(2019) DIAS, J. Gragoatá

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O ensino da língua nacional no século

XIX e a constituição da gramatização


brasileira: a produção de Antonio
Alvares Pereira Coruja

Juciele Pereira Diasa

Resumo
Este trabalho tem como objetivo compreender como,
pelas diferentes posições sujeito tomadas pelo autor
da Grammatica da Língua Nacional, Antonio Alvares
Pereira Coruja, inscrevem-se os sentidos sobre a
língua nacional e o seu ensino, em meio a disputas
e tensões, no processo de produção do conhecimento
e das políticas de línguas. Filiado à Análise de
Discurso (PÊCHEUX, 1975, 1982; ORLANDI,
1998, 2002; MARIANI, 2003, 2004), o trabalho
traz contribuições para as pesquisas em história das
ideias linguísticas no Brasil, voltadas para a temática
da constituição da gramatização brasileira no século
XIX, base da relação Língua-Estado-Nação brasileira.
Palavras-chave: discurso; língua; posição sujeito;
gramática; Coruja.

Recebido em: 20/11/2018


Aceito em: 09/03/2019

a
Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPGCL), da Universidade do Vale
do Sapucaí (Univás). Ao lado de Élcio Fragoso lidera o Grupo de Pesquisa Conhecimento, História e Língua
(GPeCHeLi/CNPq). E-mail: jucieledias@gmail.com.

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Juciele Pereira Dias

E pelos pátrios ares deslizando,


Que sublimes visões nos vais pintando!
(Gonçalves de Magalhães, 1836)

Considerações iniciais
A história do processo de produção do conhecimento
sobre a língua do/no Brasil e das formas de institucionalização
desse conhecimento para o ensino dessa língua no século XIX
é a questão que circunscreve os estudos sobre a constituição
da língua nacional do Brasil e sua gramatização pela obra do
professor público, político, gramático, filólogo Antonio Alvares
Pereira Coruja (1806-1891). Filiados à Análise de Discurso
(PÊCHEUX, 1975, 1982; ORLANDI, 2002, 2012; MARIANI,
2003, 2004), consideramos (a história d)o conhecimento
linguístico como discurso e, sobretudo, um discurso em
análise, em que teoria, método, procedimentos analíticos e
objeto são inseparáveis, devendo ter entre si uma relação de
consistência nas pesquisas em História das Ideias Linguísticas
no Brasil (HIL).
A história, nessa perspectiva, conforme Orlandi (2008),
não é cronológica ou cristalizada em um momento do passado,
mas organiza-se por práticas, relações de poder (política) e
de sentidos que se inscrevem no discurso. Segundo Mariani
(2003, p. 2), a história é como “um lugar contraditório em que se
materializam os equívocos, pontos que afetam a univocidade
linguística do sujeito, levando o sujeito ao encontro com o real
histórico”. Os sentidos e o sujeito são divididos, constitutivos
da história do conhecimento, marcada por lacunas, tensões,
injunções e apagamentos em que a teoria nos dá suporte
para compreender o processo de produção de sentidos na
sociedade, na história. Desse modo, conforme Fonseca (2012,
p. 49), “quando dizemos ‘história’ temos presentes pressões
de diferentes regiões e temporalidades do fazer histórico,
que atuam para engessá-la e para destravá-la, para dizê-la e
para fazê-la de um mesmo modo e de outro modo”. É, assim,
responsabilidade nossa, ética e política, interpretar esses
diferentes modos do fazer histórico e seus efeitos (de mesmo
e de diferente) nas relações sociais, inscritos por um batimento
entre a memória e a atualidade.

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O ensino da língua nacional no século XIX e a constituição da gramatização brasileira

Nosso objetivo é o de compreender a constituição da


língua nacional e sua gramatização no século XIX produzidas
por diferentes posições discursivas do autor Antonio
Alvares Pereira Coruja, as quais se inscrevem na história do
conhecimento linguístico brasileiro. No Brasil, a questão da
constituição do Estado e da Nação dá-se pela língua, todavia não
necessariamente a constituição Estado-Nação é concomitante.
De acordo com Orlandi (2001, p. 13), “temos elementos para
falar em formação da língua nacional antes mesmo que o
Estado brasileiro já esteja constituído com todas as letras”,
porém, neste trabalho, propomos uma análise do processo de
constituição da língua nacional como língua oficial, legitimada
como língua do Brasil, na/pela qual se institui o Estado-Nação
independente de Portugal. Nem língua portuguesa, nem língua
brasileira, mas língua nacional é a denominação oficial trazida
nos primeiros documentos instituídos após a independência do
Brasil. É uma questão de língua nacional que se coloca. Dessa
forma, primeiramente, buscaremos descrever as condições
sócio-históricas das formas como Coruja é colocado na posição
sujeito autor. Trabalharemos esse primeiro momento sobre
sentidos que demandam interpretação em relação às políticas
públicas voltadas ao ensino escolar no período do Império
Brasileiro (1822-1889). Em um segundo momento, analisaremos
a maneira como esse sujeito autor é designado, em diferentes
posições sujeito no espaço temporal atribuído à sua produção.
Trabalhamos, assim, com a fluidez da língua, com palavras que
“falam” com palavras, umas se reportando a outras, puxando-
as ou mesmo as colocando em seu lugar. Isso se constitui em
um processo analítico que é determinante da incompletude da
análise enquanto escrita de um trabalho científico.

1. De uma história de vida a uma história das ideias


linguísticas
A produção do conhecimento sobre a língua atribuída
ao autor Antonio Alvares Pereira Coruja é um processo em
que a contradição é constitutiva e toma forma por equívocos
na dispersão dos discursos sobre esse processo na história.
O discurso, de acordo com Pêcheux ([1969] 2010), é efeito de
sentidos entre diferentes pontos, lugares pelos quais o sujeito
enuncia em uma determinada posição, tendo a língua como

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base material. É na e pela língua que o sujeito enuncia e é


enunciado em diferentes posições sujeito como a de sujeito filho,
sujeito aluno, sujeito professor, sujeito político, sujeito gramático,
sujeito bancário, sujeito pai, entre outras. No discurso em
funcionamento, na tensão entre o autor e o leitor, temos
uma deriva de sentidos, divididos em relação às formações
imaginárias, ou seja, as imagens que esses sujeitos têm de si
(posições sujeito), do outro e do objeto (referente) do qual falam.
Ao tomarmos o conhecimento sobre a língua, na história,
como discurso, temos a responsabilidade ética e política
do trabalho com a interpretação (PÊCHEUX, [1988] 2008),
considerando que o sentido sempre pode ser outro e que o
sentido literal é um efeito ideológico, em que uma imagem está
produzida como óbvia, uma verdade. Uma maneira possível
de se contar a história de Coruja é pela narratividade da sua
história de vida. Este trabalho toma a língua como lugar em
que as ficções são passíveis de jogos de palavras, de sentidos,
podendo se inscreverem por regularidades ou diferentes
1
Jai me Giolo (2006, sentidos na constituição de um nome próprio ou nome do autor
p. 450) aponta,
sobre o contexto rio- em relação ao nome da língua nacional e seu ensino na história.
grandense de ensino,
que “os documentos
referentes ao en si no
do per íodo i mperial
falam com freqüência 1.1. O próprio de um nome na história:
‘aula’, ‘escola’ e ‘colégio’
como sinônimos
entre o saber e a ficção
representa ndo um
professor ensinando a O nome próprio e o nome de autor, Antonio Alvares Pereira
um grupo de crianças.
Mesmo na i nst rução Coruja, confundem-se nessa narratividade de vida e de produção
secundária, pelo menos
na pública, as escolas
do conhecimento. Diferentes textos historiográficos descrevem
sempre fora m, até o o filho de José Alvares Pereira e Felícia Maria da Silva como
fim do Império, apenas
aulas (nas quais um nascido em 1806, na cidade de Porto Alegre, onde iniciou seus
p r o fe s s or le c ion ava
uma determinada estudos sobre língua. Estudou as primeiras letras nas aulas1
disciplina a um grupo
de alunos, sem nenhuma primárias públicas de Maria Josefa da Fontoura Pereira Pinto2
integração com outras,
mesmo que fossem
e de Antônio Ávila, conhecido como “amansa-burros”. Depois
realizadas sob o mesmo passou a estudar latim na aula do Padre Tomé Luís de Souza.
texto)”.
2
De acordo com Bastos
Nessas aulas, teve como colega Cândido Batista de Oliveira
(20 06), Ma r ia Josefa (futuro Barão Batista), que, em 1816, ao ver Pereira entrar pela
Barreto Pereira Pinto foi
uma poetisa, escritora, primeira vez na sala de aula, com um “fato novo”, teria o saudado
professora e primeira
mulher jornalista na com o enunciado: “olhem, parece mesmo uma Coruja” (CORUJA,
década de 1830 no Rio
Grande do Sul. Teria 1885, p. 89). Em outra leitura possível, Laytano (1981, p. 139)
criado uma escola mista
em que ensinava latim,
atribui à alcunha (de) Coruja o sentido de se tratar “de fato [de]
geografia e filosofia. um menino feio, raquítico, nariz adunco, olhos brilhantes”.

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O ensino da língua nacional no século XIX e a constituição da gramatização brasileira

Os sentidos sobre a alcunha de Coruja circulam em


diferentes textos, inclusive em narrativas do próprio autor
sobre sua história. A alcunha foi oficializada passando a
nome próprio do autor enquanto assinatura a partir de 1830,
na posição sujeito professor do ensino público rio-grandense.
Outra leitura teve espaço na mídia neste último século, no
vídeo de uma campanha de comemoração dos 150 anos da
Caixa Econômica Federal. Na voz de Glória Pires é contada a
história do primeiro cliente da Caixa, fundada em 1861: “[m]
esmo naqueles tempos de iluminação precária nas casas, ele
não ia para a cama sem uma boa leitura. E dizem que foi esse
hábito de ler na rua, sob a luz dos lampiões, que lhe rendeu
o curioso apelido: ‘boa noite, seu Coruja’”3. Foi pela posição
sujeito pai do comendador Antonio Alvares Pereira Coruja
Junior que o também professor público da Corte de Dom Pedro
II realizou o primeiro depósito em uma poupança no banco
nacional (imperial).
O nome próprio Coruja produz diferentes sentidos na
história, por diferentes campos do saber, com funcionamento
singular advindo de uma alcunha que passou a nome de
família. Em um estudo sobre o funcionamento do nome
próprio, Mariani (2014, p. 132) coloca que o nome “porta algum
discurso que nos antecede e que nos inscreve em uma escrita,
funcionando como uma marca inicial que nos especifica e nos
determina com as cores do imaginário de quem nos nomeou”.
Sobre o nome de Coruja, de alcunha a sobrenome, a nome
de autor inscrito no processo de produção do conhecimento
sobre a língua nacional e seu ensino, questionamos: quais
são os efeitos de sentido desse nome na história do ensino no
Brasil? Na questão não deixamos de trazer à baila a relação
3
Transcrição do vídeo com o símbolo dos cursos de licenciatura das universidades
da campanha Caixa 150
anos. Uma história escrita brasileiras, de formação de professores nos diferentes campos
por todos os brasileiros,
intitulado O primeiro do saber no contemporâneo.
cliente. Disponível em
https://www.youtube.
com/wat c h?v=VS9I _
I5kFHg. Acesso em 17
jul 2016. Neste vídeo
1.2. Do professor público ao político e a constituição
vemos Cor uja com do ensino da língua nacional
uma edição de 1861, do
Compendio de Ortografia
d a L í ng u a n a c i o n a l , Entre os discursos sobre Coruja, segundo Laytano (1981)
o qual foi dedicado à
Sua Majestade, o Sr. Dr.
há o de que ele teve de deixar as aulas para trabalhar como
Pedro II. balconista e, naquele período, conheceu o professor Padre Tomé

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Luiz de Souza, “que viu em Coruja um seu discípulo, a começar


pela atenção que Coruja prestava às conversas interessantes
da farmácia e à vontade de ler do rapaz”. (LAYTANO, 1981,
p. 139). Dessa relação professor-discípulo ou professor-aluno,
passa a se constituir a posição sujeito professor da província
rio-grandense em relação às políticas de legitimação do Brasil
como uma nação independente de Portugal.
As condições de produção eram as em que a história
oficial institui como da Proclamação da Independência no
Brasil por Dom Pedro I em 1822, da composição da Assembleia
Constituinte de 1823 e, por conseguinte, da elaboração/do
decreto da Constituição de 1824, que previa “instrução primária
e gratuita a todos os cidadãos”. O processo de produção da
primeira constituição brasileira desenrolava-se na Assembleia
Constituinte, marcada por tensões, divisões de sentidos
em relação à forma de organização do Estado: monarquia
constitucional, parlamentar, federativa ou república. Em
meio a essas tensões, o Imperador Dom Pedro I dissolveu a
Assembleia Constituinte e decretou a supracitada Constituição.
Foi no calor das disputas entre os noventa “cidadãos ilustres”
da Assembleia que formações de grupos políticos foram se
definindo por tomadas de posições discursivas conservadoras,
liberais moderadas e exaltadas (CASTANHA, 2006).
Em sintonia com o processo de legislação do Estado-
Nação, segundo Giolo (2006, p. 457), em 1825, o Conselho
Geral da Província de São Pedro de Rio Grande do Sul indicou
Antonio Alvares Pereira Coruja para habilitar-se no método de
Lancaster no Rio de Janeiro. Os anos de formação do professor
Coruja no Rio de Janeiro são também anos de polêmicas no
Parlamento do Império Brasileiro sobre o nome da língua e da
gramática. Segundo Luiz F. Dias (2001), em 1826, o deputado
José Clemente Pereira apresentava uma emenda propondo
que os diplomas dos médicos cirurgiões fossem redigidos em
língua brasileira. Teria sido em relação àquelas polêmicas que
a Lei de 15 de outubro de 1827 foi instituída de modo que se
trata de uma data que se inscreveu em nossa memória social
como comemoração do dia do professor no Brasil. A seguir o
recorte dessa lei:
Manda criar escolas de primeiras letras em todas as cidades,
vilas e lugares mais populosos do Império.

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O ensino da língua nacional no século XIX e a constituição da gramatização brasileira

D. Pedro I, por Graça de Deus e unânime aclamação dos


povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo
do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos que a
Assembléia Geral decretou e nós queremos a lei seguinte:
Art. 1º Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos,
haverão as escolas de primeiras let ras que forem
necessárias.
[...]
Art. 4º As escolas serão do ensino mútuo nas capitais das
províncias; e serão também nas cidades, vilas e lugares
populosos delas, em que for possível estabelecerem-se.
[...]
Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro
operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e
proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a
gramática de língua nacional, e os princípios de moral
cristã e da doutrina da religião católica e apostólica
romana, proporcionados à compreensão dos meninos;
preferindo para as leituras a Constituição do Império e a
História do Brasil.4

A Lei de 1827 constitui-se como um discurso fundador do


ensino da língua nacional, produzindo sentidos sobre políticas
de educação popular e sobre política de língua, do nome da
língua do Brasil. Nomear Grammatica da Lingua Nacional, na lei
imperial, movimenta sentidos em direção a um imaginário
de descolonização do ensino (e) de uma língua no Brasil, mas
também sentidos sobre essa Grammatica a ser ensinada, ou seja,
a gramática da língua do Imperador do Brasil e Príncipe de
Portugal, Dom Pedro I, a língua da nobreza, do culto. Trata-se
de uma língua instrumentalizada pela Gramática Portuguesa
a ser ensinada para se aprender a ler os mandamentos da
Santa Madre Igreja (DIAS, 2012), como parte de um processo
de “colonização linguística” (MARIANI, 2004) do Brasil.
Nesse ensino colonial há um resto que se repete na lei e são
produzidos deslocamentos, pois esse ensino da Grammatica da
4
Lei de 15 de outubro Língua Nacional está determinado por sentidos das leituras, bem
de 1827, disponível em:
http://www.planalto. como sentidos em potencial de serem escritos (atualizados),
gov.br/ccivil_03/leis/
LIM/LIM-15 -10 -1827.
tanto da constituição do Império quanto da História do Brasil5.
htm. Acesso em 17 jul. No retorno da formação de um ano no Rio de Janeiro
2016. Grifos nossos.
5
Em 1873 [1855], Coruja (1826-1827), segundo Giolo (2006), Antonio Alvares Pereira
publica Lições de História
do Brasil, adaptadas à
Coruja é nomeado professor de primeiras letras e inaugura
leitura das escolas. sua primeira aula pública, que, no início da década de 1830,

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Juciele Pereira Dias

chegou ao número de 140 alunos. Em 1831, o professor


Coruja teria fundado o Gabinete de Leitura da Sociedade
Continentista, estabelecimento que, segundo Bastos (2006),
pertenceria à loja Maçônica Filantropia e Liberdade. Em
relação a esse Gabinete de Leitura, temos um discurso
produzido por Coruja na posição sujeito “redator do Jornal
Compilador de Porto Alegre (1831), jornal maçônico que
defendia ideias liberais” (BASTOS, 2006, p. 8).
O ensino nacional vinha sendo legislado pela Constituição
de 1824 e pela Lei de 1827, porém, com a dissolução da
Assembleia Constituinte, em meio à efervescência política, à
divisão de sentidos, às tensões, Dom Pedro I abdica do trono em
1831. No período regencial, as tensões constituem-se em outros
lugares, também marcados por diferentes posições discursivas
em relação ao Império; e, em 1834, como uma tentativa de
pacificação, foi instituído um Ato Imperial que estabelecia a
criação de Assembleias Legislativas nas províncias.
A novidade, naquele momento, segundo Xavier (2008),
foi vista com entusiasmo pelos liberais da Província de São
Pedro do Rio Grande do Sul, pois o vislumbre de um espaço
legislativo da/na província constituiu-se em um imaginário
de uma suposta autonomia em relação à legislação imperial.
Com base no Ato Adicional de 1834, a formação da Assembleia
da Província do Rio Grande do Sul foi instalada em 20 de abril
de 1835, já dividida em embates políticos, tensões, conforme
o recorte a seguir:
Em 20 de abril de 1835, em plena sessão de instalação da
Assembleia Legislativa, o Deputado Bento Gonçalves da
Silva é acusado pelo Presidente da Província de articular a
separação do Rio Grande do Sul do restante do Império. Essa
data é considerada o marco político da Revolução Farroupilha.
De 20 de setembro de 1835, quando os farrapos tomam Porto
Alegre, até 15 de junho de 1836, quando a perdem para os
legalistas, somente comparecem à Assembleia Legislativa
os Deputados favoráveis à rebelião. Em 1837, inverte-se a
situação: somente os membros da Assembleia favoráveis ao
Império participam dos trabalhos legislativos. (Lei de 15 de
outubro de 1827, negritados nossos)

Na formação inicial da Assembleia Legislativa do Rio


Grande do Sul, Coruja era membro suplente entre os deputados
e um dos liberais (farrapos) que apoiava o deputado Bento

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O ensino da língua nacional no século XIX e a constituição da gramatização brasileira

Gonçalves da Silva. A era de conflitos políticos, de 1835 a 1845,


movimentou e dividiu a política rio-grandense. De um lado,
inicialmente, estavam os legalistas (conservadores do poder
imperial) apoiadores do presidente da província José Araujo
Ribeiro, e, de outro lado, estavam os liberais farroupilhas, em
apoio ao vice-presidente Marciano Ribeiro.

1.3. Compendio da grammatica da lingua nacional


dedicada à mocidade rio-grandense por seu patrício
Antonio Alvares Pereira Coruja
No ano de 1835, o professor e político “farrapo” publicou
o Compendio da grammatica da lingua nacional com o elemento
constitutivo “dedicada á mocidade Rio-Grandense por seu
patrício Antonio Alvares Pereira Coruja”. O compêndio está
em acordo com o decreto imperial de 1827, que determina
o ensino da “grammatica da lingua nacional”, e o que nos
chama a atenção é a predicação desse título, o elemento
constitutivo. Nesse sentido, questionamos: quais os efeitos de
sentido da predicação “dedicada á mocidade Rio-Grandense
por seu patrício Antonio Alvares Pereira Coruja” em relação a
“Compendio Grammatica da Língua Nacional” nas condições
em que a produção se inscreve na história do Rio Grande do
Sul e na história do Brasil?
Como parte da questão, pontuamos que, no mês de
dezembro de 1835, Coruja é chamado a assumir o lugar de
deputado na Assembleia e toma posição em apoio ao vice-
presidente Marciano Ribeiro. Segundo Giolo (2006, p. 407), é
nesse momento que o vice-presidente sancionou a Lei 14, de 29
de dezembro de 1835, de autoria de Coruja na posição sujeito
secretário e deputado, a qual “reorganizou o ensino primário
e criou uma escola normal, destinada a habilitar pessoas ao
magistério. A reorganização da instrução primária consistiu
principalmente na sua divisão em três graus” (GIOLO, 2006,
p. 407), como expostos a seguir:
• 1º grau: seguindo o método Lancaster, ensinaria a
ler, escrever, as quatro operações e princípios morais
e religiosos. Esse grau seria ministrado em todos
os lugares onde a população pudesse oferecer, pelo
menos, 24 alunos.

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• 2º grau: ensinaria Gramática Nacional e Aritmética até


as proporções e suas aplicações no comércio. Escolas
desse grau seriam instaladas nas cidades e vilas mais
convenientes.
• 3º grau: ensinaria Elementos de Geografia, Noções
Gerais de Geometria Teórica e Prática e suas aplicações
no Desenho Linear e Agrimensura. As escolas de 3º
grau seriam estabelecidas em apenas quatro lugares
da província.
• Escola Normal: seria instalada na capital. A duração
do curso seria de dois anos e ensinaria aos alunos o
que fosse necessário para o exercício das funções de
professores primários.

As determinações da Lei 14 de 1835, segundo Giolo


(2006), em grande parte não puderam ser implementadas em
meio à instabilidade política rio-grandense. A escola normal
apenas foi criada em 1870, e o ensino mútuo não mais constou
dos documentos oficiais da província. Em dezembro de
1835, foi sancionada essa Lei 14 pelos “republicanos/liberais
farroupilhas”, mas, seis meses depois, em 15 de junho de 1836,
Porto Alegre é retomada pelo poder dos “legalistas”. Segundo
Bastos (2006), nessa retomada, Coruja foi preso de junho a
novembro de 1836, primeiro em um quartel, depois em um
barco. Posteriormente em liberdade devido a perseguições
políticas, ele parte com sua família para o Rio de Janeiro no
início de 1937, cidade na qual tinha feito sua formação para
exercer as atividades de professor público.
Na província do Rio Grande do Sul, em 1837, é reformulada
a Lei 14. Esta, segundo Giolo (2006, p. 467), em vez de graus, é
organizada em classes: “a primeira classe ensinaria Leitura e
Escrita, Operações, Princípios Morais e Gramática; a segunda,
Geometria Teórica e Prática; e a terceira, Geografia, Francês e
Desenho”. De outro lado, no Rio de Janeiro, em 2 de dezembro
de 1837, é inaugurado o Colégio Pedro II, com início das aulas
em março de 1838. Segundo Dezerto (2013, p. 74), tendo a escola
francesa como modelo, o Colégio Pedro II foi fundado como
“uma instituição de ensino, voltada para as elites brasileiras
que tinha por objetivo político ser um modelo e uma norma
para os demais liceus provinciais e escolas particulares da
corte”. Esse modelo de escola funciona como uma maneira

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O ensino da língua nacional no século XIX e a constituição da gramatização brasileira

de instaurar uma unidade de/do ensino no Império frente à


dispersão (divisão) produzida pelo Ato Adicional de 1834, com
a criação das Assembleias nas províncias.

2. Os sentidos da produção do sujeito Antonio Alvares


Pereira Coruja na história
No Rio de Janeiro, Coruja foi professor particular e autor
de obras didáticas de referência. Em 1838, publicou o Manual
dos Estudantes de Latim dedicado à mocidade brasileira, o qual,
segundo Laytano (1981, p. 142), “foi adotado no Colégio Pedro
II”. Também no referido ano, foi fundado o Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro (IHGB), no qual, em 1839, Coruja foi
admitido e ocupou a posição de tesoureiro ao longo de 20 anos.
Em 1848, na posição sujeito autor, Coruja publica o Compendio
de Ortografia da Língua Nacional, dedicado à Sua Majestade, o
Sr. Dr. Pedro II. Em textos historiográficos, refere-se que esse
último compêndio traz, junto ao título, a dedicatória, todavia,
de uma edição do referido ano, a que tivemos acesso, não
constava a predicação junto ao título. Por outro lado, havia
um Brasão do Império no frontispício da obra. Nesse sentido,
tomamos esses elementos constitutivos dos títulos de Coruja
(título, predicação, cidade, ano, brasão) como objeto de nossa
análise voltada para o ensino da língua nacional no século XIX.
O Compendio da grammatica da lingua nacional foi publicado
em Porto Alegre, em 1835, reeditado em 1849, 1862, 1863, 1865,
1866, 1872, 1873, 1875, 1878, 1884, 18916 e 1894 (GUIMARÃES,
2014; DIAS, 2012; MEDEIROS, 2017). Neste estudo, o título
é entendido como um lugar de representação do saber e é
determinado historicamente por elementos constitutivos que o
colocam em relação com outros títulos do autor, com as leis que
regem o ensino e com o processo de produção do conhecimento
em certa ordem e época. O título funciona como um espaço em
que o sentido pode sempre ser outro, pois ele é posto ao leitor
como um frontispício que o traz de um movimento de fora,
do suporte (obra, texto) para dentro (conhecimento/discurso)
por uma relação de representação com o saber e os elementos
constitutivos (autor, ano, editora, cidade etc.) em diferentes
condições de produção. Em nossa proposta de compreender
os efeitos de sentido da produção de Coruja em relação ao
6
Edição de nossa
biblioteca pessoal. ensino da língua nacional, colocamos em análise o título do

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Juciele Pereira Dias

compêndio gramatical de Coruja e seus elementos constitutivos


em relação com o título de outras publicações – das quais as
primeiras três são citadas (referências bibliográficas) como
“dedicatórias”: à mocidade rio-grandense (1835), à mocidade
brasileira (1838) e à Sua Majestade, o Sr. Dr. Pedro II (1848).
A primeira edição do Compendio grammatica da língua
nacional foi publicada em Porto Alegre, em 1835, mas suas
reedições foram publicadas no Rio de Janeiro. Pelo movimento
editorial, podemos trazer à cena as condições de produção da
obra, as cidades e o brasão do autor. Em circulação no Rio de
Janeiro, temos a publicação com a designação: “Compendio
Grammatica da Língua Nacional dedicada á mocidade Rio-
grandense por seu patrício Antonio Alvares Pereira Coruja”.
Nesse enunciado, temos “Compendio Grammatica da Língua
Nacional” sendo predicado por “dedicada á mocidade Rio-
grandense por seu patrício Antonio Alvares Pereira Coruja”.
A relação de predicação está atribuindo sentidos a um lugar
institucionalizado, o nome da publicação, ao passo que a
predicação “dedicada á mocidade Rio-grandense por seu
patrício Antonio Alvares Pereira Coruja” carrega em si outro
lugar institucionalizado: o nome do autor, “Antonio Alvares
Pereira Coruja”. No nome próprio do autor, “Coruja” funciona
como elemento constitutivo da história de vida e passa a
constituir uma referência na história dos manuais de ensino
de língua no Brasil.
O nome do autor ocupa, no âmbito da circulação do
conhecimento, um espaço legitimado, pelo qual Coruja,
que não é nome jurídico de filiação familiar, constitui-se
pelo movimento de passagem de uma alcunha (apelido) a
sobrenome (quando passa a assinar como professor Coruja) e,
posteriormente, a nome do autor, ao publicar os compêndios
e lições para o ensino das primeiras letras.
O nome de autor Coruja, na produção para o ensino da
língua nacional no Brasil, constitui-se como um acontecimento
discursivo, definido por Pêcheux (1990) como o ponto de
encontro de uma memória com a atualidade. A memória de
um apelido (com suas contradições, versões, com a semelhança
entre o físico do autor com a ave coruja ou suas práticas de
leitura na iluminação do passeio público que também estão em
relação às práticas dessa ave) produz deslocamentos de sentidos
na atualidade: o de um sobrenome que se coloca em uma

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O ensino da língua nacional no século XIX e a constituição da gramatização brasileira

deriva de sentidos do nome do autor; o Coruja (imagem autor),


a Coruja (imagem ave). A Coruja na atualidade faz-se presente
como um símbolo dos cursos de formação de professores.
Os sentidos de “coruja” postos podem ser significados
em relação a conhecimento racional e atualizar-se na relação
coruja/professor como aquele que representa o profissional
detentor de um saber a ser ensinado à mocidade rio-grandense
(1835) e, por conseguinte, à mocidade brasileira (1838). As
práticas de ensino na posição sujeito professor público em
relação com a atuação política constituem a posição sujeito
autor de um compêndio gramatical em meio a um momento
de intensos conflitos políticos na província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Nesse momento, as posições sujeito Coruja
aluno do professor “amansa-burros”; Coruja professor público;
e Coruja político “farrapo” são atributivas e movimentam a
posição sujeito autor de gramática língua. De outro lado, no
Rio de Janeiro, temos a posição sujeito autor determinada por
esses sentidos e pelos sentidos produzidos na posição sujeito
professor particular, tesoureiro do IHGB e presidente de
sociedades. Algumas produções7, nessa posição sujeito autor,
trazem um brasão do autor em suas publicações com a imagem
de uma coruja pousando sobre um escudo com as iniciais de
Antonio Alvares Pereira Coruja (AAPC).

Figura 1: Brasão do frontispício da edição de 1878

7
Lições da História do
Brasil e Compendio
Grammatica da Língua
Nacional, publicadas
p e l a Ty p o g r a p h i a No brasão, o escudo pode ser lido como a representação
Espera nça, em 1873.
Algumas publicações de
da realeza, do detentor de um conhecimento da língua e da
outros anos/tipografias história da Corte, constituindo um “símbolo” do professor
t ra z e m o b ra s ão do
império, e outras não. do Brasil. Segundo Laytando (1981, p. 141), Coruja foi

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Juciele Pereira Dias

conselheiro e também presidente da Imperial Sociedade,


amante da instrução, cujo protetor era o próprio D. Pedro II.
Desse modo, ler “Compendio Grammatica da Lingua Nacional
dedicada á mocidade Rio-grandense por seu patrício Antonio
Alvares Pereira Coruja”, publicado em 1835, em Porto Alegre,
e reeditado no Rio de Janeiro como nova edição ampliada e
mais correta é deslocar esse título a um espaço polêmico de
leituras, pelos quais podemos conhecer a nossa história do
Brasil, a da nossa língua e seu ensino. Saber como se fez para
entender como se faz.
O verbo “dedicar” em relação ao nome mocidade,
em determinadas condições de produção, em que o ensino
despontava recentemente na província, produz efeitos de
sentido de uma “preocupação” de Coruja, na posição sujeito
autor de gramática da língua para com os jovens imersos em
uma situação de conflitos e de uma instabilidade política no
país. Já o nome “Rio-grandense”, que determina “mocidade”
por uma relação de especificação, também é determinado
por “seu patrício Antonio Alvares Pereira Coruja”. Nele é
estabelecido uma relação de posse constituída pelo pronome
possessivo “seu” e pelo nome “patrício”, que indica aquele que
pertence à pátria rio-grandense.
Os nomes “Rio-grandense” e “Nacional” são classificados,
na gramática de Coruja, como adjetivos, definidos da seguinte
forma: “Adjectivo é o que qualifica ou determina a cousa ou
pessoa indicada pelo substantivo; e por isso se divide em
Qualificativo e Determinativo”.
Os adjetivos qualificativos dividem-se em: positivo,
comparativo, superlativo, possessivo, pátrio e gentílico. Desses,
recortamos as definições de adjetivos possessivo e pátrio:
“Possessivo é o que indica possessão: como Popular, Nacional,
Imperial” e “Pátrio é o que indica a pátria: como Rio-Grandense,
Fluminense, Pernambucano, Mineiro”8 .
Classificados entre os adjetivos qualificativos, temos
“Nacional” e “Rio-Grandense”: o primeiro como adjetivo
possessivo que indica possessão e o segundo como adjetivo
pátrio que indica pátria. Nesse sentido, salientamos dois
pontos. O primeiro ponto é a exemplificação de “Nacional”
estar entre “Popular” e “Imperial”, não pertencendo nem a
8
Grifos do autor. um nem a outro. A “grammatica da língua nacional” não é a

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O ensino da língua nacional no século XIX e a constituição da gramatização brasileira

“grammatica da língua popular” nem a “grammatica da língua


imperial”. O segundo ponto é a indicação de pátria como “Rio-
grandense, Fluminense, Pernambucano, Mineiro”, em que não
temos, por exemplo, “brasileira”, “portuguesa”, “espanhola”.
As exemplificações de Coruja produzem sentidos em
relação não (tão somente) a um processo de descolonização
entre europeus e americanos, mas a uma possível divisão de
pertencimentos no próprio país, em que o Império sustenta
um imaginário de unidade política. As condições de produção
desse compêndio também são as da instauração da Assembleia
Legislativa rio-grandense a partir do Ato Adicional de 1834.
Essa é uma possível leitura, de um período que vai até 1937,
na posição sujeito professor público, político farroupilha e
prisioneiro em Porto Alegre.
Outras leituras são possíveis a partir de um segundo
período que se inicia em 1838, no Rio de Janeiro. Os efeitos
do processo de reedição desse Compendio também estão em
relação com as publicações posteriores, quando já temos Coruja
como autor de manuais didáticos no Rio de Janeiro, na Corte,
em que o ensino se coloca como modelo para as províncias:
1838 Manual dos Estudantes de Latim dedicado à mocidade
brasileira
1848 Compendio de Ortografia da Lingua Nacional dedicado à
Sua Majestade, o Sr. Dr. Pedro II
1849 Compendio Grammatica da Lingua Nacional dedicada á
(reedição) mocidade Rio-grandense

Os efeitos de sentido dos títulos posteriores, nos quais


temos a presença do possível adjetivo “brasileira” e da
designação “sua majestade o Sr. Dr. Pedro II”, produzem
sentidos outros em relação aos exemplos e ao adjetivo “Rio-
Grandense” no Compendio. Poderíamos colocar uma ruptura
com a posição sujeito “Rio-Grandense”. Todavia, na Corte,
Coruja foi fundador e primeiro presidente da Sociedade Rio-
Grandense Beneficente e Humanitária9 em 1857. Também
publicou compêndios e vocábulos ortográficos sobre o falar
9
Vídeo sobre a história
de Coruja produzido rio-grandense, no qual traz o seguinte verbete: “Gaúcho, s.m.
p or e s s a s o c ie dade,
disponível em: https:// índio do campo sem domicílio certo. Cavalo gaúcho é quase
w w w.yo ut u b e.c o m/
watch?v=wfr4DwnBs6E.
o mesmo que cavalo teatino, que não é permanente em parte
Acesso em: 6 jul. 2016. alguma” (CORUJA, 1852 apud PETRI; SCHERER, 2013, p. 71).

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Juciele Pereira Dias

Considerações finais
Quando tomamos o conhecimento como discurso na
história da produção do sujeito em questão, referido pelo nome
de autor Antonio Alvares Pereira Coruja, temos uma dispersão
de posições sujeito constitutivas da história do Brasil e suas
políticas públicas voltadas ao ensino de língua. Uma história
dividida, em que, pela língua, se materializam os equívocos
sobre uma língua e seu ensino, determinados por efeitos de
evidência. De um lado, temos a produção de sentidos de que a
língua do Brasil tem uma unidade nacional, é a língua Império,
da Corte, do Príncipe de Portugal. De outro lado, os sentidos de
língua nacional são determinados pelos de pátria em relação às
províncias em diferentes conflitos com o Império, trazendo à
baila certa diversidade linguística brasileira. Uma diversidade
que vai de encontro ao diferente de Portugal, a sentidos
dominantes de um processo de “colonização linguística”
(MARIANI, 2004) que restam de uma língua do outro lado do
Atlântico, mas que se fazem presentes na nossa memória social.
Na pesquisa em história das ideias linguísticas, buscamos
compreender como esses discursos sobre a língua nacional e o
seu ensino, as disputas e as tensões no processo de produção
do conhecimento – na divisão de sentidos – são instituídos
em políticas linguísticas, produzindo um efeito de unidade.
Diferente das políticas linguísticas as quais vêm a legislar e
podem ser tomadas como discursos em análise, produzidos
em diferentes posições sujeito na sociedade, o que coloca em
cena a contradição constitutiva desses discursos. Não há língua
sem esse funcionamento do político nas práticas cotidianas, na
história. É preciso termos a responsabilidade ética e política
de compreender que o sentido sempre pode ser outro e que
há acontecimentos que demandam interpretação, pois é pelo
conhecimento de como se fez o ensino sobre a língua no Brasil
que podemos compreender como se faz e como se pode e se
deve fazer esse ensino na atualidade.

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O ensino da língua nacional no século XIX e a constituição da gramatização brasileira

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Juciele Pereira Dias

Abstract
19 th Century’s Teaching of National
Lang uage and the Constitution of
Brazilian Grammar: Antonio Alvares
Pereira Coruja’s production
The objective of this study is to understand
how the different subject positions taken
by the author of Grammatica da Língua
Nacional, Antonio Alvares Pereira Coruja
produce different meanings on the national
language and his teaching, in the midst of
the disputes and tensions in the process of
production of knowledge and of language
policies.  Affiliated with Discourse Analysis
(PÊCHEUX, 1975, 1982; ORLANDI, 1998,
2002; MARIANI, 2003, 2004), the study
brings contributions to research in the history
of ideas of language in Brazil, focused on
the theme of the grammatization process of
Brazil in the 19th century on the relation
sustained Language-State-Brazilian nation.
Keywords: discourse ; language ; subject
position ; grammar; Coruja.

Gragoatá, Niterói, v.24, n. 48, p. 75-94, jan.-abr. 2019 94

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