Pipoca Moderna PDF
Pipoca Moderna PDF
Pipoca Moderna PDF
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo mostrar que, em alguns casos, o significado constitui-
se como uma resultante do tratamento dado à expressão, isto é, o significado decorre fundamentalmente
do material empregado na expressão e de sua organização em texto. A letra da música Pipoca moderna,
de Caetano Veloso, será utilizada como exemplo do fenômeno, pois nela o significado é fundado
basicamente pelo como o plano da expressão se encontra estruturado.
Do título
O título é uma notória referência à segunda parte da composição. O lexema
pipoca, com a seqüência de oclusivas orais, /p...p...k.../, sugere a explosão que marca o
momento de ruptura com um estado de coisa anterior, representado pela predominância
da nasal /n/1.
Pipoca, segundo o Aurélio, vem do tupi pï’ poka, e significa ‘estalando a pele’.
Segundo Tibiriçá (1984), o termo já significa em tupi o mesmo que em português:
‘milho rebentado’. Neste contexto em particular, o termo parece ainda significar ‘estalo,
estouro’, acepção esta reforçada pela aliteração da plosiva /p/, em toda a segunda parte
do texto, que vai do quinto ao décimo terceiro verso, e pelo seu emprego um tanto
ambíguo nos versos 9 e 10, em que a leitura verbal torna-se possível2. Veja-se, por
exemplo, que, numa leitura verbal, pipoca ali aqui / pipoca além é sujeito oracional em
relação ao predicado modalizador parece, verso 5. Por outro lado, numa leitura nominal,
o sujeito oracional deste predicado é desanoitece a manhã e pipoca passa a ser uma
retomada do título da canção, em que este lexema possui uma leitura nominal
inequívoca.
É, com efeito, essa dupla possibilidade de leitura, nominal e verbal, que faz o
autor preferir o termo pipoca a qualquer das duas formas pipoco e papoco, existentes no
léxico português. Ademais, não é de se desprezar a qualidade das vogais tônica e
postônica de pipoca, ambas abertas, claras, em contraste com as vogais de pipoco e
papoco3. As explosões ficam mais perceptíveis quando da passagem de uma oclusiva
oral para vogais abertas, donde resulta mais uma razão para a seleção lexical realizada.
Ao lexema pipoca vem adjungir-se o adjetivo moderna, que reforça a leitura
segundo a qual o texto trata da ruptura entre duas fases, uma primeira, negativa,
conforme veremos, à qual se opõe uma segunda, de afirmação, esta considerada
moderna em comparação com aquela. Moderna, neste caso, significa ‘dos tempos atuais
ou mais próximos de nós, recente’ (Aurélio)4.
nada de nem
e era
noite de negro não
2) uma estrutura com dois SPs coordenados:
de nem noite
e era nada
de negro não
REFERÊNCIA BLIOGRÁFICA
BARROS, Diana Luz Pessoa de (1990). Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática.
__________ (1988). Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Atual.
CAMARA Jr., Joaquim Mattoso (1984). Dicionário de lingüística e gramática.
Petrópolis: Vozes.
__________ (1991). Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes.
DELAS, Daniel e FILLIOLET, Jacques (1975). Lingüística e poética. Tradução de
Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Cultrix/EDUSP.
ECO, Umberto (1986). Lector in fabula. São Paulo: Perspectiva.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda (1986). Novo dicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
FIORIN, José Luiz (1994). Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto.
GREIMAS, A. J. e COURTÉS, J. (1979). Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix.
GREIMAS, A. J. e FONTANILLE, J. (1993). Semiótica das paixões. São Paulo: Ática.
MATEUS, Maria Helena Mira et alii (1989). Gramática da língua portuguesa. Lisboa:
Caminho.
PONTES, Eunice (1992). Espaço e tempo na língua portuguesa. Campinas: Pontes.
SCHIMÍTI, Lucy Maurício (1889). Caetano Veloso: memória e criação. Assis:
Universidade Estadual Paulista (Dissertação de Mestrado).
TATIT, Luiz (1994). Semiótica da canção: melodia e letra. São Paulo: Escuta.
__________ (1996). O cancionista. São Paulo: EDUSP.
__________ (1997). Musicando a semiótica. São Paulo: Annablume.
__________ (2001) Análise semiótica através das letras. São Paulo: Ateliê.
TIBIRIÇÁ, Luiz Caldas (1984). Dicionário Tupi-Português. Santos: Traço.
VELOSO, Caetano (s/d). Alegria alegria. Rio de Janeiro: Pedra Q Ronca.
Notas:
1
Cumpre observar que a nasalidade tem o poder de causar um ‘efeito de véu’ (Delas e Filliolet, 1975:
157), responsável pelo apagamento das sonoridades orais correspondentes às oclusivas homorgânicas,
efeito este a que se costuma atribuir culturalmente a idéia de escuridão.
2
A propósito desta canção, Schimíti (1989: 209) afirma que se trata de uma letra não-discursiva e que
permite ver-se ‘claramente o espoucar de efeitos sonoros, dominando a composição e abafando o
estabelecimento do nexo semântico’.
3
Obviamente não estamos desprezando o caráter menos aberto de /a/ em sílaba postônica, em relação ao
/a/, realizado em sílaba tônica. O que salientamos é que, dos vocóides em posição postônica, este é o mais
aberto.
4
Note-se que moderno é, neste particular, o elemento regional, uma vez que pipoca moderna é, segundo
o próprio autor, uma referência à banda de pífaros de Caruaru, de cuja informação musical nasceu o
germe para o movimento tropicalista, capitaneado sobretudo pelas figuras de Caetano Veloso e Gilberto
Gil. A esse respeito, Caetano Veloso diz, em seu livro Alegria, Alegria (s/d: 160-1): ‘Em 67 Gil passou
um tempo no Recife. De lá ele trouxe o pique para o tropicalismo. E, principalmente uma fita cassete com
o som da banda de pífaros de Caruaru. Desde então, a pipoca moderna ficou em nossa cabeça, alguma
coisa transando entre os neurônios, umas joiazinhas de iluminação. De lá até aqui não perdi a esperança.
(...) Sou feliz na pipoca desse canto e isso é muito firme. Estou inteiro quando há esse canto de pipoca
moderna.’
5
Assim entendido, nada pertence à classe dos quantificadores, que, segundo Mateus et alii (1989: 192-5),
é um especificador que serve, como o próprio nome deixa ver, para quantificar os nomes. Incluem-se
nesta classe os pronomes indefinidos e os numerais da gramática tradicional.
6
Os termos substantiva e adjetiva são aqui utilizados na acepção que lhes atribui Camara (1991: 77-80),
que considera o nome sob uma tríplice perspectiva funcional: substantiva, adjetiva e adverbial.
7
A autora, à página 16, oferece o seguinte quadro representativo das relações semânticas que vigoram
entre os advérbio aqui, aí, ali e lá, em função da pessoa e da distância:
Pessoa Distância
1ª aqui
2ª aí
3ª ali lá