Resumos - Epistemologia

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Esquematização - Senso Comum e Conhecimento Científico

 1. Diversidade de Saberes

O ser humano é um ser dotado de capacidade para organizar e interpretar os estímulos que recebe do mundo
exterior. Estes estímulos são organizados internamente num contínuo a que chamamos experiências de vida. No
entanto, para que algo se constitua verdadeiramente como uma experiência é necessário que aquilo que vivemos (ou
experimentamos) se torne algo significativo, isto é, seja destacado do fluxo dos acontecimentos quotidianos e possa
mais tarde ser recordado e referido como tal, permitindo-nos também relacionar esta experiência com outras. Para
que haja uma efetiva experiência é, pois, necessário que esta seja objeto de uma reflexão, dando assim origem
a saberes baseados em experiências significativas. 

É fácil perceber que os saberes práticos, como o saber fazer algo, estão ligados a experiências. Existem todavia
outros saberes, como os chamados saberes teóricos  (ciência, filosofia, etc), cuja ligação à experiência nem sempre
é tão evidente, mas não deixam de ser igualmente importantes.  O progresso das sociedades humanas assenta neste
conjunto de saberes que foram sendo criados, acumulados e transmitidos ao longo das sucessivas gerações.   O termo
“saber” é utilizado frequentemente como sinónimo de conhecimento, e aplica-se a uma multiplicidade de saberes:
saber vulgar, saber científico, saber filosófico, saber religioso, etc.

2. Conhecimento Vulgar (Senso Comum). Este é o nível mais básico do conhecimento constituído a partir da
apreensão espontânea e imediata da realidade.

2.1. Caracterização do senso Comum. O nível mais elementar de conhecimento designa-se por senso comum ou
conhecimento vulgar: Características básicas:

a) Saber Imediato. Nível mais elementar do conhecimento baseado em observações ingénuas da realidade. Está
frequentemente ligado a resolução de problemas práticos do quotidiano.

b) Saber Subjetivo. Construído com base em experiências subjetivas.

c) Saber heterogéneo. Resulta de sucessivas acumulações de dados provenientes da experiência, sem qualquer
seletividade, coerência ou método. Trata-se de uma forma de saber ligado ao processo de socialização dos
indivíduos, sendo muito evidente a influência das tradições e ideias feitas transmitidas de geração em geração.  

d) É formulado na linguagem vulgar frequentemente ambígua. 

e) Saber Não Crítico. Conhecimento pouco generalizador. 

Qual a relação entre o Senso Comum e o Conhecimento Científico?

O conhecimento científico resulta da investigação reflexiva, metódica e sistemática da realidade. Ele transcende os
factos em si mesmos, procura descobrir as  relações que estes possuem entre si, de forma a conhecer leis, normas ou
regularidade nas suas variações. O objetivo é construir uma teoria explicativa dos fenómenos que seja verificável, e
se possível capaz de determinar as leis gerais que regem a sua produção (previsibilidade). O conhecimento científico
pode ser caracterizado do seguinte forma:

Conhecimento Lógico

A observação racional e controlada dos fenómenos;


A interpretação e explicação adequada dos fenómenos;

A verificação dos fenómenos, positivados pela experimentação e observação;

A fundamentação dos princípios de generalização ou o estabelecimento dos princípios  e das leis;

A ciência apresenta-se, nesta dimensão, como um conjunto de proposições ou enunciados, que podem ser
organizados de forma hierárquica, dos mais elementares para os mais gerais e vice-versa. Em sentido
ascendente, a conexão é estabelecida por induções e a descendente por deduções.

Conhecimento sistemático

O conhecimento científico apoia-se num sistema de ideias interligadas de forma lógica. Cada ciência
possui um conjunto de princípio fundamentais adequados ao estudo de um dado campo de pesquisa, e que
suportam uma teoria ou teorias particulares. 

Estas teorias não resultam de uma simples acumulação de factos e explicações, mas são o produto de
acumulações seletivas. Os novos conhecimentos tendem a substituir os anteriores que são abandonados.
Cada ciência apresenta-se constituída dos seguintes elementos:

Sistema de referências: conjunto de definições de conceitos que se interligam de um modo ordenado e


completo, segundo uma diretriz lógica.

Teoria ou teorias, com hipóteses explicativas dos fenómenos que são objeto de estudo.

Fontes de informação próprias;

Quadros explicativos das propriedades relacionais dos fenómenos.

 Modelos e paradigmas que permitem captar e apreender os factos observados de forma sistemática, e 
nos fornecem uma dada interpretação e explicação dos objetos em estudo.

Conhecimento Verificável

Todo o conhecimento científico é falível, isto é, só é válido enquanto não for refutado pela experiência.
Nenhuma experiência nos garante que um dada teoria é verdadeira, mas apenas se a mesma é ou não
refutável. Se não o for, podemos admiti-la como verdadeira num dado contexto histórico. Neste sentido, o
conhecimento científico não se assume como absoluto, mas apenas como progressivo. O novo
conhecimento científico só pode ser considerado como tal, após a sua aprovação consensual pela

3. Tese da Continuidade
Defende que a diferença entre o senso comum e o conhecimento científico reside no grau de profundidade como
analisam as coisas. A função da ciência está em depurar, corrigir e melhorar o senso comum. 

Karl Popper (1902-1994). O Senso Comum é o ponto de partida para qualquer tipo de conhecimento, embora seja
inseguro. 

"Toda a ciência e toda a filosofia são senso comum esclarecido". Karl Popper, in Conhecimento Objetivo.  

A evolução do conhecimento faz-se através de um processo de contínuas correções e aperfeiçoamentos. 

4. Tese da Rutura

Defende a uma clara distinção entre os dois tipos de conhecimento, nomeadamente quanto à sua natureza. 

Platão  (séc. IV a.C.) mostrou que o senso comum, apoiado na experiência sensível, não permite chegar ao
verdadeiro conhecimento, ao qual só podemos aceder através da Razão.

Descartes  (Séc. XVII) colocou em causa os dados dos sentidos, afirmando que só podemos confiar na Razão para
atingirmos o verdadeiro conhecimento.

Gaston Bachelard  (1884-1962). Embora considere que na base de todos os níveis de conhecimento esteja o senso
comum, encara-o como um "obstáculo epistemológico". A Ciência desenvolve-se através de um processo de
contínuas ruturas com o senso comum.

"Pareceu-nos sempre cada vez mais evidente, no decorrer dos nossos estudos, que o espírito científico
contemporâneo não podia ser colocado em continuidade com o simples senso comum, que este novo espírito
científico representa um jogo mais arriscado, que ele formulava teses que, inicialmente, podem chocar o senso
comum. Nós acreditamos, com efeito, que o progresso científico manifesta sempre uma rutura perpétuas ruturas
entre o conhecimento comum e conhecimento científico, desde que se aborde uma ciência evoluída, uma ciência
que, pelo próprio facto das suas ruturas traga a marca da modernidade. (...) Podemos, pois, colocar a
descontinuidade epistemológica em plena luz. (...) A própria linguagem da ciência está em estado de revolução
semântica permanente. (...) Uma constante transposição da linguagem rompe então a continuidade do pensamento
comum e do pensamento científico". (Bachelard, Materialismo Racional.)

- Obstáculos Epistemológicos.

O progresso da ciência está dependente da identificação dos obstáculos que a impedem de progredir. O erro é o
verdadeiro motor do conhecimento. A primeira tarefa do cientista está em identificar erros, tais como: 

a) Ideias que foram adotadas só porque confirmavam conhecimentos dados como adquiridos;

b) As primeiras impressões das coisas que antecedem uma análise crítica das mesmas;
c) As metáforas, as imagens e a vulgarização, simplificação e generalização de conhecimentos científicos, que
deformam ou deturpam a explicação das relações entre os fenómenos.

- Conhecimento progressivo. 

O conhecimento científico resulta de uma constante retificação de um conhecimento primário, que pode não passar
de um erro primário. Cada retificação implica deformar os conceitos anteriores, para abranger novas experiências. O
progresso científico faz-se, desta forma, por uma permanente substituição de conceitos antigos por novos conceitos
deformados, mas mais abrangentes. O avanço dá-se todavia nesta substituição do novo (construído) pelo antigo
(dado).

"A retificação é uma realidade, ou, melhor, é a verdadeira realidade epistemológica, já que é o pensamento em ato,
no seu dinamismo". (Bachelard, Ensaio sobre o conhecimento Aproximado)

É neste quadro que se insere o seu conceito de rutura epistemológica.  A ciência é um conhecimento aproximado,
não rigoroso ou absoluto.

5. Ciência e Sociedade 

A complexidade atingida pelo conhecimento científico nas nossas sociedades tem provocado um progressivo
afastamento do mesmo da maioria da população. As questões científicas, devido à linguagem com que são
formuladas, tornaram-se de difícil compreensão para os não iniciados.  Esta ignorância tem permitido que todo o
tipo de charlatões possam, em nome da Ciência, produzir as mais distorcidas explicações sobre a realidade. A única
forma de ultrapassar este fosso entre a Ciência e a população é promover uma sólida cultura científica, envolvendo
na divulgação os próprios cientistas.
Procura descobrir as características comuns dos
Finalidade fenómenos da mesma espécie e as condições e
regularidade da sua ocorrência (causalidade).

Explicação Apresenta os "porquês" das relações entre


os fenómenos estudados. 

Sistema de referências
Sistematização Teorias e hipóteses explicativas
Fontes de Informação

Acumulação Enriquecimento contínuo através de novos


conhecimentosA acumulação é feita de
forma selectiva.
Testagem da consistência empírica de um
Verificação teoria, hipótese ou afirmação.

Conhecimento assumido como falível, mas


Falibilidade também como progressivo.

A questão da objetividade científica


Pensou-se durante muito tempo que aquilo que distinguia a ciência das demais formas de
saber era a objetividade, a neutralidade e a absoluta imparcialidade por parte do cientista na
execução do seu trabalho.

Como complemento da visão da ciência, estava o recurso a instrumentos de observação e


medida que tornariam a investigação e as teorias mais precisas, rigorosas e objetivas.

Contudo, as posições recentes sobre a atividade científica, sobre o modo como se faz ciência
mostram-nos que ela faz parte da sociedade e, como tal, é inevitavelmente influenciada por
questões de ordem política, financeira, dependendo muitas vezes de investimentos e
financiamentos que direcionam a investigação para determinados fins.

Há fatores de ordem ideológica, económica, estética que acabam por condicionar o trabalho
do cientista e, ao mesmo tempo, mostram-nos que a ciência é um trabalho contextualizado
histórica e culturalmente, é uma atividade interessada, situada, não neutra.

As respostas de Popper e de Kuhn ao problema da objetividade:

Karl Popper Thomas Kuhn


O investigador é um sujeito crítico, ativo e A ciência é sempre um trabalho de sujeitos
criativo, mas comprometido com um quadro influenciados pelo contexto (Paradigma) em
teórico de referência ao seu trabalho. que se movimentam.

A falsificabilidade é o critério de A intersubjetividade é uma característica da


cientificidade das teorias, e ciência: os cientistas argumentam, discutem,
consequentemente da objetividade, é uma escolha que decorre de várias
garantindo-lhe um carácter testável e subjetividades.
universalizável.
É uma objetividade fraca e pouco
comprometida, pois a incomensurabilidade
dos paradigmas mostra que a ciência não
parece aspirar a uma verdade cada vez mais
absoluta e certa, mas diferente e que,
portanto, o conhecimento é relativo.

Independentemente das diferenças que separam estes e outros pensadores, muito


contribuíram para a desconstrução da conceção tradicional de racionalidade científica baseada
na noção de

*objetividade
*neutralidade Positivistas e neopositivistas
*verdades absolutas e universais Cientismo
*demonstração

Porém, a ciência pós-moderna, associada em boa parte à teoria da Relatividade de Einstein e


ao princípio da Incerteza de Heisenberg vêm mostrar que a posição positivista se esgotou,
pelo que é preciso uma redefinição da racionalidade científica.

Intersubjetividade

Influência do contexto
Ciência A verdade é relativa e
dependente da maior ou
cultural, económico,
psicologico, histórico e social. pós menor verosimilhança
das teorias.

moderna

A ciência é uma entre as muitas formas possíveis de conhecer a realidade, pelo que, na verdade,
não há uma, mas muitas realidades, tantas quantos os “olhos” de quem as vê.
Positivismo e Neopositivismo Karl Popper Thomas Kuhn
O conhecimento científico resulta do Ciência é conjetural; a validação das A ciência faz-se por revoluções; a validade das teorias depende do
Principais método indutivo; o critério de validação conjeturas deve passar por um processo de paradigma científico vigente; a escolha de teorias rivais depende de
Pressupostos é s verificação e confirmação falsificação; a ciência é uma aproximação de fatores objetivos e subjetivos.
experimental. verdade, as teorias são verosímeis.
O cientista é entendido como um sujeito O investigador é encarado como um sujeito O cientista não é um sujeito neutro ou isolado e os fatos não são puros.
neutro, os seus interesses pessoais, os ativo, comprometido com o seu trabalho e Sujeito e objeto são sempre contextualizados. A atividade científica
seus valores, crenças e gostos tem de ser com o mundo, os seus interesses, valores, desenvolve-se por referência a uma determinada visão dominante. Esse
postos de parte para que possa
crenças e preferências interferem no seu paradigma impõe-se à comunidade de investigadores, pois representa um
O cientista é desenvolver o seu trabalho de
investigação. Os fatos são encarados trabalho sobre a escolha de teorias e sobre as critério de verdade, é verdadeiro aquilo que se adapta aos esquemas
objetivo no seu decisões a tomar; os fatos não são brutos ou explicativos, concetuais e teóricos daquele paradigma. A verdade e a
trabalho de como fatos brutos, susceptíveis de serem
descritos de forma exata e rigorosa. O puros, sofrem com a interpretação que o objetividade das teorias científicas são sempre relativas ao paradigma em
investigação e
construção de método científico, baseado em sujeito deles faz. O cientista é dotado de uma que se inserem. No trabalho de criação e justificação das teorias
teorias? observações e experimentações que imaginação criativa e de um sentido critico científicas estão presentes fatores objetivos e subjetivos: para além, dos
confirmam sempre os mesmos dados, perante a realidade. As teorias científicas são pressupostos do paradigma, o investigador é influenciado pela sua
bem como o recurso à medição e à
construções hipotéticas, conjeturas mais ou personalidade, pelas suas crenças, e valores, cultura e contexto social e
experimentação, garantem a objetividade
do trabalho científico. As teorias menos complexas que permitem explicar a preferências pessoais.
científicas são vistas como construções realidade de uma forma mais ou menos
lógicas que refletem a própria coerência próxima da verdade.
do universo.
A ciência adquire o estatuto de Para Popper a verdade objetiva tem total A verdade e objetividade das teorias estão dependentes do paradigma em
conhecimento verdadeiro, imparcial, correspondência com os fatos. A ciência, vigor. Dada a incomensurabilidade entre paradigmas, não é possível
objetivo e capaz de descrever e explicar como resultado de uma atividade conjetural, classificar um paradigma como mais verdadeiro ou objetivo que outro.
apenas se pode aproximar da verdade. Estas
o mundo tal como ele é. A ciência Os paradigmas diferem entre si qualitativamente. Para a aceitação de um
conjeturas devem ser postas à prova por
consagra-se como modelo e matriz da intermédio do processo falsificacionista, de novo paradigma é exigível o recurso à argumentação, o que implica a
racionalidade, assumindo se como modo que não se atingem certezas. A ciência presença de elementos subjetivos. Os cientistas devem convencer os seus
Estatuto da ciência referência cultural da modernidade, pares da razoabilidade e plausibilidade da sua teoria recorrendo a
não é plenamente objetiva nos sistemas
veiculando ideais de certeza, de teóricos e concetuais que propõe sobre o processos argumentativos que implicam o recurso a metáfora, exemplos,
evidência e de verdade. mundo – é apenas uma aproximação da analogias, etc.. A ciência é mais entendida como um jogo de
objetividade e da verdade e as suas teorias são subjetividades – intersubjetividade –do que como produtora de
verosímeis, isto é, aproximam-se da verdade
conhecimento objetivo.
objetiva.

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