Resenha. Documentário. o Momento Da Morte. Grupo 03.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC

JONAS BOAMORTE DOS SANTOS JUNIOR

LUCAS DANTAS DA SILVA 

MAYRA OLIVEIRA SANTOS

MARIA GABRIELLA ALVES PEREIRA 

MATHEUS CRUZ PINHEIRO MACHADO

REGINALDO GOMES DA SILVA FILHO

RODRIGO GONÇALVES SILVA

TATIELE OLIVEIRA DOS SANTOS

RESENHA DO DOCUMENTÁRIO “O MOMENTO DA MORTE” 

ILHÉUS – BA

2021
JONAS BOAMORTE DOS SANTOS JUNIOR

LUCAS DANTAS DA SILVA 

MAYRA OLIVEIRA SANTOS

MARIA GABRIELLA ALVES PEREIRA 

MATHEUS CRUZ PINHEIRO MACHADO

REGINALDO GOMES DA SILVA FILHO

RODRIGO GONÇALVES SILVA

TATIELE OLIVEIRA DOS SANTOS

RESENHA DO DOCUMENTÁRIO “O MOMENTO DA MORTE” 

  

Trabalho elaborado para a disciplina de


Medicina Legal, ministrada pela Docente a
Giselle Boaventura Barros Souto, como
atividade assíncrona.

ILHÉUS – BA

2021
RESENHA

O MOMENTO DA MORTE. Direção de Marx Mannucci. Documentário produzido pela National


Geographic, 2008. 52 min.

"A saúde é a vida no silêncio dos órgãos"1. René Leriche

Em O momento da morte, documentário produzido pela National Geographic, a questão da morte e da


vida é abordada a partir de diferente problemáticas que se orientam pela posição que os sujeitos
ocupam no interior dos variados processos onde a morte, a vida e suas figuras é experienciada. Seja no
luto, seja como vítima de um acidente, seja como sujeito de uma experiência de quase-morte, ou como
equipe médica, a morte e a vida aparecem como conceitos abertos a predicações diversas, mas
convergentes em alguns pontos.

O movimento exibido pelo documentário não deixa nem mesmo o sujeito “passivo” que assiste a tela
imune as interpelações pelo sentido que tem os dois conceitos centrais que a atravessam, através das
perguntas latentes: o que é a vida? O que é a morte? Quais são suas condições de enunciação? Como
se relacionam? Como se determinam? E as questões metafísicas por excelência: existe um
espírito/alma? Há vida após a morte?

No decorrer do documentário o momento da morte é apresentado no interior de suas possibilidades de


exploração e manipulação com fim de que se consiga prolongar a vida. Isso porque, ao contrário da
visão metafísica vulgar que pensa a passagem de um estado ao outro como um mero corte espaço-
temporal e material, ou seja, onde há vida não há morte e onde há morte não há vida, no interior da
clínica, como explicado pelo Dr. Lance Becker, a morte não acontece em um momento preciso, mas é
um processo. Sendo esse processo que pode ocasionar a morte uma fronteira para a compreensão do
equilíbrio entre vida e morte no interior da clínica.

Interessante nesse sentido, é a informação de que, quando o coração para, os órgãos e os tecidos
podem ficar numa espécie de “quase-morte” por horas. Assim, se a morte não acontece em momento
1
“Esta frase famosa do cirurgião francês René Leriche indicava como a doença é, em última instância, o que faz
o corpo falar. É a experiência da doença que rompe uma certa imanência silenciosa entre o sujeito e o seu
próprio corpo; é ela que transforma o corpo em um ‘problema’ que determina exigências de saber e configura
necessidades de cuidado e intervenção. Desde há muito, ouvimos que ‘o homem que pensa é um animal
doente’. A frase se presta a, pelo menos, duas interpretações: não apenas que o pensar é uma doença que
marca o ponto de exílio em relação a uma naturalidade perdida, mas, principalmente, que a doença é o que
provoca o pensar. Pois, se é verdade que toda ciência procede do espanto, então não haveria como esquecer
desta afirmação maior de Georges Canguilhem: ‘o espanto verdadeiramente vital é a angústia suscitada pela
doença’ (2002, p. 76).” (SAFATLE, 2011).
exato, pode ser alterada. O documentário traz o caso de um paciente que, ao sofrer uma parada
cardíaca, vivenciou um momento de quase-morte, mas foi ressuscitado por meio de um desfibrilador
cardíaco. Seu coração voltou a bater, seus órgãos continuaram trabalhando, mas precisaram de
aparelhos para funcionar. Nesse processo, os médicos sabiam que com o fornecimento de oxigênio, as
células faleceriam, e o indivíduo logo viria a óbito. Assim, optaram por resfriar o corpo do paciente,
posto que o frio abranda os aspectos da vida biológica, de modo que daria tempo para as células se
recuperarem, atrasando, então, o momento da morte.

Entretanto, há um interessante processo contraditório onde a morte celular é um requisito necessário


para que haja o próprio desenvolvimento natural do ser humano, sendo, em última instância, um
requisito para a vida. Quando da morte do indivíduo, destaca-se que a morte celular é um processo,
quase maquínico, em que as células estão programadas para iniciar em determinadas circunstâncias.

No interior da vida, esse processo de reprodução celular possui um limite, as células se multiplicam
cerca de 50x, o que dura em torno de 8 meses, e, após esse período, começam a se destruir. Logo, a
morte é um processo natural e contínuo, mesmo dentro do corpo humano. Mais uma consistente
objeção a visão metafísica dos processos de vida e morte, dado que há vida durante a morte e morte
durante a vida, a recíproca implicação faz com que no fundo a relação entre o que é vivo e o que é
morte seja de uma sobredeterminação, ou seja, o vivo só aparece na condição de ter-em-si o morto, e
vice-versa. O imediato de um vivo, minha visão virtual do outro, não apreende o que nele está a
morrer, em seu momento da morte, que diríamos: é contínuo.

Um dos pontos mais interessantes do documentário é o momento em que se elencam algumas causas
de morte, como, em uma síntese:

 morte na água, a qual ocorre rapidamente, onde se desmistificou o fato de que todo
afogamento é por água nos pulmões, pois, na maioria dos casos, o que acontece é que as
cordas vocais se trancam, impedindo a respiração;
 hemorragia grave, na qual a velocidade na perda de sangue provoca a falência dos órgãos,
posto que o corpo começa a desligar os sistemas orgânicos que considera menos necessários à
vida;
 fogo, no qual geralmente o que acontece é a aspiração do monóxido de carbono, que causa
sonolência em minutos;
 eletrocussão, no qual há curso circuito nos nervos e no sistema elétrico do coração, bem como
a alteração das ondas cerebrais;
 guilhotina, quando o peço é decepado, sendo possível a consciência por mais 7 segundos após
o ato;
É nos apresentado então uma breve genealogia do conceito de morte, onde este passou uma parada
cardíaca ou a imobilização do coração à noção contemporânea como sendo “[...] o momento que o
paciente passa de um profundo coma para a morte cerebral [...]”. Nesse sentido, para que se declare a
morte cerebral, deve-se verificar, consoante critérios restritos, que não há atividade no cérebro, nem
fluxo de sangue destinado a ele, de modo que não haja mais nenhuma forma de reanima-lo. Quando há
a sua constatação, o paciente está legalmente morto.

Interessante salientar que, mesmo com morte cerebral, estando ligado a aparelhos, será possível
simular suas funções vitais, de forma que haverá a introdução de ar nos pulmões, por meio do
ventilador, bem como o coração continuará batendo. Nesse caso, já sendo considerado legalmente
morto e estando os seus órgãos em ótimas condições, eles podem ser doados.

Mas é tendo em vista o paciente que tem baixos sinais de frequência cerebral, em estado vegetativo,
mas ainda sem ter havido a morte cerebral, que se coloca então a questão filosófica sobre o limite
entre a vida e a morte e quem poderia demarca-lo.

Para além das questões mais abrangentes em termos filosóficos (haja vista que possuem ressonância
mais ampla, com implicações ontológicas, gnosiológicas, políticas, etc.), resta então essa pergunta
bioética pelo que mobiliza o saber sobre quem teria as condições de decidir sobre a vida e a morte de
um indivíduo.

Nesse ponto, nos chama atenção, o conceito de morte de James Hughes, sociólogo e bioeticista
americano, que a define como sendo: “[...] a perda irreparável da continuidade e informação da nossa
personalidade [...]”. Nos parece que tal conceito padece de severas limitações. Perder a suposta
“continuidade e informação” daquilo que define e centra o nosso “Eu” no interior dos processos
psíquicos de identificação, personalização, etc., é algo mais comum do que parece, não podendo
assim, ser chamada de “morte”. Há um conjunto de afecções psíquicas que provocam processos de
despersonalização2, a própria cura no interior da clínica lacaniana é entendida como um processo à
beira da despersonalização3. Tal definição, por óbvio limitada pelo não conhecimento do conceito de
“personalidade” que Hughes mobiliza, mas que não estorva os questionamentos aqui levantados dado
que embasados na própria maneira como Hughes encaminha a discussão, nos faz pensar na condição
do sujeito portador de Alzheimer, estaria ele morto? Não levantamos a questão de concordar ou não
com a conclusão de Hughes, quando este opina sobre a morte de um sujeito em estado vegetativo, mas
sim, de precisar melhor, saturar com mais determinações, o seu conceito de morte (algo que
retornaremos no parágrafo final).
2
Nesse sentido, veja o breve comentário a respeito da constituição do diagnóstico e sua dimensão política na
“Introdução” de: SAFATLE, 2019. Ainda nesse sentido, a partir de Georges Canguilhem, autor de O normal e o
patológico, a relação entre Direito, norma e vida, veja: MASCARO, 2020.
3
Veja: SAFATLE, 2020.
Noutro ponto há uma outra questão metafísica, quando o corpo morre, para onde vai o espírito? O
documentário mostra que pessoas que passaram por experiencias de quase-morte narram, sempre de
modo semelhante, uma experiencia com muita luz, paz, a percepção de encontro com seus familiares,
amigos, passado e futuro. Esses sujeitos, apreendem esses processos no interior de suas gramáticas
simbólicas como sendo de ordem metafísica, sobrenatural, etc. Por outro lado, a ciência apresenta que
tais momentos são resultado de extrema pressão no cérebro, pois, à medida que ele se aproxima da
morte, precisa ativar áreas necessárias para a sobrevivência, entre elas, o córtex visual, localizada na
parte posterior do cérebro, parte do tronco cerebral que, quando ativado, dá a percepção da visão de
uma luz, a qual o paciente, por ser um mamífero, é atraído dado seu instinto de sobrevivência.

Dentre as várias questões que o documentário levanta, sem dúvida, a mais interessante é a do conceito
de morte. Explorando as limitações de sua abordagem nos perguntamos: seria possível restringir a
definição de “morte” ao regime da clínica e da ciência biomédica quando se tem já na
contemporaneidade conceitos como o de biopolítica (Michel Foucault), necropolítica (Achile
Mbembe), que jungem essencialmente as condições de definição de vida e morte com um problema
jurídico e político-estatal? Nos parece que o valor de uma definição do que é vida-morte no interior da
clínica e das ciências biomédicas, esclarece e serve para um trabalho técnico imediato, mas levanta,
como coisas desafetada, a própria clínica e a própria técnica do meio no qual se estruturam. Tratar o
conceito de morte também no interior dos regimes de predicação político, econômico, social e
psíquico nos parece colocar no centro da questão nossa pergunta, em última instância, jusfilosófica,
que potencializa o tratamento do tema, aumentando sua abrangência, e ainda dando abertura a lidar
com seus impasses metafísicos impregnados no senso comum como mais do que um simples: o
comum diz x, mas a ciência descobriu y, logo, que se normatize!

REFERÊNCIAS

MASCARO, Alysson. Canguilhem: saúde, doença e norma. Veritas: Porto Alegre, [S.L.], v. 65, n.
1, maio de 2020
SAFATLE, Vladimir. Introdução a Jacques Lacan. Belo Horizonte: Autêntica, 2019
______. Maneiras de transformar mundos: Lacan, política e emancipação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2020.
______. O que é uma normatividade vital? Saúde e doença a partir de georges canguilhem. Scientiae
Studia, São Paulo, v. 9, n. 1, [S.L.], mar. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1678-31662011000100002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 29 abr.
2021.

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