Guia de Introdução À Filosofia

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Por Professor Victor Sales Pinheiro

INTRODUÇÃO
Este ebook tem como objetivo
ajudá-lo a absorver o conteúdo ensina-
do por meio das aulas gravadas, servindo
como um meio de revisão e também como
uma maneira mais rápida de ver os concei-
tos ensinados em aula.

Ele está dividido, assim como o módu-
lo a que ele corresponde, em duas partes:

1ª — Origem, conceito e métodos;
2ª — As disciplinas filosóficas e as antifilo-
sofias.

As disciplinas filosóficas deste curso terão


dois métodos como bases:

1º — O método analítico;
2º — O método hermenêutico.

E como, vendo as disciplinas tratadas, se


saberá em que método são baseadas? Pelo
seguinte:

Serão disciplinas analíticas quando trata-


rem de conceitos fundamentais dentro da
filosofia, tais como ética, política, metafísi-
ca, epistemologia, lógica, estética.
Serão disciplinas hermenêuticas quando
tratarem da perspectiva histórica da filo-
sofia, como a contextualização da vida dos
filósofos, suas obras, suas influências e suas
heranças.

Portanto, se iniciará a partir da filosofia


clássica de Platão, que originou e é matriz
do pensamento ocidental
A forma, então, desse e-book, seguirá a seguinte estrutura:

Na 1ª unidade, onde irá se falar a respeito da origem, os con-


ceitos e os métodos da filosofia, se terá o seguinte:

1. O que é a admiração filosófica e como esse maravilhamento


origina uma atitude reflexiva e contemplativa. As três etapas des-
se maravilhamento: a admiração emocional, a reflexiva e a con-
templativa;

2. O significado etimológico da palavra filosofia, o amor à sa-


bedoria, com ênfase na dimensão moral do amor e na dimensão
intelectual da sabedoria, assim como as virtudes necessárias para
o desenvolvimento dessa atividade, que ocupa toda a vida e que
vai além de uma simples profissão ou mera ocupação econômi-
ca;

3. O método analítico e o método hermenêutico: o que são e


do que tratam.
Na sua 2ª unidade, entretanto, se tratará do seguinte:

1. Ciências práticas, as ciências relativas à ação e à produção;

2. Ciências teóricas, aquelas relativas àquilo que não se pode
transformar e que não se pode apalpar, mas apenas conceber
em pensamento, e sua origem na experiência sensível e desen-
volvimento por meio da inteligência;

3.Antifilosofias e suas espécies: os rivais da inteligência.

Bons estudos.
1. A ORIGEM DA FILOSOFIA:
A ADMIRAÇÃO FILOSÓFICA
Conforme dito na introdução deste
e-book, essa parte, que inicia a 1ª Unidade,
irá tratar, antes de mais nada, da origem da
filosofia antes de propriamente falar do seu
conceito como “amor à sabedoria” e busca
da verdade do mundo de maneira geral.
1. PLATÃO E ARISTÓTELES

Todo mundo conhece os filósofos Platão e Aristóteles, e de-
les se fala, aqui, para tratar-se, justamente, da origem da filosofia.

Esses dois grandes filósofos foram unânimes em atribuírem


a origem da filosofia ao maravilhamento, à admiração, por assim
dizer.

Daquele estado de alma que responde à beleza do mundo, à


sua complexidade e ao desejo de se demorar na sua contempla-
ção brota a filosofia.

A filosofia é fruto desse estado de alma que responde à be-


leza do mundo e ao desejo de se demorar na sua contemplação.

O gosto que todos os seres humanos têm naturalmente por


admirar a beleza do mundo leva ao desejo de se aprofundar no
sentido e na causa das coisas.
2. A FILOSOFIA É UMA
ATIVIDADE CONTEMPLATIVA

Se algo é feio, esse algo causa
repulsa. Aquilo que é feio é repul-
sivo. Diante da desproporção, da
desorganização, uma hostilidade
nasce dentro do ser humano.

Ouvir um ruído intermitente,


por exemplo, dá origem à vontade
de se fechar os ouvidos e simples-
mente interromper essa experiên-
cia.

Diante de algo belo, o oposto


acontece. Diante de algo cósmico,
ordenado e proporcional, há uma
demora por parte do ser humano
diante desse fenômeno. Nasce,
então, a vontade de o contemplar.

A contemplação é a filosofia.
A filosofia é a atividade contem-
plativa, teórica, de olhar as coisas
em seu âmago, de olhar com o
olhar da alma, levando para a
mente àquilo que os sentidos nos
trazem.

A atividade filosófica tem, por-


tanto, uma dupla pauta que a ca-
racteriza: sentido e pensamento,
corpo e alma, Terra e Céu, tempo e
eternidade, no interior da caverna
e na parte de fora da caverna.
3. A REALIDADE É PROVOCANTE

A filosofia será uma grande busca de trazer a


experiência sensível e de entender a proposta da éti-
ca e da política clássicas, que têm uma herança filosó-
fica.

E, falando em herança filosófica… Quem estiver


lendo esse e-book irá se acostumar, ao longo do pro-
cesso, a pensar a partir de escolas de pensamento: de
matrizes platônicas, aristotélicas, agostinianas, kantia-
nas, hegelianas, marxistas etc.

Mas… Por que “a realidade é provocante”?

A filosofia clássica é pautada numa afirmação


importantíssima: a afirmação da beleza do mundo, da
positividade do ser. Tudo que existe é bom, não é ilu-
sório; é agradável de ser visto e é verdadeiro para ser
contemplado. Tudo isso merece uma resposta.
Daí vem a ideia de que a realidade nos provoca.

Pensar que uma pessoa nos provoca através da linguagem


é fácil. Uma pessoa pode perguntar à outra: “Qual é o sentido da
vida?”, e isso é uma provocação.

O filósofo, entretanto, é provocado pelo Sol, pela Lua, pe-


los pássaros, pelo Estado, pelas pessoas, pelas obras de arte, por
Deus. O filósofo está mais aberto à provocação do mundo. O
mundo o impacta, o marca, o apaixona.

Essa paixão, esse pathos, pelo mundo que o leva a querer


trazê-lo à mente. Toda a atividade intelectual é uma tentativa de
trazer o mundo para a mente.
E como a mente opera? Por palavras. O pensamento é, funda-
mentalmente, verbal — há, contudo, um grande debate, que será
visto principalmente na disciplina de filosofia da religião, sobre
um tipo de experiência espiritual transcendente não-verbal, que
não se dá pelo pensamento discursivo. O próprio Platão acredita-
va que haveria um ser para além do logos e uma experiência des-
se ser para além do logos, como se o logos fosse transcendido na
ideia do bem, que é o fundamento da filosofia n’A República de
Platão.
Pode-se, por um poema de Fernando Pes-
soa no seu heterônimo de Alberto Caeiro,
no famoso “Guardador de rebanhos”, iden-
tificar essa paixão, esse pathos, a paixão
filosófica da admiração.

O poema diz o seguinte:

“O meu olhar”

O meu olhar é nítido como um girassol.


Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
O pathos filosófico é perfeita-
mente captado por esse poe-
ma, essa emoção de um mundo
que se apresenta novo a cada
momento e que é digno de ser
admirado, e que gera um mara-
vilhamento, uma vontade de co-
nhecer. Nesse sentido, a filosofia
é o oposto do tédio, da angústia.

É importante saber que Hei-


degger, um filósofo proeminente
do século XX, considerava que
a filosofia nascia da angústia e
que ela estava ligada ao tédio. Há
perda de significado do mundo
para Heidegger: a filosofia nasce
diante de um certo desespero, de
uma certa desilusão de quando o
mundo deixa de fazer sentido.

A filosofia clássica é o oposto:


o mundo faz tanto sentido e é tão
belo que mesmo as coisas ruins,
mesmo a guerra, os problemas
sociais, interessam e conectam as
pessoas ao mundo.

Heidegger tem uma expe-


riência muito diferente da que
se há na filosofia clássica. Para
Heidegger, a filosofia nasce dum
estado de alienação, de exílio, de
perda do mundo, o qual deixa de
fazer sentido, e a linguagem dei-
xa de conectar-se com o mundo.
A FILOSOFIA NÃO É UM ESTUDO
É importante que isso fique claro: a filosofia não é um estu-
do. Costuma-se considerar o estudo uma coisa tediosa, chata.
Abrir um livro, decorar uma série de conceitos e comprovar o sa-
ber numa avaliação…

A filosofia é muito mais do que isso. A filosofia antecede esse


estudo formal, e certamente o sucede. A filosofia acontece antes
e depois desta formalização institucional de conceitos. Pode-se
fazer uma avaliação a respeito do que se está tratando, responder
alguns conceitos aqui explicados como, por exemplo, a origem
da filosofia e a admiração.

Viva a admiração, experimente a admiração, que começa,


como se verá mais adiante, nos sentidos, mas vem para a inteli-
gência.
4. SEM ELA, A FILOSOFIA NÃO TEM FUNDAMENTO

Após essa introdução básica, é preciso dizer que aquele poe-


ma não foi escolhido à toa.

A poesia é fundamental para a filosofia.

Não abandone a poesia. Nunca considere a filosofia


como uma atividade apartada da filosofia. A filosofia está intrin-
secamente ligada à poesia e à matemática.

“A filosofia está intrinsecamente ligada à poesia e à matemá-


tica”, esta frase não foi escrita por engano.

O máximo do rigor lógico e analítico gramatical, o máximo


da capacidade denotativa da linguagem na filosofia converge
com o máximo da capacidade imaginativa, poética, metafórica,
conotativa da matemática.

Platão, um poeta consumado, era, ao mesmo tempo, um


geômetra consumado — embora lendo os diálogos platônicas,
principalmente os iniciais e os intermediários, se tenda a consi-
derá-lo mais um poeta; depois, contudo, na fase dos diálogos tar-
dios, que não necessariamente são mais evoluídos, como se verá
na disciplina de leituras filosóficas de “A República” de Platão, ele
também foi um grande lógico, ou seja, também foi alguém de
pensamento rigoroso.
Platão começa interpretando os poe-
tas tradicionais, Homero e Hesíodo, e, in-
clusive, quer suplantá-los, quer superá-los
em nome de uma forma superior de co-
nhecimento, que é a filosofia. A filosofia se
considera superior à poesia, embora haja,
aqui, uma tensão ao longo da história da
filosofia sobre essa superioridade.

Nietzsche considerava que essa tenta-


tiva de a filosofia superar a poesia era uma
grande trapaça, uma grande farsa, pois a
poesia é o suprassumo da humanidade
como criação humana, pois ele, Nietzsche,
acha que não há verdade objetiva para ser
conhecida pelo conhecimento filosófico
e que a poesia, no fundo, é a criação hu-
mana — é o que resta. Os seres humanos
criam, inventam verdades, então, por isso,
a poesia sempre terá a última palavra — e
Platão, para Nietzsche, é um grande poeta,
assim como o Cristianismo é uma grande
poesia, no sentido demasiado humano.

A filosofia precisa da força alegórica


e simbólica da linguagem, e não só da
força matemática, analítica e precisa
da linguagem.


5. AS TRÊS ADMIRAÇÕES:
UMA INTRODUÇÃO

A filosofia e a ciência são atividades


intelectuais que pretendem conceituar
e classificar atividades e fenômenos.

Imagine, por exemplo, que você


está numa praça muito bonita, com um
pôr do Sol lindo, que você está num mu-
seu belíssimo, que você está diante de
uma pessoa amada, a sua esposa, o seu
filho.

Isso, essa experiência, provoca a sua


mente e os seus sentidos vibram.

Um cheiro de rosa, de orquídea,


pelo qual a sua mente é mobilizada e
você tenta interpretar. Pode ser que
você se pergunte: “Qual o nome deste
perfume?”, então você pode usar adje-
tivos, substantivos, advérbio, e dizer que
está extremamente feliz. Você quer tra-
duzir o seu estado emocional, e isso é
absolutamente normal.
Contudo… Pode um cachorro fazer isso?

A resposta é óbvia: não. Os cachorros não podem fazer isso.


Eles não podem, ao fim do dia, perguntar a um semelhante o
que ele sentiu diante duma aula, de um pôr do Sol. Não pode
perguntar se o outro está sentindo frio e que emoção o frio lhe
causa. O cachorro não tem essa capacidade, que é o logos, a lin-
guagem, o pensamento.

E O QUE FAZ A FILOSOFIA?

Ela vai elaborar, refinar essa faculdade intelectual de concei-


tuar.

Agora se irá conceituar, pois, os tipos de admiração, tendo


como base um comentador, Peter Kreeft, um filósofo e estudioso
da filosofia, que é excelente como alguém que introduz à filoso-
fia.
5.1 AS TRÊS ADMIRAÇÕES
Um estado afetivo da admiração
já foi conceituado, aqui.

Por que se coloca um quadro


na parede? Para que se possa vê-lo
constantemente.

Por que as pessoas querem ver


a foto de quem amam? Por que usa-
-se sempre um porta retrato? Por
que tem-se esculturas de santos?
Para sempre nos lembrar daquilo
que provoca.

Fazer filosofia é pensar filosofi-


camente, que é essa esgrima com
os conceitos. Kreeft diz que há 3 di-
mensões de admiração, que são as
seguintes:

1º — Admiração emocional

A primeira, a admiração emocio-


nal, é a fonte de todo o conhecimen-
to humano, seja na religião, na arte,
na ciência, na filosofia e no senso
comum, a começar pela exposição
do bebê ao mundo desconhecido e
a ser descoberto.
O bebê começa a perce-
ber, então, que existe algo a
ser conhecido, a ser desvenda-
do, como se houvesse um véu.

Uma brincadeira mui-


to comum entre as crianças,
aquela em que um indivíduo
se esconde e a criança sabe
que o indivíduo está além do
lençol ou do travesseiro e fica
querendo ver o outro. É o jogo
entre o desconhecido e o co-
nhecido que dá a graça da
brincadeira.

Ela se esconde, o ou-


tro participante sabe que ela
está aqui na casa, mas onde
ela está? É preciso procurá-la.
Como funciona esse planeta,
como é que eu posso pensá-
-lo? Será que há vida lá? Qual
é a causa do calor e da luz?

Então, o ser humano co-


meça a olhar para o mundo e
acha que tem alguma coisa
além dos sentidos.

Essa admiração emo-


cional é inata. Ela é inscrita
na nossa natureza. As pesso-
as chegam até você e falam:
“Olha, tenho algo a lhe dizer”,
você certamente fica curioso,
e isso é normal — é impossível
que não queira saber o que o
outro tem a lhe dizer.
Se ao dizer: “Tenho uma novidade para lhe contar”, você res-
pondesse: “Está tudo bem. Não quero saber”, você estaria no ní-
vel de Heidegger, ou seja, no tédio, na indiferença, na angústia,
no total desprezo pelo mundo.

Se fosse dito a você: “Olha, ali há um bosque. Vamos conhe-


cer essa floresta? Ali tem uma capela, vamos lá?”, há uma coisa
especial ali. Então, essa dimensão especial está em todas as pes-
soas — em tese. Isso pode até ser uma doença, a depressão. Ou
seja, pode até ser um problema se a pessoa não tiver interesse
nas coisas do mundo, porque estar no mundo é interagir com
ele, e participar do mundo é participar dele não só sensivelmen-
te, com os olhos, ouvidos, nariz, etc., mas intelectualmente tam-
bém.
2º — Admiração reflexiva

Quando se investiga aquilo


que surpreende e interessa, a ad-
miração se torna uma admiração
reflexiva, colocando em cheque o
que já sabemos ou tomamos por
evidente. Todos os seres huma-
nos têm um desejo natural por
conhecer tudo quanto se há, tan-
to os fenômenos quanto as suas
causas material, formal, eficiente
e final.
O nível reflexivo é o nível de uma depuração daquela expe-
riência imediata. “Será que é assim mesmo? Será que o que se
percebe é bom? Será que alguém já investigou essa verdade?”,
e a resposta sempre será sim. Em tudo que se queira estudar ou
refletir, há uma tradição de pensamento. Adão era quem não ti-
nha história antes dele. Tinha Deus, a própria fonte de todo o co-
nhecimento, mas não tinha ninguém que tenha investigado as
peripécias da serpente, por exemplo.

Portanto, fazer filosofia é dialogar com os mortos que não es-


tão mortos, mas vivos na cultura filosófica, na cultura intelectual,
na cultura artística que a filosofia quer desenhar.
Se se pega uma pedra e com ela se começa a riscar na areia,
logo se vem à memória o fato de que existe uma técnica de xilo-
gravura, de óleo sobre tela, uma técnica de milhares de formas
expressivas. Ter a vontade de querer mimetizar o que se vê no
papel, caso haja papel, embora possa ser na areia ou na rocha, é
inserir-se numa tradição.

A admiração reflexiva, então, é a vontade de dialogar com


alguém. E por que subtrair-se do diálogo com quem foi muito
inteligente e que já está morto, fisicamente? Claro que se pode
entrar num diálogo com uma tradição intelectual.
3º — Admiração contemplativa

Após a admiração emocio-


nal e reflexiva, há uma admira-
ção contemplativa, que é quan-
do se atinge a compreensão das
coisas de que se está cercado,
contemplando e simplesmen-
te se demorando nessa verda-
de das coisas. Aqui já se sabe a
verdade das coisas — claro que
nunca há uma verdade absolu-
tamente esgotada na filosofia. A
filosofia continua promovendo
essa verdade por essa contem-
plação.

Esse nível, pois, é além do


nível da admiração emocional e
da admiração reflexiva. Todas as
questões filosóficas provêm des-
se amor maduro à contempla-
ção, ao desejo de conhecer toda
a realidade de modo verdadeiro
e não aparente, querendo dis-
cernir o erro, querendo discernir
a falsidade da verdade e da rea-
lidade.

Agora se irá conceituar o


que é a filosofia como amor à
sabedoria, ou seja, seu significa-
do etimológico, e quais as virtu-
des necessárias para praticá-la.
O SIGNIFICADO ETIMOLÓGICO
DA PALAVRA FILOSOFIA

Quando se começa a refletir sobre a filosofia, é comum ficar
na dúvida de qual filosofia estudar: por qual filosofia começar?

Se se fala em religião, sabe-se que há várias formas de re-


ligião no mundo. Se se fala de esporte, há vários esportes. Qual
esporte, então? A filosofia, então, de fato tem uma diversidade no
seu interior, uma pluralidade.

Mas há um erro básico que deve ser evitado desde o come-


ço: escolher uma filosofia por um motivo subjetivo como, por
exemplo, um motivo nacional. “Qual é a filosofia brasileira?”, se é
que existe. Critérios como “Qual é a filosofia de hoje?”, “Qual é a
filosofia da moda?”, “Qual é a filosofia que a maioria das pessoas
conhece?” são inválidos, frágeis, na eleição de uma filosofia a ser
estudada.

A filosofia que se deve buscar é a filosofia que busca a ver-


dade, a que tem como compromisso conhecer as coisas como
de fato são.
FILOSOFIA E CIÊNCIA
“A filosofia que tem como compro-
misso conhecer as coisas como de fato
são”, esse é um ideal muito próximo ao
ideal da ciência.

Na ciência se quer conhecer a


verdade. Não se vai ao médico per-
guntar-lhe o que ele acha. Pode-se até
perguntar, mas vai ser uma figura de
linguagem. Você vai ao médico para sa-
ber o que de fato você tem, e não para
saber a sua opinião. “Doutor, o que eu
tenho de fato? Que doença eu tenho
e como curá-la?” Se falta à medicina o
conhecimento efetivo da causa de uma
doença e de sua terapia, o problema é
da Ciência. É uma ignorância dela.

O ideal da ciência é o mesmo que
o da filosofia: conhecer a verdade das
coisas, e não seguir a moda ou atender
aos próprios desejos subjetivos.

Assim, Platão fundou a filosofia.
Entre os intelectuais que queriam for-
mar um tipo de conhecimento con-
dizente com o partido político, com a
cidade em que estavam e com a moda
social, Platão surge para falar: “Não. Eu
quero saber a verdade das coisas”.
Platão, pois, em vez de conceituar a filosofia como uma realida-
de ligada ao tipo de conhecimento, a conceitua a partir do esta-
do subjetivo do filósofo, que é o amor.

Viu-se que a admiração é a origem da filosofia, e se pode


dizer que essa é uma admiração amorosa. É necessário amar a
sabedoria, a verdade, a realidade tal como ela é, e por isso Platão
é o grande fundador da filosofia e o autor absolutamente incon-
tornável da sua história.

Whitehead, o famoso filósofo da matemática do século XX,


disse que a melhor definição da filosofia europeia, com o que
queria se referir à filosofia ocidental, é um conjunto de notas de
rodapé a Platão.

Platão está para a filosofia ocidental assim como o Novo Tes-
tamento está para o Cristianismo. Não há Cristianismo, do ponto
de vista religioso, cultural, histórico e cultural, sem o Novo Testa-
mento.
O texto de Platão, então,
tem uma importância realmen-
te incomparável: mesmo o seu
maior inimigo, Nietzsche, que
tentou fundar uma tradição
antiplatônica e anticristã, reco-
nhecia que o platonismo era a
grande força e a grande origem,
a grande nascente que renovava
a filosofia ao longo da história.

Com isso, contudo, não se


quer dizer que Platão está abso-
lutamente certo e que a filosofia
teve seu início e fim com ele e
que, portanto, basta estudá-lo e
pronto.

Não é isso. A filosofia de Pla-


tão é dialética, é um grande diá-
logo, uma grande provocação, a
sua forma, portanto, é exemplar,
o que, entretanto, não quer dizer
que seu conteúdo seja dogmáti-
co, perfeito, definitivo e inerran-
te.
A definição etimológica da pala-
vra “filosofia” é corre, então. “Fi-
losofia” é uma palavra que vem
do grego, filo + sofia (amor à sa-
bedoria), e essa etimologia não
é arbitrária, mas, nela, revela-se
uma essência.

Pitágoras teria sido, então, o pri-


meiro filósofo, que preferia o títu-
lo de filósofo ao título de sábio.

Ele era, certamente, um dos


sofói gregos, um dos sábios gre-
gos, aquele a quem é atribuído
o teorema que leva o seu nome,
o teorema de Pitágoras, relativo
aos triângulos, aquele que fun-
dou a música ocidental com as
sete notas. Era um líder religioso,
um místico, que tinha uma espé-
cie de seita vegetariana na qual
se falava da transmigração das
almas e da purificação do corpo.

Era, pois, uma figura monumen-


tal. Um sábio, certamente. Uma
pessoa dotada de uma sabedoria
objetiva e digna de ser ensinada.
Ele, porém, ao ter sido chamado
de sábio, respondeu: “Não, não
sou sábio. Eu amo a sabedoria e
sou um amante da sabedoria”,
e filósofo, naquele período, tam-
bém era um sinônimo de sábio.

Há uma terceira palavra nesse


campo semântico: sofista.

Sofista também é um sábio,


mas Platão deu a essa palavra
uma conotação de sabichão, de
pseudo sábio, de alguém que
vende e exibe o conhecimento,
que o manipula, mas que não é
um amante do conhecimento,
porque não o obedece, mas o
manipula.

Aqui se vê duas dimensões fun-


damentais do que está sendo
falado: o conhecimento e o co-
nhecer, o substantivo e o verbo.
A doutrina e a busca.
2.2 A PROCURA E
O ENCONTRO
A filosofia comporta em si essas
duas dimensões: a dimensão da
procura e a do encontro. A crítica,
a perseguição, o questionamen-
to dinâmico do conhecimento é
o que se pode chamar de zetéti-
ca, que é quando o resultado da
procura do resultado estático do
conhecimento é a dogmática, a
ciência.

Pode-se exemplificar essas


duas dimensões da filosofia atra-
vés do seguinte:

Imagine-se que algumas


pessoas estejam diante de um
terreno, ou uma cidade. E uma
delas diz: “Essa cidade é grande
ou pequena?”, e alguém lhe res-
ponde: “Não sei”, “Quantos bair-
ros há nessa cidade?”, “Não sei”.
E continua: “Quantas pessoas
moram aqui”, e a mesma respos-
ta: “Não sei”. “Onde acaba a cida-
de?”, “Não sei”.
E o que decidem fazer?

Decidem, então, percorrer a cidade. Vão com um
mapa, um caderno, e andam pela cidade contando
quantas pessoas há, quantos bairros tem, a quantidade
de casas, vêem os fenômenos naturais, se há praia, se
há montanha. E, após 40 anos, descobrem que a cidade
tem tal quantidade de pessoas, têm a cartografia da ci-
dade, quais são os bairros etc. Agora têm conhecimento
sobre a cidade.

Durante 40 anos procuraram o conhecimento: conta-


ram a quantidade de pessoas, verificaram a quilometra-
gem, a agrimensura, mensuraram o terreno e fizeram
um mapa da cidade. Não poderiam ter um mapa em
mãos se não houvesse a ciência da cartografia e se não
tivessem a prática da cartografia, para chegar à prática
da estatística, da matemática, das ciências que permi-
tiram que esse levantamento de dados da cidade fosse
feito.

Pode-se dizer, com isso, que todo cientista nasce


filósofo, que toda ciência, todo corpo ordenado de
conhecimentos, tanto as ciências naturais, quanto as
humanas e as sagradas, depende de uma investiga-
ção, de uma crítica, de uma dúvida, de uma pergun-
ta sistemática pelos conceitos e palavras.
A filosofia tem, em si, esse âmbito do questionamento, do le-
vantamento de questões da verificação das respostas para ver se
são adequadas — e sempre se pode questionar.

Nesse sentido, então, a filosofia não se confunde com o ce-


ticismo ou com o agnosticismo, mas abre a mente dos seres hu-
manos e a sua inteligência para procurar sempre, e a cada vez
mais, se aproximar da realidade.
3.2 A FILOSOFIA É UMA
FORMA SUPREMA DE AMOR
Pitágoras, e depois Platão, seu discípulo, que tam-
bém foi socrático, e que, ao conhecer Sócrates,
rasgou as tragédias e deixou de receber a forma-
ção política que tinha na adolescência, este Pla-
tão refletiu sobre o amor, de modo que chegou à
conclusão de que a filosofia é uma forma suprema
de amor, de amor intelectual, de amor á realidade
como um todo.

E por quê? Porque o amor não cansa.

Se alguém diz: “Eu te amo, mas só até


ano que vem, porque ano que vem eu deixo
de te amar”, isso é brincadeira. É claro que não
ama.
Não se diz “Amo meu filho, mas
só se ele se comportar bem”. Não. O
amor é incondicional, é radical. Ele
é permanente e tem uma sede de
eternidade.

A noção de que o amor se vol-


ta à eternidade e às coisas eternas
imutáveis levou Platão a postular a
existência de formas eternas e imu-
táveis, as famosas ideias no sentido
ontológico e objetivo de Platão: são
a estrutura última do mundo como
um todo.

Essa noção vai ser fundamen-


tal para que filósofos cristãos, como
Santo Agostinho, relacionassem o
amor como o estado afetivo que nos
leva a Deus, como uma presença de
Deus na nossa alma inteligente.

A definição de filosofia como


amor à sabedoria revela, por isso,
uma dupla dimensão intrínseca da
filosofia: a dimensão moral e a inte-
lectual.

Ao desdobrar a palavra filosofia


nas duas palavras gregas que a com-
põem, filo, amor; sofia, sabedoria;
percebe-se que a sabedoria está liga-
da à inteligência e o amor está ligado
à ética.
Há, então, essa dupla pauta,
pois a razão humana é práti-
ca e teórica. Ela tem uma di-
mensão de comportamento
do que as pessoas fazem, das
deliberações que elas tomam
ao longo da vida, e também
uma dimensão teórica, con-
templativa, de trazer a verda-
de do mundo para a mente,
conhecê-lo tal como ele é.

Platão postula a filosofia,
então, como a arte do amor.
E, como o amor nunca é
abstrato, é sempre concreto,
encarnado, por assim dizer,
Platão descreve a atividade
amorosa do seu mestre, Só-
crates, em seus diálogos.

Sócrates pretendia ser


um grande amante. Todos
conhecem a afirmação de
Sócrates: “Só sei que nada
sei”. Ele tinha essa grande
modéstia, realmente. Essa
grande humildade, por as-
sim dizer, de assumir que ele
sempre precisava conhecer
mais, melhor, e com os ou-
tros — e também ensiná-los,
porque a filosofia é eminen-
temente pedagógica, tem
uma dupla dimensão de en-
sino e de ajudar os amigos,
porque também está ligada
à amizade, a encontrarem a
verdade, a se conhecerem e
a se dominarem.
3.2.1 AUTODOMÍNIO E AUTOCONHECIMENTO
Conhecer a si mesmo, os próprios afetos e pensamentos, a pró-
pria alma, a própria cultura, as influências hereditárias do meio
social, para que se possa ter mais liberdade, para que se possa
ser menos determinado por elas, menos obrigado a seguir o que
querem que seja feito ou o que deveria se fazer — só porque que-
rem que se faça de forma extrínseca e não a partir de dentro.

Conhecer-se, portanto, como se é de fato, para além das mo-


tivações exteriores do próprio meio.

Sócrates, além dessa famosa afirmação “Só sei que nada sei”,
também disse, n’O Banquete, que de uma coisa só sabia: a arte
do amor.

E, com isso, Platão quer dizer, no fundo, que a filosofia depen-


de de um amor purificado pela verdade, de uma busca sincera,
honesta, íntegra, inteira pela verdade das coisas, e era isso que
Sócrates fazia — de modo que por esse seu amor foi martirizado.
Preferiu ser sincero com a sua vocação filosófica do que se entre-
gar às mentiras sociais e à simples adaptação social.
Mas… Por que ele foi condenado à morte?

Por 2 motivos:

1º — Por ter, supostamente, corrompido a juventude e;

2º — Ter introduzido deuses novos na cidade, o que, na verda-


de, ele não fez.

Ele quis educar a juventude ateniense — e não introduziu no-


vos deuses na cidade. Pelo contrário, quis redimensionar a reli-
gião tradicional a partir de uma assunção pessoal mais responsá-
vel, mais íntegra, da cidadania ateniense, a partir de um critério
superior de verdade, bondade e beleza, que era a própria filosofia.

Uma vida não refletida não é digna de ser vivida, esse é o ideal
filosófico — e é uma terceira noção fundamental do conceito de
filosofia.
4. INTRODUÇÃO ÀS VIRTUDES

1º — “Só sei que nada sei”, quero, por-


tanto, conhecer, saber, buscar.
2º — “Só sei de uma coisa: a arte de
amar”, que é a motivação intelectual
que me faz conhecer o que eu ainda
não sei.
3º — “Uma vida não refletida não é
digna de ser vivida.”

As pessoas vivem como animais. Bas-


ta pensar na vida de um animal: nasce,
cresce, se reproduz e morre. Passam por
essa vida respondendo a instintos.

Os seres humanos têm uma alma


vegetativa, uma alma sensitiva e uma
alma intelectiva, como será visto na dis-
ciplina de antropologia filosófica.

A alma intelectiva, contudo, é o que é


mais caracteristicamente humano — é
aquilo que é divino no homem, aliás.

Para além de uma alma meramente


vegetativa que se nutre tem uma vida
primitiva, uma vida de mera nutrição;
para além de uma alma sensitiva, que
é uma vida um pouco mais elevada,
de movimentação, de interação pelos
sentidos com a realidade, como ocorre
com os cachorros; uma vida intelectual,
reflexiva, que nos permite pensar e, por
isso, quando se pensa nessa dimensão
nessa dimensão logo se reconhece que
existem virtudes necessárias para a vida
intelectual — ou vida filosófica, como
queira.
Pode-se até mencionar uma obra muito importante, chamada
A Vida Intelectual, de Sertillanges, o qual menciona as virtudes
necessárias para a vida filosófica, como o silêncio, a solidão, a me-
ditação, a amizade, o descanso, o compromisso, a paciência, a
concentração, e uma série de virtudes morais para além das vir-
tudes intelectuais, que são o conhecimento, a memória, a exposi-
ção oral, a escrita.

Além da nossa mente, é necessária uma integração à vida do


filósofo como um todo.

Faz-se necessário, então, interagir com os outros. É necessária


a vontade de conhecer, de compartilhar, a coragem para resistir
à ignorância, ao erro, e uma fortaleza muito profunda para resistir
às incompreensões, além de uma certa dose de solidão e de re-
flexão pessoal — tudo isso compõe a vida filosófica.

Importante!
É muito importante não perder de vista esse horizonte com-
pleto, para não recair em reducionismos e dizer que a filosofia é
só ciência, é apenas o pólo objetivo, é só o conhecimento, e não
reduzir ao pólo subjetivo, dizer que a filosofia é só a vida individu-
al, apenas as emoções, e que é apenas um estado subjetivo.

Na primeira versão — o reducionismo de dizer que a filosofia é


só ciência, apenas pólo objetivo, apenas conhecimento —, positi-
vismo, cientificismo.

Na segunda versão de reducionismos, onde se fala para não


recair no reducionismo de reducionismo de dizer que a filosofia é
só a vida individual, apenas emoções, e que é apenas um estado
subjetivo, pode-se ter um existencialismo, um subjetivismo, um
romanticismo.

A filosofia é o encontro do sujeito com o objeto. A filosofia é um


encontro com a verdade, que transforma o sujeito, mas que já
depende de uma busca do sujeito a partir de virtudes.
A filosofia lida com a virtude da
sabedoria — que será vista no estudo
da ética —, que é uma virtude car-
deal, mas que depende, de algum
modo, da virtude da temperança,
da virtude da fortaleza e da virtude
da justiça. Não há como conhecer a
verdade das coisas sem ter um certo
domínio dos prazeres, uma coragem
em relação à paixão do medo e uma
justiça consigo e com os outros, so-
bretudo do que fazer ao receber este
conhecimento e o devolver à socieda-
de.

A filosofia é um ideal de vida boa e


completa, pautada nas virtudes fun-
damentais da temperança fortaleza,
sabedoria e justiça. Isso é importante
para perceber que a filosofia tem um
ideal muito extraordinário de vida hu-
mana, um ideal muito nobre de vida
humana, baseado na verdade inte-
gral das coisas.

Não é apenas uma verdade parcial.


Não é conhecer a história da filosofia
ou conhecer uma ciência como a físi-
ca, a psicologia.

Não. É conhecer tudo isso para in-


tegrar para uma vida completa e ple-
na.

Será visto, agora, os métodos da


prática e do exercício filosófico.
3. O MÉTODO ANALÍTICO E O
MÉTODO HERMENÊUTICO: O
QUE SÃO E DO QUE TRATAM

Método é caminho

Tratou-se da origem da
filosofia como admiração e
do conceito de filosofia como
amor à sabedoria. Agora, con-
tudo, nesta parte, serão apre-
sentados os dois métodos fun-
damentais da filosofia.

Mas, antes de tudo, para


se falar de algo é preciso saber
o que esse algo é.

E o que é método?

Método é uma palavra


grega que significa “segundo
um caminho”. Quando se co-
meça a ter consciência de uma
atividade qualquer, seja lá qual
for a atividade, começa-se a
perceber que há um método.
Para cozinhar, por exemplo, há
um método.
Não se pode jogar batatas na panela ale-
atoriamente. É preciso ligar o fogo, esperar
a panela esquentar, a água e a batata vão
cozinhar a uma determinada temperatura
e você vai colocar uma quantidade de sal,
por exemplo.

A filosofia, como qualquer outra ciên-


cia, também tem os seus métodos, e os
dois métodos fundamentais da filosofia
são o método analítico e o método herme-
nêutico, e deles se falará nas próximas pá-
ginas.
3.3 MÉTODO ANALÍTICO
O método analítico é um método que busca perceber os melho-
res conceitos a serem usados para descrever a realidade. Busca
conceituar, trabalha com definições, com termos, com atenção
às palavras e valoriza muito a lógica.

A lógica… O que é a lógica?

A lógica é a ciência do pensamento, o estudo de como o pensa-


mento humano funciona. É um método eminentemente lógico.

Quais e quantos são seus elementos?

A lógica tem 3 elementos fundamentais:


• Os termos;
• As proposições;
• Os argumentos, ou silogismos.
Termos são palavras especiais que desig-
nam determinados objetos. Por exemplo: o
termo “lapiseira” com o termo “caneta”, por-
que o referente da lapiseira é que exige um
grafite, que é diferente do referente à cane-
ta, que exige uma tinta.

Quando se fala “objeto de escrever”, obje-


to de escrever pode ser uma lapiseira, pode
ser uma caneta, pode ser uma máquina de
escrever, pode ser um computador, pode
ser até um celular... Então, esse é um termo
ambíguo, e o ideal dos termos é que eles
sejam unívocos, ou seja, que eles tenham
um único significado.

Então, se disser “lapiseira”, este ainda não


é um termo perfeitamente unívoco, por-
que existem vários tipos de lapiseira, por
exemplo, lapiseira 0.5, 0.7, 0.9 etc. Lapiseira
importada ou nacional, lapiseira barata ou
cara… Basta ir a uma papelaria e será possí-
vel encontrar uma diversidade de lapiseiras.
Se se estivesse fazendo uma ciência das lapiseiras, se teria uma
série de termos — aqui se vê que a matemática é uma grande
aliada da lógica.

A matemática quer precisar para que não haja dúvida. Não há


dúvidas: 0.5 é a espessura do grafite. Sobre isso não há dúvidas.
“Na minha opinião, 0.5…”, não. Esse termo é unívoco. 0.5 é 0.5. É
claro que nem todos os termos são unívocos, mas eles não preci-
sam ser equívocos — termos equívocos são termos que têm duas
ou mais interpretações.

Na realidade, a maioria dos termos é composta de análogos,


isto é, eles têm uma multiplicidade de significados, mas pode-se
controlá-los. E pode-se controlar a multiplicidade e os significa-
dos dos termos análogos a partir de um caso central, a partir de
um significado focal, ou seja, a partir do significado mais relevan-
te, a partir do qual se pode aferir os marginais, os desviantes, os
secundários etc.

Se se pega uma pena, que já foi o caso central de objeto que


servia para escrever, hoje, contudo, ninguém mais associa, quan-
do a gente fala “pena”, a uma caneta. Ninguém mais diz “Ah, eu
teria o dom da pena, que eu sei escrever”, mas ninguém pensa
na pena porque ninguém a usa mais como na Idade Média ou há
pouco tempo atrás, quando se usava o tinteiro e a pena.
O método analítico, então, depende da lógica.

Quando há ligações entre termos, tem-se


uma proposição, pois.

“Eu sou um homem.” “Eu” é um pronome que indica algo real.


“Homem” é um termo que indica algo real, ou seja, membros da
espécie humana que são do sexo masculino. Portanto, ninguém
tem dúvida sobre o que é o homem.

Se se fala: “Eu sou brasileiro”, tem-se o seguinte: “brasileiro” é


um termo unívoco que designa um cidadão nascido ou naciona-
lizado brasileiro, e não se tem dúvida de quem é “eu” e quem é
“brasileiro”. Tem-se uma proposição verdadeiro, e agora pode-se
unir mais de uma proposição, ou mais de um termo. Com isso
tem-se um silogismo, ou argumento válido.

Se se diz que todos os brasileiros têm direito à liberdade de


expressão e você é brasileiro, logo, você tem direito à liberdade
de expressão. Esse é, pois, um silogismo válido: a premissa maior
é real, a premissa menor é real e a conclusão é logicamente vá-
lida. Isto é um exemplo simples do que se verá na disciplina de
lógica clássica e também verificando as transformações da lógica
ao longo da história. A filosofia, na sua dimensão analítica, busca
esses conceitos.
Há, logicamente, muitos conceitos e muitas proposições e
silogismos ao longo da história da filosofia. Por esse motivo o mé-
todo analítico abstrai a história, os contextos biográficos, o pró-
prio filósofo.

O método analítico nunca pedirá o nome do filósofo que


disse tal ou qual coisa, o momento ou a intenção. Quer saber
apenas se os conceitos estão certos. No caso do exemplo acima
usado, que diz: “Todos os brasileiros têm direito à liberdade de ex-
pressão e você é brasileiro, logo, você tem direito à liberdade de
expressão”, o método analítico não perguntará quem disse isso,
ou a sua intenção.
Só se quer saber se o conceito de liber-
dade e expressão está certo, só se quer
saber se o conceito de brasileiro está
certo.

“Qual o conceito de expressão?”, se foi


na Revolução Francesa, se na Revolução
Gloriosa, se na Revolução Americana, se
na Revolução Farroupilha, não interes-
sa. Se foi um homem, uma mulher, se
no século XVIII, XIII, XII, V antes de Cris-
to, também não interessa. Só se quer
saber o conceito.
Quer-se saber o que é liberdade, e se você se pergunta sim-
plesmente o que é liberdade, você está diante de um método
analítico, pois se quer saber simplesmente o sentido de liberda-
de e encontrar um termo, se possível unívoco. Liberdade como
amor, como admiração, como justiça, como todo o campo das
virtudes e das ações morais, tem um potencial amplamente
equívoco, porque se tem quase que infinitos conceitos de liber-
dade.

No interior de uma única pessoa há como considerar a liberda-


de de formas diferentes. Sua família pode considerar de uma for-
ma e os filósofos considerarem de forma diferente.

O que faz o filósofo analítico?

Põe diante de si todos os conceitos e os contrasta para verificar


as hipóteses nas quais eles se fundam e as conclusões de que de-
rivam.

“Como esse termo se relaciona com os outros termos?” Por


exemplo, liberdade. Como liberdade se relaciona com responsa-
bilidade? Liberdade se relaciona com outro termo, tal como auto-
nomia? Liberdade se relaciona como com o termo “autenticida-
de”? Como a liberdade se relaciona com Deus, outro termo?
Há, pois, um “quadro” onde se jogam os termos para relacioná-
-los com, no caso, liberdade.

Eu posso ter tipos de liberdade. Ela se relaciona com o termo


“ação”, com o termo “expressão”, com o termo “comunicação”,
com o termo “consciência”, com o termo “locomoção” etc.

É um termo altamente aberto do vocabulário filosófico, polí-


tico e moral.

Tolkien, por exemplo, falava da cocriação — ele criou outro cos-


mos. A liberdade imaginativa desse escritor é fora de série. É algo
realmente nunca visto.

Criou duas novas línguas com gramáticas, com palavras, e os


seus personagens falam essas línguas e traduzem essas línguas…

Pode-se, então, como visto acima, pensar em liberdade de for-


mas praticamente infinitas.

E o que vai fazer a filosofia analítica?

Irá respirar fundo e colocar ordem neste caos.

A filosofia política vai pensar liberdade a partir da vida social, da


vida civil, da vida jurídica, da vida política.
Os termos serão organizados, pois.

O método analítico é assim. Irmanado à lógica, tendo a mate-


mática como ideal, ela que tem como elemento números, e não
termos verbais. Não há erro de interpretação possível. O número
2 não pode ser interpretado de outra forma, assim como o 3 tam-
bém não.

Por exemplo: 20 minutos.

O rendimento de 20 minutos para você pode ser pouco, mas


para outro pode ser muito. Contudo, 20 minutos são 20 minutos.
Se é pouco ou muito, isso é outro problema. Isso dependerá de
uma série de coisas: da sua energia, da sua prática etc. Correr por
20 minutos para uns é fácil, para outros é absolutamente impos-
sível, pois não têm prática.

A matemática, então, tenta ser unívoca, e é isso que a filoso-


fia analítica visa.
3.3.2 MÉTODO HERMENÊUTICO

O método hermenêutico é um pouco


diferente, porque o ideal dele é a história, e
não a lógica.

É importantíssimo entender a diferen-


ça entre o método analítico e o método
hermenêutico para que se entenda o currí-
culo na Academia Atlântico, que tem disci-
plinas analíticas e disciplinas hermenêuti-
cas, e a diferença é muito simples.

As disciplinas analíticas são as discipli-


nas tradicionais da filosofia: ética, política,
estética, lógica, epistemologia, teoria do
conhecimento, metafísica, teoria do ser,
antropologia filosófica, filosofia da religião,
as quais irão enumerar os conceitos com os
quais se pensará essas realidades.

Exemplo: como é que se pensa a polí-


tica? Pelo Estado, pelo cidadão, pela cons-
tituição, pela liberdade individual, pelo po-
der. Assim se pensa em política.

Como se pensa a ética? Pela virtude,


pelo dever, pela liberdade, pela felicidade,
pela bondade.

Como se pensa a estética? Pela técni-


ca, pela beleza, pela ordem, pela harmonia,
pelo artista, pelas correntes tendências es-
téticas.

Como se pensa a psicologia? Pelas pai-


xões, pelos pensamentos, pela imaginação,
pela fantasia, pela sociedade.
As tradicionais disciplinas filosó-
ficas são pensadas, então, analitica-
mente pelos seus conceitos.

Há, porém, outro modo de en-


carar a filosofia, que é a sua história:
o contexto do autor, da época, o con-
junto de influências e heranças de um
autor ao outro. Por isso, então, as dis-
ciplinas de história da filosofia antiga,
medieval, moderna e contemporânea.

Heidegger foi mencionado na pri-


meira aula. Ele foi um alemão do sécu-
lo XX, nazista. Se se começa a interpre-
tar a sua filosofia como uma filosofia
de crise pessimista, niilista, típica da
Alemanha do Entre Guerras Mundiais,
se está tendo, pois, uma abordagem
hermenêutica.

Se se pergunta qual foi, pois, a


influência de Nietzsche, outro filóso-
fo alemão, no Heidegger, o que está
ocorrendo é uma abordagem herme-
nêutica. Ao se perguntar qual foi a in-
fluência da música na vida de Nietzs-
che, se se pergunta qual foi a relação
de Jean-Jacques Rousseau com a Re-
volução Francesa de 1789, ocorre uma
abordagem hermenêutica.
Se se pergunta qual foi, por exemplo, o papel do Catolicismo
medieval para o pensamento de Santo Tomás de Aquino, o maior
filósofo da Cristandade? A abordagem é hermenêutica. Se se
pergunta a respeito da prática religiosa dos frades dominicanos
na vida espiritual, que se relaciona com a vida moral e intelectual
de Tomás de Aquino, essa abordagem é hermenêutica.

A preocupação com a biografia dos filósofos e com a sociolo-


gia da sua época é uma preocupação de tipo hermenêutica.

Para que se entenda melhor essas diferenças, basta associar


o método analítico à lógica e à matemática e o método herme-
nêutico à história e à tradição.

A FILOSOFIA COMPORTA AMBOS OS MÉTODOS: ELES SÃO IN-


TRINSECAMENTE LIGADOS. DE ALGUM MODO,
SÃO INSEPARÁVEIS.

Pode-se distingui-los analiticamente, porque a divisão é feita


assim, para que se consiga conceituar e explicitar os métodos
nas suas dimensões “puras”, por assim dizer.
Os métodos, porém, não podem ser pu-
ros, porque sempre há um autor, uma biogra-
fia, uma história que abstraia tudo isso. O mé-
todo analítico abstrai o contexto.

Quando se fala “liberdade”, não se quer


a liberdade de “eu não quero a liberdade” de
Platão, a liberdade de Santo Agostinho. Quer-
-se “liberdade”, quer-se a liberdade abstraída
dos filósofos, quer-se a liberdade extraída dos
filósofos.

Quer-se a liberdade abstraída da história,


do que seriam as perspectivas da tradição;
quer-se saber o que é liberdade assim como
qual é o resultado de 27 dividido por 3. O re-
sultado é 9. Pronto. Tem-se segurança como
uma divisão na matemática. Quer-se um
conceito, se possível lógico, analítico, seguro,
científico, e esse é o ideal do analítico.

O hermenêutico tende a ser relativista:


pode ser relativista e se acostumar com o
gesto de relativização, de dizer:

“Ah, na época de Tomás de Aquino se


acreditava que Aristóteles era o filósofo fun-
damental, por isso ele considerava a metafísi-
ca em termos ontológicos”, então, em vez de
perguntar assim: “a metafísica é ontológica?”

Outra coisa é relativizar o que Tomás de


Aquino construiu, que foi um edifício abso-
lutamente monumental de metafísica onto-
lógica e teológica, em nome do seu período
histórico.

SÃO COMPLEMENTARES
E CONVERGENTES
Esses métodos, portanto, são complementares e convergen-
tes, e devem um complementar ao outro. Deve-se alternar con-
ceituações lógicas com considerações históricas.

Você pode muito bem, por exemplo, analisar os conceitos


éticos da filosofia clássica, como os de virtude, felicidade, justi-
ça, ciência, sem recorrer à leitura de Platão e Aristóteles, os quais
estão em contextos sociais e políticos muito específicos. Pode-
-se entender esses conceitos sem se recorrer a eles, só que esses
conceitos analíticos, que são transcendentes e estão de algum
modo abstraídos da Grécia clássica, são muito melhor compreen-
didos a partir dos contextos históricos e sociais.

Não se trata, pois, de praticar um reducionismo ao contexto


e à história, o que seria um vício de historicismo, por exemplo — e
nem considerá-lo de forma meramente abstrata, porque, no fun-
do, todos os conceitos têm uma dimensão humana, uma dimen-
são de seres humanos de carne e osso, filosofando e conceituan-
do a partir do horizonte de possibilidades do seu tempo. Isso não
quer dizer que todo filósofo é fruto do seu tempo, está preso ao
seu tempo, mas que todo filósofo tem seu tempo.

Não se trata, pois, de reduzir tudo ao tempo histórico, mas


também não se trata de ignorá-lo — muito menos as influências.
Não haveria Tomás de Aquino, por exemplo, sem 2 filósofos fun-
damentais: Aristóteles e Santo Agostinho, o qual, além de filósofo,
era teológo.
Não há, portanto, como
ignorar Aristóteles e Santo
Agostinho ao estudar Tomás
de Aquino, que os cita abun-
dantemente. E quando se arti-
cula a interpretação tomista de
Aristóteles ou a interpretação
tomista de Agostinho, se está
no âmbito hermenêutico, que
não deve ser desprezado.

Aqui, pois, encerra-se a 1ª


unidade, onde falamos sobre a
origem, o conceito e os méto-
dos da filosofia.

Na próxima unidade, se
falará sobre as disciplinas filo-
sóficas e as anti filosofias.
2ª unidade

Ciências práticas, as ciências relativas à ação e à produção



INTRODUÇÃO

Aqui se inicia a 2ª unidade deste e-book, onde se irá falar das
disciplinas filosóficas e as antifilosofias. Aqui, pois, serão apresen-
tadas as disciplinas tradicionais da filosofia, que normalmente
organizam seu estudo.

O amor, como pathos, esse afeto fundamental da filosofia,


busca sempre a totalidade. Quando se diz que se ama algo, ten-
de-se a amar esse algo como um todo.

A filosofia é o amor total à realidade, que é infinitamente e


profundamente complexa, de modo que é natural a dividirmos
em certas partes, e essa atividade é um exercício filosófico de es-
tabelecer as partes da realidade como um todo em suas discipli-
nas.

Pode-se fazer uma analogia muito básica que Platão fazia
com a medicina, a ciência da saúde do corpo.
O corpo é complexo. Ele é uma uni-
dade orgânica formada por várias partes
e, por isso, a medicina tem as especialida-
des. Do mesmo modo, pois, a filosofia irá
ter as suas disciplinas ou especialidades.

Ciências práticas e ciências teóricas

Essa distinção, que é a primeira divi-


são básica da filosofia, é muito importan-
te. Aristóteles já a tinha percebido no co-
meço.

O que são as ciências práticas?

As ciências práticas são as que con-


cernem os seres humanos diretamen-
te como agentes morais, ou seja, como
agentes capazes de praticar alguma ati-
vidade e, de algum modo, transformar
o mundo, tanto o interior, ou seja, pode
mudar de pensamento, de atitude, quan-
to pode construir uma mesa, comprar
uma câmera, fazer uma postagem.
Por isso, há 4 disciplinas básicas das ciências práticas:
• Ética;
• Política;
• Poética;
• Técnica.

E as ciências teóricas?
São ciências contempla-
tivas, relativas àquilo que não
se pode mudar ou transfor-
mar. Todas as ciências cha-
madas naturais estariam
dentro das ciências teóricas.

Quer-se contemplar a
botânica, os animais, um
leão, por exemplo. Quer-se
contemplar o corpo humano,
e não intervir nele pela medi-
cina.

As ciências teóricas que-


rem saber apenas como as
coisas são e funcionam.
É claro, porém, que a nossa ação está
sempre ligada à nossa contemplação, e
a ideia da relação entre ciência e tecno-
logia é umbilicalmente ligada.

Quando se pensa em medicina,
tem-se uma ciência dupla: teórica e prá-
tica, porque primeiro se estuda a anato-
mia humana, estuda-se em tese. Depois
vê-se um corpo humano diante de si, o
qual tem uma disfunção e cuja ordem
precisa ser recuperada.

A ação, a razão prática estão muito
ligadas à contemplação, à razão teórica.
Mas, para estudar, é preciso dividir essas
dimensões.

A razão humana tem, então, uma


dupla dimensão: prática e teórica, em-
bora seja uma só. Sendo uma só, tem
dupla dimensão.

Ao longo da história da filosofia, e
ao longo desse curso também, se per-
ceberá uma grande tensão nessa ques-
tão, principalmente na modernidade.

Kant, por exemplo, um grande fi-


lósofo da modernidade, separa a razão
teórica da razão prática e escreve uma
crítica da razão pura e uma crítica da ra-
zão prática, querendo que a razão práti-
ca tivesse seu próprio fundamento, por
assim dizer — o que é muito diferente
de uma compreensão clássica.
O objetivo deste capítulo do e-book será a reflexão sobre as
ciências éticas e poéticas, ou melhor, as ciências éticas e as ciên-
cias produtivas — é melhor falar a palavra “produtiva” que “poéti-
cas”, já que facilmente poderiam ser associadas à poesia literária.

Em grego, poiésis é criação, produção, que pode se dar


para objetos relativos à beleza ou objetos relativos à utilidade.

Nas ciências práticas tem-se, pois, as ciências produti-


vas, que podem ser técnicas ou estéticas.

As ações técnicas estão ligadas à utilidade. A câmera


que filmou a aula correspondente a este e-book não precisa, por
exemplo, ser bonita. Não precisa ser bela, nem colorida, harmô-
nica, nem ter uma estética. O tripé que a segura não tem como
função aprazer aos olhos. Não é uma escultura, uma obra de arte.
Não foi feito senão para suportar a câmera em determinada altu-
ra.

Portanto, o tripé é um objeto técnico: tem uma utili-


dade. Quem se preocupa com isso? O engenheiro, a indústria, o
diretor de fotografia, o câmera. É um objeto ligado a uma função
específica, e é importante respeitá-la.
O tripé tem de ser leve para ser por-
tátil, tem de ser variável para alcançar
diferentes tamanhos etc., do mesmo
modo, uma cadeira tem de servir para
sentar-se. Para isso, por exemplo, que ela
tem 4 pés.

Os objetos estéticos são produções


com vistas, sobretudo, à estética, ao de-
leite dos sentidos. E por isso pode ser co-
lorido, ter uma forma harmônica, estrutu-
rada, proporcional, e assim por diante.

Logicamente que, quando se fazem


essas divisões didáticas, nunca se deve
separar de forma polarizada, dicotômica
e absoluta: ou estético ou técnico. Não é
assim.

O tripé pode ser bonito, a câme-


ra pode ser bonita, e um objeto belíssimo,
como uma igreja, pode ter uma função,
no caso, do culto religioso.

Portanto, o poético nunca está com-


pletamente separado entre técnico e ar-
tístico. A arte, a não ser que você defenda
a concepção moderna de arte pela arte,
tem uma função. A arte não servir para
nada é algo bastante estranho à com-
preensão clássica. Sempre há uma causa
final, formal, material e eficiente.

Essa é, pois, a distinção entre as ciên-


cias produtivas, técnicas e poéticas — ou
artísticas.
A Estética

As ciências artísticas são estudadas, de


modo geral, por uma disciplina chamada
estética. A estética é a ciência do belo, das
artes que buscam, de algum modo, repre-
sentar a beleza do mundo por mimésis, por
exemplo, por criatividade, por imaginação.
Muitos filósofos estudaram e refletiram so-
bre a beleza, a ordem, a harmonia e tam-
bém sobre o juízo subjetivo de gosto.

“O que significa dizer que eu gosto de


algo?”, essa é a pergunta fundamental de
David Hill, no século XVIII. O gosto é o que
apraza os meus sentidos, aquilo que agrada
os meus sentidos.

Kant, por exemplo, vai responder que o


gosto não é apenas o agrado aos sentidos,
mas o livre jogo entre entendimento e ima-
ginação, e a imaginação está muito ligada
ao gosto, não só os sentidos.

Há um debate profundo, então, no âm-


bito da estética sobre a natureza da arte.

A filosofia não se dedica tanto às ciên-


cias produtivas de tipo técnicas, das artes
servis como, por exemplo, a engenharia. A
filosofia não se preocupa tanto com ela. Re-
conhece-a, assim como a arquitetura, por
exemplo, muito importante do ponto de
vista material, mas não se interessa tanto
por ela, a não ser que tenha uma dimensão
ética, política ou poética, naquele sentido
artístico do belo.
ÉTICA, POLÍTICA
E DIREITO
As ciências práticas tam-
bém podem ser ligadas ao agir,
que são as ações ou atitudes
que transformam o agente.

Se eu construo uma mesa


para vendê-la, eu preciso de
um conjunto de virtudes mo-
rais, por exemplo. A laboriosi-
dade, provavelmente. Isto é, a
prática de um trabalho bem
acabado.

A prática de um trabalho
dedicado para que se possa
concluir a mesa nos seus múl-
tiplos componentes internos.
É preciso ter dividido, cortado
e grudado a madeira, etc., até
chegar ao resultado final da
mesa.

As virtudes morais de um
agente, então, são refletidas e
estudadas pelas ciências práti-
cas da Ética, que é a ciência do
ethos, a ciência da ação huma-
na, de tudo o que se faz. O im-
pacto que as ações têm na vida
do agente e, claro, dos seus
contemporâneos, familiares,
concidadãos, vizinhos, porque
tudo o que se faz tem um im-
pacto na vida dos outros, tudo
isso é objeto de estudo da Éti-
ca.
A Ética tem, pois, uma
dimensão individual e social.

A dimensão social da
Ética também pode ser cha-
mada de Política, que são as
regras gerais do comporta-
mento e do convívio huma-
no.

Na antropologia clás-
sica, o homem é um ani-
mal social e racional. Ele é
social porque é racional. “O
homem é um ser gregário,
diferente das abelhas e das
formigas”, diz Aristóteles,
porque as formigas e as abe-
lhas se agrupam, se juntam,
vivem em comunidades,
têm uma divisão do traba-
lho, mas não têm razão.

A sociabilidade dos se-


res humanos é qualificada
pelo Direito, pela lingua-
gem jurídica e normativa
das regras que preveem o
comportamento humano e
sanções para aqueles com-
portamentos que se quer
evitar, porque implodem a
própria sociabilidade.
SÃO CIÊNCIAS PRÁTICAS
A Política, o Direito e a Ética são as
ciências práticas ligadas à ação humana,
às finalidades morais e fundamentais,
aos bens humanos, às virtudes que os
realizam e a arte da convivência, porque
um dos grandes bens é exatamente a
harmonia social, a justiça, que também
é uma virtude.

Uma pessoa pode ser justa, pessoal-


mente, quando dá a cada um o que lhe
é devido, quando retribui, quando paga
o que compra, quando devolve o que
pegou emprestado, quando é reta em
palavras e ações, íntegra, honesta e as-
sim por diante.

O Estado pode ser justo quando as


leis são justas, quando funciona com
base no Direito, e o Direito pode ser jus-
to quando ele atende a justiça.

As ciências políticas, então, se vol-


tam exatamente a esses ideais funda-
mentais de justiça que compreendem
uma ética pública, uma ética social ba-
seada, exatamente, no ideal de felicida-
de.

E o que é a felicidade?

É a realização, a plenitude: a máxi-


ma consecução das potências morais,
que são as virtudes do nosso caráter.
As virtudes são as forças da personalidade que flanqueiam
o bem individual e comum. Os bens fundamentais têm uma di-
mensão comum porque, quando alguém realiza o seu bem indi-
vidual, também desenvolve a própria personalidade e consegue
flanquear, apresentar e fornecer bens para a sociedade.

Atualmente se percebe muito bem o quanto a saúde é um


bem comum, o quanto é um bem interdependente, porque as
pessoas podem se contagiar de uma doença epidêmica.

Do mesmo modo, as virtudes morais. Quanto mais honesti-


dade na vida de uma pessoa, mais honestidade na vida da socie-
dade e vice-versa.

Platão percebeu uma relação muito intrínseca entre a alma


individual e a pólis. As pessoas são formadas pelas instituições
pedagógicas, culturais e políticas da sua sociedade e formam a
sua sociedade.

Se você tivesse nascido na China, teria um outro pensamen-


to, uma outra linguagem, um outro comportamento. Sua alma
humana estaria sendo moldada de modo diferente.
Contudo, você não é obrigado
a seguir todos os seus parentes, e
você não é escravo do seu tempo ou
da sua sociedade, porque você tem
um dom extraordinário, que é o dom
da liberdade, e isso torna a ação hu-
mana complexa, imprevisível e fas-
cinante, porque, por exemplo, você
tem um par de irmãos gêmeos com
a mesma criação e que têm ativida-
des e pensamentos profundamente
diferentes, ainda que tenham fre-
quentado a mesma igreja, a mesma
escola, o mesmo clube, a mesma
praça, a mesma boate, a mesma di-
versão e tenham tido a possibilidade
de agir de modo diferente.

O campo da ética é exatamente


esse campo da liberdade humana,
que é profundamente complexo e
interessante de ser percebido, por-
que lida com a linguagem moral,
com as respostas individuais a essa
oferta que é dada pela sociedade
diante da razão prática.

A vontade é a faculdade de ade-


rir a um bem racional. Ela busca o
bem. É um apetite racional do bem.

Os seres humanos se veem


apresentados por uma série de bens
que precisam ser equacionados e
perseguidos em consonância com o
plano da vida individual e um plano
de vida social.
Cada um tem as suas hierarquias, as suas priorida-
des, as suas formas específicas de vida, e cada forma de
vida precisa ser equacionada com as outras formas de
vida. É preciso um bem comum.

A individualidade e a liberdade individual não po-


dem apagar ou impedir a liberdade e a vida dos outros.
Por isso o Direito é necessário. Por isso, a Justiça é neces-
sária.

Por isso é necessária uma intermediação para que


se consiga viver. Por isso crimes e espaços de liberdade
são previstos. As ações deletérias à liberdade são impedi-
das etc.

Esse é o quadro básico das ciências práticas, tanto


as éticas quanto as ciências técnicas.

Tanto as ciências políticas, que lidam com a ética


social, quanto as ciências técnicas, que lidam com a pro-
dução de utilidade e de beleza.

No próximo capítulo, complementar a esse, se ve-


rão as disciplinas teóricas: a ontologia, a epistemologia, a
lógica etc., para que se possa, desde já, ter uma noção da
extensão das disciplinas, ainda que sejam apresentadas
de forma horizontal e deliberadamente superficial, para
que, no momento oportuno, se possa aprofundar nelas.
2. CIÊNCIAS TEÓRICAS,
AQUELAS RELATIVAS AO
QUE NÃO SE PODE
TRANSFORMAR

2.1 Introdução e
retomada do que foi dito

Este capítulo, dedicado às


ciências teóricas, tratará das
disciplinas filosóficas que são
parte desse tipo de ciência: a
ontologia, a epistemologia e a
lógica, e também uma conti-
nuação daquilo que foi falado
anteriormente sobre ser a filo-
sofia um amor ao todo, o qual
precisa ser ordenado, sistema-
tizado e categorizado.

A realidade está ao nosso


alcance

Partimos, pois, de um pres-


suposto muito óbvio: há um
âmbito da realidade que está
ao alcance e que pode ser
transformado. Pode-se trans-
formar as próprias ações, dei-
xar de tomar certas atitudes,
viajar, escolher uma profissão,
casar, ter filhos, educá-los, se
matar, matar os outros…
E por isso há o campo da
Ética, do Direito e da Política,
que vão regular a ação social
e individual pela razão. Há,
então, horários, regras, pla-
no de vida, boletos, contas, e
uma sistematização da vida
individual que precisa estar
em consonância ou harmonia
com a vida dos outros. Esse é
o âmbito do Direito e da Polí-
tica.

O âmbito da produção
com base na utilidade, ou na
beleza, é das ciências produ-
tivas, também chamadas de
poéticas — evitou-se o uso
desse termo para evitar mal-
-entendido.
2.3 CIÊNCIAS
TEÓRICAS
É chegada a ocasião de
falar, então, das ciências teóri-
cas ou teoréticas.

Há uma visão deturpada


acerca do que é teoria. É cos-
tume separar teoria e prática,
que é uma separação básica
de Aristóteles, e não é inco-
mum pensar-se que teoria é
algo ruim.

Geralmente se pensa que


a teoria é uma coisa abstrata,
especulativa, no sentido de
que não espelha a realidade,
mas que é um desvio dela
para a mente e que, portanto,
é uma fantasia. Pensa-se que
teoria é uma imaginação.

“Ah, isso é teoria. Essa aula


é teórica. Na prática é outra
coisa.”, bem… Se a teoria é
uma e a prática é outra, a teo-
ria está errada. Simples.

A teoria descreve os fenô-


menos. Quando se diz “A tem-
peratura está 18º”, o que se faz
é teorizar o clima, a tempera-
tura.Celsius e Fahrenheit são
duas teorias usadas para isso.
Se se pergunta: “Qual a temperatura em
que a água evapora?”, isso é uma teoria, e eu
contemplo isso. Percebo, pela minha inteli-
gência, o fenômeno sensível.

Portanto, a teoria é a contemplação da


realidade.

Qual a realidade? Toda.

No capítulo anterior foi dito que a medici-


na é teórica e prática, do mesmo modo que o
Direito é teórico e prático.

Estuda-se medicina, na faculdade, em te-


oria. O Direito, na faculdade, se estuda em teo-
ria. Abre-se a constituição e se começa a lê-la,
ela, que é o principal instrumento normativo
do país. É uma teoria de como contemplar,
pois, as leis do Estado.

Outra coisa é saber como elas são aplica-


das, interpretadas, obedecidas ou desobede-
cidas, aí já pode ser uma análise da sociologia
do Direito, uma análise da sociologia das deci-
sões judiciais. Uma análise da ética jurídica.

A teoria está ligada a contemplar, a es-


pecular.

E a palavra especular é boa porque signi-


fica espelhar.

Põe-se um espelho na sua frente e você


começa a se ver. “Olha, o meu cabelo está
grande, minha barba está curta, minha ca-
misa está furada, minha calça está curta” — o
espelho não mente para você.
Você, contudo, pode ter um espe-
lho embaçado, sujo, quebrado, turvo,
ou posto num lugar escuro, e então
a sua teoria estará ruim. A visão de si
mesmo estará ruim.

A teoria é, então, a visão das coi-


sas, sistematizada pelos conceitos
que as tornam inteligíveis. É refletir.

Reflexão, outra palavra belíssi-


ma, que, aqui, é a mesma palavra
que especulação: refletir. É o espelho
que reflete. Na sua mente você refle-
te a realidade.

Certamente você nunca parou


para refletir sobre a pena de morte, se
é justa, injusta etc., mas, no Brasil, ela
é permitida apenas em caso de guer-
ra declara.

Há quem ache que, mesmo em


caso de guerra declarada, a pena de
morte é profundamente injusta. Há
quem defenda a pena de morte em
casos normais, sem ser o caso de
guerra declarada.

“Você já parou para refletir na


crise da cultura? Parou para refletir,
trazer para a mente esse fenômeno?”,
as ciências teóricas são isso.

Aristóteles dividiu, então, as ciên-


cias teóricas em 3 dimensões super-
postas, como se fossem 3 degraus de
ascensão — isso é muito importante,
portanto, preste atenção.
2.3.1 FÍSICA
A primeira ciência teórica seria a física, ou melhor: as ciências
físicas, porque, em grego, a própria palavra já é plural.

Para ficar mais claro em português: ciências físicas, aquelas


que lidam com as substâncias sensíveis em movimento, e subs-
tância sensível em movimento é aquela substância que tem, em
si mesma, a razão do seu ser, a sua razão de existir. Sensível por-
que ela é tangível e acessível, tem uma formação material, está
em movimento e é acessível a todos os sentidos.

E o que a ciência teorética da Física estuda?

A qualidade e a essência das coisas.

O que hoje chamamos de Química, Física, Biologia, Botânica,


basicamente. A própria medicina, na sua dimensão estritamen-
te teórica. A anatomia humana estaria aqui. O corpo humano é
uma substância sensível em movimento.

Estudar os pássaros, as árvores, as folhas, os ventos, a astro-


nomia, tudo isso os antigos chamavam de física, que é estudar as
qualidades.
Pode-se, agora, abstrair a qualidade sensível das coisas e es-
tudar os entes numéricos imóveis que não são subsistentes em si
mesmos, pela matemática.

Acima, então, das ciências físicas está a matemática, que se


concentra nos entes numéricos abstraídos dos sentidos, e esses
entes numéricos são imóveis, não têm movimento.

O que está em movimento são as substâncias sensíveis, que


são compostas por quantidade.

Por aqui tende a parar a modernidade.

A contemporaneidade reconhece tudo isso e trabalha nisso,


desenvolvendo uma química, uma física, uma biologia com que
a Antiguidade nem podia sonhar. Só não percebeu que, além da
matemática, há uma outra ciência, porque é disso que pode ser
chamada.

A metafísica é ciência.
2.3.2 METAFÍSICA
A metafísica estuda as substâncias supra sensíveis, imóveis e
eternas, Deus e as inteligências motrizes.

O que baseia a estrutura das substâncias sensíveis é essa


forma matemática, e a matemática, por sua vez, se baseia em
formas ainda mais abstratas, o que não quer dizer que são mais
vazias, mas igualmente não sensíveis.
A matemática não é
sensível: é puramente inte-
ligível. As coisas sensíveis
têm uma forma matemáti-
ca, têm uma dimensão ma-
temática.

Uma pessoa qualquer,


por exemplo, ela é sensível,
tem peso, altura, pode ter,
eventualmente, uma quan-
tidade de miopia, tem uma
relação entre a própria al-
tura e o próprio peso, tem
uma massa adiposa, protei-
ca… E coisas infinitamente
enumeráveis.

Há uma série de nu-


merações que o corpo tem.
Pode-se fazer exames e os
resultados serem todos nú-
meros: triglicerídios, coles-
terol…

Pode-se, por exemplo,


doar sangue e ficar vendo
uma série de elementos
matemáticos.
Mas a matemática, em si, é puramente abstrata.

Quando se estuda matemática, dois mais dois é igual a qua-


tro. Mas não se está estudando assim, por exemplo, duas maçãs
mais duas maçãs é igual a quatro maçãs, ou duas laranjas mais
duas laranjas é igual a quatro laranjas; ou duas pessoas mais
duas pessoas é igual a quatro pessoas.

Todos sabem que 2 + 2 = 4, que 4 - 2 = 2.

De repente, a abstração começa e se passa a ir para um âm-


bito puramente abstrato, o qual já é metafísico.

Num determinado sentido, esse âmbito já é metafísico, por-


que é universal no tempo e no espaço.

A matemática, para Platão, é a grande porta de entrada para


a metafísica. Na sua academia havia uma inscrição no pórtico de
entrada: “Quem não for geômetra, não se aproxime”, e isso é ma-
ravilhoso, pois indica justamente isso de que se está falando.
Acima da matemática, então, há a metafísica.

Isso é a própria realidade se adensando e se aprofundando.

Quando se fala que a metafísica é abstrata, não se pode consi-


derar que é vazia, porque, como ela é abstrata, ela é abstraída de
toda a sensibilidade do tempo e do espaço.

Deus é abstrato, mas isso não quer dizer que Ele não exista.
Não quer dizer que não tenha uma forma de ser muito mais real
do que os sensíveis, do que o concreto e material. Ele é muito
mais subsistente, mais resistente que uma lapiseira, por exemplo.
Ela é concreta, porque está submetida ao tempo e ao espaço e
tem uma substância material.

A substância de Deus, contudo, é imaterial e abstrata — con-


sidera-se abstrata porque é abstraída em todos os sentidos.
2.3.3 ONTOLOGIA E EPISTEMOLOGIA:
METAFÍSICA EM DUAS PARTES
A metafísica, que é a disciplina precípua das
ciênA metafísica, que é a disciplina precípua das
ciências teóricas, costuma ser dividida em duas
disciplinas básicas.

Parmênides, um grande filósofo, fundador


da prática filosófica anterior a Sócrates e, por isso,
chamada, numa expressão que acaba gerando
um sentido pejorativo, pré-socrática, dizia: “Ser e
pensar são uma só e a mesma coisa. Ser e pensar
coincidem”.

Logos, aqui, é uma palavra chave nesse con-


texto, porque o ser e o pensamento são coextensi-
vos.

Por isso, então, a metafísica costuma se dividir em:


• Ontologia;
• Epistemologia.

Por que ontologia?
Porque é o logos do ontos, o pensamento, ou a ci-
ência, do ser.

Por que epistemologia?


Porque é o pensamento da epistêmica, do conhe-
cer. Ou seja, a ciência do conhecer.

A ontologia, então, estuda os níveis de ser em


seus dois níveis fundamentais: sensível e inteligí-
vel, o material e o intelectual.

A filosofia sempre está nessa dinâmica entre


os sentidos, aquilo que percebemos através da
visão, do olfato, do paladar, do tato e da audição,
que é a nossa experiência imediata do mundo,
sob as categorias do tempo e do espaço.
Só se pode ver aquilo que está consigo e no mesmo tempo
que quem vê — mesmo a realidade digital, que rompe com as
categorias de tempo e espaço, pela qual você pode me ver em
outra cidade, em outro dia em relação ao dia de hoje, você preci-
sa do suporte material em que aquilo está se passando.

A ideia da telepatia e da transmissão de pensamento, por


exemplo, já entra no âmbito do místico, e isso já é um âmbito
que pressupõe a transcendência do tempo e do espaço.

A epistemologia lida, portanto, com o pensamento, e como o


pensamento processa as informações sensíveis através da lingua-
gem.

Tem-se, então, basicamente, o ente sensível, o ente inteligí-


vel e o ente real.

E há o pensamento das coisas, essa dimensão supra sensível


que Platão chama de ideias, que, para Platão, são as formas fun-
damentais de tudo que existe.

Ele não achava que aquilo que se pensa é apenas projeção


subjetiva da realidade material, mas achava que, pelo pensamen-
to, se alcança a verdade das coisas de forma essencial e real, e
elas existem, embora de modo imaterial.
Qualquer pessoa espiritual, religiosa, sabe que o mundo ma-
terial é uma parte ínfima do mundo e que o mundo espiritual, o
Céu, é superior à Terra e maior que ela. Isso, para quem é espiritu-
al, é elementar.

E por que falar disso?

Porque a filosofia, nesse sentido, é muito espiritual.

A proposta de Platão é altamente espiritual, porque, para


Platão, uma realidade suprema é a realidade mental, mas não
mental no sentido subjetivo da imaginação pessoal, mas a reali-
dade supra sensível das formas, do cosmos supra terreno, daquilo
que ele chamava de “fora da caverna”. Ou seja, a alma é maior
que o corpo.

A alma é infinita, o corpo, limitado.

Aquilo que se vê, se toca, se ouve, se sente, é muito pequeno


em relação ao todo da realidade.

Nesse sentido, então, a metafísica é a disciplina fundamen-


tal, porque é o estudo do ser enquanto ser.
É como se fosse o fundamento de
toda a realidade, inclusive a realidade
material.

Vê-se, então, que se tem a onto-


logia, a epistemologia e também toda
a problemática da linguagem que é
dizer o pensamento do ser.

Há uma possibilidade de en-


tender a história da filosofia mesma
como três momentos sucessivos, pois:
os clássicos se concentravam no ser
(a ontologia clássica), os modernos se
concentraram no conhecer (a epis-
temologia moderna), sobretudo em
Kant; e os contemporâneos costu-
mam se concentrar no dizer, de onde
nasce a filosofia da linguagem tão
avançada contemporaneamente.

Sempre se está no meio dessa


pauta tripla: o ser, o conhecer e o di-
zer.

Experimentam-se as coisas, pen-


sam-se as coisas, fala-se delas e se
percebe que as coisas não limitam os
sentidos. Os seres humanos vão além
dos sentidos.

Por isso a filosofia é


essencialmente metafísica.

Da metafísica dependem todas


as outras questões filosóficas.
2.4 DOIS TIPOS DE CONHECIMENTO
Há mais de uma forma de se entender o que é a metafísica.

Existem dois tipos de conhecimento.

Imagine que está chovendo e os seus sentidos captam essa


informação. Você a ouve e vê a água bater no chão, você se mo-
lha e começa a ficar com frio por causa dela.

Isso é uma constatação empírica.

Depois você pode perguntar: “Por que chove? Por que a


água cai do céu?”, e essa pergunta busca o princípio, a razão de
ser de um fenômeno sensível — isso é uma pergunta científica e
filosófica.

Mas… Quais são os tipos de princípio?

Há dois tipos: os princípios primeiros e os princípios segun-


dos.

Os princípios segundos são aqueles das ciências particula-


res. Por exemplo: “Chove porque a chuva está condensada em
nuvem e a água da nuvem se precipita”, e você pode perguntar:
“De onde vem a água da nuvem?”, e a resposta será: “Vem da
evaporação das águas dos mares ou dos rios”.
E você continua: “Por que evapora?”, “Porque há Sol”, “E por que
há Sol?”, de modo que você pode ficar num nível científico e estudar,
num nível físico, tudo isso.

Contudo, você pode perguntar-se: “Por que há nuvens? Por que


há água? Por que há Sol? Por que há chuva? Por que há Terra? Por
que há a humanidade?”, ou seja, há o ser. E é claro que o ser é tudo
ao mesmo tempo, que tudo que existe participa do ser.

Deus é o Ser em ato puro. Ele é o ser que não conhece potência:
será o Deus perfeito, atual, atualíssimo, perfeitíssimo.

A causa não causada, o motor imóvel, a finalidade última de


tudo, Aquele que não tem uma causa que lhe é anterior e que não
tem resultado posterior após a Ele

A religião, depois, vai tratar de que modo esse Deus também é


pessoal e a filosofia da religião vai investigar de que modo esse Deus
é pessoal, porque Ele é inteligente, livre e tem vontade e ama. E de
que modo a existência pessoal é superior à existência impessoal e,
se Deus é perfeito, Ele não poderia não ser pessoal, porque, se fosse
impessoal, seria inferior a um ente como os seres humanos, pessoas
dotadas de inteligência e vontade, razão e liberdade, capacidade de
amar.

É claro, então, que Deus é a suma perfeição de toda a realidade


e, portanto, Ele é pessoal.
Isso será estudado com calma na filosofia da religião e na
metafísica, porque a metafísica é uma teologia natural. Esse é
um dos conceitos elementares da metafísica: é a busca racional
para compreender a causa não causada e o motor imóvel de to-
das as coisas, que é Deus.

Isso está em Aristóteles e foi muito bem desenvolvido por


Tomás de Aquino. Portanto, pode-se buscar essa ciência de Deus,
que fundamenta tudo o que é, que busca o Ser supremo das coi-
sas.

Agora será visto, então, as anti filosofias, aquelas versões inte-


lectuais que, de algum modo, negam esse projeto de admiração
e amor à sabedoria e de conhecimento das ciências práticas e
teóricas, para, assim, concluir este ebook de introdução à filosofia.
3.1 ANTI FILOSOFIAS E SUAS
ESPÉCIES: OS RIVAIS DA
INTELIGÊNCIA.
O tema deste último capítulo do nosso
e-book são as anti filosofias.

Como se tem percebido, a filosofia é
uma atividade intelectual precisa, que teve
seu nascimento na Grécia clássica, a qual
será estudada na disciplina de história da
filosofia, e ela, a filosofia, é a arte da concei-
tuação.

Essa conceituação é dialética, porque,
segundo Aristóteles, o conceito tem duas
características: um gênero comum e uma
diferença específica.

Para conceituar o ser humano,
por exemplo, Aristóteles se referiu
a um animal racional, sendo “ani-
mal” o gênero comum e “racional”
a diferença específica.

Parte-se de um ponto conhe-


cido para se chegar a uma distin-
ção, para associar dois conceitos e,
assim, chegar a uma distinção.

Todos conhecem algum ani-


mal, e o homem também é um
animal — só que o homem tem
uma diferença específica em re-
lação aos outros animais, que é a
racionalidade.
3.1 HÁ OUTRAS
ATIVIDADES
INTELECTUAIS?

A atividade intelectual
mais próxima à filosofia é
a ciência, que é a busca da
verdade, mas a ciência, em
geral, tende a ter um obje-
to específico. Por isso, por
exemplo, a matemática se
caracteriza como sendo a
verdade acerca do objeto
dos números; a física tem
como característica ser um
conhecimento verdadeiro
acerca do movimento e das
coisas sensíveis etc.

A diferença específica
da filosofia, então, em re-
lação ao gênero comum
das atividades intelectuais,
é que ela busca a verdade
metafísica, a verdade total.
As ciências particulares, no
entanto, têm o seu objeto
reduzido a um escopo espe-
cífico.

A medicina, por exem-


plo, estuda o corpo, deixan-
do a alma de lado do seu
campo de estudo. A psicolo-
gia, pelo contrário, estuda a
alma, e não o corpo.
A sociologia, diferentemente das outras duas acima, estuda os
fatos sociais, deixando a alma e o corpo de lado.

As ciências particulares, então, vão se dividindo — e se frag-


mentando potencialmente, que é quando elas não se conectam
mais umas com as outras. Esse é o problema da fragmentação
do conhecimento científico, que distingue o químico, que não é
filósofo.

O químico é um intelectual, mas não é um filósofo. O jorna-


lista é um intelectual, mas não é filósofo.

3.2 ENTÃO… O QUE CARACTERIZA O FILÓSOFO?
A busca pela verdade metafísica é o que caracteriza o filósofo.

A crença de que há uma verdade a ser conhecida e de que há
uma totalidade orgânica cujo fundamento é Deus. Sem a ideia de
Deus do ponto de vista metafísico, não há algo que englobe e que
unifique toda a realidade.

Por que a realidade é um conjunto? Qual é o ciclo que fecha


toda a realidade desde os planetas até a última das forgas? Tudo isso
tem uma unidade.

A unidade de tudo o que existe é chamada de ser. Deus, então,
nesse sentido, é o Ser.

Platão não usava esse vocabulário, nem de “Deus”, nem de “ser”.


Ele falava da ideia do bem, da ideia do belo, que é, de algum modo,
aquilo que unifica todas as ideias que, por sua vez, unificam tudo o
que é percebido pelos sentidos.
Há uma busca pela unidade da realidade.

A partir da sua abóbada metafísica, Platão percebeu que a filo-


sofia é uma atividade intelectual que tem convergências e diver-
gências, semelhanças e diferenças a outras atividades intelectu-
ais como, na sua época, a proeminente sofística, que era a arte de
falar e pensar bem, de convencer as pessoas pela Retórica.

Ele percebe que a filosofia tem a ver com a retórica, que a filo-
sofia está ligada à retórica e que ela é, de algum modo, retórica: a
compreende e a abrange.

Para mostrar essa distinção entre retórica e filosofia, ele propõe


a imagem do cão e do lobo.

O cão é um lobo domesticado. O cão e o lobo, de noite, não são


diferenciáveis. Não é possível discernir um cão de um lobo quan-
do está de noite. O lobo, no entanto, mata, o cão protege.

A filosofia, então, seria o cão e a sofística, o lobo, obviamente,


porque, embora se pareçam, não são a mesma coisa.

É muito importante, então, estabelecer uma definição dialé-


tica que diga o que é a filosofia, mas também o que ela não é,
porque, muitas vezes, é mais fácil entender uma coisa a partir do
que ela não é.
É muito fácil dizer que a filosofia não é futebol. Ninguém nun-
ca confundiu um filósofo com um jogador de futebol.

Muita gente, contudo, vai confundir o filósofo com o intelectu-


al, com um jornalista, com um cientista, com um poeta. Por quê?
Porque todos esses estão numa atividade semelhante à filosofia.

O filósofo pode ser poeta, pode ser jornalista, pode ser cientis-
ta, mas o contrário não é verdadeiro: o cientista pode não ser filó-
sofo, o poeta pode não ser filósofo, o sofista pode não ser filósofo,
o intelectual pode não ser filósofo.

É muito importante perceber, então, que existe uma tensão


dialética intrínseca em toda a história da filosofia para se auto
conceituar, para
conceituar o que é filosofia e o que não é.

Uma outra concepção de filosofia, por exemplo, era adotada


por Nietzsche, segundo o qual Platão não é filósofo. Nietzsche
tem, pois, uma concepção tão anti platônica da filosofia que ele
prefere dizer que o que ele faz não é filosofia, é outra coisa —
mais próxima, inclusive, da poesia — porque não há verdade a ser
conhecida sobre o todo.
O QUE RESTA, ENTÃO?
Resta criação, imaginação e inter-
pretação. É isso que resta — e ele o faz.

Ele diz: “A verdade é apenas o ar-


gumento mais persuasivo”.
A verdade simplesmente é. A ver-
dade, inclusive, pode ser menos persu-
asiva. A verdade pode ser menos con-
vincente do que uma pseudo verdade,
que uma versão ornamentada e fanta-
siada das coisas.

Platão não está preocupado com


a versão fantasiada, com o que nós
temos, com a fauna midiática, com o
embelezamento das palavras: ele está
preocupado com a própria verdade —
a beleza, entretanto, pode ser um apa-
nágio da verdade.

Futuramente, em uma disciplina


chamada Leituras filosóficas de Platão,
a obra “A República” de Platão será
estudada e se verá o quanto, desde o
princípio e ao longo de toda a obra, há
uma tensão com os sofistas.
Há uma necessidade de os refutar, como
se a filosofia precisasse se afirmar em com-
bate.

A filosofia tem, inclusive, uma dimensão


muito antagonista de disputa com outras
formas intelectuais e com outras formas de
pensamento, porque Platão percebeu que
se a sociedade for persuadida pelos sofistas
do tipo de prática intelectual realizada, a fi-
losofia não terá vez, ela será desprezada, por-
que as pessoas sequer vão entender o que a
filosofia é.

Vivemos numa época sofística — daí a


importância de dar ênfase a esse assunto.

Vivemos numa época de relativismo
cultural e moral radicais — a sofística era re-
lativismo, principalmente.
3.4 PHYSIS E NOMOS
Na história da filosofia, na parte que trata dos primeiros filóso-
fos e sofistas, se verá uma distinção básica entre physis e nomos,
distinção que corresponde àquela entre ciência teórica e ciência
prática, de algum modo.

A physis, as ciências da natureza, estuda aquilo que é per-


manente, estável, não humano, portanto objetivo e que pode ser
conhecido de forma direta e perfeita.

Os pré socráticos fisiólogos buscaram conhecer essa nature-


za. Buscaram conhecer as coisas tais como elas são.

O nomos é o direito, os costumes, as leis — havia aqueles inte-


lectuais que estudavam as leis, não só as escritas nas constitui-
ções, mas os costumes, as leis sociais: como as pessoas se cum-
primentam, como as pessoas falam, como se comportam, como
pensam, e com um objetivo não só teórico e contemplativo, mas
prático também, no sentido de interferir, através da retórica, nes-
se pensamento e comportamento. O mais próximo que se tem
disso, hoje em dia, é o marketing.
Há, no campo da gestão de pessoas para neuromarketing,
uma série de atividades para convencer as pessoas: como lidar,
liderança, coaching, gestão de pessoas…

Como assim?

No seguinte sentido: como é que as pessoas vão entender a


minha linguagem? Como vão acessar a minha comunicação e
eu irei conseguir manipulá-las ou, de algum modo, interferir no
pensamento e na ação delas?

Essa classe de intelectuais era a dos sofistas, os quais eram


professores itinerantes de retórica, que ensinavam a arte de falar
bem e ganhar prestígio numa sociedade democrática.

Platão percebeu que a base do influxo desses sofistas era uma


certa filosofia humanista, que teria sido defendida por um sofista
célebre chamado Protágoras, e os diálogos de Platão são diálogos
baseados nesse embate com os sofistas — não tem, no entanto,
o nome de sofistas como Protágoras e Gorjas, que são os dois dos
mais importantes diálogos de Platão.

Pitágoras dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”,


como se as coisas dependessem dos homens, como se o ser de-
las dos homens dependesse, do seu dizer, conhecer e parecer.
Platão relaciona a opinião ao parecer e, claro, o modo como
as coisas aparecem divergem entre si. Para um pode estar frio,
para você, calor. Para outro pode ser alto, para você, baixo.

Platão, com isso, percebeu que, como os homens têm per-


cepções sensíveis diferentes acerca de cada coisa, tendem a
achar que tudo depende deles e que não há uma solução, uma
intercessão entre essa divergência radical.

A impressão que os homens têm é de que não se pode con-


siderar que existem coisas em si mesmas independentes das
suas impressões particulares. Como se elas se imprimissem no
corpo de forma diferente de acordo com a capacidade percepti-
va da pessoa, da sua capacidade sensorial.
Um míope verá menos do que uma
pessoa que tem a visão mais aguda, per-
feita, sadia. Uma pessoa alta verá mais
do que uma pessoa baixa. Uma pessoa
gorda terá uma percepção diferente da
que é magra, tanto fisicamente quanto
ao que é mais complexo: amor, justiça,
igualdade, liberdade, humanidade, mise-
ricórdia…

Os sofistas, pois, eram relativistas.


Achavam que não tinham uma verda-
de última, definitiva, final, que não ha-
via como fechar — principalmente nas
questões humanas, porque eles viviam
numa época muito semelhante à nossa
de democracia e de intercâmbio cultural
intenso entre as cidades-estado da Gré-
cia.

Então, usando os termos de quem


é brasileiro, poderia ser dito o seguinte:
“Olha, no Rio é assim; em Belém é de
outro modo. Em Porto Alegre é diferente,
na África, na Europa e na China é de ou-
tro jeito…”, ou seja, um relativismo: “não
há verdade”.

Não há verdade moral ou social:


tudo depende de quem vê, de onde é e
em que momento está. A época atual é
uma época de crítica sofística das pre-
tensões filosóficas de conhecimento da
verdade.

É isso, inclusive, que caracteriza o


pós-modernismo: essa grande descon-
fiança.
Um filósofo importante do sé-
culo passado falava da hermenêu-
tica da suspeita e de seus mestres:
Nietzsche, Marx e Freud.

Com Nietzsche,o homem pas-


sa a desconfiar de toda verdade
como vontade de poder.

Com Marx, passou-se a con-


siderar tudo fruto de uma classe
dominante com ideologia hege-
mônica.

Com Freud, começou-se a


considerar a linguagem e a ciên-
cia em geral como produtos da
sublimação de instintos libidinais,
baixos — Foucault, assim como
outros autores contemporâneos,
têm sempre essa dimensão crítica
da filosofia, da verdade, da ciên-
cia, tentando atribuir quer a uma
classe social, quer a uma perspec-
tiva de poder ou de prazer sexual,
gerando uma grande corrente de
antifilosofias, de tal modo que a
diferença básica entre filosofia e
sofística perpetua-se na diferença
entre filosofia e ideologia.
3.5 AS IDEOLOGIAS
Elas, as ideologias, são exatamente essas
visões deturpadas, parciais e relativas da reali-
dade.

A proposta da filosofia clássica é uma pro-


posta de uma lei natural, lei do nomos, que se-
ria social, contingente, relativa, histórica e tran-
sitória, mas, ao mesmo tempo, natural porque é
permanente, racional.

A proposta, então, seria tentar unir nature-


za e sociedade, encontrar uma interseção entre
ciências práticas e ciências teóricas.

Uma Ética marcada por contingência so-


cial, por relatividade, mas também com a pre-
tensão de uma justiça universal.

Seria fácil simplesmente separar ciências


naturais e ciências humanas, seria fácil dizer
que se conhece com objetividade a natureza,
mas no campo da sociedade tudo é relativo,
subjetivo, particular e nada é universal.

Na verdade, o tipo de universalidade, o tipo de


verdade que se conhece acerca das ciências huma-
nas é diferente do tipo de verdade que se conhece
nas ciências naturais, e isso não
impede de as buscar.
Entre as dimensões de corpo
e alma, desejo e vontade, âmbito
sensível e âmbito inteligível, opi-
nião e ciência, imanência e trans-
cendência, pluralidade e unidade,
substância e acidente, tempo e
eternidade, mal e bem, caos e or-
dem, há uma dialética filosófica —
não são distinções maniqueístas,
ou dicotômicas, muito menos po-
larizadas.

O que há, na realidade, são


duas dimensões: objetiva e subje-
tiva, universal e particular, ciências
da natureza e ciências humanas,
una e múltipla.

Há sempre uma busca de


unidade para compreender a rea-
lidade como um todo. Nietszche,
o maior antifilósofo do nosso tem-
po, a base das antifilosofias atuais,
tenta implodir este modelo meta-
físico hierárquico entre Céu e Terra,
alma e corpo, natureza e socieda-
de. Há uma tentativa de implodir
e propor uma ética para além do
bem e do mal.

Se não houver um critério ob-


jetivo e transcendente para men-
surar os fatos, as ações morais, os
fenômenos particulares, não have-
rá possibilidade de verdade: será
vivido, pois, um grande relativismo
— e todo relativismo é anti filosó-
fico. Portanto, é importante estar
atento aos riscos do relativismo
filosófico que se renova ao longo
da história da filosofia.
4. CONCLUSÃO

É chegado, agora, o fim do ebook de introdução à filosofia,


dividido em duas partes nas quais a filosofia foi introduzida na
sua base clássica.

Importa salientar que não se começou a refletir dela na Ida-


de Média etc., mas tentou-se perceber que a sua origem em Pla-
tão e em Aristóteles, a partir dessa dimensão do espanto, que foi
o tema de um dos capítulos.

Viu-se, depois, que a filosofia é uma forma de amor e que


sem esse amor não se faz filosofia.

O ideal é deixar-se encantar, seduzir-se pelo pensamento


filosófico — isso não significa necessariamente apaixonar-se por
um filósofo ou uma obra específica, mas pela dimensão de ser
padre, a dimensão que é intelectual, com essa vontade de apro-
fundar, refletir, conhecer o mundo cada vez mais, amando a filo-
sofia, pois buscar a verdade é isso.
No 3º capítulo viram-se os dois métodos: o abstrato e a lógi-
ca da analítica, ou o método histórico hermenêutico que envolve
sempre a ideia de uma tradição. Pode-se e deve-se unir as duas
metades e as duas possibilidades intelectuais.

Na 2ª unidade, viram-se as disciplinas, e aqui foi um ponto


muito importante: que se tenha um estudo sempre muito orde-
nado e organizado, que se procure organizar a própria mente e a
própria linguagem e ter sempre uma grande ordem mental para
se tentar voltar ao todo da realidade. É fácil, na filosofia, sentir-se
perdido e desnorteado, ao passo que é muito importante man-
ter-se organizado.

Em último lugar, viram-se as antifilosofias.

Quando se deparar com uma ideia filosófica e perguntar-se


“Puta que pariu…”, cada vez mais, mudou. E também: “Este filóso-
fo é fiel ao projeto socrático e platônico e aristotélico de conhecer
a verdade?”

A filosofia é esse ideal de conhecer o dono da realidade, por-


que a filosofia é esse ideal de conhecer o dono da realidade de
forma verdadeira, e engajada. Como dizia Platão: “Verdade co-
nhecida é verdade obedecida”.
Quantos estão dispostos a conhecê-la?

E, mais ainda, quantos estão dispostos a


obedecer a alma com a própria verde?

Faça bom proveito do e-book!

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