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Resumo: O artigo explora a relação entre história e memória, buscando revelar a formação
da identidade e do patrimônio. A partir de uma revisão bibliográfica diversa, de caráter
qualitativo, o objetivo é analisar o surgimento das identidades e dos patrimônios na
fronteira entre a história e a memória. Inicialmente visa entender como as identidades
surgem na fronteira da história com a memória, como ocorre essa construção e quais
elementos estão envolvidos. A seguir busca compreender a identidade nascida nesse
contato. Identificar o patrimônio e sua constituição, assim como sua relação com a
formação de identidades preenche a terceira etapa do trabalho. Concluímos que a
identidade, como uma construção social e histórica, é fruto do entrelaçamento entre história
e memória. O patrimônio, enquanto representante da história e da memória de uma
sociedade, reflete sua identidade. O sujeito histórico, a partir de sua memória e história,
enxerga no patrimônio sua identidade.
Abstract: The article explores the relationship between history and memory, seeking to 152
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reveal the formation of identity and heritage. From a diverse literature review, of qualitative
nature, the objective is to analyze the emergence of identities and heritage at the border
between history and memory. Initially, it aims to understand how identities emerge in the
frontier between history and memory, how this construction occurs, and what elements are
involved. Next, it seeks to understand the identity born in this contact. Identifying heritage
and its constitution, as well as its relationship with the formation of identities, fills the third
stage of the work. We conclude that identity, as a social and historical construction, is the
result of the intertwining of history and memory. The heritage, as a representative of the
history and memory of a society, reflects its identity. The historical subject, from his
memory and history, sees in the heritage his identity.
Introdução
há história imóvel e a história também não é a pura mudança, mas o estudo das
mudanças significativas. Na análise de Le Goff (1999) o passado é ao mesmo tempo
passado e presente, tendo em vista que a história é duração. Sendo assim, a
cultura histórica não depende apenas das relações memória-história, presente-
passado, pois a história é a ciência do tempo. “O passado não é a história, mas seu
objeto, também a memória não é a história, mas um de seus objetos.” (LE GOFF,
1999, p. 41). Em sua vertente social, segundo Castro, a história se constitui a partir
da “abordagem que prioriza a experiência humana e os processos de diferenciação e
individualização dos comportamentos e identidades coletivos – sociais – na
explicação histórica.” (CASTRO, 1997, p. 54)
Escrevendo sobre novas tendências historiográficas, Burke (1997) aponta a
importância da crítica e das novas contribuições. Com elas a história ampliou seu
campo e seu território de atuação, abarcando todos os grupamentos e eventos das
sociedades, sem restrições. Nesse caminho surgiram novas fontes, objetos e
metodologias, além da importante e permanente colaboração interdisciplinar, que
proporcionou a história um espraiamento sem fronteiras. Em seu ensaio
metodológico sobre a história, Bloch (2001) defende que a disciplina deve focar
preferencialmente o indivíduo e as sociedades, assim como o entendimento das 155
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Todas as memórias devem ser convocadas, evocadas, confrontadas,
mas nenhuma delas, individualmente ou em conjunto, constituem a
história. Esta consiste necessariamente na escolha e construção de
um objeto, operação que pode dar-se a partir de evocações de
lembranças, mas que não pode levar à redução da história a essas
memórias (D’ALESSIO, 1998, p. 118-119).
Os grupos sociais acabam moldando suas memórias, que não são fenômenos
individuais, mas construções sociais e coletivas. Não devemos encarar a memória
como passado, mas como rememoração desse passado por indivíduos e grupos,
atrelados ao contexto do momento (GOULART; PERAZZO; LEMOS, 2005).
Concordamos com Silva que “a memória não é a capacidade de guardar e acumular
informações e lembranças com precisão, a memória é o processo de reelaboração de
informações e experiências de vida” (SILVA, 2010, p. 328). A importância de se
compreender e estudar as memórias de uma sociedade está em desvendar seus
valores, comportamentos e continuidades.
Ramos (2010) argumenta que a memória não pensa, sistematicamente, sobre
si mesma e também não aceita a memória dos outros, essas são características da
sua própria história” (NORA, 1993, p. 17). Matos reconhece que “trata-se, afinal, de
uma questão de limites” (MATOS, 2015, p. 416). Limites onde convivem
divergências e convergências que não as tornam incompatíveis, ao contrário,
constroem uma relação de tensão criativa.
Nessa confluência o que se solidifica são as identidades, que a partir do
passado conectam as histórias e as memórias pavimentando seus caminhos de
representatividade e coletividade. Reconhecendo os pontos de contato fica claro que
quando se analisa, separadamente, história e identidade ou memória e identidade,
intrinsecamente, o processo engloba as três esferas. A identidade é resultado do
entrelaçamento entre história e memória, sendo assim o vínculo é permanente.
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Partindo-se de uma concepção mais alargada e integradora entre a
ação do homem e a natureza e entre os patrimônios material e
imaterial, adotar a paisagem como patrimônio pressupõe, ao passo
que admite, o constante movimento e as relações intrínsecas e
inseparáveis entre conceitos e abordagens da história, da sociologia,
da antropologia, da memória, da arte, da cultura, da ecologia e suas
correspondências no meio físico, seja na edificação, nos objetos ou
nos territórios – urbano, rural ou natural. (FIGUEIREDO, 2013, p.
86-87)
Considerações finais
memória, estabelece espaços de poder que são ocupados por grupos que se
identificam e reconhecem na dimensão patrimonial, seja material ou imaterial.
A história e a memória de cada sujeito são intransferíveis e integram suas
experiências vividas. A fronteira entre elas proporciona o entendimento do passado
por meio dos sentimentos, das visões de mundo e de experiências que conduzem ao
empoderamento dos grupos e dos indivíduos. Esse poder se materializa nas
identidades. Essa constatação estabelece laços sociais importantes para a
manutenção da coletividade, proporcionando que grupos excluídos se reconheçam e
se identifiquem, fortalecendo o sentimento de pertencimento. O resultado é a
ampliação da diversidade social e do papel de cidadão, do direito a cidadania.
Na fronteira, no entrelaçamento entre história e memória se reproduzem as
identidades, que são frutos do contato entre elas. O rememorar o passado, pelo
olhar factual da história e pelo viés emocional da memória, provoca
reconhecimentos e certezas de pertencimentos que desembocam na estação
chamada identidade. Chegar a essa estação é a busca constante de indivíduos e
sociedades. Sem identidade os grupos sociais não se movimentam, não se
conectam, não reproduzem sua história e sua memória, e não produzem seus
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Como citar:
ROSTOLDO, Jadir Peçanha. Patrimônio e identidade na fronteira da história com a
memória. Patrimônio e Memória, Assis, SP, v. 17, n. 2, p. 152-168, jul./dez. 2021.
Disponível em: pem.assis.unesp.br.
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