TCC Sobre Libras
TCC Sobre Libras
TCC Sobre Libras
Rio Claro - SP
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“Júlio de Mesquita Filho”
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Câmpus de Rio Claro
Rio Claro - SP
2017
371.9 Barros, Denner Dias
B277f Formação inicial de professores de matemática na
perspectiva da educação inclusiva: contribuições da disciplina
de Libras / Denner Dias Barros. - Rio Claro, 2017
109 f. : il., figs.
Comissão Examinadora
A Deus por ter me dado grandes oportunidades e alegrias e por ter me feito encontrar
tantas pessoas especiais, muitas delas nestes agradecimentos.
Aos meus pais, Olga e Arnaldo, por todo o apoio durante essa etapa da minha vida,
por compreenderem a distância e por serem meu porto seguro.
À minha irmã Dayana que me entende como ninguém e me dá forças para sempre
buscar ser uma pessoa melhor.
À minha avó Madalena (in memoriam), com muita saudade, por me ensinar que a
bondade é a maior dádiva que alguém pode ter.
Aos meus sobrinhos pelos gestos de amor simples que me curaram em muitos
momentos.
À minha querida orientadora Miriam Godoy Penteado, por toda a paciência, apoio e
por tudo que tem me ensinado e por me fazer crescer cada dia mais.
Aos meus irmãos de orientação do grupo ÉPURA: Amanda, Matheus, Carol, Célia,
Débora, Íria, Guilherme, João e Ana Ferro, pelos aprendizados compartilhados e pelo apoio,
principalmente na escrita da dissertação.
Aos professores Elisa e Klaus (eternos orientadores) que são fonte de inspiração e
exemplos de humildade, caráter e bondade.
À professora Ana Osório pelo carinho e paciência ao me ensinar o que é pesquisa com
sua grande experiência que levarei por toda a minha vida.
Aos amigos que fiz em Rio Claro, em especial, Janile, Amanda, Rafaela, Coxinha,
Douglas, Jonson, Érica, Luana, Vanessa, Raissa, Ronilce e muitos outros que fizeram eu me
sentir em casa.
Aos amigos de Presidente Prudente: Miriam, Yan, Maraca, Gabs, Dárida, Bruna, Luiz
e tantos outros que mudaram minha vida durante a graduação e que me ensinando que a
distância é algo pequeno comparado com a amizade verdadeira.
À comunidade surda que sempre me acolheu e que tem me encantado com sua cultura
e língua.
The inclusion of the Brazilian Sign Language discipline (known as Libras) in teacher training
courses is due to Decree 5.626/2005, which established it as mandatory and can be considered
as a milestone for Inclusion. However, there are still no specific guidelines for its
implementation. Reflecting on how the discussions on Inclusive Education have been carried
out in the context of the Degree in Mathematics, this research aimed to understand which
aspects of a Libras discipline may contribute to the training of graduates of a Bachelor’s
Degree in Mathematics, regarding the Mathematics Education in the perspective of inclusion.
In this regard, a case study about a discipline at a public university in the state of São Paulo
was carried out. The study comprised the analysis of the discipline's syllabus and semi-
structured interviews with teachers and graduates aiming to understand and discuss their
contributions in the training of these professionals. We have conclude that the discipline
analyzed could be considered as a privileged moment to discuss Inclusive Education. From
the graduates' speeches, the main contributions were: the possibility of establishing a new
perspective towards the differences, especially with regard to the Students Target Audience
of Special Education; to favor the planning of activities in an inclusive perspective and, the
contact with the basic contents of Libras, uncovering pathways that could give opportunities
to future studies.
1 INTRODUÇÃO
(...) sabemos que incluir não é simplesmente inserir uma pessoa na sua
comunidade e nos ambientes destinados à sua educação, saúde, lazer, trabalho.
Incluir implica em acolher a todos os membros de um dado grupo,
independentemente de suas peculiaridades; é considerar que as pessoas são
seres únicos, diferentes uns dos outros e, portanto, sem condições de serem
categorizados (MANTOAN, 2000, p.55).
Algumas reflexões sobre esta concepção de Inclusão surgiram durante minha graduação
em Licenciatura em Matemática, de 2012 a 2015, onde atuei como estagiário no grupo de
pesquisa “Ambientes Potencializadores para a Inclusão (API)”, vinculado ao Centro de
Promoção para Inclusão Digital, Escolar e Social (CPIDES) da Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Unesp – Câmpus de
Presidente Prudente/SP. Dentre as atividades realizadas, tive a experiência de atender
1
Ressaltamos que a escrita deste item está em primeira pessoa, pois diz respeito à trajetória acadêmica do
pesquisador e das motivações pessoais para o desenvolvimento da pesquisa.
14
2
Pessoas com deficiências físicas, sensoriais e múltiplas; Transtornos do Espectro Autista e Altas
Habilidades/Superdotação.
3
Reconhecida como meio de comunicação oficial das comunidades surdas do Brasil pela Lei 10.436/2002.
4
Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2014/19686-
2.
15
Uma das maiores preocupações dos professores nos últimos anos tem sido
como ensinar alunos com deficiências em suas turmas comuns, uma vez que
isso requer reformulação nas práticas pedagógicas tradicionais. Por ser uma
nova forma de conceber a educação dessas pessoas, tem implicações para com
a formação de todos os profissionais que atuam no ensino.
Muitas vezes, o conceito de Inclusão é atribuído apenas às pessoas com deficiência. Tal
fato decorre da história destas pessoas que, durante muito tempo, estiveram privadas do direito
à escolarização. Entretanto, deve ser compreendido como um movimento que envolve todos,
sem exceção. Para Fernandes (2007, p.45-46), o processo de Inclusão é:
Das discussões sobre essa temática, emerge um termo cuja abordagem pode ser
considerada como pertinente: a diferença, que só pode ser compreendida quando se pensa em
um contexto coletivo, sendo o ambiente escolar, propício para tal reflexão.
Para Perez Gómez (2001), a construção do indivíduo acontece de maneira viva e
complexa, assim sendo, os estudantes são fruto do cruzamento das culturas que se produzem,
seja no contexto escolar ou nas trocas realizadas em seu meio. Então, não podemos enxergar as
pessoas como prontas, mas como resultado de constantes mudanças, que também devem ser
consideradas no contexto escolar.
Louro (1997) chama a atenção para o uso da expressão diferença, que pode ter
significados diferentes dependendo do contexto social, político ou cultural que é empregado.
Por exemplo, ao abordar a questão de gênero, a autora ressalta que, nos debates, é necessário
levar em consideração todas as distinções que foram feitas entre homens e mulheres, na história,
com o intuito de justificar lugares sociais e limitações de possibilidades - a diferença que
oprime. Porém, dentro dos movimentos feministas, também emerge a necessidade de debates
das diferenças entre as próprias mulheres, que possuem particularidades, como sua sexualidade,
etnia e religião - a diferença que ensina.
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Ver a diferença apenas como uma forma de fazer comparações e julgamentos pode
promover atitudes segregacionistas e de exclusão, como o pagamento de salários menores para
mulheres que exercem a mesma profissão que homens, justificado por seu gênero ou a premissa
de que uma pessoa com deficiência é menos capaz de fazer algo por seu diagnóstico. Diante
disso, Santos (1999, p.61) ressalta que “temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos
inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”.
A postura autoritária e elitista da educação no Brasil que se estendeu durante grande
período da história, pode ser atribuída ao fato do país ter sido uma colônia com grandes
propriedades e tendo como base de trabalho, a mão-de-obra escrava. Para Ribeiro (1993, p.15),
Como primeira iniciativa de Educação no país, temos a Companhia de Jesus que chegou
ao Brasil em 1534. De acordo com Ribeiro (1993), esta organização de cunho religioso buscava
através desta educação humanística e espiritual, a conversão da população indígena para a fé e
para serem mão-de-obra escrava. Uma forma de educação elementar era ofertada para a
população indígena e que, depois, abrange os filhos de colonos.
Os homens da classe dominante tinham acesso à uma educação considerada como
“média”, já sendo excluídos os filhos primogênitos (herdeiros dos negócios da família) e as
mulheres. Poucos tinham acesso a um ensino superior, que “era exclusivamente para os filhos
dos aristocratas que quisessem ingressar na classe sacerdotal; os demais estudariam na Europa,
na Universidade de Coimbra. Estes seriam os futuros letrados, os que voltariam ao Brasil para
administrá-lo” (RIBEIRO, 1993, p.15).
Esta forma de organização educacional que priorizava uma educação para a ampliação
de mão-de-obra para os grandes donos de terra e que passou a ser uma educação para a elite,
perpetuou-se ao longo dos anos.
No que diz respeito a inclusão dos EPAEE na escola regular, a Declaração de Salamanca
produzida na Conferência Mundial de Educação Especial, em 1994, pode ser considerado como
um marco importante em nível global. Este documento reforça os ideais de educação para todos
e institui os princípios de uma escola inclusiva.
Esta escola que busca a participação de todos e onde a pluralidade está presente e deve
ser valorizada é a escola das diferenças. Ela é movida pelos princípios da educação inclusiva,
mas ainda não está pronta, pois necessita de mudanças. Com o comprometimento dos
professores, da equipe gestora, dos demais profissionais, dos estudantes e da criação e
efetivação de políticas públicas que priorizem uma Educação para todos é possível que
alcancemos uma educação verdadeiramente inclusiva que já estamos sendo convidados a
construir.
De acordo com Moreira e Candau (2003), lidar com a diferença e a pluralidade sempre
foi uma das dificuldades da escola que, ao sentir-se melhor com o homogêneo, tende a silenciá-
las. No entanto, proporcionar a valorização das diferenças constitui um dos grandes desafios
que a educação deve enfrentar (MOREIRA; CANDAU, 2003, p.161).
Atitudes devem ser tomadas de modo a oportunizar mudanças nas concepções acerca
das diferenças. Então, a visibilidade promovida pelos reflexos das diferenças na escola deve ser
entendida como promotora de possibilidades para a formação de estudantes que não entendam
as diferenças como limitadoras, mas como potencializadoras.
5
A figura 1 retrata as pessoas que estão dentro da escola como tendo algumas diferenças, mas pertencentes à um
padrão necessário para terem acesso à escolarização, o que acaba por deixar quem era considerado diferente fora
da escola, inclusive os EPAEE.
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Na figura 2 vemos o cenário educacional após a criação de instituições especializadas abarcando algumas
pessoas com deficiência. A escola regular ainda era organizada para poucos e diversas pessoas estavam privadas
de qualquer forma de escolarização.
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a ser conhecida como Educação Especial por ser realizada por professores especialistas, com
materiais especializados, em instituições ou salas específicas para este público.
A presença dos EPAEE na escola começa a ser considerada em 1961, quando a Lei
4.024 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), publicada naquele ano,
preconiza o direito destes estudantes a estarem preferencialmente nas escolas do sistema regular
de ensino nas salas especiais. Porém, nenhuma iniciativa que promova acessibilidade ou
formação de profissionais foi tomada.
Na LDB nº 5.692 publicada em 1971 reforça o caráter assistencialista para a educação
dos EPAEE. Este documento fala de um tratamento especial que deveria ser ofertado para estes
estudantes que deveriam participar de uma Educação Especial organizada em paralelo à
educação regular.
Brasil (2010) afirma que neste período, o maior encaminhamento desses estudantes era
para escolas e salas especiais, exclusivas para o atendimento de EPAEE. Com a Política
Nacional de Educação Especial, publicada em 1994, começa o movimento de integração
(Figura 37), com a orientação de que todos os estudantes têm o direito de frequentar as salas de
ensino regular, desde que sejam capazes de desenvolver todas as atividades realizadas pelos
demais. No entanto, ainda não há nenhuma mudança substancial na formação dos professores
e tampouco na estrutura física e curricular da escola, de forma a amparar a chegada deste novo
público.
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Nesta figura vemos a representação da escola regular recebendo EPAEE nas salas especiais e alguns já
participando da educação regular, entretanto sem ser realizada nenhuma forma de ação que buscasse
contribuir para promover a participação destes.
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Além de garantir o direito de cursarem o ensino regular com os demais estudantes nas
salas de ensino comuns, através da Resolução CNE/CEB nº 4/2009, o Conselho Nacional de
Educação estabeleceu as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional
Especializado (AEE) na Educação Básica ofertado para os EPAEE.
O AEE tem caráter complementar ou suplementar, nunca substitutivo e deve ser
realizado prioritariamente no contra turno da escolarização. Neste atendimento, professores
especializados em Educação Especial podem dar um suporte para a formação dos EPAEE
considerando suas especificidades e potencialidades.
Neste caso, complementar é no sentido de desenvolver conteúdos previstos para a
educação regular e que necessitam de um trabalho que complemente o que foi feito em sala de
8
Esta é uma representação da escola ideal na perspectiva da Educação Inclusiva, onde todos os estudantes estão
juntos e a escola se torna um ambiente de valorização das diferenças.
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aula para determinado estudante. Suplementar significa que alguns estudantes necessitam de
atividades específicas que vão além do ensino regular, como, por exemplo, aulas de Libras para
estudantes surdos.
Estes atendimentos são realizados prioritariamente em Salas de Recursos
Multifuncionais (SRM), que são ambientes dotados de mobiliários e equipamentos tecnológicos
e pedagógicos, ofertados em uma iniciativa do Ministério da Educação para escolas que
apresentam EPAEE matriculados e manifestassem interesse. Caso a escola não possua uma
SRM, o estudante frequenta o AEE na escola mais próxima ou ainda pode ter acesso ao serviço
de itinerância, onde a professora especialista vai até a escola, com equipamentos especializados
para os atendimentos.
Todas as iniciativas governamentais e as pesquisas, que têm sido cada vez mais
recorrentes nessa área, buscam promover aos EPAEE uma participação maior no processo
educativo e que proporcione o acesso ao ensino superior, ao mercado de trabalho e uma vida
melhor. Porém, ainda há um longo caminho para percorrer, uma vez que, nem todos os
estudantes têm acesso à escolarização (Figura 59).
9
Esta figura traz o panorama atual da escolarização dos EPAEE, onde estes estudantes participam da educação
regular junto com os demais, as instituições especializadas ainda se mostram importantes e, apesar de todas os
progressos apresentados, algumas pessoas ainda são privadas da educação.
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nestas atividades não exclui as contribuições da participação no ensino regular, seja na classe
comum ou no AEE.
Ressaltamos que a presença dos estudantes na escola não é sinônimo de inclusão, já que
“estar dentro” é diferente de “fazer parte”. A Educação Inclusiva se faz presente quando é
promovida a plena participação de todos os estudantes, sem que seja preciso que sejam feitas
adaptações para que necessidades sejam atendidas, mas a escola seja estruturada, de um modo
geral, considerando o valor da autonomia e do respeito às diferenças na aprendizagem.
único ainda do artigo 9º, onde entende-se que primeiro deve ser oferecida nos cursos de
Educação Especial, Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras e depois ampliar para as outras
licenciaturas.
De acordo com os prazos estipulados, no ano de 2015, com 10 anos desde o decreto,
todas as instituições que oferecem cursos de formação de professores e Fonoaudiologia,
deveriam ter a disciplina de Libras como obrigatória em seus currículos. Apesar disso, muitas
instituições ainda estão em processo de adequação e não ofertam a disciplina para todos os
cursos que se enquadram no que está determinado na legislação, seja por falta de recursos
humanos, físicos, materiais e/ou financeiros.
Uma grande conquista, também do decreto 5626/2005, é o direito da presença de um
intérprete de Libras para todos os estudantes surdos em todo o seu período escolar. O papel do
intérprete não é de ensinar a criança surda, mas de promover a interlocução entre o surdo, os
demais estudantes e o professor. Existe uma grande responsabilidade no papel deste
profissional, já que deve procurar ser fiel ao que é dito e ao mesmo tempo realizar as devidas
interpretações entre as duas línguas, que se estabelecem em modalidades diferentes: oral
(Língua portuguesa) e visual-espacial (Libras).
Entretanto, o fato da maioria dos professores da sala comum não saber minimamente
Libras é um dificultador da aprendizagem do estudante surdo, uma vez que a comunicação se
torna totalmente dependente da mediação do intérprete. Os estudantes surdos devem ter acesso
a todo o conteúdo ministrado e todas as atividades realizadas na escola, mas apenas quando a
barreira linguística é transposta, isto se torna possível. Desta forma, iniciativas na formação de
professores e demais profissionais da educação, mudanças estruturais e de concepção devem
ser mais frequentes para que realmente seja proporcionado para estes estudantes, uma educação
bilíngue.
10
Mais informações sobre o grupo estão disponíveis em:
http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/index.php/grupo-de-trabalho/gt/gt-13.
11
De acordo com a Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), compreende-se
como desenho universal: concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as
pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva.
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Nesse sentido, Tardif (2002) busca contemplar categorias de saberes em sua totalidade,
de acordo com suas fontes de aquisição, que possuem características particulares, as quais,
explicitamos:
Saberes pessoais dos professores: Os saberes pessoais não são exclusivos dos professores.
Todo profissional traz para o seu ambiente de trabalho impressões e características pessoais que
são constituídas durante toda a sua vida, na socialização com família, amigos e pessoas
próximas.
Saberes provenientes da formação escolar anterior: Uma particularidade das pessoas que
atuam no ambiente escolar é a de que já passaram muito tempo neste local, como alunos. As
experiências construídas durante esse período também refletem em suas práticas futuras como
professor, seja se espelhando em um professor que foi importante naquele período, ou buscando
fazer algo diferente daquilo que considera necessitar de mudanças.
Tardif (2002) afirma que conhecer o trabalho e considerar os saberes dos professores
permitem renovar a concepção que temos de formação na medida em que à compreendemos a
partir de estudos nesta perspectiva.
A origem dos saberes docentes, nesta perspectiva, mostra-se como plural e advindo de
diversos processos e contextos da vida do docente. Então, o que cabe a formação inicial destes
profissionais?
Gatti (2012), ao analisar cursos de licenciatura, conclui que as ementas das disciplinas
referentes à educação e o contexto escolar apresentam atividades insuficientes ligadas à prática
docente. A autora ressalta que isso acontece pois, historicamente, as licenciaturas eram vistas
como um complemento dos bacharelados e as diretrizes curriculares estarem organizando cada
assunto dentro de disciplinas distintas e que não se articulam devidamente.
Compreendemos que o papel formativo, referente a concepção que os professores têm
de suas práticas pedagógicas, não cabe apenas às disciplinas ligadas à prática de ensino,
laboratórios e estágios. Fiorentini (2005) aponta que muitos professores das universidades que
ministram, por exemplo, Cálculo, Álgebra, dentre outras, podem acreditar que estão ensinando
apenas procedimentos e conceitos matemáticos, mas, na verdade, existem ações desse professor
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que os licenciados podem internalizar e que modificam sua forma de conceber, não só a
Matemática, mas o ensino e questões subjacentes a ele.
Dessa forma, práticas que não prezam por uma aprendizagem que faça sentido e que
não levam em consideração o contexto dos estudantes podem ser reproduzidas e se
perpetuarem. Com o objetivo de modificar esse paradigma, diversos professores e
pesquisadores têm procurado implementar outras formas de ministrar suas aulas, “de modo que
o aluno se constitua em sujeito de conhecimento, isto é, no principal protagonista do processo
de aprender” (FIORENTINI, 2005, p.112).
Ressaltamos a importância de que nas disciplinas de estágio, laboratórios de ensino e
didática, as práticas do professor formador também façam sentido para o licenciando, buscando
aliar a teoria e a prática, que provoquem reflexões sobre o atual contexto da escola e busquem
estabelecer relações com a presença do estudante no ambiente escolar, durante os estágios.
Na formação inicial é interessante que seja contemplada a multiplicidade de realidades
da escola, que são um reflexo da pluralidade brasileira e, assim, oportunizar que o professor,
durante sua prática, desenvolva sua autonomia profissional (GATTI; BARRETO, 2009) e tenha
condições de propiciar a participação de todos os estudantes em suas aulas, respeitando e
valorizando suas diferenças, independentemente de sua etnia, sexo, condição social,
deficiência, dentre outras.
Algumas iniciativas de âmbito federal e também dos estados e municípios, têm sido
feitas em relação a formação dos professores, nessa perspectiva. Porém, muitas ainda são
restritas a um enfoque nas dificuldades dos estudantes e não em suas potencialidades. Essas
atitudes favorecem a manutenção de práticas segregacionistas e promovem aos estudantes que
fogem aos padrões de normalidade estabelecidos, uma educação estereotipada, com caráter
assistencialista e minimalista.
Dentre as iniciativas do governo federal, o Decreto nº 5626/05, além de outras questões
referentes à inclusão dos estudantes surdos na sociedade e na escola, dispõe sobre a instituição
da Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores e
fonoaudiologia. Essa oferta vai ao encontro com os preceitos que ressaltamos de uma educação
para todos.
As pessoas surdas possuem especificidades linguísticas que devem ser consideradas e
têm o direito de vivenciar seu processo educativo tendo como sua primeira língua, a Libras.
Desse modo, o professor ter conhecimento básico da língua favorece sua interação com estes
estudantes. Para Botelho (1998), isso não significa que o professor de Matemática deverá
ministrar suas aulas em Português e em Libras, ao mesmo tempo, o que não seria viável. Assim,
faz-se necessária a presença do intérprete de Libras, que irá desempenhar seu papel na
interpretação das aulas, porém, não assume o papel como docente do estudante surdo.
Ressaltamos que a disciplina de Libras no curso de Licenciatura em Matemática pode
ser um momento rico, muitas vezes o único, de discussão para que os licenciandos possam
refletir sobre questões relacionadas com a Educação Inclusiva. Explorar essas temáticas na
formação inicial, pode proporcionar que o professor tenha mais recursos ao trabalhar com todos
os estudantes, respeitando suas diferenças.
Além disso, pode oportunizar que sejam promovidas estratégias pedagógicas para
potencializar o engajamento de futuros professores de Matemática no desenvolvimento de
propostas de Educação Matemática em uma perspectiva inclusiva, em suas práticas futuras, no
ambiente escolar.
O professor de Matemática, quando conhece as especificidades de seus estudantes, pode
refletir sobre suas ações em sala de aula, de modo que seu ensino seja plural. No caso dos
estudantes surdos, propiciar a valorização das especificidades linguísticas, com consciência
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sobre os direitos destes estudantes, como a presença do intérprete na sala de aula e o AEE, pode
auxiliá-lo na compreensão de seu papel como docente e, assim, potencializar sua prática.
Uma reflexão que deve estar dentre as preocupações da formação de professores para a
escola das diferenças é a importância de considerarmos aspectos que vão além do cognitivo. De
acordo com Araújo (2003, p.155), “(...) nossos pensamentos, sentimentos e ações são
organizados pela articulação de elementos cognitivos, afetivos, biológicos e socioculturais,
mediados simbolicamente ou não pela consciência e pelo inconsciente”.
Para o autor, todas as nossas ações são mediadas por estes elementos, que são
indissociáveis e influenciam em nossas atitudes e decisões. Entretanto, para fins de pesquisa, é
possível refletir sobre uma destas dimensões, mas sempre levando em consideração as
influencias das demais (ARAÚJO, 2003, p.155).
Nesta discussão iremos privilegiar a dimensão afetiva por considerarmos como sendo
essencial no desenvolvimento de atividades em uma perspectiva inclusiva e de valorização das
diferenças e, portanto, deve ser ressaltada. Além disso, Tardif (2002) reforça que boa parte do
trabalho docente é pautado nesta dimensão.
Araújo (2003), pautado nas ideias de Damásio (2000), compreende a dimensão afetiva
como composta de vários elementos, por exemplo, as emoções e os sentimentos.
As emoções são estados externos, por exemplo, a expressão de tristeza, alegria,
vergonha, culpa, ciúmes ou calma e têm como objetivo nosso bem-estar e sobrevivência, como
quando nosso corpo expressa o medo através de tremores e suor para que não nos aproximemos
de uma situação perigosa. Os sentimentos são internos e se constituem das experiências mentais
de nossas emoções, ou seja, o que internalizamos das emoções.
Deste modo, nossas emoções geram sentimentos e as reflexões sobre os sentimentos
podem gerar novas emoções e, assim, sucessivamente. Então, as emoções acontecem no teatro
do corpo e, por sua vez, os sentimentos acontecem no teatro da mente (DAMÁSIO, 2003, p.28).
Araújo (2002) ressalta outros elementos que constituem a dimensão afetiva: os valores
(construídos quando projetamos sentimentos positivos sobre algo) e os contravalores (projeção
de sentimentos negativos). Estes influenciam no que pensamos sobre uma pessoa, um objeto,
relações ou sobre nós mesmos.
De acordo com o autor, vale ressaltar que os ambos podem ser aplicados sobre algo que
seja considerado socialmente como positivo ou negativo, por exemplo, a escola é considerada
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como algo positivo para as pessoas, mas alguém pode atribuir contravalores a ela por algum
fato ocorrido naquele espaço e, da mesma forma, o uso da violência física é socialmente
considerado como algo negativo, mas alguém pode atribuir valores a ela por se sentir bem ao
agredir alguém. Quando abordamos esta temática, também é importante refletir sobre as
influências destes em nossas ações, uma vez que os valores nos aproximam de algo e os
contravalores nos distanciam.
A projeção de valores e contravalores pelo professor em seus estudantes podem
influenciar na forma como ele concebe e articula sua prática. Como ressalta Tardif (2002),
Quando se ensina, certos alunos parecem simpáticos, outros não. Com certos
grupos, tudo caminha perfeitamente bem; com outros, tudo fica bloqueado.
Uma boa parte do trabalho docente é de cunho afetivo, emocional. Baseia-se
em emoções, em afetos, na capacidade não somente de pensar nos alunos, mas
igualmente de perceber e de sentir suas emoções, seus temores, suas alegrias,
seus próprios bloqueios afetivos (TARDIF, 2002, p.130).
Pautados nas ideias de Araújo (2003) sobre a dimensão afetiva na Educação, refletimos
sobre a necessidade de que os professores em formação desenvolvam competências para lidar
com as mais diversas situações da escola e reconheçam e valorizem as diferenças dos
estudantes.
Estudantes e professores são seres sociais que interagem no ambiente escolar, onde
muitas relações são estabelecidas entre os sujeitos que são únicos e possuem suas
particularidades. Apesar de estarem organizados em turmas, de acordo com Tardif (2002), os
professores não podem deixar de considerar as diferenças individuais de cada estudante e,
assim, superar os obstáculos das generalizações.
Determinados grupos sociais, muitas vezes, possuem algumas características que os
definem e que são fruto de convenções sociais. De acordo com Harkot-de-La-Taille (2003,
p.172),
(...) ideias e valores se fixam, uns por convenção, outros por experimentação,
outros ainda por ambas, e são compartilhados pelo grupo, em grande escala.
Quando se trata de tipos de pessoas, ou melhor, daquilo que é típico, tão
reconhecível que até tem nome, no seio de um grupo, estamos defronte de
estereótipos culturais.
A autora ressalta que aprendemos, por exemplo, que “homem não chora” e “mulher é
delicada e frágil”. Portanto, situações que fogem disto podem ser questionadas, causam
estranhamento e são tidas como erradas (HARKOT-DE-LA-TAILLE, 2003, p.172).
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4 CAMINHOS METODOLÓGICOS
Dessa forma, temos a pesquisa qualitativa como uma vertente que possibilita uma maior
proximidade do que é estudado, não se preocupando em criar leis ou generalizações. Para
Goldenberg (2004), este tipo de pesquisa oportuniza um olhar para as singularidades de
fenômenos, cuja identificação não pode ser proveniente de questionários padronizados.
Para Bogdan e Biklen (1994), os pesquisadores que optam por essa forma de
investigação têm por objetivo compreender as experiências e comportamentos das pessoas.
Também buscam entender o processo pelo qual os significados são construídos e descritos pelos
participantes da pesquisa. Os autores ainda ressaltam que, caso outro pesquisador faça uma
pesquisa com os mesmos participantes e no mesmo contexto, não chegariam aos mesmos
resultados, pois os olhares pautados nos interesses de cada pessoa que realiza uma pesquisa são
únicos.
O objetivo das entrevistas foi de verificar como o que estava posto na ementa da
disciplina foi colocado em prática e as perspectivas das pessoas que participaram. Ribeiro
(2008) aponta que a realização de entrevistas é vantajosa, pois apresenta flexibilidade na
aplicação, viabilização da análise das hipóteses iniciais e esclarecimento de respostas.
Goldenberg (2004) apresenta algumas vantagens da utilização de entrevistas na
produção de dados, como: possibilitar a participação de pessoas que não sabem escrever; maior
paciência dos entrevistados em falar do que escrever; maior flexibilidade e profundidade nas
respostas; possibilidade de observar o que é dito e como é dito; estabelecimento de relação de
confiança e amizade entre entrevistador e entrevistado.
A escolha da entrevista como método de pesquisa foi decorrente da necessidade de
buscar a visão de quem vivenciou a situação analisada e que pudesse refletir sobre suas
experiências e apresentar suas impressões. A entrevista, nesse contexto,
Foram elaborados dois roteiros para as entrevistas. O primeiro (Quadro 2) foi pensado
para os egressos. Contêm perguntas que buscam compreender melhor pontos importantes da
formação de cada um, detalhes sobre a disciplina de Libras vivenciada e os reflexos em suas
práticas e perspectivas como professor de Matemática, a atuação profissional atual e
perspectivas pessoais sobre Educação Inclusiva.
7. De acordo com o decreto 5.626/2005, no Capítulo II, artigo 3º - A Libras deve ser
inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de
professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos
de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema
federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. Como você vê que esta implementação tem acontecido, em particular
nas licenciaturas em Matemática?
8. Você acredita que uma disciplina de Libras ministrada para graduandos em
Licenciatura em Matemática deve ser diferente, por exemplo, de outras
licenciaturas? Como? Por quê?
9. Uma discussão acadêmica recorrente e que divide opiniões dos pesquisadores que
estudam a temática da surdez é a questão da criação de escolas específicas para a
educação de surdos. Alguns estudiosos defendem a criação destas escolas, onde
apenas estudantes surdos estudariam, com professores preferencialmente surdos
ou ouvistes fluentes em Libras. Em contrapartida, outros defendem o que está
posto na legislação atual que institui uma escola inclusiva, que tem o dever de
oferecer o acesso e permanência de todos os estudantes, garantindo uma educação
de qualidade. O que você pensa sobre essas duas perspectivas da educação de
surdos?
10. Você acredita que os licenciados no curso de Matemática, que tenham cursado a
disciplina de Libras, caso ministrem aulas em uma turma, com um aluno surdo,
teriam condições de proporcionar a participação dele em suas aulas? Por quê?
Fonte: Elaborado pelo autor.
Para Goldenberg (2004), o pesquisador deve sempre buscar o equilíbrio sobre o que
deve ser perguntado para não ir além e também não ficar aquém das informações. A autora
também apresenta alguns pontos importantes de serem considerados ao elaborar um roteiro de
entrevista, como decidir quais são as informações mais pertinentes de serem procuradas,
questionar a necessidade e utilidade de cada pergunta, além de decidir uma sequência inicial
para a entrevista.
Com os dois roteiros prontos, foi feita uma entrevista piloto para acertar os últimos
detalhes e começar a seleção dos participantes e a realização das entrevistas.
48
Para a seleção dos participantes foi levado em consideração que seria necessário um
público que tivesse vivenciado a disciplina e que pudesse expor suas impressões e preocupações
acerca de sua experiência durante a sua graduação e os reflexos da disciplina em suas vivências
futuras.
Para comporem os participantes da pesquisa, selecionamos as três docentes que
ministraram a disciplina desde sua elaboração até o ano de 2015 e convidamos 17 egressos do
curso de licenciatura em Matemática que tivessem cursado a disciplina de Libras durante a sua
graduação, sendo dez convidados em um primeiro momento, onde apenas cinco responderam
a solicitação e depois foram convidados mais sete estudantes.
Duas docentes e doze egressos aceitaram participar da pesquisa. Não obtivemos resposta
dos demais convidados. Para Richardson (1999, p.218),
Professora Elvira12:
“Eu me formei em Matemática e, quando eu comecei a dar aula, tinha um rapaz que era muito
inteligente. Ele estudava em um colégio particular aqui e era totalmente autônomo, só que ele
ia mal na disciplina de Matemática. E aí, pediu para eu dar aula particular para ele. E, para
a vida, era totalmente inteligente e não conseguia aprender, porque a Matemática estava
totalmente desvinculada da vida dele. Logo depois, eu passei em um concurso e fui dar aula.
Também tinham muitos alunos que não conseguiam aprender. Então, eu comecei a pensar
assim: como é que vou fazer para que esses alunos entendam a Matemática e não tenham raiva
de mim? A Matemática era um problema de todos. Como era um bairro muito pobre, eles
vendiam numa feira. Então, eu comecei a comprar e pegar exemplos da vida deles e a maioria,
ou era babá, ou trabalhava na feira. Então, eu comecei a pegar exemplos dessa área e a
entender que o menino também não conseguia entender, porque aquilo não tinha nada a ver
com a vida dele. Foi aí que eu fui para o meu doutorado e eu comecei a trabalhar assim, em
uma instituição de apoio a pessoas com deficiência e foi bem interessante porque a gente fazia
brincadeiras, a partir de materiais digitais, criava situações problemas e aí começavam a
pensar em um projeto. Foi muito legal, porque também teve aprendizagem sobre a política,
sobre as questões de moral, respeito e ética. Eu comecei a trabalhar aqui na faculdade em
1988, na verdade eu me formei em dezembro de 85, em 86 eu trabalhei no colégio particular,
12
Os textos apresentados são compostos pelas respostas dos participantes (docentes e egressos) sobre o assunto e
tiveram pequenas alterações para retirar vícios de linguagem, seguir os preceitos éticos de garantia do anonimato
e apresentar uma descrição da trajetória dessas pessoas, de maneira clara e fiel às falas feitas nas entrevistas.
50
Professora Maria:
“Eu tenho licenciatura em pedagogia, depois mestrado e doutorado em educação. Os meus
interesses sempre estiveram ligados à área da educação especial e inclusiva. Então, desde o
meu primeiro ano de graduação, eu já fui desenhando as minhas estratégias, as minhas
propostas como pesquisadora e como aluna do curso me formando para essa área. Eu sempre
tento me recordar da minha trajetória pessoal, porque eu acho que ela é muito decisiva por eu
ter feito essas escolhas. Na minha família tem pessoas com deficiência e sempre quis entender
porque as pessoas eram separadas ou porque eram categorizadas. Por que as pessoas falavam
que a minha tia era menos capaz que alguém que não é considerado deficiente intelectual,
como ela era? Por que um primo da minha mãe, que tem a mesma idade, era tratado como
criança e a minha mãe já tinha família, já tinha filhas? Ou seja, o que era definidor disso?
Quando eu estava no terceiro ano, a diretora da escola fazia a escolha dos alunos para dar a
inscrição dessa faculdade para a licenciatura e ela me escolheu. Eu escolhi Pedagogia e vim
para a licenciatura com esse mesmo anseio, mas aí o direcionamento disso seria a questão da
aprendizagem, da própria educação. Como é que ela se configura? Por que que ela era feita
para algumas pessoas e não para todas? Era isso que eu queria estudar. Logo no meu primeiro
ano, eu tinha uma disciplina que era sobre projeto de pesquisa e a professora tinha uns
caderninhos do estado que tratavam da educação de deficientes mentais educáveis, que era o
termo que se usava na época. Eu entrei na graduação em 2000, na verdade, já era uma coisa
defasada, mas era a referência que eu tinha naquele momento porque na pedagogia quando eu
51
entrei, não identifiquei nenhum professor que trabalhava com isso, com temas aproximados
aos meus anseios. E aí, eu direcionei o meu projeto de pesquisa sobre isso e fui bem, o projeto
ficou bem estruturado e a professora falou: a única pessoa que eu conheço assim, que vai falar,
fazer uma discussão aproximada disso é a professora Elvira e aí eu fui, conversei com a
professora Elvira e a primeira proposta que ela me fez, foi acompanhar o trabalho de uma
estagiária dela com uma pessoa, que tem deficiências múltiplas e foi aí que eu descobri com
certeza que eu tinha escolhido o caminho certo, porque uma coisa era eu ter uma observação
dos meus parentes, como pessoas que não tinham uma educação formal, que a escola não
valorizava, que nunca tinham ido para a escola, outra coisa foi fazer essa análise do
caderninho do estado que falava lá dos deficientes mentais educáveis, então era uma coisa
muito teórica, ainda não tinha me despertado com o que fazer, mas quando eu vi aquela menina
com aquela garra toda, usando tecnologia, produzindo coisas, foi o momento decisivo em que
eu vi que as minhas escolhas eram acertadas. Inicialmente, eu trabalhei com projetos de
extensão, então eu fui estagiária da professora Elvira, desde os anos 2000. Terminando a
graduação, eu já entrei no mestrado e a minha pesquisa de mestrado foi em uma escola pública,
que tinha até o ensino médio e tinha feito contato com o grupo de pesquisa da professora Elvira.
Eu tinha um trabalho de parceria com duas professoras da turma, era uma 7ª série, eu atuei
em alguns momentos como docente e logo em seguida eu fui para o ensino superior.
Terminando o mestrado, em fevereiro de 2008, eu fui para uma instituição de ensino particular
e ali foi a minha primeira experiência, assim, de formação de professores e, embora eu não
trabalhasse inicialmente com disciplinas sobre inclusão ou Educação Inclusiva, eu tentava
trazer essa discussão”.
disciplina de desenho. Tem pouco mais de um mês que a disciplina começou e é a única
experiência que eu tenho de docência e é para o primeiro ano da licenciatura em Matemática.
Eu pensei que eu não iria gostar, porque nunca pensei em ser professora. Eu estava fazendo o
mestrado e o doutorado e agora eu quero ser professora”.
Carlos:
“Me interessei pelo curso de Licenciatura em Matemática, porque eu sempre tive muita
facilidade com Matemática e porque quando eu fazia cursinho eu não me sentia preparado
para passar em outros cursos, talvez de engenharia. Então, eu acabei indo para área da
Matemática, porque era fácil de passar realmente no vestibular e eu gostava. Eu não conhecia
nada do curso e da cidade. Eu vim estudar 500 km distante da minha cidade, da minha família.
Então, não tinha menor noção de nada, até porque quando eu entrei na universidade, eu não
tinha acesso à internet. Eu só vim fazer e acabei me formando. Desde o primeiro ano de
faculdade, mesmo com a bolsa da faculdade que era insuficiente, eu tive que dar aula, tive que
trabalhar em bar, fazer mil utilidades para poder ter dinheiro para me manter. A gente pesa
muito, vou ser um professor, tem toda a sua grandeza de ser professor, mas enquanto no
profissional, enquanto retorno emocional e financeiro para o profissional é quase nulo. Eu
terminei a graduação em 2012. Tentei realmente trabalhar na profissão, como um professor,
mas aí a gente enquanto profissional, enfrenta várias burocracias do estado, para atribuir aula
e para realmente ser inserido como profissional e aí o que eu consegui fazer foi no setor privado
que ainda arca um pouco mais esse tipo de profissional. Eu praticamente fiquei, de 6 a 8 meses,
trabalhando e eu vi que enquanto profissional, sendo professor, eu não teria o retorno que eu
esperava. Eu saí da profissão definitivamente. Hoje eu sou coordenador em um cursinho pré-
vestibular comunitário, também sou docente lá e eu tenho o retorno que eu mais espero, que é
de aprendizado. É um cursinho popular, então ele não tem lucro nenhum, é totalmente
voluntário e é onde eu tenho mais retorno como profissional”.
Euler:
“Eu gostava muito de Matemática, tinha amigos que queriam fazer engenharia e tentaram me
persuadir para fazer engenharia e eu falava: Não, mas se eu for fazer engenharia, vou ser um
engenheiro frustrado. Eu quero muito aprender Matemática. Hoje eu sou professor. Foi o que
eu escolhi, mas quando eu entrei curso de licenciatura, o meu principal foco era a Matemática
em si, apenas. Continuei estudando no mestrado, porque eu queria me aprofundar, queria ter
também um título de mestre em Matemática Aplicada. Pretendo continuar também para o
54
doutorado, talvez não na área da Matemática em si, mas em uma área de exatas que use o
conteúdo de Matemática que eu estudei. Hoje, eu dou aula no ensino médio em um colégio
particular e uma faculdade particular. Dou aula de cálculo, GA [Geometria Analítica] e as
vezes eu pego algumas aulas de Matemática aplicada. E, no ensino médio, eu pego a parte de
Álgebra”.
Gabi:
“Eu sempre quis ser professora. Era uma coisa de criança, de querer ser professora e gostar
da Matemática, só que quando eu entrei para o ensino médio, eu vi essa possibilidade real.
Cursei a licenciatura, não por ser uma última opção ou por ser o curso mais fácil de ingressar
na universidade pública, mas era uma vontade mesmo. Quando entrei aqui, nos primeiros
meses, me deparei com uma outra realidade. Uma realidade de conceitos mesmo, da
Matemática, que foi um ‘baque’ para mim, teve um grande choque, uma grande diferença entre
o que eu esperava enquanto sonho de ser professora e o que eu aprendia nos primeiros meses
de graduação. O que me faltou mesmo foi entender, compreender a prática, a essência do que
é ser professor de Matemática. Depois, logo que eu me formei, eu tive uma crise de identidade
muito grande. A minha formação não me preparou para a escola e eu tinha que ir para a
escola. Então, eu aprendi ser professora, me baseando em professoras que eu admirava. E,
sendo professora, com a minha própria prática. No segundo ano de formada, eu fui para a
escola. Eu fui dar aula também para o ensino fundamental e o ensino médio. E, foi quando eu
posso dizer, com certeza, que eu resgatei aquilo, aquele amor, aquele encantamento que eu tive
logo quando eu ingressei na universidade. Foi um susto, foi uma tensão, mas eu tive uma
motivação também nesse primeiro ano de escola. Tenho a experiência do meu mestrado em
Educação também. Eu desenvolvi um trabalho colaborativo entre uma professora da educação
especial, especializada em deficiência intelectual e uma professora de Matemática do 6º ano.
E, nessa sala do 6º ano tinham duas alunas com deficiência intelectual estudando. Então, o
desafio foi que essas professoras criassem estratégias juntas para desenvolver o ensino de
Matemática para todos na sala de aula comum”.
Aline:
“Decidi cursar Matemática, porque anteriormente eu tinha pensado em outros cursos, mas
como a gente veio de escola pública e não fez nenhum cursinho, eu não teria muita chance
nesses outros cursos em faculdade pública e, como meu irmão já tinha vindo para cá há dois
anos antes, na Matemática, ele me mostrava os exercícios, essas coisas e eu gostava. Eu queria
55
Mateus:
“Eu estava em outra cidade, passei em um concurso e vim para cá. Aí fiquei 6 meses aqui sem
estudar. Eu pensei, vou fazer licenciatura em Matemática, porque Matemática eu sempre
gostei, mas não era o curso de Matemática bem o que eu esperava. Hoje eu sei que um curso
que eu me sentiria à vontade, é alguma engenharia. Eu gosto mais da aplicação em si. Eu
trabalho na parte administrativo-financeira do meu serviço. Era tenso, você saia as 5 ou 6
horas da tarde do serviço no fim do dia e aí você tinha que vir 7 horas da noite. Eu dava aula
particular, no horário entre que eu saia do meu serviço até o horário que eu vinha para a aula.
Muitas vezes eu até faltava na aula para dar aula particular e dava aulas de sábado de manhã
e sábado à tarde”.
Francisco:
“Quando a gente é jovem, a gente não consegue tomar muitas decisões na vida. Matemática
não era o sonho da minha vida, assim como nenhum outro curso também era. Então, no terceiro
ano, fui pensando em cursos que poderiam me dar um futuro profissional excelente, aqueles
cursos de ampla concorrência, que todo mundo está querendo. Eu até passei em todos eles,
mas a vida é muito dinâmica e aí eu queria continuar trabalhando e em um dos cursos que eu
tinha prestado era aqui e era matemática, porque era noturno e aí eu podia continuar
trabalhando e eu acabei vindo por conveniência da vida. Então eu caí aqui meio que por
acidente. O começo foi ruim, porque não era nada daquilo que eu esperava. Eu não consegui
me identificar com quase nada, mas depois de um tempo, eu me encontrei com uma professora
daqui e daí a gente teve algumas conversas e eu me interessei por algumas coisas que ela
estudava. E aí eu comecei a enxergar com outro olhar. Eu fui tentando ter uma prospecção
para continuar na pós-graduação, mas depois mudei de ideia, por vários acontecimentos. Antes
56
Noah:
“Eu prestei vestibular para engenharia civil, só que não deu certo, prestei de novo não deu
certo. Então, como eu tinha uma certa intimidade com a área de exatas durante o ensino médio,
consegui entrar em Matemática. Foi mais difícil do que imaginava, mas depois a gente foi
pegando o jeito. Eu entrei com uma cabeça não tão madura e fui amadurecendo no decorrer
da faculdade. Talvez, se eu tivesse a cabeça do final da graduação no começo, eu teria ido
muito melhor. Quando terminei a graduação, achei que conseguir um emprego seria muito
mais fácil, mas como optei por não lecionar, tudo se tornou bem mais difícil. Então, entreguei
currículo em diversos lugares, inclusive em instituições financeiras que foram os únicos
lugares que me chamaram pra entrevistas. Fiz as entrevistas, só que não obtive respostas.
Então, eu optei por estudar para determinados concursos que eu me inscrevo. Trabalho, por
intermédio do concurso público municipal, voltado no cargo de auxiliar de vida escolar. Com
os alunos, eu trabalho com qualquer problema que eles tenham na escola e com as atividades,
por intermédio de auxílio do professor”.
Patrícia:
“No meu ensino médio, eu tive um professor de Matemática que era muito bom. Antes eu não
aprendia nada, mas quando eu ingressei no ensino médio, comecei a gostar muito de
Matemática, porque ele fez parecer muito fácil. Eu pensei em vários cursos que envolvessem
Matemática e que fossem de exatas e aí eu pensei, que curso tem mais Matemática do que o
próprio curso de Matemática? Por sorte, tinha aqui na minha cidade e resolvi fazer, mas eu
não queria ser professora quando eu entrei. Depois, eu descobri que sim, que era isso que eu
queria. No último ano da graduação, comecei a dar aula e eu não me sentia preparada, mas
57
deu tudo certo. Foi um ano e os alunos ficam hoje reclamando que eu saí para fazer o mestrado
e ficam pedindo para eu voltar. Eu pretendo, futuramente, fazer o doutorado, mas na educação,
porque o que eu gosto mesmo é de dar aula, então, eu penso que pode ser muito melhor para
mim ficar nessa parte, para melhorar as aulas”.
Rafaela:
“Desde criança, eu gosto muito de Matemática. Meus pais incentivavam muito e, fui criando
gosto na escola. Era uma matéria que até desenvolvia melhor que português, geografia. Como
eu gostava de Matemática e, nas brincadeiras de criança, ser a professora que ia ensinar, eu
achava que, a Matemática ia centrar para o lado da educação. Então, eu esperava mais sobre
isso. Eu participei de projetos que envolviam educação, mas, eu queria que algumas outras
matérias incentivassem mais essa área. Quando concluí, a intenção era dar aula, mas eu decidi
prestar outro vestibular para Agronegócio e comecei agora. Pretendo trabalhar na área da
educação. Matemática, se possível”.
Eduardo:
“No colégio, eu sempre gostei das aulas de Matemática. E, quando a gente formava grupos de
estudos, eu era o responsável por ajudar os coleguinhas. Então, eu já me sentia um ‘professor’.
Então, eu gostava da carreira. Levei um tempo até me adaptar ao que a universidade pedia. E
não foi exatamente o que eu esperava. Eu esperava ver a matéria da escola de forma
aprofundada para poder ensinar depois. Só que eu vi coisas além. Eu atuo em um colégio. Dou
plantões de Matemática. Na verdade, eu estava em dois colégios. Mas eu só dou plantões de
dúvidas e aulas particulares para alguns alunos do próprio colégio. Eu pretendo prestar o
mestrado que é o profissionalizante, quando tiver oportunidade”.
Fernando:
“Eu sempre quis fazer Matemática. Cheguei a fazer um curso de economia, mas eu nunca tive
a oportunidade ou o tempo certo para fazer. O objetivo principal de fazer o curso era para me
formar e para ser professor, para dar aula mesmo. No começo, eu tive muita dificuldade, mas
como eu tive uma boa estrutura, consegui me adaptar e gostei muito do que vi. Logo que me
graduei, eu estava dando aula em colégios, como professor substituto, dando aula particular.
Depois de alguns meses, eu comecei a dar aula em colégio particular e também me inscrevi no
mestrado e estou fazendo mestrado em Matemática Aplicada e dou aula para os cursos de
graduação da universidade, isso me ajuda muito. Está sendo muito bom, o contato com os
58
longo dos anos e suas considerações acerca das políticas vigentes sobre a implementação da
Libras como obrigatória no currículo.
Para finalizar cada entrevista, foi feito um agradecimento ao participante, reforçado os
procedimentos seguintes da pesquisa, referentes a utilização da gravação para consultas futuras,
análise e garantia da confidencialidade dos dados. Além disso, como sugerem Bauer e Gaskell
(2002), questionamos se gostariam de fazer mais alguns comentários e buscamos dar um tempo
para o entrevistado “deixar” o ambiente.
Com todas as entrevistas concluídas, Richardson (1999) fala sobre a importância da
dedicação de um bom tempo para o estudo do material logo após a gravação para perceber se
houve algum problema com o áudio e se há a necessidade de uma nova gravação, antes mesmo
das transcrições.
À medida que as transcrições são lidas e relidas, tome nota das ideias que vêm
à mente. Conserve sempre à sua frente as finalidades e os objetivos da
pesquisa, procure padrões e conexões, tente descobrir um referencial mais
amplo que vá além do detalhe particular. Às vezes, trabalhe rapidamente e
com imaginação, outras vezes trabalhe metodicamente, examinando
cuidadosamente as Seções do texto em relação a tópicos específicos (BAUER;
GASKELL, 2002, p.85).
Apresentaremos a disciplina de Libras que foi nosso objeto de estudo. Buscamos retratar
a trajetória do desenvolvimento, a forma como se estruturou, seus objetivos e o contexto na
qual se insere. Esta seleção levou em consideração: o tempo de oferta, já que é uma disciplina
recente nas instituições de ensino superior; a possibilidade de haver egressos e que estivessem
atuando como professores; a disponibilidade de docentes que a elaboraram e a ministraram para
participar.
PROFESSORA ELVIRA: (...) quando a Matemática viu que a gente estava oferecendo
essa disciplina para a Educação e eles tinham que atender a política, pediram se a
gente poderia oferecer também para a Matemática e eu, lógico que falei que sim, mas
logo fui chamada para trabalhar no Ministério da Educação.
Como consequência deste afastamento, uma substituta assume as aulas nos anos de 2011
e 2012 e, em 2013, professora Maria assume, também substituindo Elvira. Para que fosse
inserida a Libras, Elvira reestruturou o plano de ensino da disciplina, que continuou sendo
ofertada como optativa para turmas de Pedagogia e passou a ser oferecida na mesma
modalidade para a Licenciatura em Matemática, ainda com a carga horária de 75 horas/aula.
62
13
As informações referentes aos objetivos, conteúdo programático, metodologias de ensino e avaliação foram
retiradas dos planos de ensino da disciplina para os anos de 2011 e 2014 que foram fornecidos pelas docentes
Elvira e Maria. Entretanto, não foram questionadas sobre estes planos durante as entrevistas.
63
condutor da disciplina. Professora Elvira compreende a utilização das TDIC e o professor ter
conhecimentos básicos da Libras como formas de valorizar as diferenças em sala de aula:
Pensando na formação destes professores, para que suas futuras práticas busquem a
participação de todos os estudantes e contemplar estudos específicos sobre educação de surdos
e Libras, o conteúdo programático, além do que já era tratado anteriormente, passou a englobar
essas outras temáticas no momento final da disciplina, passando a ter os seguintes conteúdos:
• História da Informática Aplicada a Educação;
• As TDIC nos processos de ensino e aprendizagem: Abordagem Instrucionista e
Abordagem Construcionista;
• Softwares Educacionais;
• A internet como recurso pedagógico;
• O papel do professor frente as TDIC, procurando propiciar a inclusão escolar;
• O computador no contexto escolar e mudanças de paradigma, procurando uma
reconstrução para uma escola inclusiva, por meio de um novo fazer pedagógico;
• A mediação pedagógica e o uso da tecnologia;
• Trabalho com Projetos;
• O papel e a postura do professor e do estudante em ambientes enriquecidos pela
tecnologia;
• Histórico e conceituação da pessoa surda;
• Conhecimento sobre a legislação que assegura a educação da Pessoa Surda;
• Introdução à estrutura linguística da Libras;
• Compreensão sobre o Oralismo, Bilinguismo e Comunicação Total;
• Prática de Libras (alfabeto manual ou datilológico, sinal, números, datas, dias da
semana, pessoas, cores, materiais escolares, natureza, adjetivos, alimentação,
família, entre outros).
64
De 2011 a 2013, nos primeiros anos após sua reformulação, não houve uma preocupação
propriamente com um trabalho voltado para a educação de surdos e a Libras, principalmente
no que diz respeito à parte prática, de aquisição da língua, sendo restrita há 20 horas/aula.
Podemos notar tal fato, na fala da professora Maria:
PROFESSORA MARIA: Em 2013, o meu foco, apesar de incluir a Libras, era mais
centrado na tecnologia, em discutir tecnologias na educação e, lógico, fazer uma ponte
com as questões da Inclusão, porque a tecnologia ou a tecnologia assistiva são recursos
que potencializam as habilidades humanas. Se você pensa em uma pessoa que não fala,
uma pessoa que tem dificuldades para andar, para ouvir, você coloca ela diante à uma
tecnologia, amplia todas as suas possibilidades.
Com o intuito de que os licenciandos possam compreender que os EPAEE são capazes
de aprender e se desenvolver, um dos objetivos da disciplina, desde o início, é a mudança de
olhar dos futuros professores para a Educação Inclusiva. Durante a entrevista, a docente Maria
relata sobre uma experiência que ela teve com uma estudante e que sempre busca compartilhar
em suas aulas:
PROFESSORA MARIA: busquei trazer as minhas experiências com pessoas com lesão
cerebral. Era uma pessoa com 14 anos, cheia de vida, cheia de desejos, mas que não
sabia se comunicar formalmente com a escrita e ela não falava. Eu estava diante dela,
como uma estagiária, só que eu tinha um compromisso, o compromisso seria que ela se
emancipasse, que ela aprendesse. Então, em nenhum momento eu fiquei falando que ela
não pode, que ela não era capaz, pelo contrário, eu fui buscar o que tinha e o que não
tinha para potencializar as habilidades dela. Então, a gente foi, usou chat, usou coisas
que eram de dentro do contexto dela e em pouco tempo ela estava alfabetizada, se
comunicando, encontrando parentes lá no Nordeste, na região Norte, quer dizer: será
que é uma pessoa que não tem capacidade ou somos nós que não?
De acordo com Tardif (2002), este momento de compartilhar experiências pode ser
entendido como constituinte dos saberes docentes. Através deste contato com outros
professores é possível aprender e refletir sobre a nossa própria prática, mesmo durante a
formação inicial. Na próxima Seção apresentaremos o que dizem os participantes da pesquisa
sobre as influências destes momentos na própria formação.
65
As professoras Maria e Elvira, ao serem questionadas sobre o que acreditam que deve
ser mais valorizado em uma disciplina de Libras, falam da mudança de concepção que foi
naturalizada sobre os EPAEE, rotulados pela incapacidade e impossibilidade. Ou seja, provocar
esta reflexão nos futuros professores faz parte do objetivo da disciplina.
PROFESSORA MARIA: O mais importante é ele entender que as pessoas são diferentes,
que não exista criança ideal, criança maravilhosa, que aprende tudo do mesmo jeito.
Nós não somos homogêneos, nós somos heterogêneos. A aprendizagem é uma ação
individual, que é regulada pelo sujeito da aprendizagem. E, quanto mais significado a
gente atribui aos conceitos, mais as pessoas têm possibilidade de aprender. No caso
das pessoas que têm deficiências, o mais importante é você trazer recursos para que ele
possa acessar aquele conhecimento, para que ele possa aprender. O que eu acho mais
importante é reconhecer o outro, reconhecer as diferenças, entender que nós os
formamos não para o aluno ideal. Bom professor não é aquele que ensina tudo para
quem aprende tudo, mas é para aquele que tem mais dificuldade, quando eu vejo um
resultado, ainda que seja mínimo, uma criança que não conseguiu falar nada e nem
escrever nada e, de repente, ela se apropria, ela muda o olhar, ela sorri, ela muda o
comportamento, isso já é inclusão.
De acordo com a fala da professora Maria, podemos perceber que ela considera essencial
que os egressos possam valorizar as diferenças ao lecionarem e que suas atitudes devem
condizer com o aluno real, ou seja, trabalhar considerando a heterogeneidade do ambiente
escolar.
A professora Maria aponta que outro ponto valorizado na disciplina é que estes
professores em formação possam refletir acerca da realidade escolar e sobre o planejamento de
atividades em uma perspectiva inclusiva através da elaboração de planos de aula e de projetos.
Inicialmente é proposto que os licenciandos visitem uma escola de Educação Básica para
buscarem elementos da realidade no momento do planejamento e, desta forma, possam realizar
um trabalho mais contextualizado. Depois disso, apresenta outra atividade que costuma aplicar
com o mesmo intuito:
aprendizagem de conceitos como os da matemática e tudo isso. Então, eles têm que
estruturar o plano dentro de sua área do conhecimento, então se eu estou na
matemática, o PEI, que é o Plano de Ensino Individualizado tem que trazer elementos
da matemática para poder desenvolver o trabalho com surdos, com a criança surda, se
é na pedagogia, está mais ligada a alfabetização, entendeu? Então, eles receber como
se fosse um modelo do PEI, recebem um caso, a descrição dessa criança, dessa menina
e juntos eles têm que pensar colaborativamente, em desenvolver esse PEI. Eles
preenchem todos os dados. Eles têm que pensar no perfil da criança, que conhecimentos
prévios ela tem ou não tem, se o caso deixa isso claro ou não.
Entretanto, por não haverem diretrizes específicas, sua implementação tem sido um dificultador
para as instituições que visam, não apenas atender a política, mas proporcionar aos seus
estudantes uma formação que busque auxiliar o futuro professor ao trabalhar com as diferenças.
Como retratado pela docente Maria, que constantemente faz alterações para aprimorar a oferta
da disciplina.
As mudanças que foram realizadas no decorrer dos anos na disciplina, demonstram que
é importante valorizar as diferenças também nos cursos de formação de professores, com
práticas que se identifiquem com o grupo que está cursando e, que vão ao encontro dos objetivos
da formação destes profissionais.
Quadro 6 - Egressos que cursaram Libras por terem opções restritas de optativas
Outro motivo apresentado pelos demais egressos foi a curiosidade por conhecer a Libras
ou se aprofundar na língua, alguns pensando na escolarização dos estudantes surdos, pautados
em experiências de estágio ou de vida. As justificativas apresentadas estão na Quadro 7.
Quadro 7 - Estudantes que justificaram ter cursado Libras por interesse no assunto
Ano que cursou
Egressos a disciplina de Motivo apresentado para cursar Libras
Libras
(...) gosto muito da educação e adoraria fazer outras
disciplinas na educação, mas a gente não tem
profissional suficiente para disponibilizar essas
disciplinas, então a gente tem que fazer disciplinas
Carlos 2011 voltadas para a Matemática (...), eu fiz muito para dar
uma aliviada e que eu gostava também, mas para dar
uma aliviada na questão de quantidade de horas que
eu tinha que ficar desgastando estudando e resolvendo
exercício.
(...) dos cursos que eram oferecidos eu acreditava que
ele era o mais interessante. (...) saber falar um
Euler 2011
pouquinho de Libras poderia me ajudar futuramente
em algum momento.
(...) eu já estava totalmente envolvida com iniciação
científica e extensão. E, eu optei por investigar sobre
inclusão escolar (...). Embora eu nunca tenha me
interessado para pesquisar sobre deficiência auditiva,
Gabi 2011
sobre a Libras, eu sempre me interessei pela área da
deficiência intelectual e quando surgiu a oportunidade
dessa disciplina, porque até então não tinha, eu me
senti em um compromisso, até uma curiosidade.
Eu estava interessado. Eu já tinha visto algumas
coisas. Aí você está na rua e você vê dois surdos
conversando e você fica assim: ‘Gente, eu quero
muito saber o que eles estão falando’! (...) é uma
Francisco 2013
comunicação que está fora de tudo aquilo que você
sabe até então (...). Eu queria conversar com todo
mundo. Por que só conversar com as pessoas que
escutam?
(...) sempre escutei que a gente tem que ter uma outra
língua e a Língua Brasileira de Sinais é tão importante
Noah 2013 quanto as outras línguas (...). Então, achei, vou
aprender mais sobre esse mundo, que até então era
desconhecido.
69
Com o passar do tempo, o foco da disciplina passa a ser maior na educação de surdos e
nos princípios da Educação Inclusiva. Entretanto, como a professora Maria relata, a presença
da tecnologia e as reflexões sobre Educação Inclusiva continuam presentes.
O plano de ensino da disciplina contempla como metodologias: Dinâmicas e
sensibilizações; Aulas expositivas e aulas práticas no laboratório de informática; Seminários
individuais e/ou em grupos; Discussão e sistematização das leituras indicadas; Reflexão sobre
cada tema elencado; Apresentação e análise de filmes referentes às temáticas abordadas;
Dinâmicas de grupos; Desenvolvimento de projetos; Prática de Libras.
Estas metodologias para abordagem das temáticas da disciplina, propostas pela
professora Elvira, foram sendo inseridas ao longo dos anos na disciplina e utilizadas de acordo
70
com o trabalho que estava sendo realizado com cada turma, que possuíam suas necessidades,
interesses e potencialidades.
Entretanto, todos os egressos possuíam expectativas acerca do que seria trabalhado na
disciplina, pensando em sua finalidade e possíveis contribuições para sua formação como
professores de Matemática. Apresentamos no Quadro 8, o que os estudantes responderam ao
serem questionados sobre suas expectativas antes de cursarem a disciplina.
(...) é isso que me faz entender o que é Educação Inclusiva. Quando eu penso em
inclusão, eu penso o que? Penso na acessibilidade, penso no que vai potencializar,
73
porque não é que a pessoa não é capaz, é que não existem recursos e estratégias para
que ela se emancipe e quando você cria isso, que é a questão da acessibilidade, você
muda totalmente a perspectiva, por conta disso, dessa crença que eu tenho e é uma
coisa que eu não vou deixar nunca de abordar porque eu acho que é uma coisa muito
importante, mostrar que todo mundo é capaz.
Apesar de ser denominada como Libras, percebemos que foi idealizada para envolver
outras temáticas, como descrevemos nesta Seção. As docentes deixam claro que esta disciplina
é vista como um momento privilegiado para que as mais diversas discussões sobre Educação
Inclusiva, consideradas essenciais, sejam feitas na formação do professor de Matemática.
A obrigatoriedade também foi discutida com os egressos que cursaram a disciplina
como optativa. Assim, apresentamos o estabelecido pelo Decreto 5.626/2005 sobre a
implementação da Libras nos cursos de formação de professores e Fonoaudiologia e solicitamos
suas opiniões sobre isto. Apresentamos a opinião dos entrevistados no Quadro 9.
A obrigatoriedade da disciplina é vista como algo positivo, desde que seja implementada
considerando as necessidades atuais da formação de professores. Os egressos reconhecem que
as discussões sobre Educação Inclusiva devem acontecer na formação inicial e ressaltam a
importância de o professor de Matemática poder se comunicar minimamente com os estudantes
surdos através da Libras.
76
Diante das falas dos participantes da pesquisa foi possível perceber que a preocupação
dos estudantes na comunicação com as pessoas surdas já era anterior a disciplina e, que isso
refletiu em suas expectativas.
Vemos que os alunos não contestam a obrigatoriedade da implementação, mas se
mostram preocupados com a forma que está sendo feita, reforçando a necessidade de que as
instituições sejam fiscalizadas e, que seja feito um acompanhamento buscando garantir uma
disciplina coerente para todos.
Entendemos que é essencial garantir a presença da Libras na grade curricular e cumprir
o que está presente no Decreto 5.626/2005. Da mesma forma, acreditamos que o planejamento
e a execução da disciplina devem ser feitos de modo a priorizar a formação do professor para
atuar na escola das diferenças e, assim, ele possa desenvolver práticas em uma perspectiva
inclusiva.
Pensando nisso, apresentaremos na sequência possibilidades de contribuições de uma
disciplina de Libras na formação do professor de Matemática. As discussões permearão as
seguintes temáticas: Um novo olhar para as diferenças; Planejamento em uma perspectiva
inclusiva; Aprendizado da língua.
77
A prática dos docentes é reflexo do pluralismo das origens de seus saberes. Nesta Seção,
buscamos obter, a partir do que foi relatado nas entrevistas, uma compreensão acerca do papel
da disciplina de Libras na formação do professor de Matemática em favorecer o
desenvolvimento futuro de práticas inclusivas.
A partir do que foi relatado nas entrevistas, levantamos alguns temas relacionados a
questão central da pesquisa, que é “compreender quais aspectos de uma disciplina de Libras
podem contribuir para a formação de egressos de um curso de Licenciatura em Matemática, no
que diz respeito a Educação Matemática na perspectiva da inclusão”? As discussões acerca dos
temas levantados são feitas com base no que foi apresentado nas Seções teóricas, na ementa da
disciplina e nas entrevistas com as docentes.
Na Seção anterior, apresentamos a estrutura da disciplina, seus objetivos e outras
características sobre sua idealização, implementação e execução. As informações expostas
foram pautadas nos planos de ensino da disciplina e algumas informações disponibilizadas pelas
professoras responsáveis durante as entrevistas. Aqui trataremos do que os egressos disseram
sobre as contribuições da disciplina investigada para a sua formação, principalmente no que diz
respeito ao planejamento de práticas inclusivas.
A disciplina se constituiu para os entrevistados como um momento de reflexão sobre a
Educação Inclusiva e a Libras. Como já dito anteriormente, o nome Libras implica em
expectativas nos estudantes que esperam que o foco seja no aprendizado da língua, entretanto,
vemos que ela se configurou como muito mais do que isso. Os egressos relataram sobre as
atividades realizadas, as avaliações, a teoria abordada, a prática14 da Libras e os reflexos destes
momentos na própria formação.
Santana, Rinaldi e Schlünzen (2014) ao investigarem as disciplinas de Libras nos cursos
de pedagogia da Universidade Estadual Paulista – Unesp, apontam que a proposta de inserção
da disciplina nestes cursos carece de melhores investimentos pensando na formação do
professor e, isto “implica numa melhor organização da disciplina de Libras, que, neste
momento, constitui-se o principal instrumento que o professor terá para atuar na educação de
crianças surdas na escola regular inclusiva (SANTANA, RINALDI, SCHLÜNZEN, 2014,
p.135).
14 Prática da Libras deve ser entendida, neste contexto, como o aprendizado da língua, ou seja, quando a
disciplina proporcionava momentos para a comunicação na Língua Brasileira de Sinais.
78
Ampliando estas ideias, acreditamos que a disciplina, da forma como foi organizada
favorece não apenas a formação para a educação de surdos, mas para todos os EPAEE.
Entretanto, todo o desenvolvimento da mesma deve condizer com a realidade escolar e
considerar que os professores são formados para trabalhar com estudantes que possuem suas
diferenças.
Dentre todas as atividades realizadas, os egressos foram questionados sobre o que foi
mais significativo na disciplina. Os apontamentos abarcam principalmente as seguintes
temáticas: Um novo olhar para as diferenças; Planejamento em uma perspectiva inclusiva;
Aprendizado da língua. A partir destes temas, buscamos apresentar as perspectivas dos
participantes e discuti-las.
FRANCISCO: (...) a professora que teve uma prática muito boa, ela contou o que ela
fez, a alfabetização que ela fez com uma aluna que foi muito marcante, que não vou
esquecer nunca, que não tenho condições de esquecer e, para mim, foi mágico. (...) a
gente tenta fazer alguma coisa na escola, com alunos que não possuem essas limitações
e aí ela apareceu com aquele caso e eu já fiquei em choque, meu olhar já mudou ali.
79
O egresso Francisco apresenta uma das falas da docente Maria, que já havia tido
experiências com EPAEE. A docente, como dito na Seção 5, apresenta este e outros casos para
exemplificar que quando se trabalha numa perspectiva de valorização das diferenças é possível
que as metas sejam alcançadas. Isso influenciou na formação de Francisco. Este era um objetivo
das docentes e, pela fala de Francisco, podemos perceber que foi significativo para ele, uma
vez que pode favorecer esta mudança de olhar.
TARDIF (2002) afirma que aprendemos na interação com os demais professores, seja
no ambiente escolar: nas salas dos professores, nas Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo
(ATPC) e nos corredores; ou durante a formação inicial: através da fala dos docentes e de
atitudes que incorporamos ao assistir as aulas. Assim, quando a docente Maria conta suas
experiências para a turma, também pode favorecer a construção dos saberes docentes de seus
estudantes.
Compreendemos que esta proposta da docente pode contribuir com o desenvolvimento
da dimensão afetiva dos licenciandos frente a Educação Inclusiva e o trabalho com os EPAEE.
Ao apresentar possibilidades para os alunos, estes podem refletir sobre o viés das possibilidades
e não da incapacidade. Quando isso ocorre, entendemos que houve uma projeção de
sentimentos positivos, que Araújo (2003) denomina como valor.
Neste sentido, Francisco, ao ouvir as experiências da docente, pôde repensar suas
concepções a respeito da presença dos EPAEE na escola podendo atribuir valores ao trabalho
com estes estudantes.
O discente Mateus também relata que a disciplina foi um momento em que teve a
oportunidade de refletir sobre a presença dos EPAEE nas escolas e no seu papel enquanto
professor, que deve buscar estratégias que objetivem uma educação de qualidade para todos.
MATEUS: (...) com que frequência será que esse pessoal aparece e a gente não tem nem
noção? Às vezes, a gente está vendo um aluno ali e tem vários graus de dificuldade e
deficiência e talvez a gente tem um aluno na nossa sala de aula e a gente não está dando
nem ouvido para ele e talvez nem é a Libras, mas as vezes ele faz leitura labial e as
vezes você colocar um aluno que tem dificuldade e você conseguir falar de maneira
clara para ele ler os seus lábios, isso também é uma forma de inclusão. Então, são esses
aspectos que me fizeram abrir os olhos, (...) mais do que aprender, foi esse momento de
refletir, dentro da disciplina, que eu achei interessante.
Mateus ressalta a importância de que para que sejam tomadas atitudes que valorizem as
diferenças dos estudantes devemos reconhecê-los com suas características singulares.
Compreendemos que esta atitude auxilia a vencer estereótipos culturais (HARKOT-DE-LA-
TAILLE, 2003), uma vez que vê as pessoas como particulares, mesmo sendo integrante de um
grupo.
Neste sentido, para que os egressos de cursos de licenciatura em Matemática possam se
tornar professores que valorizem as diferenças e considerem além do aspecto cognitivo, a
formação inicial deve propiciar momentos de reflexão que valorizem a dimensão afetiva e
favoreçam uma formação integral destes futuros docentes.
Professora Elvira, neste sentido, acrescenta ainda que além de considerar esta
perspectiva, os egressos devem compreender qual o papel do professor de Matemática neste
cenário da pluralidade para que possa valorizar as diferenças, reconhecendo suas próprias
limitações e potencialidades como docente.
PROFESSORA ELVIRA: (...) o mais importante é que ele entenda o papel dele como
educador. Eu acho que a gente não consegue prever todos os desafios que um aluno vai
ter, mas ele tem que compreender que eu não tenho o direito de rejeitar, nem achar que
alguém é incapaz. Eu, como educador, tenho que buscar meios, estratégias para incluir
essa criança. E, também que existem outras abordagens que vão facilitar tanto para
mim como educador, quanto para o meu aluno para que ele aprenda de fato, porque se
você for ver, o aluno, ele aprende para responder para a escola, os discentes das
81
escolas, eles aprendem para responder para a escola aquilo que ela pede, eu te ensino
tal coisa e quero ver se você aprendeu. E, o nosso discente, da universidade, ele aprende
para responder para a universidade e não para a escola. Então, a gente tem que
reverter essa lógica e tem que ver como é que eu vou fazer para que o meu aluno
aprenda a ser uma pessoa, um cidadão que aprenda os conceitos e os conteúdos para
ser um bom profissional e uma boa pessoa. Então, eu acho que a escola tem que ser
mais totalizadora, ela não pode pensar só no cognitivo, ela tem que pensar no lado
afetivo, emocional, político, social e cognitivo.
A docente acredita que para que os egressos possam ter práticas futuras em uma
perspectiva inclusiva, a própria formação deve se adequar e ser organizada para que essas
reflexões sejam feitas, possibilitando que sejam atribuídas atitudes positivas às diferenças. O
egresso Carlos relata que esta compreensão se caracterizou como o fato mais significativo na
disciplina para ele:
CARLOS: Cada aluno aprende de um jeito e a gente enquanto professor tem que tentar
ensinar de várias formas, tentar pensar sempre em todos os alunos e não em padronizar
o ensino. Um problema que a gente enfrenta, pelo menos eu vejo que a gente enfrenta,
é que a gente quer padronizar o ensino e é impossível, visto que cada aluno aprende em
uma velocidade, cada aluno tem uma bagagem cultural construída e eles não vão
conseguir aprender no mesmo ritmo. Então, olhando pelo lado do aluno deficiente, a
gente tem que rever a nossa forma de ensino. Então, eu acho que foi bem isso, de ter
várias formas de ensinar um mesmo conteúdo. Ainda mais do que, na Matemática,
aquela coisa muito regrada, muito certa, acaba sendo o ensino por reprodução.
de ações para a inclusão escolar, foi o contato com pessoas surdas. Nas entrevistas, a presença
de pessoas surdas foi ressaltada por diversos egressos como positiva, no caso de Carlos:
CARLOS: (...) ela [professora] trouxe um menino que ele era surdo e veio conversar
com a gente, falar da realidade dele enquanto aluno deficiente, inserido no ensino
básico, assim sabe, mas de resto eu não lembro, não lembro mesmo. Então, ele tentou
passar para a gente, conversar mesmo com a gente, na “linguagem de sinais” sobre a
dificuldade que eles enfrentam no ensino, porque a gente não tem estrutura. Os
professores não são formados na linguagem de sinais, então para eles é tudo mais
complicado (...). Então, ele sofreu essa dificuldade, sabe, ele passou por essa
dificuldade de ter que aprender tudo mais difícil, nesse sentido que, não sei como
aprende se não tiver ninguém para auxiliar na linguagem de sinais ali.
PATRÍCIA: Veio, não lembro o nome do moço, que era surdo e ele deu um sinal para
cada um e a gente fez apresentações, diálogos em Libras e foi divertido. (...) veio para
apresentar uma música. Ensinar a gente como a gente fazia. Chamava “24 horas” a
música, nem lembro mais de quem que é, mas ele fez toda a apresentação e a gente
aprendeu. Aí ele deu um sinal para cada pessoa também. Foi difícil porque tinham 40
pessoas na sala. E foi isso, ele contou um pouco da vida dele. Foi importante para gente
ver, porque eu mesma, não tenho contato com uma pessoa surda. Então, para a gente
ver como a matéria é importante, porque ele só se comunica dessa forma.
Estar junto com uma pessoa surda, também foi significativo para Francisco, que relata
que passou a entender melhor a dimensão da comunicação em Libras a partir disto.
FRANCISCO: Lembro que o surdo, ele ia em algumas aulas no começo, mas não tinha
se manifestado. Eu não tinha entendido o propósito dele estar ali. Então, uma vez ele
fez uma apresentação de uma música, que deixou todo mundo em choque, porque
83
ninguém imaginava que dava para fazer a interpretação de uma música inteira. O que
é que as pessoas conhecem de Libras? As pessoas que nunca fizeram o curso, nem
entraram na universidade, é ver um quadradinho “desse tamanho” na televisão, que
você não consegue nem enxergar a pessoa, mexendo as mãos, mas a gente nem entende
o que é que está acontecendo ali. Quando a gente viu interpretando a música, falou
assim “não, eu também quero fazer isso, vamos fazer isso também, vamos interpretar
uma música”. E aí, ele começou a participar mais ativamente.
Com a fala do egresso, podemos refletir sobre como este contato com uma pessoa surda
pode beneficiar a formação destes estudantes, já que poderão vivenciar na prática a
comunicação e, ainda, vencer alguns estereótipos acerca destas pessoas, dos EPAEE e da
Libras.
A presença de pessoas surdas na disciplina se mostrou como uma ação importante para
que os licenciandos em Matemática pudessem conhecer as dificuldades vivenciadas por este
público e, também para reconhecê-los como capazes do desenvolvimento de qualquer atividade.
No mesmo sentido, Pereira (2008) ao analisar os desafios da implementação do ensino de Libras
no Ensino Superior, afirma que “é importante, também, que as universidades promovam, além
da Libras, como disciplina curricular, a interlocução de surdos e ouvintes bilíngues na intenção
de abrir os espaços escolares nas trocas de saberes, e a construção real de conhecimentos
(PEREIRA, 2008, p.81).
Reconhecer as diferenças na escola faz parte do trabalho em uma perspectiva inclusiva
e o olhar para as particularidades dos estudantes pode ser considerado o primeiro passo. Este
olhar não é estático, mas muda ao longo de nossa vida, pode ter influências de nossa formação
inicial e, acreditamos que a disciplina de Libras pode favorecê-lo.
Após este primeiro passo de compreender cada aluno como singular, atitudes devem ser
tomadas e, ressaltamos novamente, a formação inicial pode ser o momento para se oferecer
alguns subsídios para que o futuro professor se sinta mais preparado para lidar com a
pluralidade do ambiente escolar.
A egressa apresenta a disciplina como o momento em que teve um primeiro contato com
o trabalho nesta perspectiva e que utiliza nas suas aulas na escola. Para Fernando, também foi
um momento significativo, principalmente pelo caráter investigativo desta metodologia,
permitindo que ele pudesse conhecer diversos materiais durante a elaboração de um projeto.
FERNANDO: (...) eu lembro de vários momentos. Eu lembro dos projetos, dos planos
de aula que foram apresentados dos outros alunos, que foi uma parte bem interessante
também. Muita coisa que eu conheci de softwares, que eu não conhecia, foi uma
oportunidade boa que eu aprendi.
EDUARDO: Na primeira parte, a gente tinha trabalhado num plano de aula utilizando
um dos softwares que tinham sido apresentados. E, na segunda parte, quando a gente
15 Sugerimos a leitura das pesquisas de Cintra (2014) e Rocha (2016) como referências da utilização do trabalho
com projetos na perspectiva apresentada.
85
aprendeu a parte de Libras, a gente teve que dar uma modificada nesse projeto, nesse
plano de aula, para poder “inserir” um aluno com deficiência. Então, a gente meio que
tinha que pensar: “E se eu tiver um aluno que não consegue me ouvir na sala, como é
que eu vou fazer”? Então aí a gente teve que pensar em situações de acrescentar um
intérprete, como ia fazer para esse aluno entender. (...) no meu caso foi sobre frações,
então, a gente podia apresentar as frações e, depois, a gente tinha um joguinho que
levava os alunos, tinha algumas questões e eles iam respondendo e ganhando peças que
representavam frações de uma chave, por exemplo. (...) a nossa ideia, do meu grupo,
foi de apresentar o conteúdo de forma expositiva, normal, numa sala de aula
tradicional. E, depois de apresentar para eles o que seriam frações, as propriedades,
as operações, aí a gente iria para uma sala de informática, com esse joguinho e, no
próprio jogo ele tem umas perguntas aleatórias, que seriam operações, que seriam
transformar frações e você conseguir identificar qual é maior que a outra, então
colocar em ordem crescente as frações.
PATRÍCIA: A gente fez um trabalho em que a gente teve que ir em alguma escola para
verificar, mas aí era no geral, o que é que eles tinham lá de acessibilidade. A gente
foi em um colégio e conversamos com a coordenadora e ela mostrou bastante coisa
que tinha lá. Tinham uns materiais que podiam usar e acessibilidade no geral da
escola também, para deficientes físicos.
Vemos pelas falas que estas atividades proporcionaram uma aproximação da realidade
escolar e que são ressaltadas possiblidades de ações para o ensino de Matemática considerando
a presença de EPAEE em uma perspectiva inclusiva. Assim, acreditamos que a visita à escola,
a elaboração de planos de aulas, estudos de caso e o trabalho com projetos auxiliaram na
formação para o desenvolvimento de práticas inclusivas.
86
Os egressos relatam que ter um contato inicial com a Libras foi importante para que
pudessem conhecer a língua e estabelecer uma comunicação minimamente com uma pessoa
surda. Essa introdução à Libras é vista como possibilidade para o aprofundamento dos estudos
posteriormente, pois o professor da sala regular tem um papel fundamental na reorganização da
escola, objetivando a participação do aluno surdo. Estas mudanças se tornam possíveis quando
ações são realizadas na busca de transpor a barreira linguística (SANTANA, RINALDI,
SCHLÜNZEN, 2014, p.117).
EDUARDO: Para mim, foi bem interessante a parte de aprender a se comunicar com
uma pessoa que não consegue me ouvir. Então, chegar e falar: oi, tudo bem? Me
apresentar, perguntar se ela está bem, o nome dela, essas coisas assim, o próprio
diálogo, para mim, foi interessante.
Como ressaltado anteriormente, por ser uma disciplina de Libras, os alunos apresentam
como uma das maiores expectativas o aprendizado da língua. Essas inquietações são reforçadas
no andamento da mesma, principalmente ao interagir com pessoas surdas, ao ouvirem as falas
das dificuldades que vivenciaram na escola acerca da falta de estrutura adequada e de
comunicação por parte dos professores.
Por ser uma língua, a Libras possui suas particularidades que a constituem. Os
entrevistados relatam algumas características que puderam aprender durante a disciplina e que
foram significativas. Por exemplo, Eduardo relata sobre uma dinâmica que envolvia a
importância das Expressões Não-Manuais (ENM), que como descrito por Santiago (2014) é um
dos parâmetros dos sinais em Libras e que são essenciais na comunicação nesta modalidade.
EDUARDO: Foi bem legal a parte prática para a gente interagir com os outros alunos
da sala também. Primeiro, ela passava todos os sinais, ensinava todo mundo repetia e
fazia junto com ela até “aprender todos os sinais”, até memorizar todos eles. Depois,
a gente tinha algumas brincadeiras. Uma que eu lembro foi das expressões. A gente
ficava andando e de repente ela mandava parar e você parava na frente de alguém e
você tinha que fazer uma das expressões, tipo de susto, de felicidade, de alguma coisa,
porque Libras é bem expressivo. Você precisa demonstrar.
87
FERNANDO: Na fala, no tom da voz, a voz ela fica mais grave, mais aguda, ela fica
mais alta, mais baixa, trêmula. Isso dá, se você tiver no telefone com alguém, você está
ouvindo aquela pessoa e você sabe se aquela pessoa está nervosa, se aquela pessoa está
triste, se aquela pessoa está feliz, você sente o ar sarcástico de falar, o “há, há, há, há”,
o tipo de risada, o jeito, a voz passa isso. O que vai passar quando você está falando
em Libras com uma pessoa? (...) o que vai passar a emoção daquela conversa vai ser o
jeito do rosto da pessoa, se ela fizer com o olho mais aberto, mais fechado, se a boca
está aberta, se a boca está fechada, se ela, se está sorrindo, se ele está chorando, se a
testa está franzida, isso que vai dar emoção na conversa, que vai dar o “quê” da
conversa, o sabor da conversa e por isso que, para mim, é essencial.
Mateus e Patrícia relatam que a falta de prática foi grande responsável por se esquecerem
de muitos sinais, mas que acreditam que seria mais fácil prosseguir nos estudos agora que já
tiveram uma base durante a disciplina.
MATEUS: Eu acho que eu teria condições de pesquisar, porque tipo assim, eu tenho a
base e hoje eu esqueço, só que se eu começar a pesquisar e ler, eu acredito que isso aí volta
naturalmente para você e eu acho que você consegue conversar e tudo, pelo menos o passo-a-
passo no começo para trabalhar com ele.
PATRÍCIA: Não lembro de muita coisa. Acho que é só o que eu lembro porque eu não
usei nesse tempo todo, mas como eu já vi uma vez, eu acho que seria mais fácil.
Desta forma, ressaltamos a importância de ser trabalhada a base da Libras, com alguns
sinais, características próprias da Língua e da comunicação na modalidade visual-espacial.
Assim, são apresentados caminhos para que estes futuros professores ampliem seus estudos
nesta área sozinhos ou procurem novos cursos sobre esta temática.
O egresso Noah diz que praticar a Libras durante a disciplina foi algo importante, mas
reforça a necessidade de um estudo contínuo por se tratar de uma língua. Esta é uma das
preocupações recorrentes nas entrevistas, quando os participantes foram questionados sobre o
que poderia ser diferente.
NOAH: As aulas práticas, eu acho que, se eu tivesse entrado num curso específico de
Libras, talvez hoje conseguiria me comunicar com uma pessoa surda com mais
facilidade, teria aprendido mais, mas infelizmente eu parei, porque o lugar onde eu
estou não tem curso de Libras próximo.
EULER: (...) eu acho que deveria ter o curso mais de um ano. Eu acho que assim como
tem cálculo I, II e III, deveria ter Libras I no segundo ano e Libras II no quarto ano,
onde Libras I enfoque a teoria e um pouco de prática e Libras II mais prática e as vezes
até um estágio, levar ou trazer alguns alunos para a faculdade e os próprios
licenciandos possa conversar com esses alunos.
GABI: (...) tinha que vir depois de uma disciplina sobre Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva. Há muitos colegas que não sabem o que é Educação
Especial e qual é o papel dessa Educação Especial, o que é a Educação Inclusiva.
Então, eu me formei sem isso, sem ter essa base. Eu acho que a disciplina de Libras
89
deveria ser obrigatória, ser anual e vir depois dessa disciplina introdutória de educação
inclusiva (GABI).
Eu acho que isso é “oi”, mas do resto eu não lembro quase nada. É,
Aline “aplauso”, alguma coisa assim eu lembro, mas é bem pouco.
(2012) O duro é que eu estou enferrujada em Libras, mas a gente não mexe
com essas coisas, então, a gente fica meio atrofiado.
Eu lembro do “oi”, “como vai você”, mas hoje bem poucos gestos
assim.
Mateus
(...) isso aí volta naturalmente para você e eu acho que você consegue
(2012)
conversar e tudo, pelo menos o passo-a-passo no começo para
trabalhar com ele.
Eu sei o meu sinal, sei algumas letras do alfabeto, o que não significa
quase nada, porque para você conversar com uma pessoa, você não vai
ficar soletrando palavras. Eu achei que era assim. Eu entrei e falei
Francisco “não, depois que eu aprender o alfabeto, são seis meses, quer dizer,
(2013) rapidinho a gente memoriza”, aí eu não me dei conta que se você ficar
desenhando letras, não ia ficar uma coisa muito prática, vai ser um
pouco difícil de conversar. E aí foi o problema que eu e todo mundo
encontrou.
(...) algumas palavrinhas ainda lembro, “bom dia”, “boa tarde”, “boa
Noah
noite”, as básicas, mas muitas coisas já se perderam, porque a gente
(2013)
não pratica.
Eu lembro do meu sinal, que era “assim”. E, não sei, não lembro muita
Patrícia coisa não. Eu lembro do sinal de “parabéns”, porque batia palma e
(2013) assoprava a velinha, porque era aniversário de uma menina da sala e a
professora ensinou para a gente cantar parabéns para ela em Libras.
A professora trabalhava bastante com a gente. Aprendi na época, não
lembro mais de muita coisa, mas foi legal.
Acho que cumprimentar, “bom dia” é “assim”, Da musica lembro
algumas coisas, uma outra música sertaneja que a gente aprendeu
também. De vez em quando, quando a gente escuta a música, eu
Rafaela
lembro. Na época aprendi, hoje eu não sei todos os sinais, mas aprendi
(2013)
essa música, o refrão pelo menos vai.
(...) faz dois, três anos atrás que a gente fez a matéria, se fosse na época
eu acho que sim, porque a gente estava com os sinais na ponta da
língua, ou melhor, nas mãos, saberia desenvolver, mas acho que por
esse tempo todo sem praticar eu acho que teria que ir atrás mesmo.
Da disciplina eu lembro o básico porque eu não tive contato, então eu
Eduardo não pratiquei. Mas eu lembro um “oi, tudo bem?”, “qual o seu nome?”,
(2014) o meu nome eu ainda sei escrever. Então, algumas coisas básicas eu
ainda entendo o sinal. Fazer talvez não, mas entender sim.
Se você não praticar, você acaba perdendo o jeito de fazer e foi
justamente o que aconteceu.
(...) lembro de alguns “a”, “b”, “c”, “d”. Acho que eu lembro bastante
coisa (...). Dentre todos os sinais, o que me fascinava mais eram os
Fernando sinais que não representavam letras. Seriam os pequenos gestos, as
(2014) interpretações, a mudança da face, a questão de “lembrar”, “esquecer”,
de “apresentar”, de “falar o nome”, de dizer uma frase inteira com
apenas um gesto, isso que me fascinava mais, e isso que eu não lembro,
essa parte eu não me lembro, é muito difícil, como falar “pai”, “mãe”,
essas coisas que me fascinaram.
91
Diante das falas dos participantes da pesquisa podemos perceber a importância de que
sejam promovidos momentos posteriores para que a Libras seja praticada. Apesar de apontarem
que não se recordam dos sinais, os egressos apontam que foi importante terem aprendido, para
o caso de terem um estudante surdo. A disciplina, nesta perspectiva, se constitui como um
momento de se apresentar a língua e mostrar caminhos para que este futuro professor possa
buscar transpor a barreira linguística quando estiver na escola.
Contudo, podemos perceber como a disciplina de Libras influenciou na formação destes
professores que puderam refletir acerca das diferenças em sala de aula, conhecer possibilidades
para desenvolverem práticas inclusivas e, ainda, ter um conhecimento básico da língua, como
oportunidade de ampliar seus estudos futuramente e de se comunicar com os estudantes surdos.
92
Concordamos com Tardif (2002) que aponta que os saberes docentes são construídos
durante toda a vida. Este fato deve ser considerado, pois apesar de a disciplina de Libras ser um
momento privilegiado para reflexões sobre Educação Inclusiva e o trabalho com EPAEE, os
entrevistados também tiveram outras experiências.
Portanto, com base na teoria de Tardif (2002), referente a origem social dos saberes
docentes (Quadro 1), julgamos ser pertinente apresentar como os saberes frente a perspectiva
da Educação Inclusiva estiveram presentes durante os diversos âmbitos da formação dos
entrevistados, para compreendermos melhor como a disciplina de Libras pôde contribuir na
prática docente, que é plural. Ressaltamos que não era um objetivo inicial da pesquisa, mas que
esta necessidade emergiu durante a análise dos dados.
Este olhar para as experiências não busca compreender como os saberes são articulados
durante a prática docente, mas tem o intuito de fomentar discussões sobre a origem dos saberes
destes professores para a realização de práticas inclusivas, em turmas com EPAEE, durante as
aulas de Matemática.
A prática dos professores pode ser caracterizada pelo sincretismo. De acordo com Tardif
(2002), ao ensinar, estes profissionais mobilizam diversos saberes e articulam concepções sobre
sua prática. Esse processo é resultado de sua realidade, experiências vividas, necessidades,
recursos disponíveis, limitações e possibilidades. Assim, o professor mobiliza o que julga
necessário, de acordo com seu contexto.
As situações vividas em sala de aula são marcadas por imprevistos e necessitam que os
professores reinventem e reorganizem seus saberes. Então, para Tardif (2002), a relação
estabelecida entre os saberes não pode ser pensada como uma mera aplicação daquilo que foi
aprendido.
Alguns egressos entrevistados apontam dificuldades do trabalho docente, marcadas pelo
sentimento de despreparo, principalmente no início da carreira. De acordo com Nono (2011,
p.69), os professores iniciantes, ao buscar compreender suas trajetórias profissionais,
A egressa Gabi relata que em seu segundo ano, depois de formada, começou a atuar como
professora dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Gabi aponta que buscou
mobilizar saberes que construiu ao observar professoras do seu período como estudante da
Educação Básica e também do Ensino Superior e reproduzindo algumas práticas.
GABI: Eu acreditava que ia chegar, dar uma aula, todos iriam entender minha língua,
entender o que eu estava fazendo, o que eu estava propondo e, na verdade, não é assim.
A sala de aula é um universo muito particular, existem muitas singularidades ali dentro
e, nós professores, a gente tem que dar conta dessas singularidades, dessas
individualidades, porque embora a gente fala para todo mundo e a gente está ensinando
para todo mundo, cada um aprende de uma forma.
Frente a estes desafios, os docentes mobilizam os saberes construídos durante toda a sua
formação. Os egressos apontaram, durante as entrevistas, algumas situações que consideram
como importantes no desenvolvimento de saberes para a sua prática atual como professores de
Matemática. A luz da teoria de Tardif (2002), são apresentadas as falas dos egressos, com
enfoque nos saberes mobilizados na formação inicial e mais especificamente, na disciplina de
Libras.
O primeiro saber apresentado por Tardif (2002) são os saberes pessoais dos professores.
Durante toda a vida, as experiências pessoais vivenciadas pelos professores, sejam anteriores a
formação inicial, durante o processo ou posteriores integram-se ao trabalho dos docentes
através da influência que sua história de vida tem e pela sua socialização destes acontecimentos
com as demais pessoas.
O egresso Mateus, relata sobre o contato que teve com uma pessoa surda fora do âmbito
escolar e da universidade. Esse momento propiciou que reflexões fossem feitas acerca da
presença das pessoas com deficiência na sociedade.
MATEUS: (...) quando a gente não conhece determinada coisa, a gente não bota reparo,
né? Depois que a gente passa a conhecer as situações, você começa. Eu falo, logo
depois teve uma situação engraçada assim: tinha passado um mês que tinha acabado a
disciplina de Libras e meu pai tem uma conveniência lá na minha cidade. E, de vez em
quando, eu ajudo ele. Por mais incrível que pareça, chegou, eu nunca tinha visto pelo
menos, um surdo. Chegou lá e eu ainda estava lembrando um pouquinho e ainda me
arrisquei a conversar com ele e saiu mais ou menos assim, mas saiu alguma coisa. Eu
entendi o que ele queria e tal, né? Só que ainda, no final, eu peguei um papel e uma
caneta e o diálogo acabou no papel e na caneta, não foi tanto na conversa assim, mas
quantos deficientes desse tipo passam por nós e talvez a gente não vê? Eu acho que essa
disciplina além de ser para a gente conhecer um pouco mais, foi também para abrir os
olhos, porque ainda mais para nós professores que trabalhamos com pessoas, relações
públicas é nossa área e com que frequência será que esse pessoal aparece e a gente não
tem nem noção?
em suas práticas como docente, já que tiveram influências em suas concepções sobre a
visibilidade das pessoas com deficiência e inclusão.
Outros saberes descritos por Tardif (2002) são saberes provenientes da formação
escolar anterior, já que o professor é um profissional com uma formação diferenciada, pois
passa boa parte de sua vida no seu ambiente de trabalho, na posição de aluno. Portanto,
experiências construídas durante esse período também podem influenciar no seu trabalho como
docente.
A egressa Andressa, relata sobre uma experiência que teve com estudantes surdos durante
o período que foi aluna dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
ALINE: Ah, por exemplo, a informática. O aluno gosta muito de mexer em computador,
de ouvir música, dessas coisas, então eu acho que você tem que usar isso ao seu favor,
porque como ele já gosta de internet, você já pode utilizar disso para mexer nos
programas, essas coisas. Música também. Acho legal você fazer coisas com músicas e
eles gostam muito de fazer essas coisas de paródias.
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Aline relata que utiliza na sua prática cotidiana diversos softwares educacionais que
foram trabalhados durante a sua graduação, alguns na própria disciplina de Libras. Busca
sempre utilizar estes recursos, pois acredita que valorizam a autonomia e participação de todos
os estudantes.
Apesar de todos os egressos entrevistados não terem muitos anos de experiência na
escola, na prática cotidiana desenvolveram saberes provenientes de sua própria experiência
na profissão na sala de aula e na escola. Estes saberes, para Tardif (2002) englobam tanto as
atividades do dia-a-dia quando a socialização dessas práticas com os pares.
A egressa Gabi relata que ao se deparar com uma estudante com Síndrome de Down em
uma de suas turmas teve dificuldades no planejamento e execução de práticas em uma
perspectiva inclusiva.
GABI: Quando eu me deparei, por exemplo, que eu cheguei e a minha primeira aula,
foi em um 9º ano, com uma aluna com síndrome de Down, coisas que até eu tinha lido
na teoria, mas na hora eu pensei: E agora? Como é que eu faço para ensinar todo
mundo, considerando essas diferenças todas aqui dentro?
FRANCISCO: é claro que ela percebe que está recebendo um tratamento diferenciado,
porque ninguém consegue incluir ela, porque ela não faz parte do grupo. Todo mundo
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enxerga ela como uma península e ela percebe isso. Os alunos, eles percebem e as vezes
soltam isso, eles falam algumas vezes assim: O que eu estou fazendo aqui? Por que eu
tenho que estar aqui na escola? Eu sou o pior aluno da escola.
Francisco aponta que busca sempre realizar práticas que envolvam todos os estudantes
e acrescenta que os estudantes com deficiência são muito bem recebidos pelos demais, que
possuem uma boa relação e isto colabora em seu trabalho.
Os saberes provenientes da formação profissional para o magistério englobam todos
os cursos, estágios e atividades realizadas que objetivam diretamente o aperfeiçoamento das
práticas docentes, inclusive a licenciatura em Matemática e a disciplina de Libras. Apesar de
todos os egressos terem formação na mesma instituição e curso, os saberes construídos por cada
um deles são únicos.
Com o intuito de compreender como as discussões sobre Educação Inclusiva estiveram
presentes na formação inicial dos egressos entrevistados, questionamos sobre como eles se
recordavam da presença da temática da Educação Inclusiva em outros momentos de sua
formação inicial, além da disciplina de Libras (Quadro 11).
A partir do que foi relatado pelos estudantes vemos a importância do papel da disciplina
de Libras na formação dos licenciandos para trabalharem com as diferenças na escola, pois
tiveram poucos ou nenhum outro momento durante a formação inicial para discutirem sobre
esta temática. Sugerimos também que estes saberes construídos anteriormente à disciplina
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sejam compartilhados durante a mesma, pois desta forma, o docente pode propor discussões
mais contextualizadas e que parte das vivências dos licenciandos.
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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 abr. 2002.
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2014. 111 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática), Universidade Bandeirante
Anhanguera, São Paulo/SP, 2014.
________________________________________(assinatura)
Orientadora
Profª Dra. Miriam Godoy Penteado
Endereço: Avenida 24 A, 1515 - 13506-900 - Bela Vista - Rio Claro - SP
Tel: (19) 3526-9391 E-mail: mirgps@gmail.com