Bases Filosóficas Do Behaviorismo Radical - Micheletto 1999
Bases Filosóficas Do Behaviorismo Radical - Micheletto 1999
Bases Filosóficas Do Behaviorismo Radical - Micheletto 1999
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1Palestra aprosentada no III Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Com portam ental. em setem bro de
1994.
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Sâo Paulo
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tar dentro da filosofia da ciência os empiristas lógicos, o empirocriticistas, os verificacionistas
e os refutacionistas propondo a ênfase no empírico como base para a produção de conhe
cimento, mas apontando maneiras muito diferentes de se operar sobre ele e o considerar.
A defesa do determinismo e o combate à metafísica são características que ori
entaram o positivismo de Comte, mas tambóm o materialismo dialético de Marx. Em
Comte, pode-se dizer que este determinismo refletiria as relações imutáveis da realidade,
descritas em leis invariáveis. Marx também enfatiza os “fenômenos externos" no conheci
mento. Nega, entretanto, que as leis que os descrevam sejam absolutas e imutáveis. Elas
são leis da transformação que descrevem determinações múltiplas de uma realidade pro
cessual e contraditória.
Esses exemplos evidenciam como os mesmos aspectos estão presentes em
várias propostas metodológicas e que, caracterizados de forma geral, não podem levar a
uma análise das bases corretas ou significativas do pensamento de Skinner.
Ê importante compreender como os supostos relativos à ciência e ao objeto apa
recem na obra de Skinner e as transformações que sofrem, para compreendermos os
autores aos quais seu pensamento pode ser relacionado sem incorrermos em simplifica
ções preconceituosas.
Pode-se dizer que as bases fundamentais que norteiam a obra de Skinner estão
vinculadas a sua pretensão de fazer da Psicologia uma ciência e, para compreender estas
bases filosóficas, precisamos identificar os modelos de ciência que ele adota. Faço refe
rência a modelos de ciência porque não é apenas um modelo de ciência que pode ser
identificado no desenrolar de sua obra. Num primeiro momento, Skinner toma como mo
delo as ciências físicas e as transformações que ela enfrentava. Em sua obra mais madu
ra, ele passa a operar com o modelo biológico, mais especificamente o fornecido pela
teoria da evolução por seleção natural. Skinner, em 1938, defende que seu livro Behavior
of Organism está voltado para um análise do comportamento orientada por um sistema do
qual a físico-química é um exemplo (Skinner, 1938/1966, pp. 434-435). Na década de 70,
insere sua ciência no ramo da Biologia (Skinner, 1973a/1978; 1974).
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sensações, leva à adoção de uma nova noção de explicação. Ela abandona a noção de
causalidade mecânica e se reduz à descrição de relações funcionais entre sensações.
Explicar é descrever relações ordenadas entre fatos observados. Estas relações funcio
nais adotadas como explicação substituem, com o desenvolvimento da ciência, as no-
çõos tradicionais de causa o efeito. Tais relações não determinam causas de efeitos, mas
determinam funções entre os fatos. Estas críticas de Mach aos conceitos mecânicos
serão condição importante para que Einstein proponha o conceito de relatividade.
Bridgman critica também as visões de realidade e causalidade trazidas pelo
mecanicismo — uma realidade independente do sujeito, que coloca a necessidade de
buscar um mecanismo que a explique, e uma causalidade composta de elementos
animistas (1927/1951, p. 80). Segundo Bridgman, "se uma questão tem significado, pode-
se encontrar operações pelas quais uma resposta pode ser dada a ela" (1927/1951, p. 28).
Um conceito deveria ser "sinônimo de um conjunto de operações correspondentes" à sua
investigação (1927/1951, p. 5). Bridgman chama isso de uma atitude de puro empirismo
(1927/1951, p. 3).
Em 1931, Skinner se propõe a fazer uma análise científica do comportamento a
partir do conceito de reflexo. Um conceito que permitia estudar o comportamento a partir
de uma determinação observável no ambiente e que permitia previsão e controle. O con
ceito de reflexo, depois de ter se desenvolvido associado a muitos supostos metafísicos
— que, segundo Skinner, conduziam a interpretações supérfluas e a inferências que difi
cultavam seu desenvolvimento — vinha sendo estudado cientificamente pela fisiologia,
mas segundo critérios bastante diferentes do modelo que Skinner adota para sua ciência.
Os critérios dos quais Skinner parte para estabelecer esta ciência são semelhan
tes aos que norteiam muitas das reformulações que se operam nas ciências físicas do
início deste século.
A partir de uma revisão histórica do conceito de reflexo, Skinner estabelece o
conceito como correlação observada entre estímulo e resposta. Trabalhar com eventos
observáveis diretamente em organismos intactos afastou-o não só de visões metafísicas,
mas também de supostos sobre o comportamento e procedimentos de investigação vin
culados à fisiologia reflexa.
A preocupação básica de sua ciência é o estudo do comportamento a partir do
próprio comportamento, compreendido a partir da sua relação com o ambiente, sem que a
investigação se dirija à identificação de estruturas mediadoras entre estes eventos. Essa
delimitação da correlação a eventos observados nos extremos da série estímulo e respos
ta afasta a análise do comportamento do interesse pela mediação de estruturas localiza
das no sistema nervoso. A crítica de Mach e Bridgman aos supostos mecanicistas de um
meio necessário à propagação ou condução de efeitos causais pode ser relacionada à
não-consideração de estruturas mediadoras na análise do comportamento. Na história
que faz do conceito de reflexo, Skinner se refere à fisiologia como tendo suposto um
conjunto de "inferências" e "estruturas" para que a "condução” dos efeitos do estímulo se
propagassem. Eventos intervenientes, como o arco reflexo, são propostos pela fisiologia
reflexa como mediadores, como aqueles que realizam a condução entre o estímulo e a
resposta. Para Skinner, estes mediadores são "suposições”, "inferências” “evitáveís" do
ponto de vista do comportamento.
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fosse possível falar em interação de reflexo apenas como a combinação de efeitos sepa
rados, esta separação de efeitos parece não ocorrer, uma vez que afirma que “uma opera
ção não é única em seus efeitos" (1938/1966, p. 24). Skinner, ao discutir a indução,
aponta que o isolamento da unidade para o trabalho experimental não é total. Ela se
mantém relacionada com o resto do organismo e uma operação que é realizada sobre um
reflexo afeta outros. Apesar dessas dificuldades, Skinner decide trabalhar experimental
mente com a unidade isolada.
Seu suposto atomizador traz limites por, no mínimo, postergar a investigação de
processos complexos que ocorrem com o comportamento ou minimizar sua importância.
A simplificação que este processo atomizador traz pode estar impedindo que os dados
evidenciem que o todo não possa ser construído de suas partes, na medida em que náo ó
a interação que ó investigada, mas os processos isolados. Investigando-se só processos
isolados é mais fácil mostrar que uma explicação em tais termos está correta.
No decorrer deste período 1931-1938, houve um afastamento gradual dos princí
pios que nortearam suas propostas de 1931. Skinner abandonou a suposição de que a
relação do conhecimento com o real ó uma questão sem significado. Em 1935, afirma que
os procedimentos analíticos que propõem como os orientadores de sua ciência devem
respeitar as fraturas naturais em que o ambiente e o comportamento se quebram (1935/
1972, p. 458). Tais afirmações diferenciam-se das visões de Bridgman e Mach. Para Skinner,
o processo de conhecimento nào seria fruto da imposição do sujeito, nem representação
de uma realidade, mas sim fruto de uma relação entre uma realidade que existe indepen
dentemente do sujeito que conhece e um sujeito ativo que opera sobre ela a partir dos
limites o possibilidades dos seus procedimentos de investigação.
Neste período, mais especificamente em 1937, Skinner propõe uma nova espécie
de comportamento — o operante — que irá romper com a noção de determinação que
implica identificar para qualquer ação um estímulo que a provocou. O organismo “age"
sobre o ambiento sem que se identifique um estímulo eliciador. E esta operação "produz"
conseqüências para o próprio organismo, ou seja, ele "produz o reforçamento", o organis
mo "seleciona" reflexos que são importantes e "descarta" os não-importantes. Tais ca
racterísticas não implicam a negação de determinação ou a impossibilidade de abordá-la
numa ciência descritiva.
Com o operante, uma nova espécie de comportamento é proposta e a previsão se
dará por novas vias. A relação não é com o estímulo eliciador, mas o comportamento é
entendido por relações estabelecidas previamente entre a resposta e o estímulo reforçador
que a segue. A resposta não é, como no respondente, “resultado de algo prévio que ó feito
ao organismo" (1938/1966, p. 22), independentemente do que o organismo faz. Com o
conceito de operante, Skinner propõe que este tipo de comportamento, apesar de ser
espontâneo, agente, produtor e variável, é submissível à lei e à previsão e, portanto, pode
ser estudado pela ciência.
Resta analisar como, ao incorporar a noção de espontaneidade e ação em função
de efeitos, que coloca o organismo como produtor, não insere sua explicação no modelo
finalista e mantém sua proposta de fazer da análise do comportamento uma ciência, uma
proposta que incorpora a compreensão da especificidade da ação humana sem que seja
necessário sair dos domínios da ciência, o que discutirei brevemente.
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2. 1980-1990: a influência da metodologia proposta pelas ciências
biológicas
'Talvez esta diversidade seja salutar: diferentes abordagens poderiam ser en
caradas como mutações, das quais uma ciência do comportamento verdadeira
mente eficaz será selecionada" (1974, p. 274).
Em síntese, entender o comportamento implica entendê-lo a partir de uma tríplice
determinação ambiental indissociável: a espécie, a vida do indivíduo e a cultura. Esta
forma de conceber o comportamento ó bastante diferente do princípio molecular que Skinner
afirma nortear sua ciência em 1938. Qualquer procedimento de fragmentação e isolamen
to e qualquer suposição de que a compreensão do comportamento ocorre inteiramente a
partir de sua manifestação, da simples observação direta, não permitiria entender dimen
sões tão complexas e múltiplas que o comportamento agora assume.
Não é só a forma como concebe seu objeto de estudo que se altera com os
princípios da seleção natural. A influência destes princípios se estenderá para a noção de
causalidade. Em 1961, ao discutir o comportamento criativo, Skinner apresenta a seleção
por conseqüência como um novo tipo de causalidade, proposta por Darwin.
"A seleção ô um tipo especial de causalidade, muito menos visível que a cau
salidade empurra-puxa da Física do século XIX, e a descoberta de Darwin pode ter
aparecido muito tarde na história do pensamento humano por esta razão" (1961/
1972, p. 353).
Apesar de podermos dizer que a seleção por conseqüência implica uma relação
funcional, como Mach propunha, ela não pode ser reduzida à relação funcional. A seleção
opera por seus efeitos. O comportamento é selecionado porque ele permitiu a sobrevivên
cia. Mas ...a sobrevivência é apenas uma das formas de conseqüência seletiva" (1988b/
1989, p. 114). Skinner estende esta noção à compreensão do operante e da cultura.
Esta forma de causalidade que explica uma ação que leva à sobrevivência exclui
qualquer suposição de que o comportamento possa ocorrer a partir de um projeto futuro,
elaborado por uma mente criadora. Só conseqüências passadas figuram na seleção.
Antes de Darwin, segundo Skinner, o propósito de algum fator humano parecia
estar ligado a um planejamento prévio voltado para o futuro. A teoria da seleção natural
moveu o significado para o passado (1973b/1978, p. 19). Os acontecimentos futuros não
têm lugar na análise causai (1957/1978, p. 179). São as conseqüências ocorridas no
passado que determinam a probabilidade de ocorrência do comportamento em uma situ
ação futura semelhante. Não porque estas conseqüências são acumuladas ou memoriza
das pelo homem ou organismo para que, em uma situação futura, sejam recuperadas e
orientem uma ação planejada que possa gerar maior adaptação. Mas porque as ocorrên
cias passadas modificam o organismo, alteram sua forma de se relacionar com o mundo.
Skinner, com esta noção de causalidade, combate a noção de um agente inicia-
dor que orientou a mecânica clássica e também orientou concepções mentalistas de uma
mente criadora. O homem não é visto segundo o modelo mecânico que necessita de um
criador, nem que seja ele mesmo o criador. Para ele, o ambiente é o agente causai, não os
agentes internos, as causas se situam fora do indivíduo. Segundo Skinner, "A autonomia
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é o não causado, e o não causado é milagre e o milagre é Deus. Pela segunda vez, em
pouco mais de um século, uma teoria da seleção por conseqüência está ameaçando uma
fé tradicional em uma mente criadora" (1961/1969,354).
Pode-se dizer que, com tal postura, Skinner combate a metafísica de um agente
inlciador, como Darwin teve que combater a metafísica de um agente criador. Pode-se
dizer que com esta noção de causalidade Skinner completa seu afastamento ou combate
ao mecanicismo e às concepções metafísicas que o acompanham.
Tendo discutido a forma como Skinner concebe seu objeto e a noção de causali
dade, cabe ainda — em uma análise das bases filosóficas — discutir sua visão de ciên
cia.
A ciência é uma forma de comportamento que deve ser entendida como qualquer
comportamento — é construída a partir de determinações ambientais e deve ser avaliada
e selecionada pela sua efetividade. É uma forma de comportamento verbal e, como tal,
origina-se do reforço social da comunidade científica. A comunidade científica desenvol
veu um conjunto de técnicas para gerar comportamento eficaz, enfatizando suas conse
qüências práticas.
"É um engano (...) dizer que o mundo descrito pela ciência está de um modo
ou de outro mais próximo daquilo 'que realmente existe’, mas é também um engano
dizer que a experiência do artista, compositor ou poeta está mais próxima daquilo
‘que realmente existe'. Todo comportamento ô determinado, direta ou indiretamente,
pelas conseqüências, e o comportamento de ambos cientistas e nâo cientistas
são modelados pelo que realmente existe mas de modos diferentes" (1974, pp. 140-
141).
A ciência é gerada pelo que existe, mas não é reflexo do que existe. O conheci
mento não é visto como algo que representa o mundo.
"Nào faz parte de uma tal investigação tentar traçar o mundo real no organis
mo e observar ele tornar-se uma cópia" (Skinner, 1963/1969, p. 249).
... "o conhecimento nào é uma percepção elaborada do mundo externo na mente do
cientista, mas, ao contrário, o que os cientistas fazem a respeito do mundo” (Skinner,
1963/1969, p. 254).
O homem não possui conhecimento, ele se comporta por se expor a uma comple
xa e sutil história ambiental e genética (1976/1978, p. 125).
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novas lormas de comportamento são criadas, elas o são pela seleção. As falhas
na variação e seleção são problemas fascinantes. Nós devemos nos adaptar a
novas situações, resolver conflitos, encontrar soluções rapidamente." (...)
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