Mattoso Câmara - Princípios de Lingüística Geral
Mattoso Câmara - Princípios de Lingüística Geral
Mattoso Câmara - Princípios de Lingüística Geral
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inter pretarfio cliantc clas coisas cla natureza. Pelo adcn~;p1Cnlo das nuvens
po, da rncsma sor te que 0 aspecto (las .irvores pede indicar-nos urna mu
danra de estacao do ano. Niio h.i, enuet anto, como Ialar em lingnagem
i
16
2 PRINCfPIOS DE LING"OfSTICA GERAL
2 LINGtifSTICA: SEU OBJETO 17
petir-se com a sua individualidade nitida em circunst;incias identicas. E
Ii na lme nr e preslam·se a DIV1S1BILIDADE na representacao (al. die Zerlegung Cada cornunidade de hornens serve-se de urn sistema de linguagcm, ou
dcr i'orsteliu'/;c,) e, portanto, conseqi.it-ntemente na expressao vocal (Ga Li~cUA, cuja propriedade essencial e a de ser representativa,
belen t z, 1001,2/3). ' .; .Assim, no sistema porrugues, ou lingua portuguesa, os Ienomenos que
Ora, 3 VOl e aos gestos dos animais irracionais se pode atribuir rnu i impressionarn os nossos sent idos sao interpretados, e REPRESENTADOS, - ora
tas vezes urn proposiro mais ou me nos preciso. Nao se lhes pode, contudo, consubstanciados num "ser ", nao raro merarnente convencional. como
a tr ibu ir as duas outras propriedades, focalizadas por Gabelentz, porque m orte (nomes substantiuos], ora como "processos" em desenvolvimento
ncles as repr esen t aroes sao essencialmente globais e nao tern uma corres (vcrbos); dos primeiros se depreendem predicaclos nltidos inom cs adicti
pondcncia constante com urn dado conjunto expressivo, vas), e, quanto aos segundos, se imaginam part indo de urn dado ser (sujeito)
A r azao esui na impossibilidacIe cIe se elevarern a urn trabalho mental e situados num momenta anterior, sirnultaneo ou posterior aquele em
cIe "corist r uciio representativ~" dianre cIo mundo exterior e do mundo in. <Jlle sao citados (tempos verbais); ordenam-se os scres na d istfincia espa
terior. Eo que muito bern frisou 0 fi16sofo alernao Ernst Cassirer (Cassirer, cial (pronomes demonstratioosj e eles sao vistos como "individuos", passi
1933, 2·1). Basea n do-se n as cousideracoes cIe J. von UexkUII sobre 0 conceito veis de cita<;ao isolada (nl/mero singular) ou de cita<;ao em grupo (mime
psicn]("gico do ESP r\~o \'ITAL (al, Lebensraum), acentua -Cassirer como os 1'0 plural); dividcrn-se em classes pOI' urn dado cr itcr io (como 0 do gruero
bru tos nfio \'ao alcm da "a<;ao e eficiencia", isto e - recebern as excita<;Oes nominal], e cla-se-lhes lima denominarao com urn Oll diferente, con forme,
exreriores para agir num mero jogo de a<;ao e reacao, sem quaisquer reo pOI' exemplo, se i ntcrpretarn na base cIe certos elementos constitutivos A,
presenta<;oes mentais que Iacarn daquele espa<;o urn todo unificado e com em que col hernos ma<;;ls, B, de que tir arnos lenha, C, a cuja sombr.i nos
preensivo. abr igarnos, como un'orc, ou, ao contrar io, na base de outros elementos se
(az abstr arfio dcsse agrupamento geral e charna-se A maricira, B cura
E a concepcao dos caracteres assim depreendidos pOl' Gabelen tz que
lipto, C [equitilu), Desta sorte, 0 espa<;o em que vivemos, ou 1'51',\<;:0 VIT,\L,
esta implicita na insistencia com que 0 seu compatriota Walter Porzig nos
fala da ARTICULA<;:AO (al. Gliederung) 1 como a linha divisoria entre a lin
e decornposto e ordenaclo - ou seja, REPRF_SEt'T,\OO - num conjuruo hal"
monioso e n itido.
guagem dos hom ens e ados brutes (porzig, 1950,4655.). Por gliedern, como
Em outros tcrrnos: cr ia-se na linguagem urn "munclo" ou "cosmos" I,
pOI' art icnlar, derivado do diminutivo articulus do latim artus, "membra",
em bora niio necessar iarnente coincidente com a intepretarfio racional 011
e ntende-se a i, em sent ido lato, 0 processo de dividir em mernbros minimos,
LOCICA 2. Os hornens passarn a cornpreender 0 espa<;o vital de certa ina
ou elementos, uma en unciacar; vocal e a representacao mental que nela
ncira, e, part indo da rompreensiio cornurn, concretizada na lingua, po
se consubstancia e exrerioriza. A nrticulaciio e assirn decorrente da divisi
dem-no fazer assumo de comllnica<;;io entre si (ex.: "0 lavrador derrubou
bilidatle: a enuncia<;ao v~cal humana e articulada, porque se presta a uma
o jequitiba, colhed os frutos daquela macieira, planta eucaliptos", etc.).
divisao sistcm;itica, por meio da qual chegamos a elementos sonicos signi
ficativos. E, por outro Iado, esses ,~Iementos existem, porque a sua signifi
o psicologo alemao Karl Bi.ihler insiste por isso na FUNC,:AO REl'RESEN
TATIVA (al. Dars'lellung[unktion), em bora depreenda ao lado desta, duas
ca<;Jo permanente assegura a sua incIividualidade nitida enos faz reconhe
outras fun<;Oes, nao menos importantes: a EXTERIORIZA<,:AO PSiQUICA (a!.
cc·los, sempre idcnticos.a si mesmos, nas rna is variadas circunstancias.
Kundgabe, ou Ausdriick, i. e, "expressao" stricto sensu), quando atraves da
2. As [urll;oes da linguagem. linguagem manifestamos 0 nosso est~do de alma, e a ATUA<;:AO SOCIAL au
APELO (al. Appell), por"'meio da qual atuamos subre 0 proximo na. vida
social (BUhler, 1934, 12 ss.).
Nestas condi<;oes, chegamos a urn conceito de Jinguagem representati
va, que e a exclusivamente humana.
I Sobre a significa~Jo de "ordem", "arranjo orden ado", que e"~ na ""tIlC;"
do J;T. kchmoI e do lat. mundUJ, utilizado pard traduli-!o, d. fluck, 1949, 3; Emoll!
1 Porzig- relaciona, alii'i, cxpiicilamente, 0 [enna alemao com' 0 latinismo ~lcilk!, 19:>1, 747.
ArtikulatlOn (POl'zig, 1950, 50). 2 Para a rela~Jo entre a lingua, de urn lado, e, do Dutro. a I"!dc, e a formllla~a{)
) ..
18 3 PRINC!PIOS DE LINGtlfSTICA GERAL 3 LlNGDfSTICA; SED OBJETO 19
A exteriorizacao psiquica tam bern se revela na voz dos anirnais: assim, Os tirg,ios do corpo humano qlll: dcscm penliam um papel qu.i lqucr
o latido do cao manifesta tao nitidamente alegria .. ou raiva, ou dor fisica, na cmissao cla VO", const it ucm 0 (Iue sc cham" 0 apnrclh o [onador, ;\i
ou desespero, que ha em portugues verbos distii1tos para caracteriza-la se i ncluem, gross(} mudo, os puhuccs, 0 tubo da lraljlll'ia, a bOld e as
conforme 0 caso (latir, ladrar, ganir, uivar). Nem se the pode negar mui
Iossrs nasa is.
tas vezes urn proposiro de atuar sobre 0 proximo, seja este urn outro ani
E l ir itr: di/cr ljue h.i, all' ccrto POllIO, uma prcdispo,i\ao d:1 \0/
mal ou 0 homem. 0 que Ihe falta substancialmente e a REPRESENTA/;:AO, no
anima l para scr a prove it ada como lillgu,',t;cm, mormcm c 110 homcur. em
sentido de Buhler, da qual decorre a SIGNIFICA<;:AO PERMANENTE e afinal,
a DIV1SIB1LlDADE ou a ARTICULA<;:AO. ljuc e lao iualc.iv cl c licl de rcrursos.. \ m uu ic », ou scj:' - ,I ,i'lelll:'li/,,·
~;io dos geslos ((lrp,'lIeos, n.io clcvc In, em ICIiIPO ,d~'IIlI, !lIl'lIOllliILI<I"
Em vir tude do cara ter essencialmente REPRESENTATlVO da linguagem
scqUl'T sobre a crn iss.io vocal, c, mu iio menus Iu nrio n.rdo scm CI:I, ,\ h i
hurnana, as duas outras Iuncoes adquirem por sua vez urn carater sui
generis ,que as distingue inconfundivelmente da exteriorizacao psiquica e pl'llcse, nesic scm ido, d,l lillgiiisla h01:tIHk', J. v.r n (;illllckcll p:I:'l'le dc,·
do apelo deprcensiveis na VOl dos animais. Elas contern no homem urn t it u id.i de lju;J!lIuer probabilid.ulc ((;illilekell, J~IIO, J::S s-.),
MOMENTO REPRESENTATIVO, como frisa com toda a razao 0 psicologo E illeg;l\c! que 0 gcsro. cntcnd ido (01110 j",!.;() dOl l i-ionouu:r. dm
Friedrich Kainz, quando adota, desenvolve e comenta a teoria de Buhler hla<;()s c all' de ioclo a (orpo, acomp.mh.. iuctut.rvclmcm c a Cllllll<J,IIJ\l)
(Kainz, 1943, I, 176). V()(;J! c ncla sc illlegra numa "rUIl<;'~-IO prc( isador,l d:1 p.ilavru" (K:lin/,
o grito doloroso de urn do, por exernplo, nao se equipara a urrra JUn, l l , '198), mas :tpella.s, como Irisci a l hurcs, ";1 m.mcira de 11m [u nr lo
nossa Irase exclamativa - ai que dar! Nesta, a: exteriorizacao psiquica se m usira l lIue acomp.inha as palavras de urn c.uu o" (C:illl;ILI, 1~)S:1 i\, ::1),
processa na base de duas representacoes menta is, ai articuladas: 0 conceito D:li, SCI' a lillgu,lgem, em essl'llci~l. vor.i l ou or.rl, c d:t \0/ hum.uia
da "dor" ou sensacao dolorosa, tratado convencionalmente ate como urn sc dcsc nuanhur a FAL\, (HI cOlljUJ110 de cllli,,(,es \ol:tis "igllil,clll\;IS.
ser, e 0 conceito da "intensidade" das nossas sensacoes, formulada no ele
Cumpic, 11:10 obst a mc. accuiu.u, rom 0 lingiii'L'1 norte..uuciic.mo
men to que.
Edward S,lpir, 'Ille "n.io sc tra t a de lima .u ivid.u lc simples. cxccur.rd.i pOl'
Ao contrario, nivelarno-nos com a linguagem dos animais, quando
rncio de orgaos biolouica meutc a ela dcst i naclos", IlLI' de urn csforc;u
emitirnos griws de dor, de raiva, de desespero etc. numa enunciacao de
oiador da luunanid:«!c, que, par;! isso, se scrvi u de ('lrgaOS do cdrpo h u
sons "inarticulados". Acima deles, porque apresentam uma signjfica~o
mano, dando·Illes lima aplica~ao s~cuIH!;iria e, li,ioIOl;ic"nH'llle faLIlldo,
mais ou menos permanente e sao passiveis de se clividirem em elementos
"excrescellle", do mesmo modo que se ulili/am os dedos p,lra a OIl'll' de
sonicos definidos, estao as ONOMATOPEIAS e INTERJEI<;:OES, que assim cons
lOcar piano e os joelllos para 0 geslO Silllb('llico dc gellullcxao (Sapir,
lituem urn setor de transi~ao para a linguagem representativa elaborada;
1921, 7).
ex.: port. ah!, com a vogal portuguesa bern defimida la/. ui!, com 0 ditongo
portugues lUI I, etc.; pum! com uma consoante e vogal nasal bern portu Nao c tam bern e:\~110 Strpor, COIll algullS leorislas. Cjnc haja. no ce;·
guesas, etc.. rebro hUlIlano, uma ou rnais secsoes !Jio!ogiramel1le deslillad:ts :1 fun(io
da Iinguagem. Como ironicamellle comenta 0 meSire llortc·allleriC:ll\o
3. A linguagem como jenomeno vocal. Leonard Bloomfield, "seria enlaO 0 caso de procurar, igu,l!mente, 0 ccntro
cerebral especifico da fun)ao lelegJ-:I'fislica, aUlOmobilistica, ou seja que
Para fins de lingua gem a humanidade se serve, dcsde os tempos pre· outro exercicio de uma inven<;ao moderna" (Bloomficld, I ~):)~. :)7),
hist6ricos, de sons a que se da 0 nome generico de VOl, determinados pela Nao hoi, a respeilo, senao conduir, corn Sapir, "que a lillguagcIll Clll
corrente de ar expel ida dos pulm5es no fenomeno vital da respira~ao, si mesma nao c nem pocle sel' locali"ada de maneira dcfinida, pois cOllsi>te
quando, de uma ou outra maneira, e modificada no seu trajeto ate a
numa rela<;ao simb61ica toda peculiar, e fisiologicamellle aroitdria, entre
parte exterior cia boca. lOdos os elementos cia nossa expericncia, de um lado, e, de Olllro lado,
20 4 PRINC1PIOS DE LINGtlfSTICA GERAL § 4 LINGtHSTICA: SEU OBJETO 21
certos elementos selecionados, localizados nas regiOes auditiva, motriz etc., guagem e uma criacao do homem na base das suas faculdades hurnanas,
do cerebra e do sistema nervoso" ,(Sapir, 1921, 9) I. tanto como outros produtos, quer rnateriais (habitacao, indument.iria, ins
Quer do ponto de vista ment'al,quer do ponto de vista vocal, nao trumentos de pesca etc.), quer mentais (religiao, direito, organizacao fa
ha fugir 11 coricepcao da linguagem como uma especie de ARTE, elaborada miliar etc.).
pelo esforco criador do homem. A lingua, pois, como observa 0 linguista e psicologo norte-arnericano
John B. Carrol, "e, sem duvida, cultural em sua natureza e seus prop6si
4. A linguagem como aouisiciio cultural. tos", independentemente da con troversia, que e "ern cssencia terminol6
gica", sobre a interpretacao da Iingufst ica, "primordialmente como ciencia
Ora, em todas as cr iacoes humanas, a cu jo con j un to se da 0 nome de social ou como urn dos estudos hurnanisticos" (Carroll, 1959, 112).
CULTVRA (e se estuda na antropologia cultural, ou etnologia), se pode de Ha, entre tanto, certas coridicoes que tornam a. lingua uma coisa 11
preender 3 niveis, segundo 0 esquema do antropolopo norte-america no parte em face dos fatos nao-vocais de cultura.
Kroeber (Kroeber, 1949, 279) 1: Em primeiro lugar, funcionando na sociedade para a comunicacao dos
seus membros, a lingua depende de toda a cultura, pois tern de expressa
SUPERORGANICO
la a cada memento. E 0 resultado de uma cultura global. Tal nao aeon
ORGANICO tece com os outros aspectos culturais: em cad a um deles se refletem outros,
INORGANICO e verdade, como as concepcoes religiosas na arte, a arte na industria, e
assim pol' diante; mas nenhum deles existe para expressar todos os outros.
Ao mundo fisico se acrescenta, em nivel superior, urn mundo biolo Assim, a lingua e uma parte da cultura, mas se destaca do todo e com
giCQ, ou organico, e dai parte a cria\ao humana, ou cultural, num terceiro ele se conjuga dicotomicamente:
11ivel superorganico,
3
22 5 PRINCfPIOS DE LINGttfSTICA GERAL § 5 LINGOtSTICA: SEU OBJETO ~J
Finalmente as aquisi~oes cult urais sao ensinadas e transmitidas, em ~ao dos gritos anirnais cspontaneos (teoria i nterjcit iva) ou clos sons voc ais
grande parte, pela lingua. ~
mecanicarnerue produzidos como acompanhamento de urn tr abalho ma
Assim, uma lingua, em face do resto da cultura, C _ I) b seu resul nual (teoria do Iilosofo alemao Noire). Mais modernamen te, 0 lingili,i;1
tado, ou surnula, 2) 0 meio para ela operar, 3) a condicao para ela sub dina marques Ouo Jespersen propos para ponto de part ida os SOl]> ri t ma
sistir. E mais ainda: so existe para tanto. A sua Iuncao e englobar a dos, nurna espccie de canto inarticulado, COi!1 que 0 homcm 1'1 im it ivo
cultura, comuntca-Ia e transmiti-la atravcs das gera~5es. ter ia esponraneamenre manifestado os seus est ados de cuf'oria (Je,pelsen,
Tuelo is to op5e a Iing-ua ao resto da cuI tura, ou cultura stricto sensu, 1928, 432 ss.).
e torna necessaria urna ciencia independente para estuda-Ia _ a L1NGiHsTICA, Ora, 0 grande problema c, ao corur.irio, ex plir ar como os SOilS \ (lId",
distinta cia ANTROPOLOGIA CULTURAL OU ETNOLOGIA, que estuda todas as quaisquer que eles Iossem, passaram a co nst it uir LlNGL'AGE:\I, ist o t', sc
outras manifesta~5es culturais. Adrnite-se, entretanto, um estudo interrne associar arn em sistema articulado e com significacocs pel ma nentes :1 nossa
e
diar io, que trata das relacoes entre a lingiiistica e a etnologia e chama. vida mental, determinando a ader encia esscncia l do pensamento :IS P:I
da pelos norte.americanos ETNOLlNGUisTICA (d. Olmsted, 1950). lavras de que nos Iala Hoenigswald.
Isso pressupoe urn trabalho mental ja evolu iclo, quando, pOI" out ro
5, A linguagem como trace essencinl do homem, lado, sabemos como c imprescindivel a linguagcm l'dra qua lqucr t rn bn
lho de tal ordem. Achamo-nos assirn nurna verclade ir a peti\ao de prill
Compreenele-se, portanro, que a linguagem esta indissoluvelmente cipio. •
associ ada com a atividade mental humana, a qual so em virtude dela se
pede firrnar a desenvolver.
A unica solucao c
a de conceber Ulll descnvolvimcnto p.u.Lu i no c
paralelo da faculdade do pensamento e da faculdade da linguagcm. a
A filosofia moderna e unSnime em reconhecer que nao se trata partir de situacoes sociais rud imentares, que prepararam urn ronH,\o de
apenas de urn recurso para expressar pensarnentos, emo~6es e volicoes. aderencia entre uma e outra.
E, muito rna is que isso, 0 meio essencial para se chegar a esses estados
Tais situacoes teriam sido, por exemplo, para Jespersen, as ,bs 111:1
mentais, Sem isso, eles seriarn difusos e inconsistentes, como 0 dos brutes.
nifesiacoes tribais de triunfo, acornpanhadas de urn ca nt o rolet ivo que
que j;\ vimos enclausurados num espa~o vital de mera a~ao e eficiencia,
passou a evocar e afinal denorninar 0 acoruecimenro (Jespersen, ]~):!S,
A com preen sao do mundo exterior e interior resurne-se numa construcao
440). Outros imaginaram aspectos de comunicarfio social cmbrion.iria.
e representacao desse mundo dentro do nosso espirito, atraves de urn tra
Assirn, 0 filosofo holandes G, Revesz parte dos SO:--;S DE COC'T,\CTO (a l.
balho mental que depende da Iinguagem como a march a animal depende
Kontakt/aute), emitidos para exteriorizar sat isfaciio. em momentos de
das pernas (Cassirer, 1933, 22). H;\ uma ADERENCIA ESSENCIAL do pensa
contacto social, pOl' animais de natureza greg:\ria (RC\ esz, 19·16. 183ss_),
mente as palavras, expressa pOl' Cassirer, de acordo com Hoenigswald,
pelo termo Worthaftigkeit. ]<\0 psicologo frances Pierre Janet pressupoe uma divisao de at ividades
nos graneles ernpreendimentos de urn bando, naturalmente acompa nha
Se, portanto, a Iinguagem nao e uma fun~ao natural, no sentido
dos de sons e gestos emotivos: 0 condutor, evoluindo para chefe, coneen
puramente biol6gico, tornou-se tal para 0 ser humann. situado fora do
trou-se nesses sons e nesses gestos, enquanto a massa condU7ida deixa\-a
ambito da animalidade bruta. Toda a sua atividade mental assenta nessa
fun~ao. e1e produzi·los para agir melhor (janet, 1936, 103/6) I.
Eis ai, justamente, 0 que tern tornado precario e praticamente baldo Para a lingtiistica, en~retanto, que e uma cienci:J. fllndamelltada na
o esfor~o para depreender a origem cia linguagem nas sociedades huma observa~ao do que existe, 'nao interessa diretamente es,e problema gem:'
nas. As primeiras explica~6es contentaram·se, marginalmer1'te, em yen.
tilar as possiveis maneiras pOl' que se firrnaram, coordenaram e consoli. 1 Note·se como Pierre Janel couH..Icna 0 desCIH'olvilllClllO 1l.1ClHJ.1 com 0 des.en·
daram os sons voc~is como sons da FALA: sugeriu-se a imita~ao dos ruid05 volvimenLO lingliistico. explicando a consolidac;50 da fun<;50 representali" da lingllag e rn
pela e"011l<;50 do hom em e do grupo hllmano, quando 0 ClJndlllOr do bando animol
da natureza (teoria onomatopaica), a tomada cIe consciencia e organiza. ascende a tategoria de "chefe" t: se cria a liirllboli:.a(iio do "colfl,"l"do",
24
6 PRINCfPIOS DE LINGOfSTICA GERAL 6 LING01STICA: SED OBJETO 25
tico. Nao Ihe cabe depreender que elementos mentais e que estirnulos
Para Saussure, a linguistica propoe-se a estudar a LiNGUA; enos DlS
condicionaram para a humanidade urn rudimento de linguagem, que Ihe
CURSOS individuals, que considera e analisa, s6 Ihe devem interessar os
permitiu construir a represenraran fO
seu mundo exterior e interior, e
elementos vocais coletivos e a sua organizacao normal.
desenvolver uma e outro por meio dd auxilio mutu~ que se emprestaram %.
. Essa distiri~ao entre LiNGUA e D1SCURSO, que, como observa, com ponca
Nern Ihe in teressa, a rigor, a Iinguagem em si rnesrna, considerada
simpatia, 0 lingiiista polones Doroszewski, "Iaz parte do acervo de ideias,
como uma faculdade abstrata do homem. 0 seu objeto (ja aqui se Ir isou
atualrnente admitidas e ate enraizadas em lingulstica" (Doroszewski,
antes) eo cstudo dos sistemas de Iinguagem, ou Ifnguas, as quais podemos
1933" 88), e uma das luminosas interpretaroes saussurianas na ciencia da'
assim definir: "conjunto de conven~6es necessarias, adotadas pelo corpo
Iinguagem. No ambito social. corresponde grosso modo a distincao entre
social. a fim de permitir 0 exercicio da Iinguagem por parte do indivi
as irnposicoes gerais da sociedade e a atividade de cad a urn de nos, tam
duo" (Saussure, J922, 25).
bern sujeita as inspiracoes do pensamento individual.
Os adeptos de Saussure reconhecem que os discursos, que a cada passo
6. Lingua e Discurso.
se nos apresentarn a cbservacao sao, com efeito, atos mentais individuais.
Mas 0 individuo nao cria a sua Iinguagem, advertern. Faz tao somente
Eis ai urna circunstancia de monta, porquanto nos desloca para 0 aplicacao daquela que a sociedade Ihe ministrou. Podernos ate dizer que
ambito dos sistemas socia is, ou instituicoes, As Ifnguas Iigurarn entre elas,
ela Iha imp6s, depreendendo a i, com 0 mestre frances Antoine Meillet,
ao lado das relig6es ou do direito, por exernplo, e a linguist ica, concen umacorncj;o COLETIVA no sentido que deu a esta locucao a escola sociol6
trando-se nelas, dcixa 0 estudo da faculdade da linguagem a Iilosofia gica Irancesa de Emile Durkheirn (MeilIet, 1921, 230).
(MeilIet, 1921, 17/8).
Volta-se, des tarte, a LiNGUA como materia central do estudo lingulstico.
E verdade que a lingua so existe como soma de multiplos atos vocais
Outros linguistas, ao contrario, aceitando imphcitarnente a distin~ao
individuais, porern ncsses atos cada homem se serve de urn sistema de
de Saussure, se preocupam de preferencia em depreender do ato de Iin
elementos vocais que recebeu da sociedade em que vive. Sob esse aspecto,
guagem, ou discurso, 0 que nele ha de individual. Tal e a orientacao da
falar e sempre urn ato social, mesmo quando eIe se executa sem qualquer
escola alerna de Karl Vossler, dita idealista. Parece-lhe que.o objetivo pre
objetivo de intercambio social de ideias.
cipuo da lingutstica deve ser 0 de estudar 0 ideal estetico em dado dis
Foi 0 reconhecimento dessa verdade que se cristalizou na doutrina, curso, isto e, 0 esforco do Ialante para expressar-se da maneira mais ade
hoje classica, do rnestre su i~o Ferdinand de Saussure: a LiNGUA (fr. la quada possfvel as circunstancias em que se acha, Iugindo, por uma cria
langue) e urn sistema de elementos vocais comum a todos os membros de
uma dada sociedade e que a todos se irnpoe como uma pauta ou norma
definida. A seu Iado, distingue Saussure a FALA, ou, mais precisarnente, loquor, al, Sprech'n, de sprechen, esp. hobla, de hablar, port. [ala de [alar, Ma. [ala
exelui a Iinguagem escrira, ao contra rio da parole saussuriana, que ~ menos dependentc,
o DlSCURSO (fr. la parole), que e a atividade lingiiistica nas multiplas e na forma e na significa~~o, do seu verbo parlcr. Prc.ponho, port.nto, 0 nosS<) velho
infjnd;iveis ocorrencias da vid~ do individuo I. termo discu~o, CQmo nome verbal de discorru. 0 proprio Sau ..ure lembra 0 latim
urmo e 0 alem~o Red" que a de corn:spondem, e 0 seu discipulo ingle. Ahlll Gardiner,
traduzindo' parole por speech, observa que em france. se dir.\ parok ou discouTS
(Gardiner, 1932, 107) ; e ~ justamente discauns, de prder~ncia a para/(, que propoo1l
% Entre as elucubra~6cs neste senlido vale citu 0 estudo de Charles Hr ."ell, lin
Haudricourt e Granai num recente artigo de inspira(50 saus.uriana (Haudricourt·Granai,
giiista, e Robert Ascher, especializado em antropologia Hsica, wbre "" R evollJ<;3O
1955, 121). Outra tradu~~o posslvel e usar as locu~()e. estrutura ·Iinguistica, para
Humana", onde se procura coordenar a evolu~ao fisica e mental dos hominidios com a
longue, e a/ividade linguisti.ea, para parok, a maneira do. Composto. alem~es de Karl
evolu~~o da Iinguagem (Hockett.Ascher. 1964).
Buhler: Sprachgebilde e Sprechakt. Neste caso, insiste·se especialmente no aspeCIO de
sistema, ou estrutura, da langue, que a aproxima do conceito de pattern de Sapir em
1 E' sempre tareCa delicada criar equivalentes vern;\culos para tennos tecnicos ingl~, do <I.e esquema de Hjelmslev (Hjelmslev, 1953), do de sisuma c!e Coseriu
estrangeiros. quando s50 aplica~()es de term os usuais, cujo sentido comum proeuram (Coseriu, 1952). Para as ideias centrais de Saussure e preciso levar em conta que 0
aproveitar. 0 Coneticista portllgues Oliveira Guimar~es (Guimar~es, 1927, 7) tradul seu livro classico (Saussure 1922), ~ pOstumo (publicado pela primeira vez em 1915).
a parol, de Saussure, pura e simplesmente, por palavra; ora, esse termo em portugues baseado em nota, de aula e da responsabilidade diret. dos "'u. disclpulo. Bally' e
sugere logo a sua sinonimia com vocdbu(o, ao passo que parC'I' e
0 nome verbal de Sechehaye: h:l as vezes discorditncia entre a reda~o do livro e 0 pensamento exato ,Ie
parkr, com que se associa morCicamente. Parole corresponde, pois, ao lac. loquela, de Saussme (cf. Gode! 1957).
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26 § 7 PRINCiPIOS DE LINGOfSTICA GERAL 7 LINGDfSTWA: SEU OBJETO 27
~ao pessoal, da automatizacao na formula~ao lingiiistica 2; "Com a forma correspondern a FUN~AO REPRF.>ENTATIVA no seru ido de Buhler e sen-em
que falamos sucede quase 0 mesmo que com a fofllla que vestirnos. A vida para uma cornunicacao inrelecuva.
pratica nos imp6e 0 modelo. Mas nosso gosto decide 0 corte e a cor" Ora, quando ut i lizamos os elementos da lingua n urn dado disr urso.
(Vossler, 1943, 41). raramente 0 Iazemos paJa uuia cornunicacao iruclect iva pura. Ha a i t arn
Ter-se-a, destarre, ao lado da lingiiistica propriamente dita, ou cien bern, subsidi.ir ia, concorrut ante au predominarucmenre. a carga ernot iva ,
cia da "lingua", uma lingiiistica do discurso, que sera a estilistica. que carreia uma MANIFESTA(.AO I'SiQlIlCA ou urn APELO (sempre no sent ido
de Buhler) (cf. Camara. J953 B).
7. A lingua como representariio. Nest as condicoes. a ling-ilislica pr opriamemc dira. au cstudo da
Li:\Gl'A na acep<;ao saussur iana, nao abrangc 0 Icnorncno lingu ist ico em
A divergencia entre Vossler e a doutrina saussuriana nao e, entre. sua rora lidade. Ficarn de lado as irucncoes de ma nifcst ac.io pSiquica e
tanto, inconciliavel. Provem do que ha de incompleto no conceito ex pl i a pclo, que as discursos indiviclua is, ern ~!:;.;ra. carrci.un em si e cones
cito de LINGUA. pondem a "expressao" de Croce (cf, 8 6. n. 2)_
Defi nern-n a apenas, em regra, pOl' dois dos seus aspectos: umae A ESTILlsTlcA C, em essencia, a depreensao cia emocao, sistcm.n i/ada
norma ou pauta, sob que se desdobram os discursos individuais - 1) sis. nos a tos de linguagem, a qual Illes di urn .'alor cstet ico (gr. aisthrsis
ternatica, 2) coletiva (d. Coseriu, 1952, 41). 0 primeiro aspecto vern' a "sensac.io", donde "sent imento"), Ortodoxarne ntc, .lentro cla doutr ina de
ser a estrutura, 0 sistema ou 0 esquema, con forme a denominacao que
• seu discipulo Chai les l\:Jlly t arnbcm Ioraliza a
Saussur e, a escola su ica do
prefira urn dado Ii nguista (d. § 6, n. I); recenternente tarnbem se chama est il ist ica, frisando os aspectos colet ivos Cjue ncla sr cout em. Tanto vale
o codigo, oposto ao ato lingiiistico, que ea mensagem, aproveitandose a dizcr que h a tarnbcm urn sistema est ilistico. lllll ".:il:ij~o". que pcrmi r« a
nomenclatura da nova teoria rna tern at ica da comunicacao, desenvolvida
I a preensao dos elementos emocionais de manifesta..;o ~':,iqllica e de apelo.
!
na base das telecomunicaroes da engenharia (d. Miller, 1951, 249 ss.) I. ,~ Em outros t errnos, a d ist inciio entre ling-iiislica ." <.'-1 i l ist ir a niio C. em
o segundo aspecto e 0 que se intitula norma ou usa, e nele insistem as
I
ultima analise, entre lingua colet iva e lingua indivi-Iu.rl. mas -I) entre
vezes demais, em detrimento do primeiro, os adeptos de Saussure, en ten LINGUA como sistema cornunicat ivo, dest inado, antes de t urlo. ;1 represcll
dendo pOl' LINGUA arenas 0 que usualmente se diz. !.~ ta~ao; e - 2) ESTILO ou sistema expressive, dest inaclo a ai impr im ir ellloc)o
t preciso, 300 contrario, nao s6 dar .a enfase ao primeiro aspecto, mas para servir a manifestacao pslquica e ao apclo. Por isso, em r clac.io a obra
a inda acrescentar que os elementos qrganizaclos que comp5em a "lingua", literar ia. Middleton Murry define 0 est ilo como "uma conr entra cfio de
ernorfio na coisa cr iacia" (Murry, 1951, 39)_
2 Para 0 filosofo ira liano Benedetto Croce.' que inspirou a teor ia linguistica de A lingua C, de m.meira Reral, rolct iva: mas r acla urn de nc'l$ rem cell:l,
Vossler. a "estct ica" nao tern par assunro 0 "belo", mas a "func;ao exprcssiva" do pcculiar iclades lingu ist icas. oil pelo menos prefercncia s, e hi assirn, de rcrt o
homern, a que cor responde a "manifesrarjlo psiquica" de Biihler (d. ~ 12): "Uris
modo, mult iplas linguas individuais. ou IDIOLETOS, de aco,'do COIll :1 IlO
ti'm mais aptitude que oUlros, mais freqiiente disp",i,ao qllc outros [Xl'" expressdr
plenamellte complex", estados de alma. A esses se chama anistas na linguagem menclatura lingiiislica norte-americana 2,
corrente; algumas exprcssoes por demais complicadas e diCiceis conseguem manifestar-se
com eXGClcncia e se chamam obras de ane". Assim a cria,ao estctica. au expressi.-a,
e geral e "lOda a diferenc;a e, pais. quantitativa e. como tal. sem interesse para .1
filosofia, scientin qualitarulll" (Croce. 1926, 59). Cf. Vos.iler:. "Nao vale a pena exa 2 0 lin~iii$ta Charles Ho~kcll. qu(" entre OS Ih:>rrc-amcricanos mai~ apro[lllllloll
minar como pocsia a nosso falar cotidiano. Mas a menor /(Otinha idiomatica oe um a conceilo de lL>tOLl:TO. disringlle a rigor 3 aspeClc" da lingua: I) IDiOt 1''1'0. '1\1e cle ddine
charla tao 1:. afinal de conlas. tao hoa agua de Hipouene como 0 inlenso oceano de urn bcha\'iofislicamcntC" como "0 rcpcfu·lrio total de hfll)ilOS ling-l'lio;;ricO"'i dc 11111 indl\ itllln
Goethe au urn Shakespeare" (Vossler. 19-J3, 38). num pcqucno pcriodo de tempo" (admilindo quc () illdl\iduo Illuda ('m P:U[C' t·\.\t'S
h~bilOS com 0 currer da vida c novas cxprrj('ncias): 3) A:'\f:\(;{) t:OMl'\1 (ing, ((}/lll1lull
1 Os tennos c6digo, para a sistema da lingua, e mCT15agem, para a aLa lingiiistico. cnr~), que f: 0 collinnto coleti\'o oe h:'dlito.' igllais nos nJl'lItiplns memhro, de uma
estao enLrando francamente no nomenclatura lingi'lhtica. depois que uma autoridaoe sociedade e faz lC"mbrar 0 conceilo da "lingua" dc SJl1ssurc como norllla flU 1I~() {\"t'r
como Roman ]akobson as aprovou e a"otou (Jakobson, 1%3. 14·5). Para uma rapida acima); 3) rADR/\O (;I:RAL (in~, Olll'Tall pallfTll). que i..' a "lingua" como sislcrna, iSlO C,
n0<;50 da teoria matematica da comunicac;ao, ao aleanee de urn leigo, cf. Carroll. 195!}, o esquema co!etivo deprecnsi\'c] dos IllUlliplos discnrsos individnai.'. Cf. \·ocg-c1in,.'ie[)Cok.
196-205; au ainda Malmberg, 1963, 17·29. 1%3, 40 ~s. Cf. ainda Devoto. 1955, 7 r 2{.
28
o estilo e em
7 PRINC1PIOS DE LING01STICA GERAL
.f
SEU OBJETO
~
0
de uma psique pessoal; mas os traces est illsticos coincidern, em grande parte,
nos individuos de uma sociedade ~lling\iistica, pois ao csrilo aplica-se, em
particular, a af irmacao de Sapir sobre 0 cornportamento individual em
Il DISCURSO
I
face das norrnas sociais coletivas: "Ficamos muitas vezes sob a impressao I:
de que somos originais, e ate aberrantes, quando na realidade estarnos
meramente repetindo urn padrao social com urn acento minimo de origi
nalidade" (Sapir, 1949, 534).
SISTEMA SISTEMA
Podernos, portanto, definir a LiNGUA como sendo - urn conjunto sis REPRESENTAT!\'O AFETIVO
tematico de elementos vocais que no seu simbolismo -intelectivo servern a ASPECTO LlNCUA 1
ESTILO
(Co.LETIVO)
ASP ECTO
COLI TIVO
COLETIVO
representa cao mental - e 0 ESTILO como sendo - uma organizacao secun
ASP ECTO
dar ia (estetica) desses elementos para expressarem a ernocao nos impulsos ASPECTO
INPIVIDl'AL
IDiOLETO - ESTILO
(lNPIVIDUAL) ixnrv DUAL
de ma nilest acao psiquica e apelo.
E verdade que 0 critico literario espanhol Darnaso Alonso co ntesta LINcutSllCA,.'" etr-rctc
ESTILISTICA
5
30 9 LINGDfSTICA SEU OBJETO 31
§ 8 PRINCfPlOS DE LINGDfSTICA GERAL
Com efeito, a ciencia moderna afirma, a proposito, com Karl Buhler Isso redunda, em ultima analise, em afirmar que essa coruradicao ao
(Biihler, 1933, 102), que nao existe um campo onornotopaico coerente na carater arbitr ario do simbolo lingiiistico e, por sua vel, ate cerro ponto
linguagem. A onornaropcia e um dos esfor cos dohomem para um con arbitraria em cotejo com a realidade sensivel , e nao foge complerameruc
tacto direto com a realidade sensivel. Em vez de explicar a linguagem, aquela linha mestra da linguagem hurnana.
explica-se, ao contrario, por urna iolcrdncia da linguagem, que assim E ainda urna convencao coletiva, inconscienrc por assim dizer , que
admite, esporadicamcnte, em seu ambito um processo estranho aos seus atr ibui a certos sons linguisticos e a certos vocabulos em que des apa·
principios clirctorcs. recem, uma capacidade especial para descrever nao so certos r uidos, 111a,
Tanto isso c
vcrdadc, que 0 vodbulo Iorrnado par cfeito imitarivo ate certos est ados de alma.
pcrdc, nao raro, muito cedo essa relacao s6nica com a rcal idade ambiente, o foneticista frances Maurice Grammont cstu dou merodir amcutc
quando se integra definitivamente no lexico geral da lingua, como com. esse aspecto de uma relevante parte do vocabul.irio de qu a lq uer lillgll;l,
provam as mudancas de pronuncia que passa a sofrer. Tal foi 0 caso, especialmente preciosa na poes'ia e na esterica Ii ter ar ia lato sensu, p,ILl
entre rnu itos outros, do fr. pigeon, saido da onornatopcia lat ino pipio. , as quais a linguagem vale preclpuarnente como exter ior izacao psi(!uiC:l
Saussure 0 cita, particularmente, para mostrar como vocabulos dcsses e apeJo.
perdem "alguma coisa do seu cara ter primeiro, a fim de revestir 0 do Grammont mostra-nos, nesse particular, que 0 valor atr ibuido ;to,
SIGNO lingiiistico geral, que e
irnot ivado" (Saussur e, 1922, 102). sons linguisticos "so se torna uma realidade, quando a tanto se presta a
Comprccnderemo-, ainda melhor, 0 exernplo frances de Saussure c : significa~ao das palavras em que eles se en con tram" (Gra1ll1l1011 t, 11):U.
a tcse de Buhler, sc arentarmos para a circunstancia cle que a onornato 396), 0 sentimento subjefivo, e em grande parte convencioria l. c' predo
pcia n ao e urn elemento Jingulstico integrado na Iuncao reprcsentativa, minante. Eis a proposito urna ilustracao tipica: "0 vor abulo s~illscrito
a unica de que cogita a lingua no sent ido saussuriano. 56 serve, como j.i bhramarah 4 "abelha" abre-se por um Ibhl que enuncia urn r uido labial,
vimos, para as fun~6es da exterior izacao psiquica e do apelo. Ora, 0 ca e esse Ibh I comb ina-se com Ir I, 0 que const it u i 0 g-rupo rna is pr<'>prio
rater arbitrar io do simbolo lingiiistico Ioi depreendido da LiNGUA como para exprimir 0 zumb idc, Sabemos, ent retanto, nao ser esse grupa que
sistema Ieito para a fun~ao representativa. Ao contrario, como procurei mais impressionava os hindus no vocabulo: o'que sent ia m. antr-s de rudo,
ressalvar alhures, "urn est aclo de alma tende a um contacto int imo com 0 eram os dais [t ], visto que chamavam Irequenternente ao inseto dvirephnh,
objeto do seu estimulo, e cria-se uma harmonizat;"ao de que a manifestat;"ao isto e, que tern dais rephas (r) em seu nome" (ibid.).
linguistica resultante apresenta os vestigios" (Camara 1953 B, 29).
J Corroborando Grammont, o· linguista sui<;o Wartburg lembra em
t natural, ponamo, que, utilizada para a exteriorizat;"ao psiquica ou frances: cri, tao expressivo por causa da sua vogal, ao lado do inexpressivo
para 0 apelo, transude da lingua um ~sfor~o para coordenar-se sensorial pri; tinter, que tem "incontestavelmente para um frances certo valor de
mente com as coisas que represent a J. A onomatopeia C a aproxima~ao onomatopeia", ao lado de teinter sem esse valor (Wartburg, 19,16, 116/7).
maior neste sentido. Mas nao passa de aproximat;"ao. Hj sempre na ono
matopeia um fundo de conven~ao, desde que ela se cria com os sons vo 9. Lingiiistica e psicologia.
cais padronizados da lingua, combinados de acordo com as normas que na
lingua vigoram (assim, a onomatopeia para a "chuva" no telhado e o
estudo lingiiistico, focali'zando a expressao do que c
mentado (isto
pim-pam, em portugues, com as nossas vogais nasais, mas em chines c e, do que se passa na mente human a), e, no fundo, psicol6gico e relaciona
ping-pong com um liil velar, consoante que nan po.deriamos utilizar, se com a ciencia que estuda os estados mentais, ou psicologia (dita psico
pois nao figura em nossa lingua). logia individual ou psicologia stricto sensu).
Por outro lado, a lingua, como meio coletivo de representacfo e co Na depreensao dessas tecnicas ha dois metodos, grosso modo, a seguir:
municac;1io, traduz um "pensamento socializado" (Blondel, 1934,93); tem-se I) relacionar 0 fato lingiiistico com os estados mentais respect ivos ou com
e ntao urn ato mental coletivo em '1eu amago, fen6meno que e estudado as concepcoes mentais coletivas (metodo mental ista): 2) Iazer abstracao do
na psicologia coletiva au social. 'J corueudo mental, tal como se concreriza nos Ia tos l.inguisticos. e apenas
estudar a tecnica formal que 0 sistema lingiiistico criou (rnetodo meca
A lingiiistica nao se confunde, porem, com qualquer desses rarnos da
nicista).
ciencia psicol6gica, porque estuda os processes de linguagem, depreenden
pelo "estilo". giiistica e a lingiiistica Iornece urn largo subsidio a psicologia. Dai decorre
uma disriplina especial, que e a psicologia da linguagem, ou a PSICOLI~Gi.iis
Ela nao apela, como a psicologia, para urn exame interpretativo do
c
34 § 10 PRINc1PIOS DE LINGtHSTICA GERAL
Para 0 conceito de articulacao: Porzig, 1950, 46-88. Para 0 conceito II. Lingua e euoluctio.
de cultura e suas re!a)oes com a lingliistica: Sapir, 1921, 221-235; Id.,
1949, 7-32. Para 0 papel representative da lingua: Sapir, 1921, 1-23; Vimos (§ 4) que a lingua nfio tern Iinalidade em si mesrna, sendo
Cassirer, 1933, 18-44: Id., 1945, 205-254. Para lingua e discurso: Saussure, sua Iuncao expressar a cultura para permitir a cornunicarao social, com
1922, 23-32, 36-39; Coseriu, 1952; Sapir, 1949, 533-566; Devoto, 1955, 3·10, o que ela se torn a 0 acompanharnento de cada fato cultural, dando-lhe
24. Para 0 conceito de estilist ica: Bally 1926; Camara, 1953 B, 2-40. um aditamento 1ll1gliistico e, pois, propiciando a atuacao uns com os
Para a conciliacao entre a expressao individual e 0 carater colet ivo da outros dos mernbros participantes de uma arividade coletiva.
lingua: Pagliaro, 1930, 99-101. Para a natureza da onornatopeia: Buhler. Vimos, por outro lado (§ 8), que a lii1gua e arbitriria em relac;ao
1933, 101-119. Para os com plexos aspectos do principio da arbi trariedade ao mundo fisico, ao contrario de outros Iatos culturais, como a industria.
do signo lingliistico: Porzig, 1950, 7-45; Korinek, 1939. Para a caracteri a arte, que dependern em parte do clima e recursos nat urais, ou como a
2a)ao da linguagern humana em face da animal: Hockett, 1958, 569·585; religiao, por exernplo, ligada as condicoes da vida e as roncepcocs menrais
Spirkin 1958, 10-37, dai resultantes.
Estas duas circunst ancias atuam no sent ido de Inzer da lingua uma
instituicao eminenremente mutavel no tempo.
De urn lado, 0 seu emprego. generalizado e consta nte, Ieito pelos
homens com a atcncao fixada muito mais no assunto da cornunicacao
do que na forma lingliistica, a expoe a multiplos aciclentes quando ela
e urilizada no que, com Saussure, chamarnos 0 D1SCUR50 (§ 6). De outre
lado, qualquer modificacao c teoricamente aceitavel, dado 0 cara ter ar
bitrario daquilo que vigora.
As Iorcas de estabilidade estao, alhures, no peso da tradicao coletiva
e nas liga)Oes dos proprios elementos lingiiisticos, que formam entre si
uma estr utura coesa, Dai, em primeiro lugar, 0 sentimento da CORR£<;:AO
que leva 0 grupo social a refugar muitas mudancas que se apresentam no
discurso, classificando-as como ERROS. Em segundo lugar, os elementos
lingliisticos, achando-se num sistema de correlacoes e 'contrastes, consti
tuem uma ESTRUTURA (d. § 16), se apoiarn mutuamente e se fortaIecem
uns com os outros, resistindo a muitas inovacoes.
Assim, em cada momento da vida coletiva, ha 0 sentirnento da fixidez
da lingua. Socialmente real, ele e, nao obstante, naturalmente ilusorio,
36 12 PRINC1PIOS DE LINGtl1STICA GERAL 12 LINGtl1STICA: SUAS MODALIDADES 37
porque a for ca conservadora e a resistencia da estrutura nu nca e nenhu ou, ainda melhor dito, PROTOL1:-:GUA 1 - a que se charnou convencional
res conseguern det e r a mudan~a.
mente 0 INDO-EUROPEU.
A Iinguistica firmou-se, no se2ulo passado, na base do reconhecirnento Para se firmar e comprovar a tese, rr iou-se urn metodo cle corn para
i
da rnudanca continua da lingua. Opos-se de chofre e radicalmenre a ~ao das formas l ingu ist icas. denorninado GRA1\lATICA CO:\IPARATIVA. Consiste,
concep~ao est at ica da gramatica dos seculos anter iores, que se deixara em principio, num cotejo de vocabulos (ex.: scr. pitd, gr. pater, lat. pater,
ilud ir por uma fixidez aparente. got. [adar], de partes de vocabulo (ex.: para, a 3.a pes. sing. indo pres., scr.
scr. bh, gr. 7:', lat. f, got. b) de vogais (ex.: scr. a, gr. e, lat. e, got. i).
do conceito de EVOLU<;:AO, que en tao dominava na pesquisa cientifica.
Com tecnicas cada vez mais apuradas, a gramatica cornparativa indo
Podernos defini-Jo com 0 linguista norte-america no Joseph Greenberg na
europeia e uma primeira modalidade cia linguistica e .serviu de modele para
base de 3 predicados; dizenrlo que "evolucao" e um processo dinamico,
a a plicacao do mesrno metodo a outras Iinguas cu jas relacoes entre si se
gradual e coererite (Greenberg, 1957 A, 57), em bora com a possibilidade de
entreviarn (d. § ! 53). Um do, objetivos do lingiiista e estender 0 rna is pos
"saltos ser u nd.ir ios, como os que se decluzem das rnutacoes em biologia" slvel a tecnica comparat iva para relacionar Iinguas, as vezes rnuito dis tan
(iei. ibid.).
tes no espa<;o, e separar outras, as vezes geograficamente cont iguas, como
Assim cornpreendida e despojada da ideia complemental' de avanco muitas entre as Iinguas indias da America do Norte, da America Central
para melhor, ou PROGRESSO, "evolucao" parece, em ver dade, ser a maneira e da America do SuI.
adequada de conceituar a rnudanca lingiiistica. 0 seu carater gradual Surge~, destarte, ante nos as chamadas Iarnilias lingulsticas, que,
- que mais se tem presrado a duvidas - e urn imperativo da Iuncao da para afastar uma associacao cle ideias, nao raro pert urbadora, com a Iilia
~ao entre os horncns, e prderivel chamar blocos lingulsr icos (fr. bloc, ing.
lingua como meio de corn un ica cao social. Com efeito, a mudanca radical
stock}. Estes blocos compreendem sub-blocos, pOl' sua vel subdivisiveis em
repentina e, em principio, impossivel pela perturbacao e tumultuacao do
outros; dentro do bloco indo-europeu, pOl' exernplo, temos 0 pequeno
inter curso Iinguistico; e inconcebiveI, pol' cxemplo, que de subito, no
grupo das linguas romanicas, que resultam da evolucao de uma antiga lin
terr irorio lusitaruco da peninsula iberica, uma forma latina como lupum
gua indo-europeia - 0 latirn, que a maioria dos linguistas integra num
pudesse tel' passado irncd iat amente para lobo, sern a longa cadeia evolut i sub-bloco italico.
va que na rea lidadc sc vcrificou. Mesrno quando houve uma substit uicao Por outro lado, a tecnica comparativa ja e bastante apurada para
de forma, como a cIe esse pOl' sedere (primitivamente "senrar", mas de aventurar-se a comparar blocos, ou Iarnilias, na base das suas protolinguas
que sa i u port. ser com'a significa~ao de esse), houve uma mudanca gradual, a fim de chegar a um MACRO-BLOCO ou TRONOO e a um FILO (ph)·lum):. E
pois 0 novo emprego foi se i nsi nuarulo em casos em que tarnbem cabia a a pesquisa pode sempre ir-se descnvolvendo no mesmo sent ido.
sigrulicacao primiliva (como sec/ire in aula para lim indivicluo que esta
senlado numa saIa) e dai foi se expandindo a casos cada vez rna is distan 1 Primitiva mgere a ideia de uma lingua primeira em rela~o a todas as OUlras,
ciados da primeira acep~ao. o que sena urn eITO, visto que se trata de Iinguas com longa evolu~~o anterior. Quando
nao h;\ perigo dessa associa~~o perturbad.:>ra, prende·se antes ao conceito da locu~~o
POVDS PRIMITIVOS, usad2. em antropologia para traduzir os NaluruiiIJur dos alem~os; as
12. A gramdlica campara tiva. LiNGUAS PRIMITIVAS serao entao as IInguas de""s povos. Matriz prende-se a associa~o
dos grupos de Iinguas co;;;' 0 parentesco humano, 0 que lam bern explica as expresslX:s
parwteseo linguislico e familia li.ngui.stiea. Protollngua. corresponde ao al. Urspraehe.
o conceito da lingua como sujeita a urn processo hist6rico de evolu : Latiniza~o. como se usa na hist6ria natural, do gr. phuU "lribo, c1~", verbo
~ao estabeleceu-se como consequencia do descobrimento oitocelltista de que phu.o -crescrr", de emprcgo corrente na Iingiiistica norte-americana; como entre os
homens as famllias se supe:p{le 0 cl~, as famllias Iingiilsticas se superp6e 0 phylum.
muitas Iinguas da Europa e varias cia Asia tem uma origem comum e A escala, estabelecida principal mente na llngiilstica. amerlndia, de famllia (ou bloeo) ,
provem de lima lingua, mllitlssimo anterior, - LiNGUA PRIMlTIVA, MATRIZ,
tToneo (macro-familia ou rrwCTo-bloeo) e filo torna mais rica e mais rigorosa a distin~(),
em face da escala tradicional na lingulstica indo-europeia, enlre familw. (ou bloea) e
1
13-14 LINGtifSTICA; SUAS MODALIDADES 39
38 § 12 PRINCfPIOS DE LINGtifSTICA GERAL
essencial de comunicac;:ao e esteio de toda a vida mental - individual e co estados, urn fato X, apr escntando-se sob aspccto X', X" etc., pode ser acorn
letiva. Como adverte urn precursor deste moderno ponte de vista, "ao lado panhado n uma Iinha vertical de evol ucao, paralela ao eixoCD (id., 115),
das leis geneticas, ha leis descr irivas" (Marty. 1950, 19) I. Assim, ternos uma cadeia sucessiva do lat. lupos para lopos e final
Imp6e-se, ponanto, tam bern a necessidade p'&ralela de estudar pOl' si mente lobos relacionando-se sincronicarnente, elo a elo, com a cadeia
mesrnos os ESTADOS r.rxcuisrroos, isto e, 0 sistema da lingua como se apre lupll(m), lopo, lobo:0 nosso plurallobos pro vern evolutivamente de lupos;
sent a em cada momento da sua h ist or ia em sua fixidez aparente. E 0 que mas, sincronicarnente situando-nos no eixo das simulta neidades, ternos tad a
se ressalta hoje decisivamente, dividindo-se a lingilistica em dinarnica e a razao em dizer que 0 plural lob os se forma em portugues pelo acrescirno
est.it ira, ou melhor, segundo as denominac;:6es de Saussure, em LINcuisTICA de urn /s/ ao singular lobo.
SINC'RO:'-lICA e LINcuisT1CA DIACRONICA'. Eis uma ilustracao t ipica da doutrina, em rcf'erencia a teoria das raizes
vocabulares.
Na sua contr ibu icao decisiva para 0 estabelecimento da consoliclacao
do est udo sincrcnico, compara 0 mestre suico cada estado lingilistico a urn Em Ii ngulst ica sincronica. a raiz so pode ser 0 nucleo do vocabulo, a urn
tabuleiro de xadrez em cada Iase instantanea que se segue a urna jogada e tempo sernantico e formal. Em outros termos, cada vocabulo apresenta
em dado estado linguistico uma raiz, que nao depende das q'le teve em
precede a jogada seguinte (Saussure, 1922, 125/6). A correlac;:ao sincronica
das pedras, produzida embora pelas Eases anteriores do jogo e em via de estados anterior es, E esta, com efeito, a doutrina de Otto Jespersen (Jes
rnodificarno, vale, nao obstante, pOl' si, e ofe.ece-se ao estudo isoladamente. persen, 1928, 374). Mas nem todos os teoristas a seguem. Introduzem uma
COllccprao historica no caso. Deduzern uma rail na protolmgua correspon·
Desta sorte, pode-se imaginal' - ensina ele - dois eixos perpendicula.
dente, 0 iado-europeu, pOl' exernplo, e, tornado esse ponto de partida, a
res entre sf: urn horizontal, d as simultaneidades (AB); Dutro vertical, das
considerarn a raiz originaria, procurando assinala-Ia em cad a estado lin
guistico. sem atentar para a sua nova situacao nas novas correlacoes sin
C
A"
Ix" ,.. .......... B"
cronicas, Assirn, Iocalizando-se 0 portugues moderno, dir-se-a que comeT
(Jat. com edere, composto de com- prefixo, ed-, raiz, e -ere, terrninacao) ja
A' ". X' .,' .. ,."".,., ... , .. ........ " .. " " " " " nao tern raiz. A preocupacao diacronica baralhou 0 problema, porque em
B'
lingiiistica estatica a raiz de comer e com·, muito embora este elernento,
A X
B colocado no eixo das sucessividades, represente em comer urn prefixo
ID latino.
Da mesrna sorte, 0 argurnento geralrnente utilizado, para negar ao
sucessividades (CD), U01 Ia to lingilistico pode ser situado separadameme verbo portugues pdr a qualidade tie paradigma de uma quarta conjuga
em re lacao a urn au a outro. c;:ao, e 0 de que antigamente 0 infinitivo do verbo era poer. A verdade dia
:\ lingua, tal como c falada (e escrita) em determinado memento, cronica e deslocada para justificar uma classificacao sincronica. as carac
constitui lim ESTADO LINcuisTICO; ha-os no presente e ha-os no passado, teres da conjugac;:ao de cada verbo tern de ser deduzidos, ao contrario, dos
esguematizados pOl' Jinhas horizontais A'B',A"B" etc .. Em cada urn desses Ia tos atua is da lingua. E, dcntro deIes, verific:amos que por e tla segunda
con jugac;:ao, porque a 5ua vogal tematica, inexistente no infinitivo, e, nao
obstante, -e·, como comprovam pudesse, puser etc. ao lado de louvasse,
1 Esta frase do lingiiisla alem~o Anton Marty, cuja obra s<J recentemente 0 sell
disclpulo Glto Funk est;! pondo ao alcance do grande pUblico, coroa uma critica severa
10uvaT e partisse, partir, e, ainda, porque -0- em por nao e vogal tematica,
ao ponto de ,vista historicista de Hermann P~ul. senao radical, como evidenciam as formas ponho, poes etc ..
, A obj e0'lo Contra a dicotomia djTlamjca: t:Swtjca reside no fato inegavel de
que 110 chamado "estado Iingiiistico" "n~o ha imobilidade, mas sim equilibrio din:imico" 15. A analise linguistica.
(Devoto, 1955, 53). "A imagem sincr6nica de uma lingua esta tao longe dos quadws
estaticos, que ncla so reunem, como a imagem cinematografica, que apareCe na tela A essencia da lingilistica sincr6nica. assim concebida, e a analise in·
esta lon!('e de ser cada urn dos quadros isalados e estaticos que constituiem 0 filme
Uakobson, 1962, :l(6). terpretativa das formas atuais de uma lingua em funcionamento. como
'9,
42 43
§ 15 PRINCfPIOS DE LINGtHSTICA GERAL § 16 LINGtHSTICA: SUAS MODALIDADES
meio de representa;;:ao mental e comun icacao social. Sen tirarn-no int uit i 16. A oposiciio lingiiistica.
varnente os antigos gramaticos hindus. quando d~nominaram tryakarana a
exposicao gramatical: composto da raiz sanscrira verbal, tkr "[azer'<>«
v OJ ""3
o principio primordial da gramatica, assirn reformulada em seu con
nominalizada, com uma arnpliacao vocalica, ou guna (d. § 36, n. 2). pelo ceito, e a oposicao lingiiistica, ou se ]a, a circunstancia de que cada ele
sufixo dos abstratos neutros -ana - e 0 prefixo ui-, idein de separacao. mento linguistico tern valor e individualidade na medida ern que se
Volra-se destarre ao conceiro dire tor da gramatica classica, mas des opOe a outro elemento.
vencilhado das condi;;:6es que viciavam e deformavam a sua aplicacao. A oposicao pode ser estrutural au funcional, con forme decorre - dos
grupos de associacoes que ha entre as elementos, ern nosso esp ir it o, au
Com efeito, a grarnarica - tal como se estabeleceu na filosofia greco
das associacoes que se estabelecern entre eles quando se suceclem num
latina e con rinuou a vigorar nos tempos modern os - procura firmar urn
contexte dado.
modelo de falar bern, por uma tr adicao do uso das classes cultas, restrita
Do primeiro tipo de oposicao ternos urn exemplo porrugues na con
no tempo e no espa<;o; ou, em outros termos, e norrnativa. Esta preocupa soante sonora /b / que so existe lingiilsticamente, porque se op6e a out r a
<;ao ja the tira 0 cararer de obscrvacao objet iva, que e 0 fundamento de nao-sonora, ou surda, como tvt.
que, alora esse tr aco d isti nto, se ar ticula
toda ciencia desinteressada. Seria, quando rnuito, uma ciencia aplicada, pelo mesrno movimento e no mesmo ponto bucal que [t»], Da mesrna
a maneira da higiene e do direito penal. Mas a propria observarao em sorte, 0 genera feminino se dest aca pela sua oposir ao ao genera mas
que se fundamenta e Iragmenraria, perfunct6ria, incoerente e contradi culino: a l.a conjuga<;ao dos nossos verbos se individual iza opondo-se a
t oria, guiada por conceit os que estao fora da linguagem, como principal 2.a e a 3.a ; e assirn por d'lame.
mente os da LOGICA I eriada para regular a eficiencia do ra ciocin io e inca A linguistica descritiva hodierna tende a rorrsidcrar esses grupos de
paz de explicar 0 Icnomeno lingutstlco em sua plenitude, rnesmo na sua oposicoes na base de uma "binaridade", isLO e, de urn conjugado bin.ir io.
Iu ncao r eprescntariva (d. § 2) e muito menos na man ifestacao psiquica au de dois membros. Quando urn trace l ing ii ist iro djqingue 11111 dcles e
e no apelo. o opoe ao outro, tem-se ai a MARGA GRA~IATICAL da oposic.io. Tern-se
destarte 0 !\IE~IBRO MARGADO, ao lado do ME~ll\RO ;';.:\()-~I..IRr:ADO, como
A lingiiistica descritiva, ou sincronica, trata de deduzir 0 estado lin
-t- num dos exemplos acima - /b/, com a mar ca da <onor iclade. e lp/,
guistico cientificarnen re, isto e, por urn metodo objetivo a maneira de
sem essa marca.
qualquer ou tr a ciencia descritiva; cria-se assirn urn novo conceiro de GRA
Mesmo quando se nos dcpararn tres au rna is membros, ha em regra,
MATICA, que esra para as for-mas lingufsticas como a geometr ia para as
implicita, uma organiza;;:ao hierarquica, que nos pocle co nduz ir a dcpr e
Iorrnas espaciais,
ender grupos binarios sucessivos: a primeiro firupo apresenta um mem
Para tal desiderato. a nomenclatura e os antigos conceiLOs gramaticais bro complexo (quando nao os dais membros) e este, par sua vez, se di\'it\e
tem-se mostrado em grande parte inutilizaveis. Por isso, estabeleceram novas num novo grupo binario, podendo-se repetir a processo de grau em RYau
tecnicas de analise, coincidentes ern muitas de suas linhas mestras, varias ate se chegar a urn grupe de dois membros simples au incli\·isiveis.
escolas lingiiisticas contcmporaneas 1. Por isso, em ponugucs, 0 quadro das nossas 7 \'ogais consiste nUl11a
Por outro lado, delineou-se urn estudo smcronico ESTILi.>TICO, como estrutura<;ao complexa e decomponivcl ern oposi<;6es bin;irias: 1) ja/, scm
especialmente na escola sui;;:a de Charles Bally, que - fora da gramatica a marca da eleva<;ao da llngua na boc.?, e as demais vogais ((lm essa marca;
propriamente dita, ou d~scri;;:ao da LiNGUA DE REPRESENTAt;:AO ME"TAL 2) uma oposi;;:ao, neste segundo membro complexo, entre vogais em que
focaliza a EXPRESSIVIDADE LINCiHsTlCA, au seja, a emol,'ao verbalizacla. a lingua avan<;a para a pa:~te anterior da boca (fe!, /e:/, ji/) e \'ogais
em que a lingua recoa para 0 fundo da boca com urn arreclonclamen to
complementar dos labios (fo/. /0:/. /u/; 3) nas vogais anteriores, uma
1 Para 0 conceito da gramatica. desde a Antiguidade, cr. Pagliaro, 1930, 21 _ 3i).
nova oposi<;ao entre vogais ern que 3. lingua se eleva a tlma altura media
7 Um interessante exemplo da nova analise aplicada ao lalim em Hill, 1958,
(le/, /e:/) e a vogal de altura maxima (Ii/): 4) uma oposi<;ao equivalente
441-82.
A com preen sao de uma enunciar;ao decone dos dois tipos de opo
gradual e coerente.
Ul,
46
~ 18 PRINC1Pl0S DE UNGUfST1CA GERAL
Est a venbdc foi depreendida no s~c. XIX, quando a bern dizcr se cons
t itu iu a linguistica. Foi a rrincirio a cicncia, ~ssim estabelccida, uma gra.
rntit ica comparativa, 0 que C urn mciodo de 'cornparar os elcmentos de
linguas distintas para depreender.lhes a origem comurn e r eronsrit uir os
lineamentox cia prorohngun de que essas lingl;as sa ir arn. 0 morlclo melhor
de>se tr a ba ll:o foi ~ gramat ica cornparativa indo.europcia; 0 metodo tern
lido rnu ito, apcrfcic;oamcnlOs, e urn a de suas inovacoes rccentes e agIo.
tocronologia.
.\0 sell l.ulo, co nsti t u iu-sc nia is rcccntcmcnre a 1ingiiistica dcson iva.
(IUC ruo st ra como os elementos cIe uma lingua se cst rut uram e fl,ne ional11
nos com cxtos de CnllJ11 i;u;;io, P;l1'il a cOln\lni(;I~';lo social. A [.;r:lJn:itic\ grcll).
lati na n.io corrcspl)ndia a esse objei ivo, porfluc era lie fins norm.u ivos e
bascacla n uma OhSCI'I:I<;';!O Ia lh.r e fr:lgl1lcnt;iri;r e em cOlll'en,'(lCS t coric as
artificiais. 0 principio funtiamenL.l! da organilac;ao lingiiistica C a opo.
si<;;lo b i n.ir ia clos clcmcruos, a q\l:d tanto e cstruuual, ou paLldigl11;\tio,
COl~1O fllncio,n:.\I"ou Sinl;\gm;!tica .
." , .
.-\ lingiiisticil cvo lut iva, Oil di;;cronica, e a dcscr iriva. ou sinCf,',nlca,
6:10 autllllomas, mas inten!qJcndentes,' e se coordenam para [lermilir a I'j,ao
lingiiistica pancr6nica.