Bybee 2015

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gama de comprovações para tentar compreender o como e o porquê da

mudança. Neste livro, vou usar todos esses tipos de comprovação que nos
ajudam a entender a natureza da mudança.

1.5.PORQUE AS LÍNGUAS MUDAM?

Até agora temos visto exemplos de mudanças que ocorreram em dife-


rentes linguas, e comentei sobre o fato de que muita coisa também perma-
nece a mesma numa língua ao longo do tempo. E a convenção, ou seja,
tendência a falar como os outros à nossa volta, que mantém inalterados
certos aspectos da língua através de muitas gerações de falantes. Mas o que
faz ela mudar? Uma resposta bem geral é que as palavras e construções de
nossa língua mudam enquanto circulam através de nossas mentes e cor-
pos e são transmitidas pelo uso de um falante para outro. Esse processoé
o tema que estudaremos neste livro. Por ora, vou listar três tendências na
mudança linguística que parecem ocorrer muito comumente.
Pelo fato da língua ser uma atividade que envolve tanto o acesso cogniti-
vo (recuperar palavras e construções na memória) quanto rotinas motoras
de produção (articulação), e pelo fato de usarmos as mesmas palavras e
construções muitas vezes no curso de um dia, semana ou ano, essas pa-
lavras e construções ficam sujeitas aos tipos de processos que atingem as
ações repetidas. Quando se aprende uma atividade nova, como dirigir um
carro, que tem muitas partes diferentes, a prática ou a repetição permite
que a pessoa se torne mais fluente à medida que aprende a antecipar e so-
brepor uma ação a outra e a reduzir movimentos não essenciais. Processo
semelhante ocorre quando a gente repete palavras e frases muitas vezes. Tal
processo é visível em vários aspectos da mudança nos sons de uma língua,
como veremos no
capítulo 2. Também presenciamos o efeito da mudança
quando palavras e construções sofrem um tipo de redução na carga de sig-
nificado que transportam, como se dá quando certas frases såão repetidas
com frequència, tipo como vai? ou tudo bem?, que se tornaram meros cum-
primentose não exigem de fato uma resposta literal.
Outro processo onipresente na abordagem humana do

formação de padrões a partir de nossas experiências e a nundo


padroes a experiências e ideias novas. As línguas são cheias d
aplicaç des,
que se repetem, como por exemplo em portugus 'acrescente um padr,
substantivo para torná-lo plural', ou padrões mais específicos
combinação convencional de palavras do tipo ledo engano em vez
pecificos, como
z de
gênuo engano. Quando usamos a lingua, estamos constantemente cow
nando comb
padrðes e, assim fazendo, fortalecemos determinados padröes
igual modo, aplicamos padröes de maneiras inéditas. Esses atos duraS.D
da
te
uso língua podem levar à mudança. A mudança ocorre quando ne
padrões emergem, quando padrões mudam sua distribuição ou quan
desaparecem. Vários dos capítulos deste livro se ocuparão de como os D.
drões linguísticos mudam com o tempo e
quais os fatores que influencian
a mudança numa direção particular.
O outro fator
importante na mudança linguistica é o modo como pale
vras ou
padrões são usados em contexto. Muitas vezes, o significado forne
cido por contextos de ocorrência muito
frequente pode levar à mudana
Palavras e construções usadas em certos contextos ficam associadas a e
ses contextos. Se tudo bem? ocorre com
frequência como a primeira frax
quando as pessoas se
encontram, ela se torna uma
mais uma resposta literal,
saudaço e não exig
quando muito uma resposta também padron*
zada (tudo!). Os ouvintes fazem
inferências a partir do contexto em que a
construções ocorrem e essas inferências podem se
cado da tornar parte do signil
construção. construção ir + INFINITIVO VERBAL é
A
temente onde usada frequcu
uma
expressão de intenção pode ser inferida, como em vou
visitar minha irmà
hojes por isso, a construção acabou
intenção mesmo quando não há passando a exprc
ressar

nenhum movimento
vou te dizer a verdade. implicado, como0 em

Uma vez
que os
processos que falantes e ouvintes C0
municam são os mesmos quandousam
sc
para todas
linguística é muito semelhante entre as línguas e seus usuários, a mudaand
as

línguas. O que quero dizer com n isso


todos os casos que citei até agora
neste capítu-
é que, por exemplo, para
ou está
não aparentada, que passou
lo, encontramos uma língua diferente,
diferentes em
Os detalhes podem ser
passando por mudança semelhante.
semelhança nas mudanças
alguns aspectos, mas existe uma perturbadora
épocas. Essa semelhança é que torna mudança
a
entre as línguas e entre as
linguística interessante e digna de estudo.
1.6. A MUDANÇA LINGUÍSTICA É BOA OU RUIM?
Os linguistas consideram a mudança como parte integral da linguagem
e um resultado inevitável do uso da língua. As mudanças são naturais à
lingua e não são nem boas nem ruins. Essa posição contrasta com a quue
às vezes é expressa na imprensa popular, a de que as mudanças em curso
existe por con-
prejudicam ou degradam a língua. Uma vez que a língua
ela deveria a mes-
venção social, muitas pessoas acham que permanecer
ma de quando elas entraram em cena. Por exemplo, o dialeto de inglês
que eu cresci falando usava a 2" pessoa do plural you ou you all. Hoje, um
número crescente de falantes do ingls americano (especialmente os mais
jovens) usam you guys (literalmente, "vocês, rapazes").
Euparticularmente
não gosto de you guys porque soa muito intormal e também porque parece
eu acabo usando essa
inadequado para se dirigir às mulheres. No entanto,
forma, apesar de tudo, simplesmente porque tantas outras pessoas a usam.
E muito dificil resistir a um padro de fala que está sendo usado à nossa
volta. Por isso, quando uma mudança ganha impulso, é improvável que
possa ser detida.
O fato de you guys se referir antes a homens e agora poder se referir a
de
qualquer pessoa é uma mudança muito natural, do tipo que acabamos
mencionar acima - o sentido de 'masculino' se perdeu. A mudança para
you guys é boa ou ruim? Realmente, pouco importa, porque se a forma
estiver tomando o lugar da 2" pessoa do plural, não há nada que se possa
fazer a respeito. Mas, de certa forma, é boa, porque resolve o problema da
ambiguidade de you.
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LINGUISTICA?

MUDANÇA
ESTUDAR A
1.7. POR QUE
der os estados;
estados
e n t e n d e r os

mudança linguística
nos ajuda a Sinctt
Entender a

estrutura, e a
variação que
se
encontra
neles. Por
xemplo,
exemnl

Pora.
con
nicos, sua de hoje.
no ingls
americano

que
sidere-se a situação de you guys terreno no uso? De ae
ue toma
forma está sendo
introduzida e ganhando acontece em outras lín.
desenvolvimento se
relaciona com o que línguae
seu
havia uma distinção entre pronom es
Num estágio anterior do ingls
do plural (ye, you..
e 2" pessoa
2 pessoa do singular (thou, thee, thy) your
a forma plural por polidez, mesmo
me
desenvolveu a prática de usar
Logo se
alterou a relação entre as form
uma só pessoa. Isso
quando dirigida a

usadas somente em situações familiares) e as formas nyou


thou (que eram
que eram usadas em para o plural). E possível recn
situações formais e

nhecer esse padrão em outras línguas europeias, com0 o espanhol, onde a


tu familiar contrasta com o usted formal; o francês, onde tu contrasta com
vous; ou o alemão, onde du contrasta com Sies.
Oinglês já passou por esse estágio, mas o que aconteceu foi que as for
mas you foram
incorporando usos em cada vez mais situações até que as
formas thou se tornaram de
rarefeito. O resultado é
uso
usando o mesmo conjunto de formas que o ingls vem
para o singular e o plural há bastante
tempo. Ora, se alguém quiser deixar
bem claro que está
pessoa do plural, tem de se referindo
acrescentar alguma a
mos you all coisa a you. Assim,
you'l, you folks, you lot,
>
encontra
velmente diversas outras you people, youse, you guys e
forma variantes. Neste poss
you guys está
dominando momento, no inglês
exclusiva aos interlocutores o uso.
Ela
perdeu seu sentido
american
entido de referèncu
dir por áreas masculinos e
geográficas e
reteren
agora está livre para se
grupos sociais cada para se expan"
exy
vez mais
6.Também no numerosos
c pode
portugues brasileiro,
speitoso) se transformou no a forma vocè
torespeitoso): P
Portugal, voce ainda
mente íntimo, eo conserva pronome
senhor/aum pessoal de (originária de Vossa
senhora,traço Mercè,
de 2* um tamen
formalidade,
mais formal pessoa mais
intimo
intimo e
tra Ea
tamilbat
IN TL situando
IN e .
acabar se tornando o modo normal de indicar a 2" pessoa do plural no

situação melhor
inglês americano. Esse exemplo mostra como se entende
a

bem como em desen-


presente no contexto de desenvolvimentos passados,
volvimentos em outras línguas.
No nível tipológico, entender a mudança linguística também é impor-
encontramos semelhanças tanto quanto dife-
tantepara explicar por que
afora. Até mesmo línguas não relacionadas
renças entre as línguas mundo
semelhantes.
genealogicamente ou geograficamente passam por mudanças
fonêmicas têm tam-
Por exemplo, línguas que têm vogais nasais sempre
nasais fonêmicas. Nessas
bém vogais orais (não nasalizadas) e consoantes
as vogais orais; tam-
nasais são menos comuns do que
linguas, as vogais
fonêmicas são menos comuns
bém nas línguas do mundo, vogais nasais
fatos
Greenberg (1978a), todos
esses
do que as orais. Conforme argumenta
modo como as vogais nasais se
explicados com referência ao
podem ser
desen-
desenvolvem diacronicamente. Nos
casos típicos, as vogais nasais se
nasal vizinha. Se essa consoante
volvem por assimilação a u m a consoante

fonema vocálico nasal permanece'. Esse pro-


em seguida desaparece, um

português e outras línguas mundo afora. Já que


cesso o c o r r e u em
franc s,
se desenvolvem em
certos ambientes próximos de uma
-

as vogais nasais só
menos comuns nas palavras do que as vogais
consoante nasal -, elas serão
contribuir para
orais. Desse modo, padrões de mudança linguística podem
nossa compreensão de padrões translinguísticos.
mu-
como um
instrumento social dinâmico e sempre
Ver a linguagem é.
entender por que a estrutura linguística é do jeito que
tante nos ajuda a
primeira seço, a mudança é inerente à língua;
Conforme mencionei na
criou no passado.
de fato, a mudança cria a língua no presentee também
identificar os fatores que criam
nos ajuda a
Portanto, se estudar a mudança evoluiu.
linguagem surgiue
também nos ajuda a entender como
a
a língua,

lana > lãa > là [N.T.].


7. Assim se deu em português: latim

49
colaterais do
conheg
ou aplicações
Alkm disso, há outras vantagens
da linguística histórica
Um foco importante
mento da mudança linguistica.
suas relações
de famitia
de linguas para descobrir
tem sido a comparação
desse modo para o
as
da Asia foram comparadas
As linguas da Europa e semítica, a fino-ugrica
de familias como a indo-curopeia. a
estabelecimento
algumas. No capítulo 10, examinaremos
e a sino-tibetana. para citar apenas
método comparativo. Existem várias linguas faladas hoje
como funaona o
e familias linguísticas ainda não
no mundo cuias relações com outras linguas
determinadas: muitas línguas faladas em Papua-No-
foram por exemplo, as
remanescentes das Américas. Essas
nativas
va Guiné e algumas das linguas
estabelecidas com base no que sabemos sobre
ser
relações podem um dia
mudança linguistica.
se relacio-
O conhecimento de como as línguas de uma área geográfica
nam umas com as outras às vezes fornece comprovações sobre as migra-
as línguas nativas
ções dos povos em tempos pré-históricos. Por exemplo,
americanas no sudoeste dos Estados Unidos,
apache e navajo são faladas
as outras são
mas acontece que todas linguas de sua familia (atapascana)
faladas muito mais longe, ao norte, principalmente no noroeste do Canadá
eno Alasca. Desse e de outros fatos concluímos que o grupo ou grupos que
falam linguas atabascanas no sudoeste migraram desde o norte, deixando
para trás seus parentes. Observações semelhantes podem ser feitas acerca
dos movimentos populacionais em outras partes do mundo, como a Africa.
Outras informações sobre culturas pré-históricas emergem da recons-
trução linguística. Por exemplo, mencionamos acima que muitas das lin-
guas indo-europeias têm palavras semelhantes para 'nariz. Não surpreende
já que todas as culturas precisam de algum modo de se referir a esse aspecto
do rostohumano. Mais interessanteé que a
comparação de diversas línguas
indo-europeias revela que havia também uma palavra comum para 'roda.
cavalo, e verbos para 'cavalgar' e 'dirigir um veiculo. As coisas
para as quais
uma cultura tempalavras fornecem importantes informações sobre como
50
a cultura está organizada e como ela se sustenta. Os estudiosos, assim, têm
certeza de que os antigos indo-europeus tinham carros e cavalos. Estudos
das palavras que remontam a tão longe nos permitem reconstruir aspectos
da organização familiar e política, bem como da agricultura e da religião
(Beekes, 1995).
Como este livro se concentra na mudança linguística e não na história
das línguas, vamos explorar o método comparativo, mas não todas as suas
aplicações. Nos concentraremos bem mais no como e por que as linguas
mudam suas palavras, fonologia, morfologia, construções sintáticas e es-

trutura semântica.

Sobre a notação
Vários sistemas notacionais diferentes so usados em obras sobre mu-
dança linguística. Os que seguem são recomendados para os estudantes
usarem em sua própria redação. Essas convenções são seguidas neste livro
tanto quanto possível. No entanto, quando um autor cuja obra vem citada
usa convenções diferentes, nós as seguiremos.
Sons que se pretende sejam entendidos como grosso modo fonêmicos
devem aparecer entre barras: português /lus/, luz.
Quando se pretende uma transcrição fonética mais rigorosa, ela aparece
entre colchetes: português [lujs],"luz
A forma ortográfica de uma palavra, de qualquer lingua, deve vir em
itálico: ingls sand, espanhol arena, portugus areia.
A tradução ou glosa de uma palavra, sintagma ou sentença virá entre
aspas simples: ingls sand, 'areia.
Sons ou palavras reconstruídos aparecem precedidos de um asterisco:

protoindo-europeu *nokt(i), 'noite'; frequentemente vêm em itálico.

Referências úteis em linguística histórica


Um dicionário de referência com ótimas etimologias e uma lista de raizes indo-
-europeias é The American Heritage Dictionary. Boston: Houghton Miflin.

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