Filosofia Clássica PDF
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Mitologia e Pré-Socráticos
vos, inclusive pelo es lo diferente dos os povos ditos primi vos, contestando
dois poemas, alguns intérpretes acham o racismo e a noção de primi vo. Ele
que são obras de diversos autores. comparou etnografias realizadas em
todos os con nentes. A sua grande con-
Uma das caracterís cas da consciência tribuição foi a de que os chamados sel-
mí ca é a aceitação do des no: os cos- vagens não são atrasados, menos
tumes dos ancestrais têm raízes no evoluídos e primi vos, apenas operam
sobrenatural; as ações humanas são com o pensamento mí co (magia). O
determinadas pelos deuses; em conse- mito e o rito não são simples lendas fa-
quência, não se pode falar propria- bulosas, mas uma organização da
mente em comportamento é co, uma realidade a par r da experiência
vez que falta a dimensão de subje vi- sensível enquanto tal.
dade que caracteriza o ato livre e
autônomo. O mito tem três funções principais:
função explica va, o presente é explica-
Ao analisarmos a passagem do mito à do por alguma ação que aconteceu no
razão há um período intermediário ca- passado, cujos efeitos não foram apaga-
racterizado pela consciência trágica dos pelo tempo, como por exemplo,
que representa o momento em que o uma constelação existe porque, há
mito não foi totalmente superado e muitos anos, crianças fugi vas e fa-
ainda não se firmou a consciência mintas morreram na floresta, mas uma
filosófica. A tragédia grega floresceu deusa levou-as para o céu e transfor-
por curto período e os autores mais mou-as em estrelas; função organiza -
famosos foram Ésquilo (525-456 a.C.), va, o mito organiza as relações sociais
Sófocles (496-c.406 a.C.) e Eurípedes (de parentesco, de alianças, de trocas,
(c.480-406 a.C.). O conteúdo das peças de sexo, de iden dade, de poder, etc.)
é re rado dos mitos, mas há algo de de modo a legi mar e garan r a per-
novo no tratamento que os autores - manência de um sistema complexo de
sobretudo Sófocles – dão ao relato das proibições e permissões. Ex.: o mito de
façanhas dos heróis. A tenta va de Édipo existe em várias sociedades e tem
reflexão retrata o logos nascente. Daí a função de garan r a proibição do
em diante a filosofia representará o incesto. O cas go des nado a quem
esforço da razão em compreender o não obedece às regras funciona como
mundo e orientar a ação. in midação; e, por fim, uma função
compensatória, o mito narra uma situ-
Lévi-Strauss, antropólogo do séc. XX, ação passada, que é a negação do pre-
criador do método estrutural, estudou sente e que serve tanto para compensar
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Mitologia e Pré-Socráticos
os humanos de alguma perda como agrupados e ordenados. Existe, portan-
para garan r-lhes que um erro passado to, uma lógica nos mitos. Antes mesmo
foi corrigido no presente, de modo a do advento da Filosofia, o homem já
oferecer uma visão estabilizada e regu- possuía a curiosidade de saber sobre a
larizada da natureza e da vida comu- origem das coisas. Com ela criaram
nitária. diversas histórias que foram passadas
de forma oral por várias gerações. A
O mito nos ajuda a se acomodar no palavra grega mythos significa contar,
meio em que vivemos. Segundo narrar, conversar. O mito é uma narra -
Lévi-Strauss, o “pensamento selvagem” va fantasiosa que visa dar uma expli-
não é o pensamento dos “selvagens” ou cação para a origem de determinada
dos “primi vos” (em oposição ao coisa, sejam ela o homem, o amor, a
“pensamento ocidental”), mas o pensa- doença, o mundo, os deuses, etc. Os
mento em estado selvagem, isto é, o primeiros modelos de construção do
pensamento humano em seu livre exer- real são de natureza sobrenatural, isto
cício, um exercício ainda não-domes - é, o homem recorre aos deuses para
cado em vista da obtenção de um rendi- apaziguar sua aflição.
mento. O pensamento selvagem não se
opõe ao pensamento cien fico como 2. Do Mito aos Logos
duas formas ou duas lógicas mutua-
mente exclusivas. Sua relação é, antes, A Filosofia, como uma ciência que
uma relação entre gênero (o pensa- estuda as inquietações humanas e visa
mento selvagem) e espécie (o pensa- explicá-las de maneira racional, surgiu
mento cien fico). O pensamento “sel- na Grécia an ga, no século VI a.C, época
vagem” não é menos lógico do que o em que basicamente tudo era explicado
pensamento do “civilizado”. O mito é e nha suas origens na mitologia.
frequentemente considerado como o Fenômenos como um raio, por exem-
espaço da fantasia e da arbitrariedade. plo, eram dos como uma manifestação
Esse pensamento está equivocado, pois da ira de Zeus, o comandante de todos
o mito ordena, classifica e dá sen do os outros deuses. Essa explanação “divi-
aos fenômenos. no-mitológica” para a realidade se
chamou, então, cosmogonia. Porém, os
Os mitos de diversas sociedades, geral- pensadores inquietos da época quise-
mente binários e oposi vos (herói e ram responder e explicar fenômenos e
ví ma, amigo e inimigo, pai e mãe, cru e perguntas como essas de maneira
cozido...) são aparentemente diversos e racional e lógica, o que foi iden ficada
sem vinculações, mas podem sim ser como cosmologia. Começa-se, então, a
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Mitologia e Pré-Socráticos
se dis nguir o mito da lógica, o que Os da Escola Jônica: Tales de Mileto,
antes era unido (mitologia ou lógica do Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de
mito) passa a ser separado, para se Mileto e Heráclito de Éfeso; 2. Os da
entender e se abordar a lógica do fato Escola Itálica: Pitágoras de Samos; 3. Os
e/ou fenômeno, o que a filosofia carac- da Escola Eleata: Parmênides de Eleia e
teriza como o período de transição “do Zenão de Eleia; 4. Os da Escola da Plu-
mito ao logos”, ou seja, da explicação ralidade: Empédocles de Agrigento,
por meio de histórias oralmente repas- Anaxágoras, Leucipo de Abdera e
sadas (mitos) para a explicação racional Demócrito de Abdera.
e lógica da coisas (logos).
Esses primeiros filósofos se preocu-
Os precursores da Filosofia foram os param em tentar explicar a physis (pala-
pré-socrá cos, filósofos que buscavam vra grega que pode ser traduzida por
a origem natural do universo e das natureza). Por isso, eles são conhecidos
coisas através de explicações lógicas e também como naturalistas, ou mesmo
fundamentadas na observação e estudo �sicos, pois estavam tentando entender
da realidade. Os pré-socrá cos, como o o mundo �sico de uma forma racional
próprio nome alude, antecederam a (cosmologia), dando uma explicação
Sócrates. Eles eram naturalistas, busca- diferente da dos mitos, que recorriam
vam a essência e o princípio das coisas, aos deuses. Diferentemente da expli-
o que chamavam de arché. Após o cação mí ca que dizia que o universo
período dos pré-socrá cos (séc. VI a.C.), havia sido criado do nada, para eles o
surgiu o período clássico (séc. V a.C.) universo havia sido gerado de um
com Sócrates, Platão e Aristóteles. princípio universal. E descobrir essa
arché seria a chave para entender todas
3. Pré-Socrá�cos as coisas.
Indicações de Leituras
doria nem respeito pela verdade, oráculo que afirmou ser ele o mais
defendendo qualquer ideia, se isso sábio dos homens.
fosse vantajoso. Corrompiam o espírito
dos jovens, pois faziam o erro e a men - Como a essência não é dada pela per-
ra valerem tanto quanto a verdade. cepção sensorial, pelo que os sen dos
Dizia também que os sofistas estavam nos trazem, e sim pelo trabalho do pen-
errados, que poderíamos sim obter um samento, procurá-la é procurar o que o
conhecimento obje vo, um saber ver- pensamento conhece da realidade e da
dadeiro. Apesar disso, Sócrates concor- verdade de uma coisa, de uma ideia, de
dava com os sofistas em dois pontos: um valor. Isso que o pensamento
por um lado, a educação an ga do guer- conhece da essência chama-se concei-
reiro belo e bom já não atendia às exi- to. Assim, Sócrates parte em busca da
gências da sociedade grega e, por verdade das coisas através do conceito,
outro, os filósofos cosmologistas defen- ou seja, a definição verdadeira (univer-
diam ideias tão contrárias entre si que sal) do que sejam as coisas. Sócrates
também não eram fonte segura para o procurava o conceito, e não a mera opi-
conhecimento verdadeiro. nião (doxa em grego) que temos de nós
mesmos, das coisas, das ideias e dos
Discordando dos an gos poetas, dos valores. Qual a diferença entre uma opi-
an gos filósofos e dos sofistas, o que nião e um conceito?
propunha Sócrates? Propunha que,
antes de querer conhecer a natureza ou A opinião varia de pessoa para pessoa,
persuadir os outros, cada um deveria de lugar para lugar, de época para
conhecer-se a si mesmo. A sabedoria época. É instável, mutável, depende de
humana de que Sócrates se diz mestre cada um. O conceito, ao contrário, é
consiste na busca de jus ficação filosó- uma verdade intemporal, universal e
fica (isto é, de um fundamento) da vida necessária que o pensamento desco-
moral. Esse fundamento consiste na bre, pois mostra que é a essência uni-
própria natureza ou essência do versal, intemporal e necessária de
homem, entendida como consciência alguma coisa. Por isso, Sócrates não
de si, a personalidade intelectual e perguntava se uma coisa era bela – pois
moral. É isso que dis ngue o homem nossa opinião sobre ela pode variar –, e
dos outros animais. Não é à toa que ele sim “O que é a beleza?”, “Qual é a
ins gava seus discípulos a terem esse essência ou o conceito do belo, do
conhecimento, pois era isso que os tor- justo, do amor, da amizade?” Sócrates
navam humanos. “Conhece-te a perguntava: “Que razões rigorosas você
mesmo” estava escrito no pór co do possui para dizer o que diz e para
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Sofistas, Sócrates e Platão
pensar o que pensa?”, “Qual é o funda- moral, Sócrates indaga não apenas qual
mento racional daquilo que você fala e o sen do dos costumes estabelecidos
pensa?” As questões que Sócrates privi- (os valores é cos ou morais da cole vi-
legia, portanto, são as referentes à dade, transmi dos de geração em gera-
moral, daí perguntar em que consiste a ção), mas também o que é a virtude, e
coragem, a covardia, a piedade, a jus - quais são as virtudes (disposições de
ça e assim por diante. caráter, caracterís cas pessoais, sen -
mentos, a tudes, condutas individuais)
Diante de diversas manifestações de que levam alguém a respeitar ou não os
coragem, quer saber o que é a “cora- valores da cidade, e por quê. Ao indagar
gem em si”, o universal que a represen- o que são a virtude e o bem, Sócrates
ta. Ora, enquanto a filosofia ainda é realiza, na verdade, duas interrogações.
nascente, precisa inventar palavras Por um lado, interroga a sociedade para
novas, ou usar as an gas dando-lhes saber se o que ela costuma considerar
sen do diferente. Por isso Sócrates u - virtuoso e bom corresponde efe va-
liza o termo logos, que na linguagem mente à virtude e ao bem; por outro,
comum significava “palavra”, “conver- interroga os indivíduos para saber se
sa”, e que no sen do filosófico passa a têm efe vamente consciência do signi-
significar “a razão que se dá de algo”, ou ficado e da finalidade de suas ações, se
mais propriamente, conceito. Para ele, seu caráter ou sua índole são virtuosos
se a essência do homem é a busca pela e bons realmente. A indagação é ca
consciência de si, esse olhar para socrá ca dirige-se, portanto, à socieda-
dentro de si através da a vidade reflexi- de e ao indivíduo.
va, descobrindo que na realidade ele é a
sua alma, a virtude primordial do As questões socrá cas inauguram a
homem atua como a “cura da alma”, é ca como parte da filosofia porque
fazendo com que ela se realize da definem o campo no qual valores e
melhor forma possível. E como a alma é obrigações morais podem ser estabele-
a vidade cognosci va, a virtude será cidos: a consciência do agente moral. É
essencialmente a potencialização dessa sujeito moral ou é co somente aquele
a vidade, ou seja, será a busca pelo que sabe o que faz, conhece as causas e
conhecimento. E dado que o corpo é os fins de sua ação, o significado de suas
instrumento da alma, também os valo- intenções e de suas a tudes e a essên-
res ligados ao corpo estão subordinados cia dos valores é cos. Sócrates afirma
a ela, estando a seu serviço. que apenas o ignorante é vicioso ou
incapaz de virtude, pois quem sabe o
Na sua busca pelos fundamentos da que é o bem não poderá deixar de agir
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Sofistas, Sócrates e Platão
é isso que você está dizendo?”, “Você Numa situação de conflito e de incerte-
sabe o que é isso em que você acredi- zas, o ironista, depois de realizar o exer-
ta?”, “Você acha que conhece realmen- cício da desconstrução e da nega vida-
te aquilo em que acredita, aquilo em de, deve ajudar as pessoas a darem à
que está pensando, aquilo que está luz as verdades que, no entender de
dizendo?”. “Você diz”, falava Sócrates, Sócrates, traziam dentro de si. O exercí-
“que a coragem é importante, mas o cio do filosofar, a par r das verdades
que é a coragem?”, “Você acredita que encontradas, abria caminhos para múl-
a jus ça é importante, mas o que é a plas possibilidades de escolha e ação.
jus ça?”, “Você diz que ama as coisas e As perguntas de Sócrates não visavam
as pessoas belas, mas o que é a confundir as pessoas e ridicularizar seu
beleza?”, “Você crê que seus amigos conhecimento das coisas, mas, mo vá-
são a melhor coisa que você tem, mas o -las a alcançar um conhecimento mais
que é a amizade?”. profundo, não só de si próprias, mas
também dos outros, dos objetos e do
Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, mundo que as rodeava, provocando
sobre os valores nos quais os gregos nelas novas ideias. Essa era a sua ma-
acreditavam e que julgavam conhecer. neira de filosofar, sua “arte de partejar”,
Ao suscitar dúvidas, Sócrates os fazia de ajudar as pessoas a parir, a dar à luz
pensar não só sobre si mesmos, mas as novas ideias, arte que dizia ter apren-
também sobre a pólis. Aquilo que pare- dido com sua mãe, que ajudava as mu-
cia evidente acabava sendo percebido lheres a dar à luz aos seus filhos. A inter-
como duvidoso e incerto. Suas pergun- rogação de Sócrates expunha os sabe-
tas deixavam os interlocutores embara- res dos sujeitos e, ao mesmo tempo,
çados, irritados, curiosos, pois, quando mostrava o quanto as pessoas não
tentavam responder ao célebre “o que nham consciência daquilo que real-
é?”, descobriam, surpresos, que não mente sabiam.
sabiam responder e que nunca nham
pensado em suas crenças, valores e Com a ironia, ao trazer à tona os limites
ideias. A ironia nha que ser acompa- dos argumentos comuns, ao mostrar as
nhada da maiêu ca, isto é, o método contradições ocultas na ordem comu-
socrá co cons tuía-se de duas partes: a mente aceita, ao revelar, ao abalar as
primeira mostrava os limites, as falhas, certezas que fundavam o co diano,
os preconceitos do pensamento Sócrates convida ao filosofar como um
comum e a segunda iniciava no proces- processo metódico de elaboração de
so de busca da verdadeira sabedoria. novos saberes. Ao afirmar que também
ele nada sabia, queria apenas dizer
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Sofistas, Sócrates e Platão
que um novo caminho para chegar-se a mais bela e poderosa pólis que já exis -
uma nova verdade seria indispensável. ra; quando eles estavam maravilhados
Se ele soubesse esta nova verdade, ele com seu regime polí co, que eles pró-
não diria que nada sabia, pois apenas prios criaram; vem um sujeito (Sócra-
sabia o caminho, isto é, o começo do tes) e começa a botar na cabeça dos
conhecimento e ele queria saber mais. jovens perguntando: “Será mesmo que
Sócrates, por meio de sua a vidade, vivemos uma democracia, quando
mostra-nos que o exercício do filosofar temos um regime polí co que permite
é, essencialmente, o exercício do ques- a um bom orador ir à assembleia e fazer
onamento, da interrogação sobre o um discurso bonito e pomposo que leve
sen do do homem e do mundo. o povo a aprovar o que ele quer sem o
mínimo de reflexão?”, “será que é certo
Essa a tude, como dizem os historiado- tratarmos nossos aliados com toda essa
res, fez de Sócrates uma figura singular arrogância, e usando mais a força que a
e lhe angariou alguns amigos e muitos jus ça em nossas relações?”, “será
inimigos. Embora parecesse neutra e mesmo bom essa democracia onde
sem um obje vo preciso (Sócrates pare- qualquer um possa influir nos des nos
cia não ser par dário de nenhuma das da pólis, mesmo não tendo conheci-
tendências da época e não defendeu mento do que seja bom e justo?”.
explicitamente nenhum regime polí - Entendem agora porque Sócrates era
co), essa a tude ques onava poderes um perigo a ser exterminado o mais
ins tuídos, valores consolidados e, por rápido possível? Era um traidor, um cor-
isso, também pedia mudanças. A par r ruptor da juventude.
dessa a vidade, Sócrates enfrentou pro-
blemas, foi julgado e condenado à A Guerra do Peloponeso durou 27 anos
morte. Na história, a filosofia ques o- e terminou com a vitória de Esparta, no
nadora incomoda o poder ins tuído, entanto, acabou deixando as partes
porque põe em discussão relações e envolvidas enfraquecidas. Desde a der-
situações que são das como verdadei- rota de Atenas nessa guerra, o regime
ras. democrá co ficou desacreditado pelos
próprios atenienses, e muitos deles
No auge do imperialismo ateniense, começaram a cri cá-lo. Eles argumen-
quando eles eram tomados como mo- tavam que em momentos cruciais da
delos pelas outras pólis; quando eles guerra, foram tomadas muitas decisões
tratavam seus “aliados” da Liga de estúpidas por que foi colocado para a
Delos como bem entendiam, usando os maioria decidir, e isso levou à derrota
recursos da Liga para tornar Atenas a de Atenas. O regime democrá co
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Sofistas, Sócrates e Platão
Platão (427-347 a.C.) foi o maior discí- Platão considerou que Parmênides
pulo de Sócrates, era um homem de nha razão no que se refere ao mundo
família aristocrá ca e influente na polí- material e sensível, mundo das imagens
ca. Como todo jovem ateniense, era e das opiniões. A matéria, diz Platão, é,
um entusiasta do regime democrá co por essência e por natureza, algo imper-
até conhecer seu mestre aos vinte anos feito, que não consegue manter a iden-
de idade. Sob influência de Sócrates dade das coisas, mudando sem cessar,
passou a ser também crí co do regime, passando de um estado a outro, contrá-
e depois de sua morte deixou de acredi- rio ou oposto. Assim, do mundo mate-
tar na possibilidade de uma vida justa e rial só nos chegam as aparências das
feliz. Deixou Atenas para fazer uma coisas e sobre ele só podemos ter opini-
longa viagem, quando voltou e fundou ões contrárias e contraditórias. Por esse
a Academia, onde pôde desenvolver mo vo, diz Platão, Parmênides está
suas teorias e repassá-las a seus vários certo ao exigir que a filosofia abandone
discípulos. Escrevendo, Platão reprodu- esse mundo sensível e ocupe-se com o
ziu o método dialógico socrá co, fun- mundo verdadeiro, invisível aos sen -
dando novo gênero literário: deste dos e visível apenas ao puro pensamen-
modo seu filosofar assume uma dinâmi- to. O verdadeiro é o Ser, uno, imutável,
ca socrá ca, na qual o próprio leitor é idên co a si mesmo, eterno, imperecí-
envolvido na tarefa de extrair maieu - vel, puramente inteligível. Eis por que a
camente a solução dos problemas susci- ontologia platônica introduz uma divi-
tados e não explicitamente resolvidos. são, afirmando a existência de dois
Platão recupera, além disso, o valor mundos inteiramente diferentes e
cognosci vo do mito como comple- separados: o mundo sensível da mu-
mento do logos: a filosofia platônica se dança, da aparência, do devir dos con-
torna, na forma do mito, uma espécie trários, e o mundo inteligível (da ideia,
de fé raciocinada, no sen do de que, das formas) da iden dade, da perma-
quando a razão chega aos limites extre- nência, da verdade, conhecido pelo
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Sofistas, Sócrates e Platão
intelecto puro, sem nenhuma interfe- Segundo Platão, apesar de exis rem
rência dos sen dos e das opiniões. diferentes pos de cavalo, a ideia de
cavalo é uma só. Quando pensamos em
Na tradição de Parmênides e Platão, a cavalo, pensamos a ideia e não determi-
filosofia grega estabelece a hierarquia nado cavalo. Um cavalo só é cavalo na
entre razão e sen dos, indicando que a medida em que par cipa da ideia de
razão a nge com dificuldade o verda- “cavalo em si”. As ideias platônicas não
deiro conhecimento por causa da defor- são simples conceitos mentais, mas são
mação que os sen dos inevitavelmente “en dades” ou “essências” que subsis-
provocam. Por isso, cabe à razão depu- tem em si e por si em um sistema hie-
rar os enganos que os sen dos nos rárquico bem organizado, e que cons -
levam a cometer, para que o espírito tuem o verdadeiro Ser. O mundo sensí-
possa a ngir a verdadeira contempla- vel é o mundo das coisas. O mundo das
ção das ideias. Para Platão, se o homem ideias é o mundo do Ser; o mundo sen-
permanecesse dominado pelos sen - sível das coisas é o mundo do Não-Ser.
dos, só poderia ter um conhecimento O mundo sensível é uma sombra, uma
imperfeito, restrito ao mundo dos fenô- cópia deformada ou imperfeita do
menos, das coisas que são meras apa- mundo das ideias. Mas como foi que
rências e que estão em constante fluxo. aconteceu essa cópia? Como explicar a
A esse conhecimento, Platão chama de gênese das coisas do mundo? Geral-
doxa (opinião). O verdadeiro conheci- mente os gregos consideram a matéria
mento, a episteme (ciência), é, ao con- eterna, não-criada. Também Platão atri-
trário, aquele pelo qual a razão ultra- bui a um Demiurgo, enquanto princípio
passa o mundo sensível e a nge o que organiza a matéria pré-existente, a
mundo das ideias, lugar das essências função de pôr ordem no Caos inicial.
imutáveis de todas as coisas, dos verda-
deiros modelos (arqué pos). Esse é o A teoria cosmológica de Platão se
único mundo verdadeiro, e o mundo encontra sobretudo no diálogo Timeu.
sensível só existe enquanto par cipa do Em algumas passagens, pode-se inter-
mundo das ideias, do qual é apenas pretar que esse princípio divino é
sombra ou cópia. também iden ficado à ideia do Bem e,
como tal, é o fim úl mo para onde
Tudo que existe nesse mundo material tendem todas as coisas, na busca da
tem sua ideia no mundo superior. perfeição. Mas existe uma diferença
Apesar da mul plicidade com que ela entre a ontologia de Parmênides e a de
possa aparecer no mundo sensível, a Platão. Para o primeiro, o mundo sensí-
ideia é uma só, indestru vel e eterna. vel das aparências é o Não-Ser em
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Sofistas, Sócrates e Platão
sen do forte, isto é, não existe, não tem forte, em que é significa ‘existe’ e ser
realidade nenhuma, é o nada. Para quer dizer ‘existência’ (“O homem é”,
Platão, porém, o Não-Ser não é o puro isto é, “existe”); e 3 - o sen do verbal
nada. Ele é alguma coisa. O que ele é? mais fraco, predica vo, em que o verbo
Ele é o outro do Ser, o que é diferente ser é o verbo de ligação, isto é, o verbo
do Ser, o que é inferior ao Ser, o que nos que permite ligar um sujeito e seu pre-
engana e nos ilude, a causa dos erros. dicado (“O homem é mortal”). Em
Em lugar de ser um puro nada, o Não- segundo lugar, afirmou que, no sen do
-Ser é um falso ser, uma sombra do Ser forte de ser (isto é, como substan vo e
verdadeiro. Há ainda outra diferença como verbo existencial), existem múl -
importante entre a ontologia de Parmê- plos seres e não um só, mas cada um
nides e a de Platão. O primeiro afirmava deles possui os atributos do Ser de Par-
que o Ser, além de imutável, eterno e mênides (iden dade, unidade, eterni-
idên co a si mesmo, era único ou uno. dade, imutabilidade). Esses seres são as
Havia o Ser. Qual o problema dessa afir- ideias ou formas inteligíveis, totalmente
mação parmenideana? Se Parmênides imateriais, que cons tuem o mundo
não admi a a mul plicidade infinita de verdadeiro, o mundo inteligível. Em ter-
seres contrários uns aos outros e a si ceiro lugar, afirmou que, no sen do
mesmos do devir heracli ano, visto que mais fraco do verbo ser, isto é, como
o pensamento exige a iden dade do verbo de ligação, cada ideia é um ser
pensado, o que restava à filosofia ao se real, que possui um conjunto de predi-
admi r uma iden dade una-única? Só cados reais ou de propriedades essen-
lhe restava pensar e dizer três frases: “o ciais e que a fazem ser o que ela é em si
Ser é”, “o Não-Ser não é” e “o Ser é uno, mesma. Uma ideia é (existe) e uma
idên co, eterno e imutável”. Assim, Par- ideia é uma essência ou conjunto de
mênides paralisava a filosofia. qualidades essenciais que a fazem ser o
que ela é necessariamente. Por exem-
Se a filosofia quisesse prosseguir como plo, a jus ça é (há a ideia de jus ça) e
inves gação da verdade e se vesse há seres humanos que são justos (pos-
mais objetos a conhecer, era preciso suem o predicado da jus ça como parte
quebrar essa unidade-unicidade do Ser. de sua essência).
Foi o que fez Platão. O que disse ele?
Em primeiro lugar, seguindo Sócrates e Dessa maneira, cada ideia, em si
os sofistas, Platão dis nguiu três sen - mesma, é como o Ser de Parmênides:
dos para a palavra ser: 1 - o sen do de una, idên ca a si mesma, eterna e imu-
substan vo, isto é, de realidade existen- tável – uma ideia é. Ao mesmo tempo,
te (‘o ser’, ‘um ser’); 2 - o sen do verbal cada ideia difere de todas as outras pelo
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Sofistas, Sócrates e Platão
no mundo das ideias – um mundo real e garan ndo o conhecimento dos seres
verdadeiro – e a maioria da humanida- sensíveis. O inteligível é o reino da ma-
de vive na condição da ignorância, no temá ca e é o modo como apreende-
mundo das coisas sensíveis – este mos o mundo e construímos o saber
mundo, no grau da apreensão de ima- humano. A saída da caverna é a vonta-
gens (eikasia), as quais são mutáveis, de ou a obrigação moral que o homem
não são perfeitas como as coisas no esclarecido tem de ajudar os seus
mundo das ideias e, por isso, não são semelhantes a saírem do mundo da
objetos suficientemente bons para ignorância e do mal para construírem
gerar conhecimento perfeito. Assim, o um mundo (Estado) mais justo, com
ser humano deveria procurar o mundo sabedoria. O Sol representa a Ideia
da verdade. suprema de Bem – ente supremo que
governa o inteligível – que permite ao
Em nossos dias, muitas são as cavernas homem conhecer de onde deriva toda a
em que nos envolvemos e pensamos realidade (o cris anismo o confundiu
ser a realidade absoluta. Os prisioneiros com Deus).
somos nós que, segundo as nossas tra-
dições e hábitos, estamos acostumados Sócrates ensinava que sábio é aquele
com as noções sem que delas reflita- que sabe que não sabe. Mas, então,
mos para fazer juízos corretos, mas como é possível o conhecimento? Se as
apenas acreditamos e usamos como ideias não nascem das experiências
nos foi transmi do. A caverna é o sensíveis, de onde se originam? Platão
mundo ao nosso redor, �sico, sensível exclui a hipótese de que as ideias deri-
em que as imagens prevalecem sobre vam dos sen dos: elas são pura visão
os conceitos, formando em nós opini- intelectual, uma representação da tela
ões por vezes errôneas e equivocadas, da mente. Para resolver o problema da
(pré-conceitos, pré-juízos). Quando origem das ideias, o filósofo recorre à
começamos a descobrir a verdade, doutrina da reminiscência, segundo a
temos dificuldade para entender e apa- qual conhecer é, para a alma, lembrar o
nhar o real (ofuscamento da visão ao que já sabia antes de encarnar em um
sair da caverna) e, para isso, precisamos corpo. O que torna possível o conheci-
nos esforçar, estudar, aprender, querer mento? Como conseguimos empregar
saber. O mundo fora da caverna repre- os conceitos gerais, ou seja, classificar
senta o mundo real que, para Platão, é os objetos segundo a classe a que per-
o mundo inteligível por possuir Formas tencem? O processo que leva à forma-
ou Ideias que guardam consigo uma ção dos conceitos não nasce da experi-
iden dade indestru vel e imóvel, ência: de fato, não formamos a ideia de
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Sofistas, Sócrates e Platão
Indicações de Leituras
de um objeto, de uma obra. São elas: Aristóteles apresenta uma terceira via
arquitetura, economia, medicina, pintu- diferente da escolhida por Platão e radi-
ra, escultura, poesia, teatro, oratória, calmente nova. Aristóteles considera
arte da guerra, da caça, da navegação, que a dialé ca não é um procedimento
etc. seguro para o pensamento e a lingua-
gem da filosofia e da ciência, pois parte
1. Analí ca ou Lógica de opiniões contrárias dos debatedo-
res, e a escolha de uma opinião em vez
Aristóteles propôs a primeira classifica- de outra não garante que se possa
ção geral dos conhecimentos ou das chegar à essência da coisa inves gada.
ciências dividindo-as em três pos: teo- A dialé a, diz Aristóteles, é boa para as
ré cas (ou contempla vas), prá cas (ou disputas oratórias da polí ca e do
da ação humana) e produ vas (ou rela- teatro, para a retórica, para os assuntos
vas à fabricação e às técnicas). Todos sobre os quais só existem opiniões e
os saberes referentes a todos os seres, nos quais só cabe a persuasão. Não é o
todas as ações e produções humanas caso da filosofia e da ciência, porque a
encontravam-se distribuídos nessa clas- essas interessa a demonstração ou a
sificação que partia da ciência mais alta prova de uma verdade.
– a Filosofia Primeira, ou seja, a Meta�-
sica – até o conhecimento das técnicas Subs tuindo a dialé ca por um conjun-
criadas pelos homens para a fabricação to de procedimentos de demonstração
de objetos. e prova, Aristóteles criou a lógica pro-
priamente dita, que ele chamava de
Mas nessa classificação não encontra- analí ca. Qual a diferença entre a dialé-
mos a lógica. Isso por que a lógica não ca platônica e a lógica (ou analí ca)
era nem uma ciência teoré ca, nem aristotélica? Em primeiro lugar, a dialé-
prá ca, nem produ va, mas um instru- ca platônica é o exercício direto do
mento para as ciências. É a maneira pensamento e da linguagem, um modo
certa de raciocinarmos para podermos de pensar que opera com os conteúdos
produzir um conhecimento certo e do pensamento e do discurso. A lógica
seguro. Desse modo, depois de definir aristotélica é um instrumento para o
como pensar, ele se volta para as ques- exercício do pensamento e da lingua-
tões centrais da Filosofia de seu tempo. gem: ela oferece os meios para realizar
o conhecimento e o discurso. Para
Assim, à oposição entre contradição- Platão, a dialé ca é um modo de conhe-
-mudança (Heráclito) e iden dade-per- cer. Para Aristóteles, a lógica (ou analí -
manência (Parmênides) dos seres, ca) é um instrumento para o conhecer.
3
Aristóteles
1. O que é Lógica? Sabemos que ela está ligada ao raciocínio, mas precisamos
de uma definição adequada. Para isso, consideremos o seguinte exemplo de
argumento:
Os insetos têm seis patas
As abelhas são insetos
Logo, as abelhas têm seis patas
9. Exemplos de proposições:
1. Existe vida em outras galáxias.
i. Proposição (embora não saibamos se é verdadeira ou falsa)
2. 2 + 2 = 5.
i. Proposição (com valor de verdade: falsa)
3. 2 + 2 = 4.
i. Proposição (com valor de verdade: verdadeira)
4. Silêncio!
valor de verdade)
5. Alguém pode me dizer as horas?
valor de verdade)
6. A China é um país distante.
i. Proposição (com valor de verdade contextual: é verdadeira ou
falsa dependendo do local de enunciação)
7. Lisboa não é a capital de Portugal.
i. Proposição (com valor de verdade: falsa)
8. Eu moro em Caxias do Sul.
i. Proposição (com valor de verdade contextual: é verdadeira ou
falsa dependendo do sujeito da enunciação)
9. Prometo que te devolvo o livro amanhã.
i. Sentença promissiva: não expressa nenhuma proposição (sem
valor de verdade)
10. Quem me dera passar em lógica!
i. Sentença exclama va: não expressa nenhuma proposição (sem
valor de verdade)
2. Se “é verdade que alguns pássaros não cantam” então obtemos por infe-
rência imediata que:
a) “é verdade que tudo aquilo que canta é pássaro”
b) “é falso que todos os pássaros cantam”
c) “é verdade que nenhum pássaro canta”
d) “é verdade que alguns pássaros cantam”
1.4 GABARITO
VERDADE E VALIDADE:
8.1) A; 8.2) D; 8.3) B
QUADRADO LÓGICO
1) 1 Todo número é par; 2 Nenhum número é par; 3 Algum número não é par;
4 Algum número é par; 5 Algum matemá co é atrapalhado; 6 Alguns corpos
graves tendem para cima.
2) B
3) A
4) 1 F; 2 F; 3 V; 4 V; 5 F; 6 V; 7 V
11
Aristóteles
2. Ciências Teoré cas ou Contem- isto é, aquilo que explica a forma que
pla vas um ser possui (por exemplo, o rio ou o
mar são formas da água; a mesa é a
A meta�sica é a principal ciência teoré- forma assumida pela matéria madeira
ca. Aristóteles dá quatro definições com a ação do carpinteiro). A forma é
dela: 1) e ologia: estudo das causas ou propriamente a essência de um ser,
princípios supremos; 2) ontologia: aquilo que ele é em si mesmo ou aquilo
estuda o ser enquanto ser; 3) ousiolo- que o define em sua iden dade e dife-
gia: estuda a substância; 4) teologia: rença com relação a todos os outros; 3.
estuda a substância supra-sensível causa eficiente ou motriz, isto é, aquilo
(Deus). Após a apresentação das quatro que explica como uma matéria recebeu
definições, passaremos a análise da uma forma para cons tuir uma essên-
ciência teoré ca como um todo. cia (por exemplo, o ato sexual é a causa
eficiente que faz a matéria do óvulo, ao
2.1 Sobre a E ologia (Estudo das receber o esperma, adquirir a forma de
causas ou princípios supremos) um novo animal ou de uma criança; o
carpinteiro é a causa eficiente que faz a
. primeiros princípios: iden dade, não madeira receber a forma da mesa etc.);
contradição e terceiro excluído. Os prin- 4. a causa final, isto é, a causa que dá o
cípios lógicos são meta�sicos porque mo vo, a razão ou a finalidade para
definem as condições sem as quais um alguma coisa exis r e ser tal como ela é
ser não pode exis r nem ser pensado; (por exemplo, o bem comum é a causa
os primeiros princípios garantem, final da polí ca; a flor é a causa final da
simultaneamente, a realidade e a racio- transformação da semente em árvore;
nalidade das coisas; o Primeiro Motor Imóvel é a causa final
. causas primeiras: são aquelas que do movimento dos seres naturais, etc.).
explicam o que a essência é e também a
origem e o mo vo da sua existência. 2.2 Sobre a Ontologia (Estudo do ser
Causa (para os gregos) significa não só o enquanto ser)
porquê de alguma coisa, mas também o
quê e o como uma coisa é o que ela é. . o ser em si (segundo a substância e as
As causas primeiras nos dizem o que é, categorias): há 10 categorias. Ei-las:
como é, por que é e para que é uma substância, qualidade, quan dade,
coisa. São quatro as causas primeiras: 1. relação, ação, paixão, onde, quando ter,
causa material, isto é, aquilo de que um jazer. Elas cons tuem os gêneros supre-
ser é feito, sua matéria (por exemplo, mos do ser;
água, fogo, ar, terra); 2. causa formal, . o ser como ato e potência: ato é a
12
Aristóteles
das aparências e das opiniões para nos oferecem apenas a aparência das
poder abandoná-las e passar da apa- coisas ou suas imagens e correspondem
rência à essência, da opinião ao concei- à situação dos prisioneiros do Mito da
to. O exame das opiniões é aquele pro- Caverna. Por serem ilusórios, devem ser
cedimento que Sócrates chamava afastados por quem busca o conheci-
ironia, com o qual o filósofo conseguia mento verdadeiro; portanto, somente
que seus interlocutores reconhecessem os dois úl mos graus devem ser consi-
que não sabiam o que imaginavam derados válidos. O raciocínio exercita
saber. Sócrates fez a filosofia voltar-se nosso pensamento, purifica-o das sen-
para nossa capacidade de conhecer e sações e opiniões e o prepara para a
indagar as causas das ilusões, dos erros, intuição intelectual, que conhece a
do falso e da men ra. Platão e Aristóte- essência das coisas, o que Platão deno-
les herdaram de Sócrates o procedi- mina ideia. As ideias são a realidade
mento filosófico de começar a abordar verdadeira e conhecê-las é ter o conhe-
uma questão pela discussão e pelo cimento verdadeiro. A ironia e a maiêu-
debate das opiniões contrárias sobre ca socrá cas são transformadas por
ela a fim de superá-las em um saber Platão no procedimento da dialé ca. A
verdadeiro. Além disso, passaram a finalidade do percurso dialé co é
definir as formas de conhecer e as dife- chegar à intuição intelectual de uma
renças entre o conhecimento verdadei- essência ou ideia. Aqui precisamos
ro e a ilusão, introduzindo na filosofia a deixar claro que uma intuição é uma
ideia de que existem diferentes manei- compreensão completa e imediata de
ras de conhecer. Platão dis ngue quatro um objeto, de um fato. Nela, de uma só
formas ou graus de conhecimento, que vez, a razão capta todas as relações que
vão do grau inferior ao superior: crença, cons tuem a realidade e a verdade da
opinião, raciocínio e intuição intelectu- coisa intuída. É um ato intelectual de
al. Os dois primeiros formam o que ele discernimento e compreensão, sem
chama conhecimento sensível; os dois necessidade de provas ou demonstra-
úl mos, o conhecimento inteligível. ções para saber o que conhece.
relações com outros, seu sen do). Isso lembranças, imagens, sen mentos,
significa que a intuição pode ser o mo- desejos e percepções variam de pessoa
mento final de um processo de conheci- para pessoa e numa mesma pessoa em
mento. E justamente por ser o momen- decorrência de mudanças em seu
to de conclusão de um percurso, ela corpo, em sua mente ou nas circunstân-
pode ser o ponto inicial de um novo cias em que o conhecimento ocorre.
percurso de conhecimento em cujo Assim, a marca da intuição empírica é
ponto final haverá uma nova intuição. A sua singularidade; por um lado, está
intuição racional pode ser de dois pos: ligada à singularidade do objeto intuído
intuição sensível ou empírica e intuição (ao “isto” oferecido à sensação e à per-
intelectual. A primeira é o conhecimen- cepção) e, por outro, à singularidade do
to que temos a todo momento de nossa sujeito que intui (aos meus estados psí-
vida. Assim, com um só olhar ou num só quicos, às minhas experiências). A intui-
ato de visão percebemos uma casa, um ção empírica não capta o objeto em sua
homem, uma mulher, uma flor, uma universalidade e a experiência intui va
mesa. Num só ato, por exemplo, capto não é transferível para outro objeto. A
que isto é uma flor: vejo sua cor e suas intuição intelectual difere da sensível
pétalas, sinto a maciez de sua textura, justamente por sua universalidade e
aspiro seu perfume, tenho-a por inteiro necessidade. Quando penso: “Uma
e de uma só vez diante de mim. A intui- coisa não pode ser e não ser ao mesmo
ção empírica é o conhecimento direto e tempo”, sei, sem necessidade de
imediato das qualidades do objeto demonstrações, que isto é verdade e
externo denominadas qualidades sensí- que é necessário que seja sempre
veis: cor, sabor, odor, paladar, som, tex- assim, ou que é impossível que não seja
tura. É a percepção direta de formas, sempre assim. Em outras palavras,
dimensões, distâncias das coisas perce- tenho conhecimento intui vo do princí-
bidas. É também o conhecimento direto pio da contradição. Quando afirmo: “O
e imediato de nossos estados internos todo é maior do que as partes”, sei, sem
ou mentais que dependem ou depen- necessidade de provas e demonstra-
deram de nosso contato sensorial com ções, que isto é verdade porque intuo
as coisas: lembranças, desejos, sen - uma forma necessária de relação entre
mentos, imagens. as coisas.
tude, uma forma de viver plena, voltada do pelo uso e pelo usuário). Assim, a
para o bem, para o saber, para a jus ça, é ca e a técnica são dis nguidas como
no aperfeiçoamento constante do cará- prá cas que diferem pela relação do
ter. Precisamos ter em mente que a agente com a ação e com a finalidade
é ca e a polí ca são saberes prá cos. E da ação. Também devemos a Aristóte-
o saber prá co pode ser de dois pos: les a definição do campo das ações
práxis ou técnica. Na práxis, o agente, a é cas. Estas não só são definidas pela
ação e a finalidade do agir são insepará- virtude, pelo bem e pela obrigação, mas
veis, pois o agente, o que ele faz e a também pertencem àquela esfera da
finalidade de sua ação são o mesmo. realidade na qual cabem a deliberação
Assim, por exemplo, dizer a verdade é e a decisão ou escolha.
uma virtude do agente, inseparável de
sua fala verdadeira e de sua finalidade, Em outras palavras, quando o curso da
que é proferir uma verdade; não pode- realidade segue leis necessárias e uni-
mos dis nguir o falante, a fala e o con- versais, não há como nem por que deli-
teúdo falado. berar e escolher, pois as coisas aconte-
cerão necessariamente tais como as leis
Para Aristóteles, na práxis é ca somos que as regem determinam que devam
aquilo que fazemos e o que fazemos é a acontecer. Não deliberamos sobre as
finalidade boa ou virtuosa. Ao contrá- estações do ano, o movimento dos
rio, na técnica o agente, a ação e a fina- astros, a forma dos minerais ou dos
lidade da ação são diferentes e estão vegetais. Não deliberamos nem decidi-
separados, sendo independentes uns mos sobre aquilo que é regido pela
dos outros. Um carpinteiro, por exem- natureza, isto é, pela necessidade. Mas
plo, ao fazer uma mesa, realiza uma deliberamos e decidimos sobre tudo
ação técnica, mas ele próprio não é essa aquilo que, para ser e acontecer, depen-
ação nem é a mesa produzida por ele. A de de nossa vontade e de nossa ação.
técnica tem como finalidade a fabrica- Não deliberamos e não decidimos
ção de alguma coisa diferente do sobre o necessário, pois o necessário é
agente (a mesa não é o carpinteiro, o que é e será sempre tal como é, inde-
enquanto uma fala verdadeira é o ser pendentemente de nós. Deliberamos e
do próprio falante que a diz) e da ação decidimos sobre o possível, sobre
fabricadora (a ação técnica de fabricar a aquilo que pode ser ou deixar de ser,
mesa implica o trabalho sobre a madei- porque para ser e acontecer depende
ra com instrumentos apropriados, mas de nós, de nossa vontade e de nossa
isso nada tem a ver com a finalidade da ação. Com isso, Aristóteles acrescenta à
mesa, uma vez que o fim é determina- consciência moral, trazida por Sócrates,
22
Aristóteles
A importância dada por Aristóteles à Sobre a jus ça, Aristóteles diz que ela é
vontade racional, à deliberação e à uma disposição da alma graças à qual as
escolha o levou a considerar uma virtu- pessoas se dispõem a fazer o que é
de como condição de todas as outras e justo, a agir justamente e a desejar o
presente em todas elas: a prudência ou que é justo. O mesmo deve ser dito da
sabedoria prá ca. Ela é a sabedoria, o injus ça, que nos faz cometer e querer
saber prá co necessário, a chave da atos injustos. A jus ça é considerada a
felicidade, para viver moderadamente. maior das virtudes. Ela é perfeita
É a prudência que nos permite viver porque as pessoas que possuem o sen-
sem exageros e nem deficiências, ou mento de jus ça podem pra cá-la não
seja, no meio-termo. É essa virtude que somente em relação a si mesmas como
nos permite saber como agir modera- também em relação ao próximo.
damente em cada situação par cular. Somente a jus ça é o bem do outro. A
Prudente é aquele que, em todas as única diferença entre a excelência
situações, julga e avalia qual a tude e moral e a jus ça está em suas essên-
qual ação melhor realizarão a finalidade cias: a jus ça, pra cada em relação ao
é ca, ou seja, garan rão que o agente próximo, quando é irrestrita é a exce-
seja virtuoso e realize o que é bom para lência moral. Porém, quando a jus ça é
si e para os outros. Na É ca a Nicôma- uma parte da excelência moral, deno-
co, encontramos a síntese das virtudes mina-se jus ça no sen do restrito.
que cons tuíam a excelência e a morali-
dade da Grécia clássica. Nessa obra dis- A jus ça pode ser tomada no sen do
nguem-se vícios e virtudes pelo crité- universal e no sen do par cular. Na sua
rio do excesso, da falta e da moderação: perspec va universal, ela é tanto uma
um vício é um sen mento ou uma con- manifestação de vontade geral da virtu-
duta excessivos (temeridade, liber na- de quanto uma apropriação do justo à
gem, irascibilidade, etc.), ou, ao contrá- lei que, no geral, é da por justa. Para
23
Aristóteles
Indicações de Leituras
preendemos então por que as filosofias trou uma espécie de refundação com
até então elaboradas (com exceção da Diógenes de Sinope (400-325 a.C.),
socrá ca) arriscaram tornar-se desatua- mais conhecido como Diógenes o cão,
lizadas e superadas pelos tempos. que levou essa corrente filosófica a
Surgiu assim fortemente a exigência de grande sucesso. Ele imprimiu ao movi-
novas filosofias mais eficazes do ponto mento uma clara orientação an cultu-
de vista prá co, que ajudassem a ralista, no sen do de que declarou com-
enfrentar os novos acontecimentos e a pletamente inú l a pesquisa filosófica
inversão dos an gos valores aos quais abstrata e teórica para fins de alcançar a
estavam estreitamente ligadas. felicidade. Eram necessários, sobretu-
do, o exemplo e a ação.
De tal modo, a cultura helênica, difun-
diu-se em vários lugares, tornou-se cul- Por isso, o ensinamento de Diógenes se
tura helenís ca e o centro da cultura concentrou sobre uma vida vivida fora
passou de Atenas para Alexandria, de qualquer convenção social e redu-
cidade que mais se destacou ao possuir zindo as necessidades ao essencial. Ele
a maior biblioteca do mundo de sua viveu em Atenas de acordo com o que
época e por ter formado uma escola acreditava, morando em um barril e
com grandes pensadores. É nesse con- comendo apenas o os outros lhe
texto que surgem novas correntes de davam, já que o cinismo pregava que a
pensamento filosóficas, como respostas pessoa deveria viver da forma mais sim-
às novas questões postas por essas ples possível, como um animal, despre-
transformações. Como expressões das zando todas as convenções sociais.
novas exigências impuseram-se de
modo par cular a filosofia cínica, a epi- Tudo que era natural deveria ser feito
curista, a estoica e a cé ca, enquanto o aos olhos de todos e considerava coisas
platonismo e o aristotelismo caíram em tolas a riqueza, a fama, o poder e as
grande medida no esquecimento. Essas honras. O ideal foi o da autarquia, do
mudanças na forma de ver o mundo bastar-se a si mesmo, e do tornar-se
colocavam novas questões que não independente dos outros. Ou seja, a
podiam ser respondidas pelos escritos vida cínica se concre zava em conduta
filosóficos já existentes. inteiramente livre, sem regras. Para
alcançar tal obje vo era preciso ter
1. Cinismo total desprezo pelo prazer e libertar-se
dele, e até atuar uma revalorização da
Embora fundado por An stenes depois fadiga, capazes de temperar o espírito e
da morte de Sócrates, o cinismo encon- torná-lo independente das necessida-
3
Período Helenístico
ran a da evidência e, por isso, é preciso e vivem uma vida absolutamente feliz e
um critério de avaliação. Portanto, nem beata.
todas as opiniões resultam verdadeiras,
mas apenas as que são confirmadas Sobre a É�ca, para Epicuro, o verdadei-
pela sensação ou não desmen das por ro bem é o prazer; o máximo prazer é a
ela. ausência de dor, sendo os prazeres (e as
dores) da alma superiores aos do corpo.
Sobre a Física, Epicuro diz que para fun- Com efeito, a alma sofre também por
damentar uma “ontologia materialista” causa das experiências passadas e por
é necessário tomar dos atomistas o causa das futuras, enquanto o corpo
conceito de átomo e a ideia de que não sofre apenas por aquelas presentes. A
existe geração do nada nem aniquila- ausência da dor, tanto em relação a
mento. Mas o todo (a totalidade dos alma (ataraxia) como em relação ao
átomos, que para o materialista Epicuro corpo (aponia), é considerada como
esgota a totalidade do ser) se mantem sumo prazer, porque é o único que não
idên co. O cosmo, portanto, que é infi- pode crescer ulteriormente e, portanto,
nito, é composto de “corpos” e de vazio, não pode nos deixar insa sfeitos.
e os corpos são ou simples (justamente
os átomos) ou compostos (toda a reali- Para poder alcançar a ataraxia, Epicuro
dade). dis nguiu acuradamente os vários pos
de prazeres: os naturais e necessários
O mundo, que deriva do encontro dos (comer o suficiente para matar a fome,
átomos é infinito (os átomos, com beber o suficiente para matar a sede
efeito, são infinitos de número), tanto etc.), os naturais e não necessários
no espaço como no tempo (se regenera (comer alimentos refinados, beber
infinitas vezes). Também a alma (dis n- bebidas refinadas etc.) e, por fim, os
ta em racional e irracional) é um agrega- não naturais e não necessários (os pra-
do de átomos; trata-se, porém, de zeres ligados a riqueza, as honras, ao
átomos diferentes dos outros. E ainda poder). Portanto, apenas os primeiros
átomos de caráter especial são os que devem sempre ser buscados, porque
cons tuem os deuses, cuja existência são os únicos que encontram em si um
Epicuro se mostra absolutamente certo. limite preciso; os segundos, podemos
Os deuses de Epicuro tem numerosas nos conceder apenas de vez em
caracterís cas em comum com os quando; os úl mos, que nos tornam
deuses da religião tradicional, exceto insaciáveis, nunca.
por um detalhe: não se ocupam de
modo nenhum do mundo e dos homens E o que dizer do mal �sico, do moral e
5
Período Helenístico
da morte? Não são eles obstáculos insu- Aplicando estas regras, o homem pode
peráveis que se opõem à felicidade do assumir a a tude de absoluta impertur-
homem? A resposta de Epicuro é um babilidade que dis ngue o sábio e que
não categórico. Com efeito, o mal �sico lhe concede felicidade intangível, aná-
ou é facilmente suportável, ou, se é loga a divina: com exceção da eternida-
insuportável, dura pouco e leva a de – diz Epicuro –, Zeus não possui nada
morte. E a morte não é um mal: quando mais que o sábio. A felicidade seria,
exis mos, ela não existe, e quando ela portanto, essa libertação dos desejos e
existe, nós não exis mos. Com a morte prazeres, com o obje vo de se levar
vamos para o nada. No que se refere uma vida serena e simples, própria de
aos males da alma, a filosofia está em um sábio, com uma alma imperturbá-
grau de curá-los e de nos libertar com- vel, em serenidade, para eles, em ata-
pletamente deles. raxia (do grego a, que é um prefixo de
negação, e taraxia, que quer dizer agita-
Para realizar seu ideal de vida, o ção, perturbação).
homem deve fechar-se em si e perma-
necer distante da mul dão e dos encar- A moral epicurista é uma moral hedo-
gos polí cos, que só trazem perturba- nista. O fim supremo da vida é o prazer
ção e fas o. A única ligação com os sensível; o critério único de moralidade
outros a ser cul vada deve ser a amiza- é o sen mento. O único bem é o prazer,
de, que nasce certamente pela busca como o único mal é a dor; nenhum
do ú l ou para ter determinadas vanta- prazer deve ser recusado, a não ser por
gens, mas depois, uma vez nascida, tor- causa de consequências dolorosas, e
na-se ela própria fonte autônoma de nenhum sofrimento deve ser aceito, a
prazer. não ser em vista de um prazer, ou de
nenhum sofrimento menor. No epicu-
Epicuro forneceu uma síntese de sua rismo não se trata, portanto, do prazer
mensagem no assim chamado quadri- imediato, como é desejado pelo
fármaco, ou seja, no quadruplo remé- homem vulgar; trata-se do prazer me-
dio para os males do mundo: diato, refle do, avaliado pela razão,
1) são vãos os temores dos deuses e do escolhido prudentemente, sabiamente,
além; filosoficamente. É mister dominar os
2) é absurdo o medo da morte; prazeres e não se deixar por eles domi-
3) o prazer, quando for entendido de nar; ter a faculdade de gozar e não a
modo justo, está a disposição de todos; necessidade de gozar.
4) o mal ou é de breve duração ou é
facilmente suportável. A filosofia toda está nesta função prá-
6
Período Helenístico
ca. Verdade é que Epicuro mira os pra- epicurista de eidolon, termo grego.
zeres esté cos e intelectuais, como os Segundo Virgílio, Lucrécio afirma que o
mais altos prazeres. Não sofrer no medo da morte criou o mito da imorta-
corpo, sa sfazendo suas necessidades lidade da alma. Em Da natureza das
essenciais, para estar tranquilo; não ser coisas, Lucrécio apresenta a teoria de
perturbado no espírito, renunciando a que a luz visível seria composta de
todos os desejos possíveis, visto ser o pequenas par culas. Teoria incompleta,
desejo inimigo do sossego: eis as condi- apesar de bastante consistente, é uma
ções fundamentais da felicidade, que é espécie de visão an ga da atual teoria
precisamente liberdade e paz. A sereni- dos fótons. Também neste poema,
dade do sábio não é perturbada pelo Lucrécio sustenta a ideia da existência
medo da morte, pois todo mal e todo de criaturas vivas que, apesar de invisí-
bem se acham na sensação e a morte é veis, teriam a capacidade de causar do-
a ausência de sensibilidade, portanto, enças. Esta ideia representa na realida-
de sofrimento. Nunca nos encontrare- de a base da microbiologia. Além de
mos com a morte, porque quando nós fonte preciosa para o conhecimento do
somos, ela não é, quando ela é nós não epicurismo, o poema de Lucrécio tem
somos mais. Epicuro, porém, não grande importância literária e seus
defende o suicídio que poderia jus ficar versos consagram o autor como um dos
com maior razão do que os estoicos. maiores poetas la nos.
ca”). Os estoicos, além disso, não hesi- dimentos, mas tem efeito seguro. A ver-
taram em chamar de Deus esta razão dadeira liberdade, portanto, estaria em
(logos) inerente ao mundo, pelo fato de uniformizar-se ao logos, querer o que o
que ela efe vamente atende as funções Des no quer. A ideia de que o mundo
de Deus. De um lado, dá forma às seja formado de fogo implica que nele
coisas; do outro, move-as e às dispõe se manifestem, embora em tempos
racionalmente. Deste modo, eles for- diversos, os dois aspectos picos da
mularam a primeira concepção explícita a vidade do fogo, isto é, o vivificante
e sistemá ca do panteísmo, isto é, da (lembremo-nos da relação fogo-calor-
doutrina que iden fica o cosmo com -vida, mais vezes salientado) e o destru-
Deus. vo. Assim, enquanto prevalece o pri-
meiro aspecto o cosmo vive, quando
A presença do Deus-logos na realidade prevalece o segundo ele se consuma
implica que tudo seja por ele dirigido de em total combustão.
modo infalível, isto é, que tudo seja
endereçado ao melhor fim (o logos não Todavia, desta conflagração o mundo
pode errar). Neste sen do, o finalismo renascerá, e renascerá igual, porque a
universal se traduz em Providência, lei que o dirige e sempre a mesma, jus-
uma forma de providência geral. Mas tamente a do logos, e também os even-
esta forma de “providência” coincide tos da história se repe rão idên cos até
com o des no inelutável, que não é a sucessiva conflagração; e assim por
mais do que aquilo que se segue a diante. O logos que penetra o universo
ordem necessária de todas as coisas se manifesta, em par cular medida, na
devida ao logos. Aqui, porém, surge um alma humana que é fogo ou pneuma
problema: se a razão imanente implica (uma parte do fogo ou pneuma cósmi-
necessidade imanente, então, também co) e é dividida em oito partes: os cinco
o homem con nua implicado nesta sen dos, uma parte des nada a fona-
necessidade. O que será, portanto, da ção, uma a reprodução, e a parte racio-
sua livre vontade? nal chamada de “hegemônico”, ou seja,
que domina as outras.
A vontade do homem (dizem os estoi-
cos) não é livre, ou seja, ela encontra Sobre a É�ca da an ga Estoá, todos os
obstáculos que impedem sua realiza- seres vivos são dotados de um princípio
ção, apenas quando se opõe ao des no de conservação (chamado oikéiosis),
(ao logos); ao contrário, quando o que ins n vamente os leva a evitar
atende e quer aquilo que o des no aquilo que os prejudica e a buscar
quer, então não só não encontra impe- aquilo que os beneficia, que acresce seu
10
Período Helenístico
ser: em uma palavra, o bem de um ser é porque sua vontade quer aquilo que o
aquilo que lhe é benéfico, e o mal é o logos quer.
que danifica. Por conseguinte, todo ser
vivo pode e deve viver segundo a natu- Os estoicos consideravam que a oikéio-
reza, segundo a sua natureza. Ora, a sis não era um fato apenas individual,
natureza do homem é racional e a sua mas devia estender-se a família e a toda
essência é a razão. Assim, para o a humanidade, de modo a definir o
homem atuar o princípio de conserva- homem “animal comunitário” (isto é,
ção deve buscar as coisas e apenas as par cipante da comunidade humana),
coisas que incrementam sua razão e e não mais, como queria Aristóteles,
fugir das que o prejudicam. As realida- “animal polí co” (isto é, inserido na
des que correspondem a essas caracte- pólis). Esta mudança de perspec va
rís cas são a virtude e o vício, portanto, favoreceu a difusão de ideais de iguali-
apenas a virtude é “bem” e só o vício é tarismo e de aversão a escravidão
“mal”. (todos os homens par cipam do logos
e, portanto, todos os homens são
Os estoicos elaboraram também um iguais, e ninguém é por natureza escra-
quadro das ações, dis nguindo as vo). Não se deve pensar que o sábio
“ações retas” (ou moralmente perfei- provê um “sen mento” de simpa a ou
tas) e as “ações convenientes” ou “de- solidariedade com os outros homens.
veres”. A diferença entre os dois pos Com efeito, os sen mentos de miseri-
depende não da natureza da ação (uma córdia, de par cipação humana, de
mesma ação pode ser tanto dever como amor são entendidos como “paixões” e,
ação correta), mas sobretudo da inten- portanto, como vícios da alma.
ção de quem a realiza. Se quem a realiza
está em sintonia com o logos e, portan- O ideal do sábio é a “impassibilidade”
to, é um sábio, suas ações serão sempre (apa a), pela qual não se trata apenas
ações corretas; se, ao contrário, age de moderar as paixões, mas de eliminá-
sem esta consciência, suas ações, -las inteiramente, nem mesmo sen -
embora formalmente conformes a -las. E isso se compreende bem, se con-
natureza, são deveres. Disso derivam siderarmos que as paixões são a fonte
duas consequências significa vas; de do mal e do vício e se configuram como
um lado, que quem não é sábio, faça o erros do logos. É claro, portanto, que os
que fizer, jamais realizará uma ação cor- erros não podem ser moderados ou
reta; do outro, que quem é sábio, qual- atenuados, mas devem ser cancelados.
quer coisa queira ou faça, realizará
sempre ações corretas, justamente
11
Período Helenístico
páginas dos estoicos romanos, com e corpo com acentos que não raramen-
suas novas caracterís cas “médio-pla- te recordam de perto o Fédon platôni-
tônicas”. Em especial, merece relevo o co. O corpo é peso, vínculo, cadeia,
fato de que o conceito de filosofia e de prisão da alma; a alma é o verdadeiro
vida moral como “assimilação a Deus” e homem, que tende a libertar-se do
como “imitação de Deus” passou a corpo para alcançar sua pureza. É evi-
exercer influência inequívoca. dente que essas concepções a ngem as
afirmações estoicas de que a alma é
Um dos seus grandes representantes foi corpo, substância pneumá ca, afirma-
Lúcio Aneu Sêneca. Nasceu em Córdo- ções que Sêneca, no entanto, reafirma.
ba, na Espanha, entre o fim da era pagã
e o início da era crista. Em Roma, par - A verdade é que, em nível intui vo,
cipou a vamente e com sucesso da vida Sêneca vai além do materialismo estoi-
polí ca. Condenado por Nero ao suicí- co; depois, porém, faltando-lhe as cate-
dio em 65 d.C., Sêneca matou-se com gorias ontológicas para fundamentar e
estoica firmeza e admirável força de desenvolver tais intuições, as deixa sus-
espírito. Sêneca é um dos expoentes da pensas no ar. Ainda com base na análise
Estoá em que mais se evidenciam a psicológica, da qual é mestre, Sêneca
oscilação em relação ao pensamento de descobre a “consciência” (conscien a)
Deus, a tendência a sair do panteísmo e como força espiritual e moral funda-
as instâncias espiritualistas de que fala- mental do homem, colocando-a em pri-
mos, inspiradas em acentuado sopro meiro plano. A consciência é o conheci-
religioso. Na verdade, em muitas passa- mento do bem e do mal, originário e
gens, Sêneca parece perfeitamente ineliminável. Ninguém pode esconder-
alinhado com o dogma panteísta da -se dela, porque o homem não pode
Estoá que afirma ser Deus a Providencia esconder-se de si mesmo.
imanente, a Razão intrínseca que
plasma a matéria, é a Natureza. Como vimos, a Estoá insis a no fato de
que a “disposição de espírito” determi-
Entretanto, onde a reflexão de Sêneca é na a moralidade da ação. Entretanto,
mais original, ou seja, no captar e inter- em conformidade com a tendência fun-
pretar o sen mento do divino, seu Deus damentalmente intelectualista de toda
assume traços espirituais e até pesso- a é ca grega, essa disposição de espíri-
ais, que ultrapassam os marcos da onto- to deriva do “conhecimento”, que é pró-
logia estoica. Um fenômeno análogo prio do sábio e nele se resolve. Indo
descobre-se também na psicologia. além, Sêneca fala expressamente de
Sêneca destaca o dualismo entre alma “vontade”. E mais: pela primeira vez no
13
Período Helenístico
um arco de pedras que não cai justa- vontade de ser sábio não basta. É preci-
mente porque as pedras, opondo-se so transformar este impulso entusiás -
umas às outras, sustentam-se recipro- co em estado constante. Para isso, é
camente e, assim, sustentam o arco”. preciso confrontar-se com dificuldades
reais. Por exemplo, mesmo quando
Sêneca é provavelmente um dos filóso- temos muito dinheiro, devemos exerci-
fos mais famosos do estoicismo. Exilado tar-nos em viver na pobreza.
por Calígola, por não ter desposado sua
irmã, é chamado de volta por Agripino Além de Sêneca, Epiteto também foi
que o encarrega da educação de Nero, um grande filósofo grego estoico que
do qual se tornará o conselheiro e, por viveu a maior parte de sua vida em
fim, ele recebe a ordem do próprio Roma, como escravo a serviço de Epa-
Nero de suicidar-se. Sua obra “Cartas a frodito, o cruel secretário de Nero que,
Lucílio” con nua ainda hoje nos ensi- segundo a tradição, uma vez lhe que-
nando como devemos viver e enfrentar brou uma perna. Apesar de sua condi-
os problemas da vida. Eis algumas lições ção, conseguiu assis r as preleções do
de Sêneca: famoso estoico Caio Musônio Rufo.
1) Um sábio deve saber desposar o Como viver uma vida plena, uma vida
evento, agindo ao mesmo tempo de tal feliz? Como ser uma pessoa com boas
forma que a fortuna não o pegue des- qualidades morais? Responder a essas
prevenido. Fortuna era a deusa romana duas perguntas fundamentais foi a
do acaso, da sorte (boa ou má), do des- única paixão de Epiteto. Embora suas
no e da esperança. obras sejam menos conhecidas hoje,
2) Ele deve apreciar seus bens sem ape- em função do declínio do ensino da cul-
gar-se a eles, cumprir suas funções, mas tura clássica, veram enorme influência
saber re rar-se se elas causam preocu- sobre as ideias dos principais pensado-
pações. res da arte de viver durante quase dois
3) Ele deve ser senhor de sua própria mil anos. Para Epiteto, uma vida feliz e
vida. Ele deve parar de aceitar que o uma vida virtuosa são sinônimos. Felici-
tempo lhe seja roubado. Deve aprovei- dade e realização pessoal são consequ-
tar cada dia como se fosse o úl mo e, ências naturais de a tudes corretas. Em
acima de tudo, ele não deve temer a Nietzsche, Epiteto é ligado ao individua-
morte. lismo, de modo que Nietzsche vê em
4) Por fim, ele deve buscar a companhia Epiteto portanto um contraste em rela-
de amigos verdadeiros. ção a moralidade atual ligada ao cole -
vo e ao social. Em seu Manual, ele nos
Mas, para alcançar isso tudo, apenas a ensina que:
15
Período Helenístico
bem absoluto e único é a virtude, assim pessoa com “perfeição moral e intelec-
o mal único e absoluto é o vício. A tual” não sofreria dessas emoções. Eles
paixão, na filosofia estoica, é sempre e preocupavam-se com a relação entre o
substancialmente má; pois é movimen- determinismo cósmico e a liberdade
to irracional, morbo e vício da alma - humana e com a crença de que é virtuo-
quer se trate de ódio, quer se trate de so manter uma vontade que esteja de
piedade. De tal forma, a única a tude acordo com a natureza. O estoicismo
do sábio estoico deve ser o aniquila- ensina, também, o desenvolvimento do
mento da paixão, até a apa a. autocontrole e da firmeza como um
meio de superar emoções destru vas.
O ideal é co estoico não é o domínio “A virtude consiste em um desejo que
racional da paixão, mas a sua destruição está de acordo com a Natureza”.
total, para dar lugar unicamente à
razão: maravilhoso ideal de homem Este princípio também se aplica ao con-
sem paixão, que anda como um deus texto das relações interpessoais: “liber-
entre os homens. Daí a guerra jus fica- tar-se da raiva, da inveja e do ciúme” e
da do estoicismo contra o sen mento, a aceitar até mesmo os escravos como
emoção, a paixão, donde derivam o “iguais aos outros homens, porque
desejo, o vício, a dor, que devem ser todos os homens são igualmente pro-
aniquilados. O estoico pra ca esta indi- dutos da natureza”. Os dois grandes
ferença e renúncia para não ser pertur- males do mundão são: a nostalgia e a
bado, magoado pela possível e frequen- esperança, o apego ao passado e a pre-
te carência dos bens terrenos, e para ocupação com o futuro. Eles nos levam
não perder, de tal maneira, a serenida- a perder o instante presente e nos
de, a paz, o sossego, que são o verda- impedem de viver plenamente. A vida
deiro, supremo, único bem da alma. O boa é a vida sem esperanças e sem
sábio é beato, porque, inteiramente temores, a vida reconciliada com o que
fechado na sua torre de marfim, nada é, a existência que aceita o mundo tal
lhe acontece que não seja por ele queri- como é.
do, e se conforma com o demais, sem
saudades e sem esperanças; pois sabe 4. Ce�cismo
que tudo é efeito de um determinismo
universal. Pirro de Élida (360-270 a.C.) foi o maior
nome dessa corrente filosófica. Ele
Os estoicos ensinavam que as emoções rou suas conclusões depois de par ci-
destru vas resultavam de erros de par das expedições de Alexandre o
julgamento e que um sábio ou uma Grande, onde percebeu, ao ter contato
17
Período Helenístico
com diversas culturas, que não há como acontecimento, dado, justamente, que
se ter conhecimento do que seja verda- este é pura aparência. O sucesso de
deiro ou falso, e que a maior sabedoria Pirro foi notável e isso mostra como o
que o homem poderia alcançar é a acei- seu modo de ver estava em sintonia
tação desse fato. E negar isso é a causa com o de sua época.
de todos os males e infelicidades.
Segundo Pirro, as coisas são em si indi- Outros filósofos con nuaram o pensa-
ferenciadas, incomensuráveis e indiscri- mento cé co, embora alguns destes
mináveis, ou seja, não têm em si uma tenham considerado o ce cismo de
essência estável, e por isso seu ser se forma diferente, como os da chamada
reduz a puras aparências. Seu caráter terceira Academia, que teve como
de provisoriedade e de inconsistência representante inicial Carnéades de
emerge sobretudo quando as compara- Cirene no século II a.C. Houve ainda
mos com a natureza do divino, que é alguns pensadores viventes da era
absolutamente estável e sempre igual. cristã que retomaram o ce cismo mais
rigoroso, entre eles Sexto Empírico, do
Se as coisas assim se apresentam, os século II d.C. Definir o ce cismo como
sen dos e a razão não estão em grau de escola pode ser algo controverso, uma
discriminar a verdade e a falsidade. Por- vez que ele rejeita o dogma smo – o
tanto, o homem deve permanecer sem próprio Sexto Empírico comenta que o
opinião e abster-se de qualquer julga- ce cismo apenas teria uma escola
mento defini vo. Por conseguinte, não enquanto fosse conduta de vida, e não
tem sen do agitar-se por nenhum mera ins tuição enraizada em um
acontecimento, dado, justamente, que dogma.
este é pura aparência. A a tude que o
sábio deverá assumir é a da afasia, ou 5. Ecle�smo
seja, o calar e jamais expressar qual-
quer julgamento defini vo, e assim O ecle smo (do grego eklek kos,
a ngir a ataraxia ou imperturbabilida- eleger) foi uma abordagem da filosofia
de (não se deixará perturbar por nada). que, ao invés de ter suas próprias dou-
Pondo-se a parte de tudo aquilo que trinas rígidas, selecionava dentre as
pode perturbá-lo ou tocá-lo, o sábio convicções filosóficas existentes, aque-
poderá viver a vida “mais igual” e, por- las doutrinas que pareciam mais razoá-
tanto, viver feliz. Portanto, o homem veis para cada caso. Buscaram fazer um
deve permanecer sem opinião e abster- consenso entre as diversas outras esco-
-se de qualquer julgamento defini vo. las filosóficas. Alguns filósofos de outras
Não faz sen do agitar-se por nenhum escolas podem ser considerados eclé -
18
Período Helenístico
cos. Esse é o caso dos estoicos Panécio Elementos apresentou de modo siste-
(150 a.C.) e Posidônio (75 a.C.) e dos má co e rigoroso todas as descobertas
novos acadêmicos Carneades (155 a.C.) da geometria helênica, segundo a me-
e Filo de Larissa (75 a.C.). O sistema todologia fornecida por Aristóteles na
eclé co, caracterís co de culturas cos- sua lógica, ou seja, sobre a base de defi-
mopolitas como Roma, não se restrin- nições, postulados e axiomas (que são
giu a filosofia, avançando pelas artes, especificações do princípio de não-con-
ciências, religiões e polí ca. Marco Túlio tradição). No âmbito da geometria é
Cícero foi o representante do estoicis- necessário também mencionar o nome
mo em Roma. Ele foi um advogado, po- de Apolônio de Perga (séc. III a.C.) por
lí co, escritor, orador e filósofo da gens seus estudos fundamentais sobre as
Túlia da República Romana eleito cônsul secções cônicas.
em 63 a.C. com Caio Antônio Híbrida.
No que se refere a mecânica o nome de
6. A Ciência na Era Helenís�ca maior destaque é o de Arquimedes
(287-212 a.C.), que foi um gênio, pois
A grande expedição de Alexandre no ocupou-se de hidrostá ca, de está ca
Oriente teve, entre outras coisas, o (descobriu as leis da alavanca), de ma-
efeito de deslocar de Atenas o baricen- temá ca e de engenharia. Par cular
tro da cultura de língua grega. Sobretu- consideração merece o desenvolvimen-
do a cien fica encontrou sede ideal em to da astronomia, pelas relações que
Alexandria (fundada em 332 a.C.). Aqui, ela teve com a filosofia.
promovido pela dinas a dos Ptolo-
meus, nasceu o Museu (que significa A concepção astronômica dos gregos
Ins tuição consagrada as Musas), ao era geocêntrica e os astrônomos imagi-
qual estava anexa à Biblioteca: o primei- navam que os corpos celestes es ves-
ro con nha os laboratórios cien ficos, a sem colocados sobre uma esfera imagi-
segunda todos os livros que era possível nária. Já Platão percebera que a rotação
recolher (várias centenas de milhares). perfeitamente circular não bastava para
Como efeito dessas ins tuições houve o explicar coerentemente os movimentos
grande florescimento da ciência que, da dos planetas. Eudóxio, Calipo e Aristó-
filosofia, ampliou-se para a gramá ca, a teles procuraram introduzir estas ano-
geografia, a medicina, a geometria, a malias no modelo geral das esferas con-
mecânica e a astronomia. cêntricas, mul plicando-as. Todavia foi
Hiparco de Nicéia que forneceu uma
Na geometria sobressai o nome de explicação das anomalias das revolu-
Euclides (330-277 a.C.), que nos seus ções dos planetas, introduzindo a hipó-
19
Período Helenístico
tese de uma órbita excêntrica do sol. mais prá cas. Há, assim, a decadência
Além desses astrônomos é digno de da ciência, com exceção da astronomia
menção Aristarco de Samos (século II a. (com Ptolomeu) e da medicina (com
C.), que procurou superar a hipótese Galeno).
geocêntrica e desenhou um modelo do
cosmo em que todos os astros giram 7. Neo-Aristotelismo, Médio-Pla-
em torno do sol. tonismo e Neopitagorismo
Não sem implicações filosóficas foi A Escola peripaté ca ou Peripatoi (do
também o desenvolvimento da medici- grego, que caminha), fundada por Aris-
na (especialmente dos estudos anatô- tóteles, permaneceu exis ndo ao longo
micos-fisiológicos) e da geografia, que da época helenís ca. Aristóteles
alçou tal precisão de cálculo de modo a morreu um ano após Alexandre e a dire-
permi r que Erastótenes avaliasse com ção do Liceu ficou a cargo de Teofrasto.
boa aproximação as dimensões da O pensamento aristotélico se manteve
terra. como base fundamental, embora novas
tendências na noção de universalidade
Em uma avaliação da ciência helenís ca tenham se estabelecido. Chegando ao
salta aos olhos o caráter especializado século I a.C., Andrônico de Rodes gerou
que ela assumiu, bem como sua auto- uma nova tendência para a filosofia, de
nomia tanto em relação a religião como produzir comentários acerca das obras
em relação com a filosofia, autonomia do mestre, atendo-se destaque em par-
que lhe adveio sobretudo a par r da cular à figura de Aristóteles. Para os
sua origem aristotélico-peripaté ca. peripatos o modo de obter a felicidade
Mas a independência da filosofia vale estava em encontrar a moderação
apenas quanto ao objeto de pesquisa (média) entre dois extremos (ausência
(que no caso da ciência é parcial e espe- e excesso). Assim, para uma vida de
cífico, e no caso da filosofia é universal e virtudes era importante um equilíbrio
geral), e não quanto a intenção que per- entre razão, hábitos e natureza.
maneceu contempla va, isto é, teoré -
ca. O médio platonismo ou platonismo
eclé co, segundo alguns estudiosos do
Já a ciência na era imperial romana, séculos XIX e XX, refere-se à interpreta-
depois da destruição da Biblioteca de ção dada à filosofia de Platão durante
Alexandria, desloca o centro da pesqui- os primeiros séculos da era imperial (do
sa cultural e cien fica de Alexandria século I a.C. ao século II d.C.). O médio-
para Roma, assumindo caracterís cas -platonismo seria, assim, a forma de
20
Período Helenístico
produziu algo diferente de si? Plo no deiro e próprio. O Uno devia produzir o
responde, notando primeiro que o Espírito se queria se atuar como pensa-
gerar do Uno não o empobrece (como a mento.
luz produzida por uma fonte não empo-
brece aquela fonte), e além disso que o Desse processo temos consequências
gerado é sempre de natureza inferior significa vas: 1) antes de tudo, o Nous,
em relação àquele que gera. Inteligência ou Espírito, se qualifica
como Ser (o cosmo inteligível das ideias
A geração dos entes a par r do Uno não que contem), como Pensamento (a
deve ser entendida como “emanação”, a vidade que desenvolve) e como Vida
mas como “processão”, fruto de uma (justamente enquanto vida de pensa-
a vidade par cular. Para sermos preci- mento); 2) em segundo lugar, com o
sos, o Uno (como qualquer outra hipós- pensamento nasce a mul plicidade sob
tase) tem duas a vidades: 1 - uma, cha- a forma de dualidade de “pensamento”
mada a vidade do Uno, que lhe permi- e “pensado”. Além disso, devemos
te subsis r; 2 - outra, chamada a vida- salientar que a produção de toda reali-
de a par r do Uno, que faz com que do dade, a “criação” em geral e em par cu-
Uno derivem todas as coisas. E se a pri- lar, ocorre por meio da “contemplação”,
meira é a vidade livre, a segunda é e os dois termos criação e contempla-
necessária, como é necessário que, ção em sen do filosófico se iden ficam.
uma vez acesa a chama, desta derive o
calor. De um ponto de vista meta�sico, Como o Uno para pensar deve tornar-se
poderemos dizer que o Uno deve gerar Espírito, também para criar deve tor-
as outras hipóstases para realizar toda a nar-se Alma. E o modo de produção da
sua potência infinita. Alma por parte do Espírito é idên co ao
do Espírito por parte do Uno: também
A par r do Uno, observa Plo no, deriva aqui é preciso dis nguir a a vidade do e
uma potência informe (que é como ma- a a vidade a par r de (desta vez do e a
téria inteligível), a qual, para subsis r, par r do Espírito), ou seja, o nascimen-
deve voltar-se para contemplar o princí- to de uma potência, a definição desta
pio do qual derivou, e depois deve auto- potência por via de contemplação
contemplar-se. Quando a matéria inteli- (desta vez do Espírito e, através do Espí-
gível contempla o Uno, ela “se fecun- rito, do Uno) e, por fim, a autocontem-
da”, ou seja, se enche das Ideias, enten- plação (da Alma).
didas no sen do platônico do verdadei-
ro ser; quando, ao contrário, se auto- Como, à medida que nos afastamos do
contempla, nasce o pensamento verda- Uno, a força unificante diminui, a Alma
22
Período Helenístico
como hipóstase perde em parte a forte entende como momento passivo, mas
unidade, que era própria do Espírito e como “pensamento oculto” da alma.
ainda mais do Uno. A Alma se ar cula
em três almas: 1) a Alma Suprema, que A condição ideal da alma é a liberdade;
contempla a hipóstase superior; 2) a mas esta se obtém apenas na tensão
Alma do Todo, que é a que cria o para o Bem, ou seja, mediante a separa-
mundo; 3) e, por fim, as almas par cu- ção do corpóreo e a reunião com o Uno.
lares, que dão vida aos corpos. Exata- Exatamente nisso está o vér ce da é ca
mente porque a tarefa da Alma é a de plo niana, na “unificação” (ou, como
criar o cosmo, dando-lhe vida, ela se também diz, no “êxtase”), ou seja, na
encontra, por assim dizer, dividida no capacidade de despojar-se de tudo, de
mundo material, sem, por isto, perder toda alteridade e de unir-se ao Uno. Tal
toda sua unidade, porque – diz Plo no i nerário é chamado também de via do
– ela se encontra toda em tudo. “retorno” ou da “conversão”, enquanto
devolve o homem às origens de seu ser.
Também a matéria, apesar da sua nega-
vidade, tem razão de ser no sistema 9. Fim da Filosofia Pagã
plo niano. Ela cons tui a etapa extre-
ma da processão a par r do Uno, em O fim da filosofia pagã an ga tem data
que a potência que deriva do Uno se oficial, ou seja, 529 d.C., ano em que
enfraqueceu, a ponto de não ter mais a Jus niano proibiu aos pagãos qualquer
força para contemplar. E, uma vez que a o�cio público e, portanto, também a
contemplação é a força que permite possibilidade de manter escolas e ensi-
criar, a matéria é um nega vo. Mas, nar. Eis um trecho significa vo do Códex
enquanto ela é vivificada e como que de Jus niano: “Nós proibimos que seja
resgatada pela Alma, de algum modo ensinada qualquer doutrina por parte
espelha as formas das hipóstases supe- daqueles que estão afetados pela lou-
riores e assume, à medida do possível, o cura dos ímpios pagãos. Por isso, que
posi vo. nenhum pagão simule estar instruindo
aqueles que, desventuradamente, fre-
O homem é fundamentalmente sua quentam sua casa enquanto, na realida-
alma, e a alma humana é um momento de, nada mais está fazendo do que cor-
da hipóstase Alma, da qual par cipa o romper as almas dos discípulos. Ade-
caráter de a vidade; portanto, também mais, que não receba subvenções públi-
quando está no corpo, a alma exercita cas, já que não tem nenhum direito
todas as a vidades cognosci vas, derivado de escrituras divinas ou de
incluindo a sensação, que Plo no não éditos estatais para obter licença para
23
Período Helenístico
res. Ao mesmo tempo, várias empresas, mas das caracterís cas do que os
pretendendo vender seus produtos aos gregos chamaram filosofia.
jovens, contrataram ar stas jovens
para, de cara pintada, fazer a propagan- Do legado filosófico grego, podemos
da de tais produtos. destacar como principais contribuições
as seguintes ideias:
Aparentemente, teríamos sempre a 1 - O conhecimento verdadeiro deve
mesma coisa: jovens rebeldes e cons- encontrar as leis e os princípios univer-
cientes, de cara pintada, símbolo da sais e necessários do objeto conhecido
esperança do país. No entanto, o pensa- e deve demonstrar sua verdade por
mento pode mostrar que, sob a seme- meio de provas ou argumentos racio-
lhança percebida, há diferenças, pois os nais. Ou seja, em primeiro lugar, a ideia
primeiros caras-pintadas fizeram um de que um conhecimento não é algo
movimento polí co espontâneo; os que alguém impõe a outros e sim algo
segundos fizeram propaganda polí ca que deve ser compreendido por todos,
para um candidato (e receberam pois a razão ou a capacidade de pensar
dinheiro para isso); os terceiros tenta- e conhecer é a mesma em todos os
ram ajudar as Forças Armadas a apare- seres humanos. Em segundo lugar, a
cer como diver das e juvenis; e os úl - ideia de que um conhecimento só é ver-
mos, mediante remuneração, estavam dadeiro quando explica racionalmente
transferindo para produtos industriais o que é a coisa conhecida, como ela é e
(roupas, calçados, vídeos, margarinas, por que ela é. É assim, por exemplo, que
discos, iogurtes) um símbolo polí co a matemá ca deve ser considerada um
inteiramente despoli zado e sem conhecimento racional verdadeiro, pois
nenhuma relação com sua origem. define racionalmente seus objetos. Nin-
guém impõe aos outros que o círculo é
Separando as aparentes semelhanças, uma figura geométrica em que todos os
dis nguindo-as, o pensamento desco- pontos são equidistantes do centro,
briu diferenças e realizou uma análise. pois essa definição simplesmente
Argumentar e demonstrar por meio de ensina que qualquer figura desse po
princípios e regras necessários e univer- será necessariamente denominada
sais, apreender pelo pensamento a uni- círculo; da mesma maneira, ninguém
dade real sob a mul plicidade percebi- impõe aos outros que o triângulo é uma
da ou, ao contrário, apreender pelo figura geométrica em que a soma dos
pensamento a mul plicidade e diversi- ângulos internos é igual à soma de dois
dade reais de algo percebido como uma ângulos retos, pois essa definição sim-
unidade ou uma iden dade, eis aí algu- plesmente estabelece que uma figura
26
Período Helenístico
com tal propriedade será denominada Albert Einstein a estabelecer uma lei da
triângulo. Além de definir seus objetos, conservação de toda a matéria e ener-
a matemá ca os demonstra por meio gia do Universo, lei que se exprime na
de provas (os teoremas) fundadas em fórmula E = mc² (em que E é a energia,
princípios racionais verdadeiros (os m é a massa e c é a velocidade da luz),
axiomas e os postulados). segundo a qual toda massa tem uma
2 - A natureza segue uma ordem neces- energia associada, cujo valor se desco-
sária e não casual ou acidental. Ou seja, bre mul plicando a massa pelo quadra-
ela opera obedecendo a leis e princípios do da velocidade da luz.
necessários – não poderiam ser outros 3 - As leis necessárias e universais da
ou diferentes do que são – e universais natureza podem ser plenamente
– são os mesmos em toda parte e em conhecidas pelo nosso pensamento.
todos os tempos. Ou, em outras pala- Isto é, não são conhecimentos misterio-
vras, uma lei natural é necessária sos e secretos, que precisariam ser
porque nenhum ser natural escapa dela revelados por divindades, mas sim
nem pode operar de outra maneira que conhecimentos que o pensamento
não desta; e uma lei da natureza é uni- humano pode alcançar por sua própria
versal porque é válida para todos os força e capacidade.
seres naturais em todos os tempos e 4 - A razão também obedece a princí-
lugares. A ideia de ordem natural neces- pios, leis, regras e normas universais e
sária e universal é o fundamento da filo- necessários, com os quais podemos dis-
sofia em sua primeira expressão conhe- nguir o verdadeiro do falso. Em outras
cida, a cosmologia. É, pois, responsável palavras: por sermos racionais, nosso
pelo surgimento da chamada “filosofia pensamento é coerente e capaz de
da natureza” ou “ciência da natureza”, conhecer a realidade porque segue leis
ou o que os gregos chamaram �sica, lógicas de funcionamento. Nosso pen-
palavra derivada do vocábulo grego samento diferencia uma afirmação de
physis, “natureza”. Assim, por exemplo, uma negação porque, na afirmação,
a ideia de que a natureza é uma ordem atribuímos alguma coisa a outra coisa
que segue leis universais e necessárias (quando afirmamos que “Sócrates é um
levou, no século XVII, Galileu Galilei a ser humano”, atribuímos humanidade a
demonstrar as leis do movimento e as Sócrates); já na negação, re ramos
leis da queda dos corpos. Ou, naquele alguma coisa de outra (quando dizemos
mesmo século, levou Isaac Newton a “Este caderno não é verde”, estamos
estabelecer uma lei �sica válida para re rando do caderno a cor verde). Por
todos os corpos naturais, a lei da gravi- isso mesmo, nosso pensamento perce-
tação universal. E, no século XX, levou be o que é a iden dade, isto é, que
27
Período Helenístico
Indicações de Leituras