Denis Rosenfield - (2020) A Política Do Inimigo

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Revista

de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD)


12(1):23-51, janeiro-abril 2020
Unisinos - doi: 10.4013/rechtd.2020.121.02




A política do inimigo

Enemy Politics



Denis Lerrer Rosenfield1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/Brasil)
denisrosenfield@globo.com


Resumo

O artigo busca explorar a dicotomia amigo e inimigo consagrada por Carl


Schmitt. Trata-se de texto que perpassa pensadores como Hobbes, Hegel, Leo
Strauss, Karl Loewenstein, Alexandre Kojève e Emil Fackenheim para
elaborar – e disputar – uma série de proposições schmittianas sobre o
conceito do Político, a natureza da política e outras questões ligada à
República de Weimar e seus desdobramentos em relação à realidade
contemporânea.

Palavras-chave: Carl Schmitt, política, Político, República de Weimar.

Abstract

The article seeks to explore the dichotomy between friend and foe
consecrated by Carl Schmitt. It is a text that permeates thinkers such as
Hobbes, Hegel, Leo Strauss, Karl Loewenstein, Alexandre Kojève, and Emil
Fackenheim to elaborate - and dispute - a series of Schmittian propositions
on the concept of the Politician, the nature of politics, and other issues
related to the Weimar Republic and its unfolding in relation to contemporary
reality.

Keywords: Car Schmitt, politics, Political, Weimar Republic.


1 Professor Titular de Filosofia Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutor em Filosofia pela Université Paris 1

(Panthéon-Sorbonne). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de
Filosofia. Av. Bento Gonçalves, 9500, CEP 91.330-120, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), sendo permitidas reprodução,
adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
Rosenfield I A política do inimigo

Introdução

A política contemporânea, com sociedades democráticas encontrando cada vez mais
dificuldades em fortalecer suas instituições, está, cada vez mais, caracterizando-se por
polarizações como se os meios termos da vida democrática, negociações, conciliações e
mediações, fossem atributos desnecessários. Mediar e negociar são termos que,
frequentemente, são identificados a traficar e corromper, como se a solução estivesse na
escolha binária entre opções políticas que se excluem mutuamente. Políticos são
desmerecidos como se fossem mero traficantes de negociatas, negociadores de interesses
exclusivamente particulares, fazendo com que a política perca a sua dignidade. Em seu lugar
surgem, então, “opções” que primam pela radicalização e pela simplificação de posições,
fazendo com que as instituições propriamente democráticas percam sua legitimidade. Se a
política se degrada, a primeira vítima é a democracia.
A política do confronto faz com que a sociedade seja permanentemente mobilizada,
incitada e provocada a embates permanentes, como se deste processo viesse a surgir uma
nova política, não maculada pela velha política, a do diálogo, da persuasão e do
convencimento. O parceiro do diálogo e da negociação, algo próprio da vida parlamentar,
passa a ser, no ambiente extra-legislativo, considerado não somente como um adversário a ser
vencido, em uma contenda eleitoral, por exemplo, mas, principalmente, como um inimigo a
ser abatido. Tal política do confronto incessante é, ademais, potencializada pelas redes sociais,
cujo modo de funcionamento adapta-se perfeitamente a escolhas simples entre bons e maus,
impolutos e corruptos, redentores e condenados. A distinção amigo/inimigo ganha assim os
mais amplos contornos, seu significado político estendendo-se a acepções morais e religiosas,
sem perder, evidentemente, sua significação política central.
Torna-se, assim, necessário analisar este critério da política enquanto baseado na
distinção entre amigo e inimigo, sobretudo devido ao fato de que sua formulação se deve a um
constitucionalista alemão, Carl Schmitt, que foi um teórico do nazismo, cuja obra O conceito do
político exerceu, na época, e para além dela, profunda influência. Influência tão ampla que
seria redutor circunscrevê-lo a uma época ou a uma posição política, na medida em que serve
tanto para caracterizar políticas de direita quanto de esquerda, seu apoio a Hitler e ao
nazismo, tendo se traduzido no Pós-Guerra em elogios a Mao e a Lenin, enquanto políticos que
realizaram, em suas ações, a contraposição amigo/inimigo. Judeus, socialistas, comunistas e
homossexuais para Hitler são formas do inimigo que se concretizaram também nas figuras do
burguês, dos reacionários, dos latifundiários, dos conservadores e assim por diante. São
formas de caracterização do político que vêm a orientar políticas de cunho autoritário e,
também, totalitário.
Não florescem tais políticas em terrenos sadios, mas degradados. A sua fertilidade
depende da corrupção reinante, da falta de perspectivas para os cidadãos, da decadência dos
costumes, da perda de balizas, do desemprego, da criminalidade reinante, da crise econômica,
do enfraquecimento das instituições. Fosse a situação econômica, política, social e cultural
outra, tais políticas pouca adesão suscitariam entre os cidadãos, muito menos mobilizações de
massas. As pessoas certamente prefeririam continuar em suas condições de segurança e bem-
estar social, não se arriscando em nenhuma aventura política. Estando contentes com suas
instituições, não veriam razões para abandoná-las. O cenário muda de figura quando a
insegurança reina e a instabilidade começa a tomar conta de todos os poros da sociedade. Os
apelos autoritários começam a se fazer ouvir.

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Weimar

A República de Weimar veio a ser um terreno degradado que se tonou fértil para opções
autoritárias e, logo, totalitárias. A primeira edição do Conceito do Político é de 1927 e as duas
posteriores são de 1932 e 1933, sendo que, neste último ano, Carl Schmitt adere ao partido
nazista. Portanto, essas diferentes edições se inscrevem diretamente nos turbulentos anos do
estertor da vida republicana na Alemanha. Neste sentido, poder-se-ia dizer que esse texto é
fruto do seu tempo. Se, de um lado, Schmitt é produto de sua época, sua concepção da política
veio a se tornar uma regra da ação, a orientar politicamente o que deveria ser feito. O inimigo
não é somente uma figura teórica ou retórica, mas alguém a ser abatido em função de uma
outra concepção do mundo e da política.
Naquele então, a Alemanha foi tomada pela percepção social de que os sentimentos de
solidariedade nacional, de exaltação patriótica, que tinham marcado o início da Primeira
Guerra Mundial, teriam sido traídos em 1918 e, logo depois, abandonados. Em seu lugar,
surgiu a desunião, o esgarçamento dos laços sociais e uma concepção da política e da vida
parlamentar enquanto lugar degradado de negociatas e de corrupção, em todo caso um lugar
em que o bem comum tinha desaparecido. A revolta começou a tomar conta dos corações e da
consciência. Não é, neste sentido, casual que Hitler, em seus discursos, tenha retomado o
espírito da mobilização de 1914, vociferando contra o seu desenlace e se colocando, portanto,
como o líder que seria capaz de restabelecer a união nacional perdida.
Assim, o mito criado em 1919, o da traição dos políticos e, em particular dos
socialdemocratas, veio a ser considerado como se realidade fosse, sendo-o, de fato, no
imaginário sócio-político que foi sendo progressivamente construído. Teria faltado o espírito
de 14 no ocaso de 18, como se a derrota fosse o resultado de uma desespiritualização, e não
apenas uma questão de homens e material bélico. Os nazistas expressamente proclamavam
que sua ideia de “comunidade do povo” (Volksgemeinschaft) seria a recriação do espírito de
1914. (Hett, 2019, p. 32) É retomada a ideia da predominância da comunidade sobre o
indivíduo, devendo esse seguir e obedecer aquela segundo os “valores espirituais” que seriam
forjados pelos nazistas em suas leis raciais, voltadas não apenas contra os judeus, mas contra
o individualismo, a liberdade, os direito individuais, a democracia e o materialismo.
Os líderes militares de 1914 que conduziram a guerra, levando o país à derrota,
Hinderburg (depois presidente) e Ludendorff, foram astutos, por exemplo, ao transferirem a
negociação de paz a um político conservador, Matthias Erzberger (apesar de seu nome, não
era judeu), tornando-o culpado pelas negociações do Armistício, que resultaram,
posteriormente, no Tratado de Versalhes, tão execrado por todos os partidos alemães e pela
população em geral. Ora, ele, que não foi responsável pelo início da guerra, terminou por sê-lo
do seu fim, o que fez com que viesse a ser execrado, enquanto os líderes militares, os
verdadeiros responsáveis, foram preservados e, anos depois, glorificados. Pagou com sua vida,
sendo assassinado em 1921. A percepção foi deslocada dos responsáveis para os que não
tiveram essa responsabilidade. Os responsáveis seriam, para Hitler, no transcurso dos anos,
os judeus e os socialistas, ou seja, os inimigos internos (Hett, 2019, p. 52), os inimigos
concretos conforme a conceitualização schmittiana.
A história da Alemanha, após 1914, salvo durante o período em que Gustav Stresemann
foi chanceler em 1923 e ministro das Relações Exteriores de 23 a 29 – morre nesse ano –,
época de baixa inflação, projetos de comércio com a Europa, negociação pela redução das
retribuições de guerra, diplomacia pacífica e não belicosa e, mesmo, projetos de unificação

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europeia, foi caracterizada por conflitos incessantes, traduzindo-se pela intensa percepção de
uma iminente guerra civil. A partir de 1930, seja em Berlim, seja nas mais importantes cidades
alemãs, as condições eram percebidas como as de uma guerra civil. (Hett, 2019, p. 127) A
dissolução do Estado estava sempre no horizonte, algo particularmente presente no
pensamento de Carl Schmitt, inclusive na consideração do outro como um estranho que
deveria ser enfrentado, à maneira das potências inglesa, americana e francesa, e,
posteriormente, no inimigo interno, comunistas, socialdemocratas, judeus e homossexuais.
Na República de Weimar, a figura do inimigo apresentava-se, por assim dizer,
empiricamente, não sendo um mero produto da elucubração intelectual. Na verdade, Schmitt
defrontava-se com um problema real, que saltava por assim dizer à vista. Os modelos
militares de conduta estavam particularmente presentes na vida civil, em particular
partidária, com cada partido tendo à sua disposição forças paramilitares, milícias, que
obedeciam às suas ordens, não sendo controladas pelo Estado. E tal fato ocorria tanto entre as
agremiações de direita quanto de esquerda, permeando a totalidade da vida política enquanto
tal. (Evans, 2017, p. 116-117) Ou seja, o choque entre as milícias era um fato da sociedade, de
modo que a política aparecia como reproduzindo os moldes da guerra. A militarização da
política tinha se tornado um fato empírico, aparecendo, então, o inimigo enquanto produto de
um enfrentamento político real. Ou ainda, a violência “política” fazia parte do cotidiano social
e partidário. No dizer de Evans (2017, p. 115): “os modelos militares de conduta haviam se
espalhado pela sociedade e cultura alemãs antes de 1914, mas depois da guerra penetraram
tudo, a linguagem da política ficou permeada de metáfora de campanha militar, o partido
oposto era um inimigo a ser esmagado, e luta, terror e violência tornaram-se amplamente
aceitos como armas legítimas na luta política.”
O “inimigo” é todo aquele que se volta contra o partido vitorioso, no caso o nazista, ou
contra ela se insurja ou, simplesmente, com ele não concorde. A noção de inimigo é
suficientemente abrangente para contemplar qualquer indivíduo ou grupo que discorde do
partido nazista. Basta ser percebido enquanto tal para tornar-se objeto de meios legais ou
outros, entre os quais a violência dirigida contra os que são considerados como “oposição”,
enquanto “inimigos”. Da confiscação de propriedades a ameaças de aplicação da pena de
morte, surge todo um novo “código” legal que é propriamente político. O inimigo torna-se
objeto da lei criminal por uma série de aditivos políticos, de tal maneira que detenções ilegais,
prisões por tempo indeterminado, campos de concentração e, em suma, um elaborado sistema
de violência organizada tornam-se os instrumentos mesmos do novo regime, sua forma
mesma de governar. (Loewenstein, 1939, p. 20) O Estado vem a ser o promotor mesmo da
violência e não aquele que, segundo Hobbes, deveria defender o cidadão da morte violenta. O
Estado promove a insegurança dos cidadãos e não a sua segurança física e patrimonial.
O inimigo ganha diferentes acepções concretas, indo do “não ariano”, forma inicial de
consideração dos judeus, aos socialistas e liberais, passando por todo aquele tido por nocivo
para com o regime, isto é, segundo a percepção desse, sem que alguma prova seja necessária.
São excluídos do serviço público, de profissões liberais ou de qualquer instituição controlada
pelo Estado. São, neste primeiro momento, condenados à penúria e à miséria. Sob o uso
implícito ou explícito da violência, por intermédio das mais distintas formas de coerção e
intimidação, jornalistas, professores e pessoas dedicadas à cultura são, doravante, submetidas
ao controle estatal. Se não se conformarem e obedecerem, serão simplesmente condenados a
um tipo de “morte profissional” (Loewenstein, 1939, p. 22), sendo excluídos de corporações e
sindicatos, condições de exercício destas mesmas profissões. O privado desaparece sob a
tirania do Estado e do partido.

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A exemplo de outros líderes nazistas, Göring, por exemplo, também considerava a política
uma “operação militar” (Evans, 2017, p. 248), uma forma de combate armado, da qual não
faziam parte a moralidade, a justiça e o respeito ao outro. A lei seria seguida na estrita medida
em que estivesse a serviço desse tipo de operação, deixando de ser observada toda vez que
apresentasse um obstáculo. Ou seja, a república e a democracia só serviam enquanto
instrumentos de conquista do Poder, carecendo de qualquer valor em si. A república e a
democracia tornaram-se, então, meros meios de implementação de uma concepção do político
definida praticamente pela oposição amigo/inimigo. Carl Schmitt viria, posteriormente, a
elaborar a prática de uma sociedade voltada para a destruição das instituições democráticas,
dando, portanto, forma teórica a um dado da realidade.
Correspondia ao imaginário sócio-político alemão a percepção – e para alguns o
pensamento – de que a Alemanha e o Ocidente em geral encontravam-se em um processo de
decadência cultural, traduzido pelo capitalismo, pelo materialismo, pela ausência de espírito e
pelo ocaso dos valores alemães. Resultado desse processo seria a degenerescência da política,
com a predominância de sua segmentação, em que os partidos compareciam apenas enquanto
defensores de interesses particulares e mesquinhos. A fragmentação política, nesta
perspectiva, seria resultado da desintegração cultural, algo que se reflete no pensamento
cultural e político de Schmitt, em sua crítica à técnica, ao materialismo, aos interesses
particulares dos agentes capitalistas, à ausência de fé religiosa e à necessidade de restauração
dos valores tradicionais. Nada muito diferente da crítica heideggeriana à técnica, ambos
reflexos de um Zeitgeist alemão.
Em 1932, Schmitt trabalhou com o General von Schleicher, que foi eminência parda sob a
Presidência de Hindenburg, ministro da Defesa e Chanceler por dois meses, perdendo o poder
para seu adversário, Hitler, sendo, logo após, assassinado pelos nazistas em 1934. Graças a um
parecer seu, o presidente encontrou boas razões “constitucionais” para manter o estado de
emergência, dissolver o Reichstag e não convocar imediatamente novas eleições. Logo depois,
em 1933, ele faz uma reviravolta, adere ao nazismo e vem a ser considerado o “jurista do
Reich”. Passou de um perfil conservador, católico, a um revolucionário na acepção nazista do
termo. Já em julho deste ano, em encontro em uma academia católica, Schmitt elogiara os
nazistas por seu enfoque totalitário ao eliminarem os partidos políticos e a democracia
parlamentar. Um dos participantes, Edgar Julius Jung, tomou a palavra e indagou Schmitt do
por quê ser ele contra todos os partidos políticos e não propugnar também pela abolição do
partido nazista. A contradição era evidente. Uma autoridade nazista presente no evento
comentou: este cara pertence a Dachau (o campo de concentração). Não chegou lá por ter sido
morto antes pela SS, em 1934, quando do assassinato do General von Schleicher. (Hett, 2019,
p. 213)
Convém ressaltar que Hitler conquistara o Poder por meios democráticos com o intuito
de subverter a democracia; ele segue a Constituição de Weimar em seus processos eleitorais
para vir a destruir a mesma Constituição graças à instituição do “princípio do Führer”
enquanto fonte constitucional, de onde emanaria todo um conjunto de decretos tidos, nesta
acepção restrita e nazista, como legais. Despreza todos os partidos políticos, o conjunto do
“sistema” político parlamentar, utilizando o seu partido para conquistar eleitoralmente o
Poder. Proíbe, logo após, todos os partidos, só deixando existir o seu, passando a dominar as
relações sociais e políticas, interditando a liberdade de imprensa, a liberdade de manifestação,
a liberdade de organização e a liberdade de comunicação, inspecionando, mesmo, as
correspondências das pessoas. (Hett, 2019, p. 216)
Governos totalitários, sobretudo em sua fase de transição e constituição, utilizam uma
linguagem política intencionalmente ambígua, fazendo uso de termos como parlamento,

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democracia, voto, plebiscito, decreto, leis e juiz de uma forma a distorcer ou, mesmo,
perverter o seu significado. Os cidadãos, de modo geral, podem ter a noção de familiaridade,
de compreensão, quando o significado desses conceitos já sofreu um alteração radical. A
política sob a forma da violência arbitrária já segue o seu curso, enquanto os cidadãos têm a
percepção de que ideias norteadoras de suas vidas não sofreram nenhuma modificação
essencial. Vivem a normalidade de um mundo tornado anormal, embora não percebam
inicialmente isto.
Hitler teve plena consciência, desde cedo, de que a revolução por ele apregoada não
poderia ser levada a cabo apenas pelo uso da violência, mas exigiria, preliminarmente, a
conquista do Poder pela via democrática, a saber pelo voto, e por meios, no limite, “legais”.
(Loewenstein, 1939, p. 3) Seria minar a democracia por meios democráticos. O seu golpe
fracassado de 1924 ter-lhe-ia ensinado esta lição. A sua trajetória bem expõe o uso que fez do
voto, deste a sua eleição para a Chancelaria em 1930 até a conquista eleitoral de 1932, quando
seu partido se tornou o mais forte do Reichstag. Logo após, em 1933, começam as ordenanças
(decretos) de Hitler restringindo a liberdade de expressão e de organização, ordenanças e
decretos esses que só valiam para a oposição! Neste meio tempo, as milícias nazistas já
aterrorizavam essas mesmas oposições, isto é, sendo objeto de uma violência “legal”. Ou seja,
as liberdades são suprimidas constitucionalmente por meios legais, dentre as quais, note-se, a
liberdade da pessoa, a liberdade de palavra, de imprensa, de assembleia, de associação, de
privação de correio e do confisco legal de propriedades sem indenização.
O artigo 48 da Constituição alemã, que disciplinava o uso, em condições excepcionais,
para situações de emergência, com o presidente podendo, sob estas condições, governar por
decreto, prescindindo do Poder Legislativo, era, como o seu próprio conteúdo afirmava, para
uso exclusivo em situações de exceção. Conferia ao presidente poderes, por assim dizer,
ditatoriais. Ora, o que devia valer para situações excepcionais foi tornado banal sob a
Presidência de Friedrich Ebert, sucessor de August Bebel, enquanto dirigente da Social
Democracia alemã. Ele o utilizou nada menos que 136 vezes, durante seu mandato de 1919-
1925. Hitler, neste sentido, ao empregar o mesmo procedimento, outorgando-se poderes
ditatoriais, não fez nenhuma inovação, tendo seguido uma linha constitucional já demarcada
por seus antecessores. Um artigo constitucional, voltado para governar em situações
emergenciais, tornou-se instrumento de um governo permanente, tendo durado até 1945.
Tal decreto, dotando o governo de poderes ilimitados, permitia, então, atos da maior
arbitrariedade contra a oposição ou contra todos aqueles que, pelos mais diferentes motivos,
viessem a ser tidos por inimigos do regime. A partir daí começam as perseguições aos
“inimigos”, presos ou assassinados, levando à própria abolição, no dizer de Loewenstein
(1939, p. 15), do Rechtsstaat. Ainda nesse mesmo ano, desaparece a separação entre os
Poderes Executivo e Legislativo. Todas as instituições e previsões legais que contrariassem os
“princípios totalitários” da nova liderança eram consideradas nulas de direito, perdendo toda
eficácia e força prática. As disposições da liderança totalitária ganham proeminência sobre
qualquer outra disposição constitucional ou legal, devendo qualquer juiz seguí-las,
independentemente da procedência das disposições anteriores. Isto é, todos os outros
direitos, por mais presentes que estivessem nos códigos legais e na Constituição, foram
simplesmente considerados enquanto ultrapassados, na verdade, simplesmente suprimidos e
abandonados. Foi a aniquilação mesma do “Estado de Direito”. Não há direitos contra o
“direito” totalitário.

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O abandono do Estado de Direito



O Estado de Direito pode ser abordado segundo duas acepções, o da obediência a um
conjunto de regras formais e o da sua materialidade, em cujo caso entraria em conta o tipo de
lei promulgada, à luz de considerações sobre sua moralidade ou justiça. Quanto partimos do
Estado de Direito em sua acepção formal, atentamos para todas as suas formalidades e
condições, como a sua não retroatividade, sua impessoalidade, os seus trâmites legislativos,
de tal maneira que o cidadão tenha segurança e previsibilidade em relação ao conjunto de leis
que regem o seu Estado. Agora, quando consideramos a materialidade da lei, colocamos em
pauta também questões de ordem moral que surgem sob os critérios da justiça, como quando
surge a pergunta pelos privilégios, pelos favorecimentos, pela desigualdade e pela liberdade
no que diz respeito a um conjunto qualquer de cidadãos. Entram aí em linha de consideração
questões como as de sexo, religião, raça, etnia e sociais. E é próprio de sociedades
democráticas que essas questões tomem conta da opinião pública, em processos que
repercutem em decisões legislativas e judiciais.
Convém, ainda, não identificar “Estado de Direito” ao “Direito do Estado”, o primeiro
significando o primado da lei, da regularidade e da impessoalidade, a obediência a ritos e
regras, enquanto o segundo tendo a acepção do Estado exercendo o seu domínio à revelia da
lei, embora possa, mesmo, seguir agindo segundo leis e artigos constitucionais voltados
apenas para a sua própria conservação e não para a preservação dos direitos dos cidadãos. Ou
seja, no Estado de Direito são preservadas as relações contratuais entre os indivíduos e os
agentes sociais e econômicos, preservando a sociedade das ações arbitrárias do Estado,
enquanto no direito do Estado a sociedade passa a ser invadida por atos arbitrários, voltados
para a mera preservação dele mesmo e do interesse de seus grupos dominantes. No Estado de
Direito, o arbítrio é contido; no Direito do Estado, ele opera sem limitações pré-estabelecidas.
Em consequência, toda a estrutura jurídica nazista passa a ser regida pelo “Führerprinzip”.
O ativismo jurídico é uma decorrência sua. (Meierhenrich, 2018) Os juízes deveriam julgar
como se fossem os olhos do Líder máximo, adotando a sua perspectiva como se fosse a da lei
em seu exercício, atuando efetivamente. Logo, não há observância da lei, nem muito menos a
sua aplicação, como seria o caso em um Estado de Direito, não podendo tampouco se falar de
governo das leis, de observação de regras legalmente estabelecidas e codificadas. O ativismo
jurídico, no caso do nazismo, fazia-se segundo o decisionismo a la Carl Schmitt, sendo a
decisão orientada por princípios e orientações dadas pelo Führer. Isto significa que não há lei
propriamente dita, muito menos Estado de Direito, ao qual os juízes deveriam se subordinar.
Ou seja, o ativismo judiciário movia-se segundo as orientações da política totalitária.
Contudo, visando a manter uma certa formalidade jurídica, não expondo a sua política e a
nazista ao completo arbítrio, Schmitt considerava que todos os atos legais, leis ou decretos,
deveriam ser publicados no Reichsgesetzblatt, Diário Oficial nazista. Sua intenção consistia em
guardar o aspecto formal da lei, a sua promulgação, como se assim a forma jurídica pudesse
ser preservada. Meierhenrich observa que isto ocorria apesar do desprezo hitlerista por
qualquer formalidade, o que poderia significar, para ele, um modo qualquer de limite ou
contenção. Seria uma espécie de tributo que a arbitrariedade pagaria por uma dose, embora
mínima, de formalização. No dizer do autor: seria como se essa formalidade fizesse parte do
teatro nazista da lei, de sua mise en scène. (Meierhenrich, 2018, p. 127) Seria a encenação da
lei conforme propósitos políticos, a lei acompanhando e justificando a violência.
Hitler, a partir de 1934, passou a ser considerado como a “Constituição viva”, criando uma
identificação entre ele mesmo e a Carta Magna, de modo que qualquer juramento de altos

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funcionários públicos e militares passou a ser feito diretamente perante ele, pois a
Constituição tinha deixado de existir, sendo substituída pelo Führer, a lei máxima viva. A
obediência se faz àquele que detém poderes ilimitados e cuja ilimitação é, assim, confirmada.
Ou seja, a forma de exercício do poder nazista faz com que sua “política” torne-se uma
“teologia política”, pelo fato de o seu poder ser doravante ilimitado e todo poderoso, não
estando submetido a nenhum tipo de limitação, inclusive constitucional. Logo, tal formulação
se traduz pela identificação mística entre o Führer e o “povo”, como se só ele tivesse acesso ao
que esse quer. O povo não se manifestaria, por exemplo, através de eleições, pois ele
transcende os seus indivíduos constitutivos, fusionando em uma entidade superior, dotada de
uma existência específica, que só pode expressar-se pelo “líder”, unindo a ambos em uma
espécie de religiosidade. Quando fala-se politicamente de “autodeterminação do povo” diz-se
com isto racionalmente algo totalmente diferente do povo que se determina através do
Führer. Eleições, quando ocorriam, uma vez passado o período de transição, eram meramente
confirmatórias das decisões previamente tomadas, não constituindo um processo de escolha
propriamente dito.
Segundo Schmitt (2009, p. 37), todos os conceitos centrais da teoria moderna do Estado
são conceitos teológicos secularizados. Em particular, ele atenta para o conceito de estado de
exceção, conceito limite, que é analogicamente equiparado ao conceito de milagre na teologia.
Ou seja, o conceito de milagre ganha seu significado da suspensão da ordem natural, de suas
leis, graças à intervenção da potência divina que, ela mesma, não é regrada, pois todo
regramento significaria uma limitação que sua definição mesma não pode suportar. É o
próprio conceito cartesiano de Deus enquanto ser onipotente, capaz, portanto, de desafiar a
racionalidade, seu exemplo sendo a alteração mesmas das regras matemáticas. Um ser
onipotente, detentor da potência absoluta não é um ser limitado, fugindo, portanto, de
qualquer regramento e racionalidade, fazendo com que a sua própria finalidade seja objeto de
uma incompreensão radical. Segundo Descartes, Deus pode ser conhecido por sua definição
enquanto ser onipotente, porém não pode ser compreendido por serem os seus desígnios
incompreensíveis.
Analogamente, o ato político do Estado em uma situação limite, como o de criação de uma
ordem estatal ou o de evitar que a ordem estatal existente se decomponha, é um ato de
natureza ilimitada, que foge das regras e normas constitucionais existentes. Sob esta ótica, ele
é percebido como um ato irracional, por escapar precisamente dos parâmetros da
racionalidade existente. O decisionismo estatal é milagroso por suspender a Constituição, por
suspender o Estado de Direito, por ter sua justificação apenas em si mesmo, por ser a potência
absoluta que nada pode circunscrever. Ocorre, contudo, que a intervenção divina, ao
suspender as regras e leis existentes não pode querer o mal, o que seria evidentemente uma
contradição em relação a um ser concebido igualmente enquanto sumamente bom, o que não
seria o caso da concepção schmittiana do Estado, segundo a qual pode esse querer o mal pelo
mal se ele considerá-lo essencial por aquilo que entender necessário à sua própria
conservação, algo posto em prática pelo Estado nazista sob a forma de eliminação do inimigo
real e/ou imaginário. Uma coisa é o conceito cartesiano de Deus fundado na suspensão das
leis naturais e matemáticas, outra muito diferente é o conceito schmittiano de Estado baseado
na suspensão das leis morais.
Lowenstein caracteriza o nazismo como uma forma de teologia política, algo que Carl
Schmitt já apregoava como algo necessário para o soerguimento da Alemanha, pois estaria
baseada, precisamente, no decisionismo político, só que, agora, sob uma forma neo-pagã, que
teria superado a fraqueza dos valores oriundos da tradição judaico-cristã. A narrativa
teológico-política é a da nação enquanto valor supremo e a de Hitler como sendo a sua

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encarnação, como se fosse ele o novo Salvador, o novo Redentor do povo alemão. Tudo o que
ele tocava e transformava era tido, então, por algo dogmático, exigindo apenas a obediência
incondicionada, por mais cruéis que fossem as suas diretivas. (Loewenstein, 1939, p. 168)
A noção de inimigo comporta a noção igualmente válida desde a perspectiva schmittiana
de inimigo imaginário, aquele que é simplesmente designado enquanto tal pelo Führer,
considerado enquanto poder soberano, capaz, portanto, de tomar as decisões em última
instância. “Soberano é quem decide sobre o estado de exceção” (Schmitt, 2009, p. 13).
Soberano é, portanto, aquele que decide em última instância, tendo como contexto histórico-
político e conceitual uma situação limite concernente à existência mesma do Estado. Isto
significa, portanto, que, no caso da situação limite, o soberano tem o poder de decidir sobre a
derrogação da Constituição ou ainda sobre uma aplicação parcial sua. Ou seja, o soberano não
é juridicamente vinculado, sua escolha sendo essencialmente política, pois a questão de fundo
não é a da obediência ou não à lei, mas a da existência mesma do Estado, sua própria
conservação. A decisão política, nesta perspectiva, torna-se uma questão propriamente
existencial, relativa ao ser mesmo do Estado. Schmitt utiliza uma pertinente formulação: para
criar direito não necessita ter direito (Loewenstein, 1939, p. 18), ou ainda, segundo Hegel, o
direito dos heróis na fundação do Estado, ou o ato de fundação do Estado segundo Hobbes,
que não são, por definição, atos jurídicos, mas essencialmente políticos, baseados na força dos
que conseguem impor uma ordem estatal.
Aquele que decide é o soberano, algo que se mostra particularmente em situações limites,
como aquela em que um Estado, na avaliação de seu líder máximo, encontra-se em uma
situação de risco, de perigo, de desintegração. Eis o que ocorreu no nazismo, quando Hitler
contrapõe a comunidade dos arianos à comunidade dos judeus que a estaria supostamente
ameaçando. Evidentemente, os judeus não constituíam realmente uma ameaça por
representarem pouco mais de 1% da população, não serem organizados nem muito menos
armados! Uma comunidade desprotegida e internamente fraturada. No entanto, a ideologia
nazista, aquela que dava forma à percepção dos seus líderes e adeptos, os representava como
uma “comunidade de sangue e solo”, representação essa que equivaleria a uma mistura de
noções biológica e metafísica, o que significava dizer que nada significava, salvo no seu uso
político. (Loewenstein, 1939, p. 100) Logo, esta comunidade racial estaria em uma espécie de
contradição com a comunidade racial alemã, não podendo, por via de consequência, habitar o
mesmo solo, pois o contaminaria.
O Estado nazista opera, a partir da distinção amigo/inimigo, segundo a lógica política do
perpétuo movimento, movendo-se constantemente pela busca e eliminação do inimigo, real
ou imaginário. Ou melhor, fazendo do inimigo imaginário, como os judeus, um inimigo real a
ser eliminado. Seria a atividade pela pura atividade, o movimento pelo puro movimento,
evacuando a política de qualquer conteúdo propriamente dito, passando a ser regida pelo
“inimigo existencial”. A política passa a ser vista como uma espécie de luta à morte, em uma
confrontação perpétua, passando todas as outras considerações a exercerem um papel
meramente secundário. A política, nesta acepção, não poderia existir sem a presença do
inimigo, independentemente de quem o seja. O imaginário logo se torna real. O caminho está
aberto para o Estado do arbítrio e da violência, o que designará aquele que será tido por
inimigo, a lei – se é que se pode utilizar ainda este termo – passando a ser uma mera
instrumentalização, uma simples formalização, dos propósitos e condições desta espécie de
existencialização da política, considerada na perspectiva da guerra e da morte.

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Rosenfield I A política do inimigo

A crise histórico-espiritual da democracia parlamentar



O texto de Carl Schmitt (1988), usualmente e incorretamente traduzido pela Crise da
democracia parlamentar, é uma tentativa sua de pensar os problemas de sua época, em uma
perspectiva já clara neste então, 1923, de abrir espaço político e teórico para soluções de tipo
autoritário. Sua veemente crítica da democracia parlamentar é o reverso de sua convicção já
consolidada, desde aquele momento, de que esse regime político, na Alemanha e no mundo,
encontrava-se em seu estertor. Se porventura ele apresenta uma apreciação que se quer
neutra ou científica, um olhar minimamente atento mostra o quanto seus juízos de valor
antidemocráticos encontram-se particularmente presentes.
O título em alemão é: Die geistesgechichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus. A
tradução literal seria: A situação histórico-espiritual do parlamentarismo atual. Se bem
possamos aqui fazer a concessão de que a versão inglesa atende melhor ao interesse dos
leitores destes países, ou de outros que a esses se identifiquem, convém fazer aqui algumas
observações: a) a palavra Lage significa tanto situação quanto condição, podendo, mesmo,
significar posição. A palavra crise não aparece no título em alemão, sendo apenas uma
concessão de tradução. A crise é um conceito que se deduz da leitura do texto, centrado,
principalmente, em ressaltar a análise da situação/condição/atual do parlamentarismo, com
referência central ao cenário alemão, embora Schmitt se refira também a outras nações. Seu
foco reside na posição atual da Alemanha diante dos problemas agudos de suas instituições;
b) o adjetivo geistesgechichtliche significa a situação histórico-espiritual, em seu contexto
propriamente germânico. Não se trata de uma mera situação institucional – embora também
esteja incluída –, mas espiritual no sentido alemão do termo, ou seja, envolve o Espírito,
conceito que engloba cultura, civilização, instituições, leis, filosofia, religião, artes e costumes.
A crise, para empregar este termo, significaria uma crise civilizatória, cultural, que atingiria
todas as instituições, a consciência e o pensamento que um povo tem de si. Não se pode, então,
consertar uma instituição, se este “conserto” não vier acompanhado de uma regeneração
cultural, espiritual e civilizatória, algo que será precisamente a tentativa nazista, com seu
rompimento em relação ao que se considerava como sendo a “humanidade” em suas acepções
morais, religiosas, artísticas e filosóficas. O desprezo da democracia representativa e do
liberalismo em geral é tão só uma de suas manifestações; c) o termo histórico, acoplado ao de
espiritual, vem a expor que se trata de todo um processo que não nasceu na Alemanha de
então, mas possui profundas raízes anteriores, oriundas de um passado que revolucionou o
conceito mesmo de teológico-político, no que esse termo veicula de potência, absoluto e
decisão ilimitada. Isto é, a Alemanha chegou a esta situação enquanto produto de um longo
processo histórico em que se fizeram presentes várias condições “espirituais”.
Um dos pontos centrais da crítica de Schmitt ao parlamentarismo consistia em que esse
estaria baseado na discussão dos parlamentares e na abertura às opiniões divergentes,
podendo, então, ter como resultado um consenso por assim dizer dialógico. Estaria
igualmente baseado nas discussões que ocorrem na opinião pública, com o primado do
racional, como se esse pudesse se impor sobre os elementos emotivos e irracionais. Ocorre
que a definição que serve de fundamento para sua crítica ao parlamentarismo provém de uma
concepção digamos clássica do liberalismo político, como se ela ali se esgotasse. Diria, mesmo,
que ele parte de uma certa concepção idealizada do parlamentarismo – que ele distingue da
democracia, por ser naquele então, e também hoje, uma democracia de massas que agem
segundo os mais diferentes fatores, dentre os quais os racionais não prevalecem –, não
levando em consideração outras definições possíveis, como o regramento dos conflitos pelo

Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), 12(1):23-51 32


Rosenfield I A política do inimigo

atendimento a interesses divergentes senão contraditórios, o dizer não à generalização da


violência como ela ocorre em situações revolucionárias. Ou seja, a democracia pode ser
igualmente definida como um regramento e atendimento dos interesses particulares que
preservem as formas do bem público, sem que isto signifique, como implicado por Schmitt,
uma degeneração do conceito de democracia parlamentar. Não se trataria, então, de
decadência da democracia, mas como ela se organiza nas condições do mundo moderno, em
grandes Estados de estruturas sociais e econômicas complexas.
Se a concepção democrática de Atenas pressupunha o homem ateniense, que cultivava
hábitos racionais, comparecendo no Ágora, ela tinha também enquanto condições um mundo
socioeconômico extremamente simples, a sua pequena dimensão onde todos se conheciam, a
exclusão das mulheres e dos escravos, o que significava a exclusão do mundo do trabalho. Ou
seja, o mundo do trabalhador situava-se fora da esfera pública, política, não interferindo
nesta, algo, portanto, muito diferente do que acontecia no mundo vivenciado por Schmitt na
Alemanha. Os conflitos no mundo do trabalho e sua relevância política são particularmente
presentes no mundo europeu e, principalmente, no mundo alemão da época, visto a influência
dos partidos comunistas, socialdemocratas e fascistas (a denominação é dele). O mundo de
então estava constantemente confrontado à questão da revolução, à destruição das
instituições existentes – via bolchevismo e, posteriormente, nazismo. Entrava também em
pauta outros princípios “histórico-espirituais”, contribuindo, sobremaneira, para crises
culturais, filosóficas, religiosas, políticas e institucionais.
A questão que pode ser colocada é a da possibilidade de regramento democrático-
representativo enquanto forma de evitar a revolução e a violência generalizada, algo que foi
empreendido poucas épocas depois, na Europa do Pós-Guerra, e especificamente na
Alemanha. A democracia, neste sentido, poderia ser igualmente caracterizada enquanto uma
forma institucional de dizer não aos horrores da guerra e da violência, produzidas pelo
nazismo. Por último, a democracia pode igualmente ser compreendida como uma forma de
conter pela racionalidade das instituições as emoções e a irracionalidade das massas
democráticas, sem acreditar, porém, que isto signifique a predominância da “discussão e da
abertura”. (Schmitt, 1988, p. 3)
Em sua análise histórica do que considera como democracia, Schmitt centra-se no fato de
que o parlamento tenha se tornado um lugar de tráfico de influências em que operam os mais
diferentes tipos de comércio, dando, portanto, lugar a que a elite política se torne uma elite
corrupta. Transparece em várias de suas análises um juízo de valor, um juízo moral, sobre as
elites políticas parlamentares, tendo como parâmetro sua concepção principista, idealizada,
da democracia parlamentar. Curioso que este mesmo tipo de juízo moral não ocorra em sua
adesão ao nazismo, cuja “elite”, inculta, muitos provenientes da ralé que ingressava no partido
nazista e veio a fazer parte da estrutura do Estado e, em particular, da Gestapo, não o tenha
incomodado particularmente. Há uma crítica principista à democracia e uma adesão a uma
elite política moralmente desprezível e inumana. Ademais, o regime nazista veio a ser
identificado a um regime político da irrazão, abandonando precisamente os parâmetros da
racionalidade ocidental, considerados como decadentes, “judaico-cristãos”.
A crítica schmittiana da democracia liberal está endereçada ao individualismo no qual
está assentada. Na verdade, segundo ele, ela se distinguiria de outro conceito de democracia, o
que estaria assentado na homogeneidade de seus cidadãos, excluindo, por exemplo,
imigrantes, estrangeiros, pessoas de outras etnias e religiões. Ou seja, ele visa à sociedade
digamos burguesa para abreviar, por estar ela ancorada em uma concepção do indivíduo
como interessado, desejante, tendo abandonado as formas culturais baseadas no conceito de
comunidade, por exemplo, de religião, de etnia, de atividade profissional. Uma vez que o

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Rosenfield I A política do inimigo

individualismo prevaleça, ganharia a cena econômica, social e política o indivíduo voltado


para o seu prazer, para o egoísmo, para a desconsideração do outro por não atender aos seus
interesses imediatos. A visão de Schmitt, em 1923, é a de um aristocrata cuja concepção é
comunitarista, no seu caso embasada na religião católica, estando próximo intelectualmente
de sua concepção teológico-política, que vê e observa com aversão o individualismo moderno.
Um mundo sem a concepção da honra medieval.
Schmitt ressalta em vários momentos que seu conceito de democracia pressupõe uma
homogeneidade dos que dela participam, traduzindo-se por uma identidade entre
governantes e governados. Acontece que este processo identificatório prescinde, por exemplo,
de eleições e do sufrágio universal tido por forma política do individualismo, podendo
realizar-se através de processos de massa aclamatórios, como as manifestações do
bolchevismo, do fascismo e, alguns poucos anos depois, do nazismo. Ou seja, estes regimes
políticos ditatoriais seriam certamente antiliberais, porém não necessariamente
antidemocráticos. (Schmitt, 1988, p. 16) Logo, um regime democrático – de caráter ilimitado –
poderia simplesmente rechaçar a Constituição existente por não se adequar essa à sua
“vontade geral” assim entendida naquele momento, as massas podendo impor-se por si
mesmas, independentemente de uma elite “corrupta”. O caminho está aberto para as
“democracias” cesaristas e plebiscitárias.

A distinção amigo/inimigo

Já no Conceito do Político, considerada uma de suas obras mais importantes, elabora
Schmitt (2007; Id., 1979; Id., 1972) mais claramente sua concepção do político, cujo critério
central seria a distinção entre amigo e inimigo. Note-se, preliminarmente, que este texto não é
propriamente um livro, mas um opúsculo, visando a formar a opinião pública, tendo, assim, a
pretensão de ter uma incidência direta na vida política. Seu objetivo consiste em influenciar e
participar das disputas políticas e, mesmo, partidárias, contribuindo para fazer avançar uma
certa causa, que se fará imediatamente presente em sua adesão ao partido nazista em 1933.
Ou seja, um opúsculo, por definição, é um texto de combate, de luta por ideias, que procura
inserir-se no contexto mais amplo da luta política de seu tempo. Não há aqui nenhuma
novidade. A história das ideias e da política oferece bons exemplos de textos deste tipo, cujo
impacto até hoje se faz sentir: “O que é o Terceiro estado”, do Abade Sièyes (Revolução
francesa); “Senso Comum”, de Thomas Paine (Revolução americana); “Manifesto Comunista”,
de Marx e Engels (Comunismo mundial). Logo, estrito senso, o opúsculo de Carl Schmitt não
deve ser lido sob um enfoque estritamente acadêmico, estando ele inserido nos combates que
levaram à derrocada da República de Weimar, à liquidação da oposição comunista e
socialdemocrata, pavimentando a via para a ascensão e a consolidação do nazismo.
A frase inaugural do Conceito do Político já bem demonstra o seu desdobramento ao
afirmar que “O conceito do Estado pressupõe o conceito do político” (Schmitt, 2007, p. 19; Id.,
1979, p. 20; Id., 1972, p. 59). O campo é da seguinte forma delimitado: os conceitos de Estado
e Político não são identificáveis, embora historicamente possam em vários momentos ter
coincidido. Segundo as circunstâncias, ele pode tanto operar na esfera social quanto estatal. O
conceito de político aparece, então, como mais abrangente do que o de Estado, na medida em
que é, precisamente, pressuposto. Consequentemente, para se compreender o conceito de
Estado, assim como suas várias formas históricas de manifestação, é imprescindível um
esclarecimento preliminar do conceito mesmo do político. Note-se, ainda, que Schmitt não
está tratando das formas empíricas do Estado nem da política, mas dos seus conceitos

Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), 12(1):23-51 34


Rosenfield I A política do inimigo

respectivos, embora cada um deles vá encontrar suas diferentes formas históricas de


aparecimento.
A propósito desta frase inicial, Strauss (2007, p. 99), ao ponderar a precedência do
político em relação ao Estado, questiona precisamente a sua validade universal por ser ela, na
verdade, não uma verdade eterna, mas tão somente uma verdade presente, concernente a
essa época precisa de redação do Conceito do Político. Ou seja, esta distinção seria
particularmente apropriada a uma sociedade que está vivendo a crise do Estado, uma
Alemanha com desemprego, inflação elevada e amplas utilizações do artigo 48 relativas a
estados de exceção, com o presidente arrogando-se poderes ditatoriais. O caso de exceção,
que tão importante papel preenche na filosofia política de Schmitt, seria precisamente isto, a
saber, uma exceção, como quando um Estado está em rota rumo a graves conflitos internos,
podendo irromper a desordem pública generalizada e, em caso extremo, a guerra civil. Seria
uma condição específica de um Estado em dissolução, exigindo, portanto, um tipo de decisão
específica, visando a que essa dissolução não se efetive. Neste sentido, a dissociação entre o
político e o Estado teria validade limitada, particular, concernente a este tipo de situação
específica. Não seria o conceito universal do político.
O mesmo argumento valeria para a crítica schmittiana do liberalismo em seu
entendimento da política, na medida em que o seu próprio conceito do político seria tributário
do modo que a sua época assimila conceitos clássicos desta formulação política. (Strauss,
2007, p. 100) Aliás, quando se refere a autores clássicos, ele não tem em vista os autores
clássicos da economia política, os que estudaram as leis do mercado, suas regularidades e
processos, mas filósofos ou pensadores políticos tais como Locke, Guizot e Benjamin Constant.
Ou seja, ele utiliza uma concepção genérica de liberalismo político que serve a seus propósitos
específicos de elaboração de seu próprio conceito de político, tendo uma visão extremamente
simplista de como funciona uma economia de mercado. Para ele, ela seria tributária de um
decisionismo político que lhe conferiria suas regras próprias, mormente emanadas de uma
economia de guerra, determinada por aquele que detém o Poder estatal. Neste sentido
também sua crítica do liberalismo seria historicamente datada, determinada pelo que ele
entende como a crise do parlamentarismo de tipo liberal. Isto é, a significação do conceito
schmittiano de política seria tributária de seu conceito – limitado historicamente – de
liberalismo.
Schmitt apresenta a distinção entre amigo e inimigo enquanto critério fundamental para
que este campo da ação humana seja descortinado e entendido. Segundo ele (Schmitt, 2007, p.
25; Id., 1979, p. 26; Id., 1972, p. 65), não se chega à definição própria do político, à sua
“determinação conceitual” (Begriffsbestimmung), sem que se estabeleça uma distinção que
nos dê acesso à realidade. Da mesma maneira que o domínio moral tem o seu critério próprio
(bem e mal), o estético (belo e feio), o econômico (o rentável e o não rentável), o domínio da
política deveria ter o seu. Não se trata, evidentemente, de separar áreas próprias da realidade
que existiriam isoladamente, mas de destacar na ação humana um critério específico.
Estamos, portanto, falando da ação humana segundo diferentes formas de abordagem, cada
uma delas originando um tipo de ação diversa, conforme o seu próprio critério. Pode
frequentemente ocorrer que uma mesma ação esteja submetida a dois critérios diferentes,
como acontece, por exemplo, no caso dos juízos políticos e morais em correlações específicas.
Neste sentido, as categorias mais empregadas por Schmitt (2007, p. 25; Id., 1979, p. 26;
Id., 1972, p. 65), neste contexto, são as de “critério” (Kriterium) e de distinção
(Unterscheidung), que nos forneceriam uma forma de abordagem da realidade, que, na sua
ausência, ficaria confusa ou escondida. Trata-se de elaborar instrumentos metodológicos de
abordagem do real, permitindo eles descortinar, por outro lado, formas de ação específicas,

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Rosenfield I A política do inimigo

que incidiriam sobre a própria realidade. Ou seja, o instrumento metodológico daria a


possibilidade de distinguir na ação seus modos de operação e, simultaneamente, forneceria
orientações para essa mesma ação conforme as formas históricas existentes. A distinção
amigo/inimigo seria, assim, uma forma de distinguir a ação política de outras formas de ação
e, ao mesmo tempo, serviria como seu guia, sobretudo determinando o inimigo particular
tanto nas relações internas do Estado quanto em sua relação com outros Estados, na política
externa.
O critério de distinção amigo/inimigo é uma regra da ação, uma máxima a orientar o
comportamento político. Schmitt (2007, p. 34; Id., 1979. p. 34; Id., 1972, p. 74) afirma que a
guerra não é o objetivo e a finalidade da ação, mas é a sua própria pressuposição na medida
em que é a partir dessa distinção mesma que se estrutura precisamente o comportamento
político em sua ação e em seu pensamento. A ação política estrutura-se internamente pela
guerra, pelo embate incessante, pelo emprego da violência. Logo, a distinção amigo/inimigo
faz com que os grupos ou as unidades políticas se agrupem ou se dissociem em função de uma
máxima assim assumida como devendo orientar a ação política. Ou ainda, o conceito de guerra
é interior ao conceito de ação, não lhe sendo algo externo.
Devemos aqui pensar no conceito de lei natural segundo a formulação hobbesiana no De
Cive. A lei natural, ao descrever como opera a ação humana no que ele denomina de estado de
natureza, permitindo conhecê-la, é, também, uma máxima da ação, o homem orientando-se
por essa, seja ela ou não de seu conhecimento. Se conhecê-la poderá extrair dela os seus
benefícios, ganhando com isto em sua união/desunião com os outros homens. Schmitt tem,
então, uma dupla pretensão. De um lado, ele tem a pretensão científica de descrever a
realidade mediante uma nova distinção conceitual por ele elaborada, tal como um físico ou
químico operaria. De outro lado, ele fornece uma norma de condução da ação segundo
critérios que serão concretizados em contextos históricos específicos. Isto é, os homens ao
agirem conscientemente segundo esta distinção vão guiar a sua luta política, visando à
destruição ou à dominação daquele que será avaliado como sendo o seu inimigo.
Note-se, embora Schmitt não aprofunde este ponto, que o inimigo pode ser uma outra
comunidade externa, do tipo da luta contra a França e a Inglaterra, quanto um inimigo
interno, a oposição dos comunistas ou socialdemocratas, ou um inimigo imaginário como os
judeus, identificados ao bolchevismo e ao judaísmo internacional enquanto fazendo parte de
uma conspiração internacional. Não haveria, por exemplo, por quê considerar os judeus
enquanto inimigos da mesma maneira que se considera outras potências da época. A ação
política pode perfeitamente orientar-se segundo determinações fictícias do inimigo, sempre e
quando sirva a seus propósitos, entre outros, o de mobilização das massas e de oferecimento a
essas de um inimigo comum, não importa se suposto ou real.
Tanto este problema é real que o próprio Schmitt compartilhava o antissemitismo nazista,
tendo escrito, por exemplo, um livro sobre Hobbes repleto de inventivas antissemitas, em uma
amostra de quão elástico é o critério de determinação do inimigo2. Foi um entusiasta das leis
raciais de Nuremberg em 1935, celebradas como uma “Constituição da liberdade” (Gross,
2019, p. 97), ou seja, a liberdade significa a antessala da eliminação do outro por intermédio
de leis raciais que o consideram como um inimigo a ser aniquilado. Chegou a defender
igualmente o banimento de livros de juristas judeus das livrarias alemãs. Note-se aqui que
tinha uma aversão especial para com os judeus assimilados, aqueles que seriam, em sua visão,


2 Entre 1933 e 1936, Schmitt publicou 47 artigos populares e acadêmicos defendendo e legitimando o nazismo. Em 1933, por

exemplo, elogiou a expulsão de Einstein da Alemanha, negando que ele tenha jamais pertencido ao povo e ao espírito alemão. Ver
Meierhenrich; Simons (2019, p. 97, p. 8).

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Rosenfield I A política do inimigo

mais capazes de destruir a cultura alemã desde dentro. No momento em que Kelsen era
perseguido em 1933, ele não lhe prestou nenhum apoio, algo que estava, então, ao seu
alcance. Isto é, com a pretensão científica da descrição, Schmitt oferece uma máxima da ação
que se desdobrará em uma política propriamente dita, baseada na aniquilação ou na
dominação do outro a partir de “critérios” arbitrariamente estabelecidos. Vale o que qualquer
grupo ou comunidade considerar enquanto inimigo, absorvendo o outro nesta definição mais
abrangente. O critério apresentado enquanto científico, descritivo, se transmuta em uma
máxima da ação política que se concretiza em distintos “critérios” políticos particulares,
subjetivos e valorativos.
Frequentemente, para demonstrar o bem fundado de sua tese, Schmitt recorre ao
conceito de inimigo externo, particularmente presente na guerra entre Estados, algo comum,
por assim dizer, no transcurso dos séculos XIX e XX. Ou seja, estamos diante de uma noção de
inimigo mais facilmente identificável ao ponto de vista empírico, sobretudo a partir da
perspectiva nacionalista dominante em sua época. A partir de suas posições, fica mais visível,
por assim dizer, a identificação externa do inimigo, aquele com quem se entra em guerra
potencial e, logo, efetiva. Acontece que estamos aqui frente a uma noção de inimigo oriunda
da política externa, o que equivale a dizer que não se trataria do conceito universal do político,
mas do conceito particular do político na perspectiva das relações internacionais. Contudo,
Schmitt dá o passo seguinte, qual seja, o de transplantar o conceito particular do político
vigente nas relações externas para o palco interno, visando, assim, a lhe conferir
universalidade. A acepção da guerra externa seria transferida para a interna, passando, então,
a orientar as ações dos contendores políticos. Se o arbítrio da ação externa é limitado, mesmo
controlado, pelas discussões internas a um Estado ou pela força real ou virtual do oponente,
colocando em pauta diferentes visões estratégicas, tanto do ponto de vista diplomático quanto
militar, ele adquire uma feição ilimitada, podendo fugir de qualquer controle na identificação
interna do inimigo. Se o inimigo é bem real na identificação externa, ele pode ser bem fictício
na interna, tão somente servindo à consolidação daquele que detém o Poder. Na linguagem
schmittiana: no interior mesmo do Estado cabe a ele decidir, enquanto unidade política
organizada, fazer por si mesmo a distinção amigo/inimigo e agir conformemente – e diria
arbitrariamente – a ela. (Schmitt, 2007, p. 33; Id., 1979, p. 33; Id., 1972, p. 70)
E no que concerne à guerra civil, ela é compreendida como um combate interno a uma
unidade organizada, por mais que dependa, bem entendido, daquele que decida determinar
qual coletividade entra em sua definição, embasando, portanto, a sua decisão. Logo, o inimigo
interno deve ele também ser visto e percebido como uma coletividade de homens a ser
abatida em um sentido propriamente existencial, ou seja, ser morta tal como ocorre em uma
guerra externa. O conceito do político estaria, então, no fundamento de tal formulação. Não se
trata de mera competição ou rivalidade, mas de combate à morte, devendo resultar na
supressão do oponente, compreendido enquanto inimigo. Trata-se, Schmitt reitera, da morte
física do outro, a sua eliminação. A guerra é a negação existencial do inimigo. Eis o próprio
sentido da palavra “inimigo”. (Schmitt, 2007, p. 33; Id., 1979, p. 33; Id., 1972, p. 73)
Schmitt retoma do conceito de guerra em política externa a distinção e os critérios que lhe
permitem definir a política enquanto tal, a saber, a possibilidade e a atualidade de dispor da
vida de seus membros. É a dimensão propriamente existencial da guerra, passando a valer
para o conceito mesmo do político. O Estado, na política externa, determina quem é o inimigo
e toma, a partir desta definição, a decisão de recorrer aos meios necessários para a sua
eliminação, fazendo com que os seus membros ponham a sua própria existência em risco. O
mesmo vale para as relações internas em situações de crise, quando cabe a ele determinar
quem é o seu inimigo doméstico. Logo, decidirá dos meios para a liquidação de seu inimigo

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Rosenfield I A política do inimigo

interno, perpetrando sobre eles a morte violenta. (Schmitt, 2007, p. 45; Id., 1979, p. 46; Id.,
1972, p. 87-88)
A decisão militar, relativa à guerra, é um caso particularmente relevante de decisão,
porque nela desaparece a noção política do adversário, daquele que concorre
institucionalmente pelo Poder, segundo regras estabelecidas conjuntamente ou sendo dadas
pela tradição de um país, sendo, então, substituída pela noção do inimigo a ser combatido e
eliminado. No primeiro caso, relativo à noção institucional do político, a do adversário, a
morte não faz parte do contexto da luta, não sendo mesmo uma condição sua. No segundo
caso, pelo contrário, a morte faz parte do próprio combate, adquirindo uma significação
propriamente existencial. Soldados são mortos na luta, enquanto um país vencido pode
igualmente desaparecer em sua independência: seria a sua morte política. A guerra coloca em
foco uma luta de tipo existencial, o que não é o caso da luta política em um contexto
institucional. Ou seja, a luta política institucional e a luta própria da guerra operam com duas
noções distintas de existência: a) a primeira tem a existência dos atores enquanto uma
condição mesma de sua disputa, partindo-se do reconhecimento de que possuem todos eles
aspirações legítimas ao exercício do Poder, isto é, a luta política não é uma luta propriamente
existencial, não incorrendo em seus desdobramentos a introdução da morte enquanto alvo de
uma luta que se torna um combate pela existência; b) a segunda, pelo contrário, tem na morte
do outro a condição mesma do seu exercício, tudo sendo feito para eliminá-lo sejam quais
forem as razões apresentadas. Na guerra, a luta é propriamente existencial, tendo na morte a
condição mesma de seu exercício.
Na constituição do campo do político, enquanto caracterizado pela distinção
amigo/inimigo, não sobra nenhum espaço conceitual para o conceito de humanidade, pois
seria um conceito sem nenhuma incidência política, salvo em seu aproveitamento por um
Estado poderoso. Isto por que um conceito universal de humanidade, que viesse a ocupar todo
o planeta, em uma espécie de ONU universal e efetiva, não deixaria nenhum espaço para que
se delimitasse um conceito de inimigo, salvo em uma guerra entre planetas. Logo, se há um
lugar político para o conceito de humanidade, seria para que uma potência conquistadora
usurpasse para si este seu significado na conquista de outros Estados. Seria um conceito
ideológico de humanidade tornado instrumento de um “imperialismo expansionista”.
(Schmitt, 2007, p. 54; Id., 1979, p. 55; Id., 1972, p. 98) Desta maneira, ele destitui o conceito de
humanidade de qualquer conotação moral se aplicado ao campo do político, não sendo
admissível a introdução de juízos morais alheios a esse campo. Ou seja, o campo do político
assim constituído seria imune a qualquer juízo moral, sendo os seus instrumentos e meios
arbitrariamente escolhidos pelo “soberano”, a saber, aquele que decide. O “Führerprinzip”
pode operar sem nenhuma restrição, enquanto poder ilimitado que é.
A decisão totalitária caracteriza-se pela concentração do poder máximo em uma única
pessoa que congrega em si as funções de chefe de Estado, chefe de governo e chefe de partido.
Não há nenhuma instituição ou regra que o limite, estando essas, na verdade, a seu serviço,
pois tudo depende de seu processo individual de escolha. O poder concentra-se em suas mãos
e em quem tem dele uma delegação, embora todos estejam a ele suspensos. Meros títulos não
possuem mais significação institucional, pois o sistema de Poder obedece a uma lógica que
pode parecer ilógica a quem siga uma concepção de democracia constitucional, regrada e
limitada. Por exemplo, Heinrich Himmler, a partir de 1936, foi senhor absoluto da SS e da
Gestapo, embora estivesse em princípio subordinado ao ministro do Interior, Wilhem Frick,
que sobre ele não tinha nenhum poder. (Kershaw, 2009, p. 102-103 e 609) O ordenamento
propriamente estatal, administrativo, desaparece. O chefe supremo só pode ser supremo se
reinar sobre a anarquia administrativa, a rivalidade desregradas dos distintos chefes e a

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Rosenfield I A política do inimigo

desordem institucional. A ilimitação da decisão totalitária pressupõe que toda limitação, todo
regramento, seja vencido. Toda consulta do Líder é individual e discricionária, não sofrendo o
chefe máximo nenhum tipo de limitação. Ao encarnar o Estado, ele se situa acima do Estado,
ganhando a sua decisão o caráter de absoluta.

Schmitt e Hobbes

Cabe fazer aqui a distinção entre Schmitt e Hobbes, embora o primeiro pretenda se
colocar em uma linha de continuidade em relação ao segundo, quando, na verdade, ambos
apresentam concepções completamente distintas. Hobbes descreve o estado natural como um
estado de conflito e luta permanente, onde cada indivíduo procura a satisfação de seus
desejos e interesses particulares ao arrepio de qualquer consideração do outro, utilizando
para isto de qualquer meio, como a razão enquanto instrumento de cálculo sobre a ação mais
vantajosa, aquela capaz de extrair o máximo de benefícios a menor custo e risco. Daí segue a
astúcia, a arrogância, a usurpação, a fraude, o desrespeito aos contratos, tendo como resultado
a violência generalizada, a miséria, a degradação e, no limite, a guerra. A necessidade do
Estado decorre, precisamente, da necessidade de estancar esta luta à morte, a violência de
todos contra todos, de tal maneira que possa ser estabelecida uma espécie de paz civil,
baseada no regramento da violência. Regramento esse que somente pode se operar pela
transferência da violência de cada um ao Estado, que se torna o operador exclusivo da força,
fazendo com que as contendas individuais sejam controladas pelos tribunais e pela polícia. A
violência, doravante, torna-se monopólio do Estado, que, em contrapartida, oferece a todos os
súditos ou cidadãos os meios de preservação da vida, da família e do patrimônio. Os
indivíduos ao entrarem na união estatal renunciam à violência e não mais devem ter medo da
morte violenta. Se alguém infringir esta regra máxima, será objeto da ação estatal, que
empregará a sua força. Note-se que a guerra interna, a guerra de todos contra todos, ou ainda,
o critério da distinção amigo/inimigo, perde a sua pertinência quando de sua passagem do
estado de natureza ao Estado propriamente dito. A ação estatal não pode, portanto, orientar-
se pela distinção amigo/inimigo salvo em casos de irrupção de guerra civil ou de ameaça séria
à união sobre a qual está alicerçado. A sua finalidade própria consiste na preservação da paz
civil, evitando que os indivíduos possam ser objeto de morte violenta.
Tal não é o caso de Schmitt. Ele, primeiro, passa a considerar a guerra de todos contra
todos não em termos individuais, mas coletivos, comunitários, em que uma comunidade
ameaça, real ou imaginariamente, a existência de outra. A luta ganha aqui o contorno de uma
luta eminentemente existencial, pautada pelo medo da morte violenta, dando ensejo ao
ataque, à eliminação do outro enquanto inimigo que o está ameaçando. Schmitt privilegia
claramente o conceito de inimigo em detrimento do de amigo, discorrendo longamente sobre
as formas da inimizade em diferentes contextos atuais e históricos. Segundo, desloca esta
operação, que hobbesianamente estaria restrita ao estado de natureza, para dentro do Estado
propriamente dito. O Estado politicamente orientado seria aquele que operaria segundo a
distinção amigo/inimigo, pautando-se por ela e tomando todas as medidas para a eliminação
daquele que considera como inimigo, tal ação podendo, em sua preparação, estender-se sobre
vários anos, os anos de preparação para a aniquilação daquela comunidade que se apresenta
enquanto ameaçadora para o seu modo de vida, para a sua forma de existência. A política
torna-se um confronto existencial, baseado na luta à morte. A morte efetiva, provocada, torna-
se um componente essencial da política, entendida em sua forma existencial.

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Rosenfield I A política do inimigo

Leo Strauss, em suas Notas sobre o Conceito do Político, observa que o direito à vida é um
direito inalienável do homem, um verdadeiro direito humano, não podendo ser colocado em
xeque pelo Estado, salvo em situação criminosa de um cidadão que mata vários outros,
incidindo aqui, no direito penal, a pena de morte. Ele teria rompido o contrato político
propriamente dito que instituiu o Estado. Neste sentido, Hobbes seria o fundador do
liberalismo (Strauss, 2007, p. 107) ao preservar a esfera social e privada da interferência do
Estado, que arroga para si tão somente a esfera política, e o faz porque parte de uma
concepção do homem como um ser inclinado, por natureza, ao amoral, ao conflito, ao choque e
à destruição do outro. Na linguagem de Strauss, o liberalismo de Hobbes se assenta em sua
concepção não liberal da natureza humana. O problema consiste em concepções liberais que
partem de uma suposta boa ou inocente natureza humana, desconhecendo que o homem é um
ser por natureza perigoso, propenso ao mal (Strauss, 2007, p. 108). Ou ainda, Schmitt faria
uma inversão da formulação hobbesiana, trazendo para o político o estado de natureza, isto é,
a propensão humana ao mal torna-se a propensão do político à maldade, o que significa o
decisionismo arbitrário, o poder do líder ao exercício ilimitado do Poder. Em oposição a
Hobbes, não caberia ao Estado regrar a propensão natural do homem ao mal, mas
potencializá-la no exercício arbitrário do Poder.
Cinco anos depois, em 1938, Schmitt escreve um livro específico sobre Hobbes: O Leviatã
na doutrina do Estado de Thomas Hobbes. Observe-se, preliminarmente, que as menções
antissemitas são abundantes neste texto, vindo mesmo a ganhar um papel preponderante. É
escrito quando o nazismo já está em seu auge, embora, neste momento, Schmitt tenha se
afastado de um posição de liderança no partido nazista por ter perdido a luta interna pelo
poder, e não por qualquer divergência ideológica ou teórica. O seu antissemitismo continua
persistente, com as alusões de mau gosto, como as referentes às interpretações “judaicas” do
Leviatã, segundo as quais, em sua “leitura”, o mostro bíblico deixaria os povos da terra se
matarem reciprocamente, observando tudo à distância, pois a carne seria “kasher”, passando
logo ao ato, a comendo e disto vivendo (Schmitt, 2002, p. 77). O judeu para Schmitt é o
inimigo, tanto do ponto de vista pessoal, privado, quanto existencial e político, enquadrando-
se perfeitamente em sua distinção política de amigo/inimigo. Não sem razão Raphael Gross
(2019, p. 109) observa que o conceito de inimigo, tal como apresentado no Conceito do
Político, possui uma estrutura similar ao seu conceito de antissemitismo, isto é, o judeu se
encaixa no conceito do inimigo a ser eliminado.
Aqui também retoma Schmitt o problema das relações entre o Estado e o estado de
natureza, desta feita centrando-se na questão do tipo de violência em ação em ambos os casos.
Sua apropriação nazista de Hobbes torna-se ainda mais manifesta. Segundo sua interpretação,
tanto a ordem estatal impondo a paz quanto a força revolucionária anárquica do estado de
natureza utilizam o mesmo tipo de violência, são “idênticas no plano da violência elementar”.
(Gross, 2019, p. 86) Ou seja, ele não distingue o monopólio da violência estatal, só empregada
em último recurso, na quebra do contrato estatal, da violência generalizada no estado de
natureza, onde qualquer um seja pelo ataque seja pela defesa está sempre disposto a aniquilar
o outro. Em um caso, temos a paz estatal, em outro, a guerra de todos contra todos. Assim
fazendo, Schmitt traz a distinção amigo/inimigo, em seu uso elementar da violência, para
dentro do próprio Estado, na verdade, abolindo a distinção hobbesiana entre estado de
natureza e Estado.
Lembremos que o Estado, segundo Hobbes, está voltado, do ponto de vista dos princípios,
para a conservação física dos cidadãos, de seu patrimônio e para a manutenção dos contratos.
A vida privada, social e econômica fica ao abrigo da intervenção estatal, salvo em caso de
irrupção de violência que ponha em cheque o próprio Estado. Ademais, note-se a

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Rosenfield I A política do inimigo

caracterização schmittiana do estado de natureza enquanto força revolucionária, quando, em


Hobbes, não tem esta conotação, visto que a irrupção revolucionária seria um caso apenas de
manifestação do estado de natureza, não esgotando o seu significado. Parece que estamos
diante da obsessão schmittiana com a esquerda e os bolcheviques em particular, apesar de,
nesta época, já terem os socialdemocratas e os comunistas sido eliminados da cena pública
alemã. Vigora, isto sim, a “força revolucionária” do nazismo, apoiada por Schmitt.
Outro ponto (Gross, 2019, p. 114-115 e 135)3 que merece ser destacado da versão
schmittiana de Hobbes diz respeito ao que esse último formula no que toca à função do Estado
em controlar a dimensão propriamente objetiva da ação visando a salvaguardar a ordem
púbica, deixando a consciência individual ao abrigo de qualquer intervenção e controle. O
mesmo vale para as ações econômicas que se desdobram em um campo livre de atuação,
preservando, evidentemente, os limites de não intervenção nos assuntos propriamente
políticos. Para Schmitt, pelo contrário, caberia ao Estado controlar a consciência dos
indivíduos assim como supervisionar e direcionar a economia, não devendo a liberdade
operar em qualquer destes domínios. Apesar de reconhecer que sua formulação distancia-se
da de Hobbes, ele, porém, nela insiste, atribuindo o equívoco deste último à filosofia do
“judeu” Spinoza, por esse defender a liberdade de pensamento e de consciência, germes
“judaicos” da desintegração do Estado, o germe de morte que destruiu do interior o poderoso
Leviatã.
Neste sentido, a interpretação de Meierhenrich e Simons (2019, p. 8), ao caracterizar
Schmitt como um fanático da ordem, força – senão distorce –, por assim dizer, os termos de
um pensamento que não é hobbesiano, apesar de sua eventual aparência. Hobbes sim seria
um pensador da ordem, do Leviatã, enquanto Schmitt é um pensador da desordem, de
Behemoth. Ele introduz a guerra para dentro do Estado a partir de sua obsessão política de
destruição do inimigo, criando uma situação de caos institucional, privilegiando, segundo o
que determina o soberano, o Führer no seu caso, as diferentes acepções reais ou imaginárias
desta noção fluída de inimigo, assim como de suas formas de aniquilação. Ademais, coerente
com sua formulação, propugna pelo princípio de obediência cega àquele que detém o poder de
decisão, não aceitando nenhuma forma de liberdade de consciência, privada ou econômica. O
caminho está aberto para que Behemoth tome conta da sociedade.

Schmitt e Hegel

Além de Hobbes, Schmitt recorre frequentemente à filosofia de Hegel, em particular à sua
filosofia política e da história e, ainda, mais especificamente, à luta de vida e morte na célebre
passagem da Fenomenologia do Espírito. Para que possamos também aqui melhor
explicitarmos o quanto há de distância entre estes dois pensadores, recapitulemos
brevemente a exposição hegeliana.
Hegel pensou a dimensão existencial, abrupta, da morte em seu capítulo da
Fenomenologia do Espírito, denominado de “Senhorio e Escravidão”. Lá expôs como o medo da
morte violenta é a condição mesma que faz com que alguns se tornem escravos e outros
senhores, sem nenhuma conotação social ou histórica. Esta forma específica de medo
configura a condição existencial do homem, alguns fugindo da morte violenta, por medo dela,
outros a enfrentando diretamente, como se não fossem atravessados pelo mesmo sentimento.
Note-se que, neste enfrentamento, não comparece algo que possa ser atribuído à raça, à
família, à tradição ou a qualquer outro fator externo a essa pura condição existencial. O que

3 Conferir também McCormick (2019, p. 273 e 283).

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Rosenfield I A política do inimigo

somente é levado em conta é a posição mesma dos contendores, não havendo nenhuma
significação propriamente política. A política poderia ser deduzida desta formulação, sem que
faça parte de sua elaboração conceitual.
Neste cenário, esboça-se um processo de reconhecimento que se inicia nesta mesma
desigualdade de condição, nascida do confronto, sendo um desfecho deste, de tal maneira que
ambas as partes se reconhecem nesta desigualdade, cada uma ganhando aqui sua condição e
posição próprias. A morte, ou melhor, o seu medo, aparece enquanto horizonte existencial das
partes que se enfrentam, pois ela é extraída do seu ciclo natural. Não se trata da morte por
doença ou velhice, pois essa nada mais é do que a condição mesma do homem, que deverá
necessariamente fazer face a ela ao fim dos seus dias, em um longo processo de deterioração
física. Por mais doloroso e mesmo enigmático que seja esse processo, ele se distingue
substancialmente da morte em sua acepção existencial tal como apresentada por Hegel, na
medida em que ela configuraria uma outra forma de ser do homem, de ser no mundo. Forma
essa que se faz presente quando ele se defronta com a possibilidade de uma morte nascida da
relação com outros homens, extraída, por assim dizer, do seu processo natural.
O medo desta outra forma de morte afetará sobremaneira a condição mesma dos homens
em luta, que passarão a ser definidos pelo desfecho dessa. O medo da morte violenta vai,
então, aparecer como um critério a determinar a posição de cada uma das partes
combatentes, sendo algo, portanto, que nasce da própria condição humana. Os homens, neste
sentido, se definiriam existencialmente pelo medo sofrido no embate, podendo resultar
potencialmente na morte de qualquer um dos contendores. Observe-se que Hegel não tem em
mente nenhum momento histórico ou nenhuma sociedade determinada, pois, para ele, trata-
se do medo da morte aplicável a-historicamente, servindo para qualquer momento da história
ou da sociedade.
Desta maneira, esboça-se um processo de reconhecimento, culminando com a astúcia do
trabalho, que terminará por inverter a condição dos contendores, o senhor, aquele que tinha
ganho a luta, preservando o seu oponente, reduzido, por isto, à condição de escravo, vem a se
tonar escravo do seu escravo por esse ter se tornado imprescindível no atendimento dos seus
desejos e necessidades. O escravo se torna senhor da relação, por vir a controlar o conjunto
deste processo de necessidades e carecimentos. Há toda uma dialética envolvida nesse
processo, contando com dois critérios: o medo da morte violenta e a posição de cada uma das
partes no processo de trabalho. Hegel os considera enquanto essenciais à condição humana.
Contudo, para que esse processo próprio da condição humana possa se desenvolver, é
necessário que um critério anterior seja preenchido, a saber, o de que as partes contendoras
não cheguem à morte física de uma delas, permanecendo essa meramente um espectro, uma
possibilidade. Se houvesse a morte física de um dos contendores, não poderia evidentemente
ocorrer nenhum processo de reconhecimento. Ou seja, o processo de reconhecimento não
teria lugar, na medida em que essa forma de morte física, abrupta, impediria que a condição
humana mesma pudesse se apresentar em sua completude. A interrupção violenta da vida,
extinguindo um dos contendores e fazendo com que o medo se realize, tem como resultado a
anulação mesma do processo de reconhecimento e, portanto, desta condição existencial do
homem.
A luta hegeliana pelo reconhecimento está baseada no modo mesmo de concepção da
morte enquanto condição mesma da afirmação de um modo mesmo de existência. Neste
sentido, ela pode ser lida como uma forma de passagem da luta existencial para a luta
propriamente política, embora Hegel não opere tal passagem. Ou seja, na luta entre o senhor e
o escravo, ocorreria a passagem de uma existência servil para uma igualitária, onde a morte
operaria na primeira, desaparecendo da segunda, apesar de poder permanecer em seu

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horizonte enquanto condição sua. A partir do momento em que o senhor e o escravo se


reconhecem como iguais, no exercício da racionalidade, ambos renunciam à morte do outro,
pois se esta interviesse não poderia mais haver reconhecimento, nem, portanto, uma
existência na qual os contendores agiriam segundo critérios e parâmetros comuns. Quero
dizer com isto, que poderíamos utilizar analogicamente o conceito hegeliano de
reconhecimento enquanto modo de concepção de passagem de um ato guerreiro para um
propriamente político. A morte é uma condição mesma da luta no primeiro caso, perdendo a
sua centralidade no segundo. A existência humana não é compreendida da mesma forma,
embora Hegel delineie a transição de uma à outra, conforme determinados passos lógicos.
Seja dito ainda que se trata de uma passagem lógica, podendo perfeitamente ocorrer que ela
não aconteça historicamente, como quando a guerra e o inimigo guardam a sua centralidade,
em prejuízo do reconhecimento comum de regras e do adversário como um outro que parte
das mesmas premissas, das mesmas condições.
Por sua vez, para Schmitt, a política se caracteriza pela luta existencial pelo Poder,
centrado no combate ao inimigo, visando à sua dominação e/ou eliminação. A política está
baseada no seguinte tripé: luta, existência e inimigo. A morte do outro ou a sua eliminação é o
horizonte mesmo no qual ela se desdobra, pondo a nu a distinção entre amigo e inimigo, que
se define como o ponto nevrálgico da ação que vai, então, apresentar-se como essencialmente
política. Ela perpassa os vários níveis da condição humana segundo circunstâncias históricas
definidas, sendo uma forma da ação, logo do combate, podendo ela operar dentro do Estado
ou fora dele, segundo circunstâncias particulares. Numa guerra civil pelo controle do Poder,
ela opera fora do Estado; na luta levada a cabo pelo Estado para eliminar um inimigo interno,
ela opera no seu interior; na guerra entre Estados, ela é um componente desses; numa greve
geral visando à conquista do Poder, ela opera na sociedade e nas suas relações de trabalho. Ou
seja, a distinção amigo/inimigo dá forma a um modo específico de ação, denominado de
político por essa razão. É precisamente aqui que tem lugar a decisão política, dando início a
um desdobramento da ação, transformando o status quo e as instituições existentes.
A morte violenta, e não apenas a sua ameaça, vem a fazer parte da ação política. Está ela
voltada ao outro que surge como um inimigo, nascendo esta percepção dos atores políticos de
uma comunidade que lhe parece como sendo “o outro”, o “estranho”, o “estrangeiro” (Fremde).
(Schmitt, 2007, p. 27; Id., 1979. p. 27; Id., 1972, p. 67) Ocorre que a definição do outro
enquanto estranho e estrangeiro, entendendo-o como uma comunidade que é percebida como
uma ameaça à si ao pôr em questão o seu modo de vida, não importando que esta percepção
esteja ou não embasada em fatos ou na “verdade”, fica a mercê do detentor desta percepção ao
colocar em cena a decisão. Essa terá, então, como desdobramento seu a luta contra o inimigo e
a sua eliminação. Schmitt insiste em que tal decisão não se ampara em nenhuma norma
existente ou seja minimamente tributária de um terceiro que faça tal caracterização, mas
depende exclusivamente do processo decisório que opera no interior de uma dada
comunidade, isto é, do seu líder que escolhe desta maneira, no caso do nazismo, do Führer
enquanto líder máximo, o que a literatura política veio a definir como o “Führerprinzip”. A
definição e a luta contra o inimigo estão, portanto, baseadas no arbítrio da decisão.
Logo, são somente os participantes que estão em condições de saber concretamente qual
e quem é este outro cuja forma de vida põe existencialmente a sua em questão. Cada
participante se coloca na posição de julgar o outro como sendo estranho e inimigo, um alheio
a ser exterminado, não havendo norma nenhuma que o oriente, salvo aquela que ele próprio
se dá na sua condição concreta. O juízo político, neste sentido, seria um juízo de caracterização
do outro enquanto inimigo segundo critérios próprios e particulares, o que significa
arbitrários por dependerem tão só da percepção daquele que assim decide. A arbitrariedade é

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Rosenfield I A política do inimigo

tanto mais evidente por se dar igualmente no plano interno quanto externo, um participante,
por exemplo, podendo simplesmente decidir que tem um direito, em sua suposição, histórico
de invadir um país vizinho, partindo, assim para sua invasão e ocupação. Pode igualmente
ocorrer que o inimigo interno seja o judeu enquanto representante e símbolo de um outro
modo de vida para que seja sequestrado da comunidade alemã, reunido em campos de
concentração e eliminado em câmaras de gás e crematórios. Tudo depende de quem decide
existencialmente este tipo de ação. Note-se que a morte violenta vem a fazer parte da própria
estrutura da ação política, não podendo ocorrer o que Hegel denominara de luta pelo
reconhecimento. Não há reconhecimento do outro, mas sua eliminação.
Nesta perspectiva, como podemos colocar a questão das mortes perpetradas no
Holocausto, na medida em que, precisamente, elas foram levadas a cabo sob a forma de uma
organização coletiva, não sendo deixado às vítimas a menor capacidade de reação? Pessoas
foram levadas aos campos de morte e às câmaras de gás pelo simples fato de serem judias, por
terem nascido tais, independentemente de idade, sexo ou faixa etária. Um bebê, portanto, fazia
parte “naturalmente” desta máquina de morte coletiva. Alguns foram lançados vivos nos
crematórios, cujos gritos aterrorizavam todos aqueles que os ouviam. (Fackenheim, 1986; Id.,
1990) É como se a eles fosse denegado o direito a uma luta pelo reconhecimento, devendo
permanecer necessariamente no nível sub-humano.
Cabe aplicar a este caso as categorias de Schmitt, fazendo o que ele foi incapaz de fazer,
não tendo tido a dignidade da crítica, salvo sob a forma silenciosa do privado para seus
amigos. Tendo sido longevo, morrendo apenas em 1985, tempo não lhe teria faltado. Em vez
disto, escreve um outro texto sobre a “Teoria do partisan” em 1962/1963, abordando, por
exemplo, a questão dos guerrilheiros na Indochina ou da luta colonial na Argélia francesa,
guardando seu mutismo sobre a questão judaica, a questão precisamente deste “inimigo”
interno do Poder nazista. Quando utiliza a palavra “genocídio” (Bendersky, 2019, p. 139), em
1945, ele o faz em um contexto propriamente hilário, para caracterizar o destino do serviço
público prussiano e germânico, e isto quando já era amplamente conhecido o genocídio
propriamente dito dos judeus, tidos pelos nazistas como os principais “inimigos” do povo
alemão. Ou seja, a desnazificação operada pelas tropas aliadas é comparada a um “genocídio”!
Parece que a perversão não tem limites.
Vejamos:
Primeiro, aos judeus não lhes era dada a possibilidade de um enfrentamento podendo
levar a uma luta pelo reconhecimento no sentido hegeliano do termo, porque o seu destino
era pura e simplesmente a morte física nas condições administrativas das câmaras de gás, ou
seja, de uma organização voltada para burocraticamente levar a cabo a exterminação desses
“inimigos”. Esses deveriam, portanto, ser conduzidos como um rebanho ao cadafalso, não lhes
sendo dada nenhuma possibilidade de luta ou de evasão. Neste sentido, os judeus deveriam
ser relegados a uma posição sub-humana, não podendo aceder à condição mesma de homens.
Na perspectiva schmittiana, eram tidos existencialmente por inimigos, devendo, então, ser
eliminados. E note-se eliminados da condição humana em geral, sem que se possa, porém,
vislumbrar qualquer ameaça real deles à comunidade alemã, não sendo tampouco
contendores em uma luta pela conquista do Poder político. Eram, no entanto, percebidos
enquanto inimigos a serem abatidos, mesmo se figurassem, na verdade, como um inimigo
imaginário, inventado. No dizer do próprio Schmitt: basta existencialmente que o outro seja
percebido enquanto tal, sendo um símbolo ameaçador.
Segundo, o anonimato na morte, onde os judeus tinham apenas um número tatuado no
corpo, mostra bem que o objetivo perseguido consistia em tornar cada uma dessas pessoas
uma simples adição ao programa de sua exterminação coletiva. Note-se que esse anonimato

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Rosenfield I A política do inimigo

procura retirar das pessoas a sua individualidade, o seu nome próprio, enquanto condição de
seu apagamento físico. A destituição da personalidade de cada um é a condição preliminar de
seu apagamento nas câmaras de gás. Observe-se, no sentido hegeliano, que não há luta. Pelo
contrário, tudo é feito de modo a anular qualquer condição possível de reconhecimento. Na
perspectiva schmittiana, contudo, ele pode aparecer como correspondente ao tratamento
dado a um inimigo, ao qual se lhe nega qualquer forma de reconhecimento e, por via de
consequência, de dignidade humana.
Terceiro, se o medo da morte violenta é a condição mesma do processo do
reconhecimento em Hegel, o Holocausto nazista introduz uma completa reformulação desta
posição, ou seja, a morte física do oponente, não sendo dada às vítimas nem a possibilidade de
uma medição de forças. A morte violenta sob a forma da administração dos campos de
concentração era a forma mesma dessa “luta” em verdadeiros campos de assassinato coletivo.
Era a condição mesma de eliminação do medo da morte violenta enquanto condição de
contendores, que poderiam entrar em um processo de reconhecimento. Em linguagem
schmittiana, era a guerra mesmo no combate ao inimigo interno, aquele que teria ameaçado o
modo de vida alemão. Eis o desdobramento da distinção amigo/inimigo quando aplicada
arbitrariamente na identificação do “inimigo” segundo o “Führerprinzip”.
O combate entre as consciências de si, frise-se, não é um combate de consciências de si
que se enfrentam no campo de ideias ou de proposições desvinculadas da vida, atos
argumentativos, mas trata-se de uma luta à morte em que os corpos se combatem, um
procurando agir sobre o desejo alheio, procurando, dele, apropriar-se e pô-lo a seu serviço. A
luta pelo prestígio, na formulação de Kojève (2002), é uma luta que se inscreve em um
contexto desejante de captura do outro, tendo a ameaça da morte como seu contexto
definidor. Hobbesianamente, trata-se do choque dos corpos, em um crescendo de violência,
que pode culminar na eliminação do outro se o Estado não intervir enquanto força mediadora.
No estado de natureza, porém, é o que ocorre, a morte do outro podendo ser o seu desfecho
natural. Atente-se para o fato de que, para Hegel, não estamos diante de uma contraposição
argumentativa, em jogos de linguagem e de concepções, mas de um combate existencial pela
vida, sendo o medo da morte o seu acompanhante.
A ideia de morte em Schmitt em tudo o distingue da ideia hegeliana de luta de vida e
morte e pelo reconhecimento. Estaria tentado a dizer que ela se aproxima da do crime, tal
como explorada pelo próprio Hegel em seus escritos anteriores a 1806, sem que ele tenha lhe
atribuído nenhuma conotação política. O conceito schmittiano de morte, neste sentido, é o de
uma negação aniquiladora do outro, daquele que foi escolhido arbitrariamente como inimigo,
não se produzindo entre eles nenhum tipo de mediação. E para que a dominação do inimigo se
produza, ela pode vir acompanhada do extermínio físico. A negação aniquiladora não dá lugar
a nenhuma nova posição, procurando impor-se como perpétua negação, a da reiteração de
uma negatividade que se perfaz unicamente na negação, na abstração de um tipo de negação
incapaz de produzir algo novo, nem muito menos o reconhecimento do outro. O ato voluntário
da política de extrair a morte de seu ciclo biológico se consome na aniquilação física e não no
medo da morte enquanto condição do surgimento de uma nova mediação. Não é o medo da
morte que surge enquanto condição existencial do reconhecimento, mas a morte sob sua
forma crua do “crime”, do aniquilamento físico do outro. Não deixa de ser curioso que Kojève
tenha tido uma aproximação com alguém que tão manifestamente se afasta da concepção
hegeliana que tão bem conhecia e defendia. (Linder, 2019, p. 97)

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Rosenfield I A política do inimigo

Schmitt, Strauss e Kojève



Strauss lê o opúsculo de Schmitt, O Conceito do Político, em sua versão de 1927, publicada
no Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialepolitik, isto é, anterior portanto às edições de 1932
e 1933, sobretudo esta última, hoje corrente, onde já aparecem os traços antissemitas,
desconhecidos, portanto, de Strauss. Acrescente-se, ainda, que os Diários de Schmitt, com forte
cargas antissemitas, mesmo neste período, são totalmente desconhecidos. Strauss, inclusive,
teria ficado surpreso com as posições publicamente antissemitas de Schmitt a partir de 1933,
data de sua filiação ao partido nazista. Antes disto, jovem estudante, ele tinha pedido uma
carta de recomendação para Schmitt com o intuito de aplicar a uma bolsa da Fundação
Rockfeller que lhe foi finalmente concedida, permitindo-lhe, então, estudar na França,
escapando, portanto, do período propriamente nazista posterior à ascensão de Hitler ao
Poder.
Note-se ainda que Strauss (1997, p. 143) reconhece a forte influência de Schmitt em seu
próprio encaminhamento ao estudo de Hobbes por ter ele considerado esse filósofo, de longe,
o maior e talvez o mais sistemático pensador político. Ironias da história, Schmitt publica em
1938, conforme vimos, um livro sobre Hobbes fortemente antissemita, dando vazão a todas
suas posições nazistas, enquanto Strauss (1996), posteriormente, publicará um livro sobre
Hobbes, centrado no direito do indivíduo à própria vida enquanto ideia central de sua
submissão ao Estado, isto é, uma interpretação claramente liberal do filósofo inglês, e não
totalitária quanto à de seu mentor de antanho. Logo, o “diálogo” entre Schmitt e Strauss tem
como pressuposto histórico o período anterior a 1932, quando esse último abandona a
Alemanha. Não podia ele prever a abrupta reviravolta de Schmitt em sua conversão ao
nazismo. (Meier, 2006, p. XVII) Neste sentido, o “diálogo” tem uma conotação acadêmica e não
propriamente política. Quando a política entra propriamente em cena, a partir de 1933,
Schmitt, então nazista assumido, já não mais responde às cartas de Strauss. Jacob Klein, amigo
deste último e ainda residindo na Alemanha, caracteriza o comportamento de Schmitt como
indesculpável. (Meier, 2006, p. 129)
No que concerne à distinção entre amigo e inimigo enquanto critério mesmo do político,
Strauss lhe confere uma legitimidade completamente diferente. Para ele, essa questão não
seria, na verdade, tributária do ato arbitrário do soberano, que decide por si mesmo quem é o
inimigo, seguindo, desta maneira, o decisionismo enquanto forma de uma Teologia política,
em que o soberano encerra em si um poder absoluto de decisão. Strauss abandonaria, por sua
vez, a teologia política em proveito da filosofia política ao introduzir a questão do que é justo,
e por consequência da boa sociedade, enquanto critério superior de distinção do político. Ou
seja, a disputa política estaria baseada em uma luta pela boa sociedade, pela boa vida,
podendo, em virtude da intensidade dessa luta, vir a adotar a forma da oposição
amigo/inimigo, só que, agora, dependente de um critério moral e não somente arbitrário à
maneira de um soberano absoluto. (Meier, 2006, p. 42)
Logo após a Guerra, em 1948, Strauss (2016) publica Hiero, de Xenofonte, dando ensejo a
uma correspondência com Alexandre Kojève. Assinale-se que, naquele então, os horrores do
Holocausto já eram bem conhecidos. Embora não haja nenhuma referência direta a este
fenômeno aterrador, que, poder-se-ia dizer, implode as categorias da filosofia política tanto
clássica quanto moderna, o texto pode ser lido, indiretamente, como uma espécie de reflexão
sobre a tirania nesta sua forma moderna, com o problema de que tal forma de abordagem
termina por prescindir de sua especificidade na forma da eliminação sistemática e coletiva do
outro, tido por inimigo à morte, e do terror estatal sob a forma da polícia política. Strauss e

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Kojève, no que guardam de análise de especificidades, limitam-se em ressaltar o progresso


ilimitado da ciência e da técnica, no que não se afastam nem de Schmitt nem de Heidegger.
Interessante observar que toda a correspondência publicada entre Strauss e Kojève,
depois da Guerra, não seja tampouco acompanhada de um reflexão sobre o significado do
Holocausto. Há apenas uma referência a Hitler, sem reflexão, e a descrição de alguns casos de
amigos que terminaram a sua vida em campos de concentração, além das agruras financeiras
e profissionais de um exílio forçado. Somente uma menção explícita é feita à tirania moderna,
por ser uma forma de violência estatal que ultrapassa a imaginação mais ousada de todos os
pensadores do passado. Por desconhecimento do passado, a ciência política contemporânea
não teria conseguido reconhecer essa novidade. (Strauss, 2016, p. 59) Há um silêncio que não
é objeto de pensamento, embora Strauss, em particular, fosse um virtuoso nas hermenêuticas
do silêncio e dos problemas da escritura e da perseguição4. Quando a tirania chega ser
colocada enquanto questão em sua acepção moderna, o que surge é uma discussão, suscitada
por Kojève, da tirania bolchevique e stalinista. É o comunismo e o marxismo que aparecem
enquanto interlocutores, sobretudo porque Kojève empreendera uma leitura marxistisante de
Hegel, provocando a resposta de Strauss, crítica em relação a seu amigo.
E essa forma de tirania moderna não é vista em sua significação totalitária, mas na
perspectiva de uma tirania voltada para o bem material de seus cidadãos, conforme uma
ideologia universal (a comunista, bem entendido). Stalin e o terror desaparecem em proveito
de uma tirania de cunho filosófico, preocupada com os seus cidadãos. Do ponto de vista
teórico, seria a dialética do senhor e do escravo lida sob a ótica de “luta de classes”, tendo
como desfecho o “fim da história” e o “Estado universal e homogêneo”, que aboliria, então, a
própria luta, contradição que Strauss não se furta de assinalar. Procedimento que permite a
Kojève justificar historicamente, e filosoficamente, o stalinismo. Logo, a tirania moderna de
tipo comunista já estaria enquadrada nos marcos conceituais de Xenofonte e, neste sentido, do
pensamento clássico. Não haveria aqui uma novidade a ser pensada, salvo em seus traços
empíricos, sem consequências propriamente conceituais.
Ressalte-se que nem Strauss nem Kojève extraem um ensinamento da política no sentido
schmittiano do termo, apesar do texto de Xenofonte ser igualmente provocativo neste sentido.
O tirano está constantemente confrontado com o inimigo, sabe que suas ações produzem
descontentamento por estarem baseadas na imposição da força, no uso da violência, tendo
como único objetivo o estabelecimento e a conservação de sua dominação. Na verdade, nem
amigos tem por estar cercado de bajuladores e beneficiários de seu poder. Amigos, portanto,
em sua acepção política de alianças em função de fins determinados, defrontando-se todo o
tempo com inimigos reais, potenciais ou virtuais. Não possui descanso, a ponto de não poder
usufruir de muitos dos prazeres reservados aos homens comuns. Para o tirano, a política está
baseada na distinção entre amigos e inimigos, entre a preservação do seu poder e o medo de
sua perda, que se traduz por um medo maior imposto aos seus súditos. O alcance desta
distinção passa desapercebida tanto para Strauss quanto para Kojève. Em particular, o
primeiro, ao privilegiar a ideia antiga da política, termina por insistir muito mais na noção de
amizade do que de inimizade.
Pode-se extrair do texto de Xenofonte o ensinamento de que a distinção amigo/inimigo é
própria da concepção tirânica da política, não se aplicando às suas formas digamos
republicanas, onde ela encontra-se subordinada à do governo das leis e não do mais forte, por
mais benevolente que seja. A concepção schmittiana perderia, sob esta ótica, o seu alcance
universal, só guardando validade para regimes autoritários ou totalitários, em particular neste

4 Entre outros textos, consultar seu (2004) livro Persecution and the Art of Writing.

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último tendo vigência plena. Ou seja, Schmitt em sua concepção do político terminou por
“universalizar” uma concepção deveras particular do autoritarismo e do totalitarismo. Logo,
se seguirmos os ensinamentos de Xenofonte, poderíamos apresentar três noções do político:
a) a do governo das leis, em que a distinção entre amigo e inimigo é substituída pela de
detentores do poder e seus adversários, segundo regras definidas de rotatividade do Poder.
Não há a noção do inimigo a ser abatido, salvo em casos extremos, como os dos que
pretendem aniquilar o governo das leis, de modo que a noção de inimigo vê-se reduzida ao
que se opõe ao governo das leis; b) a do tirano benevolente, que se preocupa em tornar os
seus súditos em parceiros no compartilhamento de um bem-estar material generalizado,
fazendo com que os seus cidadãos sejam seus amigos, por mais hipócrita que possa ser esta
amizade. Ou ainda, esta forma de tirania está embasada em uma noção do bem comum, por
mais que alguns pensem em contestá-la; c) a do tirano autoritário e totalitário que governa ao
arrepio de qualquer lei, fazendo valer somente o seu poder. Todos os que se opõem a ele, por
qualquer razão, são tidos por inimigos a serem combatidos e, em casos extremos, aniquilados
fisicamente por mero ato despótico de um governante que age desprovido de qualquer limite.
Na tirania deste tipo, todo súdito é um inimigo real ou potencial.
A noção de inimigo ganha particular significação quando abordada na perspectiva do
inimigo externo, no que Schmitt teria seguido os seus passos. Toda polis é inimiga de outra
polis, todo Estado nas relações internacionais é inimigo de outro Estado. Todo governante
deve estar sempre pensando na guerra, preparando-se para ela, pois se não o fizer ficará a
mercê de outros governantes. Ou ainda, precisará de seus súditos enquanto seus aliados
frente a um inimigo comum. (Strauss, 2016, p. 153) Quantos menos inimigos fizer
internamente, melhor para o seu combate exterior. Os seus “inimigos” internos não podem
fazer frente comum com seus inimigos externos, sob risco de seu governo ruir. Eis um
ensinamento, aliás, que não foi seguido nem por Hitler, nem por Schmitt, ao seguirem uma
dupla acepção do inimigo, depois unindo-as, no fronte interno e externo.
A união do inimigo em suas acepções interna e externa está particularmente presente na
decisão totalitária concernente aos judeus, figura simbólica desta fusão. Logo após declarar
guerra aos EUA, no dia 12 de dezembro de 1941, Hitler dirigiu-se aos dirigentes de seu
partido na Chancelaria do Reich, em Berlim. (Kershaw, 2009, p. 102-3) O teor de sua
declaração, conforme Joseph Goebbels, foi o de que os judeus seriam responsáveis da guerra
mundial que então teria sido decretada, devendo, por isto mesmo, ser exterminados. Eles
seriam um tipo de encarnação concreta de sua singular noção de inimigo, uma condensação
imaginária de seus inimigos ingleses, americanos e soviéticos. Note-se que os “judeus”
preenchem uma condição de sua representação de mundo, de seu padrão de pensamento, de
tal maneira que eles estariam supostamente por trás de tudo o que acontecia no Planeta. Uma
consideração totalmente inverossímil, no entanto, torna-se guia de sua ação e vem a ser a
ideia reitora que conduzirá à “decisão final”. De Pearl Harbor à Declaração de Guerra aos EUA,
passando pelo complô judeu-bolchevique, cria-se uma “lógica” da decisão totalitária por mais
ilógica que possa ser. Sendo os judeus concebidos como os instigadores deste conflito
mundial, deveriam, portanto, pagar com suas próprias vidas.
Note-se, aqui, que o texto de Xenofonte é sobremaneira relevante por cogitar da
possibilidade filosófica e política de uma tirania benevolente, voltada para o bem-estar dos
seus súditos, em que pese o fazer à revelia de qualquer lei. A duração de uma tirania deste tipo
seria tributária do caráter benevolente do déspota, de certa maneira ilustrado, que teria como
preocupação o bem-estar material de seus cidadãos por saber que a conservação do seu poder
depende precisamente desta satisfação material. Sob uma ótica moderna, isto equivaleria ao
tirano não se imiscuir na vida privada dos cidadãos, em particular nos seus amores, negócios e

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em seu direito de propriedade. Ou ainda, o tirano pode ser um bom governante, tendo como
objetivo a felicidade de seus súditos. (Strauss, 2016, p. 128)
Não necessariamente um governo segundo leis produz “bons governantes”. (Strauss,
2016, p. 130) Evidentemente, sob esta perspectiva, não pode o cidadão criticar o tirano ou pôr
em dúvida o seu poder, visto que isto colocaria em questão a sua própria dominação, algo
inadmissível para ele. Não hesitaria, nestes casos, de fazer uso da força. Deve, porém, conter-
se, porque não pode pôr em risco a satisfação material de seus outros súditos. Ocorre,
contudo, que uma tirania mitigada desta espécie depende apenas da autocontenção do tirano,
e não de uma qualquer limitação oriunda da lei. Neste sentido, poder-se-ia dizer que a própria
distinção entre amigo e inimigo é atenuada, permanecendo restrita aos que ameaçam
diretamente o seu poder e não os cidadãos em sua generalidade. Segundo esta concepção
benevolente da política tirânica, os súditos passariam a ser aliados, amigos em certo sentido,
por usufruírem de bem-estar material, estando reservada a posição de inimigo aos que
contestam diretamente o seu poder, pretendendo, por exemplo, um governo segundo leis.
Strauss atenta a este ponto ao assinalar que Hiero distingue o sábio do homem justo,
sugerindo com isto que o homem justo seria o bom governante. “Da mesma forma, tem-se de
presumir que ele entende por justiça a justiça política, a justiça que se manifesta em ajudar os
amigos e prejudicar os inimigos”. (Strauss, 2016, p. 155)
Em seus cursos sobre Hegel, em particular sobre a sua Filosofia da História, Strauss faz
uma defesa de Hegel enquanto não totalitário, colocando-se nas antípodas de apropriações
nazistas do filósofo alemão. Neste momento, ele recorre a Schmitt, quando esse afirmou,
quando da ascensão de Hitler ao Poder: “neste dia, Hegel morreu”. Ele estabelece claramente a
distinção entre o pensamento alicerçado na autoridade do Estado, concedendo plena
liberdade à sociedade, sem qualquer distinção de raça e casta, e um pensamento totalitário,
que invade a sociedade, emprega o terror e se fundamenta em distinções raciais. Strauss
(2019, p. 192) chega a caracterizar Hegel como um liberal, pela liberdade acordada à
sociedade civil-burguesa enquanto local próprio de defesa das liberdades econômicas, algo
que pertence ao “sistema de carecimentos”, mediante a não ingerência do Estado nesta esfera,
o respeito aos contratos, a proteção da propriedade privada, para além da forma
propriamente política da monarquia constitucional. O Estado, segundo Hegel, salvo em
situações de emergência, não deve se imiscuir nos assuntos da sociedade, nem do ponto de
vista das liberdades civis, nem da liberdade econômica. Contudo, o que chama atenção nesta
breve menção de Strauss (2019, p. 137), é o fato de ele referir-se a Carl Schmitt como um
famoso advogado de direito constitucional que se tornou um nazista por “deploráveis razões”.
O juízo moral sobre Schmitt é certeiro. Já muito tempo havia transcorrido entre um estudante,
que pedia carta de recomendação, e o professor, em 1954, que viu as transformações sofridas
por seu “colega”.
Em sua introdução a este escrito, Paul Franco ressalta uma posição de Leo Strauss (2019,
p. 2), que é da maior importância para compreendermos a filosofia moderna e a relação entre
Hobbes e Hegel. Segundo ele, o medo da morte violenta, tal como formulado por Hobbes, e
reelaborado por Hegel, na luta à morte entre senhor e escravo, seria equivalente, do ponto de
vista da filosofia teórica, à dúvida metódica, na perspectiva da filosofia teórica, em sua
elaboração cartesiana. Teríamos, assim, dois pontos de partida da filosofia moderna,
Descartes e Hobbes, que foram, inclusive, contemporâneos. Os textos inaugurais da filosofia
moderna, seriam o Discurso do Método, posteriormente as Meditações Metafísicas, e De Cive,
posteriormente o Leviatã. Note-se, a respeito, que Hobbes foi um dos interlocutores de
Descartes nas Meditações Metafísicas, embora não tenham se conhecido pessoalmente, nem
tampouco tivessem muito respeito filosófico um pelo outro.

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Neste sentido, um teria descortinado outro fundamento para a metafísica, o outro para a
moral e a filosofia política. Ambos, contudo, tinham um mesmo ponto de partida comum, uma
desconfiança em relação à natureza humana: para Descartes, dever-se-ia descartar a origem
sensorial do conhecimento por essa ser falha e indutora ao erro; para o outro, não se poderia
confiar na natureza humana enquanto fonte de concórdia e solidariedade, pois ela conduz,
inexoravelmente, pelo choque dos corpos, à morte violenta. O primeiro, no entanto, confiava
na razão humana enquanto fonte do conhecimento verdadeiro, capaz de ter acesso a verdades
eternas e ao conhecimento de Deus, enquanto o segundo entendia a razão enquanto
instrumento e justificação das paixões humanas. Em todo caso, para ambos, não seria possível,
seja do ponto de vista do conhecimento, seja do ponto de vista moral e político, confiar na
natureza desejante, passional, ou, se se quiser, animal, do homem.

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Submetido: 09/01/2020
Aceito: 05/05/2020

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