Saussure e Suas Dicotomias

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II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA


SAUSSURE E SUAS DICOTOMIAS:
DA CONCEPÇÃO DE LÍNGUA À ABERTURA
PARA NOVAS PERSPECTIVAS
DE ANÁLISE CONTEMPORÂNEAS
Bruno Gomes Pereira (UFT)
brunogomespereira_30@hotmail.com
Jennifer Silva e Silva (UFT)

RESUMO
Esse trabalho tem como objetivo fazer um panorama sobre os estudos de Saussu-
re, no que se refere às suas dicotomias, bem como sua influência em estudos pós-século
XXI. Estamos inseridos no campo dos estudos da linguística teórica, por acreditarmos
que esta perspectiva de investigação pode contribuir para os estudos linguísticos e filo-
lógicos. A pesquisa se delineia pelo tipo bibliográfico, tendo em vista que confronto
várias referências da linguística para compreender e discutir as dicotomias saussuria-
nas. Entendemos que a linguística de Saussure influenciou diretamente outras verten-
tes da linguística, o que se mostra positivo aos estudos atuais que versam sobre a lín-
gua e a linguagem.
Palavras-chave: Linguística. Saussure. Dicotomia.

1. Introdução
É de conhecimento de que Ferdinand de Saussure, em seu Curso
de Linguística Geral, marcou época e influenciou toda uma geração de
linguistas que, de acordo com sua teoria, sempre partia dos postulados de
Ferdinand de Saussure para entender alguns fenômenos da linguagem.
Ferdinand de Saussure (1995) propunha a língua como um siste-
ma, de maneira a considerar que os fenômenos linguísticos que analisava
encontra resposta em si mesmos, desconsiderando um contexto social e
cultural maior. Diante dessa proposta de problematização da língua, o
pesquisador apresentou algumas dicotomias que, para ele, poderia res-
ponder, mesmo que momentaneamente, alguns questionamentos sobre o
uso da língua e da linguagem.
Por meio de suas dicotomias, Ferdinand de Saussure influenciou
várias vertentes dos estudos contemporâneos da linguagem, que se rami-
ficou em várias correntes de pesquisas no século XX e XXI. A influência
do Pai da Linguística Moderna é demasiadamente marcada na área dos
estudos linguísticos que são, até hoje, retomadas, seja como ponto de

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partida, seja como uma concepção já não tão satisfatória aos olhos de
teóricos mais contemporâneos. Entretanto, consideramos que não se trata
de discordar ou não de Ferdinand de Saussure, mas sim de novas propos-
tas para o estudo da língua e da linguagem que têm ganhado uma con-
cepção mais social, cultural e antropológica nos últimos anos.
Ferdinand de Saussure (1995), no entanto, não reduzia suas ob-
servações à língua puramente, uma vez que considerava a necessidade de
se estudar a língua e a linguagem a partir de outras perspectivas, embora
essa não tenha sido sua prioridade.
Acreditamos que os estudos saussurianos são fundamentais para
que possamos entender muitas correntes dos estudos linguísticos con-
temporâneos, uma vez que todos eles, de alguma maneira, parte da ideia
estruturalista de Ferdinand de Saussure, mesmo que não se considerem
puramente como tal, o que é aceitável no advento das pesquisas atuais, as
quais têm no discurso, na ideologia e na ideia de empoderamento novas
possibilidades de estudar a língua.
Diante disso, objetivamos elencar algumas dessas vertentes lin-
guísticas mais contemporâneas que, mesmo não se considerando estrutu-
ralistas, partem dos estudos dicotômicos de Ferdinand de Saussure
(1995) para desenvolver suas concepções teóricas. Nesse sentido, não é
nosso interesse falar de todas essas novas teorias linguísticas, mesmo
porque isso seria impossível. Entretanto, escolhemos aquelas que, ao
nosso ver, são as mais utilizadas por pesquisas na área da linguística con-
temporânea, sendo, por várias vezes, principais aportes teórico-metodoló-
gicos para análises de corpus de investigações acadêmicas de todos os
níveis.
O mapeamento que propomos neste artigo é relevante, uma vez
que pode suscitar pesquisas da mesma natureza, contribuindo para dis-
cussões mais frutíferas no âmbito dos estudos linguísticos em suas várias
instâncias.
Para propor esse percurso, nos baseamos em uma pesquisa biblio-
gráfica, uma vez que confrontamos diferentes autores de diferentes pers-
pectivas teóricas, procurando manter entre eles uma linha argumentativa
capaz de uni-las: a concepção de língua e de linguagem. Isso é possível
devido a preocupação que todas essas linhas de pesquisa apresentam so-
bre a concepção mais elementar sobre língua e linguagem.

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Nesse sentido, entendemos que a pesquisa bibliográfica é um tipo
de investigação pertinente, tendo em vista a mobilização teórica que pro-
pomos, de maneira densa, o que necessita de conhecimento prévio sobre
as áreas apresentadas e discutidas. Isso, por sua vez, rompe a ideia de que
os artigos e pesquisas de ordem bibliográfica são mais fáceis ou possíveis
de serem produzidos.
Não é nossa intenção fazermos uma revisão teórica exaustiva so-
bre pesquisa bibliográfica. Para maiores detalhes, consultar os trabalhos
de Eva Maria Lakatos e Marina de Andrade Marconi (2003), André Cel-
lard (2008), Jackson Ronie Sá-Silva, Cristóvão Domingos de Almeida e
Joel Felipe Guindani (2009) e Uwe Flik (2009a e 2009b).
Além dessa Introdução, das Considerações Finais e das Referên-
cias, esse artigo é constituído pelas seguintes principais seções: Dicoto-
mias Saussurianas: Breve apresentação; Linguística Textual e Morfolo-
gia e Sintaxe.

2. Dicotomias saussurianas: breve apresentação


A teoria saussuriana se baseia na ideia de estruturalismo, no qual
os fenômenos da língua são estudados e analisados como sistema. Logo,
fatores extralinguísticos não são levados em conta por Ferdinand de Sau-
ssure (1995).
Entendemos o estruturalismo como corrente formalista e filosófi-
ca dos estudos da linguagem, na qual a língua é o objeto de estudo de si
mesma. Essa concepção é permeada pela ideia de absolutismo da língua,
concebendo-a como sistema fechado. Tal postura, em trabalhos mais
contemporâneos dos estudos linguísticos, é fortemente criticada tendo em
vista que a língua parte do princípio de sistema e ganha caráter mais cul-
tural, o que a sujeita a diversas influências pragmáticas.
A partir dessa concepção de língua, os estudiosos de Genebra de-
senvolveram estudos estruturais, de maneira a fortalecer os postulados de
Ferdinand de Saussure (1995). Nesse sentido, dizemos que o Pai da Lin-
guística teve, ou mesmo tem, vários seguidores que contribuem para a
perpetuação da uma visão estrutural sobre os fenômenos da língua.
Os estudos de Ferdinand de Saussure (1995) são baseados em di-
cotomias, que são uma espécie de duplicidade semântica que alicerça os
estudos do estudioso genebrino. A visão dicotômica sobre a língua ofere-

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ce ao estruturalismo uma ideia de causa e consequência, como se os es-
tudos sobre a língua tivessem que versam sob a concepção de certo ver-
sus errado. Tais dicotomias são: sincronia versus diacronia, língua versus
fala, significante versus significado e sintagma versus paradigma.
Castelar de Carvalho (1997) procura esmiuçar essas dicotomias
saussurianas de uma maneira mais clara e mais objetiva, do ponto de vis-
ta da escrita. O autor faz uso de seus conhecimentos sobre Ferdinand de
Saussure e discorre sobre as dicotomias de maneira bastante didática, o
que faz jus a sua obra, intitulada Para Compreender Saussure.
Para o autor, as dicotomias são, sobretudo, manifestações semân-
ticas da língua, mesmo a semântica em si, como ciência, não ter sido o
foco do pesquisador genebrino. Ainda nesse sentido, institui-se que as
dicotomias formam um ponto de vista interessante quando se tem a lín-
gua como foco. (CARVALHO, 1997)
Castelar de Carvalho (1997) se mostra convergente com o que é
proposto por Margarida Petter (2011), quando a autora estabelece a dife-
rença entre linguagem, língua e linguística de acordo com o ponto de vis-
ta saussuriano. A pesquisadora acrescenta que “a complexidade do fenô-
meno linguístico vem há muito desafiando a compreensão dos estudio-
sos”. (PETTER, 2011, p. 10)
Em seu texto, Margarida Petter (2011) tenta fazer algo parecido
com o que propomos neste artigo, porém seu foco é apenas no estrutura-
lismo de Genebra, mesmo reconhecendo que outras partes das ciências
da língua podem se desenrolar a partir da concepção dicotômica de Fer-
dinand de Saussure (1995).
Em sincronia versus diacronia, Ferdinand de Saussure (1995)
apresenta a língua como instrumento marcado socialmente, ao compre-
ender que a língua se manifesta de uma maneira a depender de seu con-
texto histórico. Entretanto, o autor não explora fatos históricos que po-
dem desenvolver relações semânticas na estrutura linguística.
Castelar de Carvalho (1997) acrescenta que “rompendo definiti-
vamente com a tradição dos neogramáticos, Ferdinand de Saussure con-
fere prioridade à pesquisa descritiva (sincrônica) em detrimento da pes-
quisa histórica (diacrônica)” (p. 87). Nesse sentido, emerge-se o perfil
mais descrito do estruturalismo saussuriano, diretamente influenciado pe-
los métodos de análise da língua pré-moderna. Ao não focar fatores his-
tóricos que influenciam a língua, o próprio autor genebrino parece reco-

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nhecer a limitação de suas propostas, porém não descartando essa contri-
buição. Trata-se de uma questão de prioridade.
Já na dicotomia língua versus fala, o autor diferencia língua de fa-
la. Para Ferdinand de Saussure (1995), a língua deve ser entendida como
um conjunto de sistemas fechados em si, capazes de se estruturar a partir
da concepção formalista desse conjunto de sistemas. Logo, a língua que
se esgota nela mesma. Já a fala é uma ramificação da língua que não é de
interesse do pesquisador problematizar.
Em sua obra, Castelar de Carvalho (1997) afirma que a diferença
entre fala e língua sempre foi uma preocupação do Pai da Linguística
Moderna, porém nunca deu muita atenção à primeira delas. É como se a
fala constituísse uma ramificação específica de estudo, independente da
língua.
Antonio Vicente Pietroforte (2011) discute essa dicotomia de Fer-
dinand de Saussure, entendendo que a língua é objeto da linguística, sen-
do esta última a ciência da linguagem. Logo, os fenômenos da fala, que
mais tarde seriam problematizados pela sociolinguística, não caracteri-
zam a maior preocupação da abordagem estruturalista, embora esta reco-
nheça sua importância em outras instâncias científicas.
A dicotomia significante versus significado é, talvez, a dicotomia
mais famosa dos estudos saussurianos. Trata-se da dicotomia que dá
margem aos estudos sobre os signos linguísticos, muito utilizados em ou-
tras ramificações da linguística. Ferdinand de Saussure (1995) acredita
que o signo linguístico é convencional e arbitrário, uma vez que não há
nada na imanência do signo que lhe assegure determinada semanticidade.
Castelar de Carvalho (1997) acrescenta que essa convencionalida-
de provém de instâncias da origem das línguas, uma vez que está direta-
mente relacionada à ideia de comunicação. Logo, o significado (sentido
conferido ao significante) e o significante (o objeto em si) têm função
precípua de estabelecer comunicação entre membros enunciadores.
Diana Luz Pessoa de Barros (2011) e José Luiz Fiorin (2011) par-
tem dos estudos enunciativos da linguagem para problematizar a relação
de sentido que é estabelecida a partir da ideia de comunicação dentro de
um contexto maior da enunciação. Entretanto, para isso, os autores par-
tem dos pressupostos estruturalistas como suportes para uma compreen-
são mais satisfatória do uso linguístico.

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Já a última dicotomia, sintagma versus paradigma, propõe a lín-
gua como um sistema sustentado em uma linha vertical e um horizontal
que se relacionam e constituem a estrutura linguística (SAUSSURE,
1995). Anos mais tarde, essa dicotomia serviria como ponto motivador
para os estudos em morfologia (paradigma) e sintaxe (sintagma).
Castelar de Carvalho (1997) reforça a ideia de que o paradigma
segue uma linha vertical onde as palavras são dispostas e não podem ser
trocadas de posição, pois isso alteraria a estrutura da língua. Já o sintag-
ma segue uma linha horizontalizada, onde as palavras ficam dispostas e
se relacionam simultaneamente umas com as outras.
Paulo Chagas (2011) acrescenta que essa dicotomia saussuriana é
capaz de inferir uma mudança linguística que está sempre atrelada à no-
ção de língua enquanto idioma. No que se refere à língua portuguesa, te-
mos a ordem sujeito + verbo + complemento como ordem direta dos
elementos na linha sintagmática. Qualquer outra organização, que esteja
dentro da compreensão comunicativa do português como idioma, cha-
mamos de ordem inversa da oração.
Na próxima seção, apresentamos alguns pressupostos da linguísti-
ca textual que bebem da mesma fonte estruturalista do teórico de Gene-
bra.

3. Linguística textual
A linguística textual é uma corrente dos estudos linguísticos de
origem alemã, daí sua preocupação fortemente marcada pela ordem e pe-
lo rigor da escrita de textos de diversas circulações em diferentes domí-
nios sociais. Sua preocupação é estudar o texto como célula central da
comunicação humana, de maneira a entendê-lo como cerne social. (FÁ-
VERO & KOCH; 2008)
O estruturalismo saussuriano pode ter seus resquícios vistos no ri-
gor como o texto escrito é compreendido, bem como na maneira como o
texto é visto como instrumento de comunicação. A noção de comunica-
ção da linguística textual responde a muitas inquietações levantadas no
contexto acadêmico. Entretanto, seu alcance se esgota quando o texto é
compreendido apenas como ferramenta constituída por sintagmas meno-
res. Atualmente, existe m outras teorias linguísticas que partem dessa
concepção da linguística textual para entender questões de empodera-
mento e tensão ideológica de contextos maiores.

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Os estudos da linguística textual no Brasil são vastos, devida à
maneira como o texto tem se revelado como objeto de análise relevante
para discussões acadêmicas. Nesse sentido, utilizo o termo “texto” para
designar a escrita de diversos gêneros textuais que circulam em diferen-
tes eixos sociais. Dentre as pesquisas na área, cito os trabalhos de Bruno
Gomes Pereira (2016), Leonor Lopes Fávero, Ingedore Grunfeld Villaça
Koch (2008); Lucia Kopschitz Bastos (2011); Maria Luci Mesquita Pres-
tes (2001); Leonor Lopes Fávero, Maria Lúcia da Cunha Victorio Olivei-
ra Andrade e Zilda Gaspar Oliveira de Aquino (1999); João Wanderley
Geraldi (1997); Egle Franchi (1993) e Alcir Pécora (1992), só para citar
alguns.
As pesquisas de Bruno Gomes Pereira (2016), Lucia Kopschitz
Bastos (2001), Egle Franchi (1993) e Alcir Pécora (1992) se aproximam
tematicamente, pois em todas elas os autores versam sobre a dificuldade
da escrita em textos produzidos no contexto da sala de aula. Os resulta-
dos revelam escritas com sérios déficits de organização e concatenação
textual, de maneira a atentar para o ensino precário de Língua Portuguesa
nas escolas. Nos trabalhos ora referidos, o texto é eleito como objeto
elementar para o estabelecimento da comunicação humana, cabendo a ele
o papel de elo entre comunicadores. A relação que estabelecemos com
Ferdinand de Saussure (1995) está justamente no fato de que o texto é
visto como um conjunto de sintagmas e paradigmas que, uma vez não
bem escritos, semiotizam questões problemáticas da escrita no domínio
escolar.
Já os textos de Leonor Lopes Fávero e Ingedore Grunfeld Villaça
Koch (2008); Leonor Lopes Fávero, Maria Lúcia da Cunha Victorio Oli-
veira Andrade e Zilda Gaspar Oliveira de Aquino (1999) e João Wander-
ley Geraldi (1997) versam mais sobre os pressupostos teóricos da lin-
guística textual. Nestas obras, os autores discutem questões sobre textua-
lidade, coerência, coesão e a relação entre a prática escrita com a prática
oral. Além disso, em especial, na pesquisa de João Wanderley Geraldi
(1997), o autor enumera argumentos que justificam o porquê adotar o
texto como ferramenta basilar para o ensino de língua materna.
Já em sua obra, Maria Luci Mesquita Prestes (2001) parte da ideia
de leitura e escrita de textos como subsídios essenciais para uma reescrita
como fator processual. Talvez, de todos os trabalhos elencados, o da au-
tora seja o que menos se mostra estruturalista com predominância, tendo
em vista que considera fatores extratextuais como influenciadores para os
procedimentos de reescrita como prática textual e social.

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Na próxima seção, apresentamos alguns pressupostos da morfolo-
gia e da sintaxe, enquanto ciências indissociáveis, que retomam aos estu-
dos de Ferdinand de Saussure (1995) como incentivadores diretos.

4. Morfologia e sintaxe
A morfologia e a sintaxe são ramificações de estudo das investi-
gações linguísticas modernas que partiram da dicotomia saussuriana sin-
tagma versus paradigma. Atualmente, podemos relacionar sintagma à
sintaxe e o paradigma à morfologia. Por isso, é comum encontrarmos
abordagens que se auto rotulam como morfossintaxe, devido à relação
entre sintagma e paradigma, ou mesmo entre sintaxe e morfologia, ambas
entendidas como ramos científicos da língua.
No Brasil, muitos são os pesquisadores que problematizam as re-
lações morfossintáticas para diversos fins, sejam eles voltados ao ensino,
ou mesmo puramente descritivos. Dentre os trabalhos nacionais mais
emblemáticos, é possível citar as pesquisas de Maria Carlota Rosa
(2000); Antônio José Sandmann (1997); Mário Alberto Perini (1996); Jo-
sé Rebouças Macambira (1993) e Rosa Virgínia Mattos e Silva (1993).
Maria Carlota Rosa (2000) é um marco para os estudos morfoló-
gicos no Brasil. A autora, em sua obra, entende que a morfologia é uma
ciência que não se esgota na descrição da estrutura e da formação das pa-
lavras, sendo a semântica forte influenciadora das organizações vocabu-
lares. Entretanto, o perfil estruturalista e descritivo da autora fica bem
evidente, quando se propõe a analisar minimamente os morfemas da lín-
gua, destituído de quaisquer marcas contextuais. Logo, trata-se de uma
obra fortemente teórica, na qual a influência da dicotomia de Ferdinand
de Saussure mostra-se bem influente.
Já Antônio José Sandmann (1997) mostra-se ainda mais descritivo
do que a obra acima, ao rememorar uma lista extensa de flexões verbais,
acompanhadas de seus respectivos morfemas. Logo, trata-se de uma obra
puramente descritiva, onde a importância maior recai na formação das
palavras em si, livres de quaisquer influências contextuais.
Entretanto, é Mário Alberto Perini (1996) que se mostra, e se as-
sume, descritivo por natureza, quando apresenta uma proposta gramatical
de cunho descritivo. A gramática do autor é fortemente influenciada pelo
estruturalismo genebrino, de maneira a estudar a língua realmente como

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um conjunto de sistemas autônomos, tal como Ferdinand de Saussure
(1995).
Essa visão de Mário Alberto Perini (1996) destoa da proposta
gramatical de José Rebouças Macambira (1993). Para este autor, não é
possível separar morfologia de sintaxe e, por isso, propõe as articulações
morfossintáticas da língua portuguesa sob três perspectivas: i) semântica;
ii) morfológica; e iii) sintática. A proposta de estudos de José Rebouças
Macambira marcou época e é, até hoje, uma das obras tidas como obriga-
tórias nos cursos de letras.
Já Rosa Virgínia Mattos e Silva (1993) retoma à ideia de compa-
ração entre morfologia e sintaxe, porém partindo da ideia de investigação
linguística pré-saussuriana. O autor faz um panorama desde o português
arcaico até a transformação da língua pelo tempo, o que muito remete à
dicotomia sincronia versus diacronia.
Na próxima seção, apresentamos as considerações finais deste ar-
tigo.

5. Considerações finais
Neste artigo, apresentamos algumas ramificações dos estudos lin-
guísticos mais contemporâneos, tentando entender quais suas relações
com as teorias saussurianas das investigações que versam sobre língua e
linguagem.
Nesse sentido, confrontamos teorias para compreender como o es-
truturalismo proposto por Ferdinand de Saussure (1995) se mostra como
perspectiva articuladora entre algumas vertentes dos estudos atuais sobre
língua. Logo, compreendemos que a ideia de estruturalismo, mesmo que
não seja explicitamente revelada, perpassa boa parte das teorias linguísti-
cas atuais, tendo em vista que todas as elencadas nessa abordagem perce-
bem a língua como objeto de problematização.
Assim, acreditamos que este trabalho pode contribuir na área dos
estudos da língua no sentido de que procuramos conferir à língua e à lin-
guagem características transversais que podem ser utilizadas de diferen-
tes maneiras, a depender da teoria linguística que se mobiliza.
Entretanto, supor que tais ramificações linguísticas ainda se limi-
tam ao estruturalismo saussuriano apenas é ter uma visão ingênua sobre
as pesquisas sobre língua e linguagem que se desenham no contexto aca-

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dêmico contemporâneo. Em outras palavras, mesmo partindo da ideia es-
truturalista do Pai da Linguística, as correntes de estudos linguísticos
atuais não se esgotam na ideia de língua como sistema. A essa noção, fa-
tores extralinguísticos são levados em conta, a saber a psicologia, os es-
tudos do letramento, a sociopragmáticas e as concepções de ideologia
que se apresentam, hoje, como elementos basilares e transversais no es-
tudo da língua.
Em síntese, esperamos ter contribuído de maneira satisfatória com
outras pesquisas da mesma natureza, de maneira a possibilitar outras in-
vestigações do mesmo ramo no contexto de discussão acadêmica.

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