O Mistério Do Coração Amaldiçoado

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O Mistério do Coração Amaldiçoado

Antecedentes da aventura
Lucena Maria de Cássia Borba, uma jovem de apenas 15 anos, fora prometida em casamento
a um explorador das terras brasileiras, de nome Augusto Fonseca Campos. Enviada de
Portugal com sua aia, senhora Catarina Vila Braes, chegou à Vila de São Vicente no início de
1576, quando, para seu total desgosto, descobriu que o prometido noivo havia se apaixonado
por uma moça que tinha vindo escravizada da África, comprara sua alforria, com ela tivera um
filho e, por isso, não pretendia se casar, o que provocara uma enorme intriga em sua própria
família.

Destruída pela vergonha e humilhada por não ser aceita como noiva, Lucena fugiu
ensandecida para as matas, nas proximidades da Vila de São Vicente. Uma busca foi
organizada, onde diversos caçadores, rastreadores, aventureiros e soldados participaram,
inclusive o ex-noivo, mas ela jamais foi encontrada. Os únicos resquícios encontrados da moça
foram uma tiara e um rosário, que, a pedido de sua aia, foram enterrados pela família do noivo
que lhe rejeitara, antes que ela partisse de São Vicente para São Paulo, segundo disse, em
busca de uma oportunidade de emprego, pois não teria condições de voltar a Portugal.

Dois meses se passaram (ou mais, ou menos, conforme o calendário de aventuras do grupo).
Esse é o momento em que nossa aventura começa.

Proposta da aventura
O roteiro dessa aventura é sucinto, mas pode ser expandido o tanto que for adequado e
agradável para o Mediador e seu grupo, de forma a se tornar uma boa história de mistério,
investigação e confronto com o sobrenatural. Contudo, a natureza subentendida do enredo é
de uma oportunidade para discutir temas de cunho conscientizador: os males do racismo, do
regime escravocrata do Brasil Colônia e do preconceito de crença religiosa. Ainda assim, o
grau de intensidade de discussões intensas como essa deve ficar sempre na dependência da
maturidade do grupo e dos possíveis "gatilhos" que isso possa provocar. Não está na raiz
desse texto ser ofensivo ou incitar discórdia ou ódio; pelo contrário, é intencional que ele
chame atenção para um problema que até hoje está amarrado na nossa sociedade e, por isso,
serve-se de chavões temáticos como chamariz para a aventura.
A expectativa do autor é que os personagens dos jogadores, e os Participantes que os
interpretam, percebam na intriga da família de Augusto contra sua companheira, Aduke, os
males do preconceito, e decidam não tomar parte dele. Nem no jogo, nem na vida real.

Clima
O clima proposto para a aventura mistura mistério, horror sobrenatural e romance dramático.
Conseguir esse clima exige comprometimento e maturidade dos participantes e um cuidado
com a narrativa.

É claro, pode-se sublimar as questões sociais mais sérias e usar de uma narrativa mais leve,
empolgante, para uma aventura mais heróica e otimista, o que não seria de todo mal. A
escolha fica por conta do grupo.

Primeira Parte - O Estranho Caso do Louco de São


Vicente
Os Personagens-Jogadores estão em Vila de São Vicente tratando de seus próprios assuntos,
talvez de passagem para um outro local ou em busca de trabalho, quando ouvem rumores
sobre o jovem Augusto, filho do Senhor Mauro de Campos, ter ficado completamente louco. A
grande discussão na localidade é que ele matou a tiros um cachorro de uma família, roubou
galinhas de outra, atirou contra um escravo de um comerciante e tentou atear fogo na igreja.
Uma ordem de prisão foi expedida pelo líder da Câmara contra Augusto, mas não houve quem
o encontrasse.

Nesse ponto, os Personagens são procurados pelo oficial de Quarteirão, por serem
aventureiros conhecidos ou por se saber que procuram oportunidade de aventura e
recompensa. Sua missão, a princípio, é descobrir o paradeiro de Augusto e trazê-lo vivo para a
cadeia.

A investigação dos participantes pode começar visitando as "vítimas" da loucura de Augusto: os


donos do cachorro, os donos das galinhas, o comerciante "dono" do escravo e o padre
responsável pela igreja central de São Vicente. Cada Mediador deve decidir como melhor tratar
essas cenas de diálogo, interpretando os papéis desses personagens secundários (que ele
também pode configurar e caracterizar como quiser).

As conversas com essas pessoas devem indicar o seguinte:


● O cão que foi morto era manso, jamais havia mordido ninguém
● As galinhas eram criadas soltas e apenas duas foram roubadas, das mais de vinte
possuídas pela família
● Tanto o roubo das galinhas quanto o ataque ao cachorro ocorreram depois do pôr do sol
e foram vistos de longe
● O homem escravizado que foi alvejado por Augusto se chama Jacinto, nome que lhe foi
dado pelo seu senhor. Os tiros contra ele ocorreram na calada da noite e, segundo o
seu senhor comerciante contou, teve de torturar o escravo para descobrir quem atirou
contra ele, pois não queria contar.
● Com uma investigação mais aprofundada (e, possivelmente, rolagens de dados para
Façanhas), os personagens podem descobrir que o escravo era, originalmente,
chamado Kayin e que, aparentemente, tinha boa relação com o jovem Augusto que,
mais de uma vez, havia demonstrado ter a intenção de comprá-lo, embora o
comerciante não quisesse vendê-lo.
● O padre local (pároco) deve informar aos investigadores que Augusto estava há tempos
ausente do confessionário, não frequentava as missas com a mesma devoção de sua
família e que já havia comunicado suas preocupações a seu respeito para seus
superiores da Igreja, mas que, por tê-lo em grande estima desde a meninice, não
esperava que tentasse incendiar "a casa sagrada de Nosso Senhor". Ele relata que
impediu um estrago pior, porque pegou Augusto em flagrante, de olhos vidrados e
totalmente ensandecido, jogando velas acesas contra cortinas e derrubando objetos do
altar. Por fim, conta que isso ocorreu à noite.

Conversar com a família de Augusto e com outros moradores da vila deve levar a mais pistas:
● (Aviso: cuidado com gatilhos) Augusto deixou de visitar a família há bastante tempo,
desde que alforriou a jovem Aduke, com quem se "amasiou", para decepção total de
sua mãe e ira de seu pai. Eles demonstram severo ressentimento da "negrinha", que
acusam de praticar "magia negra". Os pais ficaram extremamente envergonhados pelo
filho ter se recusado a casar “com uma mulher de bem portuguesa, como deveria”
● Contam na Vila que Augusto vivia como explorador aventureiro, carreira que lhe rendeu
alguma fortuna.
● Augusto vivia com a moça Aduke fora da vila, na mata, num lugar desconhecido de
todos.
Será preciso alguma investigação e rastreamento para encontrar o casebre onde Augusto
morava com Aduke. O Mediador pode incluir algum combate com criaturas da mata, se assim
desejar, para entreter jogadores que apreciem uma peleja. De todo modo, a viagem até o lar de
Augusto e Aduke não demora muito. Se lá chegarem durante o dia, encontrarão a moça
ninando um menino de cerca de seis meses no colo - Augusto não está. Ela não se mostrará
involuntária a conversar, mas estará bastante amedrontada e desconfiada.

Se questionada, Aduke alega que só percebeu que havia algo errado com o seu amado
quando soube que atacou Kayin (ela se refere ao escravo por esse nome) e que tentou impedir
que fosse à cidade na noite em que tentou atear fogo na igreja, mas ele estava fora de si.
Nesta tarde, temendo ele próprio pela segurança de Aduke, embrenhou-se na floresta, sem
que ela conseguisse segui-lo.

Aduke não fala de modo alterado, com o sotaque tipicamente visto nos africanos que são mal
ensinados sobre o português. Isso é resultado da sua relação com Augusto, que tem dado
aulas a ela desde que se conheceram, quando ela era escrava da casa de seu pai. Ela não
revelará, a menos que isso se torne necessário em algum momento, mas sabe também
escrever.

Se a conversa com Aduke não convencer aos participantes, pode ser que queiram investigar
mais. Encontrarão na casa, se vasculharem, um baú, contendo roupas, equipamentos, armas e
moedas (o Mediador pode estipular, mas não é pouco. De todo modo, Aduke ficará ofendida
pela investigação). Também acharão algumas velas e estatuetas de santos de madeira.

Se quiserem levar Aduke, por qualquer razão, à cidade, ela se resignará, aceitando a afronta
com orgulho. "Quem não deve, não teme", dirá, mas pedirá, em nome de tudo quanto é
sagrado, que não maltratem seu filho, o pequeno Mário. Por outro lado, se deixada em paz, e
se os personagens demonstrarem empatia com ela, implora, na despedida, que encontrem seu
amado e o salvem, pois algo está errado com ele.

Segunda Parte - Surpreendentes reviravoltas e o


confronto com o sobrenatural
Se forçarem Aduke a ir à vila, como prisioneira ou não, os aventureiros serão atacados na trilha
por um Chibamba, que causará uma confusão para permitir a Aduke que fuja com o filho, então
ele próprio sumirá. Outra possibilidade é o ser sobrenatural tomar o pequeno Mário para si e
deixar que os personagens levem Aduke. Já na cidade, Aduke será levada à Câmara, onde o
Capitão de Quarteirão deve interrogá-la acerca do paradeiro de Augusto e seu envolvimento
em sua suposta loucura. Ela é acusada, conforme sugestão dos "sogros", de praticar feitiçaria
africana (ou magia negra) contra Augusto, o que negará veementemente.

Augusto aparecerá em plena praça a seguir, causando comoção na vila. Está armado e
ameaça matar alguém se não deixarem Aduke em paz (caso esteja presa), mas se entregará
em paz e suplicará por ajuda depois.

Os personagens terão direito de conversar com Augusto se assim quiserem. Ou o Mediador


pode criar essa situação. Ele dirá que não entende o que lhe aconteceu, mas não estava no
controle de suas próprias ações, quando cometeu todos os crimes em que esteve envolvido
recentemente. Ele pede ao grupo que descubram se está amaldiçoado e se isso pode ser
revertido.
Augusto defenderá apaixonadamente Aduke de qualquer acusação. Diz que é uma moça
incrível, gentil, esperta e carinhosa. Que sim, crê em deuses de uma maneira diferente da
Cristã, mas não pratica o mal, nem tem quaisquer poderes. Conta que fugiu da vila para a
mata, afastando-se de sua família e do convívio com o povo para proteger sua amada do ódio
contra sua cor e seus costumes. Se questionado, Augusto consegue lembrar de que sua
cabeça pareceu ter sido afetada depois de encontrar o túmulo falso da jovem Lucena Maria de
Cássia Borba, a quem tinha sido prometido como noivo por seus pais, enquanto caçava javalis.
Ele apontará onde localizar o túmulo, nas proximidades da estância de sua família. Por fim, se
tiver sua confiança conquistada por uma conversa gentil e amistosa, Augusto pode responder,
caso perguntem, sobre sua relação com Jacinto/Kayin: ele é irmão da Aduke, mas isso tem
sido mantido em segredo, pelo próprio bem dele. Augusto pretendia comprá-lo para também
dar-lhe alforria e empregá-lo como ajudante futuramente.

No caso de o grupo não ter mais se interessado por Augusto e sua história depois de ele ter se
entregado, serão procurados mais tarde pelo pároco, que contará que ouviu às súplicas de
Augusto por ajuda e tudo que ele tinha a contar (mas não a parte sobre Kayin). O padre pede
aos aventureiros que investiguem o túmulo falso da jovem Lucena Maria, onde foram
enterrados apenas seus pertences.

É interessante que o Mediador construa a cena a seguir no período da noite, para ter um clima
mais assustador. Os personagens chegarão ao túmulo em cerca de uma hora. Ele está
localizado numa parte afastada da fazenda da família de Augusto. Logo que chegarem,
perceberão que o túmulo foi aberto, escavado, e encontra-se vazio: os pertences de Lucena
Maria, um rosário e uma tiara, foram tirados dali. Uma Façanha intermediária de Rastreamento
permitirá identificar pegadas de pés pesados recentes, indo na direção da mata.

Seguindo o rastro, o grupo se depara com uma imagem fantasmagórica de uma moça, com o
rosto agonizante e gritando, chorosa, frases entrecortadas. Sua figura surge e desaparece sob
a luz da lua cheia, nem sempre no mesmo lugar, mas sem se afastar dos personagens.
“Não consigo seguir…. Preciso encontrar…. Meu corpo…
Não foi embora! Maldita! Levou tudo! Está na mata!...”

O fantasma de Lucena Maria não é capaz de atacar e também não pode ser ferido por armas e
ataques normais. Está presa ao mundo, desesperada. O enigma de suas mensagens é bem
simples, mas pode ser que os personagens não o compreendam de imediato. Há duas partes:
a primeira se refere ao seu corpo, que ela deseja encontrar, para então ter alguma chance de
se livrar da maldição de ser um espírito vagante. A segunda trata sobre sua velha aia, a
senhora Catarina Vila Braes, que a fantasma acusa de ter levado seus pertences e estar
escondida na mata, pois não foi embora de São Vicente, como parecia.
Terceira Parte - A Bruxa Vingadora
Catarina Vila Braes, uma senhora de aspecto envelhecido e obesa, letrada e muito educada,
serviu à família de Lucena Maria de Cássia Borba por mais de uma década, em Portugal, tendo
sido enviada para o Brasil para acompanhar a jovem, que estava prometida em casamento
para um moço de boa família. Estava contente e esperançosa com o futuro da moça, a quem
se dedicava fielmente. E tudo foi abaixo, para sua completa consternação.

O que ninguém sabia é que a aia era uma bruxa, bastante experiente e ardilosa, que estava
fugindo de perseguidores europeus e pretendia controlar a família do noivo, através de seus
poderes, assim que o casamento acontecesse. Com a não realização da união dos jovens e o
sumiço de sua protegida, decidiu arruinar a reputação de Augusto - já prejudicada por ter se
unido com uma ex-escrava - com feitiços capazes de controlar sua mente.

Suas ações pareciam aleatórias, mas foram bem calculadas: o cão que foi morto tinha sido
capaz de identificar o seu alter-ego maligno e a havia atacado dias antes; as galinhas foram
necessárias para um ritual de feitiçaria; Jacinto havia tentando ajudar Augusto, quase tirando-o
do estado de hipnose; e a igreja seria, obviamente, um obstáculo ao poder da bruxa.

No fim da tarde, a bruxa desenterrou os pertences da sua protegida para poder usá-los como
foco de um feitiço de busca, na tentativa de encontrar o corpo da jovem. Desde tal momento, o
fantasma da moça aparecera e estava tentando seguir a aia mata adentro, o que não
conseguia, por razão desconhecida.

Se conseguirem seguir a trilha da aia - o que pode ser feito, mesmo que não imaginem ser ela
quem estão procurando - não vão demorar a encontrá-la, bastando serem bem-sucedidos
numa nova Façanha de Rastreamento.

A bruxa será encontrada no meio de um lodaçal entre as árvores da mata, diante de uma
espécie de cabana de vinhas secas e espinhosas. Tomou sua verdadeira forma, um arremedo
horrendo, cheio de pústulas e escamas, de si mesma.

Catarina Vila Braes, Velha Bruxa


Tamanho: H
Movimento: 3
Habitat: variável
Número: Única
Habilidades: Furtividade 1, Comida Silvestre 1, Medicina de Campo 2, Fauna Silvestre 1,
Folclore 2, Herbalismo 2, Persuasão 2, Bonecaria 3, Humanidades 2, Português 2, Latim 2,
Fôlego 2, Fraqueza 2, Controle da Natureza 2, Amedrontar 2 (pelo olhar, um alvo por vez),
Encantar 2 (pelo toque, um alvo por vez)
Ataques: Armas de Sopro 1, Garras 2
Dano: 1 + veneno (Zarabatana) ou 2 Garras
Defesas Passiva/Ativa: 0/2
Resistência: 10; sofre metade do dano de armas comuns.

Se ameaçada, a bruxa oferecerá resistência, enraivecida por ter sido descoberta e desejosa de
fazer dos personagens uma “prova de seu poder”. Não deve ser uma luta fácil, mas não é
impossível derrotá-la. Obviamente, há duas possibilidades de vencê-la: capturá-la ou matá-la.

Em ambas as situações, os participantes podem ter a oportunidade de vasculhar seus


pertences pessoais e tudo o que estiver guardando na sua cabana. Dentre outras coisas, o
refúgio da bruxa guarda um pequeno caldeirão de barro, frascos de elixíres e ingredientes para
poções e venenos, pedaços de animais (asas de morcego, sapos mortos com a boca
costurada, ratos sem cabeça, etc), bonecos de pano rasgados, novelos de lã e agulhas, e
quaisquer outras coisas que o Mediador conseguir imaginar como parte de um lar de uma
pessoa má, mesquinha, inescrupulosa e dona de poderes incompreensíveis de bruxaria.
Consigo, carrega a tiara da jovem Lucena e, numa caixa de madeira, o rosário da moça.

Consequências e Conclusões
Se a bruxa for levada como prisioneira à Câmara ou ao Oficial de Quarteirão, será interrogada
e confessará seus motivos e ações, alegando até que não tem nada a perder e que sua morte
não será o fim. Por outro lado, se prova de sua morte for entregue às autoridades, será preciso
um discurso convincente para desviar a culpa de tudo de Augusto e, principalmente, de Aduke
para a verdadeira autora dos crimes.

Com tudo resolvido, a família de Augusto até pode ser convencida a se desculpar pelas
acusações feitas à jovem companheira do filho, mas apenas agradecer às ações do grupo é
muito mais fácil.

O corpo de Lucena ainda está desaparecido e seu espírito suplica por resposta. O Mediador
pode usar isso para criar uma nova história.

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