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Patrimônio na América
Latina: Diálogos críticos"
Resumo: Este artigo tem como objetivo examinar diferentes abordagens sobre
memória social e identidade no espectro que envolve as questões inerentes ao
patrimônio cultural. A partir de uma revisão bibliográfica utilizada na disciplina
“Seminário de Memória e Identidade” do curso de Pós-Graduação em Memória
Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas, busca-se
estabelecer debates sobre os vínculos primordiais que se inserem dentro do campo
da memória social, identidade e patrimônio. As discussões deste trabalho, orientadas
pelas perspectivas de autores como Joël Candau, Paul Ricoeur, Henri Bergson,
Néstor Canclini, Maurice Halbwachs e Manuel Castells, apontam que a memória e a
identidade, por serem construções discursivas e objetos de estudos
transdisciplinares, podem ser analisadas tanto como recursos quanto como
condicionantes de representações sociais, possibilitando ressonâncias nas práticas
patrimoniais. Os argumentos teóricos e conceituais evidenciam que a memória,
juntamente com o patrimônio, assume sua função social dentro de uma ordem
política.
Palavras-chave: Memória Social. Identidade. Patrimônio Cultural.
Abstract: This article aims to examine different approaches to social memory and
identity in the spectrum that involves questions inherent to cultural heritage. Based
on a bibliographical review, the aim is to establish debates about the primordial links
that are inserted within the field of social memory, identity and heritage. The
discussions in this work point out that memory and identity, as they are discursive
constructions and objects of transdisciplinary studies, can be analyzed both as
resources and as conditions for social representations, enabling resonances in
heritage practices. The theoretical and conceptual arguments show that memory,
together with heritage, assumes its social function within a political order.
Keywords: Social memory. Identity. Cultural heritage.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo examinar diferentes enfoques sobre la
memoria social y la identidad en el espectro que involucra cuestiones inherentes al
patrimonio cultural. A partir de una revisión bibliográfica, se pretende establecer
debates sobre los vínculos primordiales que se insertan en el campo de la memoria
social, la identidad y el patrimonio. Las discusiones en este trabajo apuntan que la
memoria y la identidad, en tanto construcciones discursivas y objetos de estudios
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Sociólogo e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e
Patrimônio Cultural, na Universidade Federal de Pelotas. Contato:
fabiodurso@outlook.com.
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Introdução
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Os estudos sobre memória social surgem na Europa e nos Estados Unidos no início
do século XX, guiados por grandes eventos e convulsões sociais traumáticas, bem
como por políticas que utilizavam a memória como suporte. Muitos pesquisadores
como o filósofo Henri Bergson e o sociólogo Maurice Halbwachs preocupavam-se
com os usos políticos do passado e da História para a reconstrução das identidades
nacionais. Na década de 1980, a memória social foi sendo operacionalizada com maior
frequência dentro das ciências humanas e sociais para entender determinados
fenômenos em torno das práticas relacionadas ao patrimônio cultural e suas questões
de representação.
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Na perspectiva dos estudos de Paul Ricoeur (2007) sobre os usos e abusos da
memória e do esquecimento que são fundamentais para analisarmos tais
problemáticas.
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De acordo com Candau (2009, p. 49), a patrimonialização possui o papel de legitimar
uma narrativa coletiva de um passado compartilhado.
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Vale ressaltar que a mobilização de valores para a construção das referências
identitárias é posta por meio de agentes, como por exemplo, o Estado. Segundo
Llorenç Prats (2005), a “ativação patrimonial” é dada por esse processo. Ver em: PRATS,
Llorenç. Concepto y gestión del patrimonio local. Cuadernos de Antropologia Social,
n. 21, Buenos Aires, p. 17-35, 2005.
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Para o autor, o lugar político das práticas de memória é ainda nacional e não
pós-nacional ou global.
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Bergson (1999) parte do pressuposto da diferenciação entre a memória-hábito e a
lembrança pura, sendo que a primeira está relacionada aos mecanismos motores e é
adquirida pelo esforço da atenção e repetição dos aspectos sociais. Por outro lado, a
lembrança pura ocorre independentemente de qualquer hábito, o que constitui,
segundo Bergson, uma forma autêntica de “ressureição do passado”.
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O conceito de memória coletiva tem sua importância partir da obra póstuma de
Maurice Halbwachs denominada La Mémoire Collective (A Memória Coletiva), lançada
originalmente em 1950, onde o sociólogo francês ratifica que não há como
recordamos sem os marcos sociais, pelo fato de que todas as nossas recordações são
de caráter coletivo. Entretanto, vale destacar que foi em 1925, pela obra intitulada Les
Cadres Sociaux de la Mémoire (Os Quadros Sociais da Memória), onde Halbwachs
sistematizou a visão da memória em termos sociológicos, contra o individualismo e
subjetivismo da memória analisado por Henri Bergson.
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Vale ressaltar que Maurice Halbwachs tinha em seus estudos a influência do
sociólogo Émile Durkheim.
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Halbwachs reconhece a memória-hábito trabalhada por Henri Bergson. Entretanto,
para o sociólogo, a memória é uma construção social, onde a memória coletiva
fornece um conjunto de estruturas que nos ajudam a lembrar e a reconstruir o
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passado. Para Halbwachs o passado não se apresenta novamente por essa a memória
pura analisada por Bergson, mas sim num processo de reconstrução
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Para Halbwachs, a família, a classe social e a religião formam um conjunto de
molduras que ajudam a reconstruir o passado.
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Os marcos ou quadros sociais da memória, segundo Halbwachs (2004) representam
um avanço fundamental na percepção em que os grupos influenciam a memória dos
indivíduos. Ou seja, é por meio dos marcos sociais que é possível compreender a
continuidade social, possibilitando a ideia de que só podemos lembrar efetivamente
de algo, pelo fato de pertencermos a uma sociedade. Para o sociólogo, os quadros
sociais da memória estão vinculados com o espaço, tempo (eventos e comemorações)
e linguagem (parentesco, família, grupo de pertencimento).
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No sentido de considerar a impessoalidade e a coerção que os fatos sociais exercem
sobre os grupos. Nesse sentido, a memória está fundamentada em lugares, valores,
instituições, imagens que constituem os marcos sociais e que tais marcos
armazenam as memórias coletivas de diferentes grupos que interagem entre si.
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Segundo a autora, se pensarmos na memória simplesmente por esse ângulo,
despreza-se todas as condições processuais de sua representação. Além disso, ao
limitar a memória em relação à identidade, o pesquisador encontrará a problemática
para perceber que quando a identidade é algo a ser preservado, a memória passa a
trabalhar em função e na manutenção do mesmo. (GONDAR, p. 33).
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Candau (2011) nos mostra que a memória coletiva do ponto de vista do Halbwachs é
dada por “retóricas holíticas”. Quer dizer, o conceito de memória coletiva apresenta
grandes narrativas. Além disso, os estados mentais são incomunicáveis e não podem
ser observados de forma simultânea ou comum a todos. Da mesma forma em que as
lembranças não promovem os mesmos sentidos simultaneamente em todos os
indivíduos.
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Candau (2011) propõe uma taxonomia das diferentes manifestações da memória,
sendo: a) memória de baixo nível e ou protomemória, algo semelhante ao conceito
de habitus formulado por Bourdieu, no qual é dada pela transmissão social que
constitui um ethos ancoradas em práticas e códigos; b) memória de alto nível, na qual
pode ser vista como a memória de recordação ou de reconhecimento e constituída
também pelo esquecimento e; c) metamemória, é vista como a representação que
cada indivíduo faz da sua memória e se dá quando a memória é reivindicada. Ou seja,
o conhecimento que tem dela e o que diz dela. Vale informar que essa taxonomia,
segundo o autor, é válida quando falamos de memória individuais, já nos grupos
sociais ela pode ser anulada. A memória coletiva é uma representação que é
acionada por determinadas sociedades.
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O conceito de patrimônio perpassa os debates complexos que se relacionam com
uma série de características e atores sociais, pelo qual este trabalho não tem por
objetivo se aprofundar. Porém, de modo bastante sucinto, entende-se por patrimônio
o conjunto de saberes, fazeres, práticas e seus produtos que remete à memória e a
identidade de determinado grupo. Busca-se ainda uma compreensão para além do
aspecto jurídico do conceito, trazendo o sentido de evocação e permanência do
passado com a necessidade de preservar o significado e valor das identidades.
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Vale ressaltar que as ações de preservação e conservação do patrimônio no
ocidente iniciaram no século XIX e início do século XX. Ao longo dos anos, foram
realizadas diversas comissões, conferências e critérios para proteger e preservar os
bens culturais num mundo pós-guerra. Já no Brasil, as primeiras políticas em torno
das questões patrimoniais surgiram na década de 1930, por meio do anteprojeto de
Mário de Andrade e outros intelectuais modernistas que corroboraram para a criação
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Hoje atual Instituto
do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN).
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Candau (2009, p. 52) percebe os sociotransmissores como algo similar aos
neurotransmissores no cérebro. Porém os sociotransmissores estão presentes no
âmbito da vida social, como os indivíduos e sua oralidade, objetos, lugares e outros
recursos que possibilitam a evocação da memória.
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A professora e pesquisadora Maria Letícia Mazzucchi Ferreira (2012, p.18-24) discute a
relação entre memória, patrimônio, tradição e os usos do passado de modo análogo
com as políticas públicas de patrimônio implementadas na cidade de São Lourenço
do Sul, no Rio Grande do Sul. O trabalho citado faz um diálogo direto com o debate
abordado neste artigo, onde é possível refletir sobre práticas patrimoniais no presente
e sua imbricação com a memória. Para Ferreira (2012), as “políticas de memória” estão
envolvidas com as crenças e as lembranças que dão origem às memórias
compartilhadas com base na sua função política.
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Vale destacar que, em diferentes casos e situações, o patrimônio cultural (sobretudo
material) é dotado de discursos homogeneizantes que invisibilizam as identidades
culturais.
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Apontamentos finais
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Referências bibliográficas
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abril de 2023.
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