Balim Mota Oliveira Da Silva - Complexidade Ambiental

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 24

COMPLEXIDADE AMBIENTAL:

O REPENSAR DA RELAÇÃO
HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS
NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Ana Paula Cabral Balim


Mestranda em Direito – Ênfase em Direitos Emergentes na Sociedade Global – Linha de Pesquisa Direitos da
Sociobiodiversidade e Sustentabilidade pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM (Em andamento).
Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA/RS (2012). Curso de
Extensão em Direito Processual Ambiental pela Faculdade IDC/RS (2012). Graduada em Direito pelo
Centro Universitário Franciscano – UNIFRA (2010). Membro Titular do Colegiado do Programa de
Pós-Graduação Mestrado em Direito da Universidade Federal de Santa Maria. Membro Integrante
do Grupo de Pesquisa em Direito da Sociobiodiversidade – GPDS, registrado no Diretório de
Grupos do CNPq e certificado pela UFSM. Advogada – OAB/RS 82725.
anabalim@gmail.com

Luiza Rosso Mota


Mestranda da Universidade Federal de Santa Maria, no programa de Pós-Graduação em Direito, com
ênfase em Direitos Emergentes da Sociedade Global. Assessora de Juiz de Direito de 06 de fevereiro
de 2012 a 08 de abril de 2013. Graduada em Direito em 03 de fevereiro de 2012 pelo Centro
Universitário Franciscano, UNIFRA – Santa Maria – RS. Integrante do Grupo de Pesquisa
em Direito da Sociobiodiversidade (GPDS), inscrito no CNPQ, com atuação
na linha de pesquisa Temas Transversais de Direito e Sustentabilidade
Ambiental. Advogada – OAB/RS 90.533. Bolsista CAPES.
luiza_mota@yahoo.com.br

Maria Beatriz Oliveira da Silva


Doutora em Direito com tese defendida em Direito Ambiental no CRIDEAU (Centro de pesquisa
interdisciplinar em Direito Ambiental e Urbanismo ) da Universidade de Limoges, França, sob a
orientação do professor Michel Prieur. Mestrado em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela
Universidade de Santa Cruz do Sul (2000). Graduação em Direito e Letras. É professora do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Ambiental, atuando, principalmente,
nos temas do desenvolvimento, sustentabilidade e qualidade de vida. Compõe o Conselho
Consultivo do Instituto Nacional de Pesquisas e Defesa do Meio Ambiente – INMA,
com sede em Brasília. A partir de 2011, passou a integrar o OMIJ (Observatoire
des Mutations Institutionnelles et Juridiques) do CRIDEAU.
biabr@hotmail.fr

RESUMO

O presente artigo objetiva abordar a dialética relação homem-natureza


a fim de demonstrar a premente necessidade de se repensar e rees-
truturar essa relação sob uma perspectiva complexa. Busca-se, em
primeiro momento, analisar a evolução da relação homem-natureza
e seu posterior reflexo na crise ambiental do século XXI. A partir da
análise já realizada, justifica-se a insustentabilidade do padrão de de-
senvolvimento e proteção ambiental de viés simplista e mecanicista
Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
163
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

no contexto atual, introduzindo o paradigma da complexidade como


uma nova maneira de pensar o meio ambiente e a sociedade que o
envolve. Por fim, apresentam-se alguns desafios impostos a essa visão
da complexidade ambiental na sociedade contemporânea. Corrobora-
-se que a construção de uma tutela ambiental consubstanciada em uma
perspectiva da complexidade é ainda hoje um desafio, entretanto de-
monstra-se capaz de estabelecer uma nova maneira de pensar o meio
ambiente através de uma reestruturação e conscientização do homem
e seu lugar na natureza.

Palavras-Chave: Relação homem-natureza. Crise Ambiental. Desen-


volvimento Insustentável. Paradigma da Complexidade.

ENVIRONMENTAL COMPLEXITY: The RETHINK


OF MAN-NATURE RELATIONSHIP AND ITS CHALLENGES
IN CONTEMPORARY SOCIETY

ABSTRACT

This research paper aims to address the dialectical relationship bet-


ween man and nature in order to demonstrate the urgent need to re-
think and restructure this relationship under a complex perspective.
Search in the first instance to analyze the evolution of the man-nature
relationship and its subsequent reflection in the environmental crisis of
the XXI century. From the existing analysis is justified unsustainable
pattern of development and environmental protection of commercial
bias and simplistic in the current context, introducing the paradigm of
complexity as a new way of thinking about the environment and the so-
ciety that surrounds. Finally, we present some challenges to this vision
of environmental complexity in contemporary society. Corroborates,
that the construction of an environmental protection embodied in a
perspective of complexity is still a challenge, however shows himself
able to establish a new way of thinking about the environment through
restructuring and awareness of man and its place in nature.

Keywords: man-nature relationship. Environmental Crisis. Unsustai-


nable development. Paradigm of Complexity.

164 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

INTRODUÇÃO

A preservação do meio ambiente bem como a necessida-


de de desenvolver medidas e projetos que regulem a utilização do
mesmo de maneira ecologicamente correta e sustentável são temas
de grande ênfase nos últimos anos.
A evolução da sociedade trouxe consigo uma relação
entre o homem e meio ambiente de características primitivas
e insustentáveis que se enraizou na cultura humana, de modo
que, por diversas gerações – ainda que timidamente a natureza
já começasse a demonstrar fragilidade e esgotabilidade –, não
se consideravam tais acontecimentos como motivos suficientes
para controlar o modo de produção capitalista que se instituiu.
Após a revolução industrial, o incentivo exacerbado ao consumo
em massa assim como o crescimento econômico e populacional
contribuíram intensamente para a crise ambiental que vivencia-se
atualmente.
Apenas no final da década de 1960 e início da década de
1970, as questões ambientais começam a tomar novas dimensões,
através de uma visão holística, interdisciplinar e complexa dos
problemas contemporâneos, principalmente no que diz respeito à
degradação ambiental, ultrapassando a compartimentação e a frag-
mentação do paradigma cartesiano para a compreensão da relação
ser humano – meio ambiente sob o viés da complexidade1.
A análise da relação homem-natureza e o seu repensar
na sociedade atual são medidas que se mostram prementes dian-
te do modelo insustentável de desenvolvimento e consumo que se
instituiu. Nesse aspecto, o paradigma da complexidade desenvol-
vido por autores como Edgar Morin2 e Enrique Leff3 surge como o
modelo mais plausível de ser sustentado diante de uma sociedade
plural, inter-relacionada que exige cada vez mais considerações in-
terdisciplinares a fim de que se efetivem seus principais direitos,
dentre eles o de possuir um meio ambiente ecologicamente equili-
brado que permita a manutenção e o desenvolver da vida.

1
CAPRA, 1996.
2
PENA-VEGA, 2010.
3
LEFF, 2003.

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


165
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

Nesse sentido, surgem algumas indagações: é possível que


a sociedade contemporânea, arraigada em um modelo predatório de
desenvolvimento, transforme ou repense sua relação com a nature-
za? Seria o paradigma da complexidade uma nova perspectiva para
a concretização dessa nova relação socioambiental? Quais são os
desafios da complexidade na atual sociedade?
A crise ambiental instituída é também uma crise da ci-
vilização e de percepção do homem diante do meio ambiente que
lhe sustenta. Aderir à perspectiva da complexidade para o enfren-
tamento da problemática ambiental permitirá, com maior eficácia,
superar os desafios que a sociedade contemporânea impõe a trans-
formar seu modelo de desenvolvimento e a maneira de pensar e se
colocar na natureza.
Quanto à estruturação metodológica, utiliza-se como téc-
nica de pesquisa a análise bibliográfica e documental. Como método
de abordagem e teoria base, desenvolve-se o presente estudo atra-
vés da perspectiva sistêmico-complexa, consubstanciada em autores
como Edgar Morin4, Enrique Leff5 e Frijot Capra6, na qual a recep-
ção de uma perspectiva complexa se concretizará pela inter-relação
de diversas áreas do saber, como a ecológica, a social e a jurídica.
A presente pesquisa objetiva, nesse contexto, de manei-
ra não exaustiva, em primeiro momento demonstrar os principais
aspectos da constituição da relação homem e natureza e o mode-
lo de desenvolvimento social que ensejou a atual crise ambiental.
Posteriormente, intenta analisar, a partir dessa relação instituída, a
necessidade e a viabilidade de se repensar e reestruturar a concep-
ção de proteção ambiental estabelecida sob pilares simplistas e me-
canizados, para um paradigma da complexidade que seja capaz de
estabelecer inter-relações e interdependência entre os vários saberes
a fim de que se concretize e torne eficaz a tutela socioambiental que
considere na sua essência a sua complexidade. Por último, colocam-
-se alguns dos principais desafios que a perspectiva complexa da tu-
tela ambiental enfrenta na sociedade contemporânea, dentre os quais
a educação, a conscientização ética e a sustentabilidade.
4
PENA-VEGA, 2010.
5
LEFF, 2003.
6
CAPRA, 1996.

166 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

1 A RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS REFLEXOS


NA CRISE AMBIENTAL DO SÉCULO XXI

O homem é considerado o ser vivo com a maior capaci-


dade para transformar, interferir e alterar seu meio ambiente. Como
qualquer outra espécie natural, o homem, só pela sua presença, pesa
sobre os ecossistemas, uma vez que retira destes os recursos para
assegurar sua sobrevivência e descarta neles as matérias usadas.
Na perspectiva de François Ost7, o homem “humaniza a
terra”, imprimindo nela a sua marca física revestida de símbolos que
não se contenta em apenas contemplar a natureza na sua origem, mas
necessita transformá-la, condicionando seu uso ao que entende ser
necessário.
O Homo sapiens, capaz de gerar cultura, encontrará uma
nova forma de se relacionar com a natureza, através da articulação
da linguagem (Homo loquens), capaz de fabricar instrumentos e
artefatos (Homo faber), capaz de criar e fazer o uso de símbolos
(Homo symbolicus) e de fazer uso de sua criatividade e imaginação
(Homo Ludens)8.
Ao utilizarem sua capacidade simbólica, cultural e imagi-
nária, as sociedades humanas passam a imprimir no meio ambiente
em que habitam formas específicas de suas representações da reali-
dade que implicam transformações variadas decisivas para a mode-
lagem do espaço habitado.
Nesse sentido, Fagner Rolla afirma que “o meio natural é
percebido então através do conjunto de símbolos que integram essas
representações em cada sociedade. Toda sociedade cria uma forma
de se relacionar com a natureza, dá significado ao meio natural con-
forme seus valores”9.
Sabe-se que, nas sociedades primitivas, os elementos da
natureza foram relegados a coisa de ninguém, o homem primitivo
era cauteloso e não se arriscava a perturbar a “mãe natureza” sem
a devida precaução. Em uma visão holística do mundo, o indivíduo
era consciente de sua pertença em um universo cósmico para o qual

7
OST, 1998, p. 31.
8
WALDMAN apud ROLLA, 2013.
9
ROLLA, 2013, p. 03

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


167
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

o homem não teria existência fora da sociedade ou grupo, e, da


mesma forma, este grupo só seria compreendido quando inserido
na natureza10.
Essa transformação era discreta e eivada de culpabilidade
nos primórdios de desenvolvimento das sociedades, uma vez que es-
tas não tinham consciência da esgotabilidade dos recursos naturais,
nem dos reflexos que o uso irrestrito acarretaria. Entretanto, essa
relação primitiva depressa passaria a se tornar maciça e dominadora.
Estabelecia-se, em meados do século XVII, uma nova relação com o
mundo, eivada de características individualistas, possessivas e pre-
datórias, em que o homem passaria a ser a medida de todas as coisas
e se colocaria no centro do Universo, do qual teria o domínio e o
poder da transformação para o que lhe bem aprouvesse.
A partir de então, é possível observar uma ruptura entre as
ciências do homem e as ciências da natureza. Essa perspectiva do
homem como centro do universo denomina-se de antropocêntrica e
teria origem, segundo concepção comum de vários autores, nas afir-
mações bíblicas, especialmente em Gênesis, primeiro capítulo, em
que constam a história da Criação e a ênfase ao domínio concedido
por Deus ao homem sobre todas as coisas bem como a licença para
subjugar a terra11.
Pensamento esse herdado do Ocidente, considerava o ser
humano como centro, devido à sua capacidade de pensar, e, dentro
desse viés antropocêntrico, essa capacidade lhe tornaria superior aos
outros seres. A natureza, nessa perspectiva, deve servir como meio
de satisfação das necessidades humanas, como ‘recurso’ ou objeto
de consumo12.
Em contraponto a esse pensamento dominante, temos a
perspectiva ecológica sob o viés do ecocentrismo, que considera na
natureza um valor intrínseco em função dela mesma e não somente
em razão do homem. Sob esse enfoque, tendo a natureza um valor em
si, a sua proteção muitas vezes se realizará contra o próprio homem.
Com o tempo, surgem outras perspectivas críticas do am-
bientalismo que vem a questionar o antropocentrismo ou o ecocen-

10
OST, 1998, p. 31.
11
OST, 1998, p. 33-34.
12
Ibidem.

168 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

trismo, como a ecologia profunda, ecofeminismo, ecomarxismo,


antropocentrismo alargado, dentre outros. Entretanto, não é o ob-
jetivo da presente pesquisa aprofundar tais conceitos, cabendo ao
estudo apenas demonstrar a complexidade da relação homem-natu-
reza e suas características mais predominantes que levaram à atual
crise ambiental.
Dentre os modelos de desenvolvimento apresentados, sem
dúvida a perspectiva antropocêntrica foi a dominante. Frijot Capra
afirma que, somado a isso,

Nos séculos XVI e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia


aristotélica e na teologia cristã, mudou radicalmente. A noção de um universo
orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como uma
máquina, e a máquina do mundo tornou-se a metáfora dominante da era mo-
derna. Essa mudança radical foi realizada pelas novas descobertas em física,
astronomia e matemática, conhecidas como Revolução Científica e associa-
das aos nomes de Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton.13

A concepção que coloca em contraponto as relações ho-


mem-natureza como respectivamente sujeito-objeto ganha plenitude
a partir de Descartes e passa a constituir o centro do pensamento
moderno e contemporâneo14. Segundo análise de Fagner Rolla,

O objetivo do conhecimento era dominar incondicionalmente a natureza


que agora é fonte de recursos para a satisfação humana, um objeto, diante
daquele que seria o verdadeiro sujeito, a alma (mente, pensamento), a res
cogitans. Fica evidente a relação de subordinação entre res cogitans e natu-
reza. O corpo é parte da natureza, e dentro deste contexto, o ser humano se
distancia da natureza, percebendo o corpo como res extensa.15

Desencadeia-se a partir de então uma busca incessante de


algo que comprovasse que o homem não era natureza e que só efe-
tivamente seria homem quando se tornasse um ser social. Certo é
afirmar que o homem é um ser social e que da sociedade precisa para
13
CAPRA, 1996, p.34.
14
OST, 1998, p. 39-48.
15
ROLLA, 2013, p. 06.

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


169
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

se desenvolver, contudo essa característica não o faz ser distinto dos


outros seres vivos da natureza, uma vez que estes também apresen-
tam modo de vida em grupo e, portanto, acabam sendo sociáveis.
O homem, entendido como uma espécie de animal, se dis-
tinguiria das demais pela sua capacidade de produzir cultura, carac-
terística essa que não o distancia da natureza, mas apenas destaca
uma de suas qualidades.
Nesse sentido, expõe o autor Porto Gonçalves:

O fato de as sociedades humanas desenvolverem ao longo do tempo um


patrimônio de saber sem o qual cada indivíduo no interior de uma socieda-
de-cultura não consegue viver, não quer dizer que os homens saltaram da
natureza para a cultura. Na verdade desenvolvem sua natureza.16

Assim, a produção de cultura passa ser a sua especificidade


natural. A capacidade desenvolvida pelo homem de, ao longo de sua
história, criar normas, regras e instituições é reflexo de sua própria
natureza com estímulos que advêm do meio ambiente em que habi-
tam bem como das relações estabelecidas entre si.
A questão ambiental está intimamente relacionada com o
modo como a sociedade se relaciona com a natureza. Nessas estão
implicadas as relações sociais e as complexas relações entre o mun-
do físico-químico e o mundo orgânico. A dificuldade dessas relações
se encontra no fato de que o pensamento prevalente e herdado afirma
que a sociedade e a natureza são termos que se excluem. Todavia, o
que não se teve a capacidade de observar é que a sociedade estaria
destruindo as fontes vitais à sua própria existência.
O ecologista Jean Dorst afirma em sua obra que:

...podemos afirmar, de acordo com todos os biólogos que o homem cometeu


um erro capital pensando poder isolar-se da natureza e não respeitar certas
leis de alcance geral. Existe, já há muito, um divórcio entre o homem e seu
meio. O velho pacto que unia o primitivo e seu habitat foi rompido de forma
unilateral pelo homem, logo que este considerou que já era suficientemente
forte para seguir apenas as leis elaboradas por ele mesmo.17

PORTO GONÇALVES, 2006, p. 92.


16

DORST, 1973, p. 378.


17

170 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

Passando a predominar o modelo de desenvolvimento da


sociedade como característica no modo de vida humano, a utilização
desenfreada do meio ambiente bem como a dissociação do homem
ao meio natural constituíram, com o passar dos anos, o que atual-
mente se pode denominar de crise ambiental ou ecológica. Segundo
entendimento de Ost, muito além de uma crise ecológica esta é a cri-
se da nossa representação e relação com a natureza, é a crise simul-
tânea dos vínculos e dos limites, no sentido de que já não consegui-
mos mais distinguir o que nos liga ao animal, à natureza, tampouco
conseguimos discernir o que dele nos distingue18.
A modernidade surge sob a máxima do progresso e trans-
forma a natureza em ambiente. O homem se autoproclama dono e
senhor da natureza, reduzindo-a a um simples reservatório de recur-
sos que logo se transformaria em um depósito de resíduos. Segundo
Ost, o projeto moderno pretendia construir uma supranatureza que
obedeceria a vontade humana, “é o reinado do artifício, máquina e
da automatização, que assim se inaugura e triunfa hoje na união en-
tre o biológico e tecnológico”19.
A ideia de progresso que predominou durante a industria-
lização moldou o pensamento e a cultura das sociedades de tal ma-
neira que toda degradação ambiental se justificaria pelo progresso e
produção para o desenvolvimento humano. O meio ambiente torna-
-se um meio, artefato, objeto utilizado pelo homem de maneira des-
medida, a fim de suprir os anseios que a sociedade de modelos cada
vez mais consumistas e depredatórios se constituía.
Além de decorrer da industrialização a depredação ambien-
tal, decorrem também do próprio desenvolvimento da sociedade o
crescimento populacional, o índice de desemprego e aquele de pessoas
de baixa renda, os quais são fatores cruciais que influenciam direta-
mente no meio ambiente. Segundo Junges, em uma análise detalhada,

É inegável que a industrialização melhorou significativamente a vida dos


seres humanos, mas provocou igualmente efeitos desastrosos, que agora
ameaçam aqueles que ela própria procurou beneficiar. As consequências
negativas não são fruto da própria ciência e técnica, mas da falta de uma

OST,1998, p. 8-9.
18

OST, 1998, p. 10.


19

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


171
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

cultura mais sistêmica do ambiente e de um igualitarismo em relação aos


seres viventes presentes nas civilizações rurais. A civilização industrial pro-
vocou a acentuação do dualismo entre o ser humano e a natureza, a explora-
ção de recursos naturais para atender às crescentes necessidades humanas,
o desenvolvimento de tecnologias com impacto sobre o ambiente, o uso e
a exploração de novas fontes de energia, o aumento exponencial da popu-
lação, o aumento da complexidade dos sistemas sociais pelo surgimento
de classes sociais e pelo desaparecimento de modos alternativos de vida
devido à massificação cultural. Tudo isso levou a um dissídio crescente
entre a sociedade humana e o meio ambiente, as divisões, discriminações e
injustiças na sociedade humana.20

Séculos dessa apropriação errônea dos recursos naturais


como simples objetos inesgotáveis conduziram ao atual cenário de
degradação que se conhece.
O aumento das catástrofes ambientais, degradações, po-
luição, aquecimento global, confusão das estações, tempestades
recorrentes, escassez de água e recursos em determinadas regiões,
proliferação de doenças, o descarte inadequado de lixo, dentre vários
outros fatores, são reflexo da relação homem-natureza desenvolvida
sob pilares cartesianos de exploração e um modelo de desenvolvi-
mento econômico capitalista.
Os reflexos desse modelo de sociedade que se introdu-
ziu no final do século XX e início do século XXI se concretizam
atualmente em consequências ambientais reais. Dentre os benefícios
proporcionados pelo progresso industrial, tecnológico e econômico
desenvolvido, está o de fornecer ao ser humano a exata dimensão das
consequências a curto ou longo prazo que seus atos depredatórios
ensejarão às presentes e futuras gerações. Se antigamente a natureza
não respondia às destruições que o homem lhe causava, atualmente
já não se pode dizer o mesmo. Por ser um bem de natureza finita e
esgotável, a natureza, que, durante séculos, foi explorada irrestrita-
mente, foi acumulando problemas.
No início da década de 1970, com a propulsão interna-
cional da temática ambiental, é possível verificar a preocupação
da sociedade global em proteger o meio ambiente que lhe envolve.
JUNGES, 2010, p. 70.
20

172 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

Estendendo a problemática ambiental a uma perspectiva global,


universal e genérica, as grandes conferências, tratados e documen-
tos que surgiram nesse cenário desenvolveram a questão ambiental
e a necessidade de sua preservação e conservação, sob enfoques
predominantemente econômicos e tecnológicos que tinham como
meta e pauta principal a concretização de um desenvolvimento
sustentável.
Por certo é que esses variados Tratados, Conferências, Do-
cumentos internacionais que tratavam da proteção ao meio ambiente
transformaram o cenário político, econômico e social da população
mundial, uma vez que inseriram em sua pauta a urgente necessidade
de instituir medidas de proteção e conservação do meio ambiente
mundial, visto que já devidamente comprovado pelas ciências do
homem que esse recurso, ao contrário do que se imaginava, é finito
e em grande maioria não renovável, dependendo do grau de degra-
dação. Entretanto, essa preocupação com as questões ambientais em
sua grande maioria se construía sob premissas e interesses meramen-
te desenvolvimentistas, econômicos e políticos.
A natureza ainda entendida como um mero recurso, objeto,
meio, não poderia se esgotar, afinal isso implicaria perdas financei-
ras imensuráveis, criando o risco iminente de quebrar com o mode-
lo capitalista e de hiperconsumo que sustentou, e ainda sustenta, os
grandes países desenvolvidos.
A relação homem-natureza instituída percebe apenas a cri-
se ambiental técnica, que busca a resolução dos problemas ambien-
tais em enfoques estritamente científicos, tecnológicos e econômi-
cos21. Poucos são os que percebem a crise ecológica como uma crise
além de uma simples solução técnica, e os que a percebem sob essa
perspectiva não têm poder de voz diante dessas grandes instituições
que dominam o mercado.
A necessidade de se instituir uma nova forma de enxergar
o mundo e a natureza que o constitui, que busque a proteção am-
biental e social, através de uma resposta ética, capaz de reformu-
lar e repensar a relação homem-natureza, em uma relação de mútuo
equilíbrio e respeito que recepcione a sua complexidade é, para a

JUNGES, 2010, p. 12.


21

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


173
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

sociedade contemporânea, ao mesmo tempo um desafio e também a


sua perspectiva de solução.

2 REPENSAR A RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA:


DE UMA PERSPECTIVA SIMPLISTA AO
PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

Conforme já corroborado, a crise ecológica do qual se faz


parte é uma crise da relação homem-natureza, da maneira como essa
relação se desenvolveu na sociedade e da falta de percepção do ho-
mem quanto ao seu lugar na natureza.
Esse modelo dominante quanto ao que venha a ser a ques-
tão ambiental demonstra-se pouco sensível às suas dimensões socio-
lógicas, e introduz no cenário mundial a busca por soluções que se
demonstram na maioria das vezes simplistas quando tocam ao tema
complexo do meio ambiente. A percepção generalizada dos impac-
tos ambientais, de que estes atingem a todos indistintamente, con-
correu para que temas específicos como, por exemplo, a escassez de
recursos ou o desperdício se sobrepusessem globalmente como os
mais importantes nos debates ecológicos.
Esses debates se pautam na estratégia de uma moderniza-
ção ecológica22 que busca conciliar o crescimento econômico com
a resolução das grandes problemáticas ambientais através de novos
mecanismos tecnológicos, de economia e de mercado, que não levam
em consideração aspectos sociais ou éticos da questão ambiental.
A perspectiva simplista que se pretende criticar é a pers-
pectiva cartesiana que considera o meio ambiente como mero objeto,
construída sob um modelo capitalista de produção que não percebe a
natureza como algo além de mero recurso, insumo. Essa é ainda hoje a
perspectiva dominante na sociedade, visto que, conforme exposto, por
mais que a temática ambiental tenha sido inserida nas pautas de discus-
sões políticas, jurídicas e sociais, seu interesse está deturpado pela bus-
ca de um desenvolvimento que permite a continuidade da exploração
de maneira “sustentável”. As discussões de valor moral, ético e social
da problemática ambiental são mínimas diante das buscas de soluções

ACSELRAD, MELLO, A. BEZERRA, 2009, p. 14-15.


22

174 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

técnicas e científicas para esse problema. Pode-se afirmar que os movi-


mentos ambientais introduzidos e as políticas públicas e empresariais
disseminadas, em grande parte, buscam apenas meios de remediar a
degradação já instituída, procurando soluções práticas e técnicas que,
mascaradas sob uma perspectiva “ambientalista”, visam apenas não es-
gotar os recursos que lhe permitem o crescimento econômico23.
Fritjof Capra afirma que quanto mais a ciência e a pes-
quisa fornecem à sociedade dimensões e consequências que as de-
gradações podem ocasionar a toda biosfera mas também à vida
humana em sua essência, mais se imporá ao Homem, que se julga
superior, por possuir razão e cultura, que recepcione sistemicamen-
te a interdependência e a inter-relação da questão ambiental com a
questão humana24.
Nas suas palavras,

Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente, como


diferentes facetas de uma única crise, que é, em grande medida, uma crise
de percepção. Ela deriva do fato de que a maioria de nós, e em especial nos-
sas grandes instituições sociais, concordam com os conceitos de uma visão
de mundo obsoleta, uma percepção da realidade inadequada para lidarmos
com nosso mundo superpovoado e globalmente interligado.25

As sociedades foram incentivadas a um modelo de desen-


volvimento que não é capaz de perceber e considerar o meio ambien-
te que as envolve. Esse paradigma que dominou a cultura e moldou
a sociedade moderna por diversos anos contemporaneamente tem
de se reformular ou retroceder, visto que não condizente mais com
a realidade e necessidade ambiental e social atual. Segundo Capra,
esse paradigma de pilares tecnocientíficos considerava “a visão do
universo como um sistema mecânico composto de blocos de cons-
trução elementares, a visão do corpo humano como uma máquina,
[...] a crença no progresso material ilimitado, a ser obtido por inter-
médio de crescimento econômico e tecnológico [...]”26.
23
JUNGES, 2010.
24
CAPRA, 1996, p. 14.
25
Ibidem. p. 14.
26
Ibidem, p. 16.

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


175
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

No entendimento de Pena-Vega,

A crise do meio ambiente, por outro lado, testemunha a profunda e dra-


mática incapacidade da ciência dita universal para fornecer uma visão de
mundo compatível com as aspirações e/ou necessidades do homem. Em
outras palavras, a ciência clássica parece incapacitada diante da imensidão
e da dificuldade que tal tarefa representa.27

Nesse sentido, Juarez Freitas, quando discorre sobre o tema


sustentabilidade, afirma, em sua obra, que há uma verdade inevitá-
vel no caminho da sustentabilidade: “o vício mental do crescimento
pelo crescimento, a qualquer custo, não será vencido sem as dores
da síndrome da abstinência. A sociedade terá, em dado momento, de
querer se desintoxicar de prévias compreensões desastrosas e rede-
senhar o sistema em que vive”28.
A revolução científica moderna destruiu o caráter sistêmi-
co da percepção pré-científica das sociedades tradicionais, levando
a uma visão reducionista da realidade. A racionalidade econômica
que se instaura implica um modo de produção fundado em con-
sumo destrutivo da natureza que vai degradando o ordenamento
ecológico do planeta Terra e minando suas próprias condições de
sustentabilidade29.
Segundo Capra, o pensamento sistêmico – que, no presen-
te caso, alia-se ao complexo – traduz-se

Na mudança do pensamento mecanicista para o pensamento sistêmico, a


relação entre as partes e o todo foi invertida. A ciência cartesiana acredita-
va que em qualquer sistema complexo o comportamento do todo podia ser
analisado em termos das propriedades de suas partes. A ciência sistêmica
mostra que os sistemas vivos não podem ser compreendidos por meio da
análise. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas
só podem ser entendidas dentro do contexto do todo maior. Desse modo, o
pensamento sistêmico é pensamento “contextual”; e, uma vez que explicar
coisas considerando o seu contexto significa explicá-las considerando o

27
PENA-VEGA, 2010, p. 22.
28
FREITAS, 2012, p.26.
29
LEFF, 2009, p. 27.

176 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

seu meio ambiente, também podemos dizer que todo pensamento sistêmi-
co é pensamento ambientalista.30

Esse paradigma mecanicista de determinação física e me-


tafísica, que pensa nas palavras de Leff “o ser como ente”, abriu a
via da racionalidade científica e instrumental que produz a moder-
nidade como uma ordem coisificada e fragmentada, dominadora e
controladora do mundo31.
Essa racionalidade dominadora, entretanto, na alienação e
incerteza do mundo economizado bem como a continuidade de um
processo incontrolável e insustentável de produção descobrem em
sua própria negatividade os seus limites. A superação desse paradig-
ma simplista meramente técnico de percepção da problemática am-
biental assim como da relação instituída entre o homem e seu meio
torna-se, a partir do século XX, uma mudança de suma importância.
A crise ambiental é atualmente uma crise da civilização,
da razão, do pensamento, de percepção e do conhecimento que se
tem da natureza e das relações para com ela. Para além de buscar
soluções técnicas para a problemática ambiental, deve-se repensar
a maneira como a sociedade se coloca diante dessas situações, re-
pensar o Ser colocado em um mundo complexo sob uma perspectiva
sistêmica que reconheça a inter-relação de diversos saberes como
interdependentes considerados em sua totalidade.
Essa crise foi associada ao fracionamento do conhecimen-
to, e este, por sua vez, reclamou um pensamento através de uma vi-
são complexa que fosse capaz de reintegrar essas partes e reconhecer
suas singularidades em uma perspectiva interdisciplinar do todo.
Quando recepcionada como uma crise de civilização, a
crise ecológica não se restringe à soluções por via da racionalidade
teórica e instrumental que constrói e destrói o mundo. Mas, sim, em
processo de desconstrução e reconstrução do pensamento.
Enrique Leff, na sua obra sobre a “complexidade ambien-
tal”, desenvolve uma nova maneira de pensar e estudar a crise am-
biental, sob a perspectiva de que a crise ambiental é, sobretudo, um
problema de conhecimento. A complexidade ambiental implica uma
CAPRA, 1996, p. 36.
30

LEFF, 2003, p. 16.


31

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


177
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

revolução do pensamento, uma mudança de mentalidade e transfor-


mação do conhecimento e das práticas educativas para construir um
novo saber e uma nova racionalidade que passe a orientar a constru-
ção de um mundo de sustentabilidade32.
Há aqui uma nova reflexão sobre a natureza do ser, do sa-
ber e do conhecer, introduz-se o estudo da complexidade ambiental
ligado ao conceito de “saber ambiental” que, nas palavras de Leff,
“se projeta para o infinito do impensado – o por pensar – reconsti-
tuindo identidades diferenciadas em vias antagônicas de reapropria-
ção do mundo”33.
Aprender a complexidade ambiental implica um processo
de desconstrução do pensado para pensar o ainda não pensado, para
desentranhar o mais entranhável de nossos saberes e contribuir para
um reposicionamento do ser através do saber.
A complexidade ambiental não apenas leva à necessidade
de aprender fatos novos (mais complexos), mas também inaugura uma
nova pedagogia, que implica reapropriação do conhecimento desde o
ser do mundo e do ser no mundo, a partir do saber e da identidade que
se forjam e se incorporam ao ser de cada indivíduo e cada cultura. Essa
“pedagogia” da complexidade ambiental reconhece que apreender o
mundo parte do ser de cada sujeito, de seu ser humano, reconhece o
conhecimento e olha o mundo como potência e possibilidade34.
Nesse sentido, é possível tomar por base as lições dispos-
tas pela interpretação do estudo da ecologia complexa de Edgar Mo-
rin, que corroboram que

Desde já, podemos enunciar a ideia segundo a qual a complexidade, a ir-


reversibilidade, a desordem e a auto-eco-organização constituem as cate-
gorias de um novo paradigma na ecologia. E mais podemos dizer que o
homem, como entidade sociobiológica, é parte integrante do processo de
evolução e está no centro desse processo de aprendizagem. Assim será pre-
ciso captar a relação Vida/ Homem/ Natureza numa perspectiva globalizan-
te, isto é, admitir que a biosfera e o sistema social têm uma confluência.35

32
LEFF, 2003, p. 16.
33
LEFF, 2003, p. 38.
34
Ibidem, p. 55-59.
35
PENA-VEGA, 2010, p. 42-43.

178 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

Esse novo paradigma ecológico de perspectivas comple-


xas não se reduz apenas a uma realidade complexa no pensamento,
mas, sim, à construção de um pensamento complexo, que implique
repensar toda história do mundo a partir da cisão entre o homem e a
natureza, que engendrou a ciência moderna com modelo dominató-
rio da natureza que produziu a economização do mundo e implantou
a lei globalizadora e totalizadora de mercado36.
O paradigma da complexidade ambiental inova quando
interroga o conhecimento do mundo, questionando o projeto episte-
mológico introduzido na modernidade que buscava a unidade, a uni-
formidade e a homogeneidade, que buscava um futuro comum, ne-
gando os limites, o tempo, a história, as diferenças, a diversidade37.
Ao interpretar o pensamento sistêmico de Capra, Edgar
Morin, defensor de uma visão complexa da ecologia, afirma que

Quanto mais um sistema vivo é autônomo, mais é dependente do ecossiste-


ma; de fato, a autonomia supõe a complexidade, a qual, por sua vez, supõe
uma grande riqueza de relações de toda espécie com o meio-ambiente, isto
é, depende de inter-relações, as quais constituem exatamente as dependên-
cias que são as condições da relativa independência.38

Nessa perspectiva, a relação homem-natureza se reformu-


la. A natureza não é mais considerada como desordenada ou passiva,
ela é uma totalidade complexa; o homem, por sua vez, abre-se a essa
totalidade em uma relação de autonomia-dependência organizadora
no seio de um ecossistema; e a sociedade, por fim, pertence a essa
complexidade em que tudo é ao mesmo tempo “mais e menos que a
soma das partes”39.
Aderir ao procedimento conceitual multidimensional pró-
prio da abordagem ecológica em torno do paradigma da complexida-
de filia-se a uma concepção completamente distinta do paradigma de
integração reducionista que acabou por dissolver os aspectos especi-
ficamente humanos ao tentar integrar o homem e a natureza. Pensar

36
LEFF, 2003, p. 17.
37
Ibidem, p. 20.
38
MORIN apud PENA-VEGA, 2010, p. 33.
39
PENA-VEGA, 2010, p. 35.

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


179
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

a relação homem-natureza a partir da complexidade é afastar os pa-


radigmas simplificadores do passado, da disjunção homem-natureza
e da redução do homem à natureza.
A complexidade ambiental e o pensamento ecológico
complexo não são a ecologização do mundo. Essa nova maneira de
pensar o meio ambiente ajuda a repensar a relação dominadora de-
senvolvida por um paradigma da simplicidade no qual a sociedade se
nutriria de um processo linear do “progresso científico > crescimen-
to > desenvolvimento > bem-estar humano”40.
Para Enrique Leff, em uma perspectiva um pouco mais crí-
tica da complexidade,

A complexidade ambiental não é a complexidade do mundo, dos seres, da


realidade; não é somente a complexidade do real, da geratividade da phy-
sis, da evolução da natureza, da emergência da ordem simbólica; não é
a complexidade de um pensamento que representa e compreende melhor
a complexidade da matéria. A complexidade ambiental emerge da relação
entre o real e o simbólico; é um processo de relações ônticas, ontológicas e
epistemológicas; de hibridações da natureza, da tecnologia e da cultura; é,
sobretudo, a emergência de um pensamento complexo que apreende o real
e que se torna complexo pela intervenção do conhecimento. Por isso, não é
simplesmente um pensamento complexo mais bem unido à complexidade
de seu objeto de estudo, mas um pensamento que ultrapassa a relação de co-
nhecimento, que vai além de uma ontologia do ser e de uma epistemologia,
e se abre para um saber da vida e uma ética da outredade. 41

Sendo assim, repensar a relação homem-natureza através


de uma perspectiva complexa é afirmar simultaneamente as suas se-
melhanças e diferenças reconhecendo os seus vínculos e limites sem
necessariamente transformar a natureza em sujeito ou objeto. A in-
trodução de Ost42 de uma natureza projeto como o meio justo permi-
te o repensar do que a natureza faz de nós e o que nós fazemos dela.
A crise ambiental que se vivencia não se reduz a uma
crise ecológica, mas, sim, a uma crise da razão, da civilização, em
40
PENA-VEGA, 2010, p. 39.
41
LEFF, 2009, p. 22.
42
OST, 1998, p. 16-17.

180 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

que os problemas ambientais são fundamentalmente problemas de


conhecimento, e sua resolução enseja um processo de construção
coletiva do saber, de superar as ideologias de uma ecologia gene-
ralizada e um pragmatismo funcionalista, que refletem o desco-
nhecimento histórico-cultural de uma sociedade. A complexidade
ambiental exige, da interdisciplinaridade, a contribuição de novos
conhecimentos e práticas de pesquisas, intervindo e colaborando
para a geração de algo cientificamente novo, possibilitando melho-
rias concretas para tantos problemas encontrados na sociedade do
ter que sobrepõe o ser.

3 DESAFIOS DA VISÃO COMPLEXA NA SOCIEDADE


CONTEMPORÂNEA

Conforme discorrido durante os dois itens anteriores, é


possível verificar que o modelo pelo qual a sociedade contemporâ-
nea se desenvolveu é um modelo de viés simplista e insustentável
que foi determinante para a atual relação ou cisão do homem com
a natureza. Atualmente, diante das catástrofes ambientais e sociais
cada vez mais frequentes, e da conscientização através das novas
tecnologias da urgência da transformação do modelo de desenvolvi-
mento instituído, a sociedade clama por medidas mais concretas na
esfera de proteção ambiental.
Anos de degradação inconsequentes ensejam riscos e im-
pactos já previstos e iminentes em diversas regiões do mundo, prin-
cipalmente nas subdesenvolvidas, diretamente sobre aqueles que são
os seus principais causadores: os homens.
Vários são os motivos que ensejam uma mudança drástica
da relação homem-natureza e demonstram a premente necessidade
de se restabelecer e repensar a maneira pela qual o homem se relacio-
na com seu meio. As injustiças ambientais, a desproporcional divi-
são dos riscos ambientais e sociais, o aquecimento global, a extinção
das espécies, desmatamento, dentre outros fatores, corroboram que
o modelo de desenvolvimento tornou-se insustentável e que aderir a
uma nova perspectiva – no caso, o paradigma da complexidade – é,
ainda hoje, um desafio, entretanto extremamente necessário para a
manutenção da vida na Terra.

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


181
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

Tem-se início de uma verdadeira tomada de consciência da


dimensão ecológica, que permite a constituição de um novo funda-
mento epistemológico agora socioambiental, de viés complexo que
passa a repensar a relação da sociedade com o meio ambiente, re-
cepcionando a interdependência e as inter-relações existentes entre
os diversos saberes respeitando as suas complexidades e incertezas.
José Eli da Veiga confirma em trecho de destaque que

A humanidade nunca se interroga sobre questões que não possa tentar resol-
ver. Foi a consciência coletiva sobre o possível, e provável, encurtamento
da presença da própria espécie humana neste planeta que levou à formula-
ção da expressão desenvolvimento sustentável para se referir à esperança
de que seja possível compatibilizar a expansão de suas liberdades com a
conservação de ecossistemas que constituem sua base material.43

Repensar a relação com o meio ambiente, “pensar o não


pensado” nas palavras de Enrique Leff44, que seja capaz de buscar
uma conscientização ética dessa dialética relação através da educa-
ção como pressuposto básico a fim de se instituir uma sociedade
verdadeiramente sustentável, é, para o paradigma da complexidade,
um desafio.
Segundo Junges, é possível levantar três questões éticas
fundamentais no tocante a complexidade ambiental,

...as gerações atuais estão sacrificando o bem-estar das gerações futuras


através de seu consumo desenfreado; as populações pobres do mundo so-
frem mais consequências maléficas do aquecimento, quando são as popula-
ções ricas que mais contribuem para o desequilíbrio climático e, por outro
lado, ainda usufruem de recursos para escapar de seus efeitos; todos os
seres vivos não humanos são afetados diretamente em seu habitat pelos
efeitos do aquecimento, desequilibrando suas condições de vida, quando
são os humanos os culpados do problema.45

Essas questões já postas diante da sociedade global são ex-


tremamente complexas e não se reduzem nem se solucionarão através
43
VEIGA, 2010, p.39.
44
LEFF, 2003.
45
JUNGES, 2010, p. 13.

182 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

de meios estritamente técnicos ou paliativos como, por exemplo, a ins-


tituição de metas de redução de despejo de CO2 na camada de ozônio
instituído pelo Protocolo de Kyoto. Por óbvio que essas medidas são
importantes, mas elas apenas remediam o problema ou deturpam reme-
diações, e não atingem a verdadeira causa dos mesmos, não questio-
nam mais profundamente a sua complexidade, a sociedade, as regiões
mais atingidas, o que será mais justo ou não. Essa é a crítica que o
paradigma da complexidade apresenta aos modelos até então desen-
volvidos, quando se chega em determinado patamar de problemas am-
bientais muito complexos e inter-relacionados a diversos outros ramos,
não bastarão medidas técnicas ou simplistas para resolução, e é nesse
limite que o paradigma da complexidade encontrará seu respaldo.
A ética ambiental que a perspectiva complexa desafia é
uma ética capaz de repensar o desenvolvimento que seja responsável
e sustentável, e basilar de um novo estilo de vida capaz de integrar
na perspectiva de Pena-Vega, a relação objeto/sujeito a novos funda-
mentos como “temporalidade humana, temporalidade da biosfera e
temporalidade ética”46.
Também a complexidade ambiental desafia o conhecimen-
to e sua pedagogia, a educação ambiental é o cerne da instituição do
paradigma da complexidade, repensar o meio ambiente, reformulá-
-lo; estabelecer novas relações com a natureza deve passar por uma
política de conhecimento. Leff afirma que “aprender a aprender a
complexidade ambiental não é um problema de aprendizagem do
meio, mas de compreensão do conhecimento sobre o mundo”47.
De fato, essas questões apresentadas que o paradigma da
complexidade ainda desafia na sociedade contemporânea são analisa-
das sucintamente, entretanto o que se pretende corroborar é que exis-
tem soluções para os principais problemas de nosso tempo, inclusive
os mais complexos, no entanto, para estas últimas, a resolução de-
penderá de uma mudança radical das nossas percepções, pensamento
e valores. Repensar a visão do mundo da ciência e da sociedade para
com o meio ambiente, ao mesmo tempo em que desafia a perspectiva
complexa ambiental quando da sua implementação, encontra nela a

PENA-VEGA, 2010, p. 108.


46

LEFF, 2003, p. 55.


47

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


183
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

resposta mais completa e eficaz aos diversos problemas enfrentados


pela sociedade insustentável que se instituiu.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corroborou-se, através da presente pesquisa, que a crise


ambiental contemporânea advém da premente e necessária refor-
mulação da relação entre homem e natureza. O modelo de desen-
volvimento introduzido pela era moderna implicou um crescimento
desenfreado e inconsequente da exploração dos recursos ambientais,
justificando-se sob a busca incessante pelo progresso da sociedade,
que atualmente demonstra claramente sua insustentabilidade e invia-
bilidade de manutenção.
Os problemas ambientais e sociais são cada vez mais fre-
quentes e complexos, as soluções não se encontram na técnica nem na
ciência, e a sociedade mais consciente de sua posição no mundo pas-
sa a exigir e buscar seus valores novamente. Evidenciou-se que essa
crise ambiental instituída passa a questionar o paradigma simplista de
desenvolvimento dominante na sociedade atual, que prioriza questões
econômicas em detrimento das socioambientais complexas. Surge, a
partir de então, a ideia de que a natureza deve inter-relacionar-se com
o homem, trocando com ele energias e formando conexões.
Dentre os desafios que se impõem a essa perspectiva com-
plexa, postos mais detalhadamente no último item da presente pes-
quisa, vislumbram-se o ético, o jurídico, o científico, o social, o eco-
nômico e mais intrinsecamente a necessária reformulação de valores
individuais, do próprio ser humano e sua relação com o meio que o
cerca, no sentido de perceber a complexidade das relações e a pro-
blemática ambiental.
Reconhecer o meio ambiente e o homem como distintos,
entretanto com um vínculo intrínseco inerente à sua própria natureza,
que respeite e considere sua complexidade, introduz novos modelos
de comportamento que buscam no conhecimento, em uma nova ma-
neira de ver o mundo, a sua renovação. Essa é a perspectiva de um
paradigma da complexidade que institui uma verdadeira reforma do
pensamento capaz de reconhecer que o homem está na natureza e a
natureza está no homem.

184 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014
Ana Paula Cabral Balim & Luiza Rosso Mota & Maria Beatriz Oliveira da Silva

A construção de uma tutela ambiental consubstanciada em


uma perspectiva da complexidade é ainda hoje um desafio, todavia
demonstra-se capaz de estabelecer uma nova maneira de pensar o
meio ambiente através de uma reestruturação e conscientização do
homem e seu lugar na natureza. Esse paradigma se coloca como o
ideal a ser disseminado na busca por uma proteção socioambiental
verdadeiramente eficaz e justa, que recepciona, na interdisciplinari-
dade e indivisibilidade das diversas relações entre homem-natureza,
a sua verdadeira essência.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA,


Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Ga-
ramond, 2009.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica


dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.

DORST, J. Antes que a natureza morra: por uma ecologia política.


6. ed. São Paulo: Edgar Blucher, 1973.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Hori-


zonte: Fórum, 2012.

JUNGES, José Roque. (Bio)Ética ambiental. São Leopoldo: Ed.


UNISINOS, 2010.

LEFF, Enrique. Complexidade ambiental. São Paulo: Cortez, 2003.

LEFF, Enrique. Complexidade, racionalidade e diálogo de saberes.


ER – Educação e Realidade, 2009. Disponível em: <http://seer.
ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/9515>. Acesso
em: 15 jul. 2013.

LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura: a territorialização da ra-


cionalidade ambiental. Petrópolis: Vozes, 2009.

Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014


185
COMPLEXIDADE AMBIENTAL: O REPENSAR DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E SEUS DESAFIOS...

OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do


direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.

PENA-VEGA, Alfredo. O despertar ecológico: Edgar Morin e a


ecologia complexa. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.

PORTO GONÇALVES, Carlos Walter. Os (Des)caminhos do meio


ambiente. São Paulo: Contexto, 2006.

ROLLA, Fagner. Ética Ambiental: principais perspectivas teóricas


e a relação homem-natureza. Disponível em: <http://www3.pucrs.
br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_1/
fagner_rolla.pdf.>. Acesso em: 15 jul. 2013.

VEIGA, José Eli. Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor.


São Paulo: SENAC, 2010.

Recebido: 31/10/2013
Aceito: 05/02/2014

186 Veredas do Direito, Belo Horizonte • v.11 • n.21 • p.163-186 • Janeiro/junho de 2014

Você também pode gostar