Apostila de Geografia e Arqueologia Bíblica

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1

INTRODUÇÃO

A Bíblia é um livro incomum em diversos aspectos. Dentre eles, o tempo


decorrido entre o seu primeiro e o seu último livro, com cerca de quarenta autores
diferentes e de diferentes épocas, mas com registros e escritos que se manifestam
numa coesão de pensamento simplesmente fantástica.

Mais de mil anos se passaram até que tudo fosse concluído. E nesse processo
muita coisa mudou, a começar pelas transformações culturais e religiosas, a divisão
das terras, o nascimento de novas civilizações, as variações climáticas, as transições
políticas, a estruturação física das cidades, etc.

Todas estas transformações afetaram e ou influenciaram a história da


humanidade, sobretudo, na história do povo de Deus.

De modo, que as Sagradas Escrituras trazem em seu escopo, um intenso e


diversificado arcabouço religioso, cultural e filosófico, abrangendo uma extensa área
geográfica. E neste arcabouço, desembocam inúmeras práticas religiosas e culturais
dos mais diversos povos. Uma realidade que somente é transposta com o auxílio, de
ciências como a Geografia e a Arqueologia bíblica.

Diante do exposto, faço votos de que você possa perceber que a geografia e a
arqueologia são indispensáveis no estudo bíblico e teológico sério. E ainda, que
mediante o uso destas ciências, você possa crescer na graça e no conhecimento
Daquele que criou todas as coisas para sua glória.

Em Cristo,

Rev. Elivanaldo Fernandes


1. RELAÇÃO ENTRE GEOGRAFIA, ARQUEOLOGIA E TEOLOGIA

Para algumas pessoas o estudo da “Geografia e Arqueologia Bíblica”, pode soar


um tanto estranho, pois pode levar à equivocada compreensão de que o estudo destas
matérias é desnecessário para a teologia, visto que “o que de fato importa” são as
problemáticas solucionadas pela Teologia Sistemática; ou o significado dos textos
originais, ligados à Teologia Exegética; ou ainda, o conhecimento proporcionado pela
Homilética, equipando o estudante de teologia para uma boa exposição Bíblica; ou,
quem sabe ainda, a correlação de temas teológicos, mediante a Teologia Bíblica.

Não é nosso propósito, com tais palavras, minimizar, nem mesmo desdenhar de
nenhuma das matérias supramencionadas ou outras que não foram aqui citadas, pois
cada uma delas está repleta de importância e relevância, carregando consigo um valor
intrínseco, de valor imensurável para a formação teológica do cristão. Sendo, portanto,
indispensáveis para a boa formação teológica.

Nossa intenção, portanto, é demonstrar que a exemplo destas, a Geografia e


Arqueologia Bíblica tem um papel fundamental na compreensão das verdades bíblicas.
De modo, que não pode e não deve ser relegada à segundo plano, como se fosse
matéria de somenos importância. Uma verdade que tem sido demonstrada ao longo
dos anos, especialmente, mediante descobertas arqueológicas que tem lançado um
faixo de luz sobre as narrativas escriturísticas.1

Como veremos, a matéria em questão, amparada e harmonizada com as


demais, já mencionadas e outras de igual valor, funciona como um farol a iluminar
algumas passagens bíblicas de difícil compreensão, dados os abismos que nos
separam; dentre eles o cultural e o temporal. E isto se dá, não apenas, no que se refere
ao Antigo Testamento, mas igualmente no que diz respeito ao Novo Testamento.

1
Por narrativas, nos referimos a todo arcabouço bíblico e, não necessariamente ao estilo literário apresentado
nas Escrituras.

3
2. IMPORTÂNCIA DA GEOGRAFIA E ARQUEOLOGIA BÍBLICA

Ao tratarmos da importância da matéria em questão, faz-se necessário


conceituar estas ciências, separadamente, a saber, Geografia Bíblica e Arqueologia
Bíblica; pois por mais que as tratemos, didaticamente, como uma única matéria, são
ciências distintas e que abordam questões inerentes à sua área de estudo e pesquisa.
Não obstante, tal separação ocorrerá apenas para fins conceituais, visto que por
estarem ligadas e jungidas no seu propósito maior, que é elucidar a Verdade
Escriturística em pontos, por vezes, incompreendidos, devido à nossa falta de
informação em questões extrabíblicas.

2.1 GEOGRAFIA BÍBLICA

A geografia é uma ciência relativamente nova, sendo institucionalizada a partir


de meados do século XIX, nas universidades europeias. A princípio, ela estava ligada
apenas a questões relacionadas à orografia. Mas, a partir do fim da Segunda Guerra
Mundial, e as transformações ocorridas no pós-guerra, ela passa a se dedicar,
também, a outras áreas. Destarte, a geografia é uma ciência que descreve a superfície
terrestre, mediante estudos realizados nas mais diversas áreas do desenvolvimento
físico do nosso planeta, mas igualmente, aborda aspectos como as transformações
sociais, as mudanças e variações climáticas, a hidrografia, a orografia, dentre outros.
Assim, para melhor aproveitamento, a geografia pode ser subdividida em disciplinas
como “Geografia humana”, “Geografia econômica”, “Geografia física”, “Geografia
política”, “Geografia Bíblica”, etc. Sendo esta última disciplina a de nosso interesse
direto. E no que diz respeito à Geografia Bíblica é preciso dizer, que sua área de
atuação é bastante abrangente, dedicando-se aos aspectos supracitados e outros
mais, a exemplo, da religiosidade judaica e a cosmogênese.

A Geografia deixou de ser um mero acervo de dissertações e descrições á


disposição de militares e administradores, para tornar-se uma ciência madura
e dinâmica. Hoje. aliás, lançamos mão de seus métodos, inclusive, para
confirmarmos a veracidade e a exatidão das informações bíblicas.2

2
ANDRADE, Claudionor de. Geografia Bíblica. 3ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 1994.

4
Não obstante a afirmação feita por Claudionor de Andrade esteja correta, é
preciso ressaltar que a Sagrada Escritura não necessita de comprovação cientifica
sobre aquilo que afirma, pois como declarou o Senhor Jesus Cristo em sua oração
sacerdotal, ela própria é a verdade: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a
verdade” (João 17.17).

A ciência em apreço, ainda demonstra seu valor ao lançar luz sobre eventos
ocorridos na história do povo de Deus, ao situar o leitor das Sagradas Escrituras com
determinadas localizações, ao reconstruir seus costumes e comportamentos, ao
esclarecer como funcionava a economia e a religiosidade do povo, bem como, ao
explicar o surgimento de seitas e partidos políticos da época, e na elucidação de certas
passagens bíblicas, a exemplo do Salmo 126, que cita as torrentes do Neguebe; ou
ainda o Salmo 133, que nos fala sobre o orvalho do Hermon; e João 10, onde Jesus
afirma ser a porta das ovelhas. Mediante, o uso da geografia bíblica, podemos
compreender e realizar a correta interpretação destes textos, bem como de vários
outros relacionados na Sagrada Escritura.

2.2 ARQUEOLOGIA BÍBLICA

A arqueologia, assim como sua aliada, isto é, a geografia, é uma ciência


relativamente nova. Ela tem início com escavações realizadas na antiga cidade italiana
de Herculaneum em meados do século XVIII. A partir daí, várias escavações
arqueológicas são realizadas e esta ganha o status de ciência. Entretanto, somente por
volta do século XIX, é que as ciências, dentre elas, a geografia e a arqueologia são
utilizadas para o estudo das Sagradas Escrituras, contribuindo com informações de
fontes extrabíblicas para compreensão do Texto Sagrado. Destarte, “a arqueologia, ao
revelar a grandeza do passado, ajuda-nos a mensurar nossas presentes realizações
no curso das eras”.3

Muito do que sabemos hodiernamente acerca dos tempos bíblicos, em termos


de costumes e comportamentos, além de áreas como economia, religiosidade e até
mesmo tecnologia, é fruto do trabalho incansável da arqueologia, que através de

3
PRICE, Randall. Arqueologia Bíblica – O que as últimas descobertas da arqueologia revelam sobre as verdades
bíblicas. 5ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.

5
inúmeros artefatos encontrados lançam luz sobre o texto bíblico. Daí sua importância
para a teologia; pois partindo de seus achados, podemos conhecer melhor a história
da humanidade e consequentemente, comparar suas descobertas materiais que,
muitas vezes, remetem aos tempos bíblicos. Um bom exemplo disso, são os achados
arqueológicos das cavernas do Qunram ou como comumente é denominado, os
“Rolos do Mar Morto”. Mas, sobre isso falaremos mais adiante. Assim sendo, é
pertinente apontar a arqueologia como uma ciência que caminha lado a lado com a
teologia e que obviamente não pode ser negligenciada, visto que a partir de suas
descobertas, recebemos um intenso faixo de luz sobre as mais diversas áreas de
estudo. Facilitando, inclusive, a compreensão de como se desenvolveu o processo de
escrita e registro das Sagradas Escrituras, bem como sua interpretação. Neste sentido,
o arqueólogo e teólogo, Merrill Unger, destaca que,

A arqueologia bíblica, lançando luz sobre o panorama e a vida contemporânea


da época em que as Escrituras Sagradas foram produzidas, bem como
iluminando e ilustrando as suas páginas com suas verdadeiramente notáveis
descobertas, necessariamente deve muito ao interesse que a ela se presta, à
sua conexão com a Bíblia.4

4
UNGER, Merrill F. Arqueologia do Velho Testamento. 1ª Edição. São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1980.

6
3. ARQUEOLOGIA BÍBLICA

Por ser uma ciência um pouco mais antiga que sua companheira, trataremos
primeiro, de aspectos relacionados à Arqueologia Bíblica e somente depois da sua
colaboradora, a Geografia Bíblica.

3.1 METODOLOGIA ARQUEOLÓGICA

Para alcançar seus objetivos, cada ciência lança mão de uma metodologia
própria, afim de obter os melhores resultados. E isso não é diferente no que diz
respeito à Arqueologia, incluindo o ramo que se dedica aos Escritos Sagrados. Neste
sentido, uma colaboradora eficaz da matéria em questão, é a arquitetura, visto que
grande parte dos achados arqueológicos, está relacionada aos muros, casas, templos,
edifícios, dentre outras obras ligadas às definições arquitetônicas de cada época.

Ao recorrer à arquitetura, o arqueólogo pode encontrar detalhes específicos


ligados aos conhecimentos e tecnologias utilizadas pelos povos antigos na construção
dos mais diversos monumentos, edifícios, residências, etc. E, a partir de cada
descoberta, avançar no conhecimento que se tem de cada civilização.

Outro grande aliado da arqueologia neste processo investigativo é o


conhecimento empírico desenvolvido pelas pessoas residentes nas regiões
exploradas, pois o labor arqueológico vai muito além de escavar e encontrar artefatos
antigos. Está no desenterrar culturas, costumes, rituais religiosos, etc.

Para o desenvolvimento do seu trabalho, antes de mais nada, o arqueólogo


precisa definir seu sitio arqueológico, ou seja, a região em que deseja realizar suas
atividades. Atualmente, a área de maior concentração de sítios arqueológicos tem sido
a região do Oriente Médio, onde nasceram os povos mais antigos da terra. Neste
processo, os achados arqueológicos são mormente datados com um material
radiativo, conhecido como “Carbono 14” ou C14, encontrado, ainda que numa
concentração irrisória em todo ser vivo, sobretudo, nos herbívoros, visto que as plantas
são as grandes responsáveis pela transformação do Carbono 12 em Carbono 14.

Como os animais e humanos comem plantas, acabam ingerindo o carbono 14


também. A relação de carbono normal carbono 12 pela de carbono 14 no ar

7
e em todos os seres vivos mantém-se constante durante quase todo o tempo.
Talvez um em cada trilhão de átomos de carbono seja um átomo de carbono
14. Os átomos de carbono 14 estão sempre decaindo, mas são substituídos
por novos átomos de carbono 14, sempre em uma taxa constante. Nesse
momento, seu corpo tem certa porcentagem de átomos de carbono 14 nele,
e todas as plantas e animais vivos têm a mesma porcentagem que qualquer
ser humano.5

Tal realidade pode ser verificada na imagem abaixo.

Imagem ilustrativa da transformação química ocorrida com Carbono 14

Note que este é um ciclo constante e repetitivo. De forma que a arqueologia,


precisa avançar ao longo do tempo, estudando cada vez mais, a história mais recente
dos povos, pois como veremos, há uma constante degradação da quantidade de C14
encontrados nos fosseis e achados arqueológicos.

A datação, mediante o uso do C14, é realizada através de um cálculo


denominado de meia-vida, a partir do qual, se pode chegar a uma idade aproximada
de determinado achado arqueológico; o que contribui de forma considerável para o
conhecimento contemporâneo sobre o mundo antigo, bem como o tempo de

5
FRANCISCO, J.A.S.; LIMA, A.A.; ARÇARI, D.P. Datação por Carbono – 14. Disponível em:
http://portal.unisepe.com.br/unifia/wp-content/uploads/sites/10001/2018/06/1gestao_foco_Carbono14.pdf.
Acesso em: 28 de junho de 2020.

8
existência de determinadas civilizações e ou espécies animais. Não obstante, é preciso
esclarecer que a datação é aproximada e não exata, visto que com o passar do tempo
a quantidade de Carbono 14 encontrada nos fósseis diminui consideravelmente. A
ilustração a seguir, nos dá uma breve ideia do que estamos tratando aqui.

Além do supramencionado, a arqueologia conta, como aponta Luiz Sayão, “a


arqueologia atual conta com uma gama de técnicas e análises que vão muito além da
mera ‘pá e picareta’. Segue uma relação da complexidade dos seus níveis de análise”. 6
Em seu artigo, Sayão apresenta ainda, diversas técnicas metodológicas utilizadas pela
arqueologia, as quais s]ao apresentadas abaixo, ipsis litteris.

• Análise da Numismática: As moedas ajudam a datar as camadas onde são


encontradas. As moedas começaram a ser usadas na Ásia Menor pelos lídios
por volta de 650 a.C.

• Análise Osteológica: Os restos de esqueletos encontrados são conservados,


identificados e analisados. Observa-se idade, sexo, alimentação e patologias.

6
SAYÃO, Luiz. O impacto da arqueologia sobre o estudo da Bíblia. Disponível em:
http://www.prazerdapalavra.com.br/colunistas/luiz-sayao/4021-o-impacto-da-arqueologia-sobre-o-estudo-da-
biblia-luiz-sayao. Acesso em 07 de julho de 2020.

9
Esse é o trabalho de um antropólogo. Algumas escavações também contratam
zoólogos para fazer a mesma análise dos restos de animais.

• Análise Etnoarqueológica: As características étnicas são estudadas, e se fazem


comparações entre os resultados desse estudo e a informação cultural obtida
das antigas camadas do sítio arqueológico.

• Análise do Solo: Amostras de terra são analisadas para ajudar a determinar a


concentração de pessoas e animais no sítio e para identificar o que comiam.
Sementes carbonizadas e outras partículas são separadas, e às vezes tratadas
quimicamente para determinar o teor alcalino e ácido do solo.

• Análise da Cerâmica: Todos os utensílios são guardados, bem como os cacos,


bordas, bases, alças. A textura da argila, a decoração de superfície ou pinturas
características diferentes são analisadas. São úteis na datação do material. As
peças são catalogadas, desenhadas e fotografadas para estudos posteriores.

Sayão aponta ainda para algumas análises especializadas, como as que


seguem, in verbis:

• Dendrocronologia: datação baseada no crescimento dos anéis na madeira das


árvores.

• Radiocarbono (radiocronometria) (C 14): datação baseada no nível de resíduo


de carbono 14.

• Potássio-argônio: datação de um mineral baseado no nível de redução do


potássio original.

• Termoluminescência: datação de cerâmica baseado na energia radioativa


acumulada na cerâmica desde o dia em que foi queimada no forno.

• Busca de fissuras: Datação por meio de microscópio de elétrons que registra a


concentração de fissuras fósseis no vidro natural, no vidro fabricado e em
outros materiais.

• Arqueomagnetismo: Datação por meio da intensidade do campo magnético da


terra contida nos objetos de argila na época em que esfriaram depois de
queimados no forno.

10
• Flourine: Datação relativa de ossos em que se mede o flourine absorvido da
terra pelo osso, comparando-se esse nível com o de outros ossos na mesma
área (não é absoluta).

• Teste radiométrico: datação de ossos e de objetos baseada na quantidade de


urânio presente (não é absoluta).

• Conteúdo de colágeno: datação de ossos pela quantidade de colágeno


(baseada na quantidade de nitrogênio dos ossos).

• Análise de pólen (palinologia): Análise de grãos de pólen em relação ao solo e


ao ambiente do qual foram extraídos (nível de acidez do solo, aridez do clima
etc.).

3.2 ARQUEOLOGIA E O MUNDO ANTIGO

Ao realizar seu trabalho, a arqueologia lança mão de diversas outras disciplinas,


como as ciências naturais, as ciências humanas e até mesmo, as ciências exatas, a fim
de entender não apenas a que época histórica pertencia determinado artefato, mas
também, para tentar compreender os pensamentos, valores, comportamentos e a
própria sociedade da qual estes faziam parte.

Podemos tomar como exemplo, uma das mais antigas e influentes sociedades
do mundo antigo, os sumérios, um povo que ocupou grande parte da antiga
Mesopotâmia; especialmente a parte sul, uma região extremamente significativa para
o povo de Deus.

Além de hábeis guerreiros, os sumérios eram bem desenvolvidos em sua


tecnologia. Neste sentido, teriam sido os primeiros, a se valer, da escrita. Embora, de
forma bem rudimentar, conhecida como “escrita cuneiforme”. Não obstante a
precariedade de sua comunicação visual, os sumérios influenciaram profundamente
os demais povos neste aspecto.

As inscrições em argila estão geralmente associadas a comunicações


diplomáticas e arquivos arqueológicos. Todavia, sendo a argila um material
barato e durável, era também usada para outros propósitos, como inventários
ou controles econômicos. Aparecem na maioria das vezes gravadas em

11
pequenos tabletes retangulares, sendo a forma de escrita mais antiga a que
se parece com uma série de cunhas interligadas — daí o nome cuneiforme.7

Escrita cuneiforme, de origem suméria, encontrada no Iraque

A escrita cuneiforme era mormente gravada em pequenos tabletes de argila e


quando havia necessidade de que tais informações durassem por um longo período
de tempo, eles levavam esses tabletes ao forno e com seu endurecimento, se
tornavam mais duradouros e podiam ser consultados mais tarde, por outras pessoas.
esta técnica durou milhares de anos.

Esta forma de linguagem, isto é, a escrita cuneiforme possuía mais de dois mil
sinais, sendo ao longo do tempo partilhada por outros povos, sobretudo, na área
contábil e administrativa.

Devemos destacar ainda, como na economia e no desenvolvimento urbano, os


sumérios possuíam traços semelhantes aos desenvolvidos hodiernamente nas mais
diversas nações do mundo.

Os cidadãos eram, em sua maior parte, agricultores, pastores e pescadores,


porém muitos construíram suas vidas em ofícios como pedreiros, carpinteiros,
ferreiros, oleiros, joalheiros, mercadores, escribas e médicos. Apesar de
grande parte da terra pertencer ao Templo, muitas pessoas tinham
propriedades: fazendas e jardins, casas e gado. No início havia poucos
escravos. A maioria deles era composta de prisioneiros de guerra. Mas
homens livres podiam se tornar escravos de outros, como punição por certas
ofensas. Em tempos de necessidade os pais tinham a opção de vender seus
filhos como servos. O escravo trazia a marca do seu dono. Ele poderia receber

7
Cf. PRICE, Randall. Op. Cit. 2006, pág. 33.

12
açoite como castigo. Mas tinham o direito de se envolver em negócios, pedir
dinheiro emprestado e comprar a sua liberdade.8

No que se refere às leis, eles a tinham em forma escrita. “Documentos


particulares de lei (contratos, escrituras, testamentos, notas promissórias, recibos)
foram recuperados”.9 As questões legais eram julgadas por grupos de três a quatro
juízes, que eram supervisionados pelos governadores.

Em sua religiosidade, os sumérios adoravam um panteão de deuses. Tudo,


desde os rituais religiosos à economia, girava em torno da de sua religiosidade. E como
se dividiam em clãs, o cabeça da família era o representante de determinado deus e
todos os membros daquela família eram devotos desse deus, sendo fiel a ele por toda
sua vida. Até onde sabemos, esta hegemonia religiosa somente foi quebrada quando
Abrão deixou de servir aos deuses de seu pai, para servir ao Deus da aliança.

Por outro lado, também, mediante o uso da arqueologia, sabemos que os


sumérios não constituíam uma raça pura. Ou seja, “não existe uma “raça” sumeriana.
Os crânios dos sepulcros sumerianos são dolicocéfalos 10 — ou braquicétalos11. Eles
indicam que a população consistia em uma mistura de raças armênias e
mediterrânea.12 Mas, isso somente pode ser constatado, mediante o auxílio de ciências
que somadas à arqueologia, são fundamentais para o descortinamento destas e de
outras questões que em muito auxiliam no estudo teológico.

O que fica evidente é que a arqueologia contribui de forma acentuada para o


conhecimento que podemos ter das mais diversas nações, bem como seus costumes,
religiosidade, desenvolvimento cultural e econômico, etc. Entretanto, faz-se necessário
ressaltar que, por ser uma ciência, a arqueologia, se baseia naquilo que pode ser visto,
testado e comprovado empiricamente. Destarte, muitos arqueólogos modernos
depõem contra o sobrenaturalíssimo encontrado nas Sagradas Escrituras, ou seja,
negam os fatos ali narrados. Daí, a importância da arqueologia bíblica. Pois esta parte
do pressuposto de que as Escrituras são verdadeiras naquilo que afirmam, ainda que

8
TENNEY, Merrill C. et al. Enciclopédia da Bíblia. 1ª Edição. Volume 5. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.
9
Ibidem.
10
Em termos simples, dolicocéfalo é alguém que tem a largura do crânio menor que o comprimento.
11
Braquicétalos é alguém com crânio quadrático, as dimensões da largura x altura, são equivalentes.
12
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 05, pág. 705.

13
não sejam exaustivas em seus relatos e enunciados. Igualmente importante é lembrar
o fato de que as Escrituras não se propõem a ser um livro de ciências, sejam elas
exatas, biológicas, humanas, etc. Seus relatos partem do ponto de vista do observador
e sua linguagem usa a técnica da acomodação, para que a possamos compreender.
Sendo assim, é perfeitamente natural, que haja disparidades entre suas informações
e as declarações cientificas modernas.

3.3 ACHADOS ARQUEOLÓGICOS E A BÍBLIA

Os materiais encontrados pelos arqueólogos ao longo dos anos, ainda que


ligados a outros povos, podem em muito, contribuir para o esclarecimento do Texto
Sagrado, visto que ao registrar a Palavra de Deus, os escritores bíblicos, não tiveram
sua personalidade nulificada; recorrendo frequentemente ao seu conhecimento
“secular” na escrituração sacra. É assim, por exemplo, que Davi usa seu talento natural
na área da música, para compor maravilhosos Salmos, que eram entoados em louvor
a Deus; o mesmo ocorre com o profeta Isaías, que ao escrever seu livro, recorre à
poética e a oratória aprendida nos palácios reais, onde esteve sua vida; de igual modo,
o apóstolo Paulo, usa o conhecimento adquirido sobre a cultura grega para pregar o
Evangelho aos atenienses. Destarte, devemos considerar uma das grandes
descobertas arqueológicas da antiguidade, a antiga cidade de Mári, na Siria.

Entre 1933 e 1939, seis temporadas de escavações foram realizadas em Tell


Hariri, sob os auspícios do Museu do Louvre e dirigidas por André Parrot. A
Segunda Guerra Mundial interrompeu as escavações até 1951, quando o
trabalho foi reiniciado. Quatro outras campanhas foram empreendidas até
1956, quando a obra foi interrompida novamente devido à crise do Suez. Os
principais edifícios encontrados foram: (1) um templo dedicado à deusa Ishtar,
(2) um zigurate ou torre escalonada e (3) um palácio de 300 cômodos
localizado no centro da colina, datando do período da primeira dinastia da
Babilônia (cerca de 1850-1750 a.C.). Na área do palácio, os arqueólogos
encontraram cerca de 20.000 tabletes cuneiformes, a maior parte dos quais
dos reinados de Yasmakh-Adad (c. 1796 1780 a.C.), sob cujo remado o
palácio começou a ser construído, e Zimri-Lim (c. 1779-1761 a.C.), sob cujo
remado foi terminado. Esses dois reis foram contemporâneos de Hamurabi da

14
Babilônia (c. 1792- 1750 a.C.). Com exceção de uns poucos textos religiosos
compostos em língua hurriana, os documentos eram escritos em acadiano.13

A importância desta cidade para o estudante de teologia e consequentemente


para a arqueologia bíblica, está ligada ao conteúdo das referidas cartas, conforme
destaca Russell Norman Champlin: “É curioso que parte do material dos textos de Mari
corresponde a predições existentes no Antigo Testamento”.14 Outra importante
contribuição das escavações arqueológicas em Mári, está relacionada aos nomes
próprios, registrados naqueles textos.

Nomes pessoais amorreus aparecem em abundância nesses textos,


semelhantes a nomes pessoais existentes no Antigo Testamento. Ali
aparecem nomes como Yahweh, Yawi-Addu e Yawi-El. El era um nome
comum para Deus, entre os povos semitas, incluindo os hebreus. Não nos
deveria surpreender o fato de que Israel não inventou seus próprios nomes
para Deus, antes, aproveitou o fundo semítico geral de nomes próprios. Isso
em nada milita contra a revelação divina. Os livros sagrados não se
desenvolveram no vácuo.15

Diante do exposto, devemos considerar, dentre as diversas descobertas


arqueológicas, ao menos duas que podem em muito, auxiliar no estudo e
compreensão o Texto Sagrado.

3.3.1 O Épico do Enuma Elish e a Bíblia

À guisa de introdução, é preciso salientar que o texto bíblico, enquanto


literatura, tem sua origem entre os povos semíticos, isto é, entre os povos que
descendem de Sem, filho de Noé, e que povoaram o antigo Oriente Próximo ou como
é conhecido hodiernamente, Oriente Médio. Assim sendo, traz consigo características
peculiares aos povos daquela região. 16 E uma dessas peculiaridades é a narrativa da

13
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Vol. 04. Op. Cit. 2008, pág. 121.
14
CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia. 11ª Edição. Volume 04. São Paulo:
Hagnos, 2013.
15
Ibidem.
16
Devemos lembrar que Deus não anulou a personalidade dos escritores bíblicos, mas usou seus conhecimentos
“seculares” no registro de Sua verdade, as Sagradas Escrituras.

15
criação proposta em Gênesis. Embora, diga-se de passagem, tais peculiaridades,
aludem a um período anterior ao nascimento destes povos, como veremos adiante.
Veremos ainda, que a decifração da escrita cuneiforme foi de grande valor para o
conhecimento que temos dos povos antigos. Sendo, justamente, a decifração de tais
escritos que possibilitou a compreensão das imagens registradas em sete tábuas de
argila que ficaram conhecidas como “as tábuas da criação”. Nelas, encontramos o
poema babilônico-assírio da criação, o “Enuma Elish”. Tais tábuas foram encontradas
entre 1848 e 1876, durante escavações na cidade de Nínive, capital da Assíria.

Em síntese, o épico Enuma Elish descreve como o deus Apso e a deusa Tiamate
dão origem a outros deuses. Estes se mostram maliciosos e cruéis, precisando ser
contidos. Apso intenta destruí-los, mas seu plano é descoberto, sendo morto por seu
filho Ea. Tiamate apoiada por outros deuses, decide vingar seu marido. Na sequência,
Tiamate é morta por seu neto Marduque, o criador do universo. Depois de tudo criado,
Ea, pai de Marduque, seguindo suas orientações, cria o homem, usando o sangue do
deus Kingu e impõe sobre o ser humano o trabalho que antes pertencia aos deuses.

Os detalhes desta odisseia babilônico-assíria têm paralelos com a narrativa


bíblica da criação do universo. De forma, que é bem possível que tenham uma fonte
em comum, como observa Merril Unger.

As inscrições babilônicas e os registros do Gênesis nos apresentam,


evidentemente, duas formas de traduções primitivas e de fatos concernentes
ao princípio do universo e do homem. Não são tradições peculiares aos povos
e às religiões semíticas, que desenvolveram-se de características comuns.
São tradições comuns a todos os povos civilizados da antiguidade. Seus
elementos comuns apontam para uma época em a raça humana ocupava uma
pátria comum e tinha uma fé comum.17

Não obstante existam paralelos nas narrativas do Enuma Elish e Gênesis,


devemos lembrar que aquele é um épico babilônico, enquanto que este, é uma
descrição detalhada e inspirada das realizações do único e verdadeiro Deus, Criador
dos céus, da terra e de tudo o que neles há.

17
Cf. UNGER, Merrill F. Op. Cit. 2004, pág. 34.

16
As sete tábuas da criação do épico Enuma Elish

3.3.2 A Epopeia de Gilgamesh, Atrahasis e a Bíblia

O dilúvio tem sido tratado por muitos historiadores, como um mito bíblico. Um
mito que é revestido de grande mistério e que encontra eco nos mais diversos povos
e suas respectivas culturas.

Nos povos de todas as raças existem diferentes tradições de uma inundação


imensa e catastrófica. Os gregos contavam a lenda do dilúvio de Deucalião;
já muito antes de Colombo, corriam entre os primitivos habitantes do
continente americano numerosas histórias a respeito de uma grande
inundação. Na Austrália, na Índia, na Polinésia, no Tibete, em Caxemira, na
Lituânia, há histórias de uma grande inundação que vêm sendo transmitidas
de geração a geração até nossos dias. Serão todas mitos, lendas, produtos
da imaginação? É bem provável que todas elas reflitam a mesma catástrofe
universal.18

Dentre aqueles que aceitam a historicidade o dilúvio bíblico, existem discussões


sobre as dimensões deste. Ou seja, não há consenso sobre ter sido universal, regional
ou local; fomentando assim, o ceticismo científico sobre o assunto.

Há ainda, quem acredite que houveram diversos dilúvios na história da


humanidade, sendo o registrado em Gênesis, apenas um deles (p. ex. Russel Norman
Champlin). Os defensores deste conceito, parecem chegar a tal conclusão, a partir de
uma série de inundações ocorridas entre os povos antigos e registradas em diversos

18
KELLER, Werner. E a Bíblia tinha razão. 3ª Edição. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012.

17
escritos das mais diversificadas culturas. Entretanto, não há base escriturística para
afirmar a existência de mais de um dilúvio. É possível que todos os mencionados
registros, digam respeito a um único acontecimento, sob a perspectiva peculiar destes
povos, refletindo seus aspectos culturais e religiosos.

No que se refere a isto, as Sagradas Escrituras falam de apenas de um dilúvio;


o qual foi enviado por Deus para punição da raça humana (Gênesis 6-9). Não obstante,
este não é o único relato sobre o assunto; diversos outros textos extrabíblicos fazem
referência ao crescimento das águas sobre a terra. E uma dessas fontes, é tão
conhecida quanto o “épico do Enuma Elish”, sendo denominada de “Epopeia de
Gilgamesh”, também de origem babilônico-assíria, e que igualmente, mantém
paralelos com as narrativas de Gênesis. Todavia, a Epopeia de Gilgamesh trata, não
da criação, mas do dilúvio que veio sobre a terra. Sua narrativa está repleta de fantasia,
e está ligada à ação dos deuses e o espírito aventureiro dos reis mesopotâmicos.

A Epopeia de Gilgamesh, foi narrada em doze tábuas de argila em escrita


cuneiforme, encontradas na cidade de Nipur.

Segundo estes escritos, o rei sumério Gilgamesh era amigo de Uta-napishitim.


Este, havia sobrevivido ao dilúvio, depois de ser avisado pelo deus Ea, que uma terrível
inundação seria mandada sobre a terra. Ele então, por orientação de Ea, construiu um
grande barco, abrigando ali sua família e animais domésticos e selvagens, bem como
tesouros como ouro e prata. O dilúvio durou sete dias e o barco repousou sobre o
monte Nissir, na Pérsia, ficando ali por mais seis dias.

Uta-napishitim teria enviado, em sucessão, uma pomba, uma andorinha e um


corvo. Quando o corvo não voltou, isso foi tomado como sinal de que o barco
podia ser abandonado em segurança. Utanapishitim ofereceu holocaustos às
divindades, e estas, como moscas, juntaram-se em torno dos mesmos.19

Merrill Tenney, aponta para algumas semelhanças entre os relatos:

Similaridades: (1) 0 Dilúvio é uma punição divina pela iniquidade do homem.


(2) A arca flutua no interior da Mesopotâmia. (3) Ambos os relatos concordam
em geral com relação a coleta de animais para a preservação, mas o relato

19
Cf. CHAMPLIN, Russell Norman. Vol. 02. Op. Cit. 2013, pág. 154.

18
babilónico não menciona o número sete para os animais limpos. (4) Pássaros
são enviados em ambos os relatos, mas a ordem em Gênesis é um corvo e
uma pomba (duas vezes), enquanto que no cuneiforme a pomba e o corvo
são invertidos e uma andorinha é acrescentada. (5) Ambos os relatos têm um
altar após o Dilúvio, mas o relato babilónico é politeísta. (6) Ambos os relatos
concordam em indicar que a raça humana não seria novamente destruída por
um dilúvio.20

Todavia, se por um lado, existem semelhanças entre as narrativas, por outro, há


inúmeras discrepâncias entre as mesmas, como ressalta Tenney.

As diferenças são: (1) A inscrição cuneiforme époliteísta: Gênesis é


monoteísta. (2) Os diferentes nomes usados não são conciliáveis no presente.
(3) As dimensões da arca em Gênesis são sensatas, sendo semelhantes às
dimensões de embarcação moderna. As apresentadas pelo cuneiforme e por
Berossus não são razoáveis. O cuneiforme dá 140 x 140 x 140 côvados, e
Berossus dá o cumprimento como 2 estádios (914m) e a largura como 2
estádios (365m). (4) No cuneiforme o dilúvio resulta de uma disputa entre os
deuses, e os sobreviventes escaparam por um engano que irrita o deus Bei.
Em Gênesis a santidade, ajustiça e a misericórdia de Deus são evidentes,
mesmo na sua punição do ímpio. (5) Ambos os relatos indicam a chuva como
uma fonte de água, mas o relato bíblico indica “fontes do abismo” e a tabuleta
babilónica indica um mar e ventos violentos. (6) A tabuleta babilónica relata o
abatimento de animais para alimentação, um mastro e piloto para a
embarcação e o carregamento desta com prata e ouro. (7) A duração do
Dilúvio na Bíblia é de um ano e dezessete dias, enquanto que na tabuleta
babilónica é de quatorze dias 21

Como vimos, à semelhança do Épico de Enuma Elish, a Epopeia de Gilgamsesh


possui vários paralelos, com o texto de Gênesis, onde Moisés descreve o juízo Divino,
mediante, um dilúvio enviado sobre a terra para punir a humanidade por sua obstinada
rebeldia. Vimos também, que entre os mais diversos povos existem contos sobre o
ocorrido. Porém, existe uma versão ainda mais antiga sobre o dilúvio e tão fabulosa
quanto as demais, sobretudo a de Gilgamesh.

20
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Vol. 02. Op. Cit. 2008, pág. 171.
21
Ibidem.

19
Outra versão ainda mais antiga do Dilúvio foi recuperada a partir de vários
fragmentos encontrados ao longo de 78 anos (1889-1967) em vários sítios
arqueológicos da Mesopotâmia. Ela data do reinado de Ammisaduqa, que
governou Sippar de 1646 a 1626 a.C., e é seguramente anterior a Moisés.
Nela, o herói diluviano não é Utnapishtim (como no Gilgamesh), e sim
Atrahasis. Como no outro relato, ele é avisado pelo deus Enki (outro nome
para Ea) de que a Terra seria destruída por causa do barulho que os homens
faziam, não permitindo que o deus Enlil descansasse em paz. As pragas e a
fome foram enviadas primeiro e, finalmente, derramou-se um grande dilúvio.
Obediente às instruções de Enki, Atrahasis, sua família e vários tipos de
animais sobreviveram à inundação através de um barco que o próprio herói
construiu.22

Tablete V da epopeia de Gilgamesh

Embora tais sagas sejam bastante interessantes e certamente, procedam de


uma fonte em comum, o fato axiomático é que apenas o relato bíblico é digno de
aceitação, pois ele procede não de fábulas criadas pelos homens, mas do
conhecimento e proposito daquele que realmente é o Criador de todas as coisas e que
governa soberanamente sobre tudo o que criou.

22
SILVA, Rodrigo P. Escavando a verdade - A arqueologia e as incríveis histórias da Bíblia. 2ª Edição. São Paulo:
Casa Publicadora Brasileira, 2008.

20
3.4 A ARQUEOLOGIA E OS PATRIARCAS BÍBLICOS

Durante séculos, especialmente, durante o período iluminista e racionalista,


diversos livros e afirmações da Bíblia foram questionados. Esta realidade, contudo,
ainda se mantém e muitos críticos das Sagradas Escrituras negam a veracidade de
suas informações. Neste sentido, o livro de Gênesis tem sido um dos mais atacados
pelos céticos de plantão; os quais negam, inclusive, que determinados personagens
das Escrituras tenham, de fato, existido. Exemplo disso, é uma matéria veiculada há
alguns anos pela revista “Galileu” que trazia em seu escopo a negação da existência
dos patriarcas de Israel, defendendo, ainda, a ideia de que não passam de
personagens fictícios.23 Não obstante o ceticismo apresentado, descobertas
arqueológicas comprovam a existência dos patriarcas bíblicos.

Nos idos de 1850, o francês Jean-François Champollion, decifrou os hieróglifos,


ao passo que o inglês Henry Rawlinson Creswicke, decodificou a escrita cuneiforme.
Isto foi essencial para que se pudesse compreender a riqueza de informações contidas
nos registros egípcios e mesopotâmicos. Neste sentido, a partir do labor de tais
homens, certa luz tem sido lançada sobre a vida dos patriarcas bíblicos e os costumes
culturais e religiosos da época. Para uma melhor compreensão do que estamos
tratando, devemos voltar nossos olhos para o Texto Sagrado, onde um caso bastante
intrigante é apresentado em Gênesis 16, quando Sara entrega sua serva egípcia Agar,
a Abraão, na expectativa de que por intermédio dela lhe gerasse um filho. Mas, como
explica Teney, isto fazia parte dos costumes dos hurrianos,24 entre os quais viviam.

Há uma situação similar em relação aos fatos que se referem a Agar e Ismael.
Pode parecer estranho que Sara tenha pedido que Abraão engravidasse a
sua serva Agar, para que criasse um filho para Sara (Gn 16.2). Novamente os
documentos de Nuzi demonstram que esse acontecimento estava em
conformidade com os costumes da época, em Harã. Na sociedade dos
hurrianos, onde um filho era extremamente importante, era prática comum

23
COLAVITTI, Fernanda. A era dos patriarcas. Disponível em:
http://revistagalileu.globo.com/EditoraGlobo/componentes/article/edg_article_print/0,3916,705241-2681-
3,00.html. Acesso em: 07 de julho de 2020.
24
Um povo que viveu na antiga Mesopotâmia, ocupando o extremo norte da região.

21
que, caso uma esposa não tivesse filhos, providenciasse uma escrava-mulher
para o marido, com a finalidade de dar-lhe um filho.25

Outro caso, igualmente intrigante é narrado em Gênesis 31. Os versos 19 e 20,


declaram que “tendo ido Labão fazer a tosquia das ovelhas, Raquel furtou os ídolos do
lar que pertenciam a seu pai. E Jacó logrou a Labão, o arameu, não lhe dando a saber
que fugia”. Os versos seguintes mostram que após tomar conhecimento do ocorrido,
Labão, juntamente com seus irmãos e certamente um pequeno exército, persegue a
Jacó e ao alcançá-lo lhe repreende por haver fugido. Entretanto, sua insatisfação e
indignação recaí sobre o haver perdido as estatuetas de seus deuses. Mesmo que
estas fossem feitas de ouro ou algum outro material precioso, não justificariam os
custos da perseguição empreendida por Labão. E isto foi um tanto obscuro até que
foram encontradas cerca de quatro mil placas de argila na cidade de Nuzi, uma cidade
tomada pelos hurrianos no segundo milênio a.C. Tais placas detalhavam a vida dos
cidadãos comuns, expondo seus costumes e crenças.

As placas de Nuzi mostram que, de acordo com os costumes dos hurrianos


daquela época primitiva, caso um homem quisesse designar seu genro como
seu herdeiro principal, entregaria seus ídolos do lar para ele. Após a morte
desse homem, o comparecimento diante dos juízes com os ídolos do lar do
falecido seria considerado como prova desse propósito. Raquel estava
tentando assegurar que toda a propriedade de Labão ficasse para seu marido.
Jacó, portanto, estava correto em mostrar-se tão indignado ao ser acusado
dessa tentativa de dissimular um embuste. Todo esse incidente toma-se
compreensível à luz desses fatos e fica claro por que Labão, ainda cheio de
suspeitas, deseja que seja colocada uma pedra de fronteira em Mispa e que
Jacó jure que nunca ultrapassará aquela barreira com a finalidade de lhe
causar danos (Gn 31.44-53, especialmente v. 52). As placas de Nuzi deixam
claro que os motivos de Labão, ao expressar esse desejo, era o de que o
restante de suas propriedades ficasse para seus próprios filhos.26

25
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 04, pág. 578.
26
Ibidem.

22
Placa de argila da cidade de Nuzi

3.5 A ARQUEOLOGIA E AS DESCOBERTAS NO EGITO

Em 1922, durante escavações no “Vale dos reis”27, o arqueólogo britânico


Howard Carter descobriu o tumulo do Faraó Tutancâmon, datado do século IV a.C. Ali
foram encontrados artefatos de ouro, bem como tecidos, mobiliário pessoal, artigos de
guerra, além de textos sagrados que lançam certa luz sobre o funcionamento do Antigo
Egito (cerca de 3400). Todavia, o que nos chama a atenção dentre todos estes itens
descobertos, é o trono deste famoso Faraó. A esta altura, talvez, você esteja se
perguntando: o que isso tem a ver com as Sagradas Escrituras?

A reposta pode ser encontrada em um artefato com imagens de pessoas, que


era usado junto ao trono. Um pequeno tablado de madeira, conhecido como
“escabelo”, e as imagens nele inseridas, representam os povos conquistados pelo
Faraó. De modo que é bem possível que quando o salmista escreveu: “Disse o
SENHOR ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos
debaixo dos teus pés” (Salmo 110.1),28 ele estivesse pensando exatamente neste tipo
de apetrecho, muito comum no mundo antigo. Por outro lado, Paulo afirma: “E o Deus

27
Um vale onde entre os séculos XVI e XI a. C., os reis eram foram construídas tumbas para o sepultamento dos
Faraós. Um vale localizado às margens do rio Nilo, na região de Tebas, no Egito.
28
A Bíblia Almeida Corrigida Fiel, traz a esta expressão de forma mais clara: “DISSE o SENHOR ao meu Senhor:
“Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés” (Salmo 110.1).

23
da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás. A graça de nosso
Senhor Jesus seja convosco” (Romanos 16.20). Talvez, o apóstolo tivesse em mente
um outro artefato, igualmente comum nos tempos bíblicos e que também foi
recuperado nas escavações arqueológicas supramencionadas.

Trono de ouro de Tutancâmon, Sandálias de Tutancâmon com


juntamente com o escabelo imagens de povos escravizados

Estes são apenas, um pequeno exemplo de como a arqueologia pode auxiliar


na compreensão do Texto Sagrado. Mas, sem dúvidas, sua contribuição vai muito além
do aqui foi exposto.

3.6 MANUSCRITOS DO QUMRAN

Certamente, um dos mais valiosos achados arqueológicos de que se tem


notícia, é a incomparável “biblioteca” escondida nas cavernas do Qumran, nas
imediações do Mar Morto, no deserto da Judéia e que ficou conhecida como “Os
Escritos do Qumran” ou “Rolos do Mar Morto”.

A forma como se deu tal descoberta é bastante curiosa, pois ao contrário do


que mormente ocorre com manuscritos e artefatos antigos, que são descobertos a
partir de minuciosas escavações arqueológicas. Os rolos do Mar Morto foram
encontrados em 1947, como que ao “acaso”, quando um pastor de cabras, beduíno,
encontrou diversos jarros com rolos escritos em hebraico, aramaico e grego,
24
protegidos com tecido de linho. Estes rolos foram então levados a Belém, onde quatro
deles foram vendidos ao arcebispo Monastério Ortodoxo Sírio de Jerusalém,
Athanasius Yeshue Samuel, o qual só deu conta da preciosidade que tinha em mãos,
após o material ser examinado por um grupo de peritos da American School of Oriental
Research (Escola Americana de Pesquisas Orientais).

No ano seguinte, 1948, foi declarado o estabelecimento do “Estado de Israel”.


Com isso, foi deflagrada a guerra entre árabes e judeus, dificultando o acesso às
cavernas supramencionadas. Neste ínterim, as cavernas foram invadidas e
possivelmente saqueadas, de forma, que quando em 1949, G. L. Harding e Roland de
Vaux, diretor da École Biblique et Archéologique (Escola Bíblica e Arqueológica)
francesa, puderam ir ao local se sentiram frustrados, visto restarem apenas fragmentos
dos rolos e dos jarros onde estavam guardados.

Com uma paciência verdadeiramente beneditina, os dois pesquisadores


esgaravataram o solo com as mãos à procura dos mais insignificantes restos
de manuscritos ou fragmentos de barro. Estes, reunidos por eles, permitiram
pelo menos chegar a uma conclusão importante: que eram de origem heleno-
romana, do período de 30 a.C. a 70 d.C. Seiscentos pequenos fragmentos de
pergaminho e papiro permitiam reconhecer ainda anotações manuscritas do
Primeiro e do Quinto Livros de Moisés e do Livro dos Juízes, em hebraico.
Pedacinhos do tecido de linho que servira para envolver os rolos completaram
a magra coleta.29

A partir de então, por quase uma década (1947-1956), foram realizadas diversas
escavações na região e diversificado material foi encontrado.

Merece destaque o Primeiro Rolo de Isaías, uma cópia completa do texto de


Isaías, que, segundo se estima, foi escrito no segundo século a.C. Ao lado de
outro rolo de Isaías, de um comentário sobre Habacuque e de um grande
número de fragmentos de outros livros do Antigo Testamento, essas são as
cópias mais antigas do texto hebraico que chegaram até nós. Antes da
descoberta dos rolos do mar Morto, os manuscritos hebraicos mais antigos
de que se dispunha, contendo trechos do Antigo Testamento, datavam de
mais ou menos 850 d.C. Existem, porém, partes menores bem mais antigas

29
Cf. KELLER, Werner. Op. Cit. 2012, n. p.

25
como o Papiro Nash, do segundo século da era cristã. O Códice de
Leningrado, copiado em 1008 d.C., é a mais antiga cópia contendo o Antigo
Testamento na íntegra num volume só.30

O fato inexorável em tudo isto, é que os rolos encontrados nas cavernas do


Qumran fizeram calar muitos céticos, pois demonstraram, mediante, inúmeras
pesquisas cientificas, bem como teológicas, uma intensa similaridade com o texto
registrado nas traduções que temos das Sagradas Escrituras, hodiernamente. Logo,
não há como negar a Divina preservação do Texto Sacro.

3.6.1 Os essênios e os rolos do Mar Morto (Qumran)

Talvez, uma das indagações que surgem de tudo isto é: quem escondeu todo
este material nas cavernas do Qumran?

Antes de respondermos a tal questionamento, devemos considerar o fato de


que esconder objetos sagrados, bem como relíquias e tesouros, era algo bastante
comum nos tempos antigos.

Os manuscritos do Mar Morto, também podem ter se originado desse


procedimento. Pelo menos é o que dizem, com algumas diferenças, autores
como Karl Heinrich Rengstorf,10 da Universidade de Münster, na Alemanha,
e Norman Golb, um conceituado professor da Universidade de Chicago."
Ambos acreditam que os manuscritos foram trazidos às pressas de Jerusalém
(possivelmente da biblioteca do templo), para serem guardados nas grutas
como medida de precaução devido ao avanço dos romanos sobre
Jerusalém.31

Por outro lado, acredita-se que tais cópias tenham sido feitas no próprio local
por uma comunidade sectária conhecida como os Essênios.

Não temos muitas informações a seu respeito, mas sabemos que faziam parte
de uma seita judaica que surgiu por volta de 150 a.C., sendo caracterizada pelo
ascetismo, vivendo quase que exclusivamente para práticas espirituais. Eram

30
_________ Descobertas Arqueológicas. Disponível em: https://www.sbb.org.br/a-biblia-sagrada/descobertas-
arqueologicas/. Acesso em 13 de julho de 2020.
31
Cf. SILVA, Rodrigo P. Op. Cit. 2008, pág. 152.

26
separatistas e cautelosos. Viviam nas proximidades do Mar Morto e dedicavam-se
sobremaneira a estudar e interpretar as Escrituras.

Os essênios, enviavam suas ofertas ao templo, mas, não se dispunham a ir lá


para oferecer seus sacrifícios. Realizavam seus sacrifícios de forma diferente do
restante dos judeus e acentuavam a importância da purificação. Por causa dessa
diferenciação ritualística, os judeus, por sua vez, os proibiram de sacrificar no templo.
O mesmo templo que os mesmos essênios afirmavam estar contaminado pela
impureza religiosa.

Esta comunidade ascética dividia-se em quatro classes distintas e nem sempre


concordavam entre si sobre alguns aspectos de sua maneira de viver. Enquanto
alguns dedicavam-se ao celibato, entendendo que as mulheres não contribuem para
o descanso da vida; outros, por sua vez, acreditam que abolir o casamento é o mesmo
que destinar a raça humana à extinção. Não obstante, seguem sérias regras quanto
aos seus relacionamentos conjugais.

Antes de se casarem, observam durante três anos se a pessoa com quem se


querem casar tem saúde suficiente para poder criar os filhos; quando depois
de casadas se tornam grávidas, não dormem mais com a esposa durante a
gestação, para mostrar que não foi a voluptuosidade, mas o desejo de dar
homens ao mundo e à república, que os induziu a se casarem;32

Ao que parece, os romanos extinguiram os essênios, como comunidade, pouco


antes da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C.

32
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. 8ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

27
4. GEOGRAFIA BÍBLICA

Conforme afirmamos anteriormente, a Geografia e Arqueologia Bíblica são


companheiras inseparáveis e uma depende das informações e dados coletados pela
outra. Havendo, portanto, uma ligação direta entre ambas disciplinas, visto que
algumas áreas que estão sob a tutela da arqueologia, estão igualmente amparadas
pela geografia, muito embora, com nomenclaturas diferentes. Destarte, enquanto, a
arqueologia volta seus olhos para o descobrimento de artefatos, o desenvolvimento
tecnológico, cultural, econômico e religioso das mais diversas civilizações tendo em
vista, um aspecto mais teórico, desenvolvido a partir dos mais diversos achados; a
geografia, por sua vez, está envolvida com as regiões onde se desenvolveram tais
civilizações e como, de forma prática, isso se deu. Outrossim, o estudo da geografia
bíblica, certamente contribuirá de modo salutar para a nossa compreensão de
passagens, por vezes difíceis, das Sagradas Escrituras, dando-nos ferramentas
preciosas para uma melhor e mais adequada exposição do Texto Sagrado.
Iniciaremos, portanto, falando sobre o berço das civilizações: o crescente fértil.

4.1 O CRESCENTE FÉRTIL

Uma área de fundamental importância no estudo da Geografia Bíblica é a região


do “Crescente Fértil” ou “Fértil Crescente”, como também é conhecida. Foi nessa
região que surgiram as primeiras civilizações. Isso porque, os primeiros povos eram
nômades e migravam constantemente para regiões que proporcionassem melhores
condições de vida e habitação. Ao chegarem na região do Crescente Fértil,
encontraram o que desejavam, visto que, por ser coberta por quatro grandes e
importantes rios, Tigre, Eufrates, Jordão e Nilo, era uma área extremamente fecunda.

Crescente Fértil. Este termo refere-se àquela extensão de terra que começa
no Golfo Pérsico estendendo-se a noroeste através dos Vales dos Rios Tigre
e Eufrates, continuando de oeste a nordeste da costa do Mar Mediterrâneo,
desviando para o sul através de Canaã e (popularmente) incluindo o Vale do
Rio Nilo.33

33
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 01, pág. 1213.

28
O arqueólogo James Henry Breasted foi o responsável por esta nomenclatura.
Ela se dá, especialmente, porque em sua demarcação geográfica, a região
naturalmente sugere o formato de uma meia lua, tendo ainda a característica de ser
uma zona de grande fertilidade, favorecendo o desenvolvimento agrícola e
agropecuário. Um território vasto, com cerca de 2.100m2. Foi também nesta região
que Deus estabeleceu o Jardim do Éden34, onde viveram nossos primeiros pais: Adão
e Eva. Mais tarde, o Crescente Fértil se liga à história do povo de Israel, por ter sido
nesta região que o Senhor estabeleceu o seu povo. Um lugar que, de acordo com
Êxodo 3.8, “mana leite e mel”. Uma referência à sua fertilidade e abundância.

A região do Crescente Fértil foi palco das grandes potências mundiais, até a
chegada do império greco-romano, quando as civilizações migraram de forma mais
efetiva para o Ocidente.

34
Sua localização é incerta; porém acredita-se que estava situado entre o atuais Iraque e Armênia.

29
4.2 HIDROGRAFIA

Uma das áreas estudadas pela geografia é a hidrografia. Esta, diz respeito às
águas que estão sobre e sob a superfície terrestre.

A hidrografia palestina, sobretudo, da parte que está relacionada a Israel é o


alvo da nossa atenção aqui. Isto porque, a região, conforme Enéas Tognini, “o sistema
hidrográfico de Israel é dos mais pobres do mundo. Desde os tempos patriarcais, a
terra luta com escassez de chuvas”.35

4.2.1 As chuvas

As taxas médias, no entanto, podem enganar, visto que os totais variam


grandemente de ano para ano. Em Jerusalém, por exemplo, a média a longo
prazo é de 663 mm anuais. Mas o máximo registrado, num determinado ano,
foi de 1016 mm e o mínimo de 305 mm. Com tamanhas flutuações nos totais,
pode-se imaginar o impacto disso sobre uma sociedade que depende da terra
para sua sobrevivência.36

35
TOGNINI, Enéas. Geografia da Terra Santa e das Terras Bíblicas. 1ª Edição. São Paulo: Hagnos, 2009.
36
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 01, pág. 1033.

30
Não obstante a informação acima, não devemos esquecer que não é o acaso
quem controla e determina o tempo em que as chuvas devem cair sobre a terra, senão
próprio Deus. As Sagradas Escrituras nos dão abundante prova disto: Levítico 26.3-4;
Tiago 5.17-18 (cf. I Reis 17.1, 18.1); Salmo 147.7-9; Jeremias 14.22; Zacarias 10.1.

Embora a região onde Israel está situado seja, em certo sentido, desfavorecido
quanto às chuvas, estas podem ser esperadas com alegria no período próprio. Neste
sentido, o profeta Joel ao anunciar a benção de Deus sobre o seu povo, fala de duas
estações chuvosas distintas: “Alegrai-vos, pois, filhos de Sião, regozijai-vos no
SENHOR, vosso Deus, porque ele vos dará em justa medida a chuva; fará descer,
como outrora, a chuva temporã e a serôdia” (Joel 2.23 – ARA)37. A mesma expressão
é usada por Tiago, ao referir-se ao glorioso retorno do nosso Senhor Jesus Cristo:
“Sede, pois, irmãos, pacientes até a vinda do Senhor. Eis que o lavrador espera o
precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba a chuva temporã
e serôdia” (Tiago 5.7 – ARC)38. A ARA traduz como “as primeiras e as últimas chuvas”,
o que também está correto, como veremos.

A chuva temporã era a chuva esperada no mês de outubro (outono na região)


e que, por vezes, era acompanhada por temporais. Esta era extremamente bem-vinda,
visto que os quatro meses que a antecedem, são excessivamente secos e quentes,
não havendo qualquer possibilidade de plantio, devido a aridez da terra. Ela era,
portanto, a primeira chuva (‫מֹורה‬
ֶ ‫ )גֶשֶ ם‬a cair sobre a terra, depois de longa estiagem.
Outrossim, com a chegada da chuva temporã, os agricultores logo se entregavam ao
seu labor, arando e preparando o solo para receber as sementes. Por outro lado, havia
também, a chuva serôdia, que chegava entre os meses de março e abril (primavera na
região), sendo fundamental para o crescimento dos grãos e uma colheita farta. Sendo,
portanto, ansiosamente aguardada pelo povo, pois era a última chuva (ׁ‫ )גֶשֶ ם מַ לקֹוש‬a cair
durante algum tempo. A chegada destas chuvas era vista como sinal da benção de
Deus sobre o seu povo, pois de certa forma, garantiam seu sustento (cf. Deuteronômio
11.13-15; Jeremias 5.23-25). Logo, a ausência destas é vista com grande
preocupação, pois pode significar sinal de juízo Divino.

37
Almeida Revista e Atualizada (baseada no Textus Receptus).
38
Almeida Revista e Corrigida (baseada no Texto Majoritário).

31
4.2.2 Os mares

Como todos sabemos, o mar é uma imensa extensão de água salgada,


delimitada ou cercada pela terra. Estes favorecem a humanidade de diversas formas,
entre elas, como habitat natural de inúmeros seres vivos que servem para nossa
alimentação, como rota comercial, como moderador do clima atmosférico, etc. As
Sagradas Escrituras frequentemente atribuem a Deus a criação dos mares, bem como
sua delimitação (cf. Gênesis 1.10; Neemias 9.6; Jó 38.1-11; Salmo 24.1-2). Embora,
não encontremos tantos mares ligados à história do povo de Deus, existem ao menos
quatro que merecem nossa atenção: Mar Vermelho, Mar Mediterrâneo, Mar da Galileia
e o Mar Morto.

4.2.2.1. Mar Vermelho

O Mar Vermelho, embora bastante conhecido, uma vez que serviu de obstáculo
ao povo de Deus em sua jornada, quando estes fugiam dos seus opressores egípcios.

Com quase dois mil quilômetros de comprimento, entre o estreito de Bab al-
Mandeb e o Suez, no Egito, e cerca de 300 quilômetros de largura, somando
uma área de 450.000 km2, o Mar Vermelho banha o Sudão, o Egito e a Eritréia,
ao oeste; e a Arábia Saudita e o Iêmem, ao leste. Uma pequena faixa do Golfo
de Aqaba banha Israel e a Jordânia.39

A importância de considerarmos este mar, se dá, sobretudo, pelas objeções ao


grande milagre operado por Deus ao fazer com que seu povo passasse por ele, a pés
enxutos, enquanto os egípcios foram ali afogados e mortos.

A contestação que se faz a esta grande maravilha Divina está ligada à tradução
do termo hebraico ‫ יָם סּוף‬que significa “mar de juncos”. Os opositores do milagre ali
realizado, afirmam que os hebreus teriam passado numa parte com pouca água, onde
cresciam os juncos, de forma, que não teria ocorrido nenhum milagre. Contudo, as
dificuldades são dispersadas quando analisamos mais detidamente os fatos. Na parte
mais elevada deste mar, cresce uma grande quantidade de juncos, uma planta

39
Cf. ANDRADE, Claudionor de. Op. Cit. 1994, n.p.

32
aquática que quando murcha e morre deixa a água com uma tonalidade marrom-
avermelhada. De modo que a tradução apenas leva essa realidade em consideração.

4.2.2.2. Mar Mediterrâneo

Tão importante quanto o Mar Vermelho, é o Mar Mediterrâneo, o qual liga os


três mais antigos continentes: África, Ásia e Europa. Por sua posição, se tornou uma
importante rota comercial para estes povos.

Sua nomenclatura moderna, vem do latim “Mediterraneus”, que significa “entre


as terras”. Porém, nos registros bíblicos o encontramos com diversas denominações:
Mar dos filisteus (cf. Êxodo 23.31); Mar Grande (cf. Números 34.6-7; Josué 1.4); Mar
oriental, em contraste com o Mar Morto (cf. Joel 2.20; Zacarias 14.8); e ainda, Mar
Ocidental (cf. Deuteronômio 11.24; Joel 2.20; Zacarias 14.8).

Embora não tenha seu nome mencionado no texto, foi por pelo Mar
Mediterrâneo que que Jonas fugiu para Társis, quando fora comissionado por Deus
para pregar aos cidadãos de Nínive.

33
Este mar ganha especial significado para o povo de Deus, no período do Novo
Testamento, pois foi dominado pelos romanos que estabeleceram uma estratégica rota
comercial, sendo, consequentemente bastante utilizado pelo apóstolo Paulo em suas
viagens missionárias.

34
4.2.3 Os lagos

“A palavra gr. limme vem de leibo, “derramar”, e expressa o conceito de água


derramada de um rio para formar a água fresca de um mar ou lago”.40 Isto é, os lagos
são, em geral, depressões geográficas alimentadas pelas águas advindas de rios,
nascentes, chuvas, etc. Estes podem ser formados pelo acumulo de água doce ou de
água salgada e podem ainda, ser superficiais ou subterrâneos.

Lago subterrâneo de Saint-Léonard

Na região da Palestina não existem muitos lagos e dos poucos que existem, três
recebem especial importância por sua relação com o povo de Deus: Lago de Merom,
Mar da Galileia e Mar Morto.

4.2.3.1 Lago de Merom

O Lago de Merom está situado acima do Mar da Galileia (cerca de 20 km) e é


formado pelas águas que descem pelas encostas do Monte Hermon, e que por sua
vez, formam o rio Jordão. Seu nome significa “lugar alto” e não existe consenso entre
os estudiosos sobre suas dimensões, indo de 7,5km a 10km de comprimento e 800m
a 6km de largura.

Este lago faz parte de uma bacia hidrográfica conhecida como “Vale de Hula”.
De acordo com o Dicionário Wycliffe: “O termo “águas de Merom” não indica o antigo

40
PFEIFFER, Charles F.; HOWARD, F. Vos; REA, John. Dicionário Bíblico Wycliffe. 2ª Edição. Rio de Janeiro: 2007.

35
Lago Huleh, mas uma nascente (cf. Js 15.7,9; 16.1; 19.46; Jz 5.19). Ele deve se referir
à fonte da cidade de Merom onde Josué reuniu suas forças cananeias”.41

Ocupa a parte meridional de uma bacia alagada que tem cerca de 28


quilômetros de comprimento por 10 de largura. Esta bacia tem hoje o nome
de Hulé, e o lago chama-se Baeiré el-Hulé, ou lago de Hulé. Este nome é árabe
e designa também a planície ao sul de Hamate, que talvez seja um eco do
nome do distrito de Ulata, situado entre a Traconitis e a Galileia.42

Nessa região, às margens do Lago de Merom, Josué travou sua vitoriosa batalha
contra vários reis cananeus e seus exércitos (cf. Josué 11.1-9). Havia na região uma
cidade com o mesmo nome. “Merom era certamente uma cidade na Galileia Superior,
como comprovado por antigas fontes extrabíblicas”.43

41
Ibidem.
42
DAVIS, John. Dicionário da Bíblia. 16ª Edição. Rio de Janeiro: xxxxx
43
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 04, pág. 227.

36
4.2.3.2 Mar da Galileia

Embora receba o status de mar, o Mar da Galileia, na verdade é apenas um lago


de água doce. Situado um pouco abaixo do Lago de Merom, o Mar da Galileia é
formado pelas águas do Rio Jordão e mede cerca de 21km de comprimento por 14km
de largura e tem uma profundidade que chega a 230m.

É um lago de uma abundante variedade de peixes; chegando a mais de vinte


espécies. O clima da região é temperado, o que ocasiona frequentes e violentas
tempestades. O próprio Senhor Jesus Cristo, se viu envolvido, juntamente com seus
discípulos numa destas tempestades (cf. Lucas 8.22-25). Às suas margens o Senhor
realizou grandes sinais e prodígios (cf. Mateus 15.29-39; Marcos 7.31-37). Foi ali
também que chamou seus primeiros discípulos (cf. Mateus 4.18-25).

Nas Sagradas Escrituras o Mar da Galileia recebe nomes variados: Mar de


Quinerete (cf. Números 34.11; Josué 12.3); Mar de Tiberíades (cf. João 6.1, 21.1); Lago
de Genesaré (cf. Lucas 5.1).

37
4.2.3.3 Mar Morto

Embora seja chamado de mar, o Mar Morto é na verdade uma bacia hidrográfica
endorreica, ou seja, um lago que não tem onde desaguar. Localizado na extremidade
sul do Rio Jordão, é caracterizado por uma intensa concentração de sal. Em média, os
oceanos possuem cerca de 4% de salinidade, enquanto que o Mar Morto apresenta
algo em torno de 30% de teor salino. De modo que, com exceção de alguns poucos
microrganismos nada sobrevive em suas águas. De acordo com Merrill Tenney,

A salinidade do mar deriva, em parte, da contribuição de fontes de águas


superficiais e subterrâneas, dos cursos d’água esporádicos que trazem sal
gema de Gomorra, e dos solos das vertentes áridas. As quatro correntes de
água permanentes, que drenam as terras altas mais úmidas de Moabe — o
Udhemi, Zerqa, Amom, e Zerede — juntamente com numerosos wadis
intermitentes, todos carreiam sua cota de sais, enquanto o Jordão, suprindo
6.500.000 das 7.000.000 toneladas do aporte diário, tem uma alta
concentração de sódio e cloreto de magnésio.44

Assim como o Mar Mediterrâneo, o Mar Morto recebe diversas nomenclaturas


no Texto Sagrado: Mar Salgado (Gênesis 14.3); Mar de Arabá (Deuteronômio 3.17);
Mar da Planície (II Reis 14.25) e Mar do Oriente (Ezequiel 47.18).

O Mar Morto se liga à história do povo de Deus em diversas ocasiões, mas


daremos aqui apenas dois exemplos:

O primeiro está relacionado com Gênesis 14, ocasião em que Quedorlaomer


juntamente com três reis aliados, empreende uma guerra contra outros cinco reis que
se rebelaram contra sua tirania. Após vencer estes reis, Quedorlaomer leva Ló,
sobrinho de Abrão como escravo, sendo na sequência perseguido e vencido por este.

O segundo exemplo é o II Crônicas 20, que nos mostra como Josafá, rei de
Judá, depois de receber notícias de que exércitos inimigos marchavam contra ele,
buscou ao Senhor suplicando por seu socorro e recebeu a ordem Divina de se
preparar para a guerra, mas não batalhar contra seus oponentes. E nos diz o Texto
Sagrado que Josafá “aconselhou-se com o povo e ordenou cantores para o SENHOR,

44
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 04, pág. 92.

38
que, vestidos de ornamentos sagrados e marchando à frente do exército, louvassem
a Deus, dizendo: Rendei graças ao SENHOR, porque a sua misericórdia dura para
sempre. Tendo eles começado a cantar e a dar louvores, pôs o SENHOR emboscadas
contra os filhos de Amom e de Moabe e os do monte Seir que vieram contra Judá, e
foram desbaratados” (II Crônicas 20.21-22).

Foi também, nas proximidades do Mar Morto que os essênios formaram sua
comunidade ascética, na qual foram produzidos os famosos e valiosos Manuscritos do
Mar Morto ou Manuscritos do Qumran.

4.2.4 Os rios

Os rios são correntes de água regidas pela gravidade, via de regra, desaguando
no oceano, mar, lago ou até mesmo em outro rio e sua extensão depende do relevo

39
da região onde se encontram. E na história do povo de Deus, encontramos alguns
poucos que merecem nossa consideração por sua ligação com a nação escolhida:
Eufrates, Nilo e Jordão.

4.2.4.1 Rio Eufrates

O rio Eufrates tem seu nascedouro na região montanhosa a leste da Armênia,


atual Turquia, atravessando os limites territoriais da Síria e Iraque, finalmente
desaguando no Golfo Pérsico. Este é, sem dúvidas, o maior dos rios que cortam a
Palestina, medindo cerca de 3.000km.

Este rio sempre esteve ligado à história da nação escolhida, sendo um dos rios
citados em Gênesis, na definição geográfica do Jardim do Éden (cf. Gênesis 2.10-15).
Mais tarde, Deus usa o Eufrates, como delimitação fronteiriça da Terra Prometida, ou
seja, ele era o limite das terras dadas a Israel (cf. Gênesis 15.18). Além disso, diversos
acontecimentos da história hebreia estiveram ligados a este rio, (cf. Josué 24.14-15;
II Samuel 8.1-3; II Rei 23.29).

A seção genealógica de 1 Crônicas afirma que um descendente de Rúben


“também habitou da banda do Oriente, até a entrada do deserto, desde o rio
Eufrates” (1 Cr 5.9). O rio foi fronteira entre a Mesopotâmia e a Siria-Palestina
no período Persa e a satrapia da região da Síria-Palestina foi chamada “Dalém
do Rio” (Ed 4 .10,11; 5.3,6.6; Ne 2.7). No NT, o Eufrates é mencionado em
Apocalipse 9.14 e uma ordem foi dada para soltar “os quatro anjos que estão
presos junto ao grande rio Eufrates”, e o sexto anjo derramou a sua taça sobre
“o grande rio Eufrates” (16.12).45

4.2.4.2 Rio Nilo

O rio Nilo é um dos maiores rios do mundo, chegando a cerca de 7.500km de


extensão. Em seu percurso, ele atravessa diversos países, dentre eles: Uganda,
Tanzânia, Ruanda, Burundi, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Egito. Ele “nasce em uma

45
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 02, pág. 642.

40
região de montanhas, lagos e chuvas sazonais, e atravessa áreas pantanosas e
tropicais, para finalmente abrir caminho através das regiões rochosas do deserto”.46

Este rio está intimamente ligado à história do povo de Deus. Esta ligação se dá
em ao menos dois momentos de extrema importância: o sonho de Faraó e sua
consequente interpretação por José, filho de Jacó (cf. Gênesis 41); e no episodio em
que Faraó manda matar todos os filhos dos hebreus e Moisés tem sua vida poupada
por sua família e em seguida é adotado pela filha de Faraó (cf. Êxodo 1).

O Nilo teve ainda, grande importância no registro e propagação das Sagradas


Escrituras, visto que em suas margens era feito o cultivo do papiro; uma planta que
após passar por um longo processo de transformação era usado como uma espécie
de folha sobre a qual era possível realizar inscrições. De modo que foi utilizado pelo
povo de Deus nas inúmeras cópias do Antigo e do Novo Testamento. Com o passar
do tempo, foi paulatinamente substituído por outros materiais mais duradouros.

4.2.4.3 Rio Jordão

O rio Jordão é um rio relativamente pequeno, medindo cerca de 200km.


Formado pelo constante degelo do monte Hermom, o Jordão alimenta o Lago de
Merom, o Mar da Galileia e finalmente desagua no Mar Morto. Suas nascentes são o
Nahr-Banias47, Nahr-Ledã e Nahr-el-Hasbani.

A região onde fica o rio Jordão foi descrita como um lugar de beleza exuberante,
quando Abraão e Ló precisaram separar-se: “Levantou Ló os olhos e viu toda a
campina do Jordão, que era toda bem regada (antes de haver o SENHOR destruído
Sodoma e Gomorra ), como o jardim do SENHOR, como a terra do Egito, como quem
vai para Zoar” (Gênesis 13.10).

Às margens do Jordão, havia uma imensa floresta que a exemplo do monte


Hermon, abrigava uma fauna fantástica, na qual havia inúmeras espécies de animais
selvagens, dentre os quais achava-se inclusive, os leões. É o que se apreende de

46
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 04, pág. 506.
47
Nessa região ficava Cesaréia de Felipe, onde Pedro fez a famosa declaração: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus
vivo” (Mateus 16.16).

41
textos como Jeremias 12.5, 49.19, 50.44. Não obstante, hodiernamente não há muito
o que apreciar, pois a região está absolutamente deteriorada e quase morta.

Não obstante toda essa beleza encontrada em suas campinas, o próprio rio é
formado por águas barrentas e perigosas, com mais de cem corredeiras, sendo cerca
de 27 grandes a e 80 pequenas. No que se refere às suas águas, devemos lembrar da
narrativa de II Reis 5, quando o leproso Naamã, comandante do exército da Síria, ao
ser orientado pelo profeta Eliseu a banhar-se nas águas do Jordão, desdenhou destas,
afirmando que sua terra haviam rios com águas muito melhores. Contudo, tais águas
não foram desprezadas pelo Filho de Deus, quando este veio ao Jordão para ser
batizado por João Batista (cf. Marcos 1.1-11). Entretanto, é preciso esclarecer que as
águas do Jordão, são como as águas de qualquer outro rio e não tem poderes místicos,
como acreditam algumas pessoas.

Segundo Enéas Tognini, “o Jordão lança no mar Morto 200 m³ de água por
segundo; 12.000 m³ por minuto; 720.000 m³ por hora; 17.280.000 cada 24 horas”.48

4.3 PERÍODO INTERTESTAMENTÁRIO

Quando empregamos a expressão “Período intertestamentário”, referimo-nos


ao espaço de tempo que compreende os quatrocentos anos de silêncio profético,
muitas vezes cognominado de “Período Intertestamentário”. Este foi um espaço de
tempo em que Deus não mais enviou seus “porta-vozes” a levar Sua mensagem ao
povo. Um tempo que durou cerca de 400 anos de silêncio.

4.3.1 Importância do período

E, mediante o estudo deste período, podemos compreender a existência de


certos grupos contra os quais Jesus alçava sua voz, como os fariseus, saduceus e
escribas. Igualmente, tomamos ciência de como surgiram algumas instituições
referenciadas no Novo Testamento, mas que não são mencionadas no Antigo
Testamento, a exemplo da sinagoga e do sinédrio.

48
Cf. TOGNINI, Enéas. Op. Cit. 2009, pág. 92.

42
Em outras palavras, o estudo do Período Intertestamentário descortinará e dará
uma melhor compreensão a diversos eventos mencionados no Novo Testamento.

Em suma, o estudo deste período é de grande importância para


compreendermos melhor os acontecimentos narrados no Novo Testamento. Sua
análise é igualmente importante para compreendermos como Deus em sua soberania
atuou, não apenas na vida do povo escolhido (Israel), mas também na história da
humanidade, culminando na morte e ressurreição de seu Filho amado: Jesus Cristo.

4.3.2 Fundo histórico

Com a morte de Davi, Salomão assumiu o trono e foi um grande rei por algum
tempo, até que seu coração se corrompe pela influência de suas muitas mulheres e
ele se torna idolatra. Como consequência, Deus promete tirar o reino de suas mãos,
porém, não em seus dias, mas nos de seu filho. Roboão filho de Salomão, assume o
reino e age de forma despótica. Suas decisões levam seu reino à ruina e a uma
consequente divisão, ficando com apenas duas tribos, uma vez que as outras dez,
segue a Jeroboão, filho de Nebate (I Reis 11-12).

Jeroboão e os reis que sucederam foram maus e idolatras, o que levou o Reino
do Norte (Israel) a cair sob o poder dos Assírios, sendo completamente extinto. E
agora, devido haverem se rebelado contra Deus, seguindo seus corações e
prostrando-se ante falsos deuses, os judeus, foram levados para o cativeiro babilônico.

Ao verem o reino de Nabucodonosor, passando de mão em mão, a esperança


de uma salvação militar torna-se inevitável. Entretanto, associada a tal esperança
cresce em seus corações a fé em um messias libertador, que viria com grande poder
e glória para resgatá-los do poder de seus opressores e levá-los a uma era dourada.

Revoltas e revides são arquitetados, porém sem êxito. Seus comandantes


militares são derrotados e o povo se vê humilhado, restando apenas sua religiosidade.
Apegados firmemente a esta, lutam contra as incertezas e infortúnios da vida.
Entrementes, aprendem a abominar a idolatria e a respeitar a Torah, isto é, a Lei dada
por Deus a Moisés. Por essa época surgem diversos grupos nacionalistas e religiosos

43
com o fim de levar adiante os preceitos da Lei enquanto buscavam a restauração da
cultura e liberdade judaica, outrora perdidas.

Nesse período o mundo passou por transformações geográficas, econômicas,


sociais e espirituais. Quatrocentos anos, nos quais nenhum profeta levanta sua voz,
anunciando as grandezas ou mesmo os juízos de Deus. Assim, o povo a quem haviam
sido confiados os oráculos de Deus (Romanos 3.2), passa por um tempo de profundo
e absoluto silêncio, por parte do Senhor.

No silêncio desesperador desses 400 anos, o Senhor deixou que os esforços


dos homens na resolução de problemas espirituais falhassem; que a filosofia
se desmoronasse; que o poder material enfadasse as almas; que a
imoralidade religiosa desiludisse a todos, mesmo os corações mais ímpios;
que a corrupção campeasse e atingisse as raias da depravação, mostrando
assim ao homem a inutilidade de tais sistemas e instituições.49

Em meio ao silêncio Divino, o homem fez ouvir sua voz. Assim, durante o
período intertestamentário, surgem diversos escritos. Dentre os quais, alguns livros
que ficaram conhecidos como “livros apócrifos”. Estes foram, mais tarde, rejeitados
pelo protestantismo. Porém, uma pequena parte, foi incorporada ao cânon católico
romano e ortodoxo. Igualmente, nesse período surge uma espécie de literatura que
ganha certo prestígio entre os judeus e ficou conhecida como literatura apocalíptica.

4.3.3 Livros apócrifos

As circunstâncias em que os apócrifos foram produzidos eram diversas. Se


aceitarmos a data máxima dos modernos especialistas para a escrita dos
primeiros apócrifos, ou seja, 300 a.C., penetraremos, então, no ambiente em
que tal literatura realmente apareceu.50

O termo apócrifo significa: oculto. Assim, sugerem trazer à luz verdades que
estavam ocultas. Ao todo, somam um total de cerca de 250 livros. Os mais conhecidos

49
TOGNINI, Enéas. O período interbíblico.6ª Edição. São Paulo: Louvores do coração, 1987.
50
Ibidem.

44
são os que constam no cânon católico e no cânon ortodoxo: Tobias, Judite, Sabedoria
de Salomão, Eclesiástico, Baruc, Epístola de Jeremias, I e II Macabeus e acréscimos
feitos a Ester e a Daniel.

Ao referir-se a tais livros, a Confissão de Fé de Westminster, um dos símbolos


de fé da IPB, ressalta no capítulo 1, §3º, que:

Os livros geralmente chamados apócrifos, não sendo de inspiração Divina,


não fazem parte do cânon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na
Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados
senão como escritos humanos.51

O inciso da Confissão de fé de Westminster, supracitado, nos diz que tais livros


não são de inspiração Divina; as razões são simples:

• Não constam no cânon hebraico, isto é, não fazem parte das Escrituras
que os judeus consideravam como inspiradas por Deus. Os católicos os
chamam de deuterocanônicos;
• Somente foram incluídos, oficialmente, no cânon católico em meados de
1500, não tendo sido usados pelos apóstolos como literatura inspirada;
• Foram escritos nos cerca de 400 anos de silêncio (período
intertestamentário.

Estas razões, por si, já são suficientes para os rejeitemos como Escrito Divino,
mas existe uma razão de peso, sobremodo elevado, que nos faz vê-los como meros
escritos humanos: são seus erros, contradições e histórias fantasiosas. Vejamos alguns
exemplos:

• Tobias 4.11 – porque a esmola livra do pecado e da morte, e preserva a


alma de cair nas trevas.52
As Escrituras nos ensinam que somos salvos pela graça e não por obras, sejam
esmolas, cuidado com os pobres ou qualquer coisa do gênero (Efésios 2.8) e ainda
que a vida é dom gratuito (Romanos 6.23).

51
WESTMINSTER, Assembleia. A Confissão de fé de Westminster. 17ª Edição. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
52
Bíblia Católica Ave Maria

45
• Tobias 6.2-9 – Partiu, pois, Tobias em companhia do anjo, e o cão os
seguia. Caminharam juntos e aconteceu que, numa noite, acamparam à
margem do rio Tigre. Tobias desceu ao rio para lavar os pés, quando
saltou da água um grande peixe, que queria devorar-lhe o pé. Ele gritou
e o anjo lhe disse: Agarra o peixe e segura-o firme! Tobias dominou o
peixe e o arrastou para a terra. E o anjo acrescentou: Abre o peixe, tira-
lhe o fel, o coração e o fígado e guarda-os; joga fora os intestinos, pois o
fel, o coração e o fígado são remédios úteis. O jovem abriu o peixe, tirou-
lhe o fel, o coração e o fígado. Assou uma parte do peixe e comeu-a, e
salgou o resto. Depois continuaram juntos a caminhada, até chegarem
perto da Média. Então Tobias perguntou ao anjo: Azarias, meu irmão, que
remédio há no coração, no fígado e no fel do peixe? Respondeu ele: Se
se queima o coração ou o fígado do peixe diante de um homem ou de
uma mulher atormentados por um demônio ou por um espírito mau, a
fumaça afugenta todo o mal e o faz desaparecer para sempre. Quanto
ao fel, untando com ele os olhos de um homem que tem manchas
brancas, e soprando sobre as manchas, ele fica curado.53

O que está sendo ensinado aqui é a prática de feitiçaria, o que é claramente


combatido nas Escrituras (Miqueias 5.12; Gálatas 5.19-21). Na igreja primitiva os que
se convertiam abandonavam as artes mágicas (Atos 19.18-20). Jesus jamais usou
práticas mágicas para libertar alguém que estivesse possesso, ao contrário, valeu-se
apenas de sua autoridade e concedeu a mesma aos seus discípulos quando os enviou
em sua missão (Mateus 8.28-32; Lucas 4.33-36, 10.17-20). A autoridade de Jesus para
libertar pessoas possessas foi dada apenas ao seus (Atos 19.11-17).

• II Macabeus 12.43-44 – Em seguida, fez uma coleta, enviando a


Jerusalém cerca de dez mil dracmas, para que se oferecesse um
sacrifício pelos pecados: belo e santo modo e agir, decorrente de sua

53
Idem.

46
crença na ressurreição, porque, se ele não julgasse que os mortos
ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles.54

Se haviam outras formas de serem expurgados dos pecados, então os rituais


de sacrifício do Antigo Testamento não têm sentido e muito menos o sacrifício de
Jesus. Entretanto, sabemos que somente com derramamento de sangue é que há
remissão de pecados (Levítico 5.6-10), por isso, Cristo se ofereceu uma vez por todas
como sacrifício pelos pecados dos eleitos (Hebreus 9.11-15, 28). Por outro lado, é inútil
orar pelos mortos (Romanos 3.2-11; Hebreus 9.27-28).

• Judite 1.5 – Ora, no décimo segundo ano de seu reinado,


Nabucodonosor, que reinava sobre os assírios em Nínive, a grande
cidade, fez guerra a Arfaxad, e venceu-os.55

É intrigante este erro no livro de Judite, pois Daniel deixa muito claro que
Nabucodonosor era rei da Babilônia (Daniel 1.1) e não apenas isto, historiadores
apontam a destruição de Nínive em 612 a.C., pelo pai de Nabucodonosor.

• I Macabeus 15.37-38 – Assim se desenrolaram os acontecimentos


relativos a Nicanor, e já que a partir dessa época Jerusalém permaneceu
em poder dos hebreus, finalizarei aqui minha narração. Se ela está
felizmente concebida e ordenada, era este o meu desejo; se ela está
imperfeita e medíocre, é que não pude fazer melhor.56

Se estes escritos foram inspirados, por que o escritor pede desculpas e chama
sua obra de medíocre? Veja o que diz Hebreus 4.12.

Os acréscimos feitos a Ester e Daniel são:

• Ester – a partir do verso 4 do capitulo 10 até o capitulo 16.24. No cânon


judaico que adotamos, Ester termina no verso 3, do capitulo 10.

54
Idem
55
Idem.
56
Idem.

47
Os acréscimos feitos a Ester, falam de questões enigmáticas, como um suposto
sonho de Mordecai, onde Deus teria revelado à sua pessoa os acontecimentos
relacionados aos judeus.

• Daniel – no cânon que adotamos, Daniel termina no capitulo 12, mas nos
apócrifos eles vão até o capítulo 14.

No caso de Daniel, os acréscimos falam de uma defesa que Daniel teria feito de
uma suposta juíza de Israel, de nome Suzana. Porém, fala que Daniel era ainda
adolescente, mas no capitulo 12, ele já estava com uma idade bem avançada.

Outra questão, digna de nota, é confronto de Daniel com um suposto dragão, o


qual Daniel faz explodir.

Não obstante as informações acima, devemos levar em conta que são livros de
grande valor histórico. Os livros escritos pelos Macabeus, por exemplo, falam de
guerras e outros fatos ocorridos no período interbíblico (400 anos de silêncio) e que
são atestados pela história.

Por outro lado, nos primeiros séculos da igreja cristã, surgiram alguns livros
reivindicando autoridade Divina, porém, não foram reconhecidos como possuidores
de tal autoridade. Alguns deles são:

Evangelho de Tomé Evangelho de Filipe

Epístola de Pedro a Filipe Evangelho da Infância de Jesus

Epístola de Tiago Evangelho de Judas

Epístola de Barnabé Apocalipse de Adão

Evangelho de Maria Madalena Apocalipse de Pedro

Evangelho de Eva Apocalipse de Paulo

Apocalipse de Tiago

48
A não aceitação destes se deu, especialmente, por trazerem consigo
contradições absurdas, além de vários conceitos provindos do gnosticismo. Vejamos
alguns exemplos:

• Evangelho de Judas – Judas falou: Mestre, como tu escutaste a todos


eles, agora também escuta-me, pois eu tive uma grande visão.

Quando Jesus ouviu isto, ele riu e disse-lhe: você décimo terceiro espírito,
por que tenta tão esforçadamente? Mas fala, e eu serei tolerante contigo.

Judas lhe disse: na visão eu me vi sendo apedrejado pelos doze discípulos,


e que estavam perseguindo-me severamente.

• Evangelho de Nicodemus – E por isso mesmo também enviou-me a vós


para anunciar-vos a chegada do Filho de Deus unigênito a este lugar, a
fim de que aquele que acreditar nele seja salvo, e quem não acreditar,
seja condenado. Por isto recomendo a todos que, enquanto o virdes,
adoreis somente a ele, porque esta é a única oportunidade de que
dispondes para fazer penitência pelo culto que rendestes aos ídolos
enquanto vivíeis no mundo vil de antes e pelos pecados que cometestes;
isto já não poderá ser feito em outra ocasião. Ao ouvir o primeiro a ser
criado e pai de todos a instrução que João estava dando aos que se
encontravam no inferno, disse Adão ao seu filho Seth: "Meu filho, quero
que digas aos pais do gênero humano e aos profetas para onde eu o
enviei quando caí no transe da morte". Seth disse: "Profetas e patriarcas,
escutai: meu pai Adão, a primeira das criaturas, caiu uma vez em perigo
de morte e enviou-me para fazer orações a Deus muito próximo da porta
do paraíso, para que me fizesse chegar por meio de um anjo até a árvore
da misericórdia, de onde haveria de tomar do óleo, para com ele ungir
meu pai para que assim ele pudesse recuperar-se de sua doença.

• Evangelho Gnóstico De João (Complemento de Mateus 26, versículos


29a até 30) - Antes que fosse preso pelo julgamento dos judeus, o Mestre

49
nos reuniu a todos e disse: "Antes que eu seja entregue a eles,
cantaremos um hino ao Pai e, em seguida, iremos ao encontro daquilo
que nos espera Ele pediu que nos déssemos as mãos em roda e
colocando-se no meio, disse: "Respondei-me Amém."

"Ao universo pertence àquele que participa da dança." - Amém.

"Quem participa da dança, não sabe o que vai acontecer." - Amém.

"Devo ir mas vou ficar." - Amém.

"Devo honrar e devo ser honrado." - Amém.

"Não tenho morada, mas estou em todos os lugares." - Amém.

• O Evangelho da Infância – Palavras de Jesus no berço: Encontramos


no livro do grande sacerdote Josefo que viveu no tempo de Jesus Cristo,
e que alguns chamam de Caifás, que Jesus falou quando estava no berço
e que disse a sua mãe Maria: — Eu, que nasci de ti, sou Jesus, o filho de
Deus, o Verbo, como te anunciou o anjo Gabriel, e meu Pai me enviou
para a salvação do mundo.

4.3.4 Literatura Apocalíptica

Após a dominação babilônica, os judeus passaram a servir o império


Medo/Persa que cai sob o poder militar de Alexandre Magno. Este, foi bondoso com
os judeus, não apenas, tratando-os com justiça, mas ampliando e tornando
extremamente suntuoso o Templo de Jerusalém. Diante de sua morte prematura, seu
império foi dividido entre seus quatro generais: Cassandro, Lisímaco, Celeuco,
Ptolomeu; os quais estabeleceram seus próprios impérios.

Incialmente, os judeus são submetidos ao domínio dos Ptolomeus (Egito) e


posteriormente aos Selêucidas (Síria), que tinham como rei, Antíoco Epifânio (Άντίοχος
Έπιφανής), um rei cruel e idolatra.

Antíoco Epifânio, domina com mão de ferro e procura a todo custo destruir a
cultura e a religiosidade dos judeus. Dessa forma, invade o Templo de Jerusalém e
50
sacrifica um porco no altar do Senhor, profanando-o e dessa maneira, cumprindo a
profecia de Daniel 9.27 e 11.31 (cf. Mateus 24.15). É neste contexto que surge a
literatura apocalíptica. Esta é caracterizada por visões, simbolismos, misticismo e
fábulas; havendo sido largamente utilizada pelos judeus no período intertestamentário.
Destarte, como afirmou Leandro Lima: “A literatura apocalíptica é um movimento
complexo, que abrange os escritos judaicos e cristãos compreendidos principalmente
entre os séculos III A.C e II D.C”.57

Apocalipse, significa “revelação”. Dessa forma, os livros apocalípticos


intencionam revelar a intervenção Divina na história da humanidade, vingando seu
povo e estabelecendo seu reino glorioso. Intervenção que era esperada pelos judeus,
mas que não a viam acontecer, e isso arrefecia sua fé. Concomitantemente, percebiam
o crescimento do mal numa escala assustadora, pois até mesmo o Templo do Senhor,
havia sido profanado e este não o vingava.

A literatura apocalíptica surge, portanto, procurando explicar a existência do


mal e reanimar o povo, mediante uma possível intervenção Divina que salvaria os
oprimidos e estabeleceria um reino terreno e triunfante por meio do Messias
prometido. Neste sentido, George Eldon Ladd, fala da literatura apocalíptica como
sendo “panfletos para horas difíceis”. Por outro lado, Champlin, ressalta que “o
propósito psicológico dessas obras era o de ajudar os judeus (e também os cristãos)
a resistirem a tiranos terrenos e a nações abusivas, já que assim era oferecida uma
solução rápida para momentosos problemas, mediante a intervenção divina”.58

O fato é que a literatura apocalíptica, via de regra, trata de assuntos relativos ao


fim, ou seja, de questões escatológicas e que no caso da apocalíptica judaica, mantém
um olhar fixo no julgamento de Deus sobre as demais nações.

Os livros apocalípticos caracteristicamente encaravam o fim como próximo,


porquanto o espírito humano se impacientava debaixo das perseguições.
Esses livros ofereciam “um salto” por cima das condições organizadas atuais.

57
LIMA, Leandro Antonio de. Apocalipse como literatura: um estudo sobre a importância da análise da arte
literária em Apocalipse 12-13. Disponível em:
http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/2338/1/Leandro%20Antonio%20de%20Lima.pdf. Acesso em: 21
de outubro de 2020.
58
CHAMPLIN, Russell Norman. Novo Dicionário Bíblico Champlin. São Paulo: Hagnos, 2018.

51
Tal salto se daria rápida e prontamente, e a glória da vitória sobre as forças
malignas não tardaria a estabelecer-se.59

4.3.5 Instituições, partidos e seitas de Israel

No período intertestamentário, surgem também, as sinagogas, o sinédrio e as


principais seitas judaicas, a exemplo dos fariseus, saduceus e essênios; bem como
zelotes e publicanos, dentre outros. Ocasião em que os escribas ganham
proeminência na interpretação da Lei de Moisés.

4.3.5.1 Sinagoga

Com o cativeiro babilônico e a consequente destruição do Templo de


Jerusalém, tanto os judeus que foram levados cativos, quanto os que foram deixados
nas ruínas de Judá, já não tinham o Templo onde deveriam fazer seus sacríficos e
adorar a Deus. Diante disto, surge a necessidade urgente de reunirem-se em um lugar
apropriado para a adoração. Conquanto não tivessem um local adequado, passaram a
reunir-se de casa em casa para adorarem a Deus e estudarem a Lei. E é neste contexto
que surgem as sinagogas. Para suprir a necessidade de um lugar adequado para a
adoração e o ensino da Palavra de Deus. O próprio nome, Sinagoga, sugere isso, visto
que o termo vem do grego συναγωγή e significa “trazer com” ou “assembleia”. Desse
modo, as sinagogas se tornaram o centro da religiosidade do povo de Deus e foram
de grande importância para eles, pois ali a Lei era ensinada ao povo (cf. Atos 15.21).

Certamente, as sinagogas foram resultado da providência Divina para


propagação do Evangelho e expansão do seu Reino (cf. Mateus 4.23; Marcos 6.2;
Atos 9.20, 13.1-5). Não obstante, com o tempo, as Sinagogas, passaram a servir
também, como tribunais (cf. Mateus 10.17, 23.34; Marcos 13.9; Lucas 12.11, 21.12;
Atos 22.19, 26.11).

Em qualquer lugarejo onde houvesse pelos menos dez homens adultos, havia
uma sinagoga. A sinagoga servia de escola comunitá-ria, lugar de concílios

59
Ibidem.

52
locais religiosos e políticos, e como igreja ou centro de adoração. Os seus
líderes eram os anciãos. O líder principal era o chefe, que dirigia a adoração.60

As sinagogas serviram como modelo para o que mais tarde viria a ser o local
de culto cristão, bem como a forma como eram organizados os rituais religiosos
também serviram de inspiração para o cristianismo nascente. “O culto, provavelmente,
terminava com alguns cânticos por parte de toda a congregação”.61 Mas, o que chama
a atenção é o fato de que o elemento central do culto que acontecia nas sinagogas era
a leitura e interpretação da Palavra de Deus. Jesus deu um bom exemplo disso, pois
frequentemente as expunha (cf. Lucas 4.14-22). A igreja primitiva seguiu firmemente
esse padrão. Por outro lado, a organização da liderança local desta instituição, deve
igualmente, ter servido de exemplo para os cristãos primevos.

Os líderes das sinagogas eram: 1. Os chefes (Lc 8.49;13.14; At 18.8,17). Eram


os responsáveis pelo arranjo dos cultos e pela execução da autoridade na
comunidade. 2. Os presbíteros (Lc 7.3; Mr. 5.22; At 13.15), que evidentemente
formavam um concílio sob a autoridade dos “chefes”. 3. O “legatus” ou
angelus ecclesiae, que operava como leitor das orações e como mensageiro.
4. O assistente (Lc 4.20), que preparava e cuidava dos livros, limpava a
sinagoga, fechava e abria suas portas etc.62

4.3.5.2 Sinédrio

O Sinédrio era, em termos gerais, o Supremo Tribunal Judaico, onde as


questões religiosas e de ordem pública eram julgadas e, consequentemente, onde as
leis eram aplicadas (cf. Marcos 14.53-56; Atos 5.41, 6.12-15, 22.30). O termo vem do
grego συνέδριον, que significa “concílio” ou “assembleia”. Neste sentido, “a palavra
grega συνέδριον é frequentemente encontrada no grego clássico e helénico, onde
normalmente significa ‘lugar de reunião’, mas também vem a significar a própria
reunião, e em alguns casos até mesmo sua autoridade”.63 Outrossim, sua área de
atuação era bastante extensa, visto que não tratava apenas das questões religiosas do

60
Cf. CHAMPLIN, Russell Norman. Vol. 06. Op. Cit. 2013, pág. 220.
61
Cf. CHAMPLIN, Russell Norman. Op. Cit. 2018, pág. 1649.
62
Ibidem.
63
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 05, pág. 660.

53
povo judeu, mas também de aspectos cíveis, relacionadas a estes; julgando desde
pequenos delitos a crimes capitais. Não obstante, para que pudessem impor a pena
de morte sobre alguém, deveriam obter autorização da autoridade romana, via de
regra, do próprio governador da província. Eis a razão por que não executaram a Jesus
Cristo imediatamente, entregando-o a Pôncio Pilatos (cf. Mateus 27.1-2). “O Sinédrio,
assim como outros tribunais locais, de acordo com a Mishnah, quase certamente era
proibido de reunir-se no sábado ou em dias de festas”.64 Ou seja, sua reunião para
deliberar sobre a suposta culpa de Jesus foi absolutamente ilegal e imoral, conforme
comenta Hernandes Dias Lopes:

Suas leis não permitiam a um prisioneiro ser interrogado pelo Sinédrio à noite.
No dia anterior ao sábado ou de uma festa, todas as sessões estavam
proibidas. Nenhuma pessoa podia ser condenada a não ser por meio do
testemunho de duas testemunhas, mas eles contrataram testemunhas falsas.
O anúncio de uma pena de morte só podia ser feito um dia depois do
processo. Nenhuma condenação podia ser executada no mesmo dia, mas
eles sentenciaram Jesus à morte durante a noite, e logo cedo o levaram a
Pilatos para que este lavrasse sua pena de morte. A reunião acusatória do
Sinédrio, portanto, foi ilegal, uma vez que ocorreu à noite, e o método usado
também foi ilegal, visto que eles ouviram apenas testemunhas contra Jesus,
e ainda testemunhas falsas.65

Ao menos duas linhas de pensamento buscam explicar a origem desta


instituição: a primeira, afirma que a origem do sinédrio está na nomeação dos setenta
anciãos que auxiliavam Moisés (cf. Números 11.16-17). A segunda, propõe uma
origem bem mais tardia, ocorrendo no período pós-exílico, com a nomeação de
magistrados que julgassem ao povo (cf. Esdras 7.25-26; Neemias 2.16).

A primeira menção explícita ao grupo de pessoas conhecido como o Sinédrio,


em fontes históricas é encontrada em Josefo ( Ant. XII. 138ss.), onde em seu
relato sobre um decreto de Antíoco III (223-187 a.C.) é feita referência ao
γερουσια ou “senado” dos judeus. Este “senado” era composto de sacerdotes
e anciãos sob a direção do sumo sacerdote, sendo constituído como um

64
Ibidem.
65
LOPES, Hernandes Dias. Mateus – Jesus, o Rei dos reis. São Paulo: Hagnos, 2019.

54
grupo organizado preocupado não somente com questões judiciais, mas
tendo a responsabilidade mais plena de atuar como o corpo governante de
toda a Palestina. Era a prática dos reis helénicos conceder um grande nível
de liberdade às nações subordinadas, no governo de seus negócios internos.
Esta parece ter sido a realidade da nação judaica sob os ptolomeus e
selêucidas.66

Originalmente, o sinédrio era composto por 71 membros, todos da nobreza


sacerdotal, formada pelos saduceus. Não obstante, com o passar do tempo, foram
incluídos fariseus, escribas e anciãos do povo.

4.3.5.3 Escribas

Um escriba era basicamente um escrivão. Alguém responsável por registrar


certas informações a ele repassadas. Neste sentido, J. D. Douglas esclarece que:
“as palavras traduzidas como ‘escriba’, em hebraico (sofer, derivada de safar, ‘contar,
dizer’; no piel, ‘recontar’), em ugarítico (spr) e em acadiano (shaparu, ‘enviar’,
‘escrever’) incluem os principais deveres dessa atividade altamente técnica”.67 Com o
passar do tempo, este, se tornou um negócio familiar e corporativo, passando de pai
para filho, ao longo de suas gerações (cf. I Crônicas 2.55).

A princípio, estavam ligados ao poder público, sendo responsáveis por questões


como: redação de ordens e mandados reais (cf. II Crônicas 24.11); registro de
questões legais (cf. Jeremias 36.26; 32.12); registros históricos (cf. II Samuel 8.16);
organização do rol dos soldados (cf. II Crônicas 26.11); dentre outras atividades. Isso
não implica em dizer, que suas habilidades não pudessem ou não fossem utilizadas
em assuntos de natureza religiosa, é o que pode claramente, ser inferido de textos
como II Reis 12.10; 22.8-10. Seguindo nesta mesma linha de pensamento, Merrill
Tenney, esclarece: “visto que o fornecimento de cópias escritas da lei era uma
responsabilidade (dos escribas) levítica (Dt 17.18), as reformas de Josafá (cp. 2Cr 17)
não podem ser dissociadas da função de escriba”.68

66
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 05, pág. 660.
67
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. 3ª Edição. São Paulo: Vida Nova, 2006.
68
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 02, pág. 466.

55
O que fica evidente é que, o escriba já estava envolvido com os assuntos
templários, isto é, com os interesses relativos ao Templo do Senhor, antes do período
intertestamentário. Entretanto é nesse período que este personagem passa a ter um
papel de destaque na vida religiosa do povo de Deus. Pois, a partir do período
denominado de pós-exílico, o qual precede o período intertestamentário, os escribas
passam a desempenhar um novo papel: o de intérpretes da Lei de Deus. Neste quesito,
destaca-se o sacerdote Esdras, o qual era também, um escriba (cf. Esdras 7.10-12;
Neemias 8.1-8). É ainda no período intertestamentário, que os escribas ganham
proeminência, figurando também, como líderes políticos. No Novo Testamento, são
chamados de doutores e mestres (cf. Lucas 2.49; Mateus 23.1-7), sendo membros do
Sinédrio, atuando consequentemente, como juízes do povo (cf. Marcos 14.53-56;
Lucas 22.66). Muitos faziam parte da seita dos fariseus ou dos saduceus, legitimando
assim, suas interpretações da Lei.

4.3.5.4 Fariseus

O termo, fariseu, parece proceder de um vocábulo hebraico que significa


separado. Enéas Tognini observa que é talvez seus inimigos os tenham rotulado com
esse nome, pois os fariseus viviam separados do povo por temer contaminar-se com
este. Eles “gostavam de chamar-se haberin, companheiros, ou qedosim, santos”.69

Esdras, conforme vimos no ponto anterior, era sacerdote e escriba, sendo


“versado na Lei de Moisés, dada pelo Senhor, Deus de Israel” (Esdras 7.6). Após sua
morte, outros deram continuidade ao seu trabalho e ficaram conhecidos como
hasidhim (leais a Deus). Estes resistiram ao helenismo grego, lutando pela manutenção
da cultura e religiosidade judaica, sendo a base para a seita dos fariseus que surge
oficialmente por volta do ano 140 a.C., após a vitória macabéia sobre os sírios.

É possível que os hasidim tenham se dividido. Sendo que uma parte optou por
fazer enérgica e categórica oposição sumo sacerdócio imposto pelos selêucidas e,
posteriormente, por Herodes, o Grande, e acabaram sendo chamados de separados.
Estes levantaram-se no seio da comunidade de judaica, como os grandes e poderosos

69
Cf. TOGNINI, Enéas. Op. Cit. 1987, págs. 131-132.

56
guardiões da Lei de Moisés. Formaram uma frente de resistência ao helenismo pagão
e idólatra de seu tempo. Nesse grupo, encontravam-se os escribas. Eles “evoluíram
até chegar ao fariseu tradicionalista e exclusivista do Novo Testamento”. 70

Os fariseus criam em anjos, demônios e na ressurreição dos mortos. Defendiam


que a tradição oral (Mishnah), tinha o mesmo poder e autoridade que os escritos da
Torah. Isto por que, em sua compreensão, no monte Sinai, Moisés recebeu a lei oral
da parte de Deus, depois a repassou para Josué, este a transmitiu aos anciãos, e estes,
por sua vez, aos profetas e aos homens da sinagoga. Assim, surge a “tradição dos
anciãos”, a qual era extremamente pesada e impossível de se cumprir à risca.

4.3.5.5 Saduceus

A origem deste grupo permanece um mistério e não existe consenso entre os


eruditos a esse respeito.

Enquanto os fariseus pertenciam à classe média, a seita dos saduceus era


composta pela rica aristocracia, especialmente o influente sacerdócio de Jerusalém, o
que contrariava a determinação Divina para estes (cf. Números 18.20). De modo, que
a seita dos saduceus contava com ricos comerciantes e funcionários do governo,
dentre outros. Nos tempos de Jesus, todo sumo-sacerdote era saduceu.

Em geral, tinham crenças opostas às dos fariseus, pois negavam, a existência


dos anjos e dos espíritos (cf. Atos 23.6-8); a ressurreição e o juízo futuro, visto, que
para eles, a alma morre com o corpo (cf. Mateus 22.23-33). Negavam ainda, a
existência do inferno e somente criam naquilo que a razão pudesse provar.

A opinião dos saduceus é que as almas morrem com os corpos e que a única
coisa que somos obrigados a fazer é observar a lei, sendo um ato de virtude
não tentar exceder em sabedoria os que a ensinam. Os adeptos dessa seita
são em pequeno número, mas ela é composta de pessoas da mais alta
condição.71

70
Ibidem.
71
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. 8ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

57
De modo que os saduceus eram, por assim dizer, os defensores do liberalismo
teológico de sua época. Outrossim, de forma geral, o Novo Testamento se reporta de
forma negativa à seita dos saduceus (cf. Mateus 3.7, 16.1,6; Marcos 12.18; Atos 15.17).

De forma geral, eram opositores dos fariseus, tanto em termos políticos, quanto
religiosos. Negavam os escritos dos profetas e a Mishnah (Lei oral) adotada pelos
fariseus. Neste sentido, Josefo observa que “os saduceus, porém, as rejeitavam,
porque elas não estão compreendidas entre as leis dadas por Moisés, que estes
afirmam serem as únicas que são obrigados a observar”.72 Não obstante, sendo
também membros do Sinédrio, uniram-se aos fariseus em sua oposição a Jesus (cf.
Marcos 12.18; Mateus 16.1-12). Igualmente, formaram uma frente de oposição aos
apóstolos (cf. Atos 4.1-3, 5.17-18, 23.1-10).

4.3.5.6 Zelotes

As Escrituras não dão grande ênfase aos zelotes; ao contrário do que ocorre,
com fariseus, saduceus e escribas. As únicas passagens que citam este personagem,
o fazem apenas de relance, apontando para um dos discípulos de Jesus, denominado
de Simão, o zelote (cf. Mateus 10.4; Marcos 3.18; Lucas 6.15; Atos 1.13).

Os zelotes formavam um grupo ultranacionalista, caracterizado por seu fervor


patriótico, sendo extremamente radicais em seu labor contra a ditadura imposta sobre
Israel, especialmente do que se referia aos romanos. De modo que estavam convictos
de que a vinda do Messias aconteceria através de uma ação revolucionaria que
culminaria com a destruição do poder opressor romano. Acredita-se que os
integrantes desta seita fossem descendentes do Macabeus.

Por serem ultranacionalistas, atraíam a atenção de muita gente, sobretudo, de


pessoas das classes sociais mais baixas, com tendência criminosas, pois eram
essencialmente uma associação de patriotas judeus motivados por profundas
convicções religiosas.

Embora, como partido político tenham se organizado por volta do ano VI d.C.,
suas origens remontam, à guerra dos macabeus, onde Matatias em seu zelo para com

72
Idem.

58
Deus e a Lei, se negou a oferecer um sacrifício pagão, matando um emissário do rei e
um sacerdote apóstata que havia concordado com a ordem real.

Havia uma diferença básica entre os fariseus e os zelotes: os primeiros,


resistiam à influência estrangeira, mas a viam como uma espécie de castigo Divino, ao
fim do qual, Deus redimiria seu povo, mediante a vinda do Messias. Por outro lado, os
últimos, ou seja, os zelotes, rejeitavam qualquer dominação humana, pois em seu
entendimento, apenas Deus tem o direito de governar sobre Israel. Acreditavam que
somente se o reino fosse tomado à força, Deus estabeleceria a era messiânica
prometida. Destarte, se recusavam a pagar impostos; saqueavam e assassinavam
oficiais do governo; militavam contra o uso do idioma grego na Palestina, o que
consideravam um símbolo da influência e domínio pagãos e; em virtude do seu fervor
patriótico se sentiam autorizados a profetizar a vinda do tempo da salvação. Estavam
muitas vezes, dispostos a morrer em favor de sua causa.

Israel nunca se sentiu à vontade sob governo estrangeiro. As revoltas eram


inevitáveis. Enquanto os herodianos procuravam promover as boas relações
com Roma, os zelotes e outros grupos radicais pensavam que podiam realizar
o que os macabeus tinham feito, liberando uma vez mais a Palestina do poder
estrangeiro. Somente assim, segundo pensavam, poderia ser preservada e
promovida a verdadeira fé de Israel. Judas, o Galileu (At 5.37) enganou os
judeus. Mas sua derrota e morte não desencorajou o movimento em geral.73

Ao se referir a este grupo, Josefo afirma que tal nome, era uma autodesignação,
“como se tivessem no coração o zelo pela glória de Deus, quando viviam sempre
sedentos de sangue e suas mãos, prontas a cometer os maiores crimes”. 74

4.3.5.7 Publicanos

Os publicanos, contudo, não são uma seita ou partido político-religioso de Israel,


senão uma classe de funcionários públicos, incumbidos de coletar impostos do povo.
Estes, eram extremamente odiados por todos, uma vez que, além de receber os

73
Cf. CHAMPLIN, Russell Norman. Op. Cit. 2018, pág. 806.
74
Cf. JOSEFO, Flávio. Op. Cit. 2004, pág. 1264.

59
impostos devidos ao império, extorquiam o povo cobrando muito além do estabelecido
em lei, razão pela qual, alguns ao buscarem ser batizados por João, foram exortados
a cobrar apenas o que era justo (cf. Lucas 3.12-13). Isso acontecia por que os romanos
permitiam tal prática. Para Roma, o que importava era receber sua “cota”, o que disto
passava, consideravam como uma espécie de comissão a ser paga aos cobradores de
impostos, os publicanos. O ódio desenvolvido pelos judeus a esta classe de pessoas,
era tanto que Merrill Tenney, chega a afirmar que os “cobradores de impostos ou
publicanos eram considerados as pessoas mais baixas entre os judeus, junto com
ladrões e prostitutas”.75 Ao falar a respeito destes, Champlin enumera quatro razões
pelas quais, os publicanos eram odiados:

1. Os publicanos enriqueciam às custas de pobres e ricos, igualmente; 2. O


método do recenseamento e do censor romano requeria que as pessoas
fossem à cidade de origem, o que era uma grande inconveniência para todos,
segundo lemos a respeito de José e Maria; 3. Grande parte daquilo que era
recolhido seguia para a opulenta cidade de Roma, para ser distribuído entre
uma população ociosa, em uma época em que estava abaixo da dignidade de
um cidadão romano trabalhar com as próprias mãos; 4. além de tantas
obrigações, pesava ainda sobre eles o imposto do templo, a cada ano. Os
coletores de impostos seguiam aos bandos de aldeia em aldeia, uma vez por
ano, a fim de recolherem essas taxas; e, nos países estrangeiros, havia lugares
determinados onde essa cobrança era feita.76

Tenney ressalta ainda, que “eles simbolizavam a opressão estrangeira, e seus


contatos profissionais com os gentios tomavam-nos cerimonialmente impuros”.77 De
modo que Jesus foi duramente criticado com os publicanos e pecadores, dentre os
quais um havia sido chamado para ser seu discípulo (cf. Mateus 9.9-13).

Todavia, a história mais conhecida e que talvez, mais chame a atenção no Novo
Testamento acerca de um publicano, seja a de Zaqueu. Um cobrador de impostos que
ao encontrar-se com Jesus tem sua vida transformada e decide restituir quatro vezes
mais do que havia roubado de seus concidadãos (cf. Lucas 19.1-10).

75
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 04, pág. 144.
76
Cf. CHAMPLIN, Russell Norman. Op. Cit. 2018, pág. 468.
77
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 04, pág. 103.

60
4.3.5.8 Herodianos

Outro grupo sobre o qual pouco se fala é o dos herodianos, havendo apenas
três pesagens nas quais são citados (cf. Mateus 22.16; Marcos 3.6, 12.13). Seu nome
fala por si, pois eram partidários de Herodes, o Grande.

A designação indica que os herodianos eram partidários de um Herodes ou


dinastia herodiana, mas uma identificação mais específica é uma questão de
conjectura. São feitas sugestões variadas concernentes a eles: que eram
soldados de Herodes; cortesãos de Herodes; judeus pertencentes às
tetrarquias do norte governadas pelos filhos de Herodes; defensores das
aspirações judaicas por um reino nacional que favorecia o governo herodiano
vs. o governo romano direto; defensores políticos de Antipas. 78

Não podemos afirmar com absoluta segurança a que classe ou a que categoria
social, os herodianos pertenciam, contudo, sabemos que, no aspecto religioso,
simpatizavam com os saduceus em suas crenças. Entretanto, não pertenciam a esta
seita, conforme pode ser inferido das palavras de Tenney: “Eles podem ter tido
inclinações saduçaicas, mas os evangelhos nunca sugerem que os herodianos devam
ser igualados aos saduceus”.79 Destarte, ao alertar seus discípulos sobre a hipocrisia
dos fariseus, Jesus incluiu os herodianos (cf. Marcos 8.15). Tenney observa ainda, que
“os herodianos, politicamente cuidadosos, estariam interessados, juntamente com os
fariseus eclesiásticos, em preservar o status quo”.80

Sua origem está arraigada à questão sociopolítica, quando os romanos


estabeleceram a Herodes, o Grande, um idumeu, como rei sobre os judeus, ignorando
por completo o disposto na Lei judaica, onde Deus havia ordenado aos seus servos
que não designassem nenhum rei estrangeiro sobre si (cf. Deuteronômio 17.14-15).
Por essa razão os fariseus os odiavam com todas as suas forças, visto que Herodes
não passava de um usurpador do trono judeu. Assim, Enéas Tognini ressalta que:

Fariseus e herodianos eram inimigos figadais e irreconciliáveis. De vez em


quando deflagrava na Palestina uma revolta contra os herodianos que

78
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 03, pág. 107.
79
Ibidem.
80
Ibidem.

61
apoiavam os publicanos, como a de Judas Galileu e Judas, o Gaulonita. Todo
o ódio que os judeus votavam ao feroz Herodes, eles canalizaram depois
contra os herodianos.81

Não obstante, os herodianos somaram forças com os fariseus em sua


conspiração contra Jesus (cf. Mateus 22.15-16; Marcos 3.6, 12.12-17).

4.3.5.9 Samaritanos

Por volta do ano 722 a.C. o Reino do Norte (Israel) foi invadido e dominado pelos
Assírios. Estes, como de costume, numa ação estratégica, dispersavam os povos
conquistados, distribuindo-os entre as mais diversas nações de seu império. Dessa
forma, mediante, a miscigenação cultural e religiosa, destruíam as crenças e
esperanças politicas daqueles que haviam sido conquistados. É nesse contexto que a
cidade de Samaria, que ficava nos limites de Manassés, que ia desde as margens do
Rio Jordão até as margens do Mar Mediterrâneo, surge. As circunstancias em que tudo
aconteceu são apresentadas, ainda que sucintamente, em II Reis 17.1-18. Devemos,
contudo, considerar o fato de que todas estas coisas aconteceram sob a soberana
providência de Deus (cf. I Reis 14.15-16; II Reis 17.19-34).

O que fica evidente de tudo isto, é que os samaritanos do Novo Testamento, já


não são uma raça pura, isto é, não é composta apenas de judeus, mas uma mistura de
raças, que por sua vez, promoveu um sincretismo religioso difícil de nomear. Assim,
no que concerne à adoração que realizavam no Monte Gerizim, citado em João 4.20
na conversa da mulher samaritana com Jesus, Merrill Tenney, esclarece que:

Os samaritanos acreditavam que Josué construiu um santuário no Monte


Gerizim, o qual foi o centro de toda a adoração israelita antiga. Datavam o
rompimento religioso com os judeus na época de Eli, a quem eles acusavam
de erigir um santuário rival em Silo. Por um breve tempo houve dois santuários
e dois sacerdócios. Os filisteus logo destruíram o santuário de Silo, e Saul
perseguiu as tribos de José, privando-os de seu santuário no Monte Gerizim.
Sua tradição diz que, por um tempo, eles fugiram para Basã. Os samaritanos
registraram pouco sobre o declínio da cidade de Samaria, salvo para sugerir

81
Cf. TOGNINI, Enéas. Op. Cit. 1987, pág. 140.

62
que era uma perda política em vez de uma perda religiosa. Siquém, e não
Samaria, sempre foi e continuaria a ser sua cidade santa. Eles modificaram a
história da praga dos leões (2Rs 17.24-33) adicionando que o rei assírio
também os permitiu reinstituir sua adoração no Monte Gerizim.82

Em sua teologia, os samaritanos adotavam o Pentateuco, mas rejeitavam os


demais escritos do Antigo Testamento. Entretanto, com o passar do tempo,
desenvolveram seu próprio Pentateuco, que ficou conhecido como “Pentateuco
Samaritano”. É possível que sua rejeição ao Cânon Judaico esteja relacionada à cidade
de Jerusalém, lugar onde os judeus insistem ser o lugar de adoração, mas que é
rejeitado pelos samaritanos, que apontam como tal, o Monte Gerizim.

O tipo de texto encontrado no Samaritano é difícil de categorizar. Por


um lado, permanece muito próximo ao texto protomassorético. Porém,
possui um grande número de leituras que concordam com a
Septuaginta. Novamente, está repleto de leituras inferiores: expansão,
transposição, inserção de paralelos de outras passagens ou livros,
leituras de um tipo que deve ter sido introduzido em uma data bastante
anterior, quando o texto era relativamente fluente. Com toda
probabilidade não são especificamente o resultado de atividade de
revisão samaritana. De qualquer forma, o Pentateuco Samaritano tem
sido de utilização apenas limitada na tarefa de recuperar uma forma
mais primitiva do texto hebraico do Antigo Testamento.83

4.3.6 O Período Intertestamentário e a plenitude dos tempos

A sucessão imperial que se deu sobre as mais diversas nações: Babilônios,


Persas, Gregos e posteriormente Romanos, levou os povos conquistados a perderem
a fé em seus deuses, bem como, na filosofia – tão abundante em seus dias,
preparando-os assim, para uma melhor aceitação do Kerigma do Evangelho, visto que
este trazia consigo uma mensagem de vida, esperança e paz. Não obstante, acima de

82
Cf. TENNEY, Merrill C. et al. Op. Cit. 2008, Vol. 05, pág. 424.
83
Idem.

63
qualquer outra coisa, devemos olhar para todos estes acontecimentos, como um
tempo de preparação para a chegada do Messias prometido, Jesus Cristo. De modo
que devemos considerar o fato de que todos os acontecimentos do Período
Intertestamentário, estavam sob o controle soberano do Deus Todo-Poderoso, que
mediante, tais eventos cumpriu seus santos desígnios, os quais são claramente
expressos nas Sagradas Escrituras (cf. Gálatas 1.1-5, 4.1-7; Efésios 1.3-14). Neste
sentido, dois povos se destacam: os gregos e os romanos.

4.3.6.1 Gregos

Os gregos eram e ainda são, um povo culturalmente evoluído e ávido por


conhecimento (conf. I Coríntios 1.20-24). Tal característica influenciou profundamente
os povos conquistados, levando-os ao desenvolvimento intelectual e cultural.

De forma prática, os gregos contribuíram para a chegada de Jesus e a expansão


do cristianismo, especialmente no que se refere à necessidade de uma religiosidade
que respondesse aos anseios mais profundos da alma e a propagação do pensamento
judaico de um Messias que viria para instaurar a paz e a justiça em toda terra. Por
outro lado, contribuíram com a universalidade do idioma grego.

Com a propagação e disseminação do grego Koinê, uma espécie de linguagem


popular, os povos puderam se comunicar de forma mais ampla e eficaz. Sendo
inclusive, a língua utilizada pelos escritores do Novo Testamento. Dessa forma, a
difusão de conceitos e da própria religiosidade tornou-se muito mais ampla. Foi assim,
por exemplo, que o Antigo Testamento judeu, tornou-se conhecido dos mais diversos
povos, levando a estes, a esperança judaica de um Messias glorioso, capaz de
instaurar um reino de justiça e paz.

Os gregos deram ao judaísmo e ao cristianismo o veículo de comunicação


universal na época da eclosão do cristianismo, ou seja, o idioma grego, em
sua variante koiné. As conquistas militares de Alexandre, o Grande,
propagaram esse idioma para todas as partes do mundo civilizado de então.84

84
Cf. CHAMPLIN, Russell Norman. Op. Cit. 2018, pág. 775.

64
Se por um lado, os gregos influenciaram os povos no que se refere ao
conhecimento filosófico-cultural, por outro, foram influenciados por estes em sua
religiosidade. Até por que, dois de seus grandes filósofos, caminharam de mãos dadas
com o monoteísmo judeu.

Sócrates e Platão pregaram a existência de um só Deus. O homem ansiava


agora por esse Deus. Como resultado dessa ansiedade, veio a desilusão dos
deuses do Egito, da Caldeia, da Grécia, de Roma etc. Os sacerdotes pagãos
não mais acreditavam nos seus cultos e tudo faziam para desmoralizá-los.85

A influência judaica na cidade de Alexandria foi tanta que, Ptolomeu II,


desejando conhecer melhor os escritos dos judeus, pediu ao sumo sacerdote Eleazar
que o Antigo Testamento fosse traduzido para a língua grega. Atendendo ao pedido
de Ptolomeu, cerca de 70 anciãos judeus iniciaram um árduo trabalho de tradução de
seus textos e que após algum tempo culminou na confecção de um livro, que ficou
conhecido como Septuaginta ou LXX. Este livro de extrema importância para os judeus
da diáspora, visto que já não sabiam o hebraico ou o aramaico e com a chegada da
LXX, eles tiveram novamente, acesso aos Escritos Sagrados.

4.3.6.2 Romanos

Os romanos, assim como os gregos, contribuíram muito para a expansão do


Evangelho, pois unificaram os povos sob seu domínio, promovendo relativa paz entre
eles. Influenciados pelo politeísmo grego, os romanos adoravam diversas divindades
e por essa razão davam absoluta liberdade religiosa aos povos conquistados, os quais,
como resultado da unificação romana, viviam em relativa paz.

Por outro lado, a administração romana era incomparável. Era realizada, através
de seus tributários, juízes, reis e governadores, estabelecidos em cada província e
povoado. Enéas Tognini, ressalta que “a metrópole procurava melhorar os meios de
transportes e comunicação, a fim de estar em contato com as cidades de seu império.
Por todos os lugares, estavam os publicanos, os arrecadadores de impostos”.86

85
TOGNINI, Enéas. O Período Interbíblico – 400 anos de silêncio profético. São Paulo: Hagnos, 2009.
86
Idem.

65
Destarte, através da construção e melhoria das estradas, os romanos facilitaram o
transporte de mercadorias; beneficiando, dessa forma, o comércio entre os mais
diversos povos do império, bem como a comunicação entre os mesmos.

Os romanos faziam transações comerciais com a Índia, Espanha, Britânia etc.


Intensificou-se a navegação. O comércio obrigou a construção de estradas
famosas como a “Via Apia”, “Via Ignatia”, superiores a muitas de hoje.
Apareceram grandes firmas comerciais.87

A presença massiva de soldados romanos em todas as partes do império,


também foi um ponto bastante positivo, pois proporcionou o estabelecimento da “Pax
Romana”. Assim, as pessoas tinham liberdade de transitar com segurança em todas
as partes do império. O que, sem dúvidas, contribuiu para a propagação do Evangelho.

O que fica evidente é que, embora, o Período Interbíblico ou Intertestamentário,


tenha sido marcado pela ausência da voz Divina e de novas revelações da parte de
Deus, ele contribuiu em muito para a expansão do Evangelho, mediante o nascimento
de grupos político-religiosos e a criação das sinagogas. Por outro lado, o Sinédrio,
surgente nesse período, e que condenou a Jesus, foi instrumento de Deus para o
cumprimento de seus soberanos propósitos (cf. Atos 2.22-24). De forma que o estudo
desse período contribui em muito para que possamos, não apenas, entender os
acontecimentos registrados no Novo Testamento, mas também para que possamos
ter ciência da ação soberana de Deus ao longo da história, provendo redenção aos
seus escolhidos e também seu supremo governo sobre as inúmeras nações existentes
em todo o mundo (cf. Salmo 24).

87
Idem.

66
CONCLUSÃO

Através das descobertas arqueológicas e do estudo da geografia, em suas mais


diversas áreas, podemos alcançar uma compreensão mais adequada das verdades
bíblicas, bem como ter nossa fé melhor balizada e fundamentada Naquele que é o
Senhor de toda a terra.

Também, nos são dadas, mediante o estudo destas ciências, ferramentas para
melhor defendermos nossa fé, diante dos constantes ataques que ela sofre, seja por
meio dos céticos ateus, seja por parte dos liberais de nossa época.

Diante do exposto, devemos olhar para os grandes feitos de Deus, cumprindo


cada uma de suas promessas, como um balsamo revigorador para a nossa alma,
confiando a cada dia que os desígnios desse grandioso e maravilhoso Deus, haverão
de se cumprir cabalmente.

A Ele seja a honra e a glória, eternamente. Amém!

67

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