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trabalho • Apreciação crítica Domínio Domínio
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Apreciação crítica
Lê o artigo de apreciação crítica sobre o livro de Gonçalo Tavares, Uma Viagem à Índia.

Anti-Camões
Uma antiepopeia brilhante mas programática. PEDRO MEXIA
UMA VIAGEM À ÍNDIA | Gonçalo M. Tavares | Caminho

Ambição nunca faltou a Gonçalo M. Ta- Que “epopeia” é


vares, nem confiança nas suas capacidades, e 35 então Uma Viagem à
por isso ninguém estranha esta ideia ou-sada: Índia? O protagonista
um romance em verso que parodia Os [Bloom] viu a sua vida
5
Lusíadas. despedaçada por causa
Convém no entanto desfazer equívocos de um duplo homicídio
sobre o uso do verso e da paródia1. 40 (um que sofreu, outro
Embora o texto esteja dividido em cantos que praticou) e decide
(dez), estrofes e versos, não existe rima nem viajar para longe, em
10 qualquer esquema formal estrito. E a escrita busca de sabedoria e
não é especificamente “poética”, exceto esquecimento.
nalgumas passagens. Percebe-se a intenção de 45 É uma fuga com carácter pedagógico:
recorrer ao verso para glosar o género épico, “encontrar a sabedoria enquanto foge; fugir
mas não é um estratagema indispensável. enquanto aprende”. Escolhe como destino a
15 Quanto ao elemento paródico, ninguém Índia, civilização antiga e distante. Mas vai
imagine que se trata de um pastiche 2 ou de para a Índia lentamente e em força, convicto
50
terrorismo cultural. Tavares quer sobretudo mas demorado, passeando-se primeiro por
retomar a noção de epopeia, vista agora de várias capitais europeias. […]
forma irremediavelmente distópica3. De Os Antes de encontrar o caminho aéreo para a
20 Lusíadas pouco mais existe neste texto do que Índia, Bloom vai perceber, em diversas
a ideia vaga de uma “viagem à Índia” e umas cidades, que a Humanidade é igual em toda a
quantas citações. 55 parte. O pessimismo antropológico5, de
Se as primeiras páginas do texto soam Gonçalo Tavares é intenso, e não dá tréguas, e
quase épicas, com a evocação das grandezas por isso Bloom vê-se repetidamente amea-
25 do mundo, logo somos informados de que não çado, traído e roubado, ninguém parece ser de
haverá aventuras, prodígios ou milagres. Uma confiança, e o dinheiro é o único valor
60
Viagem à Índia não tem a abundância universal. […]
narrativa camoniana nem o tom exaltado, nem Os “perigos” que Bloom enfrenta não
as alusões religiosas ou mitológicas; mais constituem os clássicos perigos de uma
30 importante, só por ironia é que se chama ao epopeia, são apenas catástrofes patéticas 6.
protagonista deste romance um “herói”, Quando finalmente chega à Índia, Bloom
porque Tavares recusa toda e qual-quer 65 encontra de novo a deceção, a barbárie, o
empatia4. desconcerto do mundo.

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Ficha de trabalho • Apreciação crítica Domínio Leitura

Regressa a casa, melancólico. E em vez de progresso ético. E que a natureza vença


aprender com o sofrimento, cai de novo no 90 sempre a cultura.
tédio. Trata-se, como sempre em Tavares, de um
70 […] O motor de uma antiepopeia há de ser texto inteligente, brilhante mesmo, mas
de algum modo semelhante ao da epopeia, ou totalmente dominado pelo “espírito abstrato e
seja, aquilo a que chamamos a “ação”. Um o devaneio”. […] A experiência humana é tida
romance não tem que “contar uma história”, 95 como inútil, porque nunca nos ensina nada que
mas uma variação sobre a epopeia dificilmente não soubéssemos já, e nesse sen-
75 dispensa a narrativa. tido Gonçalo Tavares não é um super-Camões
[…] Uma Viagem à Índia ocupa supostamente mas o anti-Camões. […]
meses e usa uma linguagem seca. Em 450 Tavares acredita numa escrita ficcional
páginas, há, em vez de ação, conversas, 100 ensaística e feita de “forças”, mais
divagações, aforismos7, quase sempre materialistas do que psicológicas, e a
80 estimulantes, mas sem vislumbre de tensão observação dessas forças, em contexto de
narrativa. E isso até numa antiepopeia faz negrume existencial, é notável em Jerusalém
falta. (2004) e nos outros romances; em Uma
Conhecemos o estilo sentencioso de 105 Viagem à Índia, a ambição é grande, o talento
Gonçalo Tavares: deduções, paradoxos, também, mas Tavares recusa qualquer ideia de
85 tautologias8, uma espécie de pensamento em aventura, sabe à par tida o que vai encontrar, e
constante expansão perifrástica9. […] isso desaconselha uma viagem. Nesse sentido,
Uma Viagem à Índia lamenta que o Tavares é também o seu próprio velho do
progresso material não seja acompanhado de 110 Restelo.
MEXIA, Pedro, 2010. “Anti-Camões”. Ípsilon (Público), 22 de outubro de 2010 (p. 42)

1. imitação de um texto literário, de uma personagem ou de um tema, com propósitos irónicos ou cómicos; 2. [do francês] imitação
ou decalque de uma obra literária ou artística, frequentemente com objetivos satíricos ou humorísticos; 3. que se caracteriza pela
representação ou descrição de uma sociedade futura marcada por condições de vida alienantes ou extremas, que tem como
objetivo criticar tendências da sociedade atual; 4. identificação; 5. relativo ao homem; 6. irrelevantes; 7. preceitos morais, máximas;
8. repetições de ideias, usando palavras diferentes; 9. relativo à perífrase: exprimir por muitas palavras o que podia ser dito em
menos.

1. Um texto de apreciação crítica deve incluir a descrição sucinta do objeto em análise e o


comentário crítico sobre o mesmo.
1.1. Verifica se tal estrutura se concretiza no excerto em análise, recorrendo a passagens
textuais para comprovar a tua resposta.
2. Identifica momentos em que o autor faz apreciações pessoais sobre o livro em análise.
2.1. Refere a(s) classe(s) de palavras predominante(s) nessas passagens e justifica a sua
utilização, atendendo à natureza e ao objetivo do texto.
3. Sintetiza a opinião de Pedro Mexia relativamente ao livro sobre o qual escreve.
4. Atendendo às referências ao texto camoniano ao longo da apreciação, estabelece uma relação
entre a obra de Gonçalo Tavares e a epopeia, destacando os aspetos em que as duas se
aproximam e/ou se afastam.
5. Tendo em conta a leitura que fizeste do texto, justifica o seu título.

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