Aula 1
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Introdução
Nesta aula, apresentaremos o período medieval, entre os séculos V ao XV. Buscaremos
desconstruir a noção de que a Idade Média foi um período obscuro, reconhecido por elementos
negativos, especialmente no campo do conhecimento. Descreveremos uma concepção de Idade
Média ampliada, na qual a tradição bizantina e a tradição islâmica são incluídas.
Discutiremos sobre a distinção entre Filosofia e Teologia. Esse ponto é relevante para a História
da Filosofia Medieval, já que foi uma época marcada pela hegemonia da ideologia cristã e pela
expansão do poderio da Igreja católica, com o conhecimento produzido dentro do âmbito
sagrado.
Objetivos
Reconhecer os marcos cronológicos que marcaram o período medieval como organizações
didáticas construídas pelos historiadores;
Identificar as distinções e semelhanças entre Filosofia e Teologia, que aparecem de forma
imbricada durante o período medieval;
Descrever preconceitos em relação ao período medieval, estudando sua rica produção
cultural.
A divisão do tempo
Como todo recorte histórico, a Idade Média é uma abstração, realizada pelos estudiosos
para oferecer uma divisão do tempo em períodos históricos, com características próprias
que facilitariam o estudo e a compreensão pelos estudantes.
Contudo, sabemos que nenhum homem que viveu nos séculos IX ou XII se entendeu
como medieval, pois eles eram contemporâneos de seu tempo.
Esta última é a mais fácil de explicar, pois comporta o período atual, do qual somos
contemporâneos e, em virtude disso, não poderia receber outro nome, já que o tempo
ainda não operou o distanciamento necessário para que isso ocorra.
Para dar ênfase, procuraram se contrapor ao período anterior, que era retratado como
obscuro e intelectualmente pouco interessante. Ao mesmo tempo, os primeiros
humanistas se identificavam com a Antiguidade clássica greco-romana, que era alçada à
época de ouro da humanidade.
Construção da Idade Média
Essa perspectiva ganhou força durante o Iluminismo. Para os filósofos do século XVIII, a
Idade Média representava as principais características contra as quais buscavam se
opor:
Durante o Iluminismo, a perspectiva negativa sobre o período medieval ganhou força.
A partir do século XVIII, noções como obscurantismo, trevas ou declínio foram
associadas à Idade Média.
Esta associação foi tão eficaz e duradoura que é comum até os dias atuais a Idade Média
ser vista como um momento de decadência da história humana.
Entender que essa perspectiva faz parte de uma construção, que pode ser explicada do
ponto de vista da História é fundamental para desconstruirmos tal visão. A Idade Média,
como todos os demais períodos da História, foi rica em construções intelectuais, sociais,
culturais e políticas.
IDADE MÉDIA
Século XV
Essa perspectiva é questionada por certos historiadores que alegam que o período das
migrações é bastante longo e que usar a data da tomada de Roma como marco inicial
apagaria as contradições próprias de um mundo que sequer deu tanta importância à
conquista da cidade eterna, visto que as transformações sociais vinham ocorrendo já há
bastante tempo.
Se a controversa para o marco inicial gerou alguma polêmica, a data que marcaria o
final da Idade Média é muito discutida. Historiadores que seguem a perspectiva de Longa
Idade Média apresentada por Jacques Le Goff defendem que o período pode se estender
até o século XVIII.
Segundo Alain Guerreau, seria com a dupla fratura do período iluminista que
questionava os pilares do mundo medieval, a ideologia cristã e o senhorio baseado na
concepção de poder ligado à terra, que a Idade Média teria de fato implodido, dando
lugar a uma nova forma de organização social.
É preciso definir o recorte geográfico da Idade Média, já que, embora seja um período de
tempo, é pouco usual aplicar esse nome às sociedades ameríndias ou aos povos da
África subsaariana, que viveram entre os séculos V e XV.
O início da Idade Média foi marcado pelas migrações dos povos vindos do Norte. Durante
muito tempo, foi comum chamar esse fenômeno de Invasões Bárbaras, identificando os
povos como invasores e, especialmente, como bárbaros.
É preciso observar que esses povos conviveram durante longo período na fronteira
romana, o chamado Limes 2, onde ocorriam não apenas trocas comerciais, mas
também culturais entre os povos germânicos e os romanos. Houve um primeiro
momento de contato que não foi marcado pela violência ou invasão, e os que entravam
no Império tinham consentimento das autoridades romanas. Inclusive, foi comum a
entrada de guerreiros germânicos nas legiões do exército romano.
Saiba Mais
Essa perspectiva assumia um ponto de vista parcial e fazia julgamento sobre todo um
povo e sua cultura, bem como revelava o desconhecimento das sociedades germânicas,
de suas práticas e organização política e econômica, tomando como referência o povo
romano 3.
Atualmente, a historiografia prefere utilizar migrações germânicas, buscando não
assumir o ponto de vista romano, além de relativizar a perspectiva de que existiram
apenas invasões violentas, introduzindo a contradição e historicidade dos
acontecimentos.
Cristianismo medieval
Oriente
Essa atitude não significou que a Filosofia antiga, grega e romana foi desconhecida ou
desconsiderada pelos sábios da Idade Média. Os filósofos antigos se tornaram, em
alguns casos, a base de reflexão do mundo medieval.
Aristóteles teve sua obra redescoberta na Baixa Idade Média 6 e se tornou uma
referência para os estudos realizados no contexto da escolástica.
Os pensadores antigos eram vistos como filósofos pagãos e, em virtude disso, suas
ideias e reflexões precisavam ser iluminadas pelo conhecimento verdadeiro. Assim, os
autores cristãos liam os antigos com cuidado, era preciso jogar luz, cristianizar a
Filosofia pagã.
Apesar da influência greco-romana no pensamento medieval, a Filosofia pagã foi vista
com alguma desconfiança. O conhecimento verdadeiro viria dos santos Padres da Igreja,
que produziam conhecimento a partir da verdadeira doutrina.
A Igreja buscou selar uma aliança com o reino franco, que havia se estabelecido na
região da Gália, do antigo Império romano 7. O primeiro a se converter foi Clóvis, rei
da dinastia Merovíngia, inaugurando uma tradição de aproximação entre os francos e a
Igreja de Roma.
Havia interesse por parte da Igreja em obter apoio e auxílio militar e político na
Península itálica. As relações com os francos foram fortalecidas com a coroação de
Carlos Magno pelo Papa em Roma.
O apoio franco vinha sendo fundamental para a Igreja, ameaçada pelos Lombardos que
tinham se estabelecido na península desde fins do século VI. Além disso, o Cristianismo
oferecia ao rei franco uma ferramenta de dominação ideológica que permitia construir
uma unidade e uma identidade ao império Carolíngio.
A maioria da população durante o período medieval não sabia ler, nem escrever, e o
acesso aos livros era bastante restrito, especialmente até o século XII. De acordo com
os estudos de Zumthor (1993), o conhecimento popular era transmitido pela oralidade.
As pessoas contavam e escutavam as histórias e, muitas vezes, aprendiam de memória
obras inteiras.
Sabedoria. Fonte: RicardoCosta.com
<http://www.ricardocosta.com/sites/default/files/imagens/sabedoria/sabedo1.jpg
.
A escrita passou por uma reforma durante o período Carolíngio com a intenção de
uniformizar e regulamentar os caracteres e as normas gramaticais. Era preciso
desenvolver uma escrita de melhor qualidade e, para isso, os clérigos estabeleceram a
minúscula carolina, uma espécie de letra menor e mais elegante que as utilizadas nos
séculos anteriores, facilitando o trabalho da escrita e da leitura.
Os estudos tanto de autores pagãos quanto dos teólogos cristãos eram realizados por
religiosos, que detinham praticamente o monopólio sobre a escrita e a transmissão da
doutrina cristã. Segundo Jérôme Baschet, durante a Alta Idade Média essa situação
parece tão difundida que a oposição entre letrados (litterati) e iletrados (illitterati)
recortava a divisão entre clérigos e laicos.
2. (Uepb 2014) Quanto aos povos germânicos que vieram dar origem aos reinos no
ocidente europeu medieval, pode-se afirmar corretamente:
5. Por que é possível afirmar que a Igreja detinha o monopólio do saber na Idade
Média?
Notas
1
Constantinopla
Constantinopla foi fundada pelo imperador romano Constantino, em 330, com o nome de Nova
Roma. Contudo, acabou se tornando conhecida pelo nome de seu fundador, como uma
homenagem ao primeiro imperador a se converter ao cristianismo. A cidade atualmente se
chama Istambul, localizada na Turquia, entre o corno de ouro e o Mar de Mármara.
Estrategicamente localizada no encontro entre a Europa e a Ásia.
2
Limes
O termo assume um duplo significado: como um limite, uma barreira de defesa militar do
interior do Império romano; e significava também um caminho, acesso ao interior dos territórios
conquistados.
3
Povo romano
O cronista romano Amiano Marcelino descreveu a destruição de uma cidade por estrangeiros,
considerados indignos, bárbaros: “Mas, mal a passagem estava aberta e sem nossos homens à
vista, os bárbaros aprisionados, em desordem e sem obstáculos, espalharam devastação sobre
todas as vastas planícies da Trácia, começando com as várias regiões onde flui o Danúbio,
enchendo todo esse território com a maior confusão de roubos, assassinatos, derramamento de
sangue, fogos e uma vergonhosa violação dos corpos de homens livres” (AMIANO MARCELINO,
Hist., XXXI, 8,6).
O Império romano do Oriente irá se constituir como o Império Bizantino, com sede em
Constantinopla. Herdeira das tradições romanas, a História bizantina trilha seu próprio caminho
a partir da desagregação do império romano do Ocidente.
5
Islamismo
Maomé começa a pregar a partir de sua visão do Anjo Gabriel, em um monte nos arredores de
Meca. Para os islâmicos, a religião foi fundada em 622, com a saída dos fiéis de Meca para
Medina. Em 632, o profeta Maomé faleceu sem deixar estabelecido o herdeiro ao trono de um
importante poderio político, que já dominava praticamente toda a península arábica.
6
Baixa Idade Média
Período final da Idade Média, costuma-se fazer o recorte a partir do século XI ou XII até os
séculos XIV ou XV.
Antiga província do império romano que, atualmente, abrange a França e uma parte da
Alemanha do lado oriental e da Espanha, em direção ao Ocidente.
Scriptorium 8
Esses “quartos para escrever” como pode ser traduzida a palavra Scriptorium se localizavam nas
abadias mais poderosas e ricas; nas menores, o trabalho era realizado em alguma parte da
biblioteca ou mesmo nas dependências e habitações dos monges.
9
Livros de horas
Eram livros para devoção particular, continham as datas sagradas de santos e festas do
Cristianismo, as horas da Virgem, da cruz, do Espírito Santo, dos mortos, as orações comuns e
os salmos. Eram utilizados pela nobreza para suas orações e devoções pessoais. Esse tipo de
livro era, em diversos casos, ricamente adornados e iluminados, tornando-os um rico tesouro,
muitas vezes mencionado nos testamentos como herança.
Referências
GILSON, Étienne. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1995;
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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