Ética Epicurista e Questões
Ética Epicurista e Questões
Ética Epicurista e Questões
Epicuro
2.3.1. Epicurismo
65Epicuro. In: Laertios, Diogenes. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Brasília:
Editora da UnB, 2008, p.312.
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Com efeito, a partir dessa caracterização geral, percebemos um
aspecto materialista na ética epicurista. Não apenas isso; aqui
podemos falar (diferentemente do que ocorria com Platão e Aristóteles
quando tratávamos da felicidade) em um hedonismo. Além disso,
enquanto em Platão e Aristóteles vemos o papel da vida social,
comunitária, na busca pela felicidade, aqui o sujeito priorizará a
solidão. Em verdade, segundo Epicuro, o sábio “não participará da
vida política”66. Por essa razão, o epicurismo “vai desembocar num
individualismo hedonista, onde o futuro deve deixar o homem tão
indiferente como a inanidade do além”67. Apesar das significativas
diferenças entre Epicuro e os filósofos vistos nos capítulos anteriores,
cabe observar que há alguns pontos em comum. Por exemplo,
também Epicuro considera que a arete (virtude) humana está ligada a
uma atividade que é peculiar ao humano. A virtude é também para
Epicuro um “bem específico” que conduz à felicidade (afinal, também
ele está preocupado com o “bem viver”). Todavia, a diferença é que
em Epicuro a natureza humana é material. Logo, seu fim também será
material. Alma e corpo são, para Epicuro (que quanto a esse ponto se
66 Epicuro. In: Laertios, Diogenes. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Brasília:
Editora da UnB, 2008, p.310.
67 Brun, Jean. O Epicurismo. Lisboa: Edições 70, 1987, p.97. Isso está diretamente
ligado ao contexto em que surgem teorias como a epicurista e a estoica: “As novas
condições impostas ao mundo grego tornam impossível a participação do indivíduo
no governo da polis, que o cidadão helênico conhecera sobretudo na fase
democrática. O conhecimento deixa de ser preparação para a atividade política (como
fora em Platão), passando a se ocupar do aprimoramento interior do homem.
Distanciada das preocupações políticas, a filosofia aspira ao estabelecimento de
normas universais para a conduta humana e se propõe a dirigir as consciências: o
problema ético torna-se o centro da especulação de diferentes correntes filosóficas. As
éticas helenísticas partem à procura do bem individual, de uma sabedoria que
represente a plenitude da realização subjetiva: o alcance da perfeita serenidade
interior, independente das circunstâncias. O bem não mais terá o sentido metafísico
do Bem de Platão, fundamento das ideias, dos modelos do mundo corpóreo, e,
consequentemente, sustentação tanto do sujeito do conhecimento e da ação quanto da
própria realidade objetiva. O bem das éticas helenísticas terá acepção estritamente
existencial: é o bem como sinônimo do que é bom para o indivíduo, para a vida de
cada homem” (“Estudo Introdutório”. In: Coleção Os Pensadores. Antologia de
Textos: Epicuro. Lucrécio. Cícero. Sêneca. Marco Aurélio. São Paulo: Abril Cultural,
1985, p.viii).
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inspira em Demócrito), agregados de átomos materiais. Assim, todo
prazer é, segundo Epicuro, físico, natural68.
Com efeito, embora a ética de Epicuro seja de cunho hedonista,
cabe notar que não se trata de um hedonismo vulgar. Embora a
felicidade seja identificada com o prazer, esse, aqui, é compreendido
como ausência de dor (aponia) e de inquietações (ataraxia). O
hedonismo de Epicuro é “de base empírica: o prazer é um bem
buscado pelos homens”.
Aqui há uma correlação com a sua teoria da sensação baseada
no atomismo: tal como a sensação é o critério da verdade,
assim também os movimentos ou experiências do prazer e da
dor, que são concebidos como tipos de deslocação atômica,
servem como critérios do bom e do mau, visto que o prazer é
aquilo que é natural, tal como o bem, enquanto a dor é
contrária à natureza, da mesma forma que o mal 69.
68 Não obstante, observe-se que ele não está promovendo os prazeres do corpo, mas
da alma. Algumas passagens de Epicuro, cabe reconhecer, quando tiradas de contexto,
levam a um equívoco, qual seja, o de pensar que ele está defendendo um hedonismo
vulgar. Fragmentos como o que se segue deram espaço para essa confusão: “A origem
e a raiz de todo o bem residem no prazer do ventre” (Epicuro apud Nizan, Paul. Os
Materialistas da Antiguidade. Lisboa: Editorial Estampa, 1977, p.134).
69 Peters, F.E. Termos Filosóficos Gregos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1983, p.98.
70 Peters, F.E. Termos Filosóficos Gregos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1983, p.98.
71 Peters, F.E. Termos Filosóficos Gregos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1983, p.98.
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cinético”, desprezando uma ideia mais “psíquica” de prazer, a qual
está expressa na ideia de “prazer estático”. Explicando essa distinção,
diz-nos Epicuro: “A ataraxia e a ausência de dor física são prazeres
estáticos, mas a alegria e a exultação são considerados prazeres activos
que implicam movimento”72.
Assim, conforme Epicuro, o prazer deve levar a alma à
tranquilidade. Nesse sentido, seria apropriado falarmos, aqui, em uma
espécie de ascese dos prazeres, em que haveria um primado dos
prazeres estáticos em relação aos cinéticos. Com efeito, em linhas
gerais podemos afirmar que o prazer é o ‘sumo bem’ segundo
Epicuro. O ponto é, segundo vemos, identificar o que Epicuro denota
com o conceito de prazer. E ele o faz a partir de uma divisão dos tipos
de desejos. Assim há desejos necessários e naturais, como o desejo por
alimento e bebida, bem como desejos naturais e desnecessários, como
o desejo por alimentos requintados. Por fim, há desejos que não são
nem necessários nem naturais, como o desejo por honras.
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estão restritos ao presente, os prazeres da alma tanto podem envolver
o passado, quando deles nos lembramos, como o futuro, quando os
pudermos antecipar mediante a expectativa. O limite supremo do
prazer será, conforme Epicuro, o prazer catastemático, isto é, a
ausência de dor. Ele representa a perfeição do prazer. A ascese e a
hierarquia entre os prazeres são deixadas evidentes por Epicuro
quanto ele afirma:
Quando dizemos, então, que o prazer é fim, não queremos
referir-nos aos prazeres dos intemperantes ou aos produzidos
pela sensualidade, como creem certos ignorantes, que se
encontram em desacordo conosco ou não nos compreendem,
mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimentos do corpo
e de perturbações da alma75.
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apesar de sustentar um modelo ético hedonista, mantém um ideal
ascético. É nesse sentido que ele afirma:
O prazer é nosso bem primordial e congênito, e partindo dele
movemo-nos para qualquer escolha e rejeição e a ele voltamos
usando como critério de discriminação de todos os bens as
sensações de prazer e de dor. Já que o prazer é nosso bem
primordial e congênito, também por causa dele não
escolhemos qualquer prazer, mas às vezes passamos sobre
muitos prazeres, quando são seguidos por um aborrecimento
maior [...]. Então todo prazer, por ter uma natureza condizente
conosco, é um bem, mas nem por isso todo prazer deve ser
escolhido77.
77 Epicuro apud Laertios, Diogenes. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Brasília:
Editora da UnB, 2008, p.312s.
78 Epicuro apud Laertios, Diogenes. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Brasília:
Editora da UnB, 2008, p.319.
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social, o que explica a afirmação “vive ignorado”79. A vida política
compromete a felicidade humana em virtude de promover a busca
pelo poder, pela fama, pela riqueza. Nesse sentido, diferentemente do
que ocorria na Academia platônica, a qual pretendia formar homens
políticos, o “jardim”80 de Epicuro pretendeu formar sujeitos que
reconhecessem que o caminho para a felicidade residia neles mesmos.
Assim, vemos que o epicurismo exorta a uma vida modesta, tranquila
e livre de desejos por excessos e coisas vãs. E isso tendo como
background algo comum à filosofia antiga, especialmente durante o
período helênico81, a saber, a ideia segundo a qual uma boa vida
(eudaimonia) é o telos de nossas ações. Colocado de outra maneira,
sempre que agimos, o fazemos com vistas a um bem. Essa é uma
formulação geral presente em diversos autores. O que muda é a forma
concreta desse bem. Em Epicuro, como vimos, a forma concreta da
felicidade, da boa vida, é o prazer (ele aproxima felicidade de prazer, o
que aponta para seu hedonismo). Mas, como vimos, tal prazer precisa
ser caracterizado para não o confundirmos com um prazer vulgar, o
que ocorreria em um modelo hedonista vulgar. Isso, como vimos, não
ocorre em Epicuro. Seu hedonismo é mais “puro”. Aqui prazer é
caracterizado a partir de outros conceitos: ataraxia e aponia. Além
disso, em comum com as outras escolas filosóficas do período
helênico, Epicuro está preocupado em ocupar a filosofia com a
questão sobre o que torna a vida digna de ser vivida, isto é, sobre
como ela nos auxilia na arte de bem viver. Por isso a sabedoria teórica
(sophia) é, aqui, colocada abaixo da sabedoria prática. Em verdade,
para Epicuro, ela pouco importa, pois mesmo um sujeito sem
formação poderia alcançar a quietude da alma (mediante a busca e o
fomento dos prazeres que nos afastam da dor e nos conduzem a um
estado de imperturbabilidade da alma).
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1. (ENEM/2014) Alguns dos desejos são naturais e necessários; outros,
naturais e não necessários; outros, nem naturais nem necessários, mas
nascidos de vã opinião. Os desejos que não nos trazem dor se não
satisfeitos não são necessários, mas o seu impulso pode ser facilmente
desfeito, quando é difícil obter sua satisfação ou parecem geradores de
dano
(EPICURO DE SAMOS. “Doutrinas principais”. In: SANSON, V. F. Textos de
filosofia. Rio de Janeiro: Eduff, 1974).
No fragmento da obra filosófica de Epicuro, o homem tem como fim:
A) alcançar o prazer moderado e a felicidade.
B) valorizar os deveres e as obrigações sociais.
C) aceitar o sofrimento e o rigorismo da vida com resignação.
D) refletir sobre os valores e as normas dadas pela divindade.
E) defender a indiferença e a impossibilidade de se atingir o saber.
6. (UFF 2010)
Filosofia
O mundo me condena, e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia.
a) Assinale a sentença do filósofo grego Epicuro cujo significado é o mais
próximo da letra da canção “Filosofia”, composta em 1933 por Noel Rosa,
em parceria com André Filho.
b) É verdadeiro tanto o que vemos com os olhos como aquilo que
apreendemos pela intuição mental.
c) Para sermos felizes, o essencial é o que se passa em nosso interior, pois
é deste que nós somos donos.
d) Para se explicar os fenômenos naturais, não se deve recorrer nunca à
divindade, mas se deve deixá-la livre de todo encargo, em sua completa
felicidade.
e) As leis existem para os sábios, não para impedir que cometam injustiças,
mas para impedir que as sofram.
f) A natureza é a mesma para todos os seres, por isso ela não fez os seres
humanos nobres ou ignóbeis, e, sim suas ações e intenções
7. (UFSM 2013)
A economia verde contém os seguintes princípios para o consumo ético de
produtos: a matéria-prima dos produtos deve ser proveniente de fontes limpas e
não deve haver desperdício dos produtos. O Estado, entretanto, não impõe, até
o presente momento, sanções àqueles cidadãos que não seguem esses
princípios.
Esses princípios são juízos de fato.
Esses princípios são, atualmente, uma questão de moralidade, mas não de
legalidade.
A ética epicurista, a exemplo da economia verde, propõe uma vida mais
moderada.
a) apenas I.
b) apenas I e II.
c) apenas III.
d) apenas II e III.
e) I, II e III.
8. (UNICENTRO 2011)
As principais escolas filosóficas, na Grécia Antiga, a partir do século III a.C., são
o estoicismo e o epicurismo, que buscavam a realização moral do indivíduo, e,
como quase todas as escolas da Antiguidade, concebem que o homem deve
buscar a sabedoria e a felicidade.
O princípio da ética epicurista está relacionado com a
a) atitude de desvio da dor e da procura do prazer, sendo que a concepção
do prazer é também espiritual e contribui para a paz de espírito e o
autodomínio.
b) ideia de que é pela razão que se alcança a perfeição moral e que centra
a busca dessa perfeição no amor e na boa vontade.
c) atitude de aceitação de tudo que acontece, porque tudo faz parte de um
plano superior, guiado por uma razão universal.
d) relação individual e pessoal de cada um com Deus, que é concebido como
o Criador onisciente e onipresente.
e) noção de que cada indivíduo pode escolher livremente entre se aproximar
de Deus ou se afastar Dele.
9. (UNIMONTES 2013)
Para Epicuro (341 – 270 a.C), a morte nada significa porque ela não existe para
os vivos, e os mortos não estão mais aqui para explicá-la. De fato, quando
pensamos em nossa própria morte, podemos nos imaginar mortos, mas não
sabemos o que é a experiência do morrer.
Epicuro lamenta que
a) as pessoas encarem a morte com coragem.
b) as pessoas amem a morte e a desejem.
c) as pessoas aceitem a morte como seu destino final.
d) a maioria das pessoas fuja da morte como se fosse o maior dos males.
I - O autoconhecimento.
II - O apoio à razão.
III - A recusa ao obscurantismo, crendices.
IV - Os homens seriam explicáveis racionalmente. Já os deuses seriam
serenos porque estariam distantes dos homens assim como estes no jardim se
distanciariam da polis para encontrarem a felicidade.
V - Os deuses não fazem a libertação do homem, mas o é o homem, que, no
jardim, se afastaria da turbulência da polis para encontrar a felicidade.
Assim, pode-se concluir que:
GABARITO
1:A - 2:C - 3:B - 4:D - 5:E - 6:C - 7:D - 8:A - 9:D - 10:A - 11:E - 12:B - 13:E