família como grupo

Ao planejarmos o processo formativo “Teoria Banaco (2008): dois membros da família se


e Prática em Intervenções com Familiares de relacionando entre si (e.g., usuário-mãe), um
Usuários de Drogas”, nosso repertório técni- membro se relacionando com uma relação
co ficou sob controle da descrição da função (e.g., pai e usuário-mãe) ou um grupo outro
da família na atenção integral ao usuário de (de fato, indivíduos “representantes” desse
drogas, contida na PAIUAD (Brasil, 2004c). A grupo) se relacionando com um membro que
família foi entendida como grupo, o primeiro se relaciona com uma relação (e.g., Igreja e
com o qual temos contato e no qual nosso re- pai-usuário-mãe ou Estado e pai-usuário-
pertório inicial é instalado e mantido nas in- -mãe). Em todo caso, os comportamentos de
terações entre nós e nossos familiares. Assim, cada um dos familiares explicam os compor-
no caso de usuários de drogas, é importante tamentos da família como grupo, isto é, como
que se entendam as relações entrelaçadas indivíduos se comportando conjuntamente.
observadas entre os membros da família e Assim, os processos de controle dos fami-
o usuário, bem como as mudanças nessas liares sobre o comportamento do usuário de
relações que afetarão o comportamento de drogas podem atuar na manutenção ou na
todos (Banaco, 2008), alcançando a atenção mudança do comportamento de usar drogas,
integral preconizada pela PAIUAD. conforme as contingências de reforçamento
presentes na situação.
A família é um aglomerado de indivíduos que
se comporta conjuntamente, sendo por isto Parte das práticas familiares em relação ao
caracterizada como grupo (Banaco, 2008). usuário de drogas pode envolver controle co-
O grupo social familiar é importante para o ercitivo: reforçamento negativo das classes
indivíduo e para a cultura (também nas po- de respostas desejadas e punição das inde-
líticas sobre drogas, mas não apenas nelas) sejadas. Muitos dos subprodutos do controle
porque é ele quem aplica contingentemente coercitivo estão intimamente relacionados aos
reforçadores e punidores em sua tarefa básica contextos antecedentes de risco mais comuns
de “formar indivíduos com habilidades para para o uso de drogas: os conflitos interpesso-
cuidar e manter o bem-estar dos membros do ais e as emoções negativas (Annis & Martin,
próprio grupo” (Banaco, 2008, p. 196). Nas 1985). Em geral, essas emoções são advindas
contingências envolvidas nesta tarefa podem de tais conflitos e, neste sentido, a alteração
ser encontrados indicadores de variáveis das do controle coercitivo deveria ser objetivo de
quais o uso arriscado de drogas é função, qualquer intervenção com familiares de usu-
como os chamados fatores de risco familia- ários de drogas. Aliás, o controle coercitivo
res para o uso de drogas (Borloti, 2015). No parece estar na base de outros problemas
contexto familiar do uso de drogas por um sociais relacionados à saúde; é por isto que
dos membros da família, muitas contingên- Biglan (2016) afirma que políticas públicas
cias entrelaçadas ocorrem, de acordo com que tenham por objetivo reduzir processos de

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COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
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controle coercitivo produziriam uma melhora e o membro usuário de drogas. Por fim, é
no bem-estar humano, uma vez que: (a) en- necessário avaliar as modificações produzi-
frentariam um processo que afeta múltiplos das nessas relações a partir das intervenções
problemas de comportamento e de saúde; e implementadas com os familiares dos usu-
(b) expandiriam as estratégias de redução da ários de drogas.
coerção e de sua prevenção, antes que ela re-
sulte nos problemas significativos que produz. O protocolo de atenção a familiares de usuá-
rios de drogas estudado no processo forma-
A tarefa principal em uma intervenção com tivo “Teoria e Prática em Intervenções com
familiares de usuários de drogas, a partir do Familiares de Usuários de Drogas” (Servicio
que foi descrito por Banaco (2008), portanto, Extremeño de Salud, 2011) apesar de não ser
é descrever as relações membro-membro e oriundo do modelo conceitual da Análise do
grupo(s)-membro(s) de modo empático, não Comportamento, apresenta uma compre-
julgador, entendendo como essas relações ensão que se assemelha em muitos aspec-
podem ter sido fatores de risco para o uso tos à análise funcional do comportamento,
de drogas e como podem estar atuando na ferramenta básica de trabalho do analista
manutenção desse uso. Além disso, é im- comportamental. A classificação do familiar
portante descrever como o uso é avaliado em não-colaborador (com o tratamento do
por cada familiar individualmente e como usuário de drogas), colaborador (com esse
ele impacta a família como grupo. Em outros tratamento) e codependente (da condição do
termos, é importante entender como cada usuário), apresentada no referido protocolo,
membro é impactado individualmente e se refere a relações funcionais que se estabe-
pode estar atuando na manutenção do uso de lecem entre o usuário de drogas e o familiar
drogas e poderia ajudar na sua modificação. com quem ele interage.
Ademais, faz-se necessário criar contingên-
cias para promoção do bem-estar e aquisição Assim, em uma análise funcional, o familiar
de respostas no repertório de cada familiar não-colaborador é, em geral, alguém que
que busca ajuda, uma vez que no médio e apresenta um padrão de fuga-esquiva de en-
no longo prazo essas contingências podem volvimento com o usuário e seus problemas
alterar as relações do familiar com o usuá- com as drogas, muitas vezes em função de
rio e, consequentemente, reduzir fatores de punições sofridas em tentativas anteriores
risco para o consumo de drogas, na medida de aproximação, ou como forma de alívio do
em que as interações familiares promovam sofrimento causado pelo envolvimento com o
mais bem-estar e ocorram a partir de menos usuário. O familiar colaborador, por sua vez,
controle coercitivo. Nesse contexto, “a parte pode ser entendido como aquele que consegue
mais demorada de uma intervenção em um se aproximar do usuário e auxiliá-lo na busca
grupo familiar” (Banaco, 2008, p. 202) é por tratamento, ainda que consequências aver-
a autossustentação das contingências não sivas advenham dessa aproximação; enquan-
coercitivas nas relações entre os familiares to que o familiar codependente é aquele que,

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Maria E. Rodrigues, Caio F. F. Felisberto,
COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
EM FOCO VOL. 9

pela rede de contingências estabelecidas com Drogas” foi ofertado pelo Centro Regional
o usuário, já desenvolveu comportamentos de Referência em Prevenção, Atenção e
não-saudáveis ou adoecedores nessa relação, Reinserção – Álcool e Drogas, ação da política
tais como os comportamentos emocionais da pública “Plano Integrado de Enfrentamento
“depressão” e os comportamentos agressivos. ao Crack e outras Drogas” (Brasil, 2010),
com financiamento da Secretaria Nacional
de Políticas sobre Drogas, do Ministério da
Método Justiça. Nesta política, a educação perma-
nente dos servidores públicos que atuam na
Participantes atenção integral aos usuários de drogas e
seus familiares foi proposta de modo a in-
Participaram deste curso 43 profissionais com tegrar servidores de setores governamentais
nível superior de ensino, trabalhando como que executavam políticas que objetivavam a
enfermeiros (N=8), psicólogos (N=12), assis- resolução de problemas relacionados ao uso
tentes sociais (N=17), médico (N=1) e outras de drogas (problemas na saúde, problemas
funções (N=5); o tempo desses profissionais legais, problemas de moradia, dentre outros).
em seu cargo ou função foi de 8.4 anos em Dada esta intersetorialidade, a educação per-
média (Min=menos de um mês, Max=32 anos, manente tornou-se um dos eixos estrutu-
DP=8.6 anos). A maioria dos participantes rantes, de fato, de uma política interminis-
era mulheres (N=38), e sua idade variou de terial, o Plano Integrado de Enfrentamento
20,7 a 58 anos (M=37,9 anos, DP=9.1 anos). ao Crack e outras Drogas, em uma tentativa
A maioria dos participantes já havia partici- de ter esse “enfrentamento” como um pro-
pado de algum evento, curso ou treinamen- duto agregado da ação de vários servidores
to sobre tema relacionado a drogas (N=41). em diferentes ministérios.
Os profissionais eram oriundos de diversos
equipamentos da RAPS de dois municípios da Assim contextualizado, o processo forma-
Grande Vitória/ES: Unidades Básicas de Saúde tivo “Teoria e Prática em Intervenções com
(N=19); Centros de Referência de Assistência Familiares de Usuários de Drogas” atrelou a
Social (N=10); Unidade de Pronto Atendimento pesquisa na educação permanente de modo
(N=4); Centros de Atenção Psicossocial (N=3); a avaliar a sua eficácia, treinou o uso de um
Gestão de Saúde Mental (N=2); Gestão da protocolo de intervenção com base em evi-
Assistência Social (N=1); e outros locais (N=4). dência (Servicio Extremeño de Salud, 2011)
e arranjou contingências para promover
a aprendizagem dos conceitos envolvidos
Instrumentos e procedimentos nesse protocolo e do planejamento da sua
execução, bem como ensinar o monitora-
O processo formativo “Teoria e Prática em mento do impacto de sua implantação nos
Intervenções com Familiares de Usuários de serviços (Borloti & Romanholi, 2014).

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COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
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O curso foi ministrado nas dependências da avaliado a partir de medidas do conhecimen-


Universidade Federal do Espírito Santo e teve to pré e pós-formação e do desempenho nas
início em fevereiro de 2016, totalizando 80 atividades realizadas ao longo da formação
horas de atividades (presenciais = 56 horas; e por meio de um trabalho teórico-prático
dispersão = 24 horas) e seu principal objetivo conclusivo. Foi conduzido por professores
foi proporcionar aos participantes o conheci- de Psicologia e Serviço Social, altamen-
mento de instrumentos e metodologias para te qualificados e com experiência teórica e
avaliação e intervenção com familiares de prática nos conteúdos abordados ao longo
usuários de drogas. Além disso, como obje- dos módulos. Os conteúdos práticos foram
tivos específicos, a formação buscou levar os ministrados por psicólogos com formação e
participantes a: (1) compreender o impacto prática em Análise do Comportamento.
do uso de drogas na família e nos familiares
do usuário; (2) avaliar a família do usuário Os resultados do processo formativo foram
com base no seu grau de conhecimento do avaliados em diferentes níveis: pelo grau
problema e no impacto do problema na fa- de mudança nos conhecimentos dos par-
mília; (3) avaliar o perfil dos membros da ticipantes sobre a temática antes e após a
família do usuário de drogas: familiar co- participação e pelo seu desempenho verbal
laborador assintomático, não colaborador, nas atividades escritas e na roda da conversa
colaborador com sintomas de mal estar ou feita como avaliação final. No primeiro dia,
familiar codependente; (4) conhecer propos- foi aplicado o Instrumento de Verificação de
tas de intervenção com familiares de usuários Domínio de Conhecimentos, com 20 afirma-
de drogas; e (5) propor intervenções voltadas ções a serem avaliadas pelos participantes
para a família do usuário de drogas de acordo quanto ao seu conhecimento, em escala likert
com o contexto dos serviços nos territórios que variava de “Não conheço nada” a “Tenho
do SUS e do Sistema Único de Assistência conhecimento pleno”. Tal Instrumento foi
Social (SUAS). reaplicado no último dia do curso, permitin-
do a comparação do nível de conhecimento
Para o alcance de tais objetivos, o curso dos participantes antes e após a formação.
foi dividido em 4 módulos, desenvolvidos
a partir da metodologia da Aprendizagem Além da avaliação do conhecimento pré
Baseada em Problemas com Drogas, que e pós-curso, foi realizada a aplicação da
contaram com aulas expositivas dialoga- Ficha de Avaliação dos Centros Regionais de
das, estudos de caso e atividades práticas em Referência, de acordo com modelo fornecido
grupos intersetoriais, sempre priorizando a pelo Ministério da Justiça, Secretaria Nacional
integração interdisciplinar e intersetorial. de Políticas sobre Drogas. O instrumento se
A metodologia utilizada visou contribuir propôs a avaliar o curso, em uma escala likert
para que o conteúdo teórico fosse discutido de 5 pontos, quanto aos aspectos de carga
à luz da realidade dos serviços e da prática horária, corpo docente, conteúdo ministrado
profissional dos participantes. O curso foi e sua aplicabilidade na prática, material de

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COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
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apoio utilizado, instalações físicas, estraté- físicas do curso (M=3.9), enquanto os itens
gias de ensino, dentre outros aspectos. No que receberam a menor avaliação foram en-
encerramento do processo formativo foi feita cadeamento dos temas e aplicabilidade dos
uma avaliação de reação, na qual os alunos conteúdos abordados, ambos com M=3.3. Os
puderam expressar sua percepção do curso, alunos relataram aproveitamento médio igual
a partir de questões norteadoras: Como foi o a M=8.5, DP=.8, em uma escala de 1 a 10.
processo formativo? O que foi positivo? O que
foi negativo? Quais as sugestões de melhora? Na avaliação de reação, os participantes apre-
sentaram como principais pontos positivos:
a relevância dos conteúdos abordados no
Resultados curso; a ampliação e troca de conhecimentos
entre os participantes; a aplicabilidade dos
O escore médio de conhecimento do grupo conteúdos do curso na realidade dos servi-
antes do curso, avaliado pelo Instrumento de ços; as mudanças na percepção geral sobre
Verificação de Domínio de Conhecimentos, a família e sobre a dependência química; o
foi de M=1.9, DP=.5, em uma escala de 1 a favorecimento da construção da rede entre os
5, enquanto o escore médio do grupo após municípios participantes mediante articula-
o curso foi de M=3.1, DP=.8. A comparação ção entre as áreas da saúde e da assistência
entre os escores mostrou aumento signifi- social; dentre outros. Foi reforçador ouvir
cativo do conhecimento após a realização do relatos de prazer: (a) em conhecer as “caras”
curso (Teste de Wilcoxon, Z=-5.2, p<.0001). dos que compõem a RAPS; (b) em solucionar
Calculamos ainda os escores médios de todas de modo intersetorial os encaminhamentos
as questões para cada indivíduo, antes e após de casos de usuários de drogas; (c) em visu-
o curso. Houve correlação significativa entre alizar um modo operacional de classificar e
os escores médios individuais antes e após o atender grupos de familiares de modo mais
curso em cada afirmação avaliada (Correlação efetivo, conforme indicado pelo protocolo
de Spearman, χ=.57, p=.008). Houve também adotado como parâmetro da formação.
diferença significativa entre os resultados
dos itens do instrumento antes do curso Como aspectos negativos os alunos aponta-
(χ2=400.9, p<.0001) e após o curso (χ2=153.7, ram: as atividades de dispersão, vistas como
p<.0001), indicando que o conhecimento dos onerosas pelos participantes, na medida em
diferentes tópicos variava antes do curso e que não tinham as condições ideais de exe-
continuou variando após a conclusão deste. cutá-las fora do horário do curso e fora do
horário de trabalho, gerando sobrecarga; e o
A avaliação média do curso, a partir da Ficha de envio do material didático (plano de aula e
Avaliação dos Centros de Referência foi M=3.5, slides) sem muita antecedência da respectiva
DP=.5, em uma escala de 1 a 5, denotando aula, não permitindo que os alunos pudes-
uma avaliação positiva da formação. O item sem acessá-los antes e se preparar melhor
que recebeu a melhor avaliação foi instalações para as aulas.

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COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
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Discussão

O objetivo deste capítulo foi descrever o os profissionais participantes do curso atu-


processo formativo denominado “Teoria e avam (e.g., o Programa Saúde da Família,
Prática em Intervenções com Familiares de PSF no SUS; ou o Proteção e Atendimento
usuários de drogas” como uma prática cul- Integral à Família, PAIF no SUAS). Esses
tural de educação permanente coordenada programas governamentais foram entendi-
por analistas do comportamento. Como ana- dos nos termos da análise comportamental
listas do comportamento em uma política da cultura (Glenn, 1986; Glenn, 1988; Glenn,
pública de educação permanente em álcool e 2004; Glenn et al., 2016; Malott & Glenn,
outras drogas, planejamos as contingências 2006). Assim, nestes termos, os padrões de
de ensino a partir do conjunto de regras con- uso arriscado individual (i.e., uso abusivo
tidas na legislação brasileira sobre drogas. ou uso dependente) descritos nesses pro-
Servimo-nos, em especial, da PAIUAD gramas são componentes de contingências,
(Brasil, 2004c), pois ela prioriza ações que ou seja, de relações comportamentais que
são características-chave da atenção inte- apresentam relação de dependência entre
gral aos familiares de usuários de drogas, si (e.g., o usar ocorrendo em contexto de
descritas por Biglan (2016): (a) redução da presença de estados privados de depressão
incidência ou prevalência de problemas na e produzindo como consequência a cessação
família, derivados da convivência com um desse estado, juntamente com a tolerância).
membro usuário de drogas, ou atenuação Quando tais programas falam de prevalência
dos fatores de risco familiares relacionados do uso de drogas, o termo está descrevendo
ao uso de drogas e/ou aos problemas surgi- a quantidade e/ou a proporção de indivíduos
dos na relação com o membro usuário; e (b) emitindo o comportamento de usar drogas
disseminação de uma prática com base em em um desses padrões arriscados (abuso e
evidência, e que mostra efeitos de melhora dependência). Essa quantidade ou proporção
na incidência e/ou prevalência de proble- é o produto agregado do conjunto de con-
mas comportamentais nos membros da fa- tingências individuais que, por ocorrerem
mília (Servicio Extremeño de Salud, 2011). sem entrelaçamento entre si, formam uma
Priorizamos o treinamento em resolução de macrocontingência. Por fim, no caso do eixo
problemas e o treinamento de habilidades prevenção do “Plano Crack” (Brasil, 2010), a
sociais, estratégias de intervenção compor- capacitação para o cuidado integral de usu-
tamental contidas nesse protocolo. ários de drogas e seus familiares descrevem
uma metacontingência, ou seja, descrevem
Ao atentarmos para estas características- práticas culturais caracterizadas pelo entre-
-chave, visualizamos cada participante laçamento de contingências individuais (as
como ator das práticas culturais de cuidado do comportamento do capacitando, do capa-
em saúde e de assistência social; práticas citado, do planejador da capacitação, dentre
estas que constituem os programas em que outros) que tem como produto agregado o

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COMPORTAMENTO Taysa G.Castrillon, Virgínia C. Amorim, Thiago M. de Brito
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aumento do número de capacitados para re- que mostra a cooperação entre atores de dife-
duzir a incidência de fatores de risco e au- rentes metacontingências no enfrentamento
mentar a incidência de fatores de proteção do mesmo macrocomportamento-problema.
para o usar drogas. Como analistas do comportamento observa-
mos como o espaço de educação permanente
O cotidiano das aulas mostrou que a PAIAUD é importante para que os atores da RAPS se
(Brasil, 2004c) pareceu antever alguns dos vejam como a concretude dessa rede, uma vez
comentários de Biglan (2016) sobre os efeitos que ela é uma propriedade da interação entre
do controle aversivo nos problemas enfrenta- os atores da política pública; não é apenas a
dos pelas políticas públicas na área de drogas, existência de equipamentos públicos. De fato,
ao incluir a atenção integral aos familiares os comportamentos desses atores (no caso,
de usuários como sua prioridade, tanto como os capacitandos do processo formativo) são
ação terapêutica quanto como ação preventiva componentes das contingências comporta-
do uso de droga na família. O uso de droga mentais entrelaçadas responsáveis pelo pro-
como tendo função nas interações coercitivas duto agregado concreto da prática cultural
na família (Banaco, 2008) pôde ser discutido definida pela política (Glenn et al., 2016).
em sala de aula. Nessas discussões, apontou-
-se que esse uso tende a se tornar um produto Reiteramos a necessidade de uma interferên-
não desejado dessas interações coercitivas. cia da Análise do Comportamento nas políti-
Este apontamento foi especialmente enfati- cas públicas de educação permanente para o
zado quando se abordaram na formação os desenvolvimento do repertório de compor-
conflitos familiares, definidos na literatura tamentos do funcionalismo público (Brasil,
preventiva como fatores de risco da família 2004b; Brasil, 2007). A necessidade desse
para o uso de drogas (Borloti et al., 2015). desenvolvimento para o enfrentamento dos
problemas do uso arriscado de drogas está
Minimizamos a diferença dos efeitos entre descrita na política a qual esteve atrelado o
a aprendizagem por regra e a por con- referido processo formativo (Brasil, 2010).
tingência (Skinner, 1969) pela estratégia A experiência de educação permanente aqui
“Aprendizagem Baseada em Problemas com descrita é um exemplo de como analistas do
Drogas”. A estratégia evocou o relato verbal comportamento podem participar da avalia-
de casos reais de familiares de usuários, que ção e do enfrentamento do problema social
foram discutidos por atores de práticas cul- do uso arriscado de drogas (Sampaio & Leite,
turais do SUS e do SUAS (intersetorialidade), 2015). Nas justificativas da Política Nacional
e de diferentes formações (interdisciplinari- de Educação Permanente (Brasil, 2004b), o
dade). As práticas culturais intersetoriais são controle instrucional (educação) tem sido um
cruciais no enfrentamento do problema social dos meios de influenciar as práticas culturais
do uso arriscado de drogas e se configuram, reguladas por políticas públicas, conforme já
podemos dizer, como uma metacontingência apontado por Fawcett et al. (1988).

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Como estivemos atuando sobre um proces- mudança” na prática cultural da família de


so formativo cujos resultados na prática se um usuário de droga qualquer nos territórios
deram de modo indireto, uma vez que atua- dos municípios dos participantes envolvidos
mos na maior parte do tempo com controle nesta experiência (e os menores escores de
instrucional, sempre estivemos conscientes aplicabilidade dos conteúdos abordados mos-
da limitação da nossa intervenção cultural tram isto), pelo menos atuamos para “propor
no ensino de práticas baseadas em evidência uma mudança” nessa prática por aqueles que
para reduzir a prevalência ou a incidência dos devem fazer essa mudança: os profissionais
impactos do uso de drogas sobre familiares que acompanham esses familiares na rede.
de usuários. Ao mesmo tempo, estivemos Demonstramos, de modo estatisticamente
conscientes da importância da instrução para significativo, que esses profissionais, como
que regras para a ação passassem a guiar o atores da prática cultural, passaram a “acei-
comportamento interventivo dos formandos tar tal mudança” como possível e necessária
nos seus respectivos serviços e, por isto, ava- (mesmo porque estavam muito motivados
liamos a significância estatística da aprendi- para aprender, dada a dificuldade em abordar
zagem por instrução (Biglan, 2016). Os dados a família nos serviços. O processo formati-
mostram a importância de avaliar mudanças vo sinalizou a oportunidade de aquisição de
na aceitação da necessidade da atenção aos repertório para uma abordagem menos di-
familiares de drogas, representada pelo au- fícil da família e, portanto, funcionou como
mento significativo do conhecimento após a operação motivacional, conforme apontam
realização do processo formativo. Laraway et al., 2014. Podemos, então, para-
frasear Skinner dizendo que atuamos neste
Finalizamos, assim, voltando-nos para o que processo formativo com parte do objeto ge-
disse Skinner: “Propor uma mudança em uma nuíno de estudo e intervenção do analista do
prática cultural, fazer tal mudança e acei- comportamento: propomos modos de mu-
tar tal mudança são todas partes do nosso dança em relação às famílias de usuários de
objeto de interesse” (Skinner, 1953, p. 427). drogas e demonstramos um efeito positivo
Se não conseguimos diretamente “fazer esta na aceitação dessa mudança.

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COMPORTAMENTO Elizeu Batista Borloti, Claudinei Pereira Gonçalves
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Origens evolutivas da cooperação e Elizeu Batista Borloti


Universidade Federal do Espírito Santo - Ufes
seu papel como variável determinante borloti@hotmail.com
de políticas públicas: o caso das
políticas sobre drogas Claudinei Pereira Gonçalves
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Espírito Santo - Ifes
The evolutionary origins of Cooperation and claudinei.pg@gmail.com
its role as a determinant of public policies:
the case of drug policies
Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas
Ministério da Justiça

Resumo Abstract
O presente ensaio tem como objetivo descrever a This essay aims to describe the influence of
influência da cooperação no processo de desenvol- cooperation in the process of development of culture,
vimento da cultura, dos bandos ao Estado, e arti- from bands of individuals to the State, and articulate,
cular, em termos comportamentais, essa influência in behavioral terms, this influence to the concept
ao conceito de intersetorialidade nas políticas públi- of intersectorality in Brazilian public policies on
cas brasileiras sobre drogas. Desde a formação dos drugs. From the formation of the first human groups
primeiros grupos humanos até as estruturas sociais to the more complex structures, the cooperative
mais complexas, o comportamento cooperativo se fez behavior was present, ratifying its relevance for
presente, ratificando sua relevância para a espécie. the species. In the sphere of public policies on
Na esfera das políticas públicas sobre drogas, ela é drugs, it is expressed through intersectoriality,
expressa por meio da intersetorialidade, que pode which can be described as the main property of the
ser descrita como a propriedade principal da meta- metacontingence of resolving the social problem in
contingência de resolutividade do problema social question. Intersectoral arrangements represented in
em questão. Arranjos intersetoriais representados na the form of interlocking contingencies must occur
forma de contingências entrelaçadas precisam ocor- and be selected by the State itself or by society. This
rer e serem selecionadas pelo próprio Estado ou pela is the property of social behavior, cooperation, which
sociedade. É esta a propriedade do comportamento will be selected by contingencies of reinforcement
social, a cooperação, que será selecionada por con- maintained by the states themselves, invariably as
tingências de reforçamento mantidas pelos próprios public policies.
Estados, invariavelmente, como políticas públicas.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Cooperação; Intersetorialidade; Cooperation; Intersectoriality;


Análise do comportamento; Políticas públicas; Behavior analysis; Public policies;
Metacontingências Metacontingencies

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COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

O Simpósio de Cultura do Encontro de 2016 da da elaboração, da execução e da avaliação de


Associação Brasileira de Psicologia e Medicina políticas públicas.
Comportamental apresentou uma discussão
sobre sustentabilidade e uso de drogas por Política pública é um conjunto de ações de-
pessoas em situação de rua. A apresentação senvolvidas ou fomentadas pelos três níveis
da articulação entre setores do esporte, da de governo da sociedade (federal, estadual e
saúde e da assistência social culminou neste municipal) para alcançar objetivos de resolu-
ensaio acadêmico sobre a importância da co- ção de problemas enfrentados por indivíduos
operação nas políticas públicas sobre drogas. ou grupos dessa sociedade (Secchi, 2013). Em
Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas termos comportamentais, incluem arranjos
do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas de contingências descritas em regras, como
e Crime (United Nations, 2016), num decreto, ou executadas junto aos cida-
dãos, como num programa de saúde. Aliadas
Do cultivo e produção ilícitos ao tráfico e uso, às ações de redigir e fazer cumprir regras e
o problema mundial da droga, com todas as de manejar contingências descritas nessas
suas ramificações, está interligado com uma regras, ações de atualização/aprimoramen-
vasta gama de questões sociais, econômicas to/capacitação dessa execução são parte dos
e ambientais. Isso exerce uma grande pres- programas de educação continuada do con-
são sobre os esforços de desenvolvimento, teúdo, do processo e da técnica relacionada
que por sua vez influenciam o problema da
a cada política ou a um conjunto de políticas
droga. As intervenções realizadas em respos-
(Biglan, 2015).
ta ao próprio problema da droga geram uma
maior interação com o desenvolvimento e o
Em geral, as políticas públicas são execu-
contexto social mais amplo e introduzem uma
tadas, ou deveriam ser executadas de modo
complexidade adicional, às vezes imprevista,
para essa dinâmica (p. 63).
cooperativo, em especial quando o problema
social enfrentado exige a ação de servidores
A complexidade da dinâmica apontada pelo formados em diferentes disciplinas, atuando
Relatório supracitado informa a necessidade em diferentes setores governamentais. Este
de analistas do comportamento seguirem as é o caso do problema do uso arriscado de
recomendações de muitos autores da própria drogas (United Nations, 2016). O objetivo
Análise do Comportamento (e.g., Fawcett et deste capítulo é descrever a influência da
al., 1988) e de outras áreas (Peters, Verweij, cooperação no processo de desenvolvimento
Grêaux, Stronks, & Harting, 2017), sobre da cultura, dos bandos às organizações go-
a urgência de intervenções interativas que vernamentais e, numa análise comporta-
considerem os múltiplos problemas sociais, mental, articular essa influência ao conceito
econômicos e políticos entorno do uso arris- de intersetorialidade nas políticas públicas
cado de drogas. Para isto, urge que analistas dirigidas ao problema do uso arriscado de
de comportamento discutam e participem drogas no Brasil.

291
COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

Trata-se de ensaio acadêmico que desenvol- pessoas em relação uma à outra ou em


ve o tema da cooperação no enfrentamento conjunto em relação ao ambiente comum”
estatal do uso arriscado de drogas expondo (Skinner, 1953/2002, p. 325). Uma prática
o ponto de vista dos autores, administrador cooperativa, então, é selecionada por seus
e psicólogo, analistas do comportamento. O efeitos sobre o cooperador, dando o poder
desenvolvimento da cooperação é inserido supremo, o “efeito mais poderoso” dos pe-
no processo de desenvolvimento da cultu- quenos grupos em cooperação: “unindo-se a
ra das práticas intersetoriais nas políticas um grupo, o indivíduo aumenta o seu poder
públicas sobre drogas a partir do uso dos de conseguir reforço” (p. 312).
conceitos-base expostos na Tabela 1.
De fato, foi no ambiente dos pequenos grupos
que a cooperação humana se desenvolveu.
Desenvolvimento da coopera- Segundo Wilson (2012) o Homo Sapiens é um

ção: dos bandos ao Estado animal intensamente tribal e seu cérebro


foi moldado desde o período Neolítico para
Comportamento oposto à competição, a manter reduzidas redes sociais e viver em
“cooperação” pode ser entendida como o pequenos grupos. Pacheco, Santos, Souza e
comportamento operante individual de be- Skyrms (2011) asseguram, através de uma
nefício mútuo ou restrito a outros organis- análise pautada na teoria dos jogos, que a
mos, emitido ao custo do indivíduo. Assim, cooperação exige menores custos individuais
entre indivíduos se observa comportamento em grupos pequenos, tornando-se mais fácil
social, “o comportamento de duas ou mais de ser alcançada do que em grupos grandes.

Conceitos Descrições Referências

É a relação entre recorrentes contingências comportamentais


Metacontingência entrelaçadas que geram um produto agregado e condições am- Glenn et al. (2016)
bientais selecionadoras.

É a relação entre comportamentos operantes controlados por


contingências individuais, com as quais se pode ter também
Macrocontingência contingências comportamentais entrelaçadas de outras meta- Glenn et al. (2016)
contingências, produzindo um efeito cumulativo que pode ter
alta significância social.

São contingências sociais nas quais o comportamento e os produ-


Contingências
tos comportamentais de cada envolvido funcionam como evento Glenn (1988, 1989,
comportamentais
ambiental com o qual o comportamento dos outros indivíduos 1991)
entrelaçadas
interage.

É um efeito das contingências comportamentais entrelaçadas


Produto agregado Glenn (1991)
que não poderia ser produzido por um indivíduo agindo sozinho

Tabela 1: Conceitos-base utilizados.

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COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

O convívio em grupos conduzia à aquisição mesmo pelo conjunto dessas contingên-


de um conjunto de processos e produtos cias aversivas que as diversas espécies de
que incluía a divisão do trabalho, a busca de australopitecos se extinguiram. Mas antes
status pelo indivíduo e a propensão do grupo disso, ao menos uma de suas linhagens deu
em retaliar os que se desviavam do com- origem a um novo gênero, anatomicamen-
portamento esperado. Tais comportamentos te melhor aparelhado, que se adaptara ao
contêm tanto traços de egoísmo quanto de ambiente adotando uma dieta diversificada,
altruísmo que seguem entrelaçados até os não apenas baseada em diferentes vegetais,
dias de hoje, ratificando a “natureza con- mas, que incluía a carne como importan-
flituosa” da espécie humana (Wilson, 2012) te fonte nutritiva (Diamond, 1997/2014;
ou as contingências sociais mantidas pelo Harari, 2016; Wilson, 2012).
grupo (Skinner, 1953/2002).
Os primeiros indivíduos do gênero Homo
Há cinco milhões de anos, os ancestrais hu- surgiram há cerca de 2,5 milhões de anos
manos não se destacavam da miríade de es- e evidências mostram que compartilhavam
pécies sociais que ocupava a África Oriental. carcaças de presas abatidas por predadores
Assim como muitos primatas modernos, maiores (Braun et al., 2010; Steele, 2010).
os australopitecíneos viviam em pequenos Alguns bandos de Homo habilis se especiali-
bandos, geralmente grupos familiares, pró- zaram nisso de tal forma que aprenderam a
ximos à segurança das árvores, que também manusear pedras lascadas e utilizá-las para
lhes fornecia uma dieta baseada em folhas, extrair o tutano das ossadas. Com o tempo
cascas, brotos e frutos. Na medida em que passaram a capturar pequenos animais e,
as geleiras da Eurásia avançavam para o sul, posteriormente, a se agrupar para empreen-
o continente africano sofria longos perí- der caçadas ousadas a mamíferos de médio
odos de seca e resfriamento. A distância e grande porte. Há cerca de 300 mil anos
entre as árvores das florestas aumentava os Homo erectus passaram a dominar o fogo
dando espaço, gradualmente, a pradarias utilizando-o tanto nas caçadas quanto no
áridas e desertos. Para sobreviver a esse preparo dos alimentos. O cozimento da carne
novo habitat era preciso liberar as mãos da e dos vegetais reduzia a contaminação por
locomoção e combiná-las a uma postura germes, o gasto energético da mastigação
mais vigilante, ereta, frente às ameaças e ainda facilitava a digestão. Respostas ad-
e oportunidades que podiam surgir ao se quiridas, como cozinhar, controlar fontes de
aventurar em campos e planícies em busca luz e calor, bem como manusear o fogo para
de folhas, sementes e tubérculos para se afugentar predadores ou armar emboscadas
alimentar. Talvez tenha sido por causa das às suas presas passaram a ser transmitidas
mudanças climáticas, por força da exposição de uma geração para outra. Mais saudáveis
aos grandes predadores, pela concorrência e melhor nutridos que seus antecessores ou
de espaço e comida com outros animais ou mesmo outros hominídeos contemporâneos,

293
COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

os Homo sapiens modernos apareceram no em laços de intimidade e afinidade. Assim


leste da África há cerca de 200 mil anos1. como fazem os bandos de chimpanzés, aque-
Graças ao fogo e à carne eles tinham dentes les hominídeos criavam vínculos de amiza-
e mandíbulas menores, corpos grandes e des, caçavam juntos, brincavam, amavam,
cérebros três vezes maiores quando com- competiam por status e poder e matavam
parados aos primeiros hominídeos (Braun et membros de outros bandos que cruzavam o
al., 2010; Gibbons, 2007; Steele, 2010). Uma seu caminho (Diamond, 1997/2014; Harari,
capacidade de lembrar e narrar o que ocor- 2016; Wilson, 2012).
reu em curto ou longo prazo contribuiu para
manter o convívio comunitário, armazenan- Foi assim por alguns milênios até que, ines-
do históricos das experiências sociais e re- peradamente, alguma coisa mudou. Há cerca
conhecendo faces e suas reputações (Wilson, de 70 mil anos, já no topo da cadeia ali-
2012). A cabeça grande sobressaía diante mentar, bandos de Homo sapiens deixaram
do corpo de estatura mais elevada, porém a África e começaram o seu domínio pelo
frágil, quando comparado ao dos musculosos planeta. Iniciaram a sua jornada pelo Oriente
e também cabeçudos Homo neanderthalensis. Médio e de lá logo alcançaram os territórios
Segundo Harari (2016), sua imagem não lhes da Ásia, Europa e Oceania, chegando, por
proporcionava, à primeira vista, uma posi- fim, ao extremo sul das Américas no final da
ção elevada frente a todos os seus irmãos última era glacial, há cerca de 12 mil anos.
de gênero – ao menos cinco outras espécies Ao longo dessa marcha os sapiens riscaram
humanas que coexistiam no planeta. Apesar do mapa os neandertais e todas as outras
do uso do fogo, ainda se destacavam pouco espécies humanas da Terra – como o Homo
do conjunto de primatas que ocupavam as erectus, o Homo soloensis, o Homo denisova e o
pradarias africanas. Viviam em pequenos Homo floresiensis. Sua presença na Austrália
grupos de caçadores-coletores nômades que e nas Américas coincide ainda com o período
dificilmente ultrapassavam o número de 80 em que ocorreu a extinção de toda a mega-
indivíduos. Os bandos correspondiam a fa- fauna local (Harari, 2016; Wilson, 2012).
mílias estendidas, que incluíam adotados e
aliados, e se mantinham unidos através do Harari (2016) sugere que a evolução da
reconhecimento facial. Se cresciam demais linguagem como uma forma de fofoca foi
ao ponto de comprometer o reconhecimento, essencial para saber quem era confiável
logo se dividiam em novos grupos baseados ou não, quem cooperaria ou não. Assim

1  A recente publicação dos trabalhos de Hublin et al. (2017) e Richter et al. (2017) acerca de novos fósseis encontrados no
Marrocos questiona a presunção estabelecida de que a origem da nossa espécie se deu há 195 mil anos, na África Oriental. Os
ossos de ao menos cinco indivíduos, incluindo uma criança e um adolescente, foram atribuídos a um Homo sapiens mais primitivo
que teria ocupado o noroeste africano há 300 mil anos. Segundo Stringer & Galway-Witham (2017), análises genéticas demonstram
que a linhagem dos humanos modernos se diferenciou de nossos parentes mais próximos - neandertais e denisovanos - há cerca
de 500 mil anos, ou seja, antes mesmo dos fósseis marroquinos. Isso significa que Homo sapiens com características ancestrais
como maxilares largos, dentes grandes e crânios alongados, iguais aos descobertos no Marrocos, podem ter ocupado essa lacuna
de tempo e feito parte da nossa história filogenética.

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COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

pode-se esquivar dos mais notórios egoís- e altruísmo teriam maior vantagem compe-
tas e trapaceiros, o que facilitou a formação titiva frente a grupos nos quais estas re-
de bandos maiores e mais estáveis. Mas foi lações eram menos reforçadas ou extintas.
outro aspecto particular do comportamento Mas, mesmo entre uma maioria cooperativa,
verbal que possibilitou que os grupos final- egoístas podiam se beneficiar dos produtos
mente ultrapassassem a casa das dezenas agregados do entrelaçamento dos indivíduos
para atingir centenas, milhares e milhões: cooperadores, conquistando grandes parce-
a extensão do tato e do mando (Skinner, las dos reforçadores primários ao trapacea-
1957), a capacidade de falar sobre coisas que rem, esquivarem-se de tarefas perigosas ou
de fato não existem, como deuses e per- de seguir as regras do que era “certo” para
sonagens de lendas, e lançar pragas sobre o grupo. Logo, a moralidade passou a ser
os que não cooperavam. O repertório verbal uma propriedade do comportamento social,
permitiu o ensino de crenças (descrições de fortalecendo a cultura, numa combinação de
probabilidades de relações entre eventos do traços adquiridos, transmitida de uma gera-
ambiente ou entre comportamentos e esses ção para outra, que costuma distinguir um
eventos; Guerin, 1994), contribuindo para grupo de outro da mesma espécie (Darwin,
que os sapiens pudessem cooperar em larga 1871; Trivers, 1971; Wilson, 2012).
escala e fundassem assim sociedades mais
complexas do que as dos limitados bandos Em meio a conflitos étnico-culturais e a ne-
de primatas. Afinal, “um grande número de cessidade tribal de expandir domínios que
estranhos pode cooperar de maneira eficaz garantissem maior acúmulo de reforçadores
se acreditar nos mesmos mitos” (Harari, primários, impérios surgiram, cresceram e
2016, p. 35). Esses mitos ou religiões com- se dividiram em novas nações concorrentes
põem toda cultura existente e são parte das até se fundirem em sociedades mais coope-
condições simbólicas compartilhadas sob as rativas. Wright (2001) ilustra essa dinâmica
quais o grupo vive (Skinner, 1953/2002). dizendo que há cerca de três mil anos havia
em torno de 600 mil comunidades autôno-
As tribos derivavam de contingências en- mas espalhadas pelo planeta. Atualmente,
trelaçadas sólidas construídas entre bandos depois de muitos conflitos, extinções e
vizinhos que em certo momento passavam fusões, existem apenas 193 estados politi-
a compartilhar a mesma língua, regras, va- camente reconhecidos.
lores e, principalmente, as mesmas crenças.
Com o surgimento das primeiras tribos era Maior território e alcance significam mais
esperado que o desenvolvimento da vida em complexidade, mais problemas socioculturais
grupos com centenas de indivíduos depen- a serem solucionados. Para Wilson (2012), da
desse da evocação e da manutenção de com- mesma forma como ocorre com a comple-
portamentos cooperativos. Possivelmente, xidade de um sistema biológico, a sociedade
tribos que cultivassem relações interpessoais precisou desenvolver a cultura do controle
fortes de obediência, fidelidade, solidariedade hierárquico para conquistar estabilidade e

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COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

manter-se sem o risco de extinção. O Estado sociedade, gerando grupos que precisavam
“é um sistema composto de subsistemas inte- se fortalecer por meio da cooperação para
ragentes, com estrutura hierárquica, descendo usufruir dos reforçadores que não lhes eram
em sequência até que o nível de subsistema acessíveis. Pequenos agricultores formavam
mais baixo seja alcançado, nesse caso, o ci- alianças para o arrendamento conjunto de
dadão” (Wilson, 2012, p. 127). Ao nível do terras cultiváveis na Babilônia. Grupos com-
Estado, Harari (2016) leciona que a cooperação postos por escravos, estrangeiros e alguns
que ocorre em larga escala e une milhares cidadãos livres na Grécia se uniam em as-
ou milhões sob a mesma bandeira está ali- sociações conhecidas como Oglonas e Tiasas
cerçada no estabelecimento de uma realidade para garantir enterros de seus mortos ou
imaginada coletiva, na qual criações ficcionais tratamentos de seus doentes. Carpinteiros,
como a religião, a moeda ou o próprio Estado sapateiros e serralheiros fortaleciam a classe
oferecem motivos comuns para estranhos co- artesã dando origem aos Colégios romanos.
laborarem entre si. Assim, desde a Revolução Agricultores e artesãos formavam agremia-
Cognitiva2, nos termos de Skinner (1981, p. ções para usufruir benefícios concedidos pelo
213), quando “a espécie humana se tornou faraó no antigo Egito (Klaes, 2005).
muito mais social”, porque “sua musculatura
vocal ficou sob controle operante”, os sapiens
vivem em uma “realidade dual” na qual a re- Cooperação diante do proble-
alidade objetiva dos rios, das montanhas e dos ma do uso de drogas
animais passa a ser impactada pela “realidade
imaginada de deuses, nações e corporações” A cooperação para a resolução do problema
(Harari, 2016, p. 41). social do uso de drogas se transformou ao
longo da história do período de formação dos
No período da história conhecido como Estados em sua necessidade de responder
Antiguidade, o poder do Estado já era buro- ao contracontrole exercido pelos excluídos e
crático e necessitava ser delegado a vice-reis marginalizados e suas famílias, em especial
e a outros governantes de segundo e terceiro quando esses excluídos e marginalizados
escalões para ser representado nos mais lon- consomem drogas em “uso arriscado”, uso
gínquos territórios. Com um número de sú- que reúne os padrões de uso abuso e de-
ditos e uma quantidade de riqueza suficientes pendência, termos diagnósticos relevantes à
alguns serviços públicos podiam ser entre- saúde pública porque impactam a socieda-
gues em benefício, primeiramente da elite, de e o Estado (Barbor, Campbell, Room, &
depois descendo até o nível mais baixo do Saunders, 1994). Saad (2001) destaca que o
público geral (Wilson, 2012). Mas dificilmente surgimento da ideia de “perda de controle”
chegava aos excluídos ou marginalizados da está atrelada a prejuízos na vida do usuário de

2  O termo “Revolução Cognitiva” se refere, segundo Harari (2016), ao período entre 70 mil anos atrás a 30 mil anos atrás, no qual
novas formas de pensar e se comunicar surgiram e possibilitaram um salto evolutivo aos Homo sapiens.

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COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

drogas e também a um desvio de um padrão causalidade do uso de drogas úteis para en-
de comportamento desejado para o benefício tender o controle por regras subjacente à
do grupo. Foi nos séculos XVII e XVIII que cooperação diante da ameaça do problema
surgiram os primeiros “tratamentos” para do uso arriscado de drogas para o grupo.
controlar este “mal”, com diversas noções
de causalidade, em geral nos Estados Unidos A cooperação é pela via da moral quando os
da América, com o álcool como o principal membros do grupo têm a crença (ou seja,
vilão ao bom convívio social. descrevem probabilidades de relações entre
eventos envolvendo o uso de drogas) de que o
O Movimento de Temperança, associado à usuário foi responsável pela história de aqui-
Igreja Protestante, encarregou-se de salvar sição e é responsável pela modificação do uso,
os “degenerados”. Em sua prática, descre- o que implica em considerar a manutenção
viam a “destrutividade” do álcool e o impe- do uso como crime ou fraqueza de vontade.
rativo da abstinência, porque o álcool era o A cooperação é pela via espiritual, como nos
grande vilão da cooperação por estar asso- grupos de ajuda mútua, quando os membros
ciado a crime, pobreza, abandono e falência acreditam que o usuário permitiu a aquisição
econômica. “A bebida alcóolica era o bode e permite a manutenção do comportamento
expiatório, no sentido clássico do termo: de uso de droga, sendo a manutenção desse
algo para ser sacrificado a fim de livrar a comportamento um afastamento de um ser
América dos seus principais males e pro- superior. Os cooperados pelo modelo de doença
blemas. Tudo estaria bem, se toda a nação não consideram o usuário como agente da
fosse abstinente” (Levine, 1984, p. 111). história de aquisição do uso e nem o agente
Nas práticas da Inquisição, a Igreja Católica de sua modificação, sendo a manutenção do
transferiu o termo lapso (“transgressão uso a recidiva de uma doença crônica. Por
moral”, “pecado” e “afastamento da fé”) fim, os cooperados pelo modelo compensa-
para o lapso do retorno ao uso do álcool. O tório não consideram o usuário como agente
Movimento da Temperança apropriou-se do da história de aquisição do uso, mas sim da
termo com o seu sentido religioso, visando a sua modificação, sendo a manutenção do uso
que os bêbados não atrapalhassem a harmo- uma interrupção breve da mudança.
nia do grupo (White, 1998; Borloti & César,
2015). O alcoolismo foi considerado doença Estes modelos coexistem atualmente nos
em 1810, consideração esta que influenciou serviços governamentais e privados, nas co-
a cooperação em grupos de ajuda mútua, munidades terapêuticas religiosas e no senso
como os atuais Alcoólicos Anônimos (Seibel comum (Schneider, 2010; Schneider & Lima,
& Toscano Jr., 2001). 2011; Da Silva & Calheiros, 2017). Ao nosso
olhar, as políticas públicas, dada a laicidade
Brickman et al. (1982) apresentaram os do Estado, ao menos na legislação, deveriam
modelos de compreensão das noções de atuar num modelo compensatório.

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COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

Políticas públicas sobre drogas

Como um conjunto de ações desenvolvidas pontos fundamentais para a construção de


ou fomentadas pelo Estado, as políticas sobre uma nova agenda nacional focada em reduzir
drogas visam ao alcance de objetivos de re- a demanda de drogas: a) integração das po-
solução de problemas decorrentes do uso ar- líticas públicas setoriais com a política an-
riscado de drogas, considerando uso arriscado tidroga; descentralização das ações em nível
os padrões de uso de interesse para a saúde municipal; e c) estreitamento das relações
pública (Barbor, Campbell, Room, & Saunders, com a sociedade e comunidade científica.
1994). Leis e decretos descrevem e regulam
ações que são cobradas ou ensinadas aos Diante das mudanças políticas, sociais e
servidores públicos, que as executam junto econômicas ocorridas nos primeiros anos
aos membros do grupo que apresentam esses de vigência da nova política, uma atualiza-
padrões ou são impactados pelos mesmos, ção do modelo fazia-se necessária. Assim,
como os familiares dos usuários. Essas ações durante o ano de 2004, a SENAD organizou
incluem basicamente prevenção do uso de um seminário internacional e seis fóruns
drogas, redução dos danos do uso de drogas, regionais para tratar sobre as transforma-
redução da oferta e da demanda de drogas, ções necessárias. Em 2005 o CONAD ratifi-
tratamento e reinserção social de usuários cou o realinhamento proposto, que passou
de drogas e familiares de usuários de drogas a se chamar Política Nacional sobre Drogas
(Brasil, 2003; 2005; 2006a; 2010; 2011). - PNAD, por meio da resolução nº 3/GSIPR/
CH/CONAD de 27 de outubro daquele mesmo
No Brasil, as primeiras iniciativas em direção ano (Brasil, 2005).
a uma política nacional sobre drogas surgi-
ram no final da década de 1990. Durante a XX Em 2006, a necessidade de diferenciar a figura
Assembleia Geral das Nações Unidas foram do traficante e a do usuário/dependente, bem
discutidas as diretrizes que possibilitaram o como compatibilizar instrumentos norma-
surgimento do Conselho Nacional Antidrogas tivos distintos impulsionaram a aprovação
(CONAD) e da Secretaria Nacional Antidrogas da Lei nº 11.343, que instituiu o Sistema
(SENAD). Coube à SENAD coordenar os esfor- Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
ços cooperativos entre sociedade e governo, – SISNAD (Brasil, 2006b). Com o SISNAD, o
articulando o tema drogas junto aos atores país passa a seguir a tendência mundial de
envolvidos, culminando, assim, no decreto estabelecer medidas de prevenção, atenção e
presidencial nº 4.345, que instituiu a Política reinserção social dos usuários/dependentes.
Nacional Antidrogas em agosto de 2002. Além disso, o encarceramento é substituído
por penas alternativas, tais como: a) adver-
No ano seguinte, em mensagem ao Congresso tência; prestação de serviços à comunidade;
Nacional, o governo federal destacou três e medida educativa. A regulamentação, que

298
COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

veio através do Decreto 5.912/2006, estabe- que envolvam a ação integrada do próprio
leceu os seguintes objetivos para o SISNAD: Estado junto à sociedade civil organizada.
A essa nova estratégia de gerir demandas
1. contribuir para a inclusão social do ci- públicas atribui-se o termo intersetorialidade
dadão, tornando-o menos vulnerável a (Veiga & Bronzo, 2014).
assumir comportamentos de risco para o
uso indevido de drogas, tráfico e outros Intersetorialidade pode ser vista como sendo
comportamentos relacionados; “a articulação de saberes e experiências no
2. promover a construção e a socialização do planejamento, realização e avaliação de ações,
conhecimento sobre drogas no país; com o objetivo de alcançar resultados inte-
grados em situações complexas, visando um
3. promover a integração entre as políticas
efeito sinérgico no desenvolvimento social”
de prevenção do uso indevido, atenção e
(Junqueira et al., 1997, p. 24). Ela emerge
reinserção social de usuários e dependen-
como estratégia para superar o histórico e
tes de drogas;
ineficaz particionamento do Estado, agindo
4. reprimir a produção não autorizada e o
como um processo que perpassa diferentes
tráfico ilícito de drogas;
políticas públicas, as quais, frequentemente,
5. promover as políticas públicas setoriais giram em torno de demandas sociais comuns.
dos órgãos do Poder Executivo da União,
Distrito Federal, Estados e Municípios. Os problemas sociais, como a pobreza, o
desemprego, a exclusão social e a depen-
Tais objetivos demandam ações conjuntas dência química são fenômenos heterogênios
entre órgãos/entidades públicas e a socie- e multidimensionais e, assim, exigem ar-
dade civil, e sua efetivação compreende a ranjos intersetoriais (Veiga & Bronzo, 2014).
um grande desafio cooperativo para o país. Entretanto, como superar as peculiaridades
O caminho lógico para a integração dos es- que distinguem diferentes agentes e estru-
forços de diferentes entes governamentais e turas em prol da necessária sinergia exigida
dos variados atores comunitários envolvidos para alcançar a intersetorialidade? Talvez a
pode repousar na adoção da intersetoriali- resposta esteja relacionada ao mesmo com-
dade como estratégia de cooperação. portamento que possibilitou que uma espécie
frágil e relativamente nova viesse a conquis-
tar o planeta: a cooperação.
Intersetorialidade como
estratégia de cooperação A cooperação tem sido definida por analistas
do comportamento como um comportamen-
A complexidade dos problemas sociais con- to social selecionado por contingências de
temporâneos já não responde às soluções reforçamento (Hake & Vulkelich, 1972; Keller
unissetoriais comuns à administração pú- & Schoenfeld, 1950; Schmitt, 1984; Skinner,
blica, exigindo novos arranjos de governança 1953/2002). Ela ocorre quando, ao menos,

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COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

dois organismos combinam respostas para a sociedade e o Estado não são necessaria-
a obtenção de reforço positivo ou negativo mente usuários de drogas). Entretanto, estas
para um, para o outro ou para ambos (Keller condições podem potencializar a probabi-
& Schoenfeld, 1950). Na dimensão das po- lidade de ocorrência do comportamento de
líticas públicas, a intersetorialidade segue, usar drogas que, por sua vez, pode deteriorar
analogamente, o mesmo padrão do com- as condições de vida do indivíduo e ser parte
portamento cooperativo dos organismos. Ou das contingências individuais para o uso de
seja, os produtos agregados de contingências drogas, acirrando a exclusão e a marginali-
comportamentais individuais entrelaçadas zação. Isto justifica o olhar comportamental
devem possibilitar um efeito selecionador para a cooperação que caracteriza a interse-
que reforce o seu entrelaçamento, a fim de torialidade no manejo estatal do uso arris-
manter as metacontingências envolvidas cado de drogas.
dentre as diferentes estruturas e processos
intersetoriais estabelecidos. Por este olhar, o comportamento individual
de uso de drogas é arriscado para a saúde
pública (sociedade e Estado) porque de-
Conclusão pendente de variáveis antecedentes e con-
sequentes, em geral socioeconômicas (que
Este ensaio descreveu a influência da coo- têm um grande peso na exclusão social do
peração no processo de desenvolvimento da indivíduo; UNODC, 2016), e é um elemento
cultura, dos bandos ao Estado, e articulou da contingência individual. Quando muitos
em termos comportamentais essa influ- usuários se comportam nesse padrão
ência ao conceito de intersetorialidade nas comportamental arriscado, em geral em
políticas públicas brasileiras sobre drogas. graus de leves a graves de exclusão, con-
Mostrou-se que a cooperação que caracteriza figura-se um macrocomportamento, que é
este conceito teve origem na necessidade de ou deveria ser observado por pesquisadores
resolver os problemas complexos que acom- em Epidemiologia como indicador de pre-
panharam a complexidade progressiva que valência do uso, a ser reduzida por ações
caracterizou a formação das culturas huma- estatais intersetoriais. Estas ações, por en-
nas. Nesta formação destacou-se a formação volverem contingências comportamentais
de grupos de excluídos e marginalizados pa- para comportamentos de atores governa-
ralela à formação dos grupos detentores dos mentais que interagem entre si na chamada
benefícios do comportamento cooperativo intersetorialidade, são políticas públicas em
(Wilson, 2012). metacontingências, que devem dar resolu-
tividade ao problema do uso arriscado, um
Segundo o relatório da UNODC (2016), usu- produto agregado que reforçará o entrela-
ários de drogas não são necessariamente çamento definidor da intersetorialidade da
excluídos ou marginalizados (e os que estão política pública. Um ponto principal que
nestas condições sociais impactantes para emerge de toda esta argumentação é que a

300
COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

complexidade envolvida no problema social começaram a surgir para garantir a emissão


do uso de drogas dita que sua solução envolve do comportamento virtuoso ao benefício do
a cooperação de atores de políticas públicas grupo. Crenças envolvendo a probabilida-
diversas, inclusive internacionais. de da morte ou da sobrevivência em função
disso se fortaleceram (Guerin, 1994), de
Na avaliação de Skinner (1953/2002), esta modo que a cooperação teve relação direta
cooperação é que irá produzir o efeito mais com a complexidade da vida social por seus
poderoso preconizado pelo último Relatório elementos simbólicos, tais como os controles
Mundial sobre Drogas (United Nations, 2016): religiosos do comportamento moral favorá-
num mesmo país, ou em diferentes países, vel à união do grupo, a força de uma cultura
indivíduos em grupos aumentarão o seu poder (Darwin, 1871; Trivers, 1971; Wilson, 2012).
de enfrentamento da gama de problema so- É neste sentido que Glenn (1989) iguala o
ciais, econômicos e ambientais que o uso de comportamento verbal à cola da infraes-
drogas circunscreve. A amplitude do sucesso trutura, da estrutura e da superestrutura da
disto depende do tamanho do grupo em co- prática cultural.
operação, ou seja, da quantidade de políticas
envolvidas, sabendo-se que quanto mais po- Na estrutura cultural, o Estado surge para
líticas, mais difícil é a obtenção do reforço. garantir a estabilidade do grupo pelo contro-
Assim, um primeiro passo é executar uma le hierárquico dos controladores e dos con-
boa prática em poucas políticas integradas trolados (Skinner, 1953/2002), para que se
(Pacheco, Santos, Souza & Skyrms, 2011). evitasse a instabilidade da maioria detentora
dos reforçadores (Wilson, 2012). Desde seu
O traçado do desenvolvimento da cooperação início, o Estado foi composto de “subsiste-
frente ao problema das ameaças e adversi- mas interagentes” (p. 127), fortalecidos por
dades em contingências aversivas evidencia elementos da superestrutura, como a Igreja,
que o cooperativismo evitou a extinção do em geral para dar suporte ao comportamento
grupo desde a formação dos primeiros bandos não verbal relacionado aos reforçadores deti-
(Diamond, 1997/2014; Harari, 2016) e isto dos pela minoria (Glenn, 1989). Harari (2016)
foi ensinado, via comportamento verbal, aos corrobora a ideia de analistas do comporta-
novos integrantes da cultura (Wilson, 2012). mento (i. e., Glenn, 1989) da interconexão
Esta instrução se estendeu para a instalação dos diferentes níveis da cultura (infraestrutu-
dos controles sociais pelos mitos e entidades ra, estrutura e superestrutura) na direção do
religiosas, funcionando como regra para o fortalecimento do comportamento social com
controle do comportamento social favorá- as propriedades da cooperação. A incidência
vel a todos, comunicando quem era “bom” ou prevalência do problema de um ou mais
ou “ruim” para esse favorecimento (Harari, indivíduos tornou-se um macrocomporta-
2016). Como extensões do tato e do mando mento em uma macrocontingência, cujo pro-
(Skinner, 1957; 1953/2002), elementos pro- duto cumulativo deu instabilidade à cultura
totípicos de religião (maldições, pragas) (Glenn et al., 2016).

301
COMPORTAMENTO Kester Carrara
EM FOCO VOL. 8

Entretanto, reforçadores primários e sim- tratamento e reinserção social), unificadas


bólicos ficam inacessíveis a alguns cida- no Brasil pelo Sistema Nacional de Políticas
dãos: os chamados excluídos (Klaes, 2005). Públicas sobre Drogas – SISNAD, sejam
Dentre eles estão os usuários de drogas, cujo executadas e monitoradas de modo inter-
problema atualmente é tido como um dos setorial, dada a complexidade do problema
mais complexos, uma ameaça à sustenta- (Veiga & Bronzo, 2014).
bilidade das nações (United Nations, 2016).
A tentativa de resolver o problema do uso A intersetorialidade, então, pode ser descrita
de drogas passou da dissuasão (“veja o que como a propriedade principal da metacon-
pode acontecer com quem faz coisa errada tingência de resolutividade do problema do
para o grupo”) à neutralização do usuário uso de drogas em todo o mundo (United
na tentativa de eliminá-lo como o “mal” ao Nations, 2016). Arranjos intersetoriais
grupo (Saad, 2001). A bebida alcoólica foi (Veiga & Bronzo, 2014), ou seja, “contin-
tida como “bode expiatório” das dificul- gências entrelaçadas” (Glenn, 1988, 1989,
dades do grupo, para quem o usuário não 1991), precisam ocorrer e serem seleciona-
servia como beneficiário (Levine, 1984). As das pelo próprio Estado ou pela sociedade.
cooperativas para enfrentamento do pro- É esta a propriedade do comportamento
blema, até os dias atuais, funcionam sob a social, a cooperação, que será selecionada
égide de modelos verbais de compreensão por contingências de reforçamento mantidas
(crenças) de responsabilização do usuário pelos próprios Estados como grupos (Hake &
pela aquisição e pela manutenção do pro- Vulkelich, 1972; Keller & Schoenfeld, 1950;
blema (Brickman et al., 1982). A despeito Schmitt, 1984; Skinner, 1953/2002), invaria-
da coexistência destes modelos nas culturas velmente como políticas públicas. Se foram
atuais, é uníssono que as ações desenvolvidas políticas de Estado, sobreviverão aos gover-
ou fomentadas pelo Estado como políticas nos transitórios como, analogamente, evolui
públicas sobre drogas (prevenção, redução o padrão de funcionamento “cooperativo”
de danos, redução de oferta e de demanda, dos sistemas biológicos dos organismos.

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 9

Condições que Interferem no Aline Beckmann Menezes


Universidade Federal do Pará - UFPA
Exercício de Competências do alinebcm@gmail.com
Psicólogo Escolar
Thiago Dias Costa
Universidade Federal do Pará - UFPA
Conditions that Interfere with the Exercise
thiagodiascosta@gmail.com
of Competencies by School Psychologists

Fadesp / Fapespa

Resumo Abstract
Estudos que levantam a lacuna entre importância e Studies about the gap between importance and
domínio de uma competência inferem que o domínio domain of a competence consider that domain is
é suficiente para o exercício da competência. Contudo, enough to exercise of the competence. However,
há condições que contribuem com a distância entre o there are conditions that interfere into the relation
“saber” e o “fazer”. Objetivo: Investigar o exercício between “knowing” and “doing”. Objective:
de competências de profissionais que atuam no con- Investigate the exercise of competencies by
texto da inclusão. Método: Pesquisa quanti-qualita- professionals that work with inclusive education.
tiva, com três profissionais da psicologia escolar que Method: Quanti-qualitative research with three
atuam com inclusão na rede municipal de ensino de school psychology professionals that work with
Belém-PA. Foram realizadas entrevistas individuali- inclusive education at municipal schools of Belém-
zadas semidirigidas e aplicado um questionário com PA. Individualized semi-directed interviews were
44 competências, no qual deviam ser assinalados o conducted and it was applied a questionnaire with
grau de importância e de aplicabilidade no cotidiano 44 competencies, in which it should be mark the
profissional de cada uma. Resultados: 30 competências grade of importance and applicability to their work.
apresentaram-se como críticas (elevada importância, Results: 30 competencies were found critical (high
baixa aplicabilidade). Nas entrevistas, identificou-se importance, low applicability). At the interviews, the
como principais condições interferentes: identida- main conditions found were identity, high demand,
de; demanda elevada; infraestrutura; isolamento; infrastructure, motivation. Discussion: to fully
motivação. Discussão: Para o exercício pleno destas exercise those competencies professional training
competências é importante a capacitação profissio- is required but not enough, it is even more urgent
nal. Todavia, esta ação poderá ser inócua sem uma the need to change contingencies.
contingência laboral que reconheça as competências
do Psicólogo Escolar e possibilite o seu desempenho.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Psicologia escolar; Competências; Gap School psychology; Competence; Gap

O presente capítulo é derivado de um simpósio apresentado(a) no XXVI Encontro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Comportamental, realizada no dia 08 de setembro de 2017, sob o título: VARIÁVEIS INTERVENIENTES AO EXERCÍCIO DE
COMPETÊNCIAS DO PSICÓLOGO ESCOLAR NO CONTEXTO DA INCLUSÃO.

307
COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Exercício de competências
profissionais
Competências foram definidas como compor- desempenho; avaliação de estudos de caso;
tamentos diretamente observáveis que des- dados de evolução de pacientes; formulários
crevem o desempenho esperado de um indiví- de avaliação de competência; levantamento
duo em determinado contexto (Ramos, Costa, com consumidores; análises de desempe-
Borba & Barros, 2016; Botomé & Kubo, 2002). nho presenciais ou filmadas; exames clínicos
objetivos e estruturados; portifólios; análise
Diversas iniciativas foram conduzidas com o de dados; autoavaliação; ensaio comporta-
intuito de mapear as competências necessá- mental; entrevistas padronizadas com pa-
rias para o exercício profissional da Psicologia cientes; exames orais; e exames escritos. Os
mais especificamente, da Psicologia Escolar autores destacaram que a escolha de qual
(Dunsmuir & Atinkson, 2015; Atinkson, destes métodos de construção de compe-
Dunsmuir, Lang & Wright, 2015; Marinho- tências será utilizado dependerá do tipo de
Araújo, 2005; Santos, Menezes, Borba, competência que se pretende construir, de
Ramos & Costa, 2017). Estas iniciativas têm aspectos operacionais que viabilizem o pro-
sido descritas como fundamentais para uma cesso e dos limites e possibilidades de cada
prática baseada em evidências. método. Para validar esse processo, Rodolfa
et. al. (2013) aplicaram um instrumento a
Kaslow et. al. (2004) descrevem o processo 403 profissionais de Psicologia dos Estados
de construção de uma série de diretrizes para Unidos e Canadá, no qual as competências
a construção de competências do profissio- descritas eram avaliadas quanto sua relevân-
nal de Psicologia, discutindo que avaliações cia para eficácia da atuação, sua frequência
centradas apenas no conhecimento seriam de utilização e sua importância para a prática
insuficientes e apontando a importância de no último ano. Foram avaliados, ainda, o
avaliar também habilidades e atitudes, a domínio (conhecimento) acerca da compe-
partir de modelos de avaliação que inclu- tência e em que momento da formação ela
am a perspectiva do paciente, avaliações deveria ser adquirida. Como resultado, foram
360 graus (nas quais todos os membros da propostas seis categorias de competências:
equipe avaliam as competências de acordo base de conhecimento científico (com oito
com o desempenho individual de todos os competências); processo decisório baseado
membros) e/ou autoavaliações Anos depois, em evidências (com cinco competências);
foi publicado um conjunto de ferramentas competências cultural e interpessoal (com
para delimitar as competências profissio- quatro competências); profissionalismo e
nais da Psicologia (Kaslow et al., 2009), a ética (com 10 competências); avaliação (com
partir de diferentes métodos possíveis: ava- 10 competências); e intervenção, supervisão
liações 360 graus; avaliações periódicas de e consultoria (com oito competências).

308
COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Quanto à atuação do psicólogo no contexto concepção de competência como um referen-


escolar e educacional mais especificamen- cial de desempenho profissional, descrevendo
te, Dunsmuir e Atinkson (2015) e Atinkson, cada competência a partir de comportamentos
Dunsmuir, Lang e Wright (2015) descreveram observáveis (o que deve ser feito), comple-
o uso do método Delphi para obtenção de con- mentados com as condições dessa prática e os
senso acerca das competências necessárias critérios de efetividade (Ramos, Costa, Borba
para o profissional de Psicologia Educacional a & Barros, 2016). Foram, assim, propostas 44
serem desenvolvidas em programas de douto- competências, divididas em quatro catego-
ramento na Grã-Bretanha, dividindo a inves- rias: Institucional (vinte e oito competências),
tigação de acordo com a faixa etária do público Institucional Junto ao Aluno (oito competên-
alvo da atuação (0 a 9 anos e 16 a 25 anos). cias), Atuação Clínica (três competências) e
Competências Pessoais (cinco competências).
A discussão de competências do psicólogo
escolar no Brasil é recente e tem sido capi- A categoria Institucional refere-se à atuação
taneada por Marinho-Araújo. Dentro desta junto à comunidade escolar como um todo,
perspectiva, foi realizada uma capacitação buscando contribuir com mudanças cultu-
de seis psicólogas escolares da rede pública rais e relações complexas entre os indivídu-
de ensino do Distrito Federal com o objetivo os envolvidos. Fazem parte desta categoria,
de identificar e desenvolver as competên- por exemplo, a competência “Promover o
cias necessárias ao psicólogo escolar (Araújo, atendimento e acolhimento à família pos-
2003; Marinho-Araújo & Almeida, 2006). sibilitando a coleta de informações sobre o
Para Marinho-Araújo (2007), a utilização aluno e o desenvolvimento de propostas para
do conceito de competência deve ser dire- solução de questões presentes no contexto
cionada, assim, à consolidação da prática e escolar” (Apêndice A).
identidade do profissional, sendo definidas
as competências a partir de especificidades De forma similar, a categoria “Institucional
conceituais, teóricas, metodológicas e ope- Junto ao Aluno” refere-se a práticas focadas
racionais de cada profissão. no discente, mas contextualizada de forma
abrangente e envolvendo, direta ou indire-
Com objetivo de contribuir com o refina- tamente, os demais membros da comuni-
mento da caracterização de competências dade escolar. Faz parte desta categoria, por
necessárias à prática da Psicologia Escolar, exemplo, a competência: “Acompanhar o
Santos, Menezes, Borba, Ramos e Costa desempenho escolar do aluno, visando au-
(2017) analisaram 45 diferentes publicações xiliar na melhoria do seu processo de ensi-
nacionais (incluindo artigos, teses, projetos no-aprendizagem” (Apêndice A).
político-pedagógicos, resoluções e leis) que
se propunham a definir o escopo da prática do De acordo com Santos et. al. (2017), estas
psicólogo escolar. Tal análise foi pautada na duas categorias refletem a atuação do

309
COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

profissional de Psicologia Escolar mais re- Em um estudo que investiga a relação entre
cente. Estas competências apareceram com o “dizer” e o “fazer” no comportamento de
mais frequência nos trabalhos analisados por professores, Ricci e Pereira (2006) aplica-
esses autores. ram um questionário a docentes sobre como
reagiriam a determinadas situações em sala
A categoria de “Atuação Clínica” descreve de aula e posteriormente observaram estes
competências referentes a “...detecção de professores, analisando as correspondências,
problemas de aprendizagem, avaliação e aten- tanto topográficas quanto funcionais, entre
dimento psicológico.” (Santos et al., 2017, p. os padrões relatados e aqueles registrados
228). Enquadra-se nesta categoria competên- nas sessões de observação. Os autores en-
cias como: “Realizar intervenção psicológica contraram então que houve mais situações
às demandas do aluno auxiliando-o em suas em que não havia correspondência, nem
dificuldades emocionais, comportamentais e/ topográfica e nem funcional, entre o que
ou cognitivas” (Apêndice A). Segundo os auto- foi dito e o que foi observado nas salas de
res, tais competências possuem respaldo tanto aula. Os autores discutiram tal discrepância
em artigos quanto em normativas da área. a partir de três aspectos: “a multidetermina-
ção do comportamento, o comportamento de
Por fim, a categoria “Competências Pessoais” auto-observação e o comportamento auto-
apresenta competências transversais, ines- descritivo do falante” (p. 44), isto é, análise
pecíficas da prática da Psicologia Escolar, das contingências em vigor; a habilidade in-
mas que se referem a habilidades relacionais, dividual de discriminar o próprio repertório;
postura crítica e atualização teórico-prática e, por fim, as diferenças entre o que controla
constante. Um exemplo desta categoria é a o dizer e o fazer.
competência: “Buscar feedback sobre o seu
próprio desempenho identificando possibili- Ainda para Ricci e Pereira (2006), o relato
dades de melhoria contínua de sua atuação” pode ser destoante da prática, pois contin-
(Apêndice A). gências diferentes podem controlar o com-
portamento verbal e a resposta descrita em
A despeito das iniciativas em descrever com- seu contexto natural. Ao relatar sobre como
petências profissionais, seu desempenho reagiria a uma determinada situação, o fa-
depende diretamente, como qualquer outro lante pode estar sob controle de um número
comportamento, da interação do indivíduo mais reduzido e/ou diferente de variáveis do
com contingências ambientais específicas que quando está exposto à situação concreta.
(Skinner, 1953). O reconhecimento do que Desta forma, as contingências em vigor para
se espera do profissional no contexto escolar o comportamento verbal nem sempre são
e a oferta de ferramentas e ambiente físico coincidentes com aquelas em vigor para a
adequado para o seu desempenho exempli- resposta previamente descrita. Neste caso,
fica tais especificidades. ao responder ao pesquisador, o indivíduo

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

pode estar sob controle de contingências es- estabelecedoras, como a saciação. Pode-se
pecíficas da entrevista, mas que não refletem refletir, assim, que além da instalação de um
sua prática profissional cotidiana. repertório (no caso presente, do treinamento
e desenvolvimento de competências profis-
A contraposição entre dizer/fazer gera uma sionais), mesmo que este continue produ-
reflexão acerca dos limites da formação pro- zindo consequências reforçadoras (como os
fissional. Um indivíduo pode ser considerado produtos do exercício profissional), não se
competente a emitir uma determinada res- pode esperar a ocorrência do mesmo caso as
posta na presença de determinados conjuntos contingências vigentes no âmbito da atuação
de estímulos, mas ainda assim não o fazer, profissional não sejam eficazes.
pelo fato de estar inserido em um ambiente
onde estímulos concorrentes sinalizam res- Considerando o que foi exposto até este mo-
postas antagônicas. Em outras palavras, um mento, é possível afirmar que o grau de domínio
Psicólogo Escolar que recebe instruções de de uma competência, o quão bem determinado
sua instituição de trabalho a se comportar indivíduo poderia desempenhar determinada
como clínico, pode não apresentar as com- competência, é insuficiente para prever a sua
petências almejadas para este profissional, ocorrência. Além da descrição de que com-
a despeito de desempenhá-las a contento. portamentos são necessários ao exercício pro-
fissional, o desempenho do Psicólogo Escolar
Miguel (2000), afirmou, por exemplo, que estaria diretamente atrelado a determinadas
um indivíduo pode ter aprendido um de- contingências de trabalho, o que definiria a
terminado comportamento (saber), mas não diferença entre a importância da competência
haver “reforçamento disponível para que o e sua aplicabilidade no contexto laboral.
comportamento ocorra” (p. 259) – seja pela
inexistência ou pela ineficácia das consequ- Assim, o objetivo do presente trabalho foi
ências. O autor discutiu o conceito de ope- identificar elementos que podem interferir
rações estabelecedoras, como aquelas que no desempenho de competências necessárias
operam no fortalecimento de uma resposta ao Psicólogo Escolar de acordo com relatos
(como a privação e a saciação), alterando de profissionais que trabalham cotidiana-
a efetividade de um estímulo reforçador e mente na área.
mudando a função de um estímulo neutro
para discriminativo (dentre outros efeitos).
Método
No contexto da Análise Aplicada do
Comportamento, Miguel (2000) relatou estu- Participantes
dos que demonstraram que comportamentos
poderiam ser extintos mesmo que continu- Participaram três profissionais do sexo fe-
assem produzindo consequências mantene- minino, concursadas e lotadas na Secretaria
doras, em função da presença de operações Municipal de Educação de Belém, atuando

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

enquanto psicólogas escolares no setor de in- apresenta as competências do psicólogo esco-


clusão. A idade média das participantes era de lar propostas pelos autores, com sua descri-
35 anos e o tempo médio de atuação na função ção completa. Ao lado de cada competência,
era de quatro anos. Para fins de descrição de é possível avaliar o grau de importância da
resultados, as participantes foram apresen- competência para a atuação do psicólogo es-
tadas no presente trabalho como P1, P2 e P3. colar em uma escala likert de 0 a 5 (variando
de “nenhuma relevância para a atuação do
psicólogo escolar” a “extrema relevância para
Ambiente a atuação do psicólogo escolar”). Na coluna
seguinte, cada competência pode ser avaliada
A coleta de dados se deu na sala de psicologia em grau de aplicabilidade (variando de “nunca
do órgão. A sala era refrigerada e iluminada, executo esta competência no meu cotidiano”
tendo aproximadamente 8 m e possuindo
2
a “sempre executo esta competência no meu
uma mesa, quatro cadeiras, um computador cotidiano”). Ao final do instrumento, há uma
e um armário. questão aberta para comentários e sugestões.

Materiais e instrumentos
Procedimento
Foram utilizados neste estudo dois instru-
mentos: formulário de mapeamento de com- O projeto foi submetido para apreciação no
petências do psicólogo escolar e roteiro de Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de
entrevista semidirigida. Ciências da Saúde da Universidade Federal do
Pará, sendo aprovado no parecer 1.996.825. O
A entrevista semidirigida era composta por projeto foi encaminhado junto a um ofício à
perguntas abertas iniciais, sendo que após as Secretaria Municipal de Educação solicitando
respostas das mesmas, novas perguntas com a autorização para a realização da pesquisa
objetivos descritivos foram feitas: 1) Como e a listagem de profissionais de Psicologia
você caracteriza a sua atuação? 2) Quais as atuantes junto à mesma. Encaminhou-se
maiores dificuldades para o seu exercício então ofício ao setor de inclusão solicitando
profissional? 3) Quais os fatores facilitadores autorização para a realização da pesquisa e,
da sua atuação? através de contato pessoal, foram agendadas
as coletas no próprio local de trabalho, em

O formulário de mapeamento de compe- dias diferentes.

tências do psicólogo escolar foi baseado nas


44 competências propostas por Santos et al. A coleta iniciava com a entrevista, para di-
(2017) (Apêndice A). O questionário contém minuir a influência do instrumento sobre as
uma breve apresentação do instrumento, ins- respostas das participantes. Após a conclusão
truções para o preenchimento e um cabeça- da entrevista, o instrumento era entregue à
lho para os dados pessoais. O instrumento participante, sendo auto aplicado.

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Análise dos dados Resultados e Discussão

Os dados do instrumento foram analisados a Foi calculada a discrepância entre importância


partir do cálculo da média dos valores atri- e aplicabilidade das 44 competências cons-
buídos pelas participantes a cada compe- tituintes do formulário de mapeamento de
tência quanto à sua importância e quanto à competências do psicólogo escolar. Destas,
sua aplicabilidade. A discrepância entre essas nenhuma apresentou valor negativo. Apenas
médias foi então obtida para cada compe- seis competências apresentaram valor de
tência, conforme a fórmula abaixo: discrepância equilibrado, indicando possuir
aplicabilidade próxima ao grau de importân-
(MI+MA)/2 = D cia: Atuação interdisciplinar; Atuação junto à
família; Despatologização do fracasso escolar;
Onde MI significa a Média dos Graus de Encaminhamento; Avaliação psicológica; e
Importância; MA significa a Média do Grau Atuação crítica. Destas, Atuação junto à família
de Aplicabilidade; e D significa a Discrepância recebeu grau máximo tanto de importância
entre importância e aplicabilidade. quanto de aplicabilidade por todas as partici-
pantes, indicando ser uma competência crucial
Os valores de discrepância foram utilizados para o seu exercício profissional (Figura 1).
para a discussão, sendo considerado que va-
lores negativos representariam competências Por sua vez, 23 competências apresentaram
com aplicabilidade superior à importância; discrepância intermediária (Figura 2). Isto
valores iguais ou inferiores a 1,5 seriam con- indica um reconhecimento da pertinência
siderados equilibrados; valores superiores a destas competências para sua atuação pro-
1,5 e iguais ou inferiores a 3 seriam consi- fissional, mas pouca aplicação cotidiana das
derados com discrepância intermediária; e, mesmas. Todas as competências apresentadas
por fim, valores superiores a 3 seriam con- aos participantes tiveram notas altas de im-
siderados com discrepância crítica. portância (entre 4 e 5 pontos), com exceção a
Recrutamento e seleção e a Atendimento clíni-
Os dados qualitativos oriundos das entrevis- co (Figura 2). O fato dessas duas competências
tas foram categorizados a partir da análise estarem em áreas de confluência com outras
semântica dos seus conteúdos, buscando possíveis atuações do psicólogo (organizacio-
identificar possíveis contingências em vigor nal e clínico, por exemplo), podem explicar o
quanto ao exercício das competências. grau de importância endereçada a elas.

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Figura 1. Graus de importância e aplicabilidade das competências com discrepância equilibrada (entre 0 e 1,5).

Figura 2. Graus de importância e aplicabilidade das competências com discrepância intermediária


(superior a 1,5 e igual ou menor que 3).

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Figura 3. Graus de importância e aplicabilidade das competências com discrepância crítica (superior a 3).

Por sua vez, 15 competências apresentaram relataram não aplicar tais competências no
discrepância crítica (superior a 3), indicando seu cotidiano profissional.
apesar da importância elevada (variando de
4,3 a 5), possuem aplicabilidade baixa (va- Como já exposto anteriormente por Ricci e
riando de 0 a 1,7), ou seja, são consideradas Pereira (2006), há uma série de condições
de grande importância pelas profissionais, que podem explicar a não aplicação de com-
mas com pouca inserção nas suas práticas. petências em ambiente laboral, a despeito de
seu grau de domínio elevado. Com o objetivo
A discussão pormenorizada de cada uma de identificar tais condições, foram feitas as
das competências foge o escopo do presente análises qualitativas das entrevistas.
estudo. Todavia, os dados indicaram que os
participantes se identificaram com a atuação A análise dos dados qualitativos da entre-
descrita na literatura enquanto da área de vista apontou cinco categorias de condições
Psicologia Escolar de acordo com a proposta que afetavam o desempenho das compe-
estabelecida por Santos et al. (2017), atri- tências de acordo com os participantes:
buindo elevada importância às competên- Identidade; Demanda elevada; Infraestrutura;
cias descritas. Ainda assim, em sua maioria, Isolamento; Motivação.

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Quanto à Identidade, a fala das entrevistadas De acordo com as participantes a expectativa


demonstrou uma falta de clareza acerca da dos demais profissionais é limitada à prática
atuação profissional do psicólogo escolar, em clínica, de modo que a demanda oficial do
especial por parte dos demais membros da trabalho do psicólogo, no contexto profis-
equipe. Segundo elas, não há um protocolo de sional investigado é restrita à avaliação e ao
quais atividades devem ser desempenhadas e diagnóstico. Esta limitação à clínica é cor-
não há capacitações regulares na rede muni- roborada pela literatura da área (ver Souza
cipal. De acordo com Marinho-Araújo (2007), & Almeida, 2013, como exemplo). Pode-se
a clareza das competências a serem exercidas considerar, contudo, que a percepção desta
contribui com a identidade profissional. limitação é um aspecto positivo que demons-
tra que as profissionais possuiam clareza do
Descrevendo o início de sua atuação, uma alcance de sua prática profissional. Por outro
das participantes relatou: “Foi um momento lado, indicam que as contingências em vigor
de amadurecimento. Inicialmente foi muito provavelmente reforçam práticas considera-
complicado porque cada um procurava o seu das menos importantes pelas profissionais,
lugar, mas hoje a gente se compreende mais, em detrimento daquelas que estas identifi-
sabemos exatamente o trabalho de um e de caram como primordiais.
outro” (P3). Outra psicóloga relatou: “Falta
um protocolo sobre o que fazer. O serviço A ênfase na avaliação e no diagnóstico tem
fica a nosso critério mesmo” (P1). sido reiteradamente criticada na literatura,
devendo ser substituída por práticas eman-
A descrição do que se espera do profissional cipatórias e que favoreçam a construção da
favorece tanto o bom desempenho do traba- cidadania (Oliveira & Dias, 2016). Entretanto,
lho quanto a busca por qualificação (Rodolfa pode-se inferir que a expectativa apresenta-
et al., 2013). Na ausência de regras claras da pelas equipes que coordenam os setores
que descrevam o comportamento esperado, educacionais nos quais estas profissionais
o profissional precisa se expor às contin- estão inseridas se reflete em contingências
gências diretamente e de forma individual, que reforçam a adoção do modelo clínico e
o que torna o processo de aprendizado mais punem ou extinguem respostas direcionadas
lento e custoso(Skinner, 1972). Referindo à a objetivos que destoam dessa prática. Essa
prática docente, Skinner (1972) apontou a interpretação é corroborada pela fala de P3 de
ausência de um treinamento sólido de prá- que “são feitas avaliações, não atendimentos.
ticas de ensino, de modo que a modelagem A questão é verificar se a criança tem algum
dessas era resultado apenas da experiência transtorno”. Moreira e Guzzo (2015) aponta-
profissional. Pode-se hipotetizar, assim, ram que para a atuação apresentar impactos
que este cenário faz-se presente também no reais no contexto escolar, seria importante
contexto de atuação das profissionais que que o profissional estivesse efetivamente in-
participaram do presente estudo. serido no contexto institucional. Deste modo,

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

a configuração da atuação, tal como se encon- trabalho clínico. A alta demanda de avaliações
tra no cenário investigado, dificulta que este acaba por ser concorrente com o desenvolvi-
profissional possa modificar as contingências mento de outros tipos de atuação.
em vigor nas escolas em questão.
A terceira categoria de condições interferen-
Este contexto parece indicar, assim, que de- tes identificada foi referente à infraestrutura.
terminadas respostas (referentes especial- Segundo as participantes, há falta de espaço
mente ao modelo institucional de atuação) para guardar apropriadamente documentos,
eram reforçadas durante a formação profis- o que provoca desorganização de forma pre-
sional, enquanto outro conjunto de repostas judicial ao andamento das atividades. Além
(referentes ao modelo clínico) são reforçadas disso, descreveram a sala como pequena e
quando no exercício profissional, gerando sem isolamento sonoro, o que reduz o sigilo
assim, contingências concorrentes. dos atendimentos realizados. Outro aspecto
destacado foi a existência de poucos materiais
No que se refere à demanda elevada, as na Sala de Recursos, limitando o aprofunda-
participantes relataram que cada psicólo- mento da avaliação apenas aos instrumentos
ga é responsável pela demanda oriunda de existentes, mesmo que elas estejam aptas a
múltiplas escolas distintas, o que resulta em avaliações mais completas. A P2 relata que
um número elevado de alunos encaminhados “a sala de recursos tem poucos materiais...
diariamente para avaliação. De acordo com a avaliação acaba sendo superficial!”.
P3, cada psicóloga atua “dando assessoria
a cinco escolas diferentes”. É válido des- A aquisição destes materiais é descrita por
tacar que a assessoria a qual a participante elas como inviável. P1 relatou que “a dificul-
se refere configura-se como o atendimento dade em ter retorno da secretaria é grande
pontual a situações problemas enfrentadas quando fazemos pedidos de materiais. E
pelas escolas, havendo então a solicitação da muitas vezes os que vem são de baixa qua-
profissional para intervir em caráter emer- lidade”. Além disso, os pedidos de materiais
gencial. Esse cenário já se encontra descrito básicos (como canetas) não são atendidos.
na literatura da área, como se pode observar
em Marinho-Araújo e Almeida (2005). É preciso que haja contingências favoráveis
para o exercício de determinados
Segundo Souza e Almeida (2013), a ausência repertórios comportamentais, mas o
de regulamentação da prática do psicólogo profissional também é um construtor destas
escolar possibilita situações de carga horária contingências. Skinner (1953) afirmou que
baixa e/ou restrição a projetos específicos, “é natural que os consumidores se voltem
sem que esteja “construído o seu espaço pro- para os defeitos mais conspícuos de local,
fissional” (p.249). Novamente, pode-se per- pessoal e equipamento, em vez de voltar-se
ceber que a estrutura de atuação profissional para o método” (pp. 89-90). Assim, as li-
parece criar contingências que favorecem o mitações físicas da atuação são acentuadas,

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

afetando o olhar sobre as formas de atu- relatos de sentimentos de solidão entre psi-
ação que poderiam ser desenvolvidas. Em cólogos escolares.
contrapartida, sem um protocolo claro de
atuação deste tipo de profissional, a infra- Por fim, a última categoria derivada das entre-
estrutura ideal necessária para sua atuação vistas foi Motivação. Segundo as participantes,
se torna de difícil idealização. o engajamento no trabalho era reduzido em
função da baixa remuneração, de condições
Outra condição que foi destacada nas en- de trabalho e pelo pouco interesse na atuação
trevistas foi o Isolamento. De acordo com na área escolar, tendo assumido o cargo mais
as profissionais entrevistadas, há escassez em função da estabilidade enquanto servidor
de serviços públicos ofertados para o en- público do que pela prática em si.
caminhamento de demandas específicas,
dificultando o estabelecimento de parce- Na perspectiva analítico-comportamental, as
rias. Mesmo quando tais serviços estão variáveis motivacionais têm sido compreendi-
presentes, elas percebem que a quantidade das a partir do conceito de operações estabe-
de profissionais é reduzida, havendo pouca lecedoras. Dentre os diversos tipos existentes,
disponibilidade dos mesmos. P3 destacou pode-se aplicar ao exemplo aqui presente a
que até “a distância dos serviços oferecidos privação, que é pré-requisito para que uma
de psicologia tornam a ida à terapia mais dada consequência (a estabilidade financeira
difícil para as famílias”. decorrente do concurso público) adquire função
reforçadora. Após a obtenção da consequên-
Para as participantes sua atuação se tornava, cia, a função reforçadora da mesma tenderia,
assim, isolada e pouco contextualizada. Os assim, a diminuir (Miguel, 2000). Seguindo
próprios relatórios referentes às avaliações este raciocínio, a estabilidade financeira con-
foram percebidos como documentos proto- trolou a resposta de concorrer e de assumir a
colares, comumente arquivados na escola e vaga, mas não é suficiente para controlar di-
pouco utilizados para a elaboração de pro- versas respostas demandadas cotidianamente
postas de atuação profissional. Esta situação e que, como apresentado, estão inseridas em
ilustra uma situação em que a ausência de outras contingências concorrentes.
consequências para o desempenho profis-
sional pode afetar a emissão da resposta, Isso também já foi observado em outros es-
conforme defendido por Miguel (2000). tudos. Em pesquisa realizada na cidade de
Natal-RN, 70% dos psicólogos escolares re-
Esse dado é corroborado pela literatura. Por lataram atuar “circunstancialmente” na área
exemplo, Medeiros e Aquino (2011) encontra- (Yamamoto, 1990). Este dado pode descrever
ram que psicólogos escolares da rede pública uma atuação que está mais sob controle de
da Paraíba reconheceram a importância da consequências não contingentes ao traba-
interdisciplinaridade, mas não conseguiam lho desenvolvido e que independe da forma
exercê-la efetivamente. Por sua vez, Prediger como o trabalho é executado, como o salário
e da Silva (2014) encontraram recorrentes recebido no final do mês, por exemplo.

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Considerações Finais

O presente trabalho demonstrou que, além da de um psicólogo escolar que deveria estar
necessidade de identificação de competên- contribuindo com o desenvolvimento de
cias profissionais e o respectivo domínio das habilidades educativas e com o ambiente
mesmas, outras condições podem afetar seu organizacional. Com a análise do relato
desempenho. O trabalho do psicólogo escolar dos participantes, é possível atestar que,
envolve aspectos culturais que demandam embora estes profissionais sejam capazes de
análise e manejo de contingências. descrever o que se espera de um Psicólogo
Escolar, a realidade da instituição de ensino
A capacitação profissional, tal qual desta- e suas demandas dificultam que as mesmas
cada por Brandão (2012) é essencial, mas os se desempenhem condizentemente.
dados do presente trabalho indicaram que é
insuficiente. Sem uma contingência laboral Desta forma, os trabalhos que se predispõem a
que reconheça as competências do Psicólogo identificar competências profissionais podem
Escolar e possibilite o seu desempenho, o se beneficiar diretamente do conceito de con-
desempenho de suas competências pode tingências, considerando que determinados
ficar comprometido. desempenhos só ocorrem na relação entre o
indivíduo e seu ambiente de trabalho.
Pode-se inferir que a limitação da prática
da Psicologia Escolar à avaliação psicoló- O presente estudo é preliminar, com amos-
gica tem a função de possibilitar a esqui- tra reduzida e método quanti-qualitativo,
va dos demais agentes educacionais em se sendo limitado em seu potencial de genera-
envolverem diretamente com as demandas lização. Contudo, seus resultados são cor-
do contexto escolar. Desta forma, tentativas roborados pela literatura no que se refere
de atuação mais contextualizadas podem ser à descrição de algumas contingências ne-
punidas, tornando mais provável que o pro- cessárias para o exercício profissional em
fissional da Psicologia restrinja a sua atuação contexto organizacional.
a atividades que não refletem as expectativas
de um psicólogo escolar. É importante que estudos sejam realizados para
investigar possíveis condições que interfiram
Os Psicólogos Escolares, retratados no tra- no exercício de competências do Psicólogo
balho, são demandados a realizar avalia- Escolar, propondo possíveis estratégias de
ções diagnósticas e conduzir psicoterapias modificação das práticas culturais que limitam
para resolução de comportamentos proble- o exercício pleno das competências conside-
ma. Tais atividades estão muito distantes radas relevantes pelos profissionais.

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COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

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Apêndice A
Lista de Competências com Descrição Completa

Competências Clínicas Competências Institucionais

Atendimento Clínico: Realizar intervenção Análise Contextual: Analisar o contexto da


psicológica às demandas do aluno auxilian- realidade educacional e as possibilidades
do-o em suas dificuldades emocionais, com- de atuação profissional, planejando ações e
portamentais e/ou cognitivas. procedimentos que garantam a consecução
dos objetivos institucionais.
Avaliação Psicológica: Realizar avaliação
psicológica individualmente ou em grupo, Análise do Clima Educacional: Analisar e in-
utilizando técnicas aprovadas pelo Conselho tervir no clima educacional buscando opor-
Federal de Psicologia, com a finalidade de tunidades de melhorias no ambiente escolar,
explicar fenômenos psicológicos e subsidiar especialmente na relação entre alunos, pro-
processos decisórios no âmbito escolar. fessores e gestores.

Intervenção Psicopedagógica: Intervir Análise Institucional: Analisar as relações


frente a problemas de aprendizagem, apli- entre os múltiplos segmentos do sistema
cando conhecimentos e estratégias indivi- educacional, considerando suas caracterís-
dualmente e/ou em grupo que auxiliem no ticas particulares, para auxiliar no atendi-
desenvolvimento sócio-afetivo e cognitivo. mento das necessidades institucionais com
relação ao processo educacional.

322
COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Apresentar Trabalhos: Apresentar trabalhos Atuação Preventiva: Propor estratégias de


de forma clara e objetiva utilizando estra- promoção e bem estar aos membros da
tégias de comunicação criativas e diversi- comunidade escolar, de forma preventiva,
ficadas de acordo com as características do sobre potenciais circunstâncias e demandas
público-alvo. no contexto escolar.

Assessoria e Orientação: Expedir recomen- Auxílio à Gestão Escolar: Auxiliar na gestão


dações aos agentes educacionais na elabora- escolar contribuindo para a construção e/ou
ção e implementação de programas de apoio manutenção de uma gestão democrática que
administrativo e educacional viabilize a participação de toda comunidade
escolar na promoção do desenvolvimento
Atenção à Saúde: Desenvolver ações de pre- institucional.
venção, promoção, proteção e reabilitação da
saúde psicológica e psicossocial, tanto em Avaliação: Colaborar com a equipe escolar na
nível individual quanto coletivo, bem como avaliação de projetos educacionais, estraté-
a realizar seus serviços dentro de padrões de gias de aprendizagem e estrutura curricular
qualidade e dos princípios da ética/bioética. para o auxilio da melhoria dos processos
educacionais.
Atuação Interdisciplinar: Atuar de forma
cooperativa com a equipe multiprofissional, Desenvolvimento de Agentes Educacionais:
considerando o projeto político-pedagógi- Auxiliar na construção de programas que
co, auxiliando na melhoria do processo de orientem os agentes educacionais na adap-
ensino-aprendizagem. tação ao trabalho e/ou ações de desenvolvi-
mento, treinamento e capacitação, utilizando
Atuação Junto à Comunidade: Implementar, metodologias pertinentes, de acordo com os
participar e/ou apresentar propostas de ati- objetivos da instituição.
vidades que ampliem a participação e a in-
tegração da comunidade com a escola. Despatologização do Fracasso Escolar:
Acompanhar alunos e orientar profissio-
Atuação Junto à Família: Promover o atendi- nais de modo a lidar com dificuldades de
mento e acolhimento à família possibilitan- aprendizagem rompendo com a cultura de
do a coleta de informações sobre o aluno e o patologização e a medicalização dos alunos.
desenvolvimento de propostas para solução
de questões presentes no contexto escolar. Diálogo Junto aos Funcionários: Promover
espaços de diálogo com funcionários bus-
Atuação Junto ao Docente: Avaliar, orientar e cando o atendimento de suas demandas e
acompanhar o professor em sua relação com consequentemente a garantia de sua parti-
o discente, contribuindo para a promoção da cipação na instituição escolar.
aprendizagem e desenvolvimento do aluno.

323
COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Educação Especial: Propor programas e ações Mediação: Atuar como mediador nas rela-
adequados às especificidades de cada aluno ções sociais e institucionais, favorecendo a
com necessidades especiais e à legislação articulação entre os membros da comuni-
vigente, que auxiliem a sua inclusão e o seu dade escolar e auxiliando na resolução de
processo de ensino-aprendizagem. conflitos e obtenção de acordos.

Elaborar Pesquisas e Estudos: Desenvolver Planejamento: Definir objetivos, ações e re-


pesquisas e estudos utilizando diferentes sultados alinhados aos interesses e estraté-
métodos de investigação científica, visando gias da instituição.
o atendimento das necessidades institucio-
nais e o desenvolvimento do conhecimento Políticas Públicas Educacionais: Contribuir
científico. com a elaboração e/ou implementação de
políticas públicas educacionais adequadas
Elaborar Projeto Político-Pedagógico: ao ambiente escolar e que colaborem para a
Colaborar com a equipe escolar na construção promoção do desenvolvimento educacional.
do projeto político-pedagógico, de acordo com
as políticas de educação e a realidade escolar. Promover Esclarecimentos: Promover escla-
recimentos aos profissionais da Educação e
Estabelecer Parcerias: Estabelecer parcerias aos demais membros da comunidade escolar
e diálogo com a comunidade e redes sociais sobre o papel e atuação do psicólogo escolar/
de apoio para o planejamento de ações de educacional.
saúde e cultura que forneçam cuidado inte-
gral ao aluno. Promover Espaços de Diálogo: Desenvolver
espaços que promovam o diálogo entre os
Formação Continuada de Professores: membros da comunidade escolar visando
Promover discussões que auxiliem a forma- favorecer a problematização de questões
ção continuada de professores com foco no presentes no contexto escolar e o desenvol-
desenvolvimento de competências que favo- vimento de propostas para solução destas.
reçam a atuação junto aos alunos, bem como
o planejamento e avaliação dos processos de Promover Eventos e Oficinas: Planejar, exe-
ensino-aprendizagem. cutar e acompanhar eventos e oficinas que
auxiliem o desenvolvimento dos membros da
Gestão de Projetos e Programas: Elaborar, comunidade escolar e atendam os objetivos
implantar acompanhar e reformular proje- institucionais.
tos e programas, juntamente com a equipe
escolar, para o aperfeiçoamento e promo- Recrutamento e Seleção: Selecionar e recru-
ção de novos procedimentos institucio- tar profissionais de acordo com o perfil da
nais, de acordo com as características da vaga a ser preenchida, utilizando técnicas
população-alvo. de seleção de pessoal e oferecendo feedback.

324
COMPORTAMENTO Aline Beckmann Menezes, Thiago Dias Costa
EM FOCO VOL. 8

Institucional Junto ao Aluno Competências Pessoais

Acompanhamento do Processo Ensino- Atuação Crítica: Analisar os fenômenos edu-


Aprendizagem: Acompanhar o desempenho cativos de forma crítica, promovendo a pro-
escolar do aluno, visando auxiliar na melho- blematização das múltiplas determinações
ria do seu processo de ensino-aprendizagem. do fracasso escolar e dos modos de produção
da queixa escolar.
Encaminhamento: Realizar encaminha-
mento de alunos para profissionais especia- Atualização Teórica e Prática: Atualizar-se
lizados fora da instituição escolar em casos continuamente quanto à teoria e a prática,
excepcionais, nos quais sua complexidade e tanto em relação aos conhecimentos da psi-
especificidade assim o demandem. cologia quanto a outros conhecimentos técni-
co-científicos que sejam pertinentes à prática
Orientação Individualizada: Realizar orien- profissional dentro do ambiente escolar.
tação e/ou aconselhamento psicológico, au-
xiliando na melhoria do processo educacional Autogerenciamento: Buscar feedback sobre
do aluno. o seu próprio desempenho identificando
possibilidades de melhoria contínua de sua
Orientação Profissional: Auxiliar na escolha atuação.
de carreira e construção de planos profissio-
nais de alunos a partir da realização de espaços Iniciativa e Proatividade: Atuar de forma
promotores de reflexão e autoconhecimento. preventiva, de acordo com o projeto pedagó-
gico da instituição e das políticas públicas de
Orientação Psicopedagógica: Auxiliar na educação, sem a necessidade de orientação
prevenção e identificação de dificuldades de prévia.
aprendizagem, considerando as condições
bio-psico-sócio-culturais do aluno. Relacionamento Interpessoal: Estabelecer,
manter e melhorar interações com/entre os
Promover Espaços de Dialogo com Alunos: membros da comunidade escolar de forma
Promover espaços de diálogo com alunos assertiva e respeitosa, garantindo a boa con-
possibilitando o estabelecimento de víncu- servação do clima institucional.
lo e confiança além de criar possibilidades
de escuta e oportunidades de dar voz aos
mesmos dentro da instituição escolar.

Suporte Emocional: Atender a demandas psi-


cológicas emergenciais do aluno visando pro-
mover a escuta e o acolhimento do mesmo.

325
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 9

Performance Diagnostic Checklist – Glauce Rocha


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Human Services: comparação entre glaucerocha@hotmail.com
aplicação em lideranças e liderados
Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Performance Diagnostic Checklist -
mhtag@uol.com.br
Human Services: comparison among
application in leaderships and employees

Resumo
uma customização da ferramenta ao tipo de partici-
Alguns métodos podem ser utilizados para a iden-
pante em que se utilizará em termos de vocabulário,
tificação de variáveis que promovem, mantêm ou
descrição do problema de desempenho e instituição.
limitam classes de comportamentos. A ferramenta
Além disso, sete intervenções foram constatadas a
de diagnóstico de desempenho chamada Performance
partir das respostas de líder e liderados. Além dessas,
Diagnostic Checklist – Human Services (PDC-HS), pode
os liderados sugeriram outras sete que descreviam
ser um instrumento útil na identificação de variáveis
condições específicas do trabalho, tais como reduzir o
funcionais, além de indicar intervenções possíveis
esforço e a aversividade da atividade. Percebe-se que
de serem implementadas, quando há problemas de
as informações dos dois segmentos são complemen-
desempenho. A presente pesquisa visou a (1) tradução
tares e contribuem para a identificação de variáveis
e adaptação desta ferramenta que foca no relato verbal
de impacto em déficits comportamentais de forma
da liderança e nas observações diretas do aplicador;
ágil, econômica e mais ampliada.
(2) criação da versão equipe para ser respondida pelos
liderados; e (3) apresentar suas respectivas aplicações
da ferramenta em uma empresa. O método consis-
tiu em sete etapas que incluiu cada um dos objeti-
vos propostos. A tradução e criação da ferramenta PALAVRAS-CHAVE
passou por quatro verificações antes da aplicação em
Ferramenta de diagnóstico de desempenho; Análise
líderes e liderados de uma empresa de limpeza. Os aplicada do comportamento; Performance Diagnostic
resultados da aplicação da ferramenta nos diferen- Checklist – Human Services (PDC-HS); Organizational
tes públicos permitiram identificar a necessidade de Behavior Management (OBM)

326
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

Abstract
Some methods may be used to identify variables to the type of participant that will be used in terms of
that promote, maintain or limit classes of behaviors. vocabulary, description of the performance problem
The performance diagnostic tool called Performance and institution. Seven interventions were found from
Diagnostic Checklist - Human Services (PDC-HS), the leaders and employees responses. In addition,
can be a useful tool in identifying functional va- the employees suggested seven others interventions
riables, as well as indicating possible interventions describing specific work conditions, such as reducing
to be implemented when there are performance effort and activity aversivity. It is noticed that the
problems. This research aimed to (1) Translate and information of the two segments is complementary
adapt this tool that focuses on the verbal report of and contributes to the identification of variables of
the leadership and the direct observations of the impact in behavioral deficits in an agile, economic
applicator, (2) create a team version to be answered and more extended form.
by the employees, and (3) present their respective
applications in a company. The method consisted
of seven steps that included each of the proposed
objectives. The translation and creation of the tool KEYWORDS
went through four checks before applying to leaders
Performance Diagnostic Tool; Applied Behavior
and employees by a cleaning company. The results Analysis; Performance Diagnostic Checklist –
of the application of the tool in the different publics Human Services (PDC-HS); Organizational Behavior
allowed identifying the need of a tool customization Management (OBM)

Analisar o comportamento humano com o ob- de suas respectivas aplicações e comparação


jetivo de melhorar o desempenho em organi- dos resultados encontrados.
zações tem sido o esforço dos que se dedicam
à área de Recursos Humanos. Entretanto, não Skinner (1953/1981) enfatiza a importância
se pode esperar um bom desempenho quando do arranjo de contingências de reforçamento
as condições de trabalho são inadequadas como a forma correta para construir am-
(Milani, 1989). Algumas ferramentas de ava- bientes adequados em que haja um equilíbrio
liação foram criadas para auxiliar nos diag- entre comportamentos desejáveis para uma
nósticos e nas intervenções possíveis de serem empresa, mas também condições que garan-
implementadas para a melhora do ambiente e/ tam o bem-estar do trabalhador. Para o pla-
ou do desempenho dos trabalhadores. O pre- nejamento de boas condições de trabalho é
sente trabalho consistiu na tradução e adap- importante uma análise explícita dos eventos
tação da ferramenta Performance Diagnostic reforçadores e aversivos existentes em uma
Check List – Human Service que existe para ser organização. Como, em geral, o desempenho
aplicada em lideranças, e a criação da versão das pessoas se ajusta às exatas contingên-
equipe para ser utilizada nos liderados, além cias de reforçamento dispostas, para lidar

327
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

eficazmente com o comportamento dos tra- para centenas de empresas quando a OBM
balhadores devem-se planejar contingências estava em seu início.
que são reforçadoras.
A partir de 2010, no Brasil, algumas ações estão
sendo realizadas na área de OBM, tais como
Organizational Behavior dissertações pela Pontifícia Universidade

Management Católica de São Paulo e Universidade Federal


de Santa Catarina, Grupos de Interesse na
Segundo Dickinson (2000), Organizational Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Behavior Management (OBM) é uma especiali- Comportamental, publicações e a criação da
zação dentro da Análise do Comportamento, biblioteca online em OBM (https://obmbrasil.
fruto da proposição de Skinner que, desde o wordpress.com/biblioteca-em-obm/). Todas
livro Ciência e Comportamento Humano (1953), essas ações demonstram que a área continua
forneceu teoria e fundamentos empíricos em plena expansão.
para uma análise perspicaz do comporta-
mento no trabalho. Além das publicações
de artigos, importantes livros foram lan- Functional Assessment e seus
çados como Analysing Performance Problem métodos em OBM
(Analisando Problema de Desempenho) de
Mager e Pipe (1970); Organizational Behavior O termo functional assessment, segundo
Modification (Modificação do Comportamento Austin, Carr e Agnew (1999), refere-se aos
Organizacional) de Luthans e Kreitner (1975); métodos utilizados para identificar variáveis
e Human Competence (Competência Humana) que mantêm classes de comportamentos.
de Thomas Gilbert (1978). Pode-se, assim, No campo da Análise do Comportamento
considerar que na década de 1970 o número Aplicada, no que se refere ao tratamento de
de publicações sobre OBM aumentou consi- problemas de comportamento, tornou-se
deravelmente culminando com a proposição a melhor prática conduzir uma functional
de um jornal para a área. assessment antes da seleção de uma interven-
ção. Segundo os autores, pesquisas indicam
Em 1977, Aubrey Daniels, fundador e primei- que as intervenções baseadas no diagnóstico
ro editor do Journal of Organizational Behavior de variáveis funcionais são bem-sucedidas,
Management (JOBM), deu início ao princi- além de economizar tempo, pois não seriam
pal periódico de divulgação de trabalhos em implementadas ações ineficazes.
OBM. Segundo Dickinson (2000), Daniels
começou suas intervenções nos negócios e Há três abordagens gerais para a condução
na indústria na década de 1970, estabele- de functional assessment: informant assessment,
cendo uma das maiores e mais bem-suce- descriptive assessment e a experimental analysis
dida consultoria em comportamento, e foi (Austin, Carr & Agnew, 1999), as quais serão
responsável por disseminar essa tecnologia descritas a seguir.

328
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

O termo informant assessment refere-se à uma parte do fenômeno a ser investigado


coleta de informações relacionadas às vari- (Austin, Carr & Agnew, 1999).
áveis funcionais de um comportamento por
meio indireto. Os métodos mais comuns Se o objetivo do diagnóstico envolver inferên-
são as entrevistas comportamentais e es- cias sobre relações causais, estas devem ser
calas de avaliação. Informant assessments testadas com o uso de experimental analysis
são úteis porque levam pouco tempo para que podem ser conduzidas em um forma-
a conclusão e são relativamente fáceis de to estendido ou em uma breve sessão e é o
se administrar. Em alguns casos, nos quais método mais pesquisado de functional asses-
análises prolongadas não são possíveis, elas sment. Neste método, variáveis relevantes
fornecem informações que de outra forma são manipuladas diretamente e seus efeitos
não seriam obtidas. No entanto, existem no comportamento-alvo são observados.
limitações ao uso de informant assessments, Experimental analysis pode testar potenciais e
pois os dados não são obtidos por observação diversas variáveis mantenedoras do compor-
direta e, portanto, seu valor fica limitado ao tamento a depender de cada caso. Segundo
relato verbal das pessoas. O melhor uso seria Austin, Carr e Agnew (1999), muitas vezes tais
combinar informant assessments com descrip- intervenções foram derivadas dos processos de
tive assessment ou experimental analysis. Estes informant assessment e descriptive assessment,
métodos podem ser utilizados para ajudar o uma vez que as informações assim recolhi-
pesquisador a desenvolver hipóteses iniciais das contribuem para uma melhor descrição
e a partir de um primeiro diagnóstico, outras do problema em tela, de possíveis variáveis
avaliações diretas poderiam ser planejadas de controle que poderiam ser efetivamente
(Austin, Carr & Agnew, 1999). testadas com a experimental analysis. Enfim,
cada método de functional assessment tem sua
Descriptive Assessment é uma abordagem mais especificidade e deve contribuir para análises
rigorosa de functional assessment, uma vez mais integrais de uma organização (Austin,
que envolve observações diretas de compor- Carr & Agnew, 1999).
tamentos em seu ambiente natural, a fim
de detectar possíveis variáveis de controle. Para um diagnóstico adequado, e o mais pre-
Ferramentas como o ABC Records (que for- ciso possível, dever-se-ia aperfeiçoar o uso de
necem dados sobre os estímulos presentes medidas que envolvem relatos verbais que des-
imediatamente antes e depois de uma res- creveriam variáveis de promoção, manutenção
posta) e Gráficos de Dispersão (imagem do ou limitação de classes de comportamento. Por
tempo de cada ocorrência do comportamen- exemplo, Paracampo e Albuquerque (2005)
to-alvo lançada em um gráfico) são exem- têm evidenciado de que modo regras e auto
plos de descriptive assessments. Métodos de regras controlam o comportamento. É possível
descriptive assessments podem fornecer mais afirmar que eventos privados podem ser elos
informações do que informant assessments, de cadeias comportamentais e, ainda, exercer
embora ambas permitam aproximar-se de múltiplos controles sobre o comportamento

329
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

subsequente. Respostas a questionários uti- Euzébio (2016) apresenta, detalhadamente, as


lizados em OBM poderiam descrever regras subdivisões (fatores e parâmetros) que com-
específicas que líderes ou liderados estejam põem o PDC. O autor indica que cada uma das
seguindo. Dessa forma, os analistas do com- quatro áreas de avaliação dessa ferramenta
portamento nas organizações estão em condi- pode ser subdividida de acordo com alguns
ções de fazer progressos para aperfeiçoar o uso parâmetros, como a área Antecedentes em que
dessas medidas verbais de forma mais confi- se deriva os fatores Prioridades/Instruções,
ável e, assim, desenvolver melhores interpre- Missão, Apoio Imediato, Metas e Regras.
tações de dados obtidos em questionários, já
que se supõe que há mecanismos de controle Euzébio (2016) evidencia que o diagnóstico
por regras (Austin, Carr & Agnew, 1999). realizado pelo PDC contempla ainda um con-
junto de táticas de intervenções que podem
ser utilizadas em virtude das áreas, fatores
Performance Diagnostic e parâmetros que demandam melhorias.

Checklist (PDC) Entretanto, é valido mencionar que as táticas


são sugestões apresentadas por Austin, Carr
A partir da década de 1990, uma ferramenta e Agnew (1999) e não necessariamente um
formal de informant assessment foi desenvol- guia ou manual a ser colocado em prática
vida para ser utilizada no contexto organi- automaticamente pelo praticante de OBM
zacional. O Performance Diagnostic Checklist que estiver conduzindo o diagnóstico. Caberá
(PDC) foi desenvolvido para identificar áreas a cada aplicador a decisão de quais inter-
com necessidades de melhorias ou interven- venções produzirão os melhores resultados a
ções dentro de uma organização. Segundo partir de um processo completo de functional
Pampino Heering, Wilder, Barton e Burson assessment a ser realizado.
(2004), Austin, em sua tese de doutoramento
de 1996, desenvolveu o PDC com base em en-
trevistas com profissionais que trabalhavam Performance Diagnostic
como consultores de gestão empresarial. As Checklist - Human Services
entrevistas consistiam na apresentação de um
cenário com um problema organizacional e era
(PDC-HS)
solicitado que os consultores relatassem como
determinados problemas organizacionais eram Segundo Carr, Wilder, Majdalany, Mathisen
solucionados. Austin registrava quais eram as e Strain (2013) embora o PDC tenha ajuda-
perguntas mais frequentes feitas pelos con- do no desenvolvimento de intervenções em
sultores e as quatro áreas identificadas a partir relação ao desempenho de trabalhadores
desse procedimento, e que se tornaram exami- da indústria privada, ainda não havia sido
nadas com o PDC, são: condições antecedentes; adaptado ao desempenho de trabalhadores
processos e equipamentos; conhecimentos e em ambientes de prestação de serviços. O
habilidades; e consequências. PDC, como já relatado, foi primeiramente

330
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

desenvolvido para os negócios e indústria; A observação direta é uma considerável dife-


assim, há alguns itens que não são direta- rença entre o PDC-HS e o PDC, pois foi inse-
mente relevantes para ambientes de servi- rida na ferramenta em questões importantes
ços. Partindo do modelo de Austin, Carr et nas quais apenas o relato verbal poderia não
al. (2013) desenvolveram uma versão para ser suficiente. Os sete itens referem-se a:
avaliar desempenhos de pessoas explicita- (1) se o empregado descreve a tarefa alvo e
mente neste ramo. quando a tarefa deve ser realizada e (2) se a
tarefa precisar ser completada rapidamente,
Performance Diagnostic Checklist - Human o empregado consegue realizar na velocidade
Services (PDC-HS), assim como o PDC, foi apropriada (categoria treinamento); (3) se o
desenvolvido para ser utilizado por pratican- empregado consegue descrever o propósito
tes da OBM para ajudar na identificação de da tarefa e (4) se as ferramentas que auxiliam
determinantes ambientais que possam con- a conclusão das tarefas estão visíveis (cate-
tribuir para diminuir os problemas de de- goria esclarecimento de tarefa e sinalizações);
sempenho dos liderados. A ferramenta pode (5) se os materiais requeridos para a conclu-
colaborar para: (a) compreender os proble- são das tarefas estão disponíveis, fáceis de
mas de desempenho para os quais soluções encontrar e/ou próximos, (6) se os materiais
rápidas e simples não surtiram efeitos sa- necessários para a conclusão das tarefas são
tisfatórios; e (b) “desenvolver intervenções adequados para a finalidade pretendida e (7)
mais sensíveis e focadas nos problemas de se os materiais estão bem organizados para
desempenho.” (Carr et al., 2013, p. 18). a finalidade pretendida (categoria recursos,
materiais e processos). Na área Consequências
O PDC-HS consiste de 20 questões, orga- para o desempenho, esforço e competição não
nizadas em quatro áreas: (a) treinamento; há questões que devem ser respondidas via
(b) esclarecimento de tarefa e sinalizações; (c) observação direta do analista/entrevistador
recursos, materiais e processos; e (d) conse- que estará utilizando a ferramenta.
quências para o desempenho, esforço e com-
petição. Cada seção inclui de quatro a seis Outra característica peculiar do PDC-HS é
questões sobre o desempenho da tarefa a necessidade de definição de um problema
(Carr et al., 2013). A avaliação foi projetada de desempenho antes de iniciar a aplicação
para ser usada por analistas do comporta- da ferramenta. Como é uma ferramenta cujo
mento durante entrevista com o supervi- foco é o comportamento de trabalhadores no
sor ou gerente direto do empregado. Treze cumprimento de determinada tarefa, logo
questões devem ser respondidas por meio no cabeçalho há uma orientação para a de-
de informações relatadas e sete devem ser finição comportamental de um problema de
respondidas por meio de observação direta, desempenho, algum comportamento exces-
de responsabilidade de quem está produ- sivo ou deficitário, que deve ser elaborado
zindo o diagnóstico (Carr et al., 2013). pelo gestor do setor em análise.

331
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

Na instrução do Plano de Intervenção do O PDC-HS só estava disponível em língua in-


PDC-HS, os autores pontuam que cada item glesa. Borsa, Damásio e Bandeira (2012) argu-
marcado como Não (nas respostas às ques- mentam que a adaptação de um instrumento
tões) deveria ser considerado como opor- já existente, em detrimento da elaboração de
tunidade para intervenção, com prioridade um novo, possui vantagens consideráveis,
para as áreas em que vários itens foram pois ao adaptar, o pesquisador é capaz de
assim assinalados. As intervenções podem comparar dados obtidos em diferentes amos-
ser implementadas de forma simultânea ou tras, de diferentes contextos, permitindo uma
consecutivamente. Para organizações que maior equidade na avaliação, uma vez que se
têm configurações com recursos humanos avalia o instrumento a partir de uma mesma
limitados, a opção a ser preferida seria as perspectiva teórica e metodológica.
intervenções implementadas consecutiva-
mente (Carr et al., 2013). Devido às indicações de necessidade de novas
pesquisas sobre o tema, falta de material no
Essa é, também, uma das qualidades do idioma Português e sua atualidade, a presente
PDC-HS. Uma propriedade importante da pesquisa visou a tradução e adaptação da fer-
ferramenta são as informações em relação ramenta original no idioma Português (versão
às ações que podem ser programadas após liderança), a criação da versão equipe para
a aplicação do PDC-HS, como propostas de ser utilizada com os liderados, e a análise de
intervenções para superar problemas de de- suas respectivas aplicações em uma empresa
sempenho. No PDC, há a indicação de áreas, do ramo de serviços. Com isso, esta pesqui-
fatores e parâmetros que resultavam em sa poderá facilitar o trabalho de analistas do
amostras de táticas a serem empregadas. No comportamento que atuam em diferentes
PDC-HS, Carr et al. (2013) são mais especí- tipos de organizações e possibilitará maior
ficos: indicam literatura para cada área, ou difusão da área e produção de conhecimento.
seja, além de sugestões sobre qual poderia
ser a intervenção escolhida, há um material
de apoio para as possíveis ações. Ao final da Método
ferramenta há uma seção com referências
de literatura para cada questão em que fosse Material: A Ferramenta
identificado um problema de desempenho.
Para o início do trabalho foi pedida autori-
As pesquisas de Carr et al. (2013) e Ditzian zação aos autores da ferramenta Performance
et al. (2015), ao indicarem intervenções nas Diagnostic Checklist - Human Services (PDC-HS)
situações problema a partir do PDC-HS, im- (Carr et.al., 2013) para a sua tradução e adap-
plementaram ações não indicadas pela fer- tação, além de produção de conhecimento a
ramenta para comparação com as indicadas partir de sua aplicação. Além da autoriza-
por esta e concluíram, também, em favor ção concedida por J.E. Carr via e-mail, em
dessa ferramenta. agosto de 2015, o autor enviou uma versão

332
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

atualizada, com ajustes que foram feitas no pertence a este ramo. A escolhida foi uma
PDC-HS, pois três questões estavam incor- empresa brasileira, privada, com mais de 22
retas na publicação do artigo em 20131. anos de mercado, de grande porte com uma
média de 570 trabalhadores e 60 postos de
A ferramenta PDC-HS traduzida e adaptada, trabalho em todo o território nacional. Um
como já apresentado, consiste de 20 ques- termo de autorização institucional foi elabo-
tões, organizadas em quatro categorias: trei- rado, apresentado para o diretor designado
namento; esclarecimento de tarefa e sinalizações; para acompanhar o tema que o assinou. Essa
recursos, materiais e processos; e consequências pesquisa foi, também, aprovada pelo Comitê
para o desempenho, esforço e competição. Cada de Ética e Pesquisa da PUC/SP. A aplicação
seção inclui de quatro a seis questões sobre o da ferramenta se deu em um dos postos de
desempenho da tarefa e o foco da aplicação é trabalho da empresa, indicado pelo diretor
na liderança. É necessária a definição de um da instituição, por ser o maior cliente.
problema de desempenho que será avaliado
a partir das perguntas da ferramenta. Não havia um local específico reservado para
a coleta das informações e foi necessária certa
O processo de desenvolvimento do PDC-HS adaptação às condições possíveis de aplica-
versão equipe foi realizado com base nas ção no posto de trabalho designado com o
questões originais do PDC-HS versão lide- público escolhido, procurando ser individual
rança e possui as mesmas características, e silencioso.
porém é direcionado aos liderados.

Os questionários do PDC-HS foram impres- Participantes


sos em folha A4 e formatação similar ao ar-
quivo original. Trabalhadores que atuam no posto escolhido
para aplicação da pesquisa, com um total
As ferramentas estão disponíveis no livro de 15 profissionais da área de prestação de
“Avaliação de Performance: diagnósticos e serviços de limpeza, sendo dois cargos de
soluções para prestação de serviços” (Rocha gestão, a Coordenadora e a Líder (Auxiliar
& Gianfaldoni, 2017). de Limpeza com função de liderança, tais
como treinamentos, feedbacks, solicitação de
materiais de trabalho, etc.) e 13 Auxiliares de
Ambiente limpeza. A pesquisadora foi até o posto de
trabalho, reuniu todos os participantes, apre-
Devido às características da ferramenta, sentou-se e explicou o objetivo da pesquisa.
concebida para o setor de serviços, a empre- Leu em voz alta o Termo de Consentimento
sa selecionada para a realização da pesquisa Livre e Esclarecido e pediu para que todos

1  Posteriormente ao término da pesquisa aqui relatada, os autores publicaram uma correção da ferramenta no próprio Behavior
Analysis and Practice, v. 9, n.1, 2016.

333
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

que concordassem em participar o assinas- Na ocasião, um gerente, uma coordenadora


sem. Todos o fizeram de forma cordial, sem e três supervisores operacionais participa-
pressa ou reclamações. ram de uma entrevista coletiva presencial.
Após a explicação do objetivo da atividade,
cada gestor identificou um problema de
Procedimentos desempenho de um Auxiliar de limpeza e
passou a avaliar as questões a partir deste.
Após uma primeira tradução realizada pela A pesquisadora leu em voz alta cada item e
pesquisadora, para cumprir com os proce- os gestores respondiam cada pergunta com
dimentos necessários para o trabalho com a base no problema de desempenho identifi-
ferramenta – a tradução, adaptação e verifi- cado. Foi perguntado se havia dúvidas em
cação de sua aplicabilidade –, diversas etapas relação as perguntas, se as questões eram
foram realizadas e estão descritas a seguir. compreensíveis e se havia algo que o grupo
considerava importante alterar, incluir, ex-
cluir ou destacar.
Etapa 1 – Primeira verificação -
Quintanistas de Psicologia
Etapa 3 - Terceira verificação
A primeira verificação da tradução foi rea- – Avaliadores especialistas em
lizada por três quintanistas de Psicologia,
Análise do Comportamento
indicados pela orientadora por estarem rea-
lizando pesquisas em seus TCC com Análise Após as modificações sugeridas pelo pri-
do Comportamento e temas afins e serem meiro e segundo grupo a ferramenta ajus-
fluentes na língua inglesa. A tradução foi tada foi submetida a avaliações de treze
enviada via e-mail e os estudantes emitiram especialistas analistas do comportamento,
um parecer e sugestões sobre a adaptação em sua maioria praticantes da Análise do
realizada pela pesquisadora. Comportamento em empresas, com expe-
riência organizacional, ou que discutiam
temas afins (cultura, regras, etc.).
Etapa 2 – Segunda verificação -
Aplicação em uma turma piloto de A pesquisadora enviou e-mails, explican-

gestores da empresa pesquisada do o objetivo da pesquisa, com os arquivos


adaptados em anexo, assim como o arquivo
Após as modificações sugeridas pelo primeiro original. Foi solicitado um parecer sobre as
grupo de avaliadores, a pesquisadora subme- adaptações realizadas com prazo de retorno
teu a ferramenta para avaliações dos gestores de um mês.
da empresa onde a pesquisa foi realizada.

334
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

Etapa 4 - Quarta verificação – As Etapas 5 e 6 foram desenvolvidas para


Equipe administrativa e direção aplicar a ferramenta em um posto de serviço

da empresa pesquisada e, dessa forma, refiná-la a partir de um teste


em situação direta, realizado na etapa 7.

Após analisar todos os questionamentos feitos


pelo grupo de analistas do comportamento Etapa 5 - Definição e redefinição
experientes, a pesquisadora fez as modifi- do problema de desempenho
cações pertinentes e submeteu novamente
a ferramenta para análise, por outro grupo Para a aplicação do PDC-HS, é necessária a
de profissionais ligados à empresa de pres- definição do problema de desempenho a ser
tação de serviços. Foi solicitado, via e-mail focado nas 20 questões da ferramenta. Nas
um parecer em relação à ferramenta, mais instruções da ferramenta há orientações sobre
uma vez modificada, a seis profissionais da tal definição: deve consistir em um problema
área administrativa pertencentes a diferen- específico de desempenho do empregado e não
tes setores: Departamento Pessoal, Recursos sobre o empregado em geral e deve ser definido
Humanos, Relacionamento com o cliente, como um excesso ou déficit comportamental.
Jurídico, Suporte Operacional e Diretoria.
Para efeito desta pesquisa, utilizou-se,
As Etapas 1, 2, 3 e 4 tiveram, mais direta- também, como material para a definição do
mente, o objetivo de traduzir a ferramenta problema de desempenho as indicações de
e efetuar as primeiras adaptações, a partir Fagundes (2015). Segundo o autor, a de-
da avaliação de especialistas em Análise do finição de eventos comportamentais deve:
Comportamento e de profissionais da em- (a) usar linguagem científica, ou seja, ter
presa de prestação de serviços. objetividade, clareza, exatidão e ser direta;
(b) incluir apenas elementos que sejam per-
Ainda que a ferramenta tenha sido projeta- tinentes/próprios ao comportamento que se
da para aplicação/entrevista com a liderança, quer observar; (c) ser explícita e completa.
as pesquisadoras adaptaram a ferramenta Pode-se acrescentar que nessa definição, a
também para aplicação nos liderados, pois se depender dos objetivos gerais a que se des-
partiu do pressuposto que ao entrevistar todos tina o trabalho, pode/deve fazer parte os
os envolvidos no contexto organizacional pro- critérios para considerar um determinado
duz-se análises descritivas mais completas. comportamento adequado.

Ao terminar essas quatro primeiras etapas, Na atual pesquisa, o problema de desem-


o PDC-HS em português foi finalizado, com penho trabalhado foi o preenchimento ina-
duas variações: da liderança e dos liderados. dequado dos cartões de ponto por parte dos

335
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

trabalhadores. Os cartões deveriam indicar limpeza: a pesquisadora entrevistou todos


corretamente a hora de entrada e a hora de os 13 liderados individualmente (versão
saída (incluindo os minutos precisos), serem liderados);
preenchidos diariamente e no período refe-
rente, e mantê-los a vista de todos em um 4º - Aplicação na Coordenação: a pesquisa-
quadro localizado na entrada do setor de dora entrevistou a Coordenadora Operacional
limpeza. sobre a Líder (versão Liderança).

5º – Observação da pesquisadora.
Etapa 6 - Quinta verificação -
Aplicação do PDC-HS no
grupo alvo Etapa 7 – Análises

Nesta etapa procedeu-se as análises das res-


Após a definição/redefinição do problema de postas dos 15 participantes. As informações
desempenho, a ferramenta PDC-HS foi apli- coletadas a partir do relato verbal da lide-
cada em prestadores de serviços. Carr et al rança foram comparadas com as informações
(2013) propuseram que 13 questões fossem coletadas a partir do relato verbal de cada
respondidas pelos informantes e sete o fossem empregado; além disso foi possível comparar
pelo analista do comportamento que estaria o relato da Coordenadora em relação à Líder
produzindo o diagnóstico, após observação. com o relato desta.
Nesta pesquisa, os participantes responde-
ram todas as 20 questões do instrumento e As observações da pesquisadora das situações
uma das pesquisadoras realizou a observação indicadas na ferramenta foram comparadas
direta das sete que haviam sido indicadas por com as respostas de todos os participantes,
Carr et al (2013), sobre cada um dos partici- identificando se havia ou não concordância
pantes. A ordem da aplicação foi: entre o relato verbal e o observado.

1º - Aplicação na liderança sobre o próprio Todas estas etapas possibilitaram suges-


comportamento: a pesquisadora entrevis- tões para o refinamento do PDC-HS. Foram,
tou a Líder com foco no comportamento da ainda, apresentadas as sugestões de inter-
própria Líder (versão liderança); venções possíveis a partir da aplicação do
PDC-HS em ambos os públicos (Liderança
2º - Aplicação na liderança sobre os lide- e Liderados).
rados: a Líder foi entrevistada sobre cada
Auxiliar de limpeza de sua equipe - 13 pes-
soas (versão liderança); Resultados e Discussão
3º - Aplicação em todos os Auxiliares de

336
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

Um objetivo do PDC-HS é identificar, por meio ocorrido uma interrupção durante a aplicação.
de avaliação feita por um informante, variá- Outros resultados com menor compatibilidade
veis que possam impactar em desempenhos (13 entre 20) foram os de P3 e P8. Em relação
abaixo do esperado de pessoas empregadas a P8, do mesmo modo que para P11, parte do
em empresas do ramo de serviços. As pesqui- vocabulário usado na ferramenta pareceu não
sas realizadas até o momento com o PDC-HS pertencer ao contexto do participante, sendo
levavam em consideração apenas a avaliação necessárias repetições. No caso do partici-
de gestores das empresas. Neste trabalho, o pante P3, a Líder afirmou que este acabara
relato de líderes (versão original da ferra- de entrar na empresa (1 mês) e apresentava
menta de Carr et al, 2013) e o de liderados muitos erros de preenchimento do cartão,
(versão criada) foi coletado e comparado. mesmo tendo tido treinamento prático para
a atividade. Estas informações reafirmam a
Na Tabela 1 é possível verificar o número obrigação em se customizar a terminologia
de questões que tiveram compatibilidade de de acordo com o público.
respostas entre gestores e liderados. Na pri-
meira coluna é mostrado o resultado da com- Na Figura 1 há a consolidação das respostas
paração entre as respostas da Coordenadora com Não e Sim dos liderados e da Líder sobre
(C1) e da Líder (L1) e nas demais colunas é as questões pesquisadas.
possível observar as comparações entre as
respostas da Líder (L1) e cada um dos par- A atribuição de Não para as diferentes ques-
ticipantes (P1 a P13). tões indicava déficits em determinado aspec-
to. Assim, a partir da análise das respostas da
Conforme é apresentado na Tabela 1, a média líder e dos auxiliares de limpeza, é possível
da compatibilidade das respostas entre lide- identificar intervenções a serem realizadas,
rança e liderado foi de 15 questões em um seguindo orientação de Carr et al. (2013), prio-
total de 20. O resultado com maior compa- rizando as áreas em que o Não foi atribuído
tibilidade das respostas foi de P2, em que 18 com mais frequência. Uma vez que a aplicação
foram respondidas da mesma forma. A menor do PDC-HS foi feita com dois públicos, uma
compatibilidade entre liderança e liderado foi análise mais geral pode ser feita somando-se
com P11 (12 compatibilidades), que apresen- as respostas da líder e dos liderados.
tou dificuldades na compreensão das ques-
tões, sendo necessário que a pesquisadora as Recursos, Materiais e Processos foi a área com
explicasse de diferentes formas, além de ter o maior número de respostas negativas

Participantes
L1 P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 P9 P10 P11 P12 P13 Média

16 16 18 13 15 17 17 17 13 14 14 12 16 13 15

Tabela 1.Número de questões em que houve concordância entre a liderança e liderado (total = 20).

337
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

Número de Número de Número de


Questões Questões Questões
Seções Questões Participantes (P)
Respondidas Respondidas Respondidas
com NÃO com SIM com NÃO SEI

Respostas dos Participantes 3 10


Questão 1
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
Respostas dos Participantes 4 9
Questão 2*
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 3 10
Treinamento Respostas dos Participantes 3 10
Questão 3
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 4 9
Questão 4* Questão 4 - Não se aplica 0 0
Total/Total
17/78 61/78
possível
Respostas dos Participantes 0 13
Questão 1
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
Respostas dos Participantes 1 12
Questão 2*
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 1 12
Respostas dos Participantes 8 5
Questão 3*
Esclarecimento de tarefa Resposta da Líder 1 sobre os participantes 3 10
e Sinalizações Respostas dos Participantes 2 11
Questão 4
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 3 10
Respostas dos Participantes 5 8
Questão 5
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 3 10
Total/Total
26/130 104/130
possível

As questões que contém asterisco (*) foram as que envolviam observação direta.
Respostas dos Participantes 2 10 1
Questão 1
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
Respostas dos Participantes 6 7
Questão 2*
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
Respostas dos Participantes 3 10
Questão 3*
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
Recursos, Materiais e
Respostas dos Participantes 6 7
Processos Questão 4*
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 13 0
Respostas dos Participantes 5 8
Questão 5
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
Questão 6 Questão 6 - Não se aplica 0 0
Total/Total
35/130 94/130
possível
Respostas dos Participantes 0 13
Questão 1
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
Respostas dos Participantes 4 9
Questão 2
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 4 9
Respostas dos Participantes 4 9
Consequências sobre o Questão 3
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
desempenho, empenho e
Respostas dos Participantes 4 9
competição Questão 4
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
Respostas dos Participantes 3 10
Questão 5
Resposta da Líder 1 sobre os participantes 0 13
Total/Total
19/130 111/130
possível

Figura 1. Número de questões respondidas com a atribuição de Não e Sim pelos liderados e pela Líder.

338
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

indicadas pelo grupo que, de um total pos- as seguintes intervenções: (1) sinalizações/
sível de 130 respostas, obteve 35 negativas lembretes (mais especificamente, a disponi-
(28%). Corroborando com essa avaliação, bilização das ferramentas para a realização
nas três questões que requeriam observa- das tarefas), (2) mudar/alterar a localização
ção direta, a pesquisadora em duas destas da tarefa e (3) esclarecimento de tarefa (esta
também considerou que determinados re- última intervenção seria aplicada apenas no
cursos, materiais ou processos não eram participante que necessita desta intervenção).
adequados. A partir dos resultados, as in-
tervenções sugeridas seriam: (1) melho- Na última área, Consequências para o desem-
rar o acesso, redesenhar e reorganizar os penho, esforço e competição, (15% de atribui-
materiais para as tarefas, (2) reavaliar os ções negativas) as intervenções sugeridas
processos da tarefa e equipe e (3) ajustes da seriam: (1) feedback sobre o desempenho para
equipe. A intervenção sugerida “reorganizar os liderados que relataram não o receber,
os materiais para a tarefa” seria uma prio- (2) destacar regularmente os resultados da
ridade para ambos os públicos (já que foi tarefa, (3) reduzir o esforço da tarefa e (4) re-
indicada em primeiro lugar pela líder e em duzir propriedades aversivas da tarefa. Como
segundo pelos liderados). Milani (1989) já na Questão 1 (sobre monitoramento), houve
havia indicado que ao se realizar um diag- divergências entre os relatos em relação a
nóstico de problemas organizacionais é frequência do monitoramento, sugere-se o
importante considerar o suporte ambiental aumento da presença do supervisor.
necessário para que o desempenho adequa-
do/esperado possa ocorrer e que quando as A análise geral das dificuldades apresentadas
condições de trabalho são inadequadas não pelos trabalhadores para desempenhar suas
há como esperar um bom desempenho de tarefas, no caso uma empresa de serviços, já
trabalhadores. oferece um indicativo das intervenções que
devem ser realizadas e que podem ser estru-
Para a área de Treinamento (22% de respos- turais da própria empresa. O PDC-HS permite,
tas negativas) as ações sugeridas seriam: (1) ainda, que se possa identificar dificuldades es-
Treinamento de habilidades comportamentais pecíficas para determinadas pessoas ou para
(i.e., instruções, modelagem, ensaio, feedba- grupo de pessoas de modo a poder agir mais
ck) e (2) melhorar a seleção de pessoal. No precisamente, respeitando a possibilidade de
caso de intervenções com treinamento, su- aprimoramento de cada um. Pode-se, então,
gere-se tal intervenção a quatro participantes afirmar que a ferramenta diagnostica e propõe
que possuíram respostas negativas, seja pelo ações tanto para a instituição quanto para
próprio relato verbal, pelo relato da líder ou grupos, e de forma individual. Além disso, a
a partir das observações da pesquisadora. construção da versão para os liderados am-
pliou a avaliação do próprio trabalho contando
As respostas obtidas para a área Esclarecimento com aqueles que o executam diretamente.
de tarefa e Sinalizações (20% negativas) sugerem

339
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

Assim, após a utilização da ferramenta, há A vantagem da aplicação das duas versões


melhorias possíveis de serem implementa- (liderança e liderados), também, pode ser
das, quer sejam institucionais, em grupo ou evidenciada ao se comparar as intervenções
intervenções individuais, como treinamen- sugeridas a partir do relato verbal dos lide-
tos/instruções e feedbacks para os partici- rados e do relato verbal da líder, conforme
pantes que necessitam. Para a Análise do apresentado na Tabela 2.
Comportamento isto significa que é possível
investigar mudanças comportamentais em A Tabela 2 apresenta as intervenções ins-
cada indivíduo, utilizando um delineamento titucionais, em uma ordem de precedência,
de sujeito único, visto que todos os liderados indicadas a partir do relato verbal de cada
responderam individualmente as questões público. Para estabelecer essa ordem das
da ferramenta e a liderança também o fez ações primeiramente foi selecionada a área
para cada um dos liderados. Há um volume com o maior número de respostas negativas
considerável de informações de três fontes e dentro de cada área foi priorizado de forma
(observação direta, relato verbal de liderados decrescente os itens com maior número
e relato verbal da liderança) que permiti- de negativas e indicado as ações para cada
riam promover ações específicas para cada uma. Foram indicadas 14 intervenções pos-
participante além de monitorá-las. síveis com base nos resultados do PDC-HS,
das quais sete são ações compatíveis entre

As indicações de intervenções que contém asterisco (*) foram as


Liderados Líder
Melhorar o acesso aos materiais para as tarefas* Reorganizar os materiais para as tarefas*

Reorganizar os materiais para a tarefa Sinalizações*

Reavaliar os processos da tarefa e da equipe Mudar/alterar a localização da tarefa*


Ajuste da equipe Esclarecimento de Tarefa e checklists*
Sinalizações* Treino de habilidades comportamentais/ Melhorar
compatíveis para ambos os públicos.

a seleção do pessoal*
Mudar/alterar a localização da tarefa* Feedback sobre o desempenho*
Esclarecimento de Tarefa e checklists* Aumento da presença do supervisor*
Treino de habilidades comportamentais/ Melhorar a sele-
ção do pessoal*
Feedback sobre o desempenho*
Destacar regularmente os resultados da tarefa
Reduzir o esforço da tarefa
Reduzir propriedades aversivas da tarefa
Aumento da presença do supervisor*

Tabela 2. Comparação entre as propostas de intervenção sugeridas a partir do relato verbal dos liderados X
propostas de intervenção a partir do relato verbal da liderança, em ordem de indicação

340
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

liderança e liderados (indicadas por um aste- garantam o bem-estar de quem trabalha;


risco) e sete são ações orientadas pelo relato e coletar informações, também, com lide-
verbal apenas dos liderados. rados, na versão criada, vai ao encontro
desta proposição.
Interessante observar que as intervenções
propostas incidem em alterações nos três Destaca-se, assim, a importância da aplicação
termos de contingências e as sete ações em ambos os públicos (liderança e liderado).
indicadas pela liderança, também o foram Mesmo que haja sobreposição da indicação
pelos liderados. No caso destas últimas, das intervenções propostas ao final da apli-
têm-se como resultado: condições antece- cação, esse procedimento propicia uma dupla
dentes – melhorar o acesso aos materiais verificação no contexto a partir de dois am-
para as tarefas, redesenhar os materiais para bientes distintos. Ainda o fato dos liderados
as tarefas, ajuste da equipe; em respostas terem sido envolvidos no levantamento de
emitidas– reavaliar os processos da tarefa variáveis que influenciam problemas de de-
e equipe, reduzir o esforço da tarefa; em sempenho, ao serem propostas determinadas
consequências – destacar regularmente os ações, estas poderiam ser mais assertivas e
resultados da tarefa e reduzir propriedades melhor recebidas pelos liderados, já que estes
aversivas da tarefa. Percebe-se que o relato teriam sido considerados no processo. Outra
dos liderados indica mudanças mais espe- vantagem seria ratificar ou não o relato verbal
cífica no que tange à própria atividade, seu da liderança e acrescentar dados importan-
esforço e aversividade. O fato de a líder ter tes que poderiam incluir intervenções mais
indicado déficits de desempenho que os au- completas e diversificadas.
xiliares de limpeza também o fizeram, pode-
-se dever à proximidade física e de atividade Como já explicitado no Método, além do relato
de todos, já que partilham o mesmo posto de verbal dos empregados, algumas preguntas
trabalho. Em casos em que a liderança não exigiam observação direta de comporta-
está fisicamente próxima dos liderados, ou mentos. Além da verificação de condições
desconhece sua rotina diária e operacional, específicas a serem comparadas às respostas
os resultados poderiam ser diferentes. dadas pelos participantes, esse procedimen-
to permite identificar outros aspectos que
Skinner (1953/1981) afirma que “O industrial possibilitam caracterizar melhor as questões
que deseja seus empregados trabalhando de de desempenho. Como o problema de de-
acordo com as suas especificações e sem sempenho selecionado para a análise era o
absenteísmo precisa certificar-se de que o preenchimento do cartão de ponto em todos
comportamento deles esteja sendo refor- os momentos devidos – diariamente, na
çado convenientemente, não somente com entrada e na saída do trabalho – identificou-
salários, mas com adequadas condições de se, durante as observações, que eram poucos
trabalho” (p. 81). Pode-se, assim, enfatizar e incompletos os cartões dispostos nos
a importância de construir ambientes que murais, indicando que o preenchimento não

341
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

era realizado diariamente. não), a ferramenta requer que se assinale


a frequência em que isto ocorre (por hora,
Além disso, a Líder não emitia modelo ade- diariamente, semanalmente, mensalmente,
quado, pois não preenchia os cartões diaria- outro). No caso desta aplicação, todos, sem
mente. Com a falta de consequências imedia- exceção, responderam que há monitoramento
tas para a emissão do comportamento-alvo do gestor, mas os relatos eram distintos em
(consequências atrasadas), monitoramento relação à sua frequência, o que não permitia
inconsistente e a ausência de modelo e de fer- descrever com precisão como isto ocorria.
ramentas como canetas, a realização da tarefa
da maioria dos participantes era postergada, Para uma aplicação bem-sucedida do PDC-
o que gerava erros de preenchimento. HS, o problema de desempenho deve ser bem
analisado e definido. Uma pessoa que tenha a
Cinco participantes relataram que o local, função de avaliar desempenho e não esteja tão
materiais e o momento em que as tarefas próxima dos liderados pode inferir incorreta-
eram realizadas não eram adequados. O local mente o que está ocorrendo. Glenn e Malott
era barulhento e lotado, e não havia canetas (2004) abordam esse tema a partir da com-
disponíveis. O preenchimento do cartão era plexidade hierárquica de uma organização.
feito de forma rápida, apenas para a entrega Para as autoras, quando há vários níveis de
no final do mês, o que não favorecia a realiza- gestão, aqueles mais elevados na hierarquia
ção apropriada da tarefa, pois os participantes podem estar pouco relacionados aos compo-
não descreviam os horários de trabalho fide- nentes críticos das contingências a que estão
dignamente. A disponibilidade, visibilidade submetidas as pessoas que ocupam outros
e organização dos materiais de trabalho (ca- níveis dessa hierarquia. Tais desconexões
netas e cartões) para a realização da tarefa podem ameaçar o sucesso organizacional e
(preenchimento do cartão) entre outros, são em última análise as definições de problemas
essenciais para o desempenho desta atividade. de desempenho também podem ser impac-
tadas. Nesta pesquisa, para operacionalizar
Além da aplicação em liderança e liderados o problema de desempenho, iniciou-se com
e da relevância da observação direta, outro as informações dadas pelo supervisor sobre
ponto importante a ser ressaltado é a pos- o posto de trabalho; o relato verbal deste
sibilidade de analisar qualitativamente res- apresentou divergências em relação ao relato
postas dadas no PDC-HS. Como já indicado verbal do Assistente de Supervisão que atuava
anteriormente, há questões em que, além no posto de trabalho. Ao final a descrição de
da indicação de ‘sim’ ou ‘não’ (e eventu- quem atuava diretamente prevaleceu.
almente ‘não se aplica’), solicita-se uma
complementação. Por exemplo: na Questão Uma última vantagem pode ser confirma-
1 da área Consequências para o desempenho, da na utilização do PDC-HS na empresa.
empenho e competição além de indicar se há Depois uma preparação extensa para a coleta
monitoramento direto do gestor (sim ou de dados, o tempo médio de aplicação da

342
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

ferramenta, para a maioria dos participantes, suas soluções.


foi de 10 minutos, e no caso do problema
de desempenho definido nesta pesquisa, as Durante as observações para a aplicação
observações foram possíveis de serem rea- da ferramenta algumas mudanças visíveis
lizadas rapidamente. Isto vai ao encontro do ocorreram. Por exemplo na segunda visita,
que Austin, Carr e Agnew (1999) afirmam mais cartões de ponto estavam expostos e
sobre o uso de informant assessments, qual visíveis no mural, alguns estavam sendo
seja, são úteis porque levam pouco tempo preenchidos diariamente sem que tenha
para a conclusão e são relativamente fáceis tido qualquer instrução nesse sentido pela
de se administrar, o que considera o modo de pesquisadora ou pela líder.
funcionamento da maioria das empresas. Por
exemplo, durante a pesquisa houve algumas No posto de trabalho, no último dia de apli-
mudanças na empresa; variáveis externas cação com a líder, a mesma solicitou ma-
como crise econômica, assim como mudan- teriais para organizar os cartões no mural.
ças estruturais da instituição, fizeram com Em contato com o Supervisor, este informou
que algumas pessoas fizessem transições de que todos os cartões estavam dispostos de
suas carreiras. Novas ações – novos contatos, forma organizada após a última visita. Uma
reapresentações da proposta precisaram ser funcionária da área de Departamento Pessoal
realizadas pela pesquisadora para continuar a relatou que por dois meses consecutivos,
pesquisa. Talvez este possa ser, também, um após a realização da pesquisa, os cartões es-
argumento para se utilizar de ferramentas tavam sendo preenchidos corretamente. Este
mais ágeis de diagnósticos numa empresa, dado sugere que a aplicação da ferramenta
por sua permeabilidade com o meio. gerou mudanças ambientais que, certamen-
te, precisam minimamente de consequências
Subprodutos não planejados ocorreram no reforçadoras para serem mantidas.
posto de trabalho e posteriormente na em-
presa de prestação de serviço. O objetivo A pesquisa produziu mudanças na empre-
desta pesquisa não era realizar, no momento, sa, também. Ao término da aplicação, um
uma intervenção a partir das informações relógio de ponto, eletrônico, foi adquirido
coletadas. Era traduzir uma nova ferramenta para os postos de trabalho com mais de 10
de OBM (2013) para o português, verificar funcionários. Durante um evento em que
se ela é sensível para, em curto espaço de todas as líderes estavam reunidas, um trei-
tempo, produzir informações importantes namento foi realizado sobre o tema Cartão
para balizar intervenções e se uma ferramen- de Ponto, com explicações de preenchimen-
ta nova, adaptada da primeira, que ampliava tos, importância do comportamento modelo
os participantes para aqueles que apresenta- da liderança para o preenchimento correto
vam determinado problema de desempenho, e diário dos cartões, além da indicação do
poderia ser profícua em produzir mais com- monitoramento constante e esclarecimen-
pletas informações da situação- problema e to de dúvidas. Foi solicitado ao diretor da

343
COMPORTAMENTO Glauce Rocha, Mônica Helena Tieppo Alves Gianfaldoni
EM FOCO VOL. 8

instituição, chapeiras (instrumento que au- liderança e a observação direta do aplicador


xilia na organização e visibilidade de cartões permitem uma mais bem consubstanciada
de ponto) para os outros postos de trabalho eleição das intervenções.
em que os liderados preenchem os cartões
de ponto manualmente. Conforme destacam Austin, Carr e Agnew
(1999), existem limitações ao uso de informant
Avalia-se que, tendo em vista o exposto, os assessments, pois os dados não são obtidos por
objetivos propostos foram atingidos, rati- observação direta e, portanto, seu valor fica li-
ficando-se o quanto a ferramenta pode ser mitado ao relato verbal das pessoas. O melhor
sensível ao diagnosticar variáveis importan- uso seria combinar o informant assessment com
tes e indicar ações de melhorias. descriptive assessment ou experimental analysis
ou até mesmo outras avaliações diretas que
Para futuras utilizações da ferramenta con- poderiam ser planejadas. Pode-se propor que
sidera-se que ela pode se tornar própria para o PDC-HS, a partir das sete perguntas que pre-
diferentes públicos e instituições, sugerindo- cisam ser observadas, mostra-se um método
-se uma adaptação do vocabulário e altera- satisfatório de avaliar as variáveis promoto-
ções nos exemplos mencionados em deter- ras, mantenedoras ou limitantes de alguns
minadas questões, por exemplo, nas áreas comportamentos. Deve-se considerar que
de Esclarecimento de Tarefa e Sinalizações e de cada método de functional assessment tem sua
Recursos, Materiais e Processo, a depender do especificidade e deve contribuir para análises
problema de desempenho definido, do tipo de mais integrais de uma organização.
instituição, do público alvo, e outras especi-
ficidades pertinentes à situação. Recomenda- Pampino et al. (2004) afirmam que, em sua
se, ainda, a alteração das instruções, com in- pesquisa, embora a seleção de intervenção
serção de informações sobre o preenchimento tenha sido guiada pelo PDC, não se sabe ao
da ferramenta, evidenciando que as respostas certo se resultados semelhantes teriam sido
podem ser Sim, Não ou Não se aplica, e que é obtidos sem a utilização do instrumento,
importante preenchê-la toda, com os exem- uma vez que determinadas e poucas obser-
plos solicitados, etc. Na versão equipe, suge- vações diretas já poderiam ser indícios dos
re-se citar a situação específica e o problema problemas de desempenho. Na atual pesqui-
de desempenho-alvo e retirar a frase sobre a sa, uma vez que o problema de desempenho
informação da observação direta. era bastante pontual, talvez uma observação
produzisse algum tipo de diagnóstico da si-
O desdobramento da ferramenta em liderança tuação problema. Porém a favor do PDC-HS
e liderados mostrou-se profícua. Ampliou-se poder-se-ia dizer que este sistematiza áreas e
e aprofundou-se as informações recolhidas suas especificidades, considera a participação
para permitir um melhor diagnóstico da situ- das pessoas que sofrem e produzem as difi-
ação envolvida no problema de desempenho culdades de realização das tarefas e produz
e a avaliação dos relatos verbais de liderados, quantidade de dados relevantes coletados em

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um período de tempo, fatores que combina- necessárias repetições sistemáticas da fer-


dos justificariam a utilização da ferramenta. ramenta, com amostras distintas, insti-
tuições e problemas diferentes e assim foi
Esta pesquisa, também, produziu dados feito com a atual pesquisa. O público-alvo
a partir de uma sugestão feita por Carr da pesquisa desses autores possuía gra-
et al. (2013). Segundo os autores seriam duação, trabalhava em clínica particular e
seu problema de desempenho era referente

à organização da sala de tratamento de crianças com autismo. Pesquisas futuras poderão


ser feitas em diferentes instituições, com públicos e problemas de desempenho diversos.

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