Um Panorama Das Desigualdades Na America Latina

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Observatório Político Sul-Americano

Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ/UCAM


http://observatorio.iuperj.br

Um Panorama das Desigualdades na América Latina


Análise de Conjuntura OPSA (no 6, junho de 2006)
ISSN 1809-8924

Carlos Antonio Costa Ribeiro


Sociólogo, IUPERJ

As desigualdades de renda, acesso a serviços, educação e poder são enorme em toda América
Latina. São mais altas do que em qualquer outra região do mundo. Apenas algumas
sociedades na África têm desigualdade mais elevada do que em alguns países latino-
americanos. As taxas elevadas de desigualdade têm altos custos para a região. A
desigualdade aumenta a pobreza, diminui os impactos do crescimento econômico na redução
da pobreza, dificulta o crescimento econômico (especialmente quando associada à educação
e acesso ao crédito), e aumenta as chances de conflitos sociais. Pesquisas de opinião indicam
que a grande maioria da população da América Latina considera os níveis atuais de
desigualdade de renda injustos 1 . Nos poucos países da região em que há dados sobre
desigualdade de oportunidades, associada a origens de classe e a grupos étnicos, também se
observa altos índices deste tipo de iniqüidade que é inaceitável porque fere princípios gerais
de justiça social. 2

Por todos estes motivos o tema das desigualdades é central no debate político da região. Há
consenso de que um enorme esforço deve ser feito para mudar esta situação que persiste há
muito tempo como característica marcante da história desta parte do mundo. Será que isso
pode ser feito? Além de apresentar as características da desigualdade na região, descrevo
neste artigo alguns mecanismos que tiveram ou podem ter impacto considerável na redução
das desigualdades.

1
Graham, Carol e Pettinato, Stefano (2002). Happiness and Hardship: Opportunity and Insecurity in New
Market Economies. Brookings Institutions Press.
2
Costa Ribeiro, Carlos (2006). “Capítulo 6 – Mobilidade social no Brasil em Perspectiva Comparada.” In
Estrutura de Classes e Mobilidade Social no Brasil. (no prelo) e Walton, Michael et al (2005). Inequality in
Latin America: Breaking with History? World Bank.
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As taxas de desigualdade de condições

O quadro abaixo apresenta a distribuição do Índice de Gine, que mede a desigualdade de


renda, na América Latina e em outras regiões do mundo entre 1960 e 1990. Este índice, que
varia entre zero (nenhuma desigualdade) e um (desigualdade máxima), revela não só que as
taxas da América Latina são mais altas do que as do resto do mundo, como também que não
diminuem desde a década de 70. Além disso, a desigualdade na América Latina se
caracteriza por uma grande concentração de renda no topo da distribuição, ou seja, um
pequeno percentual é muito rico e a grande maioria abaixo da elite de renda se encontra em
posições menos desiguais entre si.

Tabela 1 – Coeficientes de Gini Medianos por Região e Decênio


Região Decênio
60 70 80 90
Europa Oriental 0,25 0,25 0,25 0,29
Ásia Meridional 0,36 0,34 0,35 0,32
OCDE e Países de Alta Renda 0,35 0,35 0,33 0,34
Ásia Oriental e Pacífico 0,37 0,40 0,39 0,38
Oriente Médio e África do Norte 0,41 0,42 0,41 0,38
África ao Sul do Saara 0,50 0,48 0,44 0,47
América Latina 0,53 0,49 0,50 0,49
Brasil 0,54 0,60 0,60 0,60
Fonte: Morley, S. (2000) La distribución del Ingresso en America Latina y el Caribe,Santiago: Fondo de
Cultura Econômica; Barros, R. P., R. Henriques e R. Mendonça,(2000) “A Estabilidade Inaceitável:
Desigualdade e Pobreza no Brasil” in Henriques, R. (org.) Desigualdade e Pobreza no Brasil, Rio de Janeiro:
Ipea.

De acordo com pesquisas domiciliares da década de 1990 ou do ano 2000, na maioria das
sociedades latino-americanas os indivíduos entre os 10% mais ricos acumulam entre 40% e
47% da renda total, enquanto os 20% mais pobres recebem somente entre 2% e 4% (tabela 2
abaixo). Outra maneira de observar esta desigualdade é através da comparação da razão de
renda entre os 10% mais pobres e os 10% mais ricos. Na Guatemala, os 10% mais ricos tem
renda media 63 vezes maior do que os 10% mais pobres. Mesmo no Uruguai, onde esta
diferença é de 19 vezes mais, a desigualdade é maior do que nos Estados Unidos (17 vezes)
ou na Itália (14 vezes), que são considerados países desenvolvidos com altos índices de
iniqüidade de renda.

2
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Indicadores de desigualdade para alguns países da América Latina.


Coeficiente Percentual da renda total Percentual da renda total Razão de renda entre
de Gini acumulado pelos 10% acumulado pelos 20% 10o e o 1o decil.
mais ricos mais pobres
Brasil (2001) 59.0 47.2% 2.6% 54.4
Guatemala (2000) 58.3 46.8% 2.4% 63.3
Colombia (1999) 57.6 46.5% 2.7% 57.8
Chile (2000) 57.1 47.0% 3.4% 40.6
México (2000) 54.6 43.1% 3.1% 45.0
Argentina (2000) 52.2 38.9% 3.1% 39.1
Jamaica (1999) 52.0 40.1% 3.4% 36.5
República Dominicana (1997 49.7 38.6% 4.0% 28.4
Costa Rica (2000) 46.5 34.8% 4.2% 25.1
Uruguai (1997) 44.6 33.5% 4.8% 18.9

As desigualdades de acesso à educação, saúde, sistemas de esgoto, água potável, eletricidade


e telefone também são tipicamente altas e estão diretamente correlacionadas as diferenças de
renda. Por exemplo, a diferença na média de anos de educação entre os 20% mais ricos e os
20% mais pobres varia entre cinco e nove anos de estudo nos países da região. Além disso,
nos países em que há grupos indígenas ou de origem africana invariavelmente são
encontradas diferenças significativas no acesso a bens, serviços e recursos.

Entre as décadas de 1980 e 2000 observam-se diferentes trajetórias nas taxas de desigualdade
de renda. Países da região que eram historicamente mais igualitários experimentaram
aumento da desigualdade. Foi na Argentina, por exemplo, que houve a deterioração mais
dramática, antes e durante a crise econômica. No outro extremo, o Brasil, país historicamente
mais desigual da região, experimentou uma diminuição pequena, mas significativa, da
desigualdade de renda durante a década de 90. Em cinco países não houve mudança no
último decênio: Bolívia, Nicarágua, Panamá, México e Costa Rica. Houve aumento da
desigualdade em sete nações: Chile, Colômbia, Peru, Argentina, Venezuela, Uruguai, e El
Salvador. A situação melhorou apenas em três: Brasil, Honduras e Jamaica.

Em relação ao acesso a serviços e ao investimento em capital humano, a década passada foi,


em geral, de melhoras. Na maioria dos países houve alguma equalização em termos de
acesso a serviços e educação básica. O acesso à universidade, no entanto, se tornou ainda
mais desigual na maioria dos países. O percentual de pessoas vivendo nos domicílios mais
ricos que entrou na universidade aumentou mais rápido do que o percentual daqueles
provenientes dos domicílios mais pobres. Este aumento da desigualdade de acesso à

3
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universidade pode ter serias conseqüências no futuro, na medida em que altos salários e
chances de mobilidade social dependem de credenciais de terceiro grau.

Os males da desigualdade

De acordo com diversas teorias algum nível de desigualdade é necessário porque serve como
incentivo para que os indivíduos trabalhem e invistam visando chegar a posições sociais
mais privilegiadas. Em contraste, os altos níveis de desigualdade que caracterizam a América
Latina causam males ao bem estar social. Os níveis de pobreza, as taxas de desenvolvimento
econômico e a opinião pública são diretamente afetados pelos altos índices de desigualdade
de renda e bem estar.

A desigualdade não só leva ao aumento da pobreza, como também diminui o efeito do


desenvolvimento econômico sobre a redução da pobreza, caso não haja políticas de
redistribuição de renda. Por exemplo, o Brasil poderia diminuir pela metade seus níveis de
pobreza no prazo de dez anos se tivesse uma taxa de crescimento de 3% ao ano e uma
redução anual de 5% no índice de Gini (que mede a desigualdade). Se não houvesse
mudança na distribuição de renda e os mesmos 3% na taxa de crescimento econômico a
mesma diminuição da pobreza demoraria 30 anos 3 .

A desigualdade também afeta negativamente o processo de desenvolvimento econômico.


Por exemplo, o acesso desigual ao crédito implica na perda de oportunidades de investimento
altamente lucrativos para a sociedade como um todo. Alguns especialistas enfatizam que o
montante de capital não legalizado (principalmente bens sem representação legal) impede o
acesso ao credito sendo assim uma forte barreira ao crescimento econômico nos paises da
América Latina 4 . Outro exemplo de efeito negativo é o dos altos níveis de desigualdade de
oportunidades educacionais que limitam a contribuição potencial que alguns dos mais
talentosos indivíduos poderiam dar a sociedade. Em linguagem mais econômica poderíamos
dizer que o baixo nível de investimento em capital humano trás serias conseqüências para o
desenvolvimento.

3
Barros, Ricardo Paes de, Ricardo Henriques, e Rosane Mendonça 2000. "Desigualdade e Pobreza no Brasil:
retrato de uma estabilidade inaceitável". Revista Brasileira de Ciências Sociais 15, pp. 42.
4
Soto, Hernado de (2000). The Mystery of Capital: Why Capitalism Triumphs in the West World and Fails
Everywhere Else. Basic Books.

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Além de diminuir o crescimento econômico e aumentar a pobreza, a desigualdade é


considerada um sério problema pela maioria da população latino-americana. De acordo com
a pesquisa de opinião “Latino barômetro” entre 80% e 90% dos cidadãos dos países
estudados consideram os altos níveis de desigualdade injustos ou muito injustos. Os países
estudados incluem: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador,
Equador, Guatemala, Honduras, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

Desigualdade de Oportunidades

O estudo das desigualdades de oportunidade é geralmente realizado a partir dos padrões de


mobilidade social intergeracional. Se houver chances desiguais de mobilidade ascendente
para pessoas com origens sociais ou de classe diferentes então podemos dizer que há
desigualdade de oportunidades. Este tipo de iniqüidade é geralmente considerado como
inaceitável, uma vez que, de acordo com o credo liberal e democrático, as chances de
ascensão social das pessoas (seja educacional ou ocupacional) não deveriam estar
relacionadas a características herdadas tais como raça, sexo ou origem de classe.

Há dados sobre mobilidade ocupacional intergeracional apenas para dois países latino
americanos: Brasil e Chile. Em ambos o padrão de desigualdade de oportunidades é
caracterizado por pouca desigualdade nas chances de mobilidade entre grupos ocupacionais
abaixo da elite de profissionais e administradores, e muita desigualdade nas chances de
entrar nesta elite. Ou seja, filhos de profissionais ou administradores têm chances altíssimas
de continuar na classe dos pais, ao passo que a grande maioria dos filhos de trabalhadores de
rotina não-manual, manuais qualificados e não qualificados tendem a permanecer na classe
de seus pais ou se mover entre estes grupos abaixo da elite. Tendo em vista, como
mencionado acima, que a desigualdade de acesso à educação de terceiro grau aumentou
durante as últimas décadas na maioria das sociedades, não há perspectivas de mudança
significativa nos padrões de desigualdade de oportunidade.

Além da classe de origem, as desigualdades são marcadas por distinções entre grupo raciais
ou de cor ou étnicos nos países em que há populações indígenas ou de origem africana. No
Brasil, na Guatemala e na Bolívia os homens não-brancos (de origem africana ou indígena)
têm media salarial que não passa dos 50% da média dos homens brancos. Esta desigualdade
tem origens no período colonial quando as populações não européias foram dominadas e

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subjulgadas. Atualmente as diferenças étnicas estão diretamente ligadas às desigualdades de


classe. Há necessidade de se realizar estudos sobre desigualdade de oportunidades entre
grupos étnicos e raciais.

No Brasil observa-se que as chances de mobilidade ascendente de brancos e negros pobres


são em geral baixas e muito semelhantes. As chances de imobilidade das pessoas com
origens nas classes mais altas, no entanto, são maiores para brancos do que para negros, que
em geral experimentam mobilidade descendente. Em outras palavras, a desigualdade de
oportunidade parece ser dominada pela origem de classe para os mais pobres, e fortemente
marcada pelas distinções raciais nas classes mais altas. Mais estudos sobre desigualdade de
oportunidade entre grupos étnicos precisam ser realizados, tendo em vista que a maioria dos
dados é sobre desigualdade de condições entre grupos raciais.

Perspectivas e mudança

Será que há perspectivas de mudança neste quadro de altas taxas de desigualdade? Embora
as desigualdades sociais tenham origens históricas que marcaram diversas instituições latino-
americanas (por exemplo, organização do trabalho, uso da terra e controle político pelas
elites) há possibilidades de mudança. Em alguns aspectos, como educação e
conseqüentemente renda, as possíveis mudanças são intrinsecamente lentas porque
dependem do investimento nas novas gerações que só serão produtivas no futuro. No
entanto, as mudanças podem ser relativamente rápidas em termos de provisão de serviços,
em partes específicas da distribuição de renda (principalmente entre os mais pobres), e na
redução da desigualdade de poder. A seguir apresento algumas políticas econômicas e
sociais que tiveram ou podem ter impacto na redução das desigualdades. Reconhecendo que
o processo social que gera desigualdades é complexo e não pode ser reduzida há uma única
causa, é necessário propor políticas em diversas áreas. Três tipos de ação que podem, se
seguidas de forma complementar, ter sucesso são: diminuir a desigualdades de ativos,
facilitar o acesso ao mercado; e usar o poder de redistribuição do estado.

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Redistribuição com crescimento: ampliando a propriedade de ativos.

Três tipos de ativos são fundamentais para diminuir desigualdades e facilitar o


desenvolvimento econômico: educação, direito de propriedade, e infra-estrutura pública.
Sem ações eficientes nestas três áreas será muito difícil mudar a situação de iniqüidade e
suas conseqüências na América Latina.

A educação é o mais importante ativo econômico para a grande maioria das pessoas. Há duas
vantagens nas políticas educacionais: (1) para diminuir desigualdade educacional não é
necessário fazer redistribuição e (2) a melhor qualidade da educação influencia diretamente a
produtividade dos trabalhadores e, conseqüentemente, o crescimento econômico. Embora a
importância da diminuição das desigualdades educacionais seja reconhecida por governos de
esquerda e de direita, políticas para sua implementação não têm sido muito eficientes. Em
particular a recente “massificação” da educação básica nos países latino-americanos, parece
estar associada a novas formas de desigualdade em termos de qualidade do ensino. Enquanto
as elites continuam a ter acesso à educação privada de qualidade, a maioria da população
ainda depende de sistemas educacionais públicos de baixa qualidade. Como mencionado
acima, a desigualdade de acesso à universidade vem aumentando. Portanto, políticas
educacionais eficientes devem focalizar a melhora da qualidade da educação pública de
primeiro e principalmente de segundo grau focalizando entre outras coisas a diminuição da
desigualdade de acesso à universidade.

Embora não haja formula mágica para tornar o sistema educacional mais eficiente, políticas
promissoras passam por formas de incentivo a professores e escolas. Alguns programas neste
sentido são os incentivos aos resultados (por exemplo, os bônus dados a escolas de qualidade
no Chile), fundos especiais para suplementar o orçamento das escolas (como o FUNDEF no
Brasil), e maior participação da comunidade (como o programa EDUCO em El Salvador).
Outros programas com potencial de sucesso são aqueles que incentivam os alunos a
permanecer nas escolas. Por exemplo, o programa “Oportunidades” no México e o “Bolsa
Escola” no Brasil. Pesquisas de avaliação sobre os resultados destes programas são
fundamentais para podermos saber melhor se são eficientes e como corrigi-los. No terceiro
grau, o grande desafio é aumentar o acesso de crianças talentosas com origem mais pobres.
Parte do problema diz respeito à má qualidade das escolas básicas e de segundo grau, mas
programas de bolsas para alunos carentes na universidade e outras políticas também são
importantes. Programas de ação afirmativa (por exemplo, para negros no Brasil) podem ser

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importantes, mas é necessário tomar cuidado para que tais políticas não acabem por
estigmatizar ainda mais os grupos descriminados. O impacto de políticas educacionais será
de longo prazo, uma vez que os estudantes afetados hoje só entraram no mercado de trabalho
no futuro. Os resultados só virão em algumas décadas, por isso não há tempo a perder.

Outro tipo de ativo historicamente mal distribuído na América Latina é propriedade de terras.
Embora na maioria dos países a urbanização tenha diminuído enormemente a importância do
setor rural como fonte de desigualdades econômicas e políticas, a propriedade da terra ainda
é fundamental para uma grande proporção da população latino-americana. A reforma agrária
sempre foi bandeira de lutas políticas no continente, e apesar de ter sido iniciada em diversos
países nunca foi feita de forma completa. Em geral a redistribuição de terra foi feita sem que
fosse disponibilizada a infra-estrutura para a manutenção e produção na terra. Além da terra
rural, a importância dos direitos da terra e da criação de domicílios em áreas urbanas torna-se
cada vez maior. Programas de legalização de terras urbanas são fundamentais, embora em
geral não tenham sido bem sucedidos. No Peru, no entanto, surgiram algumas políticas bem
sucedidas nesta área.

O acesso desigual à infra-estrutura pública também é um importante determinante da


dinâmica das desigualdades. Quanto mais infra-estrutura um país tem (incluindo sistema de
eletrificação, telecomunicações, estradas, e estradas de ferro) menor a desigualdade. As
evidências sugerem que esta relação é causal, e que os efeitos podem ser grandes ao longo
prazo 5 . A diminuição dos investimentos em infra-estrutura durante as décadas de 1980 e
1990 em diversos países da América Latina é, portanto, preocupante do ponto de vista do
crescimento e da equidade. A crise da divida externa na década de 1980 e as políticas de
privatização na de 1990 foram as principais causas da diminuição do investimento em infra-
estrutura.

Ampliação dos mercados e de instituições mais eqüitativas

Na América Latina as desigualdades persistem apesar de experimentos políticos muito


diversos como “industrialização por substituição de importações”, “populismo” e “reformas
orientadas para o mercado”. Os efeitos são mais claros quando observamos políticas mais

5
Calderon, C. e Chong, A (2006). “Volume and Quality of Infrastructure and the Distribution of Income: an
Empirical Investigation”. Review of Income and Wealth.

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específicas. Por exemplo, sempre que reformas fiscais levaram a estabilização dos preços
houve redução da desigualdade. Até mesmo a redistribuição proveniente de privatizações
teve efeito de diminuir a desigualdade.

No entanto, a liberalização dos mercados, quando combinada com distribuição desigual de


educação, esteve nos últimos anos associada ao crescimento das disparidades sociais porque
levou a adoção rápida de novas técnicas e processos de produção exigindo o uso de trabalho
qualificado. Mas em países como Chile e México esta tendência foi observada no início da
liberalização e parece estar se revertendo agora. A melhor resposta a estas tendências parece
não ser a volta a políticas estatais (que geralmente foram feitas para favorecer as elites da
região), mas sim ampliar os mercados sem abandonar outras instituições como o sistema
educacional e a criação de infra-estrutura.

Uma das principais instituições ligadas a distribuição de renda são os mercados de trabalho.
Na América Latina estes mercados são divididos entre setores formais e informais. Políticas
de expansão do setor formal tendem a ter grande impacto na diminuição da pobreza e das
desigualdades. Uma das possíveis causas da diminuição que recentemente ocorreu no Brasil
é justamente o aumento do trabalho formal. Políticas de redução da desigualdade passam
inevitavelmente por políticas ligadas à melhora da qualidade do trabalho e dos mercados de
trabalho.

O poder de redistribuição do Estado

O estado tem a capacidade de utilizar os impostos coletados com o objetivo de diminuir


iniqüidades. Na maioria dos países latino-americanos as alíquotas de imposto são muito
baixas para o nível de PIB per capta em que se encontram. Ou seja, países fora da região com
níveis de PIB semelhantes costumam ter alíquotas mais altas do que grande parte dos países
latino-americanos 6 .

Um melhor sistema de impostos permite ao estado aumentar os investimentos em educação e


saúde que certamente trazem mais beneficio aos pobres do que aos ricos, que já contam com
tais serviços. De qualquer forma, é necessário tomar cuidado porque alguns investimentos

6
O Brasil não se inclui nesta tendência da América Latina, já que têm alíquotas relativamente altas quando
observadas do ponto de vista internacional.

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podem ser benéficos antes para os ricos do que para os pobres. Por exemplo, o investimento
em educação de terceiro grau pública no Brasil durante a década de 1970 beneficiou mais a
classe média do que os pobres que ainda não contavam com sistema básico de educação
universalizado.

Outra área importante é a de transferências diretas para os mais pobres. Tendo em vista que
reformas educacionais demoram muito para surtir efeito, políticas de transferência direta
para os mais pobres não devem ser dispensadas. Há duas formas básicas de realizar
transferências. A primeira é a partir de programas de pensão diretamente voltados para os
pobres e para aqueles que trabalharam fora do mercado formal. Por exemplo, pensão para
trabalhadores rurais no Brasil, ou programas de políticas de compensação para
desempregados na Argentina, no Peru, e na Colômbia. A segunda forma são as transferências
financeiras diretas. Este tipo de programa geralmente vem acompanhado de exigências de
investimento em capital humano. Exemplos são o “Bolsa Escola” no Brasil (para receber
ajuda as famílias devem matricular seus filhos nas escolas), o “Oportunidades” no México
(com características semelhantes ao “Bolsa Escola”), e o “Red de Proteción Social” na
Nicarágua. É preciso, no entanto, tomar cuidado porque tais tipos de programa podem ser
usados por políticos populistas como moeda de troca. Além disso, esses programas só fazem
sentido quando acompanhado de reformas de mais longo prazo nos sistemas educacionais e
de saúde.

Todas estas reformas e políticas são importantes, mas nenhuma pode ser vista simplesmente
como uma questão tecnocrática. A distribuição de forças e de poder é fundamental para que
as políticas sociais sejam efetivas. A história dos países latino-americanos é marcada pela
dominação de elites políticas. Há sinais em todo o continente de que esta situação está se
modificando. Se os novos governos souberem manter políticas que foram eficientes e propor
novas políticas há potencial para que haja mudanças importantes levando a diminuição das
desigualdades, mas isso não será feito por um único governo ou um único partido, mas sim
ao longo de diversos mandatos governamentais. As mudanças nos números que descrevem
as desigualdades são lentas, porque os processos sociais de transmissão e superação de
desigualdade estão relacionados as transferências intergeracionais de vantagens. Não
veremos flutuações nos índices de desigualdade em quatro ou cinco anos, mas sim em
décadas.

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