Saussure e A Linguistica Aplicada
Saussure e A Linguistica Aplicada
Saussure e A Linguistica Aplicada
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Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras e lingüística Área de Estudos Lingüísticos
Universidade Federal de Goiás, Goiânia-Go. Professora de Português na Universidade Estadual de Goiás,
Unidade Universitária de Inhumas. E-mail: hrc87@hotmail.com.
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ISSN 1984-6576 - v. 1, n. 2, outubro de 2009
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para a importância do perigo e dos efeitos que as atuais discussões podem ter para as demais
disciplinas pertencentes às ciências humanas, seremos tentados a pensar que as discussões
sobre as questões de método em lingüística poderiam ser apenas o prelúdio de uma revisão
que englobaria, finalmente, todas as ciências do homem . Razão pela qual, devemos nos
preocupar sobre os problemas que estão atualmente no centro das pesquisas da lingüística,
bem como a noção que os lingüistas possuem sobre o seu objeto e a forma de administrar suas
pesquisas.
Em 1916, três anos após a morte de Saussure, seus discípulos publicaram o Curso de
Lingüística Geral, uma obra capaz de abrir novos caminhos para os estudos lingüísticos. Após
noventa anos da publicação desta obra, o pensamento saussuriano ainda é digno de grande
importância, influenciando não apenas o campo da Lingüística, mas também campos de
estudos correlatos, os quais têm sua trajetória marcada pelo estruturalismo, representado na
figura de Saussure. Tal importância é única na história do pensamento ocidental,
revolucionando os estudos lingüísticos. Nesta mesma época começavam a emergir
importantes estudos em Antropologia, Psicologia e Sociologia, dentre outras disciplinas que
pertenciam ao mesmo campo de saber da Lingüística: o das ciências humanas. Entretanto,
como podemos observar, Saussure (1995, p. 16-17) não desejava que o objeto da Lingüística
fosse confundido:
Dessarte, qualquer que seja o lado por que se aborda a questão, em nenhuma
parte se nos oferece integral o objeto da Lingüística. Sempre encontraremos
o dilema: ou nos aplicamos a um lado apenas de cada problema e nos
arriscamos a não perceber as dualidades assinaladas acima, ou, se
estudarmos a linguagem sob vários aspectos ao mesmo tempo, o objeto da
Lingüística nos aparecerá como um aglomerado confuso de coisas
heteróclitas, sem liame entre si. Quando se procede assim, abre-se a porta a
várias ciências Psicologia, Antropologia, Gramática normativa, Filologia
etc. , que separamos claramente da Lingüística, mas que, por culpa de um
método incorreto, poderiam reivindicar a linguagem como um de seus
objetos.
Há, segundo nos parece, uma solução para todas essas dificuldades: é
necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la como
norma de todas as outras manifestações da linguagem.
Para o autor, apenas a língua dentre tantas dualidades, parece-lhe suscetível de uma
definição autônoma. Saussure (Ibidem, p. 18) afirma que
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Entretanto, Saussure não poderia deixar de lado as contribuições dadas por seus
antecessores como Humboldt2 e Whitney aos estudos da linguagem. Ele percebe a
importância destes estudos, bem como a falta de uma clareza metodológica capaz de atender
as necessidades desta ciência no início do século XX.
Diante desta constatação, Benveniste (2005, p. 20) afirma que devemos começar a
observar que a Lingüística possui um duplo objeto: a ciência da linguagem e a ciência das
línguas, sendo a primeira faculdade humana, universal e imutável do homem; e a segunda
particular e variável, no ato de sua realização. Mesmo o lingüista e a lingüística, tendo como
objeto a língua, não podem exilar os estudos sobre a linguagem de seu contexto, pois ambas
acabam por se entrelaçar, misturando-se, uma vez que os problemas das línguas colocam
sempre em questão a linguagem.
Para compreendermos melhor como a lingüística emergiu no campo da ciência,
apresentamos de forma resumida, as três fases da Lingüística descritas por Benveniste.
Segundo o autor (2005), a lingüística ocidental nasceu da filosofia grega, sendo que o
interesse dos pensadores gregos pela língua era apenas filosófico a linguagem é natural ou
convencional? esta seria a primeira fase da lingüística, a qual se estenderia até o século
XVIII sem se preocupar em estudar ou descrever uma língua por ela mesma. Com a
descoberta do sânscrito, no início do século XIX, uma nova fase se inicia, descobre-se a
existência de uma relação de parentesco entre as línguas indo-européias, surge então à
gramática comparada. Já no século XX, a Lingüística entra na sua terceira fase, com
Ferdinand de Saussure e o Curso de Lingüística Geral, escrito por seus discípulos, Charles
Bally, Albert Sechehaye e outros, em que se determina uma nova noção de língua, a qual cabe
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Humboldt (1767-1835) é reconhecido como sendo o primeiro lingüista europeu a identificar a linguagem
humana como um sistema governado por regras, e não simplesmente uma coleção de palavras e frases
acompanhadas de significados. Por volta do século XVII, alguns estudiosos europeus estavam começando a
interessar-se por questões gerais a respeito da língua, e entre os séculos VVII e XIX, estudiosos como Descartes,
Locke e Humboldt deram contribuições significativas a esse estudo. Mas, com poucas exceções, esses autores
não sabiam nada a respeito de línguas que não fossem as principais línguas européias, e seu trabalho foi
prejudicado pela falta de dados, sendo conseqüentemente, especulativo e apriorístico. (TRASK, R. L. Dicionário
de linguagem e lingüística. Trad. Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004, p. 177)
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aos lingüistas estudar e descrever através de uma técnica adequada à realidade lingüística, de
forma sincrônica, analisando a língua em seus aspectos formais próprios3.
Podemos observar que existe um esforço grandioso, por toda parte, em submeter a
Lingüística a métodos mais rigorosos, na tentativa de afastá-la das construções subjetivas, do
apriorismo filosófico. Segundo Benveniste (2005, p. 17),
[...] cada língua constitui praticamente uma unidade de estudo e nos obriga,
pela força das coisas, a considerá-la ora estática ora historicamente. Apesar
de tudo, não se deve esquecer que, em teoria, tal unidade é superficial, ao
passo que a disparidade dos idiomas oculta uma unidade profunda. Ainda
que no estudo de uma língua a observação se aplique ora a um aspecto ora a
outro, é absolutamente necessário situar cada fato em sua esfera e não
confundir os métodos. (SAUSSURE, 1995, p. 116)
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A novidade do enfoque saussuriano, que foi um dos que agiram mais profundamente, consistiu em tomar
consciência de que a linguagem em si mesma não comporta nenhuma outra dimensão histórica, de que é
sincronia e estrutura, e de que só funciona em virtude da sua natureza simbólica. (BENVENISTE 2005, p. 05)
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E afirma:
As duas partes da Lingüística, assim delimitada, vão-se tornar
sucessivamente o objeto do nosso estudo.
A Lingüística sincrônica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que
unem os termos coexistentes e que formam sistema, tais como são
percebidos pela consciência coletiva.
A Lingüística diacrônica estudará, ao contrário, as relações que unem
termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que
se substituem uns aos outros sem formar sistema entre si. (Loc. Cit.)
Segundo Faraco (2005, p. 155), Saussure fixou, em seu projeto teórico, uma rígida
separação metodológica entre o estudo dos estados de língua (sincronia) e o estudo da
mudança lingüística (diacronia), além de também estabelecer a precedência do estudo
sincrônico sobre o diacrônico . Tais orientações tiveram um forte impacto sobre os caminhos
trilhados pela Lingüística do século XX, sendo hegemonicamente sincrônica. Entretanto, a
divisão rígida proposta por Saussure fora objeto de constantes discussões e estudos, entre
autores como Coseriu, Herzog, Labov, Weinreich, Bakhtin (Voloshinov), dentre outros.
Parafraseando Saussure, a língua é um sistema, sistema este em que todas as partes devem ser
consideradas em sua solidariedade sincrônica.
O início do século XX foi marcado pela emergência de várias teorias, bem como
discursos sobre os mesmos ou diferentes objetos, questionamentos, reflexões, continuações e
descontinuações marcaram os estudos lingüísticos, em especial os estudos sobre a língua.
Benveniste (2005, p. 32) afirma que
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pois o signo para ser signo necessita da união de dois termos: significado e significante. Para
Saussure (1995, p. 80), o signo lingüístico une
não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta
não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte)
psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos
sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la material , é
somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o
conceito, geralmente mais abstrato.
O Estruturalismo
O final do século XIX ficou caracterizado como a época dos neogramáticos, à qual
Saussure pertencia. A Universidade de Leipzig era o reduto desta geração de lingüistas, os
estudos desse grupo de lingüistas, conforme Faraco (2004, p. 34), eram o questionamento
dos pressupostos tradicionais da prática histórico-comparativa (principalmente seu
descritivismo) e o estabelecimento de uma orientação metodológica e de um conjunto de
postulados teóricos para a interpretação da mudança lingüística . Tais questionamentos levam
Saussure a um novo campo de pesquisa, o estudo da língua, sem deixar de lado as
contribuições de Humboldt e Whitney, cujas idéias tiveram grande influência nos estudos
lingüísticos do século XX. Podemos citar, como exemplo, Whitney, ao comparar as línguas a
instituições sociais. Mesmo Saussure discordando de certos postulados de Whitney, suas
idéias ainda são uma peça central na constituição dos estudos saussurianos por colocar a
lingüística em seu verdadeiro eixo. Diante do crescente número de estudos sobre a lingüística,
a qual tem como único e verdadeiro objeto a língua, sendo esta considerada em si mesma e
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A palavra arbitrário requer também uma observação. Não deve dar a idéia de que o significado dependa da
livre escolha do que fala (ver-se-á, mais adiante, que não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num
signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo lingüístico); queremos dizer que o significante é imotivado,
isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.
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por ela mesma. Tal princípio faz com que a lingüística torne-se autônoma, desvencilhando-se
das concepções anteriores a ela.
Para Benveniste (2005, p. 9-10), a estrutura é
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lingüística, abrangendo não somente a sala de aula, mas outros contextos sociais, ampliando
assim, seu escopo. Entretanto, vale ressaltar que não se devem excluir as contribuições da
ciência da linguagem, uma vez que os pilares da LA foram forjados a partir destas
contribuições.
Bohn (1998) afirma que é difícil fazer uma distinção entre as duas ciências, a
Lingüística e a Lingüística Aplicada, bem como traçar os elos de domínio e de influência de
uma ciência na outra. Pois, a Lingüística é certamente o fator unitário de maior influência na
LA, entretanto, não é o único. Daí a relevância, de expor historiograficamente os caminhos
trilhados pela LA em busca de sua autonomia.
Ao refletirmos sobre as condições de emergência da Lingüística aplicada, pautadas
por demandas sociais ( aplicadas ), permite-nos observar que, desde sempre, seu objeto de
investigação é a linguagem como prática social, seja no contexto de aprendizagem de língua
materna ou estrangeira, seja em qualquer outro contexto onde surjam questões relevantes
sobre o uso da linguagem (MENEZES, 2008). Tais condições não apareceram de uma hora
para outra, elas foram constituídas ao longo do tempo por relações discursivas anteriores, em
determinados contextos, fazendo emergir o objeto do discurso e ao mesmo tempo
delimitando, especificando de acordo com o seu espaço e sua lei de aparecimento, excluindo
outros, sem modificar-se integralmente em relação a outras formações discursivas.
Signorini (2006, p. 99-100) afirma que
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Considerações finais
Existem questões que, nos dias de hoje, ainda, afetam a sociedade contemporânea.
Questões que estão intimamente associadas às condições de produção, de circulação e de
interpretação da língua, uma vez que as sociedades se conectam através da interação
lingüística, refletindo e refratando sua cultura, sua história e sua linguagem através dos
tempos, cristalizando os diversos saberes por meio da língua. Língua esta que se tornou objeto
de estudo, Ciência , contribuindo e buscando ao mesmo tempo subsídios teóricos nas
Ciências Humanas.
Entre dúvidas e incertezas, o caminho proposto por Saussure no Curso de Lingüística
Geral, escrito por seus discípulos, após sua morte, foi traçado. Desde então, a Lingüística
nunca mais fora a mesma. Pesquisas, questionamentos, discussões, análises, procedimentos
foram instaurados por diversos pesquisadores lingüistas e não-lingüistas, os quais beberam da
fonte, a Lingüística, seguindo os passos do mestre, ultrapassando os limites com outras
ciências, tendo como objeto a língua em sua complexidade.
Este trabalho é apenas um grão de areia solto no universo lingüístico diante de uma
obra tão importante, por isso decidimos fazer um pequeno recorte historiográfico, ressaltando
a sincronia, a diacronia e o signo lingüístico, os quais consideramos serem os pilares dos
estudos lingüísticos. Contudo, não podemos deixar de nos referir também aos estudos em
Lingüística Aplicada, a qual dedicamos um lugar especial em nosso trabalho.
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Referências
LOPES, E. Fundamentos da Lingüística Contemporânea. São Paulo: Cultrix, ed. 22, 2008.
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PENNYCOOK, A. A lingüística aplicada dos anos 90: em defesa de uma abordagem crítica.
In: SIGNORINI, I; CAVALCANTI, M. C (Orgs). Lingüística aplicada e
transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 23-49.
SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. 2º. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
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