Paulo Fernando Chiveia Muxanga

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Paulo Fernando Chiveia Muxanga

POSSIBILIDADES E LIMITES DOS CONSELHOS


CONSULTIVOS COMO FATORES DE DEMOCRATIZAÇÃO E
DE CONTROLE SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM
MOÇAMBIQUE: o caso de Angoche.

Dissertação apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Sociologia
Política da Universidade Federal de
Santa Catarina como requisito para a
obtenção do grau de Mestre em
Sociologia Política.

Orientador: Prof. Dr. Erni José Seibel

Florianópolis, SC, 2013


Muxanga, Paulo Fernando Chiveia
Possibilidades e Limites dos Conselhos Consultivos Como
Fatores de Democratização e de Controle Social de Políticas
Públicas em Moçambique: o caso de Angoche / Paulo Fernando
Chiveia Muxanga; orientador, Erni José Seibel -
Florianópolis, SC, 2013.
172 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa


Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa
de Pós-Graduação em Sociologia Política.

Inclui referências
.
1. Sociologia Política. 2. Democracia. 3.
Descentralização. 4. Participação. 5. Conselhos Consultivos.
I. Seibel, Erni José. II. Universidade Federal de Santa
Catarina. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política.
III. Título.
Aos meus pais
Fernando Muxanga e Beatriz João Chiveia (In Memoriam):
Por terem feito tudo para que a escola fizesse parte de mim,
contribuindo de forma inestimável para que eu esteja concretizando este
importante momento, a vossa ausência é uma presença permanente na
minha vida.

Ao meu irmão
Raul Muxanga (In Memoriam):
Por tudo que não pudemos partilhar em vida, esta conquista é também
sua.

À minha esposa
Assunção Quinhentos:
Por ter consentido o meu afastamento por tão longo período, pelos
sacrifícios e determinação durante essa ausência que ia se tornando
eterna, pelo companheirismo, amizade, cumplicidade, parceria e pela
paciência e crença que um dia o seu esposo retornaria para os seus
dóceis braços.

Aos meus filhos


Valter Muxanga e Tinashe Muxanga:
Pela privação da companhia, do acompanhamento, do companheirismo,
da parceria, da amizade e da atenção do pai, que tanta falta fazem a
qualquer ser humano.
AGRADECIMENTOS

Eis um dos momentos mais emocionantes, porém, também


delicado e angustiante. É emocionante e gratificante poder reconhecer
publicamente todos àqueles que tornaram possível a concretização de
mais uma importante etapa na minha vida acadêmica e pessoal. É
delicado e angustiante porque, no calor das emoções, podemos, de
forma involuntária, omitir pessoas ou instituições que, de alguma
maneira, fizeram parte desta longa caminhada. Pelo que, desde já, as
nossas sinceras desculpas pelas eventuais omissões. Contudo, antes de
mais, o reconhecimento é generalizado, sintam-se todos mencionados,
se não aqui no papel, no coração, certamente estarão sempre presentes.
Gostaria de começar por agradecer ao governo brasileiro, através
do CNPq, pela oportunidade concedida de poder realizar o Mestrado.
Agradecer à UFSC, através do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia Política (PPGSP) por ter acreditado e acolhido o meu
projeto, abrindo a vaga para que eu pudesse concretizar este momento.
Agradecimento especial vai para todos os servidores (especialmente a
Albertina e a Fátima, sempre prestativas e acolhedoras) e professores do
PPGSP, sobretudo, por todos os conhecimentos que com eles tive a
oportunidade de partilhar. Aos colegas do Mestrado, turmas de 2011
(menção especial ao Lucas, Vinícius, Alessandro, Abdulai, à Mel, etc.) e
2012 (menção especial também ao Jean, Marcel, Ricardo, David, à
Luciana, Vera, Karin), muito obrigado pelas parcerias, com as quais
tanto aprendi, e por terem facilitado a minha integração e inserção numa
cultura diferente da minha.
Agradecer ainda à toda a comunidade africana em Florianópolis,
pelo acolhimento caloroso e pelos momentos de convívio que nos
aproximam sempre das nossas origens e aliviam, em parte, as saudades
de casa. Não deixaria de fazer menção honrosa ao meu grande amigo
Mamadú Djaló, pela extraordinária pessoa que é, por me ter acolhido
quando mais precisei e pelos diálogos acesos que temos tido, sobre os
mais variados assuntos. Aos meus compatriotas, um muito khanimambo
por me “manterem sempre próximo de casa”, menção especial ao Elias,
meu amigo, sempre prestativo, ao grande Nadir, presente em todos os
momentos, verdadeiro amigo, obrigado a ti e ao teu cunhado Nuno
Amorim e esposa (tua irmã) (Nampula), pessoas muito especiais neste
percurso.
Agradeço também à mana Cidália Chauque (governadora da
província de Nampula), pelo apoio prestado, ao senhor Vicente Paulo
(governo da província de Nampula), pela abertura e disponibilidade, ao
governo do distrito de Angoche, sobretudo à Repartição de Planificação
e Desenvolvimento Local (chefe Artur, dona Adelaide, Elsídia e Sónia,
muito obrigado pelo acolhimento, “senti-me em casa”), ao senhor Raja,
senhor Daniel, dois anjos que atravessaram o meu caminho em
Angoche, levo-vos no coração.
Agradeço a colaboração dos senhores Augusto Razulo (SNV
Nampula), António Muagereni (Plataforma da Sociedade Civil
Nampula), à AMODE, à Embaixada da Holanda, à Representação do
Banco Mundial em Moçambique, à Francesca Bruschi (Cooperação
Italiana), pela atenção e por todo o apoio que me deu na busca de dados,
muito obrigado.
Finalmente, gostaria de agradecer especialmente ao meu
orientador, Erni José Seibel, pela atenção, compreensão,
companheirismo e principalmente por contribuir para a ampliação do
meu horizonte em relação ao tema desta pesquisa, muito obrigado,
Professor.
RESUMO

Hoje em dia, a democracia tem estado cada vez mais associada à


necessidade de os governos abrirem as suas atividades ao escrutínio
público, envolvendo a sociedade na gestão pública. Esta é uma
exigência cujo argumento repousa na ideia de que esse envolvimento da
sociedade potencializa a democratização e controle social das políticas
públicas, contribuindo para que os governos sejam mais efetivos,
responsivos, transparentes e accountable (s). Tendo como base este
pano de fundo, muitos países têm experimentado espaços participativos
dos mais diversos formatos, como é o caso dos OPs e Conselhos
Gestores, no Brasil, e dos Conselhos Consultivos (CCs), em
Moçambique. Embora se reconheçam as potencialidades destas
experiências, também são lhes apontados vários limites. Assim sendo,
este estudo, analisa as possibilidades e limites dos CCs como fatores de
democratização e controle social das políticas públicas. Este é um caso
de estudo, pelo que seu foco é o distrito de Angoche. Nossa análise é
baseada em três variáveis explicativas, consideradas importantes para o
sucesso ou não das experiências participativas, quais sejam a vontade
política, a tradição associativa local e o desenho institucional. Usamos o
método qualitativo, com recurso a entrevistas, observação participante e
consulta de documentos oficiais. Os resultados apontam uma série de
limites para que os CCs se transformem em fatores de democratização e
de controle social das políticas públicas. Entre outras dificuldades,
destacar o controle político dos CCs, a sua posição marginal no conjunto
das instituições políticas, dificuldades que estão associadas à fraca
densidade associativa e, particularmente, ao fraco compromisso político
(o projeto político do partido no poder, por razões diversas, está
orientado para a centralização, o que contrasta com as exigências de
uma participação efetiva). Por outro lado, os resultados mostram uma
realidade que questiona a efetividade dos modelos teóricos usados no
estudo, uma vez que várias de suas categorias apresentam dificuldades
de adequação ao contexto. Assim, embora a institucionalização dos CCs
seja considerada um passo significativo, levando em conta o histórico de
um país bastante centralizado, a constatação é que ainda há um longo
caminho por trilhar para que a participação se torne efetiva.

Palavras-chave: participação, controle social, políticas públicas.


ABSTRACT

Nowadays, democracy has been increasingly associated with the need


for governments to open their activities to public scrutiny, involving
society in governance. This is a requirement whose argument rests on
the idea that this involvement enhances the democratization and social
control of public policies, making governments more effective,
responsive, transparent and accountable. Based on this background,
many countries have experienced participatory institutions of different
formats, such as the Participatory Budgeting (Ops) and Management
Councils, in Brazil, and Advisory Councils (CCs) in Mozambique.
Although it is acknowledged the potential of these experiences, they
also face several limits. Hence, this study examines the possibilities and
limits of CCs as factors of democratization and social control of public
policies. This is a case study, so it focuses on Angoche district. Our
analysis is based on three explanatory variables considered important to
the success or failure of the participatory experiences, namely the
political will, the associative tradition and institutional design. We used
the qualitative method, based on interviews, participant observation and
official documents consultation. The results indicate a number of limits
to the CCs to become factors of democratization and social control of
public policies. Among other difficulties, emphasize the political control
of CCs, the marginal position of the CCs in the set of political
institutions, difficulties that are associated with the low associative
density and mainly the weak political commitment (the political project
of the ruling party, for various reasons, is geared towards centralization,
which contrasts with the requirements of effective participation). On the
other hand, the results show a reality that questions the effectiveness of
the theoretical models used in the study, since several of its categories
do not fit the context. Thus, albeit the institutionalization of CCs is
considered a significant step, taking into account the history of a very
centralized country, the finding is that there is still a long way to go so
that participation becomes effective.

Keywords: participation, social control, public policies.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Mapa de Moçambique e Limites Geográficos ............................... 32


FIGURA 2: Representação Esquemática dos CCs e sua Inserção na Estrutura
Administrativa do Distrito ............................................................................... 128

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Órgãos Locais do Estado e Correspondentes CCs ..................... 123


QUADRO 2: Lista dos CCs do distrito de Angoche (mandato 2011-2014) .... 133
LISTA DE SIGLAS

AMODE – Associação Moçambicana para o Desenvolvimento e


Democracia
ANC – African National Congress/Congresso Nacional Africano
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior
CCD – Conselho Consultivo Distrital
CCL – Conselho Consultivo de Localidade
CCP – Conselho Consultivo de Povoação
CCPA – Conselho Consultivo de Posto Administrativo
CCs – Conselhos Consultivos
CDL – Comissão de Desenvolvimento Local
CEI – Casa dos Estudantes do Império
CINSFLU – Censo de Instituições Sem Fins Lucrativos
CLD – Conselho Local do Distrito
CLL – Conselho Local da Localidade
CLP – Conselho Local da Povoação
CLPA – Conselho Local do Posto Administrativo
CL – Conselho Local
COMECON – Conselho para Assistência Econômica Mútua
CONCERN – Organização Não Governamental Irlandesa
CONCP Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias
Portuguesas
CRM – Constituição da República de Moçambique
CRPM – Constituição da República Popular de Moçambique
DCI – Cooperação Irlandesa para o Desenvolvimento
DPPF – Direção Provincial do Plano e Finanças
ESAF – Programa Reforçado de Financiamento para Ajustamento
Estrutural
ETD – Equipa Técnica Distrital
FDD – Fundo de Desenvolvimento Distrital
FDL – Fundo de Desenvolvimento Local
FMI – Fundo Monetário Internacional
FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique
GALM – Grêmio Africano de Lourenço Marques
GDA – Governo do Distrito de Angoche
GD – Grupo Dinamizador
GPN – Governo Provincial de Nampula
GTZ – Agência de Cooperação Técnica Alemã
HELVETAS – Organização Não Governamental Suíça
HIPC – Heavily Indebted Poor Countries/Países Pobres Altamente
Endividados
HIV-SIDA –Vírus de Imunodeficiência Humana-Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida
IBIS – Organização Não Governamental Dinamarquesa
IDA – Associação Internacional do Desenvolvimento
IDH – índice de Desenvolvimento Humano
IES – Instituição de Ensino Superior
INE – Instituto Nacional de Estatística
IPCCs – Instituições de Participação e Consulta Comunitária
LOLE – Lei dos Órgãos Locais do Estado
MAE – Ministério da Administração Estatal
MAMM-UDC – Moma, Angoche, Mogovolas, Mongicual-Unidade de
Desenvolvimento Local
MANU – Mozambique African National Union
MARP – Mecanismo Africano de Revisão de Pares
MNR – Mozambican National Resistence
MPD – Ministério de Planificação e Desenvolvimento
NATO – North Atlantic Treaty Organization/Organização do Tratado do
Atlântico Norte
NEPAD – New Partnership for Development/Nova Parceria para o
Desenvolvimento
NESAM – Núcleo de Estudantes Secundários Africanos de
Moçambique
ODM – Organização Democrática de Massas
OIIL – Orçamento de Investimento de Iniciativas Locais
OJM – Organização da Juventude Moçambicana
OLE – Órgão Local do Estado
OLIPA-ODES – Organização para o Desenvolvimento Sustentável
OMM – Organização da Mulher Moçambicana
ONG – Organização Não Governamental
ONJ – Organização Nacional de Jornalistas
ONP – Organização Nacional dos Professores
OP – Orçamento Participativo
ORAM – Organização Rural de Ajuda Mútua
OSC – Organização da Sociedade Civil
OTM – Organização dos Trabalhadores de Moçambique
OUA – Organização da Unidade Africana
PAI – Presidência Aberta Inclusiva
PAPP – Projeto de Apoio à Planificação Provincial
PARPA – Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta
PDD – Plano Distrital de Desenvolvimento
PEC-PG – Programa Estudantes Convênio de Pós-Graduação
PEDD – Plano Estratégico Distrital de Desenvolvimento
PERGF – Programa de Financiamento para Redução da Pobreza e
Crescimento
PERP – Plano Estratégico para a Redução da Pobreza
PESOD – Plano Econômico e Social e Orçamento Distrital
PIL – Projeto de Promoção de Instituições Locais
PISA – Projeto Integrado de Segurança Alimentar
PNPFD – Programa Nacional de Planificação e Finanças
Descentralizadas
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPFD – Programa de Planificação e Finanças Descentralizadas
PRE – Programa de Reabilitação Econômica
PRES – Programa de Reabilitação Econômica e Social
PROL – Programa de Reforma dos Órgãos Locais
PRRS – Programa de Reabilitação e Reconstrução de Sofala
RENAMO – Resistência Nacional de Moçambique
SALAMA – Organização Não Governamental Moçambicana
SC – Sociedade Civil
SDC – Cooperação Suíça para o Desenvolvimento
SNV – Serviço Holandês de Cooperação e Desenvolvimento
TANU – Tanganyka African National Union
UDENAMO – União Democrática Nacional de Moçambique
UNAMI – União Nacional de Moçambique independente
UNCDF – Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento do
Capital
UNDP –United Nations Development Program
ZAPU – Zimbabwe African People’s Union
Sumário

1. INTRODUÇÃO ............................................................................... 19
1.1 PROBLEMÁTICA ..................................................................... 20
1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA...................................................... 25
1.3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA TEÓRICA DA PESQUISA
.......................................................................................................... 25
1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................ 26
1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO .......................................... 29
CAPÍTULO 1 – MOÇAMBIQUE: DAS SOCIEDADES PRÉ-
COLONIAIS AO ESTADO LIBERAL ............................................ 32
1.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO: LOCALIZAÇÃO,
POPULAÇÃO, ECONOMIA ........................................................... 32
1.1.1 Província de Nampula..................................................................34
1.2 SOCIEDADES PRÉ-COLONIAIS ............................................ 34
1.3 MOVIMENTOS ASSOCIATIVOS, NACIONALISMO E
EMERGÊNCIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA .............................. 40
1.4 A PRIMEIRA REPÚBLICA E A OPÇÃO SOCIALISTA ........ 47
1.5 DO SOCIALISMO AO LIBERALISMO POLÍTICO E
ECONÔMICO .................................................................................. 58
1.6 CONSOLIDAÇÃO DEMOCRÁTICA E PROCESSO DE
DESCENTRALIZAÇÃO ................................................................. 63
CAPÍTULO 2 – DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E
GOVERNANÇA ................................................................................. 77
2.1 TEORIAS DEMOCRÁTICO-PARTICIPATIVAS.................... 77
2.2 RISCOS DA GOVERNANÇA PARTICIPATIVA .................... 89
CAPÍTULO 3 – PADRÕES ASSOCIATIVOS E DE
ORGANIZAÇÃO SOCIOPOLÍTICA EM MOÇAMBIQUE......... 94
3.1 PADRÃO ASSOCIATIVO E GOVERNO................................. 94
3.2 PADRÕES DE ORGANIZAÇÃO SOCIOPOLÍTICA E
AUTORIDADES TRADICIONAIS................................................. 96
3.3 ASSOCIATIVISMO CIVIL NO PÓS-INDEPENDÊNCIA..... 103
CAPÍTULO 4 – DESCENTRALIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO EM
MOÇAMBIQUE. .............................................................................. 109
4.1 ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA ......................................... 109
4.2 CONSELHOS CONSULTIVOS NO CONTEXTO DA
DESCENTRALIZAÇÃO ............................................................... 113
4.3 OS LIMITES DOS CCs: CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DA
LITERATURA ............................................................................... 117
CAPÍTULO 5 – CONSELHOS CONSULTIVOS: ANÁLISE
EMPÍRICA ........................................................................................ 122
5.1 DESENHO INSTITUCIONAL ................................................ 122
5.2 DISTRITO DE ANGOCHE...................................................... 128
5.2.1 Localização geográfica e limites................................................128
5.2.2 Subdivisão político-administrativa.............................................129
5.2.3 Características socioculturais da população.............................129
5.2.4 Características sociais e demográficas e econômicas...............130
5.2.5. Resultados e discussão..............................................................130
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................... 148
REFERÊNCIAS ................................................................................ 153
Legislação............................................................................................166
APÊNDICES...................................................................................... 168
APÊNDICE A – ROTEIROS DE ENTREVITAS .......................... 168
ANEXOS ............................................................................................ 171
ANEXO I – MAPA DE MOÇAMBIQUE-DISTRITO DE
ANGOCHE ..................................................................................... 171
ANEXO II – MAPA DE ÁFRICA.................................................. 171
ANEXO III – MAPA DO IMPÉRIO DE MWENEMUTAPA ....... 172
19

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa enquadra-se no âmbito do programa de Estudantes


Convênio de Pós-Graduação (PEC/PG), do governo brasileiro, ao abrigo
do qual, muitos países em vias de desenvolvimento têm a possibilidade
de aumentarem a qualificação acadêmica de seus quadros, através da
realização de estudos de pós-graduação em várias instituições de ensino
superior (IES) brasileiras. Moçambique, país do qual sou originário,
integra a vasta lista de países que vêm beneficiando, há vários anos,
deste programa de cooperação internacional, que apresenta como
objetivos a cooperação educacional com países em desenvolvimento
com os quais o Brasil mantém acordo de Cooperação Educacional,
Cultural ou de Ciência e Tecnologia, contribuir para a formação de
recursos humanos, por meio da concessão de bolsas de mestrado e
doutorado para realização de estudos em IES brasileiras que emitam
diplomas de validade nacional, em programas de pós-graduação stricto
sensu com nota igual ou superior a 03 (três), segundo classificação
estabelecida pela CAPES, aprimorar a qualificação de professores
universitários, pesquisadores, profissionais e graduados do ensino
superior, visando sua contribuição para o desenvolvimento de seus
países (PEC-PG, 2013).
Considerando essa lógica, este estudo sobre as possibilidades e
limites dos conselhos consultivos como fatores de democratização e de
controle social de políticas públicas busca respostas que contribuam
para o entendimento do alcance (em termos de ampliação e
aprofundamento de práticas democráticas na gestão pública) das
reformas político-administrativas que Moçambique tem realizado, desde
a metade de 1980 (momento em que o país se tornou membro do Banco
Mundial e do FMI), com enfoque particular a partir de 1990, ano da
adoção da constituição fundada em preceitos políticos e econômicos
liberais. Um dos principais vetores destas reformas é a descentralização
(política e administrativa) da gestão pública, a qual se traduz, entre
outras coisas, na abertura para a participação dos cidadãos no processo
de gestão das políticas públicas (planejamento, execução, avaliação e
controle). Esta participação cidadã concretiza-se através das Instituições
de Participação e Consulta Comunitária (IPCCs), particularmente os
Conselhos Locais (CLs), ou, Conselhos Consultivos (CCs), como
doravante designados.
Os CCs são instituições de participação que juntam o Estado e a
sociedade no planejamento das políticas de desenvolvimento no nível
local e o seu principal instrumento normativo é a Lei 8/2003, designada
20

Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE) e respectivo regulamento


(DECRETO 11/2005). Nesse contexto, têm sido realizados alguns
estudos que alimentam o debate sobre estas instituições e seu
desempenho como arenas de participação. A partir de premissas das
teorias democrático-participativas e com base em um olhar bastante
influenciado pelas experiências brasileiras de participação,
particularmente os orçamentos participativos (OPs), este estudo busca
contribuir no debate sobre a participação em Moçambique, ampliando o
olhar sobre as possibilidades e limites dos CCs como fatores de
democratização da gestão pública (em que medida estes são inclusivos?) e de
controle social das políticas públicas (será que estes são realmente fatores de
empoderamento?).

1.1 PROBLEMÁTICA

Desde a adoção da constituição liberal em 1990, que


Moçambique deixou para trás 15 anos de experiência socialista
(economia planificada e partido único), passando para um regime
multipartidário e de economia de mercado. Na sequência, o país vem
realizado uma série de reformas políticas e administrativas, onde a
descentralização aparece como uma das faces mais visíveis desse
processo. A descentralização tem sido, muitas vezes, associada ao
processo de transição democrática (democratização) do país, após 16
anos de guerra civil, a qual terminou em 1992, com a assinatura do
Acordo Geral de Paz, em Roma. Contudo, esta está muito mais ancorada
nas políticas neoliberais assumidas pelo país e traduzidas nas reformas
em curso, focadas na promoção da boa governança, tendo a cabeça
organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o FMI. Portanto,
este é um processo que não resulta de lutas e mobilizações populares,
como se deu no caso brasileiro, por exemplo, em relação à resistência
contra o regime militar e consequente democratização do país, cujo auge
foi a constituinte de 1988 (AVRITZER, 2009, GUIMARÃES, 2009), a
campanha das Diretas Já, a campanha pelo impeachment do Collor e a
eleição de Lula, em 2002 (GUIMARÃES, idem).
Nessa perspectiva, a descentralização é tomada como uma das
vias fundamentais para a promoção da boa governança, pressupondo-se
que ela contribui para aumentar a transparência, a eficiência e a
accountability do Estado, uma vez que permite ao cidadão estar mais
próximo dos centros de tomada de decisões, além de participar dos
processos decisórios. Um dos principais objetivos da descentralização é
o empoderamento dos pobres, isto é, ela deve remover barreiras de toda
21

a natureza e permitir que as pessoas pobres tenham acesso aos processos


institucionais responsáveis pela escolha e implementação de políticas
públicas que afetem suas vidas, o que implica que elas devem ter
controle social sobre as mesmas, tornando-as mais responsivas às suas
necessidades. Portanto, as instituições devem ser abertas e accountables,
ou seja, transparentes, com mecanismos democráticos e de participação
popular e monitoria cidadã do poder público local (BANCO
MUNDIAL, 2000).
No contexto de suas reformas, Moçambique aprovou uma
Emenda Constitucional em 1996, através da Lei 9/96, de 22 de
Novembro1, a qual introduz os princípios e disposições sobre o Poder
Local e Órgãos Locais do Estado (OLE), apontando o caminho da
descentralização e da participação da sociedade na gestão pública.
Assim, a Constituição estabelece que a Administração Pública estrutura-
se com base no princípio de descentralização e desconcentração (art.
250, CRM2, 2004), onde o Poder Local (municípios) “tem como
objetivo organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas
próprios da sua comunidade e promover o desenvolvimento local e o
aprofundamento da democracia, no quadro da unidade do Estado
Moçambicano” (art. 271, idem) e os OLEs têm a função de representar o
Estado no nível local para a administração e o desenvolvimento do
respectivo território, contribuindo para a integração e unidade nacionais
(Art. 262º, idem), garantindo a participação ativa dos cidadãos e
incentivando a iniciativa local na solução dos problemas das
comunidades (Art. 263º, idem).
Como se depreende, o país adotou duas formas de
descentralização, quais sejam a descentralização política e democrática
(devolução) e a descentralização administrativa (desconcentração). A
primeira forma é caracterizada pela transferência de autoridade para
tomada de decisão, tanto financeira, quanto administrativa, para
unidades quase autônomas de governo local (municípios, ou poder
local), que elegem seus prefeitos e deputados municipais, arrecadam
suas receitas e têm autonomia para realizarem decisões de investimento,
possuindo fronteiras geográficas claras e legalmente reconhecidas. A
segunda forma, considerada a forma mais fraca de descentralização,
consiste na redistribuição de autoridade de tomada de decisão e de
responsabilidades financeiras e administrativas entre diferentes níveis do
governo central, com delegação de responsabilidades do poder público

1
Publicada pelo BR, I Série, Suplemento, n°47, de 22/11/1996.
2
Constituição da República de Moçambique.
22

central ao poder público provincial e distrital (OLEs), cujos governantes


são nomeados pelo governo central. Este trabalho está centrado
precisamente nesta segunda forma de descentralização.
Foi nesse âmbito, e buscando materializar os dispositivos
constitucionais, que surgiu a Lei 8/2003, de 19 de Maio (Lei dos Órgãos
Locais do Estado – LOLE). Esta Lei fixa os princípios, normas de
organização, competências e funcionamento dos órgãos locais do Estado
(especificamente os distritos). Conforme a mesma lei, “a organização e
funcionamento dos órgãos locais do Estado obedecem aos princípios da
desconcentração e da desburocratização, visando o
descongestionamento do escalão central e a aproximação dos serviços
públicos às populações, de modo a garantir a celeridade e a adequação
às realidades locais” (art. 3º).
Nessa perspectiva, o distrito ganha relevância e passa a assumir-
se como uma unidade de grande importância na administração local,
ampliando as possibilidades de participação da sociedade na gestão
pública. A mesma lei determina que “o Distrito é a unidade territorial
principal da organização e funcionamento da administração local do
Estado e a base da planificação do desenvolvimento económico, social e
cultural da República de Moçambique” (art. 12º, inciso I, LEI 8/2003).
O regulamento desta lei trouxe maior clareza, em relação ao
envolvimento da sociedade no desenho e implementação de políticas
públicas, ao dispor que “os órgãos locais do Estado devem assegurar a
participação dos cidadãos, das comunidades, das associações e de outras
formas de organização, que tenham por objeto a defesa dos seus
interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito” (art.
100º, inciso I, DECRETO 11/2005), ou, “os planos de desenvolvimento
distrital são elaborados com a participação da população residente
através dos conselhos locais e visam mobilizar recursos humanos,
materiais e financeiros adicionais para a resolução de problemas do
distrito” (art. 103º, inciso I, idem).
Ainda de acordo com o mesmo regulamento, o plano distrital é o
instrumento principal do desenvolvimento econômico, social e cultural
da República de Moçambique, sendo a base para a elaboração do
orçamento distrital (art. 124º, idem) e o processo de sua elaboração deve
observar a metodologia e as normas estabelecidas sobre a planificação
participativa, de forma a assegurar a participação comunitária em todas
as fases, até à sua implementação (art. 125º, idem). Esta participação
23

deve ocorrer através dos Conselhos Locais3 (ou, conselhos Consultivos),


nos níveis de: a) distrito, b) posto administrativo, c) localidade, e d)
povoação4 (art. 117º, DECRETO 11/2005), sendo este mecanismo o
objeto do presente estudo.
Estes processos de descentralização e participação acontecem em
um contexto caracterizado pela centralização do poder do Estado,
herança do modelo socialista, que vigorou no país, desde a
independência (1975) até 1990, momento da introdução do liberalismo
político e econômico, através da revisão constitucional, e predomínio de
um regime de partido dominante, onde um único partido vem
governando há quase 40 anos, mesmo em presença de democracia
multipartidária, desde 1990, e realização de quatro eleições gerais, os
partidos da oposição nunca conquistaram o poder (SARTORI, 1976
apud FORQUILHA; ORRE, 2012). É um regime neopatrimonialista,
isto é, caracterizado por instituições fracas, traços clientelistas, onde a
distinção entre público e privado se acha comprometida, afetado pela
corrupção (econômica, ou ligada a uma troca social), nepotismo,
tribalismo, etc., em que a elite no poder busca se proteger e se manter de
qualquer forma (BADIE; HERMET, 2001 apud FORQUILHA, 2009).
Por outro lado, em um contexto marcado por altos índices de pobreza
(54%), analfabetismo (50,3%) e elevadíssimos níveis de população rural
(69,6%). Estes fatores vão refletir-se na forma como o país pensa e
realiza a descentralização e a própria participação, impactando suas
dinâmicas.
Do ponto de vista das teorias da democracia participativa, a
participação tem o potencial, conforme mencionamos acima, de
democratizar a gestão pública e garantir controle social das políticas
públicas, ao promover a inclusão e distribuir autoridade, o que afeta
positivamente aspectos como a responsiveness (resposta às demandas) e
a accountability (prestação de contas) dos governos (WAMPLER, 2005,
CORTÊS, 2005). Contudo, estes processos não são automáticos, sendo
apontados vários riscos que podem comprometer os resultados da
participação, tais como a vulnerabilidade a problemas de poder e

3
Órgão de consulta das autoridades da administração local, na busca de
soluções para questões fundamentais que afetam a vida das populações, o seu
bem-estar e desenvolvimento sustentável, integrado e harmonioso das condições
de vida da comunidade local, no qual participam também as autoridades
comunitárias (artigo 111, DECRETO 11/2005).
4
É a subdivisão político-administrativa que compõe a localidade e pode
contemplar povoados, aldeias, etc.
24

dominação, por parte de elites ou facções poderosas, a manipulação, a


cooptação, o controle político e administrativo, que podem estar
associados a questões como a pobreza, analfabetismo, etc. Tomando em
conta estes e outros aspectos, o contexto sócio-político local vai ser
importante na análise dos limites e possibilidades da participação, onde
os atores envolvidos, tanto sociais, quanto estatais, e as instituições
desempenham papel relevante. Dito de outra forma, nessas análises
torna-se indispensável olhar para os contextos socioculturais e político-
institucionais, para um melhor entendimento das possibilidades e limites
da participação.
Desse modo, embora ainda não exista uma teoria consolidada que
permita fazer leituras precisas dos resultados das institucionalidades
participativas, para a leitura analítica dos dados sobre o desempenho da
institucionalidade participativa, objeto deste trabalho, recorremos a um
modelo de análise que combina diferentes perspectivas teórico-
metodológicas (culturalista, democrática e neo-institucionalista),
baseando-nos em três variáveis explicativas: desenho institucional,
compromisso político do governo e tradição associativa. Onde,
dependendo do nível de associação, ou combinação entre estas variáveis
as instituições participativas apresentam maiores ou menores
possibilidades de sucesso (LUCHMANN; BORBA, 2007). O argumento
aqui é que a organização e a atuação dos atores sociais são
condicionadas tanto por configurações político-institucionais (reflexo do
projeto político e compromisso governamental), quanto pela diversidade
e densidade associativa, os quais, por sua vez, impactam o desenho
institucional e sua operacionalização, isto é, o processo de participação.
Entretanto, vale dizer que, embora este estudo seja embasado
pelas teorias democrático-participativas, estas apresentam limites
explicativos para a realidade em análise. São paradigmas concebidos em
contextos diferentes daquele que caracteriza o objeto do presente estudo,
dai que algumas de suas categorias não estão dando conta de explicar
integralmente as dinâmicas em análise. Importa ressaltar, por exemplo,
que estamos analisando uma sociedade que busca sair do colonialismo e
construir um Estado-nação (sofrendo, no entanto, patamares de
formação convulsionada, primeiro a guerra colonial, depois a
independência e com ela veio o socialismo e a guerra civil, na sequência
o abandono do socialismo, o fim da guerra civil e adoção do
liberalismo), aspectos já ultrapassados nas realidades em que estes
paradigmas foram concebidos. Ao que se acresce o fato de
Moçambique, como muitos países africanos, ser uma sociedade baseada
em padrões de organização que diferem dos padrões ocidentais.
25

Considerando a problematização realizada, surgem as seguintes


questões de pesquisa: olhando para as especificidades da realidade
moçambicana, os Conselhos Consultivos (CCs) podem ser considerados
fatores de transformações das relações básicas entre o Estado e a
sociedade, democratizando a gestão pública e promovendo o controle
social das políticas públicas? Quais são os limites e possibilidades dos
CCs em promoverem a inclusão e o empoderamento? Diante disso,
podem estas arenas ampliar a participação e aprofundar a democracia?

1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA

Esta pesquisa apresenta-se sob a forma de estudo de caso, em que


o campo de pesquisa é o distrito de Angoche, situado na província de
Nampula, em Moçambique. A escolha de Moçambique como local de
pesquisa deve-se ao fato de o autor ser moçambicano e entender, por
isso, que uma pesquisa sobre uma realidade bem conhecida poderá
constituir-se em mais-valias significativa para o país, por um lado. Por
outro, esta escolha cumpre o espírito do programa de Estudantes
Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), o qual defende que os bolsistas
devem desenvolver projetos de pesquisa em áreas relevantes e de
interesse para seus países de origem. A escolha do distrito de Angoche
como nosso campo de pesquisa justifica-se por este fazer parte da
restrita lista de distritos (Angoche, Moma, Mogovolas, Mongicual,
Mecuburi) que acolheram pela primeira vez, em Moçambique, as
experiências participativas, tendo este distrito se transformado em uma
das maiores referências no país, como o é Porto Alegre, no caso
brasileiro, por exemplo.

1.3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA TEÓRICA DA PESQUISA

A escolha do tema desta pesquisa está associada ao nosso


interesse em assuntos como Estado de Direito, Democracia e Cidadania,
um interesse desenvolvido ainda durante a graduação, através do contato
com matérias da grade curricular do curso de Relações Internacionais e
Diplomacia, entre elas, a Teoria de Estado e de Direito, o Direito
Constitucional e a Filosofia Política, que acabariam por influenciar o
rumo profissional, marcado essencialmente por ativismo cívico, através
de atuação em organizações da sociedade civil (OSC) na promoção da
cidadania. Por outro lado, as transformações que Moçambique tem
vivido, há algumas décadas, impactam questões como a cidadania. Esta
metamorfose do Estado moçambicano, que conduziu à pluralização do
26

espaço político, ao processo de descentralização e a todo um conjunto de


reformas políticas, administrativas e econômicas, renovou o nosso
interesse em seguir trabalhando nessa temática, procurando contribuir
para o entendimento deste processo todo, tendo como nosso foco
aspectos como democracia, participação e cidadania.
Nesse sentido, entendemos que este estudo é pertinente pelo fato
de trazer elementos de contribuição no debate sobre alguns dos
principais aspectos dessas transformações, quais sejam a democratização
da gestão pública e o controle social das políticas públicas. Se
considerarmos, a partir do ponto de vista de Teixeira (2002), que as
políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e
implementação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do
poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder,
torna-se vital, nessa conjuntura de reformas do Estado, debruçarmo-nos
sobre as formas como as mais diversas sensibilidades na sociedade são
integradas no complexo ciclo de gestão das mesmas. Estudar esses
mecanismos significa contribuir para a melhoria da participação da
sociedade civil no processo decisório, contribuindo também,
simultaneamente, no processo de produção de conhecimento em uma
área ainda relativamente nova no País.
O presente estudo é, portanto, uma contribuição para enriquecer
as discussões sobre a gestão participativa das políticas públicas,
trazendo para o debate novos elementos de análise, como o fazemos
aqui, através do recurso à combinação de modelos teórico-
metodológicos, baseados no tripé desenho institucional, compromisso
governamental e tradição associativa, que nos parece tratar-se do
primeiro uso em se tratando de uma abordagem sobre a realidade
moçambicana. Ou seja, este trabalho vem reforçar o debate existente,
trazendo novos elementos que ajudam a enriquecer o campo, ao
proporcionar outras perspectivas de leitura da problemática da
participação e seus efeitos democratizantes ou não. Assim, mais do que
uma justificativa para obtenção de grau acadêmico, esta pesquisa é uma
necessidade na busca pela compreensão de um processo tão importante
para o rumo do país, em termos de práticas democráticas
(democratização da gestão pública e controle social das políticas
públicas).

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa foi realizada com base em métodos qualitativos,


sendo classificada, segundo tipologia apresentada por Gil (1991), como
27

descritiva, isto é, faz a caracterização de um fenômeno (Conselhos


Consultivos), estabelecendo relações entre variáveis. Conforme
argumenta Gil, as pesquisas descritivas, juntamente com as
exploratórias, são as que habitualmente realizam os pesquisadores
sociais preocupados com a atuação prática (ibidem). Nesse processo,
coletamos informações referentes à experiência dos CCs, recorrendo a
várias fontes, escritas e orais.
Nesse contexto, para compor a nossa pesquisa, inicialmente,
fizemos levantamento bibliográfico, revisando a literatura, de modo a
localizar o estudo no campo teórico em que ele se encontra inserido,
proporcionando as bases para a pesquisa de campo, a qual ocorreu em
um segundo momento. Assim, tivemos que revisar a literatura local
(brasileira), internacional e do país de origem (Moçambique), onde se
encontra o campo de pesquisa deste estudo. Era importante e
indispensável o acesso à literatura produzida em e sobre Moçambique,
uma vez que a realidade em estudo era moçambicana. Na revisão de
literatura o nosso foco temático foi a democracia, com destaque para a
participação, onde o modelo dos OPs (Brasil) foi fundamental para fazer
as aproximações que nos permitiram a leitura dos CCs em Moçambique,
salvaguardando, obviamente, todas as diferenças contextuais e de
práticas.
Tendo em vista analisar os limites e possibilidades dos CCs, no
distrito de Angoche, como fatores de democratização da gestão pública
e controle social das políticas públicas, realizou-se uma pesquisa de
campo que durou um mês, entre 14 de Março de 2013 e 14 de Abril de
2013. As técnicas utilizadas foram análise de documentos, dados
secundários, observação de reuniões e entrevistas. Com isto buscou-se
observar e levantar dados e informações sobre o contexto, os motivos,
os recursos, as percepções e indicadores que pudessem auxiliar na
leitura e interpretação das dinâmicas dos CCs.
Primeiramente, fez-se a coleta, levantamento e análise de
materiais e documentos oficiais (Atas das reuniões dos CCs, legislação,
PEDD, PESODs). As informações obtidas permitiram-nos poder
analisar os temas, os conteúdos e, de alguma maneira, a natureza das
relações que se estabelecem entre os diversos atores sociais nesses
espaços participativos. As atas das reuniões contribuíram para a
percepção da dinâmica interna do processo decisório nos conselhos
locais, o processo de interação entre os atores e os resultados dessa
interação sobre quem são os atores e de onde eles vêm. Estas
informações ajudaram na leitura sobre as relações que se estabelecem
entre os atores (horizontais, verticais, nível de deliberação). A
28

legislação, particularmente, a Lei 8/2003, o Decreto 11/2005,


forneceram-nos os elementos fundamentais do desenho institucional,
seus significados, funcionamento dos CCs, ajudando a compreender
como este se relaciona com o compromisso governamental.
Na sequência e intercalando com as entrevistas, realizamos a
observação, participando em três reuniões, uma em cada nível, isto é,
localidade (Muchepua), posto administrativo (Angoche-sede) e distrito
(Angoche). Com a observação, buscamos captar as relações que se
estabelecem entre os atores sociais, o processo decisório, como se dão
os discursos, quais as temáticas, os comportamentos dos atores, e o fim
último deste exercício era de relacionar todas as informações
conseguidas com o desenho institucional, tentando compreender como
ele é operacionalizado.
As entrevistas revelaram-se de interesse fundamental para a nossa
pesquisa. Esta é uma metodologia que, corretamente valorizada, permite
ao pesquisador retirar das suas entrevistas informações e elementos de
reflexão muito ricos e matizados (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992),
ou, por sua natureza interativa, ela permite tratar de temas complexos
que dificilmente poderiam ser investigados adequadamente através de
questionários, explorando-os em profundidade (ALVES-MAZZOTTI;
GEWANDSZNAJDER, 1999). Estas foram semiestruturadas e abertas.
Foram realizadas (16) dezesseis entrevistas, sendo (3) com agentes do
poder público, (9) nove com membros dos CCs, (2) duas com OSC5
nacionais (AMODE6 e Plataforma da Sociedade Civil-Nampula), uma
(1) com ONG internacional (SNV7) e (2) duas com parceiros de
cooperação internacional8 (Holanda e Banco Mundial9).

5
Organizações da Sociedade Civil.
6
Associação Moçambicana para o Desenvolvimento e Democracia.
7
Serviço Holandês de Cooperação e Desenvolvimento.
8
Para efeitos desta pesquisa, parceiros de cooperação internacional refere-se aos
países e agências internacionais com quem Moçambique mantém relações de
cooperação (particularmente no que diz respeito ao apoio – tanto financeiro
quanto técnico – ao desenvolvimento).
9
A escolha da Holanda deveu-se ao fato de ter sido um dos principais países a
apoiarem a descentralização e o planejamento participativo na província de
Nampula e, particularmente em Angoche. A escolha do Banco Mundial tem a
ver com a sua intervenção em todo o processo de reformas que o país tem
estado a realizar desde que se tornou membro desta instituição e do FMI, em
1986, e também, particularmente pelo fato deste ser atualmente o maior
financiador do processo de descentralização no país.
29

Por parte do poder público, um dos entrevistados é participante e


presidente do Conselho Consultivo do Distrito (administrador), os
outros dois são quadros de escalões médio (provincial) e médio-baixo
(distrital), o objetivo destas entrevistas especificamente era de coletar
informações que ajudassem na avaliação da percepção dos atores
estatais sobre o processo, isto é, o significado que atribuem à
participação e à instituição participativa em si, sua relevância no
contexto da gestão pública local, o que contribuiu para o entendimento
da variável compromisso governamental. Por parte dos membros dos
CCs, as entrevistas pretendiam colher o seu olhar em relação à
participação e aos CCs, com perguntas feitas em volta, sobretudo, do
desenho institucional e do compromisso governamental.
Em relação às OSC, buscou-se captar a sua leitura deste processo,
como atores ativamente envolvidos (prestam assistência através, por
exemplo, de ações de capacitação dos membros dos CCs, mas também
fazem trabalho de advocacia pelas comunidades, junto do poder
público), A entrevista com a ONG internacional foi feita na lógica
daquela feita à sociedade civil, uma vez que os seus papeis se
confundem e por vezes sobrepõem-se. Por fim, as conversas mantidas
com os parceiros de cooperação internacional visaram capturar o olhar
de quem apoia o processo (assessoria técnica e financeira), isto é, as
suas razões, motivações, expectativas e como o avaliam.

1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

A presente dissertação foi disposta em cinco capítulos, mais as


considerações finais. Parte significativa dos capítulos deteve-se na
abordagem da história do país, como forma de introduzir o leitor no
contexto, auxiliando na compreensão do tema da pesquisa. Dessa
maneira, o primeiro capítulo subdivide-se em seis seções, onde, a
primeira seção faz uma breve introdução da localização geográfica do
país, apresentando também alguns dados sociais, demográficos e
econômicos. A segunda seção aborda as sociedades pré-coloniais,
fazendo o enquadramento das primeiras formas de organização social e
política nos territórios atualmente designados Moçambique. Nesta seção
é destacado o papel das autoridades tradicionais, nessa organização, e
ainda o impacto da colonização sobre as formas de organização que
vigoravam antes da colonização. A terceira seção faz uma primeira
abordagem ao associativismo em Moçambique, o qual aparece ligado às
reações contra as políticas coloniais discriminatórias e vai contribuir
para a emergência do nacionalismo, que também é tratado nesta seção,
30

com enfoque no processo que deu origem ao Movimento de Libertação


de Moçambique (FRELIMO). A quarta seção trata do caminho
percorrido na luta de libertação até à independência, destacando a
adoção do socialismo na primeira República Moçambicana e a ideia de
democracia popular que o regime buscou implementar. A quinta seção
aborda o processo de transição do socialismo para o capitalismo, os
efeitos da guerra, a adesão ao FMI e Banco Mundial. A sexta e última
seção, deste capítulo, fala da consolidação da democracia e do processo
de descentralização, que iniciou como parte das reformas que o país se
viu obrigado a realizar e que tomaram corpo através dos programas do
banco mundial e FMI. Nesta seção é tratada a conjuntura que vai
conduzir à introdução das instituições de participação, no âmbito do
processo de descentralização.
O segundo capítulo, subdividido em duas seções, aborda a teoria
da democracia participativa, enquadrando o debate das instituições
participativas, suas justificativas, seus riscos. A primeira seção apresenta
as justificativas para a promoção da participação, enfatizando os
argumentos de Cohen (1999) e Bohman (2000) sobre a necessidade de
superação do modelo habermasiano, em que se defende a importância de
o cidadão não apenas influenciar os debates, mas também ter a
capacidade de propor agendas. A segunda seção retrata os riscos
associados à participação e apresenta algumas propostas para sua
superação.
No terceiro capítulo, subdividido em três seções, faz-se a
abordagem dos padrões associativos e de organização sociopolítica em
Moçambique. Assim, a primeira seção trata do padrão associativo de
governo, buscando entender como esse padrão impacta o processo de
descentralização e as arenas de participação no país. A segunda seção
volta ao debate do tema das autoridades tradicionais, buscando
compreender a forma como estas se articulam e moldam os padrões de
organização nas sociedades tradicionais e como isso se associa a ideia
de capital social nessas sociedades e a sua relação com os processos de
participação. A terceira e última seção, do capítulo, retoma a discussão
sobre o associativismo, enfocando o período pós-socialismo. Aqui se
lança o olhar sobre o tipo de associativismo vigente, formas e
características, buscando compreender como isso impacta o desempenho
das instituições de participação.
O quarto capítulo aborda o processo de descentralização na
relação direta com a participação. Este capítulo subdivide-se em três
seções. A primeira seção retrata o desfasamento entre o discurso e a
prática participativa no contexto do processo de descentralização em
31

Moçambique. A segunda seção busca situar os CCs no conjunto de


iniciativas de políticas públicas inseridas no processo de
descentralização. A terceira e última seção aborda os principais limites
dos CCs a partir do olhar da literatura. Neste capítulo faz-se uma análise
cujo argumento enfoca na variável compromisso governamental.
O quinto e último capítulo, subdividido em duas seções, faz a
análise empírica a partir da pesquisa de campo. Nesse sentido, a
primeira seção apresenta o desenho institucional dos CCs e seus
aspectos gerais. A segunda seção, subdividida em cinco subseções, faz,
nas primeiras quatro subseções, uma breve contextualização do distrito
de Angoche, apresentando aspectos como localização geográfica,
características sociais e demográficas. Na última subseção são
apresentados os resultados específicos de Angoche, fazendo-se a
respectiva discussão. Por fim, são apresentadas as considerações finais,
onde são colocadas as principais constatações desta pesquisa.
32

CAPÍTULO 1 – MOÇAMBIQUE: DAS SOCIEDADES PRÉ-


COLONIAIS AO ESTADO LIBERAL

1.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO: LOCALIZAÇÃO,


POPULAÇÃO, ECONOMIA

Em se tratando do estudo de uma realidade diversa da brasileira e


sobre a qual existem poucas referências localmente, entendemos ser
importante fazer uma breve introdução sobre o país. Assim,
apresentamos, resumidamente, aspectos relativos à geografia, política,
economia e história.

FIGURA 1: Mapa de Moçambique e Limites Geográficos

A República de Moçambique situa-se na costa oriental da África,


com uma superfície de 799.380 km2. É banhado pelo Oceano Índico,
com uma extensão de 2.515 km e uma fronteira terrestre de 4.330 km.
Limites geográficos: Norte: Tanzânia, Noroeste: Malawi e Zâmbia,
Oeste: Zimbabwe, Leste: Oceano Índico, Sul e Sudeste: Suazilândia e
África do Sul. (vide figura 1, acima). Tem uma organização político-
33

administrativa que compreende Províncias, Distritos, Postos


Administrativos e Localidades (os distritos são subdivisões da província,
os postos administrativos são subdivisões do distrito e as localidades são
subdivisões do posto administrativo). Possui 11 Províncias: Niassa,
Cabo Delgado, Nampula, Zambézia, Tete, Manica, Sofala, Inhambane,
Gaza, Maputo Província, incluindo a cidade de Maputo, capital do país,
com estatuto de Província, e 133 distritos. (vide figura 1, acima). Os
governadores provinciais são nomeados pelo Presidente da República e
os administradores distritais são nomeados pelo ministro da
Administração Estatal. Todas as capitais provinciais são municípios (o
que significa que os seus órgãos de gestão são eleitos). Nos territórios
dos distritos também existem municípios (ocupam as regiões designadas
de cidades e ou vilas).
Segundo o Instituto Nacional de Estatística de Moçambique
(INE), a população do país é de 20.632.434 de habitantes (em 200710),
dos quais 10.702.238 são mulheres, o que equivale a 51,9%. A
densidade demográfica é de 26 hab./km2. A maioria da população vive
na zona rural, correspondendo a 69,6%, contra 30,4% vivendo na zona
urbana. Sua população é jovem, o que se traduz em 46,9% de pessoas
abaixo de 15 anos de idade. Possui uma taxa de analfabetismo de 50,3%,
dos quais 64,1% são mulheres, maioritariamente das zonas rurais. A
incidência da pobreza é de 54,7%. A taxa global de fecundidade é de 5,7
filhos por mulher. Apenas 1,9% da população possui água canalizada
dentro de casa. A esperança média de vida da população é de 50,9 anos,
sendo 48,8 para os homens e 52,9 para as mulheres (INE, 2009).
Moçambique tem o português como língua oficial. Entretanto,
este é um país caracterizado por elevada diversidade étnica e linguística,
sendo difícil de precisar a quantidade de línguas nacionais existente.
Lopes (2004), por exemplo, fala de 20 línguas nacionais, no entanto, se
considerarmos que estas possuem variantes, essas duas dezenas são
superadas em grande medida, podendo atingir as quatro dezenas, ou
próximo disso. Algumas destas línguas destacam-se como as mais
faladas, conforme segue: emakhua 26,3%, xichamgana 14,4%, elomwe
7,9% e cisena 7,0%. O português, embora seja a língua oficial, é falado
por apenas 40% da população (INE, 1999). A agricultura é o maior setor
da economia em termos de geração de emprego, na sua maioria, de
subsistência, com 80,5%; seguida pelos serviços, com 16,1% e a
indústria com 3,5%, com a indústria extrativa a crescer bastante nos

10
As projeções indicam uma população em torno de 24 milhões, em 2012 (INE,
2009).
34

últimos anos, em resultado das descobertas de recursos que vem


acontecendo na área de minerais e petróleo e gás. Um dado bastante
negativo é o fato de possuir uma economia essencialmente informal,
sendo que a população economicamente ativa no setor formal não
alcança 15%.

1.1.1 Província de Nampula

O nosso campo de pesquisa, o distrito de Angoche (cuja


contextualização é feita no capítulo décimo terceiro) localiza-se na
província de Nampula, pelo que consideramos importante trazer alguns
dados básicos sobre a região.
A província de Nampula situa-se na região norte de Moçambique
(há 2150 km de Maputo), mais precisamente a nordeste. Faz fronteira: a
Norte: com as províncias de Cabo Delgado e Niassa, a Sudoeste: com a
província da Zambézia, a Este está o Oceano Índico. Possui uma
superfície de 79.010 km2, com uma população de 3.985.613 habitantes
e densidade demográfica de 50,44 hab./km2 (em 2007). Ocupa o
terceiro lugar no histórico do PIB nacional, seu IDH é 0,402, seu índice
de esperança é 0,329, o índice de educação é 0, 390, o índice de
esperança de vida a nascença é 44,7, sua taxa de analfabetismo de
adultos é 36,1, o que reflete um dos piores desempenhos em todos os
índices. Mas também possui a pior taxa de combinação de escolaridade,
que é 44,7 (MACUANE et al., 2012). Também possui índice de
incidência da pobreza em dois pontos percentuais de 54.7 e uma taxa de
prevalência de má nutrição crônica de 56%, sendo a segunda pior taxa
do país (ibidem).

1.2 SOCIEDADES PRÉ-COLONIAIS

Moçambique tem um registo histórico caracterizado por uma


imensa, rica e variada atividade política, sobretudo, a partir do momento
que se estabeleceram as primeiras sociedades sedentárias, as quais se
mantinham graças à combinação de atividades como a agricultura, o
pastoreio, a caça e a pesca. A fixação destas sociedades sedentárias, não
só na região de Moçambique, mas também em praticamente toda África
subsaariana, resultou de um processo de expansão dos povos Bantu, a
partir da grande floresta congolesa, na África central, por volta de 2000
a. C.
Entretanto, apenas entre os séculos I e IV é que os Bantu, povos
com domínio da agricultura e da metalurgia do ferro, se estabeleceram
35

nos territórios de Moçambique. Este movimento já era, em si, também


um movimento político, uma vez que, para além de ter sido
impulsionado por razões econômicas (seca, uso intensivo do solo e
busca de terrenos mais férteis), tinha motivações políticas (guerras,
estratégias de conquistas e defesa) (MANGUE, 2007).
Na sequencia, testemunha-se, ao longo dos séculos, o
desenvolvimento de diversas formas de organização política, econômica
e social, com base em fatores como clima, comércio, influências
culturais de além-mar, conflitos entre estruturas políticas tradicionais,
banditismo endêmico, migrações, invasões e dominação política de
invasores estrangeiros (LOURENÇO, 2005).
Embora a expansão Bantu tenha tornado as estruturas políticas,
nestes territórios, mais complexas, as regras tradicionais de organização
ainda se encontravam baseadas na linhagem (descendência familiar), a
qual podia ser matrilinear (a descendência é definida com base na
linhagem da mulher) ou patrilinear (a linhagem do homem é que define
a descendência), variando de região para região. Estas estruturas
políticas eram designadas chefaturas, ou regulados, sendo que muitos
dos que tinham na “agricultura de aldeia” a sua base econômica,
sobretudo as de linhagem matrilinear, pela natureza precária da mesma,
apresentavam-se com um poder político fraco. Enquanto isso, as
chefaturas cuja base econômica era a pecuária tinham um poder mais
forte e centralizado, conferido pela posse de gado, que permitia a
acumulação de riquezas transferíveis (ibidem).
Entretanto, o florescer da atividade comercial do ouro, marfim e
escravos, entre a costa oriental da África e a península arábica, a partir
do século XI, depois com os portugueses, já no século XVI, é que veio
permitir o estabelecimento de estruturas políticas gigantescas, com
formas de poder muito mais complexas, como foi o caso do império do
Mwenemutapa (1325-finais do século XVII) (no entanto, importa
ressaltar que há uma divergência muito grande de datas, que se torna
muito difícil precisar quando começa e termina este império), frutos de
invasões, conquistas e alianças com vários reinos e territórios tribais, os
quais se tornavam vassalos11.
Sendo o Mwenemutapa a autoridade máxima do império, aos reis
e chefaturas tribais, dos territórios imperiais, era-lhes reconhecida

11
Sem sermos muito precisos e orientados a partir dos seus limites, podemos
afirmar que o Mwenemutapa estendia-se desde parte do sul de Moçambique
(província de Inhambane), ocupando a região central do país (províncias de
Sofala, Manica e Tete) e ainda o território correspondente ao atual Zimbabwe.
36

autoridade política, jurídica, religiosa e administrativa sobre os seus


territórios, incluindo a cobrança de tributos, que eram pagos anualmente
ao Mwenemutapa. O Império dos Mwenemutapas é tido como um dos
grandes símbolos e marcos da civilização da África Subsaariana,
estendendo o seu domínio a uma região limitada pelo rio Zambeze, a
norte, pelo Oceano Índico, a leste, pelo rio Limpopo, a sul, e pelo
deserto de Kalahari, a sudoeste (MANGUE, 2007).
Vale ressaltar que todas as autoridades tradicionais,
independentemente da dimensão de sua estrutura política e do período
de sua vigência, desde as pequenas chefaturas e regulados, baseados na
linhagem, passando pelas formações tipo Estado (na perspectiva
weberiana, onde o traço fundamental era a dominação tradicional,
contudo, não exclusivo, uma vez que as relações de poder e fontes de
legitimidade assentavam em princípios mistos e complexos, ocorrendo
também significativos níveis de burocratização na administração das
unidades políticas), até aos impérios, tinham a sua autoridade política
fundada na capacidade de gestão de quatro fatores principais:
geográfico, político-militar, econômico e mágico-religioso, o que era
feito, regra geral, obedecendo a determinados preceitos democráticos
(RITA-FERREIRA12, 1975, apud LOURENÇO, 2005). Ainda de acordo
com a fala de Rita-Ferreira (idem),

Apesar desta grande concentração de poderes


político-jurídicos, os chefes tradicionais não eram,
por regra, autocratas governando arbitrária e
despoticamente. Estes deviam cingir-se às normas
do direito consuetudinário e empregar os seus
privilégios e riquezas com ponderação e
discernimento, tendo sempre em mente o bem-
estar geral da comunidade. A autoridade política
de que dispunham, era contrabalançada pelos
conselheiros e pelos membros da família
dirigente. Os próprios agentes de execução
política não lhes deviam obediência cega. Se
exorbitassem as suas funções podiam ser depostos
ou mesmos executados por rebeliões populares,
como aconteceu em 1791, ao chefe tradicional
Capela, da margem sul da baía de Lourenço
Marques, que, durante uma grande fome, tentou

12
RITA-FERREIRA, António. Povos de Moçambique: História e Cultura.
Porto: Afrontamento, 1975.
37

extorquir mantimentos aos súbditos. A própria


raridade de movimentos de luta contra opressões
tirânicas explica-se, largamente, pela moderação
da esmagadora maioria dos chefes políticos
tradicionais (apud LOURENÇO, 2005, p. 12).

A presença portuguesa em Moçambique, sobretudo a partir do


século XIX, momento que se dá o início da ocupação efetiva do
território moçambicano pelos portugueses13, através da implantação de
uma estrutura político-administrativa direta14 e indireta15, interferiu
profundamente na estrutura de organização social, política e econômica
existente nas comunidades pré-coloniais. Na administração direta, o
Estado colonial, fazendo uso do conhecimento que tinha adquirido sobre

13
No seguimento das determinações da conferência de Berlim, realizada entre
19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, com o objetivo de
estabelecer as regras de ocupação e partilha de África, Portugal conduziu um
conjunto vasto de operações militares de grande envergadura, que ficaram
conhecidas como Campanhas de Conquista e de Pacificação, em territórios
como Angola e Moçambique, visando assegurar o controle efetivo dos mesmos.
14
A soberania do Estado colonial é exercida diretamente sobre os cidadãos
civilizados (não indígenas e indígenas assimilados) por via do direito público e
privado colonial. “O direito português atuava no espaço restrito dos colonos
cidadãos” (MENESES, 2009, p.19).
15
Duas vias de administração indireta podem ser sublinhadas na política
colonial: primeiro, por via das autoridades tradicionais, segundo, por via de
concessões. Para o primeiro caso, os indígenas [não cidadãos – indivíduos
nascidos nas colônias, de pai e mãe indígenas, “não se distinguissem pela sua
instrução e costumes do comum da sua raça” (CUNHA, 1960, Vol.1, p.97, apud
CABAÇO, 2007, p.148)] governados por um direito assente em hábitos e
costumes étnicos (desde que não repugnassem a civilização europeia), que é
inadaptável ao direito europeu, passam “a ser administrados localmente por
entidades reconhecidas pelo Estado colonial como representantes legítimos
dessas populações: as autoridades gentílicas ou tradicionais” (MENESES, 2009,
p.15). Segundo, na incapacidade de estabelecer mecanismos de administração
colonial direta nos vastos territórios de Moçambique, o governo português
decidiu-se pela concessão de 2/3 dos mesmos (zonas Sul e Norte) a companhias
privadas, de capitais majoritariamente ingleses, que ficaram conhecidas como
Majestáticas, uma vez que detinham direitos quase soberanos, sobre os
territórios explorados e respectivos habitantes, podendo inclusive instituir e
cobrar impostos. Três Companhias partilhavam esses territórios, a saber:
Companhia do Niassa, Companhia da Zambézia e Companhia de Moçambique
(HEDGES, 1999).
38

o funcionamento das sociedades tradicionais africanas16, sobretudo em


relação ao importante papel aglutinador e de coesão desempenhado
pelas autoridades tradicionais, concluiu que o sucesso da governação e
estabelecimento da sua soberania política dependiam muito do apoio e
colaboração destas autoridades (OSÓRIO; RODRIGUES17, 1940, apud
LOURENÇO, 2005).
Essa posição pode ser extraída do argumento de Negreiros (1980)
ao defender que era impossível utilizar o negro em grande número nas
colónias, se tal não fosse feito recorrendo à influência ou ordem direta
do seu chefe, fosse ele régulo, ou, outro qualquer, com alguma
autoridade. Prosseguindo, refere que, esse chefe, sem precisar tratar o
outro negro como escravo, exerce sobre sua gente ou tribo uma
influência absoluta, a qual os portugueses deviam aproveitar (apud
LOURENÇO, idem).
É dentro dessa lógica que se dá a integração das autoridades
tradicionais na nova estrutura político-administrativa, que ia se
estabelecendo com a ocupação colonial. Assim, a administração colonial
tomava a seguinte forma: Província ultramarina de Moçambique (com
um Governador-Geral), Distritos (com Governadores de Distrito),
Circunscrições e Concelhos18 (dirigidos por um administrador) e ainda
Postos Administrativos19 (dirigidos por Chefes de Posto20), sendo neste
nível que se encontravam as subdivisões correspondendo às áreas de

16
Um conhecimento que era fruto de vários séculos de experiência no contato
com estas sociedades, desde o século XVI, como mercadores, depois como
conquistadores (
17
OSÓRIO, J.; RODRIGUES, J. Integração dos atuais régulos na obra
administrativa das colónias de Angola e Moçambique. In Congresso do
Mundo Português publicações: XV volume: memórias e comunicações
apresentadas ao Congresso Colonial (IX Congresso), Tomo 2º, II secção,
Lisboa, 1940.
18
Eram unidades administrativas fundamentais, cujas unidades administrativas
mínimas eram as freguesias, sendo habitadas por colonos e assimilados.
19
Eram as unidades administrativas mínimas, parte da circunscrição, sendo
habitadas por populações africanas indígenas, ou não assimiladas.
20
Eram funcionários públicos com habilitações especiais, exercendo autoridade
alargada, com competências administrativas, policiais, sanitárias, fiscais,
estatísticas, demográficas, cadastrais, notariais e judiciais, e ainda lhes eram
subordinadas as autoridades tradicionais. Era auxiliado nas suas tarefas por um
intérprete africano, conhecedor das línguas locais, e por sipaios (corpo de
policiais armados, que, geralmente tinham sido soldados africanos do exército
colonial) (CABAÇO, 2007, p.102).
39

autoridade dos Chefes tradicionais, os regedores ou régulos21. Esta


integração das autoridades tradicionais (que não foi de todo pacífica)
como auxiliares, na estrutura político-administrativa colonial,
transformou os chefes tradicionais em máquinas de reprodução dos
interesses coloniais portugueses e pilares da expansão e consolidação do
poder político e administrativo colonial22 (DINERMAN, 1999).
A estratégia usada pelo Estado colonial neste processo de
estabelecimento de sua estrutura político-administrativa gerou efeitos
negativos na estrutura política, social e econômica das sociedades
moçambicanas, afetando fortemente a natureza das autoridades
tradicionais. Algumas linhagens viram a sua autoridade política
destruída, tendo sido integradas em outras, como subordinadas. Foram
ações deliberadas de fragmentação das linhagens, com vista ao
banimento ou enfraquecimento daquelas que poderiam constituir
ameaça de resistência contra as práticas coloniais. Igualmente, resultou
na interferência violenta nas hierarquias e formas de transmissão do
poder tradicional. A fala de Eduardo Mondlane (1995, p.34) é
elucidativa e esclarecedora, ao referir que,

Para assegurar que nenhum chefe africano


pudesse adquirir poder suficiente para desafiar o
homem branco, o governo português dividiu as
chefaturas em pequenos territórios [...] mais
importante ainda, era o fato de o poder do chefe já
não derivar de um conceito de legitimidade dentro
da sociedade tradicional, mas estar antes baseado
no controverso conceito de legalidade portuguesa.

21
Subordinavam-se diretamente ao Chefe do Posto e, no exercício de suas
funções, eram auxiliados por um conselho de anciãos e ainda por chefes de
grupo de povoações, que, por sua vez, coordenavam os chefes de povoação
(idem, p.103).
22
Os chefes tradicionais desempenharam um papel preponderante e ativo na
persuasão das populações rurais para o chibalo (trabalho forçado), serviços
públicos e outros, e até mesmo, para o pagamento do mussoco (imposto
individual em espécie, devido por todos os homens válidos, maiores de 16 anos)
ou do imposto da palhota, mas também, na gestão das terras comunitárias,
resolução de conflitos e direção das cerimônias mágico-religiosas
(DINERMAN, 1999)
40

Ou, nas palavras de Cunha (1956, p.47),

Daqui resultou uma alteração substancial da


posição destas autoridades, que deixaram de
exercer um poder em nome próprio, segundo os
costumes tribais, para exercerem um poder
delegado conferido pelos colonizadores e que se
mantém apenas enquanto os chefes nativos
merecem a sua confiança. Os chefes passaram a
ser olhados pelas populações já não como aqueles
que, segundo a tradição, deviam deter o poder,
mas como aqueles que o detêm, porque assim o
querem os Brancos.

A ambiguidade da posição política e social das autoridades


tradicionais em Moçambique manter-se-ia por longos anos, desde o
momento de sua integração nas estruturas da administração colonial,
passando pelo período da luta de libertação, conduzida pela FRELIMO
(Frente de Libertação de Moçambique), até o pós-independência
(inclusive foram banidas da estrutura político-administrativa pelo
governo moçambicano, logo após a independência). Atualmente, estas
têm o reconhecimento formal de seu poder localmente pelo Estado, no
entanto, a ambiguidade prevalece, como veremos mais adiante.

1.3 MOVIMENTOS ASSOCIATIVOS, NACIONALISMO E


EMERGÊNCIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA

O associativismo desempenhou um papel bastante significativo


no processo de construção do nacionalismo em Moçambique, em
particular, e na África, em geral. As ocorrências associativas, em
Moçambique, datam da última década do século XIX, tendo se
desenvolvido bastante na primeira metade do século XX. Elas foram o
produto do impacto do endurecimento das políticas coloniais23 no
território moçambicano, de entre elas, as indígenas e de assimilação24, o
que estava reforçando a natureza dualista de uma sociedade colonial que

23
A sua implementação estava enquadrada nos esforços da “ocupação efetiva”
da colónia, o que implicava a necessidade de “controle efetivo” da mesma pela
metrópole, através, por um lado, do estabelecimento de sua estrutura político-
administrativa localmente, por outro, da aplicação local de um quadro jurídico-
legal emanado da metrópole.
24
Cf. CABAÇO, 2007, ZAMPARONI, 2000.
41

assentava na segregação social e política, com base na raça. Cabaço


lembra-nos que a discriminação racial esteve sempre presente nas
relações entre colonizador e colonizado, no entanto, de forma velada
(CABAÇO, 2007). Todavia, para este autor, o cenário mudou nas duas
primeiras décadas do século XX, uma vez que “a natureza das relações
com o Outro despiu as vestes de conflito social e de contraste cultural
com que procurava cobrir-se para se desvelar cruamente como
discriminação racial” (idem, p.167).
Esta situação afetou, especificamente, um grupo de pessoas de
origem local, constituído, maioritariamente, por mestiços e por negros,
que, ao longo do processo de colonização, tinha conseguido conquistar
um status social e econômico assinalável. O grupo constituía um
segmento social que vivia mais ou menos nos moldes culturais
europeus25, e estava significativamente bem integrado na sociedade
colonial, sendo apelidado de “pequena burguesia filha da terra”
(ZAMPARONI, 2000) ou “elite local” (CABAÇO, idem).
Os mestiços eram produto do processo de penetração mercantil
que deu origem a casamentos e relacionamentos mistos, particularmente
entre brancos europeus e negras locais. Estes, segundo Cabaço,
detinham laços familiares, políticos, econômicos ou militares com
linhagens locais importantes e assumiam papeis relevantes no comércio
(incluindo no tráfico humano), nos transportes, na administração pública
e nas forças militares de recrutamento na colônia, o que era fruto de
herança, relações estabelecidas, capacidade de mediação ou iniciativa
empresarial (CABAÇO, 2007). Por seu turno, os negros eram produto
da educação colonial, particularmente das escolas missionárias
protestantes e eram associados ou concorrentes nas atividades
econômicas (CABAÇO, idem, ZAMPARONI, 2000). Ainda nas
palavras de Cabaço (idem, p.167-168),

A posição privilegiada – econômica e institucional


– que lograram, no século XIX, dentro do
território, permitira que tal grupo tivesse acesso à
posse de terras, construísse boas moradias e, de
uma forma geral, se beneficiasse da penetração do
capitalismo mercantil em Moçambique. Em
síntese, a conjuntura permitiu que as elites locais

25
“Encontravam-se em finais do século XIX, mais ou menos desvinculados de
seus laços sociais anteriores, vivendo no e do aglomerado urbano, falando
português e seguindo alguns dos hábitos europeus” (ZAMPARONI, 1998,
p.392).
42

se situassem numa esfera social próxima do poder


de decisão (...) as elites se constituíram
principalmente nos centros urbanos mais
importantes como a Ilha de Moçambique,
Quelimane, Tete, Inhambane, Lourenço Marques
e Beira.

Entretanto, questões que se prendem às transformações ocorridas


na economia-mundo, conjugadas com a crise da economia portuguesa, a
partir dos finais do século XIX, impactaram profundamente a dinâmica
econômica interna em Moçambique, afetando a posição das elites
locais26, ao mesmo tempo em que determinavam uma nova
estratificação das classes predominantes. Um cenário que seria agravado
pela decisão de Lisboa de estimular e favorecer a migração e fixação de
colonos em territórios coloniais, incluindo Moçambique, na entrada para
o século XX (CABAÇO, 2007).
Toda esta conjuntura e a proteção social e econômica que a
metrópole estava dando aos colonos, sobretudo através de legislação
cada vez mais discriminatória em relação aos nativos, foram estreitando
cada vez mais a margem de manobra das “pequenas burguesias filha da
casa”, ou “elites locais”, que, segundo Cabaço, foram se apercebendo de
que “sua condição de “africanos” se sobrepunha cada vez mais à de
“portugueses” e, descobrindo-se como grupo socialmente
marginalizado, buscaram formas de organizar a reivindicação de seus
direitos” (idem, P.170). Ou, como afirma Rocha (1991, p.152),

O associativismo nativista começa a se manifestar


como um movimento de autodefesa da
comunidade nativa, que, a medida que se vai
sentindo ameaçada, tende a alargar as suas
reivindicações ao plano político a fim de procurar
a solução para a sua marginalização entre dois
mundos.

Tendo sido nesse âmbito que

Algumas personalidades da elite local dão vida,


em 1906, a um movimento com vista à criação de

26
Inclusive tiveram que passar “a viver da renda das antigas propriedades ou a
buscar trabalho assalariado na burocracia estatal ou nas empresas que se
instalavam no território” (CABAÇO, 2007, p.168-169).
43

uma associação para a defesa dos interesses da


comunidade negra. Sua primeira iniciativa é a
criação de órgão de informação, O Africano27, em
cujo número experimental se traça as linhas
programáticas do Grêmio Africano de Lourenço
Marques (GALM28), em formação (CABAÇO,
2007, p.170).

Ainda nas palavras do autor, o GALM tinha sido fundado


exclusivamente por africanos da região, mas confluíam nele diferentes
elementos da comunidade nativa urbanizada, entre elites mestiças e
africanas, sendo que até alguns brancos colaboravam. Faziam parte
indivíduos “de formação católica, presbiteriana, wesleyana, falantes de
ronga, changane, português e inglês, funcionários públicos,
trabalhadores oficinais, agricultores, etc., o que mostra bem a
intensidade das relações sociais que então caracterizava a comunidade
nativa” (ROCHA29, apud CABAÇO, idem).
A partir deste momento, regista-se uma atividade associativa
intensa, onde perfilam, de entre várias organizações, associações como
as de classe (Associação dos Enfermeiros, a Associação dos
Engraxadores, a Associação dos Barbeiros, a Associação dos Lavadores,
etc.), de previdência, assistência, beneficência (por exemplo, a Caixa de
Auxílio dos Pobres e a Mutualidade de Moçambique), culturais e
recreativas (Associação dos Naturais, Associação Académica, e a Liga
da Mocidade Africana) (NEVES, 2009).

27
Fundado no ano de 1908, teve a sua edição de número 1 publicada em Janeiro
de 1909. Suas preocupações centravam-se nas medidas discriminatórias, nas
injustiças que se multiplicavam e nas exigências de reconhecimento dos direitos
da comunidade negra e das elites locais. Este representou, durante alguns anos,
uma força de pressão considerável e, sobretudo, um ponto de referencia que
acabaria por ter repercussões em todo o Moçambique, acabando, no entanto, por
ser vendido à igreja católica, em 1918 (CABAÇO, op. cit., p.171).
28
Fundado em 1908, passou a designar-se Associação Africana, em 1938, e
existiu até 1975, ano da independência de Moçambique. Cf. ROCHA, Aurélio
A. N. Associativismo e Nativismo em Moçambique: o Grêmio Africano de
Lourenço Marques (1908-1938). Dissertação de Mestrado em Economia e
Sociologia Histórica. Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1991.
29
ROCHA, A. Associativismo e Nativismo em Moçambique: contribuição
para o estudo das origens do nacionalismo moçambicano (1900-1940). Maputo:
Promedia, 2002.
44

Todavia, o GALM, abreviadamente Grêmio Africano foi a


primeira associação moçambicana protonacionalista30. Era
heterogeneamente constituído, como vimos o que terá precipitado
divisões internas, que acabaram levando à sua cisão e consequente
constituição de novas organizações, tais como o Conselho Nacional
Africano e o Instituto Negrófilo, mais tarde Centro Associativo dos
Negros da Colónia de Moçambique. Uma das principais motivações
para estas cisões foram os conflitos com base nas diferenças raciais,
onde os negros acusavam os “mulatos” (mestiços) de se apossarem da
organização e de os quererem dominar (ZAMPARONI, 2000, NEVES,
2009).
Não obstante estas cisões terem causado algum enfraquecimento
no Grêmio Africano, este se recompôs e seguiu lutando pela causa
africana31, particularmente através do seu jornal O Brado Africano,
fundado em 1918, em substituição de O Africano, que fora vendido à
igreja católica nesse mesmo ano. Pelo papel que o Grêmio Africano
desempenhou, através do seu jornal, como grupo de pressão e formador
de opinião pública manteve-se como a principal e maior referência de
luta cívica em Moçambique, na primeira metade do século XX, pelo
menos até à 2ª Guerra Mundial.
Por outro lado, se é verdade que o movimento associativo
ganhara ímpeto, não é menos verdade que este estava desprovido de
uma consistente base social e de um poder real. Uma situação que,
associada à morte de João Albasini32, figura carismática e grande
dinamizador das ações do Grêmio e d’O Brado Africano, e à introdução
da censura, com a implantação do Estado-Novo (a partir de 1933) em
Portugal, foi gradualmente enfraquecendo e marginalizando o
movimento (CABAÇO, 2007).
Também é verdade que a emergência deste movimento
associativo não estava ancorada em nenhuma ideia de conquista de
independência, uma vez que suas lideranças acreditavam na

30
Compreende o período histórico de emergência de um discurso que se
distingue pelo seu triplo carácter fragmentário (no pensamento e na ação),
descontínuo (na temporalidade) e ambivalente (no seu posicionamento face ao
sistema colonial) (DE ANDRADE, 1998).
31
Neves, a partir da leitura de O Brado Africano, considera que a “causa
africana” assentava sobre três pilares, nomeadamente, educação, justiça e
trabalho (NEVES, 2009, p.185).
32
Um dos dois irmãos Albasini, fundadores dos jornais O Africano e O Brado
Africano.
45

possibilidade de democratizar as práticas coloniais, acabando com a


discriminação baseada na raça. Entretanto, se o projeto inicial desses
movimentos não eram as independências, estes acabaram, conforme
Neves, por se constituir em ponte que levaria aos movimentos
nacionalistas, que lutariam pela independência da Nação Moçambicana
(NEVES, 2009).
Na sequência, e das experiências saídas da segunda Guerra
Mundial, ocorrem os passos que levariam à transição do
protonacionalismo ao nacionalismo. O desfecho deste conflito originou
uma situação internacional favorável, sobre a qual as colónias ergueram
as suas aspirações de liberdade e autodeterminação que até então se
encontravam pisoteadas e sufocadas pela constelação imperialista.
Criou-se uma conjuntura que permitiu o aparecimento de variados
fatores, cuja combinação fortaleceu o pensamento nacionalista. Segundo
Cabaço (2007, p.390),

Foi pela maturação da experiência sofrida, pelo


estudo e reflexão da própria história ouvida dos
mais-velhos, pelo conhecimento direto e indireto
de quanto ocorria noutras paragens, mas,
sobretudo do agravamento constante da
segregação e da violência colonialistas que as
novas gerações do pós-guerra foram estruturando
um pensamento nacionalista.

O movimento associativo aparece renovado e desempenhando um


papel importantíssimo na mobilização e articulação dos diversos
agentes. Ressaltar o papel da Casa dos Estudantes do Império (CEI),
fundada em 1944, em Lisboa, e do Núcleo dos Estudantes Secundários
Africanos de Moçambique (NESAM), fundado em 1949. A CEI,
fundada pelo governo português visando controlar os estudantes das
colónias na metrópole, acabou se transformando num importante
instrumento de discussão, debate e concertação política nacionalista
entre estes estudantes na metrópole e entre estes e seus homólogos nos
territórios de origem. De entre os moçambicanos que por lá passaram,
referência a Marcelino dos Santos, que, entre outros cargos, foi
presidente da Assembleia Popular (atual Assembleia da República), da
primeira República (socialista). O NESAM, por seu turno, deu um
grande contributo na divulgação dos ideais nacionalistas, tendo parte de
seus membros acabado por integrar a formação política unificada que
seria constituída em 1962, a FRELIMO.
46

Para além da comunidade acadêmica interna e na diáspora, a


efervescência nacionalista alcançou os emigrantes moçambicanos que
tinham se fixado nos países vizinhos, fugindo dos malefícios da
colonização. Nesses países, tais como Tanzânia (na altura Tanganyka),
Quênia (ou Kenya), Rodésia (atual Zimbabwe) e Niassalândia (atual
Malawi), beneficiando de um ambiente sociopolítico favorável (as
colônias britânicas estavam ascendendo à independência na década
1960) do que em Moçambique, os emigrantes, organizados em
associações de trabalhadores, constituíram organizações políticas,
auxiliados pelas organizações nacionalistas locais.
Foi assim que, em 1959, foi fundada a Mozambique African
National Union (MANU), com o apoio da Tanganyka African National
Union (TANU33); no mesmo ano é criada a União Democrática
Nacional de Moçambique (UDENAMO 1960), na Rodésia, com o
incentivo da Zimbabwe African People’s Union (ZAPU) e; em 1961, é
fundada a União Nacional de Moçambique independente (UNAMI), na
Niassalândia, com o apoio do Malawi Congress Party (CABAÇO, 2007,
HEDGES; CHILUNDO, 1999). Entretanto, estas organizações políticas
recém-criadas possuíam bases sociais e étnicas diferentes, estando, por
isso, orientadas para uma perspectiva de nacionalismo regional, cuja
prioridade era a libertação do espaço geográfico correspondente aos
limites representativos dos respectivos grupos étnicos. Por outro lado,

Nenhuma das organizações tinha um programa


elaborado que visasse a concretização da luta
contra a repressão político-militar portuguesa, em
Moçambique. [...] Desta forma, nos finais de
1961, a fase de avanço da luta anticolonial tratava,
não meramente da unificação dos movimentos,
mas de construção de um programa e de um
aparelho político, capazes de derrubar a forma
específica do colonialismo em Moçambique
(HEDGES; CHILUNDO, 1999, p.249).

A compreensão da necessidade de congregar esforços contra o


inimigo comum, o imperialismo colonial, deu lugar ao processo de
unificação das três organizações políticas. Não foi um processo fácil, no
entanto, acabou por se concretizar, sob o patrocínio da Conferência das
Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), de

33
Era composto por emigrantes no Tanganyka (atual Tanzânia), na ilha de
Zanzibar e no Kenya (Quénia).
47

Julius Nyerere e outros. Constituiu-se um comité de unificação, em


Janeiro de 1962, em Dar-es-Salam, dirigido por Uria Simango, quadro
dirigente da UDENAMO34. Em 25 de Junho do mesmo ano formalizou-
se a unificação, criando-se a Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO), que elegeu Eduardo Mondlane como seu primeiro
presidente35, o qual viria a ser assassinado em 03 de Fevereiro36 de
1969.
A unificação é caracterizada como tendo sido um processo de
convergência das mais diversas experiências, juntando as vivências
rurais dos emigrados e refugiados, com as da modernidade urbana (peri-
urbana, intelectuais e estudantes internos e da diáspora, exilados,
trabalhadores, pequenos comerciantes, religiosos, etc.) (CABAÇO,
2007). Dois anos após a unificação (1964) começaria a luta armada de
libertação de Moçambique, a qual apenas terminaria dez anos depois,
em 1974, com o golpe de Estado, a 25 de Abril desse mesmo ano, na
metrópole.

1.4 A PRIMEIRA REPÚBLICA E A OPÇÃO SOCIALISTA

Como mencionamos, a FRELIMO, organização que liderou a luta


de libertação nacional, nasceu a partir da unificação de três organizações
políticas, de bases sociais e étnicas distintas, com objetivos políticos
também distintos. Entretanto, um objetivo central comum, a negação da
estrutura colonial e do seu capitalismo explorador, os aglutinou, dando
origem à FRELIMO. O objetivo que deu existência à FRELIMO era
uma das poucas, se não a única certeza, que havia no seio da
organização. Tudo o resto era caracterizado por dúvidas, incertezas e
muitas diferenças, algo que veio a refletir-se nos vários e sucessivos
conflitos internos pelos quais a organização passou, principalmente
durante a luta de libertação. Estas dúvidas e incertezas podem se
consubstanciar nas palavras de Marcelino dos Santos, ao afirmar que “A
plataforma ideológica quando a FRELIMO foi criada em 1962 era

34
Esta organização, tida como a que era ideologicamente mais moderna
comparativamente às outras, foi a que assumiu em especial o processo de
unificação, sendo que um dos seus dirigentes, Marcelino dos Santos, também
era membro da comissão executiva da CONCP.
35
CERVELLÓ, J. S. A Lenta Coesão do Nacionalismo.
36
Esta data foi declarada como dia dos heróis nacionais e feriado nacional,
sendo comemorada todos os anos.
48

apenas opor-se à opressão colonial e defender a independência nacional.


Nada mais” (EGERO, 1992, p.23).
Por outro lado, um dos vários momentos de cristalização das
diferenças no seio da organização aconteceu no momento das
divergências havidas sobre que modelo socioeconômico deveria ser
adotado na administração das zonas libertadas37. Até porque, desde a sua
fundação, a FRELIMO teve que conviver com estas diferenças, as quais
originaram “dois polos” dentro da organização, por um lado, os
chamados “revolucionários”, por outro, os chamados “reacionários” o
que, para a FRELIMO, só se explica porque havia nas suas fileiras
elementos com vocação capitalista, o que desencadeou uma luta cerrada,
ideológica e política na organização (FRELIMO, 1977). Abrahamsson e
Nilsson38 (1994, apud LUIS, 2005, p.26) revelam, então, que,

Uma questão concreta que se tornou decisiva [...]


era a maneira como se devia manusear o
excedente da produção agrícola da população e
como se deveria ter acesso aos bens de consumo.
Os revolucionários argumentavam que a produção
dos bens alimentares, para além do que os
camponeses necessitavam para a sua própria
sobrevivência, devia ser coletiva. Este excedente
de produção deveria financiar as necessidades de
guerra e ser dividido após decisão tomada
coletivamente. A Frelimo devia trazer os bens de
consumo para as zonas libertadas. As forças
moderadas eram de opinião que nas zonas
libertadas devia haver um sistema comercial
privado, que comprasse os excedentes dos
camponeses em troca de bens de consumo.
Quando alguns membros da Frelimo começaram a
organizar uma rede comercial própria nas zonas
libertadas verificou-se uma cisão que pôs os
revolucionários e nacionalistas da Frelimo uns
contra os outros. O grupo revolucionário saiu
vencedor nas lutas internas sobre esta questão

37
“Territórios com grande implantação social e política dos guerrilheiros da
FRELIMO e onde a administração portuguesa tinha deixado de exercer funções
devido à guerra” (MOSCA, 2002, p.113).
38
ABRAHAMSSON, H.; NILSSON, A. Moçambique em Transição: um
estudo de história de desenvolvimento durante o período 1974 -1992. Maputo,
Moçambique: CEGRAF, 1994.
49

política decisiva. Parte da falange vencida deixou


a Frelimo e voltou a Moçambique e aos
portugueses aí residentes. [...]. Outros
permaneceram no exílio em diferentes países da
África, Europa e América do Norte.

As experiências vividas na trajetória da luta armada foram dando


forma, como diria Cabaço, à silhueta de uma nação que se buscava
estabelecer. Segundo este autor, “com a consolidação da luta de
libertação, o nacionalismo ganhou uma dimensão social e ao objetivo da
independência se associou o da transformação da sociedade
moçambicana” (CABAÇO, 2007, p.417). Isso implicava a necessidade
de negação da estrutura que tinha dado origem à luta, ou seja, a
sociedade capitalista colonial. As referências teóricas mais próximas de
um modelo de sociedade contrário ao capitalismo colonial, que pudesse
permitir ao povo assegurar os seus próprios destinos remetiam ao
socialismo. Nas palavras deste autor (idem, p.420),

Foram, contudo, as desigualdades sociais, a


violência, os abusos, a iniquidade na distribuição
de renda e benefícios e a exploração do sistema
colonial que, criando um sentimento de revolta e
uma sede de justiça, constituíram os fatores
decisivos na opção dos guerrilheiros. A prática da
luta armada implicava um profundo envolvimento
com os camponeses, uma íntima relação do
pensamento nacionalista com a vida do povo, a
consolidação da consciência de sua miséria, mas
também de sua criatividade e suas capacidades de
sobrevivência perante situações tão difíceis.

O resultado foi que as dúvidas e incertezas, do começo da luta


armada, foram se clarificando cada vez mais, com o evoluir do tempo, o
que pode ser testemunhado pelas palavras de Mondlane39, quando
afirma:

Uma base comum que todos tínhamos quando


formamos a FRELIMO era o ódio ao
colonialismo, a necessidade de destruir a
estrutura colonial e impor uma nova estrutura

39
Entrevista concedida a Aquino de Bragança, em 1968, depois do II congresso
da FRELIMO.
50

social [...] mas, que tipo de estrutura social,


ninguém sabia. Alguns sabiam, tinham ideias
teóricas, mas mesmo esses foram transformados
pela luta. Há uma evolução do pensamento que se
operou durante os últimos 6 anos que me pode
autorizar, que eu me autorizo a mim mesmo
concluir, que a FRELIMO é, realmente, muito
mais socialista, revolucionária e progressista, do
que nunca, e a tendência agora é mais e mais em
direção ao socialismo do tipo marxista-leninista
(BRAGANÇA; WALLERSTEIN, 1978, apud
CABAÇO, 2007, p.417-418, grifo nosso).

Sendo que, alguns fatores exógenos também contribuíram para a


opção dos então combatentes nacionalistas. De entre eles, está a leitura
de textos sobre a guerra revolucionária, em particular os livros de Mao
Tse Tung e do general vietnamita Nguyen Giap40 e, ainda, a conjuntura
internacional, dominada pela guerra-fria.

Embora os países ocidentais não apoiassem


formalmente o sistema colonial, mantinham uma
posição ambígua em relação à “especificidade
luso-tropical”, útil à sua confrontação com o bloco
Leste. Parceiros de Portugal na NATO, OS
Estados Unidos e os países europeus recusaram
apoio militar às lutas armadas de libertação e se
limitavam a autorizar ações de ajuda humanitária
por organizações não oficiais [...] o apoio logístico
para a guerra e o treino militar eram concedidos
exclusivamente pelos países socialistas, pelo
comitê de descolonização da OUA (cujo
armamento oferecido era originário também dos
países socialistas) e pela Tanzânia (CABAÇO,
idem, p.419-420).

O laboratório dessa nova sociedade41, transformada e livre de


todos os valores e práticas ruins do capitalismo colonial foram as zonas
libertadas. Adam42 (1997, apud CRUZ E SILVA, s/d) lembra-nos que,
40
“Essas leituras inspiraram a elaboração da FRELIMO sobre sua realidade e,
eventualmente, suscitaram o interesse pela leitura de outros teóricos marxistas”
(CABAÇO, 2007, p.418).
41
Contudo, para a FRELIMO, a necessidade de transformação não era apenas
da sociedade, os Homens precisavam também de se transformar, transformar as
51

A sua forma de organização é uma ilustração dos


esforços tentativos feitos pela Frente de
Libertação de Moçambique para criar uma
alternativa à sociedade colonial, com uma
economia sem ‘exploração do homem pelo
homem’, com formas coletivas de produção e de
comercialização e a implantação de bases
democráticas.

Uma democracia que se pretendia popular, com o povo exercendo


o poder. Assim, o poder popular era exercido de forma direta, através da
realização regular de reuniões populares, onde se discutia os problemas
e se apontavam coletivamente as soluções. Com tais práticas, as pessoas
aprendiam a trocar experiências, a tomar consciência dos seus
interesses, dirigindo, eles próprios, a sua vida. Era o aprendizado do
exercício do poder pelo povo que, no processo, gerava o embrião do
Estado popular, que seria implantado no pós-independência (FRELIMO,
1977). Efetivamente, a primeira Constituição de Moçambique
independente, de 25 de Junho de 1975, data da independência nacional,
estabelece, no artigo 2º, que,

A República Popular de Moçambique é um


Estado de democracia popular, em que todas as
camadas patrióticas se engajam na construção de
uma nova sociedade, livre da exploração do
homem pelo homem. Na República Popular de
Moçambique o poder pertence aos operários e
camponeses, unidos e dirigidos pela FRELIMO, e
é exercido pelos órgãos do poder popular
(CRPM43, 1975, grifo nosso).

Nesse sentido, a Constituição estatui, no artigo 37º, que a


Assembleia Popular é o órgão supremo do Estado e o mais alto órgão
legislativo da República Popular de Moçambique (ibidem). Entretanto,
seria na revisão constitucional de 1978 que os órgãos do poder popular

mentes corrompidas e colonizadas, dando origem a um “Homem Novo” e


moderno.
42
ADAM, Y. Evolução das estratégias para o desenvolvimento no
Moçambique pós-colonial. In: D. SOGGE (ed.). Moçambique: perspectivas
sobre a ajuda e o sector civil. Amsterdam: Frans Beijaard, 1997, p.1-14.
43
Constituição da República Popular de Moçambique.
52

passariam a vigorar em todos os escalões da estrutura político-


administrativa do Estado, através das assembleias do povo44. Assim,
segundo o artigo 37º (LEI 11/1978), as Assembleias do povo são os
órgãos superiores do poder de Estado em cada escalão45, sendo que, elas
materializam, na realização de suas atividades, a unidade de decisão,
execução e controlo a todos os níveis (CRPM, 1975). E, acrescenta, no
artigo 38º, que os órgãos executivos subordinam-se às Assembleias do
povo do respectivo escalão e prestam-lhes contas das suas atividades
(ibidem).
Esta revisão constitucional era a consequência das decisões
emanadas do III congresso da FRELIMO, ocorrido em 1977, as quais
estavam buscando responder às constatações que o Comitê Central deste
partido tinha feito, na reunião havida em Fevereiro de 197646. O
congresso reafirmava a necessidade de completar a destruição do
aparelho de Estado colonial‑capitalista, acelerando a criação de novos
órgãos do Poder estatal no nível do distrito e da localidade (FRELIMO,
1977).
A destruição do aparelho de Estado colonial e a massificação do
poder popular já vinham sendo realizados desde o período de transição
(1974-1975), com o banimento das autoridades tradicionais e sua
substituição por organizações populares de base, como os grupos
dinamizadores (vide explicação nos parágrafos seguintes). Como a
administração colonial tinha se apoiado, em grande parte de sua gestão,
nas lideranças tradicionais (nas áreas indígenas), as quais, conforme

44
Assembleia popular do nível central, Assembleia popular do nível provincial
e Assembleias do povo dos níveis distrital, de cidade e de localidade. As
Assembleias são constituídas por deputados eleitos pelo povo, artigo 40º (LEI
11/78).
45
As Assembleias do povo são o órgão supremo do poder de Estado
democrático popular na República popular de Moçambique e, através destas, as
massas, guiadas pelo partido, estudam e resolvem os seus próprios problemas.
As Assembleias provinciais e distritais reúnem-se ordinariamente, três em três
meses, as da cidade têm reuniões ordinárias bimensais e as de localidade tem
suas reuniões ordinárias mensalmente (LEI 11/78).
46
A FRELIMO admitira que o poder da aliança operário-camponesa não estava
se manifestando no nível do aparelho de Estado, tendo, por isso, decidido que,
para a materialização do Poder Popular Democrático, Democracia Popular e
aliança operário-camponesa, o órgão supremo do Estado, em cada escalão, da
província à base, era uma assembleia representativa das massas trabalhadoras,
militantes e combatentes e que os órgãos executivos se subordinavam, em cada
escalão, às assembleias do seu escalão (CORRÊA; HOMEM, 1977).
53

vimos desempenharam papel importante na gestão das comunidades, no


período pré-colonial e durante a colonização, para a FRELIMO, estas
eram a “personificação do mal”, pelo que deveriam ser banidas. Para
além de que elas seriam incompatíveis47 com a sociedade moderna e
baseada no poder popular que se começava a implantar. Assim,

[...] nos primeiros anos da revolução


moçambicana, a Frelimo baniu as autoridades
tradicionais e religiosas, numa tentativa de mudar
radicalmente a estrutura governativa herdada da
época colonial. As elites locais e as estruturas de
poder associadas à administração colonial foram
fortemente estigmatizadas e as múltiplas práticas
que se reafirmavam como tradicionais48 banidas
da esfera pública, a exemplo do que tinha
acontecido nalguns países vizinhos. Para
substituir o vácuo de poder criado pela abolição
da condição de autoridade tradicional, e a partir
das propostas avançadas pela Frelimo durante a
luta armada, constituíram‑se, ainda durante o
período de transição, grupos dinamizadores. Esta
forma de organização popular de base, que nunca
conheceria uma formatação jurídica formal, foi
tomando corpo em instituições públicas, em
fábricas e em empresas, em escolas e bairros
residenciais. Considerados os embriões de novas
formas de poder popular a partir da base, o acesso
a membro do grupo dinamizador estava vedado a
todos os que fossem considerados
‘comprometidos’ com as instâncias de poder da
época colonial (o que excluía, pelo menos
formalmente, a possibilidade de os régulos
poderem participar destas estruturas) [...]
Esperava‑se que os grupos dinamizadores,
fortemente partidarizados e ligados a organizações
da Frelimo, introduzissem a ‘nova’ história
política e as prioridades políticas do novo governo

47
Alegadamente porque eram feudais, obscurantistas e retrógradas.
48
“Práticas como o recurso a médicos tradicionais, as cerimonias de pedido de
chuvas e os rituais de combate a pragas agrícolas foram consideradas
obscurantistas, e, como tal, fortemente desencorajadas” (MENESES, 2009,
p.26).
54

a todos os cidadãos moçambicanos (MENESES,


2009, p.26, grifo nosso).

Importa ressaltar que os grupos dinamizadores (GDs), ainda


recorrendo a Meneses (idem), eram constituídos por dez membros
eleitos pela assembleia de residentes, sendo liderados por um secretário
e por um assistente de secretário. Um dos critérios de eleição era
idoneidade dos candidatos, onde aqueles que fossem conotados com
práticas descritas como reacionárias ou obscurantistas eram recusados
(ibidem). Devido à extrema diversidade de atuação dos membros destes
grupos (na altura ainda designados por comitês do partido), além de
usarem metodologias e estratégias contrárias aos propósitos da
FRELIMO, esta decidiu pela obrigatoriedade de formação dos membros
dos GDs, de maneira a garantir uma atuação mais uniforme e controlada
destas organizações. Isto aconteceu em Fevereiro de 1975, em uma
reunião geral dos Comitês Distritais do partido (MENESES, 2009). Os
GDs desempenharam múltiplas funções, incluindo muitas das funções
que eram realizadas pelas autoridades tradicionais, como a gestão de
questões sociais, mediação de conflitos, policiamento, administração e
regulação (ibidem).
Na sequência das transformações que estavam em curso, a
FRELIMO decidiu também no seu III congresso, por força das
circunstâncias49, transformar-se em Partido político de Vanguarda
Marxista-Leninista50, cuja missão era “liderar, organizar, orientar e
educar as massas, visando destruir as bases do capitalismo e construir

49
A posição neutral que Moçambique procurou seguir em relação aos dois
blocos (ocidente e leste) no âmbito da guerra fria, foi mal interpretada pelos
dois lados, tendo prejudicado o país. O ocidente entendia que Moçambique era
um país de regime marxista-leninista, por isso, objeto de boicote, por outro lado,
o leste entendia que o país não era nada comunista, nem socialista, recebendo,
por isso, tratamento desfavorável dos seus parceiros do leste. Moçambique
assumia um estatuto interessante sob o ponto de vista de sua afirmação, mas
muito incomodo sob o ponto de vista da sua capacidade de angariar o apoio
necessário para responder à situação concreta que vivia (SAÚTE, 2010).
50
“E quando essa opção se fez, no movimento nacionalista, o desenvolvimento
lógico daquilo que tinha levado à independência, é interrompido, há uma quebra
de continuidade. Este partido deixa de ser o partido de todos aqueles que
lutavam pela construção de um país livre, a dominação estrangeira como
plataforma máxima, todos esses foram alijados da prática política. deixamos, de
repente, de ser um partido de massas para sermos um partido de quadros. E foi-
se criando um vazio à nossa volta” (SAÚTE, 1998, apud SAÚTE, 2010, p.34).
55

uma sociedade socialista” (CRUZ E SILVA, s/d). Simultaneamente,


“criaram-se também os movimentos democráticos de massas51 para
enquadrar os trabalhadores, as mulheres, a juventude, organizações
criadas de cima para baixo sob a tutela e orientação do Partido”
(ibidem). Era a consumação da fusão da FRELIMO com o Estado,
dando origem ao partido-Estado, único guardião de todos os interesses
da emergente nação moçambicana. O Estado torna-se o centro do
processo político (LOURENÇO, 2005), sendo que o acesso a este
apenas seria possível via partido FRELIMO, consolidando desta forma o
“centralismo democrático52” (FRELIMO, 1980) do regime em
construção.
As organizações sociais de base, que, a partir de 1979, passam a
incluir também os grupos dinamizadores, transformaram-se na extensão
do partido e do Estado dentro da sociedade, funcionando como canais de
mobilização popular e como mecanismos de exercício do poder popular,
de forma direta, através de suas atividades, e também indiretamente, por
via de sua participação ativa no processo de eleição dos representantes
do povo para diversos órgãos representativos, tais como a Assembleia
popular e as Assembleias do povo. Meneses (2009, p.27) esclarece que,

Apesar de ter sido decidida a separação entre as


funções do partido no nível de base (células do
partido) e as funções dos grupos dinamizadores
(s/a, 1979), a promiscuidade entre os grupos
dinamizadores e as células do partido Frelimo saiu
reforçada. Por exemplo, os secretários de bairro
(uma figura cada vez mais relevante no nível
local) acumulavam simultaneamente tarefas
políticas (responsável do partido no bairro) e
administrativas.

51
“Como a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), Conselhos de
Produção (mais tarde transformados em sindicatos), etc. Grupos de vigilância
popular foram também constituídos na altura para apoiar o trabalho dos grupos
dinamizadores” (MENESES, 2009, p.26).
52
Princípio mais importante de organização e funcionamento do aparelho de
Estado, derivado dos Estatutos da FRELIMO. Combina centralismo e
democracia. Sua essência reside no fato de um centro único, gozando da
confiança dos militantes e das massas em geral, dirigir o conjunto das
organizações do partido. É neste princípio que assentava o princípio de direção
e planificação unitárias da economia e da atividade social do Estado.
56

Ainda segundo a observação desta autora, na prática este sistema


significava que o partido era o grande defensor do Estado, indicando
também que o poder das assembleias populares locais eleitas, às quais
em teoria o governo deveria prestar contas, era muito limitado e tênue
(MENESES, 2009). Por seu turno, Buendia (1999), argumenta, por
exemplo, que o acúmulo de funções pelos grupos dinamizadores criou
muita confusão nas diversas instituições estatais, nas unidades de
produção e nas escolas, uma vez que não havia clareza sobre o que era
de competência do grupo dinamizador e o que era de responsabilidade
das direções daquelas instituições. A figura de secretário de bairro
prevalece na atual estrutura político-administrativa e continua
exercendo, além de funções políticas, algumas funções de natureza
administrativa.
Para a FRELIMO não havia alternativa para promover as
gigantescas ambições de transformação estrutural da sociedade pós-
colonial53 a não ser pela via do próprio Estado54. Dai ter se apossado
deste, chamando a si a responsabilidade de mobilização, organização e
direção da sociedade e do Estado em si, numa perspectiva de
centralização, que a própria FRELIMO defende nos seguintes termos,

A vitória na luta contra o imperialismo e a reação


interna e pelo lançamento da base material do
socialismo obriga à planificação dos passos a dar
em cada momento, com base numa direção
central. Esta é a razão principal porque o Estado
tem que centralizar o poder (FRELIMO, 1980,
p.153).

Isto implicava não apenas a centralização do poder, mas também


a exclusividade de seu exercício pela FRELIMO, razão pela qual esta se
assumiu como a única força dirigente do Estado e da sociedade, sendo,

53
Destruir completamente o aparelho de Estado colonial, substituindo-o por um
novo, assente numa sociedade moderna, construir uma moçambicanidade
baseada na unidade nacional, acabar com o subdesenvolvimento em dez anos (,
eliminando, por conseguinte, as distorções econômicas e sociais (frutos da
dominação colonial) (FRELIMO, 1977).
54
O partido usa o Estado como instrumento para a realização da sua política
revolucionária, assim, o partido traça as linhas fundamentais de
desenvolvimento em todas as esferas da vida da sociedade e controla sua
execução (FRELIMO, 1980).
57

nesse contexto, que a opção por uma economia centralmente planificada


se tornou um imperativo. Segundo Mazula (1995, p.156),

Nas condições econômicas, sociais, e políticas em


que a FRELIMO encontrou o país, era inevitável a
opção por um partido único, capaz de mobilizar e
congregar, à volta de si, toda a sociedade, de
coordenar as ações de arrancada para a
reconstrução nacional e garantir estabilidade do
país.

Desta leitura, pode-se depreender que o nível de centralização do


poder pelo partido FRELIMO, que caracterizou o Estado moçambicano,
até à introdução do liberalismo político e econômico, através da revisão
constitucional de 1990, limitou de certa forma a concretização efetiva da
democracia popular, aonde o povo exercesse o poder de fato. Além de o
partido exercer influência direta sobre todos os órgãos do Estado55
(NEWITT, 1997), este se tornou em fonte do poder dominante e
superior, o qual é exercido de cima para baixo (EGERO, 1992), tanto no
nível central, como local56. Recorrendo à fala de Nguiraze, “a expressão
Poder Popular, bastante usada pela Frelimo, sintetizou o fenômeno da
participação sem envolvimento no cotidiano concreto” (NGUIRAZE,
s/d). Ou, nas palavras de Faria e Chichava (1999, p.3),

Não obstante a administração moçambicana


consagrar ou potenciar alguma descentralização
pela divisão administrativa em províncias,
distritos e postos administrativos, funcionando
supostamente com base no poder popular, essa
descentralização nunca funcionou de facto. O
poder de decisão cabia em última instância ao

55
Incluindo as instituições de representação política.
56
Gonçavel, sobre a FRELIMO, afirma: “[...] nesse ambiente de massas, o
secretário da célula local era a peça central por onde gravita todo o processo de
tomada de decisões. Os secretários e os demais membros da celula também
exerciam um papel de controle sobre até que ponto os responsáveis
administrativos, estavam em sintonia com a política e os objetivos do partido no
seu local de trabalho. Este sistema de participação na tomada de decisões era
extensivo até para as forças armadas, onde o lema era de que os nossos oficiais
têm que ser vermelhos por dentro, vermelho bom, quando a Frelimo ainda
iludia-se de ser vermelha” (GONÇAVEL, entrevista em 31/05/2010, apud
NGUIRAZE, s/d).
58

partido único, cuja estrutura era já em si muito


centralizadora (grifo nosso).

Foi em meio a esse ambiente de centralização que o regime se viu


forçado a introduzir reformas, encaminhando-se para a liberalização
política e econômica, conforme veremos em seguida.

1.5 DO SOCIALISMO AO LIBERALISMO POLÍTICO E


ECONÔMICO

O projeto revolucionário da FRELIMO, de implantação de um


Estado socialista, baseado numa economia centralmente planificado,
enfrentou, desde o primeiro momento, várias adversidades, tanto de
ordem interna como de ordem externa, alguns dos quais foram já
discutidos neste trabalho. O fato de Moçambique ter ascendido à
independência no contexto da guerra fria e ter tomado a opção socialista
como a via para a construção e desenvolvimento do novo país aumentou
os desafios que se punham ao jovem Estado, na busca por seus
objetivos. “A opção marxista anunciada pela FRELIMO trouxe
desconforto para o Ocidente, pois a ameaça à sua zona de influência
política era clara” (TAIMO, 2010, p.102).
De fato, logo após a conquista da independência, Moçambique
condenou todas as formas de colonização, de exploração e de opressão
do homem pelo homem, que ainda prevaleciam no mundo. Nos países
vizinhos, a Rodésia (atual Zimbabwe) e a África do Sul estavam sob os
governos de minoria branca57, vigorando neste último país a apartheid.
Foi nesse espírito que o país declarou apoio total e incondicional às lutas
pela libertação dos dois países. Na sequência, Moçambique aderiu às
sanções das Nações Unidas contra a Rodésia, fechando as fronteiras
entre os dois países58, por um lado, por outro, começou a abrigar os
movimentos que lutavam pela libertação, tanto na Rodésia, quanto na
África do Sul (CRUZ E SILVA, s/d; TAIMO, 2010). Em resposta, o
governo da Rodésia ajudou a criar, financiar, equipar e treinar uma força

57
Eram ambos aliados do Ocidente, na disputa por zonas de influência na parte
da África Austral.
58
A Rodésia (atual Zimbabwe), sendo dependente dos portos moçambicanos,
especialmente do porto da cidade da Beira, para a recepção de combustível,
assim como para o escoamento de seus produtos, ressentiu-se desta medida
(TAIMO, 2010).
59

de desestabilização59, que ficou conhecida como Mozambique National


Resistence (MNR60), atualmente RENAMO (Resistência Nacional
Moçambicana), cujas primeiras ações se deram em 1976, começando
uma guerra61 que apenas terminaria em 1992, com a assinatura do
Acordo Geral de Paz, entre a FRELIMO, partido no poder, e a
RENAMO (SAÚTE, 2010; CRUZ E SILVA, s/d; TAIMO, 2010).
O ambiente externo hostil, associado a várias questões internas,
entre fatores naturais e erros e equívocos nas opções políticas e
estratégicas de desenvolvimento do país62, podaram as asas do
ambicioso projeto revolucionário da FRELIMO, que viu o país
mergulhar, muito rapidamente, numa situação de falência, sobretudo a
partir do começo da década de 1980. Por exemplo, a estratégia seguida
pelo Estado no setor agrícola, assumido como a base do
desenvolvimento do país, não estava sendo satisfatória, os resultados
não apareciam. Segundo Adam (1997, apud CRUZ E SILVA, idem),

As medidas económicas preconizadas pelo Estado


tinham marginalizado os camponeses familiares a
favor do desenvolvimento de uma agricultura
mecanizada, destruindo assim o sistema que havia
garantido a maior parte da produção para

59
Mas, também, tanto a Rodésia, quanto a África do Sul, invadiram e
bombardearam partes do território moçambicano, a pretexto de estarem
perseguindo os movimentos que lutavam nos seus países (ibid.).
60
Após a independência da Rodésia, estas forças mudaram suas bases para a
África do Sul, acolhidos pelo governo minoritário branco, de onde se
desenvolveram e ampliaram as suas intervenções (CRUZ E SILVA, s/d).
61
Saúte (2010) refere que, para Geffray, a guerra teria sido alimentada também
das rupturas políticas e sociais internas das sociedades rurais moçambicanas e
que o fato de Moçambique independente transmitir um sentimento de unidade
entusiástica, rara e fascinante, terá levado ao equívoco dos dirigentes
revolucionários, que não intuíram no interior da sociedade o seu caráter
diferenciado e amalgamaram-na num processo cuja expressão era
provavelmente lídima. Por outro lado, para Meneses (2009, p.30), “a ausência
de reconhecimento dos objetivos e projetos das comunidades locais pelo
moderno Estado moçambicano constitui uma das razoes que esteve na origem
do longo conflito armado que marcou o país por mais de uma década”.
62
A FRELIMO, no seu IV congresso, realizado em 1983, reconheceu alguns
desses erros, como a centralização excessiva das decisões e persistência “nas
estruturas estatais de métodos que marginalizam o povo na solução de
problemas econômicos e sociais” (FRELIMO, 1983, p.28).
60

consumo interno e uma parte da produção para


exportação deste país.

As necessidades do país aumentavam a cada dia e a capacidade


de resposta por parte do Estado se encaminhava no sentindo inverso
(decrescia). A guerra estava aumentando de intensidade, havia registo de
seca, os termos de troca do país degradavam-se brutalmente, a dívida
externa e interna do país crescia muito e o país não estava conseguindo
reunir divisas para honrar com os seus compromissos. Ocorrem
situações de fome, o mercado formal quebrou e deu lugar ao mercado
negro. Eram sinais alarmantes de uma crise econômica e social
gravíssima, o que fez com que as pressões internas por mudanças nas
políticas da FRELIMO aumentassem (CRUZ E SILVA, s/d). “No seio
do partido no poder surgem vozes clamando pela necessidade de
reforçar a política externa, de ter mais amigos e menos inimigos”
(TAIMO, 2010, p.105).
Por outro lado, as relações com o bloco socialista não estavam se
encaminhando da melhor maneira. Por duas ocasiões, Moçambique viu
sua candidatura a membro do COMECON63 recusada, sob a alegação de
que não era socialista, o que o impediu de aceder a recursos necessários
para fazer face às exigências que se lhe impunham, nos campos
socioeconômico e militar (ibidem). Esta situação seria agravada pela
implementação da perestroika64, por Mikhail Gorbatchev65.
Em 1983, a FRELIMO realizou o seu IV congresso, onde,
mediante os sinais evidentes do desmoronamento da estratégia
socialista, a burguesia nacional66 aproveitou para colocar maior pressão
no partido para que optasse pela liberalização (MAZULA, 1995). No

63
Fundado em 1949, pelo bloco socialista, em resposta ao Plano Marshall, o
Conselho de Ajuda Econômica Mútua, visava a cooperação econômica,
científica e técnica entre os países membros, tendo sido extinto em 1991.
64
Representava um conjunto de reformas que significariam a restruturação das
políticas e estratégias da União Soviética, decididas no 27º Congresso do
Partido Comunista da URSS, em 1986. Uma das questões principais da
Perestroika era a redução dos gastos na defesa, o que implicaria a retirada da
União Soviética do Afeganistão (onde ocupava há 10 anos), negociação com os
Estados Unidos para a redução de armamento e a não interferência nos assuntos
internos de outros países comunistas.
65
Secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, 1985-1991.
66
Formada a partir dos privilégios do poder político e do prestígio dai
decorrente, aliada a grupos econômicos internacionais com interesse em um
país liberalizado (MAZULA, 1995).
61

final do congresso era confirmada a inevitabilidade da mudança, o


partido tinha sido forçado a reformular as estratégias de
desenvolvimento, tendo sido nessa base que iniciaram os contatos
formais com o FMI e o Banco Mundial, em 1984, com vista à adesão do
país às instituições de Bretton Woods, a qual viria a se concretizar dois
anos depois, em 198667. Na sequência destes acontecimentos,
Moçambique vai assinar, ainda em 1984, o Acordo de Nkomati68 com a
África do Sul, numa tentativa de cortar os apoios da África do Sul à
RENAMO. Contudo, os primeiros sinais de viragem política tinham
sido dados em 1982, quando “o governo começou a cortejar os Estados
Unidos e a fazer a sua viragem para o Ocidente” (HANLON69, 1997,
apud CRUZ E SILVA, s/d).
A consequência da adesão de Moçambique ao FMI e ao Banco
Mundial foi ter o país intervencionado em 1987.

Visando reverter as tendências negativas do


crescimento económico através de um
reajustamento estrutural, em 1987 é introduzido o
Programa de Reabilitação Económica (PRE) e em
1990 o Programa de Reabilitação Económica e
Social (PRES). O programa de ajustamento
estrutural é um pacote que envolve o livre
comércio, a desregulamentação e a privatização.
O governo liberalizou os preços, praticamente
terminou a sua gestão do mercado, cortou o seu

67
Moçambique não reunia condições que o permitissem ter acesso aos fundos
do FMI e do Banco Mundial, tendo contando com importante apoio de Ronald
Reagan e Margareth Thatcher. O apoio dos Estados Unidos estava enquadrado
na sua política de “engajamento construtivo” na região, em que se procurava
induzir os governos a desistirem das ambições socialistas, em troca de
benefícios. O apoio britânico justificava-se pelas mesmas razões, mas também
estava baseado nas boas relações existentes entre Samora Machel e Margareth
Thatcher, fruto do papel desempenhado por Moçambique no processo de
negociação da independência do Zimbabwe (TAIMO, 2010).
68
“Tratado de não agressão assinado a 16 de marco de 1984 nos termos do qual
o governo moçambicano se comprometia a suspender o apoio logístico ao
Congresso Nacional Africano (ANC), que combatia o regime de Apartheid na
África do Sul e em contrapartida o governo sul-africano faria o mesmo em
relação aos rebeldes da Renamo. Nos anos seguintes o governo de Maputo
denunciou transgressões do acordo por parte dos sul-africanos” (idem, p.104).
69
HANLON, J. Paz sem benefícios: como o FMI bloqueia a e construção de
Moçambique. Maputo: Centro de Estudos Africanos, 1997.
62

orçamento nos sectores sociais, e introduziu


mudanças nas políticas da saúde e da educação,
onde foi estabelecido um sistema que atribui
acesso com base no rendimento (CRUZ E SILVA,
s/d).

Esta intervenção foi antecedida por um diagnóstico, feito pelas


duas instituições (FMI e Banco Mundial), que praticamente foi uma
imposição, dadas as condições de fragilidade e debilidade em que se
encontravam o país e o governo.

Moçambique foi forçado a aceitar o diagnóstico


feito pelo FMI sobre as raízes dos problemas
econômicos que o país estava enfrentando assim
como a mediação [...] devido a explicações
políticas foram elaborados programas de
ajustamento econômico, baseados em
potencialidades futuras de exportação, altamente
irrealista, juntamente com a ignorância total das
medidas mínimas necessárias para a reconstrução
e reabilitação das instalações e infraestruturas
destruídas durante a guerra, de modo a atingir o
balanço macroeconômico no prazo previsto.
(ABRAHAMSSON; NILSSON70, 1995, apud
TAIMO, 2010, p.108).

Para Cruz e Silva (s/d), embora as reformas económicas


introduzidas em Moçambique, nas duas últimas décadas, tenham
revitalizado a economia, isso não se traduziu mecanicamente em uma
redução da pobreza. Esta “entendida como ausência das condições para
uma vida longa, instrução e um padrão de vida aceitável, afeta a maioria
esmagadora da população de Moçambique” (PNUD, 1996, apud CRUZ
E SILVA, idem).
Ainda no processo das reformas, a FRELIMO aprovou uma nova
Constituição, em 1990, introduzindo a democracia multipartidária, a
liberdade de imprensa, direito à greve, entre outros, isto é, introduziu-se
o sistema político liberal (abrindo as possibilidades de participação). Em
Julho do mesmo ano, iniciaram conversações entre o governo e a

70
ABRAHAMSSON, H.; NILSSON, A. Ordem Mundial Futura e
Governacao Nacional em Moçambique. Gotemburg /Maputo: Ed.
Padrigu/CEEI-ISRI, 1995.
63

RENAMO, que terminaram com a assinatura do Acordo Geral de Paz,


em Roma, em Outubro de 1992, pondo fim a uma guerra que já
perdurava há 16 anos. Em 1994 realizaram-se as primeiras eleições
gerais multipartidárias (presidenciais e legislativas) e, em 1998, as
primeiras eleições para os órgãos locais (municípios).

1.6 CONSOLIDAÇÃO DEMOCRÁTICA E PROCESSO DE


DESCENTRALIZAÇÃO

A transição de Moçambique do modelo socialista para o liberal


deve ser entendida no âmbito mais amplo da dinâmica histórica global,
que caracterizou o mundo a partir da metade da década de 1980, cujo
culminar foi a queda do muro de Berlim (1989), simbolizando o final da
guerra fria e o triunfo do neoliberalismo. O Estado socialista gigante e
altamente centralizado estava enfrentado o desafio de ter que se
transformar em Estado “mínimo” e democrático plural. O avanço do
neoliberalismo trouxe consigo uma extensa discussão em torno dos
efeitos causados pelo autoritarismo e centralismo de muitos Estados
africanos, incluindo Moçambique, sendo que o resultado apontava para
o fracasso dos mesmos (WEIMER, 2012). Em Moçambique, a guerra e,
sobretudo, o projeto de modernização da sociedade no período pós-
independência, baseado no centralismo democrático, “aliados à exclusão
da tradição e da cultura Africana, levaram à maior burocratização e
fragmentação dos governos locais, e a erosão da legitimidade do
governo central” (idem, p.83).
Com a adoção do paradigma neoliberal, pelo Estado
moçambicano, através da aprovação da Constituição de 1990,
formalizou-se a substituição do centralismo democrático (baseado na
economia planificada e partido único) pela economia de mercado e
democracia multipartidária, cujas primeiras eleições tiveram lugar no
ano de 1994. Todavia, este processo de transição, além de marcar a
passagem do país do socialismo para o capitalismo, significou, também,
a passagem de uma situação de guerra para a paz71. Pelo que, todo o
processo subsequente de consolidação político-democrática e
institucional vai estar baseado nestes dois vetores.

71
O Acordo Geral de Paz, segundo Forquilha e Orre (2012, p.332), era uma
carta de transição política para Moçambique, tendo constituído as bases do
processo de transição democrática do país. Portanto, “o processo de transição
política dependia, em grande medida, do sucesso da pacificação do país”.
64

Este é o contexto que vai marcar as discussões sobre a


descentralização em Moçambique, sendo apresentados vários
argumentos como fundamento para o apoio à sua implantação. Os
argumentos justificando a descentralização irão variar ao longo do
tempo. Assim, na primeira metade dos anos 90, uns viram na
descentralização a garantia da consolidação da paz, depois do Acordo
Geral de Paz (AGP) de Roma de 1992, tendo em conta a situação de
fragmentação do Estado e da sociedade, devido à guerra (por exemplo,
FANDRYCH et al., 1995; ANON, 1996). Para outros, a
descentralização era importante para a democratização e reforma da
administração local em curso72 (GUAMBE, 1992), e para a redução da
pobreza (DE JONG, 1999; SOIRI, 1999; CORREIA, 2005) (apud
BOROWCZAK; WEIMER, 2012). Mas também, esta é vista como uma
necessidade absoluta de resposta à diversidade de Moçambique – além
da diversidade geográfica e socioeconômica, Moçambique é uma
sociedade multicultural (havendo quem considere que é multinacional) e
ainda como fator para uma maior participação e responsabilização dos
cidadãos na resolução dos problemas e no desenvolvimento local,
reforçando a democracia ou pelo menos aproximando os cidadãos do
centro da decisão político-administrativa. Esta visão da
descentralização, enquanto processo potencialmente gerador de uma
contínua democratização do país, de uma partilha de poder com a
oposição interna e de uma maior participação e envolvimento da
sociedade civil na gestão pública local, é partilhada por alguns países
parceiros de cooperação (FARIA; CHICHAVA, 1999).
É nessa perspectiva que países (parceiros de cooperação), como a
Holanda73, argumentam que o apoio à descentralização justifica-se pela
necessidade de democratização do país, de promover a boa governança
(transparência, accountability, melhoria da qualidade de serviços,
aproximação dos serviços do cidadão, etc.) e o objetivo mais amplo
seria a redução da pobreza (informação verbal).
A questão da pobreza ganhou maior dinamismo, sobretudo, a
partir do começo do ano 2000, quando os discursos sobre a
descentralização começaram a focar mais na ideia de combate à
pobreza. Esta é uma realidade que está fortemente associada às

72
Destacando-se a necessidade de reintegração da administração local e o
fortalecimento da sua capacidade na planificação, importantes para a
reintegração socioeconômica (BARNES et al., 1997 apud BOROWCZAK;
WEIMER, 2012, p.104).
73
Entrevista em 07/05/2013.
65

exigências do FMI/Banco Mundial, através do PERP/PRGF74, e ao


relatório de desenvolvimento do Banco Mundial, do ano 2000/01, em
que, claramente, se estabelece relação entre o combate à pobreza e a
descentralização, defendendo a necessidade de dar voz e empoderar75 os
pobres, promovendo mecanismos que assegurem sua participação
política, econômica e social. Para o Banco Mundial (2000, p.106),

State institutions are often accused of being too


remote from the daily realities of poor people’s
lives, and decentralization is often recommended
as a solution. Decentralization can be powerful for
achieving development goals in ways that respond
to the needs of local communities, by assigning
control rights to people who have the information
and incentives to make decisions best suited to
those needs, and who have the responsibility for

74
O Plano Estratégico para a Redução da Pobreza (PERP) é um plano que as
duas instituições passaram a exigir aos países que desejassem financiamentos no
âmbito da iniciativa de alívio à dívida dos países pobres altamente endividados
(iniciativa HIPC). Esta exigência determinava que as estratégias de governança
dos países devessem ancorar as suas políticas de desenvolvimento na obtenção
de resultados que se traduzissem na redução da pobreza. Dai que esses planos
passaram a nortear as necessidades de financiamentos desses países. O
Programa de Financiamento para Redução da Pobreza e Crescimento (PRGF)
substituiu, em Setembro de 1999, o Programa Reforçado de Financiamento para
Ajustamento Estrutural (ESAF). Tem como propósito “tornar os esforços de
redução da pobreza nos países membros de baixa renda um elemento primordial
e mais explícito de uma estratégica econômica renovada, voltada para o
crescimento. O objetivo do novo programa é apoiar programas que visem o
fortalecimento substancial e sustentável da posição do balanço de pagamentos
dos países membros de baixa renda habilitados e promover o crescimento
duradouro, resultando na elevação dos padrões de vida e na redução da
pobreza. Assim como os programas da IDA, os programas apoiados pelo PRGF
terão como ponto de partida e serão coerentes com os Planos Estratégicos de
Redução da Pobreza (PERPs) elaborados pelos países tomadores e endossados
pelos Conselhos de Administração do FMI e do Banco Mundial, nas suas
respectivas áreas de competência” (FUNDO MONETÁRIO
IINTERNACIONAL, 1999).
75
“Making state institutions more accountable and responsive to poor people,
strengthening the participation of poor people in political processes and local
decisionmaking, and removing the social barriers that result from distinctions of
gender, ethnicity, race, religion, and social status” (BANCO MUNDIAL, 2000,
p.vi).
66

the political and economic consequences of their


decisions. It is not in itself a goal of development,
but a means of improving public sector efficiency
[…] to benefit poor people, it must have adequate
support and safeguards from the center and
effective mechanisms of participation […]
Decentralization to smaller units increases the
scope for interaction with the citizenry served.
Decentralization can make state institutions more
responsive to poor people, but only if it allows
poor people to hold public servants accountable
and ensures their participation in the development
process. The pace and design of decentralization
affect its impact on efficiency, accountability,
participation, and ultimately poverty reduction
(grifo nosso).

Esse é o contexto em que se enquadram os vários programas de


financiamento ao processo de descentralização em Moçambique, os
quais, a partir do começo da primeira década do ano 2000, têm estado
cada vez mais associados ao objetivo estratégico de redução da pobreza,
definido nos Planos de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta
(PARPA) (BOROWCZAK; WEIMER, 2012).
Efetivamente, considerando o contexto interno e externo, fica-se
com o entendimento de que o processo de descentralização em
Moçambique está fundado em uma diversidade de fatores, sendo os
mais relevantes os acima mencionados. No entanto, todos esses fatores
abrigam-se debaixo de um guarda-chuva maior, que é a materialização
dos princípios neoliberais. Ainda nas palavras destes autores (idem,
p.104),

Moçambique é só um caso especifico dentro de


uma vasta corrente da cooperação internacional
que, desde os anos 1990, define descentralização
como elemento-chave de reformas do sector
público e da boa governação, tudo testemunhado
pela produção de uma ampla gama de literatura
(Romeo, 2003; Eaton et al., 2011; Connerly et.al.,
2010; Fandrych, 2001; Smoke, 2010).

Alguns setores do governo moçambicano argumentam que a


descentralização do poder de decisão para os órgãos locais e
envolvimento do cidadão no processo de tomada de decisões (ou
67

envolvimento das comunidades na governança) também buscava


responder à crítica (nacional e internacional) de que o Estado era pouco
descentralizado, com fraco envolvimento do cidadão na gestão local, o
que afetava negativamente a eficiência e eficácia na utilização de fundos
públicos (informação verbal76).
Assim, a reforma Constitucional que conduziu à aprovação da
Constituição de 1990 traduziu-se no primeiro passo, formalizando as
condições para a participação política em Moçambique. Esta
constituição estabeleceu as bases para a realização de sufrágios
universais periódicos (de cinco em cinco anos), envolvendo competição
partidária plural, cujas primeiras eleições gerais (legislativas e
presidenciais) tiveram lugar em 1994.
Ainda no ano de 1994, antes da realização das eleições, o
parlamento moçambicano, ainda monopartidário, buscando aprofundar e
ampliar a participação aprovou o primeiro quadro legal sobre
descentralização, através da lei 3/94. É uma lei que foi produto de um
trabalho envolvendo estudos e debates, no seguimento das reformas
administrativas, no âmbito do Programa de Reforma dos Órgãos Locais
(PROL), financiado pelo Banco Mundial (SOIRI, 1999, CISTAC,
2012). O PROL foi aprovado em Maio de 1992, pelo governo
moçambicano, com o objetivo de “reformar o sistema de administração
local do Estado vigente e a sua transformação em órgãos locais dotados
de uma personalidade jurídica própria, distinta da do Estado, dotada de
uma autonomia administrativa, financeira e patrimonial” (CISTAC,
idem, p.4).
A lei 3/94 corporizava uma estratégia radical de descentralização,
uma vez que assentava na ideia de devolução do poder aos órgãos locais
do Estado (instituía uma verdadeira descentralização política e
democrática). Estabelecia a criação de entidades territoriais locais,
públicas, com autonomia fiscal e patrimonial, compreendendo distritos
municipais urbanos e rurais (os 128 distritos, mais 13 zonas urbanas –
cidades capitais e vilas), cujos presidentes municipais, administradores
distritais e respectivas assembleias seriam eleitos (SOIRI, 1999,
WEIMER, 2012).
Contudo, em 1996, a lei 3/94 foi revogada, através de uma
Emenda Constitucional (lei 9/96), apoiada pelos dois maiores partidos
parlamentares (FRELIMO e RENAMO), configurando um grande
retrocesso no espírito progressista que tinha norteado a aprovação da lei
3/94. Há quem considere que esta Emenda sinalizou o fechamento da
76
Entrevista com GOV2, em 14/03/2013.
68

porta da democratização, por via da descentralização, que a lei 3/94


tinha aberto.
As justificativas para a Emenda foram várias, inclusive alegações
de inconstitucionalidade foram levantadas. Entretanto, o fundamento
para o recuo da FRELIMO e para a posição da RENAMO é de natureza
política e econômica e reside na geografia da votação que resultou das
eleições de 1994. Por um lado, pelo seu desempenho eleitoral, a
RENAMO acreditava que estaria próxima de tomar o poder do Estado e
pretendia também adquirir o controle do poder em nível dos governos
locais das zonas rurais, no entanto, não achava que a lei 3/94
salvaguardasse seus interesses. Por outro lado, a FRELIMO, assustada
com o os resultados obtidos pela RENAMO, não pretendia arriscar a
perda de controle sobre o território em favor da oposição, o que
implicaria dividir o poder e ainda perder o controle sobre parte dos
recursos econômicos do país. Conforme coloca Weimer (2012, p.87),

[...] as principais razões eram políticas: em


primeiro lugar, as eleições gerais de 1994
produziram um resultado surpreendente, no
sentido em que demonstraram um grande apoio do
eleitorado rural à Renamo nas províncias
densamente povoadas e ricas em recursos no
centro e norte do país (de Brito, 1995). E em
segundo lugar, os projetos do grupo reformista na
Frelimo eram vistos como questionando, e
possivelmente minando, os princípios básicos do
Estado da Frelimo, a hegemonia nacional do
partido e o sistema patrimonial de governação. O
medo ou receio, perfeitamente compreensível do
ponto de vista hegemônico, era o de que se as
eleições para os governos locais prosseguissem
em 1996, conforme previsto pela legislação
original (revogada), o resultado seria
provavelmente a transferência de grande parte das
áreas rurais, das suas populações e recursos para o
controlo da Renamo – um evento a ser prevenido
a todo o custo.

Como resultado da lei 9/96, o processo de descentralização no


país gerou um modelo que Weimer (idem) designa de “sistema
bifurcado dos governos locais”. Este nome deve-se ao fato de a
legislação ter fixado dois caminhos para a descentralização, isto é, a via
da descentralização política e democrática e da descentralização
69

administrativa. A primeira situação ocorre através da criação de


autarquias locais (poder local), que são municípios (cidades e vilas) e
povoações (sedes dos postos administrativos), que gozam de autonomia
administrativa, financeira e patrimonial (CRM77, 2004, artigo 8º, inciso
III e artigo 276º; Lei 2/97, de 18 de Fevereiro, artigo 7º), cujos órgãos
(Prefeito e Assembleia Municipal e de Povoação) são eleitos. Vale
ressaltar que, embora gozem de autonomia, os municípios são tutelados
pelo Estado78 (Ministério da Administração Estatal) e o Estado tem o
direito de manter representação no espaço autárquico79.
A segunda situação, aquela sobre a qual se desenvolve o nosso
estudo, ocorre através dos Órgãos Locais do Estado (OLEs) (os
distritos), que são a representação do Estado em nível local,
subordinando-se à administração central do Estado e observando o
“princípio da estrutura integrada verticalmente hierarquizada80”. O
representante do Estado neste nível territorial (o Administrador do
Distrital) é nomeado centralmente, através do ministro responsável pela
área da Administração Local81.
Este compromisso misto que a FRELIMO encontrou como saída
para a situação de ameaça à sua hegemonia política, que se tinha
constituído com a aprovação da lei 3/94, pode ser definido como sendo
um arranjo por baixo82, onde a FRELIMO conseguiu assegurar que 90%
do território permanecesse sob controle direto do poder central do
Estado83 (através da descentralização administrativa, ou
desconcentração), e apenas 10% (“particularmente áreas urbanas, com
uma tendência clara para votar pela Frelimo84”) passassem à
descentralização política e democrática (cujos dirigentes são eleitos
localmente). Consideramos um arranjo por baixo, no âmbito da
descentralização por duas razões: primeiro, porque, nas palavras de
Weimer (2012, p.88), “é uma opção política a ser ativada em caso de
necessidade de reconciliar os conflitos potenciais no seio da Frelimo ou

77
Constituição da República de Moçambique.
78
Artigo 277º (CRM, 2004).
79
Artigo 263º, inciso iv da Constituição da República de Moçambique, 2004.
80
Artigo 3º, Lei 8/2003, de 19 de Maio (Lei dos Órgãos Locais do Estado).
81
Artigo 34º, inciso II, Lei 8/2003, de 19 de Maio.
82
Situação na qual o risco de alteração significativa das relações de poder é
mínimo.
83
Através da nomeação direta dos respectivos dirigentes.
84
WEIMER, 2012, p.88.
70

de limitar o espaço político para a oposição, ou para ambos os fins”.


Segundo, porque, de acordo com o Banco Mundial,

Deconcentration – which is often considered to be


the weakest form of decentralization and is used
most frequently in unitary states – redistributes
decision making authority and financial and
management responsibilities among different
levels of the central government. It can merely
shift responsibilities from central government
officials in the capital city to those working in
regions, provinces or districts, or it can create
strong field administration or local administrative
capacity under the supervision of central
government ministries85 (grifo nosso).

Foi a partir da lei 9/96 que o governo moçambicano, através da


Assembleia da República, fez aprovar a Lei 8/2003, de 19 de Maio, que
é a Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE). Esta lei, juntamente com
o seu respectivo regulamento e todo um conjunto de normas e regras
afins, vão respaldar todo o processo de descentralização administrativa,
destacando, particularmente as Instituições de Participação e Consulta
Comunitária (IPCCs), onde se enquadra o mecanismo objeto de nosso
estudo, o Conselho Consultivo do Distrito (CCD).
Embora a legislação tenha sido aprovada apenas em 2003 e
regulamentada em 2005, as experiências participativas datam da
primeira metade dos anos 1990, enquadradas nas iniciativas de
promoção do desenvolvimento local, em algumas regiões do país,
particularmente na província de Nampula, localizada na zona norte do
país. Estas ações estavam sendo promovidas por Agências
Internacionais de cooperação e desenvolvimento, inseridas no âmbito do
Programa Nacional de Reconstrução, do período pós-guerra e
informadas pelas novas teorias de desenvolvimento participativo, que
tinham começado a afirmar-se, no mundo, a partir dos meados de 1980.
Estas questionavam os modelos anteriores de desenvolvimento
participativo, orientados de cima para baixo, de grande escala,
centralizados e da autoria dos governos.
As abordagens anteriores estavam sendo criticadas em como
estava apresentando um desempenho fraco e impactando negativamente
aspetos como a pobreza, o que reacendeu o interesse por processos

85
BANCO MUNDIAL (Decentralization).
71

locais de tomada de decisão e de gestão local de recursos. Dai a opção


por projetos de pequena escala, que permitissem aos pobres atuar como
participantes informados, com agentes externos servindo principalmente
como facilitadores e fontes de financiamento. Sendo que, de acordo com
Mansuri e Rao (2013), importantes contribuições foram dadas por
cientistas sociais, como Cernea (1985) que, com o seu trabalho,
demonstrou que grandes organizações, como o Banco Mundial,
poderiam “colocar as pessoas em primeiro lugar”, trabalhando
sistematicamente em nível local, ou Hirschman (1970, 1984) que, com
as noções de “voz” e “saída”, ajudou para o entendimento de como a
agência coletiva poderia contribuir para o bem-estar. O fundamento
destas abordagens são estratégias de empoderamento das pessoas
pobres, perspectiva adotada pelo Banco Mundial e outros financiadores,
como parte de sua resposta ao criticismo do desenvolvimento orientado
de cima para baixo.
Nesse sentido, a participação passou a ser encarada como uma
estratégia de empoderamento e um meio crucial que permite aos pobres
terem controle social sobre decisões que os afetam. Este contexto
marcou a entrada em cena do conceito de capital social, nas políticas
desenvolvimentistas de agências multilaterais, como o Banco Mundial e
o FMI, onde se argumenta que, além da inclusão política, era necessário
promover programas sociais, como a educação, treinamento
profissional, fortalecimento da organização comunitária, buscando-se
utilizar e potenciar o capital social das comunidades (FERNANDES;
BONFIM, 2005). Para o Banco Mundial (2000), por exemplo, a
educação formal pode permitir às pessoas conquistarem melhores
oportunidades econômicas e dá-lhes meios para articularem suas
necessidades e demandas nos fóruns públicos e nos processos políticos.
Este contexto também permeou as atividades realizadas, em
Moçambique, por ONGs e agências internacionais ligadas ao
desenvolvimento, no âmbito do programa de reconstrução nacional, do
pós-guerra civil, a partir de 1992, como foi o caso do Programa de
Reabilitação e Reconstrução de Sofala (PRRS86), liderado pela GTZ
(Agência de Cooperação Técnica, da Alemanha), e os sucessivos
programas implementados na província de Nampula, por diversos
atores, como o UNCDF87, o PNUD88, o Serviço Holandês de

86
Programa composto por dois projetos, sendo o primeiro, o Projeto Integrado
de Segurança Alimentar (PISA) e o segundo, o Projeto de Promoção de
Instituições Locais (PIL).
87
Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Capital.
72

Cooperação e Desenvolvimento (SNV), Cooperação Suíça para o


Desenvolvimento (SDC), etc. O UNCDF iniciou atividades em 1993 e,
em 1995, começou a implementar o segundo projeto, denominado
Fundo de Desenvolvimento Local, que durou até 1997 e dava enfoque
ao desenvolvimento de capacidades institucionais e de planificação
local. Depois implementou o terceiro projeto, denominado Projeto de
Planificação e Finanças Distritais (PPFD), o qual adotaria mais tarde a
designação de Programa de Planificação e Finanças Descentralizadas,
tendo, a sua primeira fase decorrido entre 1998 e 2001 (MACUANE et
al., 2010).
Paralelamente, a SDC, a SNV e a CONCERN89 começaram a
trabalhar em alguns distritos da província de Nampula. A SDC trabalhou
em Mecuburi, a SNV trabalhou com um grupo de distritos designado
MAMM (Moma, Angoche, Mogovolas Mongicual) e a CONCERN
trabalhou em outros distritos da província. Estas instituições lideraram o
processo de organização das comunidades para o desenvolvimento local.
Estas facilitaram a criação e capacitação de organizações comunitárias,
designadas Comissões de Desenvolvimento Local (CDLs), que
trabalhavam na identificação, discussão, priorização e avaliação de
potencialidades e dos problemas na sua comunidade. Em seguida, as
comunidades resolviam os problemas possíveis e negociavam com o
poder público aquelas que não tivessem solução no âmbito comunitário.
Esta forma de interação entre o Estado e a sociedade, particularmente
nos distritos onde se encontrava a SNV, funcionou entre 1996 e 1998 e
era de caráter informal (informação verbal90).
Em 1998, no âmbito do PPFD, foi lançado o Plano Estratégico de
Desenvolvimento Distrital (PEDD), a partir do qual foram se
aperfeiçoando as bases da planificação participativa, uma vez que a sua
elaboração impunha a necessidade de realização de consultas públicas,
tendo sido, nesse contexto, que foram criados os primeiros Conselhos
Consultivos (CCs), nos níveis do posto administrativo e distrito, que,
numa primeira fase, contemplaram três distritos, Angoche, Mecuburi e
Ribáuè. Assim, os Conselhos Consultivos do Posto Administrativo
(CCPA) foram constituídos com 24 a 30 membros e os Conselhos

88
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
89
Organização humanitária irlandesa, fundada por missionários, em 1968, no
contexto da guerra do Biafra.
90
Entrevistas com GOV2 e ONG1, em 14/03/2013.
73

Consultivos do Distrito (CCD) com 60 a 80 membros. Os primeiros


PEDDs foram aprovados em 1999 (informação verbal91).
Após iniciar este programa com apenas três distritos, em 2002,
todos os distritos (18) da província de Nampula tinham os respectivos
CCs constituídos (BOROWCZAK; WEIMER, 2012). Nesse mesmo ano
de 2002, o PPFD foi prolongado e ampliado, entra na fase II, passando a
vigorar até 2005 e estendido para a província vizinha de Cabo Delgado,
num projeto único da UNCDF e PNUD, com contribuições financeiras
dos Países Baixos, da Cooperação Suíça para o Desenvolvimento (SDC)
e do Reino da Noruega. Enquanto isso, a Cooperação Irlandesa para o
Desenvolvimento (DCI) decidiu apoiar a província do Niassa,
completando, dessa forma, a região norte do país (MACUANE et al.,
2010).
Na sequência, em 2003/2004, o PPFD é alargado para a região
central do país, que inclui as províncias da Zambézia, Tete, Manica e
Sofala, e financiado pelo Banco Mundial, tendo ainda a participação de
agências internacionais, tais como a Cooperação Austríaca e a GTZ. A
GTZ já vinha trabalhando nesta região, tendo, inclusive, executado
projeto92, em 1995, na província de Manica, o qual estava virado para o
fortalecimento institucional, através da melhoria dos processos de
planificação provincial e distrital. Este projeto já continha alguma
presença de elementos participativos e se traduziu na elaboração, em
1996/7, do primeiro PEDD em Moçambique93. O PPFD acabou sendo
expandido também para a região sul do país, com apoio da GTZ e DCI
(BOROWCZAK; WEIMER, 2012).
Assim, os projetos de descentralização passaram a ter a seguinte
configuração regional: Norte (UNCDF/UNDP, Países Baixos, Reino de
Noruega e Irlanda), conhecido como PPFD-Norte, Centro (Banco
Mundial), conhecido como PPFD-Centro, e Sul (GTZ e DCI94),
conhecido como PPFD-Sul (MACUANE et al., 2010). Conforme,
mencionamos, estes projetos foram transformados em Programa
Nacional de Planificação e Finanças Descentralizadas (PNPFD), do qual
o Banco Mundial é, atualmente, o maior financiador.
Vale lembrar a importância do trabalho realizado pelas ONGs
(nacionais e internacionais), visando ajudar as comunidades a construir e
consolidar capital social, particularmente através de ações de

91
Entrevistas com GOV3, em 20/03/2013, e ONG1, em 14/03/2013.
92
Projeto de Apoio à Planificação Provincial (PAPP).
93
Esta primeira experiência coube ao distrito de Guro, em Manica.
94
Cooperação Irlandesa para o Desenvolvimento.
74

capacitação e outras formas de suporte às atividades de desenvolvimento


local. O papel destas organizações tem sido reconhecido por vários
atores, incluindo o próprio governo, que trabalha com elas como
parceiras em matéria de desenvolvimento local e participação. Estas são
referência obrigatória no estudo sobre desenvolvimento local e
participação na província de Nampula, por exemplo. Nesta província,
estas constituíram uma rede, em Dezembro de 2004, denominada rede
de parceiros do PPFD, da qual faziam parte a DPPF95-PPFD96, SNV,
MAMM-UDC97, CONCERN98, Helvetas99, Ibis100, OLIPA-ODES101,
SALAMA102, ORAM103. O seu trabalho insere-se na filosofia defendida
pelo Banco Mundial (2000) sobre o papel da sociedade civil e do
próprio Estado no suporte às organizações comunitárias de modo a
tronarem-se mais efetivas na participação em programas de
desenvolvimento local. Nesse sentido, há indicações de que os CCs com
membros vindos dessas organizações comunitárias, apoiadas pelas
ONGs, tendem a ser mais dinâmicos e interativos (MACUANE et al.,
2010).
Estas experiências de Nampula acabaram por não somente
inspirar a legislação nacional sobre a descentralização, como é o caso da
Lei 8/2003 de 19 de Maio [Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE)],
como também serviram como modelo para o resto do país, além de
inspirarem o Programa Nacional de Planificação e Finanças
Descentralizadas (PNPFD), criado em 2010, pelo governo
moçambicano, buscando unificar todas as atividades de apoio à
descentralização, que estavam sendo realizadas, de modo disperso, pelos
vários atores de cooperação internacional, nas regiões do país (Norte,

95
Direção Provincial do Plano e Finanças.
96
Programa de Planificação e Finanças Descentralizadas.
97
Moma, Angoche, Mogovolas, Mongicual – Unidade de Desenvolvimento
Comunitário.
98
ONG Irlandesa que trabalhou em Nampula e Manica na área de Governação
Local Participativa.
99
ONG Suíça que trabalha nas Províncias de Nampula e Cabo Delgado no
Programa de Governação e Água & Saneamento.
100
Dinamarquesa que trabalhou em Nampula e Niassa na área de Governação
Local Participativa.
101
Organização para o Desenvolvimento Sustentável: ONG Local em Nampula.
102
ONG Local baseada em Nampula (Ribaué) focada na área de Saúde
comunitária e HIV/SIDA.
103
Organização Rural de Ajuda Mutua- ONG Nacional focada aos assuntos da
Terra e Recursos Naturais.
75

Centro e Sul). Para Weimer (2012), estas experiências revolucionaram


as finanças e todo o processo da planificação e orçamentação distrital,
através de instrumentos como o PEDD e, sobretudo o PESOD (Plano
Econômico e Social e Orçamento do Distrito) e o interesse que elas têm
suscitado pode explicar-se por diversos fatores, como, por exemplo,

O seu caráter inovador nos processos de


governação local, por um lado, mas também pelo
sucesso conseguido pelo programa nas diferentes
componentes de governação, nomeadamente na i)
criação de espaços de participação das
comunidades locais na definição e controlo de
planos de desenvolvimento; ii) institucionalização
de conselhos consultivos locais como veículos de
articulação permanente com os governos
distritais; iii) articulação e diálogo com a
sociedade civil; iv) institucionalização do
processo de planificação participativa e
financiamento descentralizado; e v) monitoria e
prestação de contas, caracterizada pela elevada
exposição dos governantes distritais ao escrutínio
público. A abordagem de Nampula, representando
uma modalidade de ajuda territorial também
merecia o interesse académico na discussão de
modalidades eficientes e eficazes de apoio a
Moçambique, por exemplo, no sector da
agricultura (WEIMER; CABRAL; JACKSON104,
2004, apud MACUANE et al., 2010, p.24).

Vale ressaltar que os Programas de Planificação e Finanças


Descentralizadas, executados pelos parceiros de cooperação, dispunham,
na sua grande maioria, de orçamentos, através dos Fundos de
Desenvolvimento Local (FDL105), para a realização das atividades
planejadas pelos mecanismos participativos. Contudo, com o fim dos

104
WEIMER, B.; CABRAL, L.; JACKSON, D. Aid modalities, flow of funds
and partner structures. Experiences and recommendations for ASPS II.
final report. Danish Support to the Agricultural Sector in Mozambique within
the framework of Agricultural Sector Programme Support (ASPS). Maputo:
DANIDA, 2004.
105
Os quais passaram a designarem-se Fundos de Desenvolvimento Distrital,
até à sua substituição pelo Orçamento de Investimento de Iniciativa Local
(OIIL), em 2006.
76

projetos e consequente adoção do PNPFD, os planos deixaram de ter


orçamento associado, passando a depender das verbas do orçamento
global de cada distrito. Nas palavras de Borowczak e Weimer (2012,
p.116),

Os fundos disponibilizados ao nível distrital pelos


doadores contribuíram para evitar um
aperfeiçoamento da planificação ‘em seco’ isto é
com planos sem financiamento, e possibilitaram
um processo de aprendizagem e também uma
testagem dos novos instrumentos idealizados e
desenvolvidos sob condições reais, isto é uma
aprendizagem com dinheiro real.

Mais adiante retomaremos esta temática, quando abordarmos os


Conselhos Consultivos (CCs), como produto do processo acima
descrito. Por ora, estaremos abordando a teoria da democracia
participativa, por forma a fazer o enquadramento teórico dos processos
participativos que o presente trabalho está analisando.
77

CAPÍTULO 2 – DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E


GOVERNANÇA

2.1 TEORIAS DEMOCRÁTICO-PARTICIPATIVAS

Existe relativo consenso entre os teóricos da democracia sobre o


fato de a ampliação da participação da população na gestão pública
representar um fator de aprofundamento da democracia, ou nas palavras
de Marques (2010) um fator de manutenção, aperfeiçoamento e
consolidação da democracia e de sua legitimidade.
O neoliberalismo tem servido como suporte teórico para esta
tendência de promover uma participação cada vez maior da sociedade na
vida pública, uma situação que ganhou maior força com o triunfo e
expansão a escala global do modelo neoliberal, acompanhado pela
crescente queda de legitimidade dos Estados.
De acordo com Gros (2004), a doutrina neoliberal, defensora da
diminuição da atuação do Estado em sectores que podem vir a ser de
responsabilidade dos indivíduos organizados, passou a ser o fundamento
de políticas públicas, configurando-se como ideologia conservadora e
hegemônica no Ocidente, a partir do final dos anos 70 e, sobretudo,
durante a década de 1980, quando foi posta em prática pelos governos
Thatcher, na Grã-Bretanha, e Reagan, nos Estados.
Por seu turno, Oliveira argumenta que esta tendência acentuou-se
com o fim da Guerra Fria, contexto no qual o Estado passa a perder
espaço para o Mercado, através dos processos de descentralização
estatal e da tendência por “menos Estado” e ainda o descrédito no papel
do legislativo (OLIVEIRA, 1999). Esta perda de exclusividade decisória
por parte do Estado refletia, para Campilongo (1988, p.50), a “crise de
representação”, determinada por fatores como “a excessiva
fragmentação dos interesses sociais e a perda de centralidade do circuito
Governo-Parlamento como itinerário das decisões políticas”.
A consequência desta permanente luta por uma redefinição da
correlação de forças e formas de interlocução, entre o Estado e a
sociedade civil, recorrendo à colocação de Dagnino (2004), foi que o
confronto e o antagonismo que tinham marcado profundamente a
relação entre o Estado e a sociedade civil nas décadas anteriores
cederam lugar a uma aposta na possibilidade da sua ação conjunta para o
aprofundamento democrático106. Por outras palavras, e de acordo com

106
O que não implica o fim das tensões que sempre caracterizaram e
caracterizam as relações entre o Estado e a sociedade civil.
78

Campilongo (1988), enquanto no século XIX, na perspectiva do


liberalismo clássico, havia uma nítida separação entre o Estado e a
sociedade civil, no século XX esta linha divisória deixou de ser tão
nítida. Sendo que “a sociedade e o Estado atuam como dois momentos
necessários, separados, mas contíguos, distintos, mas interdependentes,
do sistema social em sua complexidade e em sua articulação interna”
(BOBBIO, 1987, p.52).
Vai ser nesse contexto que se forjam as instituições participativas,
“que facultam aos cidadãos acesso aos processos de tomada de decisão,
assim como concedem a estes o direito de monitorar atividades
governamentais” (WAMPLER, 2005, p.33). O pressuposto é que a
articulação entre os gestores, as burocracias governamentais e os
interesses de trabalhadores, usuários e beneficiários de políticas públicas
afetaria positivamente a responsiveness (resposta às demandas) e
accountability (prestação de contas) dos governos (CORTÊS, 2005).
Esta autora faz referência a um vasto grupo de autores107, que os designa
de otimistas, os quais defendem que os mecanismos participativos
provocam a democratização da gestão pública (ibidem). Isso ocorre na
medida em que “interesses tradicionalmente excluídos do processo de
decisão passariam a ser considerados e gestores de políticas públicas e
burocracias governamentais seriam induzidos a tomar decisões levando
em conta tais interesses” (idem, p.14).
Wampler (2005) reforça a deia de que as instituições
participativas têm o potencial de expandir a accountability no nível
local, ao permitir que os cidadãos contribuam para as decisões sobre a
formulação de políticas públicas, ou seja, estas “têm o potencial de
redistribuir autoridade, incorporar diretamente os cidadãos nos
processos de tomada de decisão e permitir que novos atores (third
parties) monitorem a implementação de políticas públicas”
(WAMPLER, idem, p.36). Por outro lado, Marques (2010a) argumenta
que em países com um histórico marcado por aspectos como a
corrupção e o patrimonialismo (um traço da cultura política,
particularmente em países em desenvolvimento), a tendência é de
desenhar instituições (onde se incluem as participativas) que buscam
promover valores como a transparência e a prestação de contas.

107 107
AZEVEDO; ABRANCHES, 2002; BOSCHI, 1999; COSTA, 1997;
EVANS, 2003; FUNG; WRIGHT, 2001; JACOBI, 2002; SANTOS;
AVRITZER, 2002; SCHNEIDER; GOLDFRANK, 2002 (apud CORTÊS, 2005,
p.14).
79

Argumentando na mesma lógica, Fung e Wright (2001) defendem


que a governança participativa propicia a superação dos resultados das
formas institucionais convencionais, promovendo maior responsiveness
e efetividade do Estado, ao mesmo tempo em que o tornam mais justo,
participativo, deliberativo e accountable. Ainda de acordo com estes
autores (2002) a governança participativa é um fator de ampliação das
oportunidades de participação, particularmente ao permitir incluir
grupos marginalizados (dispensando os participantes das exigências de
qualificações específicas), ao mesmo tempo em que estes se apropriam
dos processos de tomada de decisão sobre assuntos que lhes dizem
respeito diretamente, e ainda têm a possibilidade real de exercício do
poder estatal e influenciar as estratégias deste, para além de permitir o
desenvolvimento de capacidades políticas pragmáticas, tornando-se
numa escola de democracia. Nas palavras destes autores (idem, p.27-
29),

[…] they establish additional channels of voice


over issues about which potential participants care
deeply, such as the quality of their schools and of
their living spaces and the disposition of public
resources devoted to local public goods […]
increase participation […] they also offer a
distinct inducement to participation: the real
prospect of exercising state power […]
participants exercise influence over state
strategies […] reduce expertise-based barriers to
engaged participation and thus encourage
participants to develop and deploy their pragmatic
political capabilities […] they allow casual,
nonprofessional, participants to master specific
areas of knowledge necessary to make good
decisions by shrinking – through decentralization
– decision scopes to narrow functional and
geographic areas [...] furthermore, citizens have
incentives to develop their capacities and master
the information necessary to making good
decisions because they must live with the
consequences of poor ones […] beyond the
proximate scope and effect of participation, these
experiments also encourage the development of
political wisdom in ordinary citizens by grounding
competency upon everyday, situated, experiences
rather than simply data mediated through popular
80

press, television, or “booklearning” […] these


experiments not only consist of fora for honing
and practicing deliberative-democratic skills, but
also literally establish schools of democracy to
develop participants’ political and technical
capacities.

Para o Banco Mundial (2000), a participação é um fator vital para


o sucesso da descentralização porque ela tem o potencial de criar um
ciclo virtuoso, onde a sociedade civil se fortalece, a maioria das
necessidades é escutada e aumenta a voz dos pobres nos assuntos locais,
isto é, assegura que as preferências e valores das comunidades sejam
considerados nas escolhas e desenho de políticas, o que confere, aos
pobres, maior influência sobre suas vidas, além de melhorar a
transparência e a accountability.
Os arranjos institucionais participativos que vêm ocorrendo em
vários países em desenvolvimento são impulsionados, por um lado,
pelas propostas dos organismos multilaterais108 e, por outro, por
mandamentos constitucionais e pelos compromissos assumidos por
alguns partidos políticos, onde várias experiências são postas em prática
visando à inserção de grupos sociais e/ou de interesse na formulação e
acompanhamento de políticas públicas (SOUZA, 2006). Isto resulta
também das demandas da sociedade civil, que segue pressionando em
busca de maior protagonismo nos negócios públicos. Importa ressaltar
que este processo não tem sido unânime, ele comporta tensões entre a
sociedade política e a sociedade civil, motivada pelo controle dos meios
e mecanismos de tomada de decisão (AVRITZER, 1997; LAVALLE;
BUENO, 2010).
Estas práticas estão ancoradas nas teorias democrático-
participativas, as quais representam uma evolução nos debates em torno
da democratização da esfera pública, que tem em Habermas (1995,
1997, 1998) a figura central. Habermas propôs a democracia
deliberativa109 como alternativa à democracia republicana e ao elitismo

108
O Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), por
exemplo, são das principais instituições que assumiram a vanguarda na
promoção dos ditames neoliberais.
109
Um dos aspectos principais da teoria habermasiana é a existência de uma
constituição como expressão de uma ordem normativa, que é legitimada por via
da deliberação dos cidadãos. Na sua formulação, o conceito de esfera pública
torna-se central, uma vez que é através desta que se estabelecem interações
comunicativas dos discursos dos atores sociais, construindo-se uma rede de
81

democrático (do modelo liberal), onde enfatiza novas formas de


formação de consensos no sistema político, fundamentadas na teoria
democrática discursiva. Esta proposta questiona a prerrogativa unilateral
da ação política por parte do Estado, ao mesmo tempo em que reserva à
sociedade civil um papel relevante na construção da esfera pública
democrática.
Não obstante reconhecer-se o mérito da contribuição de
Habermas no processo de construção de uma teoria democrática
evolutiva, do ponto de vista do modelo liberal, o seu modelo enfrenta
críticas por não ter conseguido superar os principais fundamentos
institucionais da democracia liberal representativa, como a manutenção
da centralidade do Estado no processo político decisório, isto é, “não
leva às últimas consequências os efeitos de um chamamento aos
cidadãos a participarem de espaços públicos de discussão [...] o poder de
deliberação pública não troca de mãos, corresponde exclusivamente ao
poder do Estado” (GUGLIANO, 2004, p.270-271), ou por outra,
manteve a participação social “excessivamente” informal, que cumpre
mais um papel de “oxigenação”, “tensionamento”, “problematização”
do poder político, do que um papel diretamente político-decisório
(LUCHMANN, 2002, p.13).
A democracia participativa aparece, portanto, como proposta para
a superação dessas dificuldades. Esta perspectiva busca ir além do
modelo procedimentalista de Habermas, propondo medidas
institucionais que superem as dificuldades da democracia deliberativa,
em que todos os interesses e perspectivas sejam considerados (COHEN,
2000, BOHMAN, 2000). Argumenta-se aqui que a legitimidade dos
processos políticos deverá ser medida não somente pelo grau em que os
grupos ganham audição para suas opiniões, sobre problemas já em
discussão, mas também, pela capacidade dos mesmos poderem iniciar a
discussão de problemas, ou seja, a capacidade de proporem agendas
(BOHMAN, idem).
Neste modelo busca-se resgatar a importância da participação,
agregando ao processo político a ideia de que a legitimidade das
decisões políticas deve resultar de processos de discussão, orientados
pelos princípios da inclusão, devendo articular-se processos com

informações, atitudes e pontos de vista, que são filtrados e sintetizados,


formando-se opiniões públicas temáticas na periferia mais externa do sistema
(consumidores e sociedade civil), as quais são absorvidas pelo núcleo central
(administração pública e sistema jurídico), que as transforma em decisões
políticas (HABERMAS, 1995, 1997).
82

resultados. Aqui a sociedade civil assume um papel central na


construção democrática, particularmente através de formas coletivas de
organização (LUCHMANN, 2002).
Não obstante a quantidade de críticas avançadas contra a função
normativa da sociedade civil110, esta, segundo Wampler (2005, p.40),
tem provocado “efeitos diretos e importantes sobre a sociedade
política”. Recupera-se, aqui, a perspectiva tocquevilleana111 sobre a
importância da sociedade civil e/ou das práticas coletivas e associativas,
como cultivadoras de virtudes cívicas consideradas cruciais para uma
sociedade democrática (WARREN, 2001), uma vez que afetam o
desempenho governamental.
Mais recentemente, Putnam (2002), renovou esta centralidade do
papel da sociedade civil no desempenho das instituições democráticas.
Foi ao analisar o processo de descentralização político-administrativa na
Itália que este destacou a virtude cívica, ou a comunidade cívica
(caracterizada por uma rica vida associativa e por um maior
comprometimento da população com as questões públicas) como fator
determinante para o melhor desempenho de um governo. A ideia é que o
desenvolvimento e acúmulo de relações sociais horizontalizadas que
estão na base do associativismo são elementos centrais de ruptura com o
clientelismo e o autoritarismo, prevalecentes nas relações políticas de
características verticais, assimétricas e hierárquicas. De acordo com o
argumento de Putnam (idem, p.103-104),

As associações civis contribuem para a eficácia e


a estabilidade do governo democrático, não só por
causa de seus efeitos “internos” sobre os
indivíduos, mas também por causa de seus efeitos
“externos” sobre a sociedade. No âmbito interno,
as associações incutem em seus membros hábitos
de cooperação, solidariedade e espírito público
[...] isso é corroborado por dados extraídos de
pesquisas sobre cultura cívica realizadas com
cidadãos de cinco países, incluindo a Itália,

110
Cf. LAVALLE, 2003, DAGNINO, 2006.
111
Caracterizada pela ênfase no associativismo civil para a promoção e
manutenção da democracia: “Entre as leis que governam as sociedades
humanas, há uma que me parece mais precisa e clara que qualquer outra: para o
homem permanecer civilizado ou para assim se tornar, a arte de se associar deve
crescer e melhorar na mesma proporção do aumento da igualdade de condições”
(TOCQUEVILLE, 1969, p.233).
83

mostrando que os membros das associações têm


mais consciência política, confiança social,
participação política e “competência cívica
subjetiva”. A participação em organizações
cívicas desenvolve o espírito de cooperação e o
senso de responsabilidade comum para com os
empreendimentos coletivos [...] o associativismo é
pré-condição para o governo democrático.

O fator explicativo central desses comportamentos é o capital


social acumulado na comunidade cívica. Ainda nas palavras de Putnam
(2002, p.177-183),

A cooperação voluntária é mais fácil numa


comunidade que tenha herdado um bom estoque
de capital social sob a forma de regras de
reciprocidade e sistemas de participação cívica.
Aqui o capital social diz respeito a características
da organização social, como confiança, normas, e
sistemas, que contribuem para aumentar a
eficiência da sociedade, facilitando as ações
coordenadas [...] os sistemas de participação
cívica são uma forma essencial de capital social:
quanto mais desenvolvidos forem esses sistemas
numa comunidade, maior será a probabilidade de
que seus cidadãos sejam capazes de cooperar em
benefício mútuo [...] as regras de reciprocidade
generalizada e os sistemas de participação cívica
estimulam a cooperação e a confiança social
porque reduzem os incentivos a transgredir,
diminuem a incerteza e fornecem modelos para a
cooperação futura [...] os estoques de capital
social, como confiança, normas e sistemas de
participação, tendem a ser cumulativos e a
reforçar-se mutuamente. Os círculos virtuosos
redundam em equilíbrios sociais com elevados
níveis de cooperação, confiança, reciprocidade,
civismo e bem-estar coletivo.

Portanto, comunidades com tais características são mais


propensas a apresentar maior comprometimento com as questões
públicas, contribuindo para o bom desempenho das instituições
governamentais, sendo que as organizações cívicas devem pautar-se por
relações horizontais, uma vez que “quanto mais horizontalizada for a
84

estrutura de uma organização, mais ela favorecerá o desempenho


institucional na comunidade em geral” (PUTNAM, 2002, p.185).
Ainda na linha da abordagem de Putnam, Offe (1996)
argumentou que o capital social, disponível dentro da sociedade civil,
era a origem da energia que faz a democracia funcionar, conferindo-lhe
claramente centralidade no desempenho democrático. Nessa lógica, vai
ser importante a forma como a sociedade civil se acha organizada na sua
relação com o Estado. Ou seja, as chances de garantir uma participação
consistente e autônoma dos atores sociais, nas arenas participativas,
dependem do nível de organização da sociedade civil e do engajamento
cívico dos cidadãos, particularmente em momentos anteriores à sua
participação nesses espaços (ANDRADE, 2007; BULHÕES, 2002;
CARVALHEIRO et al, 1992; CÔRTES, 1998; SANTOS JÚNIOR;
RIBEIRO; AZEVEDO, 2004; TATAGIBA, 2002 apud CORTÊS;
SILVA, 2010).
Por outro lado, a vertente neoinstitucionalista112 defende que o
desempenho da sociedade civil é constrangido pelo Estado, seus atores e
instituições, pela sua capacidade de moldar identidades, interesses e
estratégias de atores sociais individuais ou coletivos, embora estes
possam “intencionalmente fazer escolhas, traçar estratégias, integrar
redes sociais compostas por atores societais e estatais, em espaços
políticos institucionais ‘concedidos’ por atores ou normas estatais,
potencializando, assim, sua capacidade de influir politicamente”
(CORTÊS; SILVA, idem, p.428).
Levando em conta estas duas perspectivas (aquela que enfatiza a
capacidade organizativa da sociedade civil e seus atores como fatores
explicativos de sua ação nas arenas participativas, por um lado, e a outra
que enfatiza a importância das instituições e de atores estatais na forma
como se moldam as identidades, interesses e estratégias dos atores
sociais, por outro) estes autores (idem) propõem uma terceira via
explicativa, centrada nas inter-relações sociedade/Estado.
Assim, com argumento similar ao de Velásquez (1999113), Cortês
e Silva (2010) avançam com a ideia de “contexto estratégico relacional”,

112
GOODWIN, 2001; STEINMO, 1993, AMENTA, 2005; LOWNDES, 2002,
apud Cortês e Silva ( 2010).
113
O autor defende que a estrutura de oportunidade política, que é um conjunto
de opções oferecido por um sistema político possibilitando aos atores tomar a
decisão de participar na busca de bens públicos, constitui um de três elementos
centrais para o controle social da gestão pública, a par da tradição associativa e
motivações (VELÁSQUEZ, 1999).
85

de Jessop (1990, 2003), e o conceito de Estrutura de Oportunidades


Políticas (EOP114), desenvolvido nos trabalhos de McAdam (1997) e
McAdam, Tarrow e Tilly (2001), como fator explicativo da natureza das
ações dos atores sociais nas experiências participativas. No seu
entendimento, a abordagem relacional rompe com a dicotomia presente
nas abordagens anteriores, ao incorporar tanto os argumentos
institucionalistas quanto àqueles que enfatizam a importância da
capacidade organizativa da sociedade civil, isto é, a concepção de que o
Estado determina a atuação dos atores sociais, ou que a sociedade define
de modo autônomo suas formas e recursos de ação (CORTÊS; SILVA,
2010).
O argumento aqui é que a organização e a atuação dos atores
sociais são condicionadas tanto por configurações político-institucionais
(oportunidades e constrangimentos), quanto pela diversidade e
densidade associativa (desde as redes informais de sociabilidade até as
estruturas organizativas formais, ou sociedade civil), levando em conta,
ainda, a forma como os atores interpretam as oportunidades e os
constrangimentos postos pela configuração político-institucional, e
ainda os recursos políticos de que estes dispõem para definir e sustentar
sua intervenção frente a estas oportunidades ou constrangimentos. Isto
quer significar que ocorre uma apropriação simbólica dos contextos
político-institucionais por parte dos atores sociais, que “desenvolvem
suas ações a partir de marcos interpretativos e recursos disponibilizados
pelos padrões de organização construídos ao longo de sua história115”

114
“É um instrumento teórico de conexão entre os processos organizativos
desenvolvidos no âmbito da sociedade civil e os constrangimentos e
oportunidades estabelecidos pela configuração político-institucional em
determinado contexto. O conceito foi introduzido nas Ciências Sociais, no início
dos anos 70, exatamente para abordar as relações entre os processos de
organização e mobilização política de atores sociais – em particular, dos
movimentos sociais – e o sistema político-administrativo” (idem, p.434).
115
“[...] desenham-se nas identidades, nos laços sociais e nas formas
organizacionais que constituem vida social cotidiana. Dessas identidades, laços
sociais e formas organizacionais emergem tanto as demandas coletivas que as
pessoas constroem quanto os meios que elas dispõem para construí-las”
(TILLY, 2006, apud CORTÊS; SILVA, 2010, p.436) (tradução dos autores),
ou, segundo Pettit (1996), “O comportamento das pessoas em sociedade – seu
comportamento individual, seu comportamento como agentes de coletivos
corporativos e seu comportamento em capacidades públicas – é sensível às
oportunidades e aos incentivos disponíveis a elas como resultado de sua
configuração social, como é sensível a outros fatores: por exemplo, para os
86

(CORTÊS; SILVA, 2010, p.436), sendo também aqui relevante o


conceito de capital social, uma vez que, na ótica destes autores (idem,
p.435),

Por um lado, ele possibilita verificar qual a


configuração das relações sociais que conformam
os padrões associativos ao longo do tempo. Por
outro, ele permite identificar os recursos
(materiais e simbólicos) gerados por essa
configuração e como tais recursos são socialmente
distribuídos, definindo diferentes capacidades de
atuação aos atores sociais. Ou seja, o foco no
capital social auxilia na apreensão da organização
e da atuação dos atores sociais como processos
relativamente autônomos, ou seja, relacionados,
mas não subordinados, à configuração político-
institucional.

Assim, os possíveis resultados para o quadro de participação, e


baseados na argumentação de Velásquez (1999), seriam: primeiro, em
um contexto de configuração político-institucional forte e tradição
associativa/identidades coletivas fracas, uma participação instrumental,
isto é, uma relação utilitária entre Estado e sociedade; segundo, em um
contexto de configuração político-institucional fechado e identidades
coletivas/tradição associativa sólidas, uma participação reivindicativa
e/ou contestatória; terceiro, em um contexto em que as duas partes são
desfavoráveis, a não-participação, a desmobilização, o desinteresse,
propiciando o clientelismo, o populismo, o autoritarismo, o
assistencialismo, o tecnocratismo ou combinações entre eles.
Nesse contexto, o pré-requisito para uma participação
substantiva, que transforme as relações básicas entre Estado e
sociedade116, isto é, uma participação que assenta na cooperação entre
Estado e atores sociais, traduzindo-se na democratização da gestão
pública local, vai ser a existência de oportunidade política favorável
(vontade governamental), combinada com uma tradição associativa
sólida (em termos de densidade e diversidade) (VELÁSQUEZ, 1999,
CORTÊS; SILVA, 2010).

valores, representações e modos de discurso que elas herdam, em boa parte, de


seu quadro social de referências” (apud MARQUES, 2010a, p.142).
116
WAMPLER, 2005.
87

Esta oportunidade política favorável depende de questões como


projeto político117, capacidade (técnica e de recursos) e compromisso
político do governo na implementação e sustentação da gestão pública
participativa e isso pode ser medido tanto pela prioridade que a proposta
participativa ocupa no conjunto das propostas e objetivos político-
partidários, como pelo comprometimento do governo com a sua
efetivação. O comprometimento do governo inclui, além da centralidade
dispensada ao mecanismo participativo, os recursos (materiais e
humanos) que lhe são destinados (BORBA; LUCHMANN, 2007).
Nisso, o lugar das instituições de participação na estrutura
administrativa; o montante de recursos destinados à viabilidade do
processo participativo e ao investimento a ser discutido na instituição de
participação; o comprometimento com a realização das obras; o
envolvimento do executivo nas várias atividades da instituição
participativa; a promoção de cursos de capacitação dos delegados são,
de maneira geral, os principais indicadores do grau de comprometimento
governamental e do grau de credibilidade e de confiança institucional
das instituições de participação (BORBA; LUCHMANN, idem,
LUCHMANN, 2002).
O compromisso governamental pode ser um indutor importante
da formação de capital social, favorecendo a participação. Ao
demonstrar que as opiniões, sugestões e necessidades dos cidadãos são
atendidas e que os cidadãos podem exercer influência nos rumos dos
debates e decisões relativas às políticas públicas e ainda que as arenas
participativas geram resultados efetivos, o Estado cultiva a confiança
dos cidadãos nos processos participativos, fortalecendo a atitude cívica
em relação à participação. Em outras palavras, o Estado deve mostrar
que está efetivamente disposto a tratar os cidadãos enquanto parceiros
na discussão e formulação das políticas públicas, valorizando a
contribuição da esfera civil (GASTIL, 2000, CHAMBERS, 2004).
Para alguns autores, um fator-chave para o sucesso das
experiências participativas é o investimento das autoridades e
instituições públicas no “efeito demonstração”, isto é, os fóruns
participativos apenas atraem participantes quando os cidadãos percebem
a relação entre eles e sua vida cotidiana (COELHO, 2007). Assim, um
bom processo participativo deve contar com o comprometimento ativo

117
Designa “os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo,
representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação
política dos diferentes sujeitos” (DAGNINO, 2006, 38).
88

do Estado, o qual é crucial para fomentar a participação dos cidadãos


(ABERS, 2000).
Não obstante a relevância explicativa, tanto da tradição
associativa, quanto do compromisso governamental, os dois fatores são
considerados insuficientes para fornecer de forma eficaz a leitura das
dinâmicas que permeiam as experiências participativas, dai a
necessidade do terceiro fator, o desenho institucional, o qual completa o
tripé analítico que ajuda a explicar o desempenho das arenas
participativas. Se por, um lado, as análises baseadas nos fatores
socioculturais, a partir da argumentação de Putnam, para explicar o
desempenho democrático e governamental, têm sido fortemente
criticadas, por sobrevalorização, ou excessiva valorização da cultura
cívica, como elemento fundamental determinando o comportamento
político dos cidadãos, por outro, existe uma forte convicção sobre o
caráter fundamental do desenho institucional no desempenho das arenas
democrático-participativas (MARQUES, 2010a). Nas palavras de Frey
(2003, p.170),

A percepção de Putnam é bastante fatalista na


medida em que as raízes históricas e culturais são
sobrevalorizadas. [...] É imprescindível avaliar a
relevância do desenho institucional para a relação
entre capital social e democracia e o desempenho
governamental em geral. [...] Pelo menos, o que
os recentes estudos sobre experiências brasileiras
em democracia local mostram é que inovações
concernentes ao desenho institucional fazem de
fato a diferença, não apenas para a ampliação da
participação política, mas também para o
fortalecimento da sociedade civil local e,
consequentemente, a criação de capital social.

Não se pretende afirmar que a dimensão institucional seja o único


fator explicativo, no entanto, esta é central no modelo participativo, uma
vez que se constitui em suporte da dinâmica política, definindo as
condições de ampliação e de sustentação das experiências participativas.
Esta configura “o conjunto de regras, critérios, espaços, normas, leis,
que visam fazer valer e promover a realização prática dos princípios
democrático-participativos”, sendo o resultado de articulações entre
Estado e sociedade (BORBA; LUCHMANN, 2007, p.28), ou seja, “o
sistema de tomada de decisão” (WAMPLER, 2003, p.74), com potencial
de determinar como e onde as decisões serão tomadas, sendo, por isso,
89

importante saber quem faz as regras e a quem beneficiam (WAMPLER,


2003).
Considerando o acima exposto, é importante incluir na análise do
desenho institucional aspectos, tais como processo de definição das
regras, quem participa das instâncias (quem são os atores), quais os
critérios de participação (individual e/ou coletiva), quais os critérios de
seleção dos participantes (voto, ou mobilização e participação118), quais
os espaços participativos, qual é o regime de funcionamento, critérios de
distribuição de recursos (BORBA; LUCHMANN, 2007, WAMPLER,
2003). A forma como estas questões são respondidas em cada
institucionalidade pode se revelar importante e decisiva para o
entendimento das possibilidades e limites de experiências participativas
específicas.

2.2 RISCOS DA GOVERNANÇA PARTICIPATIVA

Não obstante o potencial acima referido existe um conjunto de


questões que apontadas pela literatura em como configurando riscos
para a governança participativa e que o desenho institucional precisa
lidar com elas por forma a reduzir ou anular seus impactos. De entre eles
aponta-se a constituição de arenas participativas “vazias”, isto é, que
oportunizem a apresentação de demandas, mas sem nenhum mecanismo
institucional que garanta negociação e deliberação (WAMPLER, 2005).
Ou, a vulnerabilidade a problemas de poder e dominação nas arenas
deliberativas, por parte de elites ou facções poderosas (considerando as
diferenças de posições de poder entre as partes deliberantes), a
manipulação, a cooptação e o controle político e administrativo, a baixa
conflitualidade (mais consentâneos com situações “win-win”-
manutenção do status quo pelos avantajados), a demanda por formas
intensivas de engajamento político (fazendo com que tendam a

118
No caso do voto secreto, significa que o direito de deliberar é cedido aos
representantes escolhidos pelos cidadãos, o que gera problemas de
accountability semelhantes aos verificados na democracia representativa, tendo
como consequência a diminuição da importância da instituição de participação
como um vetor de transformação social e como um espaço público deliberativo.
Por outro lado, a mobilização e participação podem engajar maior número de
cidadãos e promover seu envolvimento ativo, aumentando a importância da
instituição participativa como um vetor de transformação social e espaço
público deliberativo (WAMPLER, 2003, p.75-76).
90

participar os grupos mais bem colocados na sociedade119), o desarme


das associações secundárias (desencoraja radicalismo e militância –
requere abstinência dos métodos vigorosos de enfretamento do
poder120), a dificuldade de sustentação a longo termo (FREY, 2003,
FUNG; WRIGHT, 2002, LUCHMANN, 2002).
Conforme argumenta Cortês (2005), socorrendo-se da corrente
cética sobre a governança participativa, as relações de poder existentes
na sociedade civil – relacionadas a recursos desiguais, por exemplo –
afetariam as possibilidades de processos deliberativos equânimes. Da
mesma forma que o desenho institucional não só pode não garantir
acesso universal à participação, ficando restrito a alguns cidadãos
participando diretamente ou através de representantes, como pode
permitir que o processo político dos espaços participativos seja
dominado por gestores ou por grupos políticos com mais recursos de
poder, devido à distribuição desigual de poder entre participantes
governamentais e da sociedade civil (situação que se explica pelo fato
do ambiente social e político produzir e reproduzir tais desigualdades).
Por outro lado, para Pinto (2004), as pessoas mais desprovidas de
condições econômicas, sociais educacionais, que não buscam ou não
encontram representação partidária, reproduzirão a mesma situação em
espaços participativos, ou seja, “quem não tiver nenhum espaço de

119
Referindo-se à corrente cética sobre a governança participativa, Cortês
(2005) fala do risco de legitimidade dos participantes (interesses que
representam, como são escolhidos e ainda as relações que estabelecem com os
grupos sociais supostamente representados), uma vez que apenas teriam acesso
à participação os grupos sociais que dispõem de maiores recursos econômicos e
de poder, sendo que os “excluídos” continuariam à margem dos processos
participativos, isto é, tais institucionalidades não representam os mais pobres ou
a maioria.
120
Cohen (1985) refere-se a modos de controle de inclusão, onde os excluídos
são incluídos nas estruturas decisórias (estas por sua vez, e segundo Foucault
[1980], são produto das relações de poder num dado contexto), onde são
sujeitos a formas de controle mais difíceis de enfrentar, na medida em que
reduzem espaços de conflito, sendo relativamente benignos e liberais. Isto é, as
pessoas com as maiores razões para enfrentar e confrontar as relações e
estruturas de poder são trazidas, ou até compradas, através de sua inclusão no
processo, de forma que os desempodera no enfrentamento das hierarquias e
desigualdades prevalecentes na sociedade, induzindo a conformidade (apud
KOTHARI, 2001, P. 143). Dai a necessidade de manutenção, paralela, de
espaços de debate e de mobilização em instâncias eminentemente civis
(DRYZEK, 2000, apud MARQUES, 2010a).
91

representação tenderá a reproduzir sua exclusão, mesmo em espaços


participativos” (PINTO, 2004, p.111). Concluindo, Cortês (2005, p.18)
arremata,

O acesso não universal à participação, grupos


sociais econômica e politicamente mais fortes
participando e formando agendas, controle de
agentes governamentais sobre a dinâmica de
funcionamento dos fóruns são considerados como
características que indicariam restrições à
participação geral e, principalmente dos mais
pobres.

Nesse sentido, Fung e Wright (2002) defendem que o formato


institucional das arenas participativas deve ser norteado por princípios
importantes, para as experiências participativas, tais como igualdade,
liberdade, autonomia, inclusão, etc. Ao mesmo tempo em que este deve
garantir mecanismos que assegurem equilíbrios de poder entre os atores
em deliberação, e em particular as configurações de poder não
deliberativo que constituem o terreno onde a deliberação ocorre, ou seja,
(idem, p.23),

Participants will be much more likely to engage in


earnest deliberation when alternatives to it – such
as strategic domination or exit from the process
altogether – are made less attractive by roughly
balanced power. When individuals cannot
dominate others to secure their first-best
preference, they are often more willing to
deliberate.

E ainda, segundo estes autores, deve engajar indivíduos com


pouca experiência e poucas habilidades de participação, argumentando-
se que (2002, p.32),

While many standard treatments of political


institutions take the preferences and capacities of
individuals who act with them as fixed, these
democratic experiments treat both of these
dimensions of their participation as objects of
transformation. By exercising capacities of
argument, planning, and evaluation, through
practice individuals might become better
92

deliberators. By seeing that cooperation mediated


through reasonable deliberation yields benefits not
accessible through adversarial methods,
participants might increase their disposition to be
reasonable and to transform narrowly self-
interested preferences accordingly.

Outros apontam, como uma das formas de combater as


desigualdades de poder, a disponibilização de informação política de
qualidade, em quantidade, pluralidade e neutralidade. Argumenta-se que
informação política de qualidade, aliada à educação formal, constitui-se
em ferramenta de habilidade política, o que possibilita uma interferência
e um controle mais consistentes em relação aos negócios públicos, ou
seja, com uma esfera de cidadãos bem informados e civicamente
engajados tem-se sugestões, debates e decisões de maior qualidade,
agilidade na implementação de políticas públicas, na vigilância sobre os
representantes e, talvez o mais importante, mantendo-se a legitimidade
do regime democrático (BOHMAN, 1996; GASTIL, 2000;
HABERMAS, 1997).
Por outro lado, para Bohman (2000, p.49), a resposta para os
riscos indicados deve assentar na flexibilidade das institucionalidades,
isto é, adotando um “marco institucional e interpretativo em constante
revisão, mantendo esse marco aberto e democrático, através do contínuo
diálogo entre o público deliberante e as instituições que organizam a
deliberação”, levando sempre em conta o fato de que “a configuração do
desenho institucional não é uma tarefa puramente administrativa ou
técnica, mas que, na verdade, carrega fortes componentes políticos”
(MARQUES, 2010a, p.150).
Mas também se argumenta que em sociedades marcadamente
desiguais e de interesses multivariados, o poder do Estado e as
organizações partidárias podem desempenhar papel importante,
designadamente, estimulando a construção de mecanismos que
potencializem a ampliação e fortalecimento do associativismo civil,
tornando-o mais atuante e vigoroso, e ainda evitando a exaltação de
determinados grupos e/ou o facciosismo entre eles (KOWARIK;
SINGER, 1993, COHEN, 1999). Esta abordagem enquadra-se na
corrente que argumenta que determinados arranjos entre Estado e
sociedade podem contribuir na geração de dinâmicas virtuosas de
governo (EVANS, 1997, ABU-EL-HAJ, 1999, apud FERNANDES;
BONFIM, 2005), sendo que esta é uma possibilidade cuja concretização
depende mais da existência de um Estado e sociedade civil fortes, além
93

de um compromisso político também forte (BOSCHI, 1999). Nessa


lógica, este autor (idem, p.683), comparando as experiências de
governança em Salvador e Belo Horizonte, na implantação de OPs,
conclui que,

Práticas de governança têm tanto maior chance de


vingar, quanto mais forte for o Estado e a
sociedade civil. Em caso contrário, isto é, na
dificuldade de sua generalização ao longo do
espectro social, as práticas de governança e
participação correm o risco de se constituírem em
alternativas fadadas ao insucesso par os que delas
mais necessitam: os desorganizados e destituídos
de recursos.

É levando em conta todos esses aspectos e considerando a


variação das relações entre o Estado e a sociedade, em função do
contexto em que elas ocorrem que a análise do desempenho das
instituições participativas deverá ater-se a tais particularidades, estando
este trabalho inserido dentro dessa lógica, ao estudar uma experiência
concreta, buscando identificar elementos que permitam realizar
aproximações acerca das possibilidades e limites das práticas
participativas. Assim, no momento seguinte, estaremos retomando a
abordagem dos padrões associativos no contexto moçambicano,
enfocando nas relações políticas no nível do governo e resgatando
também a questão das autoridades tradicionais, enquadrando-as no
momento mais recente da história do país, além de recuperar o olhar
sobre o associativismo civil, destacando o período a partir de 1990,
momento da introdução da constituição liberal em Moçambique.
94

CAPÍTULO 3 – PADRÕES ASSOCIATIVOS E DE


ORGANIZAÇÃO SOCIOPOLÍTICA EM MOÇAMBIQUE

3.1 PADRÃO ASSOCIATIVO E GOVERNO

“Um dos aspectos mais interessantes da organização do poder em


Moçambique é o facto de ser o mesmo partido e, mais ou menos, o
mesmo grupo de lideres sênior do Partido Frelimo a governarem desde a
independência” (WEIMER; MACUANE; BUUR, 2012, p.31). Este é o
retrato sucinto e esclarecedor sobre as bases em que assenta a lógica da
economia política ou arranjo político em Moçambique. O fato de ter
liderado a luta armada de libertação nacional e conduzido o país à
independência permitiu à FRELIMO assumir o controle do Estado e
reforçar o seu poder, criando, a partir dai, as condições que favoreceriam
a manutenção desse controle do Estado e a reprodução das lógicas do
seu poder. Até porque o controle do Estado é que garante o poder do
partido e a sua coesão interna (SUMICH, 2008, apud WEIMER;
MACUANE; BUUR, idem).
Também foi pelo processo da luta de libertação e construção do
Estado moçambicano independente que se constituiu a principal elite
política moçambicana, a qual é composta pelos combatentes da
libertação (Geração de 25 de Setembro – dia do início da luta de
independência, em 1964). Deste grupo de famílias saem as lideranças da
FRELIMO, que têm governado o país, e também grande parte dos
quadros que ocupam a maioria das posições importantes no poder, no
próprio partido e no mundo dos negócios121. Uma segunda geração
(Geração 08 de Março – dia em que, em 1976, o então presidente da
República, Samora Machel, ordenou que todos os jovens parassem de
estudar e fossem assumir as 300000 vagas na administração pública, em
resultado do abandono dos quadros coloniais, após a independência, em
1975) complementa a primeira, “desempenhado funções chave no
Estado, governo e administração pública – nem sempre sem tensões e
conflitos entre as duas” (WEIMER; MACUANE; BUUR, idem, p.37).
Esta é a constelação oligárquica que, através do controle do Estado,
promove relações clientelistas que asseguram a distribuição de
benefícios, particularmente entre os membros da elite122, ajudando a

121
WEIMER; MACUANE; BUUR, 2012.
122
Sugere-se que um patrono organiza grupos de clientes através da oferta de
certos benefícios em troca do seu apoio (que pode ser organizacional,
financeiro, acesso aos recursos e oportunidades econômicas, etc.) (KHAN,
95

reduzir as tensões entre os grupos que a compõem, ao mesmo tempo em


que mantém a coesão interna e o poder do partido123.
As práticas clientelistas corporizam a natureza neopatrimonial124
do Estado (apanágio de muitos países em desenvolvimento), em que as
elites instrumentalizam a fraqueza institucional do Estado para assegurar
e manter as suas posições de poder. O neopatrimonialismo, além de seu
caráter clientelista, incorpora traços como a ausência de distinção entre
público e privado, a corrupção (econômica, ou ligada a uma troca
social), nepotismo, tribalismo, etc., caracterizando sistemas políticos
essencialmente estruturados à volta do príncipe, que tendem a produzir
modelos de dominação personalizados, orientando-se essencialmente
para a proteção da elite no poder. Isto é, a elite busca assegurar o
monopólio da representação e controlar em seu proveito os benefícios da
modernização econômica (BADIE; HERMET, 2001 apud
FORQUILHA, 2009). Vai ser sobre estas bases que a FRELIMO, no
âmbito das reformas políticas e econômicas, a partir da metade de 1980,
se desenvolve e se consolida, constituindo-se atualmente em partido
dominante125, com implicações negativas no processo de participação
política, tanto a nível nacional, quanto local (FORQUILHA; ORRE,
2012).

2010, apud WEIMER; MACUANE; BUUR, 2012.). E nessas “redes ou


relações patrono-cliente criam uma forma de mobilização política que pode ser
baseada em redes informais e muitas vezes interpretam e interferem com o
‘público primordial’ (isto é, estruturas étnicas, clã e estruturas familiares) e/ou
operam no seio de ‘públicos cívicos’, isto é, organizações formais como os
partidos políticos, organizações do sector privado ou aparelho do Estado ou uma
combinação de todos estes. Para a distinção dos dois tipos de público em África,
ver Ekeh (1975). De acordo com Ekeh, muitas vezes as elites fazem parte de
ambos os ‘públicos’ e, portanto, usam o seu poder e influenciam ambas as
esferas” (WEIMER; MACUANE; BUUR, idem, p.150).
123
Id.
124
É um conceito que tem sua origem na categoria weberiana de
patrimonialismo, que “descreve um modo de dominação tradicional, exercido
pelo príncipe em virtude de um direito pessoal absoluto” (BADIE; HERMET,
2001 apud FORQUILHA, 2009, p.6).
125
“A literatura da ciência política sobre sistemas de partido dominante (Sartori,
1976; Giliomee & Simkins, 1999; Carbone, 2003; 2007; Bogaards, 2004;
Ronning, 2010;) sublinha que partido dominante é aquele que conquista
consecutivamente o poder através de eleições – três ou mais vezes, segundo a
definição do Sartori (1976) – em que os partidos da oposição simplesmente não
conseguem modificar a preferência dos eleitores (Carbone, 2007)”
(FORQUILHA; ORRE, 2012, p.334).
96

3.2 PADRÕES DE ORGANIZAÇÃO SOCIOPOLÍTICA E


AUTORIDADES TRADICIONAIS

Recuperando a questão das autoridades tradicionais, referir que o


seu banimento logo após a independência, em 1975, amputou de certa
forma a organização social e coletiva secular das comunidades no
campo. Os portugueses reconheceram a importância e o caráter
indispensável destas autoridades para o funcionamento normal e
reprodução social das comunidades rurais, tendo, por isso, integrado as
autoridades tradicionais na sua estrutura político-administrativa, como
condição para a implantação bem sucedida da sua política colonial
(LOURENÇO, 2005).
Estas comunidades tinham uma forma de associação de base
tribal, sendo o poder (hereditário, na maioria das vezes) exercido via
parentesco, que podia ser tanto matrilinear (quando os laços são
constituídos obedecendo a descendência feminina) quanto patrilinear
(quando os laços de parentesco são constituídos com base da
descendência masculina). Além de seu fundamento natural, a
legitimidade destas autoridades também assentava “no pressuposto
social de que o chefe tradicional podia garantir a sobrevivência da sua
população em longo prazo, bem como uma boa gestão/redistribuição em
relação ao meio ambiente em que esta se encontrava inserida” (idem,
p.35).
Por outro lado, Temudo (s/d), em seu estudo, intitulado Campos
de batalha da cidadania no Norte de Moçambique, faz um breve retrato
da organização social Macua126 (província de Niassa), um dos diversos
grupos étnico-linguísticos de Moçambique. Ressaltar que esta é uma
sociedade matrilinear (em que a afiliação, o padrão de residência pós-
nupcial, o direito de propriedade e de herança, etc. são baseados na
descendência feminina) e segundo a autora, a unidade básica de
organização social da mesma é o grupo doméstico matrilinear (ebumba),
que normalmente é composto por vários agregados nucleares (ethoko)
de mulheres séniores, das suas filhas casadas e respectiva descendência.

126
Este grupo étnico-linguístico é composto por vários subgrupos linguísticos
(DE MATTOS, 2012) e é grupo predominante na província de Nampula e no
distrito de Angoche, pelo que as referências deste estudo ajudam-nos, de certa
forma, a compreender também as dinâmicas sociais de Angoche. Segundo
Medeiros (1995), “a partir do século XIX, O etnônimo macua passou a
representar especificamente as sociedades localizadas no interior do distrito de
Moçambique, atual Nampula” (apud DE MATTOS, idem, p.57).
97

Esta autora refere que o ebumba tinha também uma dimensão territorial
com fronteiras bem definidas e com um chefe (napumba), eleito pelo
grupo de descendência (n’loko), entre os irmãos da mulher mais velha.
A autora prossegue afirmando que os indivíduos pertencem não
só ao ebumba e ao n’loko mas também ao nihimo127. Ainda segundo a
autora, a principal divisão política Macua é o elapo128, que tem como
chefe religioso e político o mwené129, um chefe eleito pelo grupo de
descendência (n´loko ou errukulu muthéulene130) que primeiro chegou
ao território (elapo). Sendo, por isso, considerado o dono da terra e o
responsável pela proteção espiritual do território. Nas suas funções, o
mwené “é apoiado por um conselho de anciãos, por uma mulher
escolhida entre o seu grupo de descendência (apwiamwene131) e pelos
líderes das subdivisões do seu território” (TEMUDO, s/d, p.36).
Esta é uma sociedade com uma estrutura política hierarquizada e,
mesmo sendo uma sociedade matrilinear, ela tem suas lógicas de poder
assentes no patriarcalismo (o papel de liderança e poder é exercido pelo
homem), e é caracterizada por uma ideia parecida com a dos chacks and
balances no exercício desse poder. Outra característica importante desta
sociedade é o coletivismo, o qual é permeado por um espírito de
solidariedade assinalável, como podemos verificar nas palavras de
Temudo (idem, p.37),

Tradicionalmente, cada agregado nuclear (ethoko)


possuía as suas casas, os seus campos de cultivo e
os seus celeiros e cada mulher casada preparava

127
“Categoria frequentemente designada na literatura por «clã». Um nihimo
inclui indivíduos de diferentes ebumbas, n’lokos e grupos étnicos” (TEMUDO,
s/d, P.36).
128
É composto por ebumbas da mesma divisão e designa simultaneamente o
território da chefatura e os seus habitantes (ibid.)
129
Esta expressão designava os chefes do interior, sendo que os do litoral, como
é o caso de Angoche, eram designados xeques, ou sultões. Esta figura era
responsável pela condução das cerimónias da chuva e dos rituais de iniciação,
entre outros – e pela resolução de conflitos (ibid.).
130
Significa linhagem.
131
É a mulher mais velha da linhagem, também denominada por rainha e ocupa
uma posição bastante relevante na estrutura social macua e desempenha várias
funções. Por exemplo, “tinha uma função de conservar a memoria da linhagem
e estabelecer a ligação com os seus ancestrais. Participava de vários momentos
e cerimonias significativos da sociedade e deveria ser sempre consultada em
caso de guerra (...)” (DE MATTOS, 2012, p.73).
98

os alimentos isoladamente. Porém, o consumo era


realizado coletivamente, dado que às refeições
todos os membros do ebumba se reuniam por
grupos etários e por género. Este processo
redistributivo suprimia a condição desfavorável
dos membros em situação de carência alimentar.
O trabalho agrícola começava nos campos dos
agregados seniores do ebumba com a ajuda de
todos os membros dos agregados mais jovens. A
reconstrução regular das casas e celeiros dos
agregados seniores era também realizada através
de entreajuda e os genros tinham a obrigação
moral de ajudar os pais da mulher. A entreajuda
no trabalho agrícola ocorria também entre todos
os agregados juniores de um mesmo ebumba
durante os picos de trabalho, nomeadamente
durante a monda (olima).

Pode-se aferir que seria nestas relações tribais onde repousaria o


capital social nas sociedades tradicionais, uma vez que se constituíam
num fator importante de construção de sistemas de confiança e de
solidariedade, encontrando-se a autoridade tradicional no centro da vida
política e social.
Entretanto, vários fatores têm afetado ao longo do tempo a
organização sociopolítica das sociedades Macua e todas as outras
sociedades de base tradicional. A questão tribal, por exemplo, hoje não é
mais um fator primordial na organização sociopolítica das comunidades
rurais (tornaram-se mais heterogêneas). A hereditariedade como fator de
acesso ao poder também deixou de ter a relevância que teve no passado,
havendo hoje formas múltiplas de ascender a esse poder. Osório (2006)
constata, por exemplo, em estudo realizado nos distritos de Angoche,
Mogovolas e Nampula-Rapale, que a norma tradicional sobre o
casamento sofreu fortes alterações, os casamentos deixaram de ser
matrilocais, isto é, os casais deixaram de residir nas terras da família da
mulher e passaram a residir nas terras do homem, situação que reflete,
em parte, a perda de influência das estruturas familiares.
Temudo (s/d) argumenta, por seu turno, que fatores como a
intervenção colonial nas sociedades rurais, destacando-se a integração
forçada na economia de mercado (produção de culturas de exportação),
o processo de socialização após a independência e a guerra prolongada
(anticolonial e civil), originaram uma desagregação do tecido social,
afetando a unidade do ebumba e favorecendo a nuclearização e
99

destruindo ou enfraquecendo as relações de entreajuda no trabalho e as


práticas tradicionais de redistribuição.
Não obstante todas as transformações porque tem passado as
comunidades rurais, o poder tradicional tem resistido no tempo,
conservando a sua relevância sociopolítica, econômica e cultural.
Conforme mencionamos neste trabalho, as autoridades tradicionais
foram banidas logo após a independência, tendo sido adotadas medidas
visando preencher o suposto vazio de poder, que passavam por colocar
no lugar destas autoridades secretários do partido e grupos
dinamizadores (TEMUDO, s/d). O uso da expressão suposto deve-se ao
fato de o vazio ter sido sob o ponto de vista formal do Estado, uma vez
que na prática e segundo Lourenço (2005), para a população, a
legitimidade do papel do chefe tradicional, enquanto portador de
conhecimento sobre as tradições locais, não desapareceu. Nas palavras
de Meneses (2009, p.30), “subalternizadas no tempo colonial e
depreciadas pela Frelimo após a independência, as autoridades
tradicionais mantinham uma forte presença no tecido político pelo peso
que gozavam junto das populações que administravam”.
Esta situação de marginalização das autoridades tradicionais,
aliada a outros fatores, como a hostilidade das políticas
“modernizadoras” da FRELIMO em relação a muitas das práticas
sociais rurais, a degradação das condições socioeconômicas, em
resultado do recrudescimento da guerra civil, particularmente, a partir de
1980, contribuiu para que a RENAMO encontrasse em muitas destas
autoridades um aliado estratégico importante, o que permitiria ao
movimento armado à consolidação de sua base social de apoio no
campo (LOURENÇO, 2005). Meneses (idem) defende que as
autoridades tradicionais desempenharam um papel fundamental na
mobilização de jovens para integrar as fileiras do exército guerrilheiro
da RENAMO. Ainda de acordo com Lourenço (idem), as políticas de
modernização da sociedade, postas em prática no pós-independência,
quase afastaram completamente uma imensa massa da população rural
do projeto nacional revolucionário, inibindo as comunidades rurais de
prosseguirem com as suas dinâmicas sociopolíticas próprias, o que
acontecia, por vezes, de forma violenta e alienadora.
A relação estratégica da RENAMO com as autoridades
tradicionais fortaleceu o apoio rural ao movimento armado, o que lhe
permitiu colher benefícios não apenas durante a guerra, mas também no
pós-guerra (a partir de 1992, momento da assinatura do Acordo Geral de
Paz), particularmente nos períodos eleitorais, tendo em conta o fato de a
100

maioria da população moçambicana viver na área rural, com a


RENAMO mantendo ai forte influência (CHICHAVA, 2008).
A guerra tinha resultado na politização das autoridades
tradicionais (ARTUR; WEIMER, 1998), sendo que os processos
políticos do pós-guerra acentuaram essa politização. Estas foram vistas
como representado uma importante fonte de captação de votos nos
vários processos eleitorais e, nessa linha, Meneses (2009) sustenta que
os partidos políticos, tanto a FRELIMO quanto a RENAMO foram
procurando cada vez mais apoio das autoridades tradicionais. Na visão
de Lourenço (2005), as eleições gerais (presidenciais e legislativas) de
1999 refletem de alguma forma esse relevante papel político das
autoridades tradicionais. O seu argumento é de que, embora a
FRELIMO tenha vencido as eleições, a disputa com a RENAMO foi
bastante equilibrada, o que se deveu, em parte, ao papel desempenhado
pelas autoridades tradicionais, na mobilização para o voto, tanto a favor
de um partido, quanto de outro.
Ciente do papel desempenhado por estas autoridades, a
FRELIMO fez, pela primeira vez, o reconhecimento formal das mesmas,
no ano 2000, através do Decreto-Lei 15/2000 de 20 de Junho, isto é um
ano após as eleições. É verdade que desde o começo dos anos 1990 a
FRELIMO vinha estudando as melhores vias para o enquadramento das
autoridades tradicionais na administração territorial, contudo, sem reunir
consensos dentro do próprio partido. Esta formalização das autoridades
tradicionais configurava uma clara demarcação de território por parte da
FRELIMO, que, reconhecendo a força destas autoridades junto de suas
comunidades, procurava com isso “elevar a legitimidade popular do
partido” localmente, ao mesmo tempo em que buscava combater a
influência da RENAMO por via destas (LOURENÇO, 2005, p.54).
Por seu turno, Meneses (2009, p.31) argumenta, por exemplo,
que, aos olhos da FRELIMO e da RENAMO, “as autoridades
tradicionais são percebidas como extensões do Estado, de modo a
aumentar a sua competência administrativa e a sua presença a nível
local”. Portanto, apesar da sua legitimidade localmente, estas
autoridades não são entendidas como entidades com uma especificidade
suficientemente forte para que lhes possa ser conferida primazia entre as
demais estruturas de poder existentes nas comunidades (SANTOS,
2003). De acordo com a fala de Meneses (2009, p.33),

Esta legislação, produzida pelo governo central,


pretendeu, de forma encapotada e engenhosa,
integrar a riqueza de instituições de poder local no
101

sistema de administração local, ao mesmo tempo


em que a Frelimo procura capitalizar espaço
político com esta manobra.

Todavia, esta lei e as subsequentes132 não acabaram com a


ambiguidade com que o poder das autoridades tradicionais é visto pelo
Estado. Nesta nova legislação, por exemplo, as autoridades tradicionais
são incluídas numa vasta e difusa designação “autoridades comunitárias
locais133”, onde cabem praticamente todas as formas de poder
comunitário, incluindo as estruturas locais da FRELIMO (TEMUDO,
s/d). Por outro lado, a legislação criou de alguma maneira, uma situação
de potencial controle e cooptação das autoridades tradicionais, através,
particularmente do processo de reconhecimento. Por lei, após a
legitimação134, pelas respectivas comunidades, todas as autoridades
comunitárias deverão ser reconhecidas pelo competente representante do
Estado localmente (artigo 105º, Decreto 11/2005). O fato de estes
processos serem sancionados pelas estruturas administrativas, a
FRELIMO (na qualidade de governo) coloca-se em melhores condições
para assegurar o controle sobre as autoridades comunitárias (JOSÉ,
2005). De acordo com Weimer, Macuane e Buur (2012), a cooptação
das autoridades tradicionais pelo sistema político-administrativo, não
tendo sido inicialmente prevista no momento da independência, quando
esta instituição passou por uma tentativa de abolição, depois da guerra
civil procurou-se definir um papel para as mesmas no sistema de
governação liderado pela Frelimo. Assim, na acepção destes autores
(idem, p.48),

De 2000 em diante, na base do Decreto 15/2000


de 20 de Junho, elas foram integradas nas
estruturas político-administrativas locais, junto de
representantes locais do Partido Frelimo. Estas
têm funções consultivas, de controlo e

132
Por exemplo, a Lei 8/2003 e respectivo regulamento (DECRETO 11/2005) e
o DM 80/2004.
133
São as pessoas que exercem certa forma de autoridade sobre determinada
comunidade ou grupo social, tais como chefes tradicionais, secretários de bairro
ou aldeia e outros líderes legitimados como tais pelas respectivas comunidades
locais (DECRETO 11/2005).
134
A legitimação das autoridades tradicionais é feita de acordo com as regras da
respectiva comunidade (artigo 8º) enquanto que a legitimação dos secretários é
através de processo eletivo (artigo 9º) (Decreto-Lei 80/2004).
102

mobilização para o Estado, o governo e a Frelimo,


por exemplo, em tempos de campanhas. Esta
integração segue, em grande escala, o padrão
colonial da integração das autoridades tradicionais
(régulos).

Portanto, os receios de controle e de cooptação tornaram-se uma


realidade, como se pode depreender na colocação acima, a qual é
reforçada pelas palavras da Temudo (s/d, p.46), ao afirmar que

É significativo notar que as autoridades tradicionais


da Renamo não eram reconhecidas pela
administração do distrito, facto que, segundo o
Mwené Namacoma, levou alguns deles – aqueles
que temiam a perda dos benefícios que um posto na
administração local lhes poderia vir a granjear – a
adoptar uma estratégia que consistia em se
registarem como membros do partido Frelimo (do
que resultava uma dupla filiação partidária).

Este ambiente de controle e de cooptação das autoridades


tradicionais também é favorecido pelo fato de estas, na luta política,
buscando promover e sedimentar o seu poder, manipularem alguns
aspectos tradicionais, enquanto marcas legitimadoras da sua autoridade,
recorrendo crescentemente aos veículos da modernidade, como os
partidos políticos ou projetos de desenvolvimento (MENESES, 2009).
Isto significa que as autoridades tradicionais não aparecem apenas como
instrumentos político-partidários e do Estado, elas também se servem
desses veículos para aumentar a sua legitimidade e poder, sendo que os
CCs reforçam esta perspectiva, uma vez que estas autoridades são os
presidentes dos CCs de suas respectivas povoações.
Esta tendência pode contribuir para fragilizar ainda mais os
padrões de organização dessas sociedades, impactando negativamente a
necessidade de ampliação da participação. As autoridades tradicionais,
buscando assegurar o controle social local através da mediação dos
interesses de suas comunidades com os agentes externos, poderão
manipular os processos, colocando entraves à participação. A passagem
de uma entrevista coletiva realizada com líderes tradicionais, chefes de
bairro e membros dos CCs, no distrito de Ribáuè, província de
Nampula, ilustra, de alguma maneira, como as autoridades tradicionais
podem influenciar os processos de participação.
103

As autoridades tradicionais são muito importantes


na comunidade. Eles são os que determinam se a
população pode aderir ou não a certas campanhas
do governo ou das ONGs. São eles que mobilizam
a população para participar no desenvolvimento
da localidade ou do posto administrativo. Quando
há conflitos entre as populações, o líder
tradicional é quem apoia na resolução dos
conflitos. É por isso mesmo que o governo
reconheceu a importância de integrar os líderes
tradicionais no sistema de governação (apud
MACUANE et al, 2010, p.38).

3.3 ASSOCIATIVISMO CIVIL NO PÓS-INDEPENDÊNCIA

A intensa atividade associativa que caracterizou a sociedade


moçambicana no período da colonização, como resposta às políticas
coloniais, particularmente nas áreas urbanas e no entorno, e que viria a
alimentar o nacionalismo, sofreu um duro golpe após a independência,
uma vez que foram proibidas todas as formas associativas, fora do
âmbito do partido-Estado. No momento da independência, ao
autoproclamar-se “força dirigente do Estado e da Sociedade” (artigo 3.º,
CRPM135, 1975), a FRELIMO converteu-se numa instituição política
hegemônica, em relação tanto à sociedade civil quanto às próprias
esferas institucionais em que a sociedade se alicerça: o mercado, o
Estado e a família (FRANSCISCO, 2010).
Foi na sequencia desta nova realidade que a antiga base
associativa deu lugar a novas formas de associação, através de
organizações criadas e lideradas pelo partido, com o objetivo de
mobilizar a população e mediar a relação entre a sociedade e o partido-
Estado. Estas eram designadas Organizações Democráticas de Massas
(ODM) e compreendiam a organização das mulheres moçambicanas
(OMM), organização dos trabalhadores moçambicanos (OTM), a
organização dos continuadores, a organização da juventude
moçambicana (OJM), a organização dos escritores e artistas, a
organização dos jornalistas (ONJ), organização dos professores (ONP),
e outras categorias (BIZA, 2008). As ODMs praticamente dão corpo à
sociedade civil do Moçambique independente e socialista. De acordo
com Francisco (idem, p.54),

135
Constituição da República Popular de Moçambique.
104

Até às reformas do sistema político e jurídico,


introduzidas pela Constituição da República de
1990, a sociedade civil formal moçambicana ficou
circunscrita e dominada pelas chamadas
Organizações Democráticas de Massas (ODM)
[...] As ODM assumiam-se como os “braços” do
partido Frelimo, sendo por ele totalmente
instrumentalizadas e profundamente alienadas da
diversidade de interesses dos grupos que diziam
representar.

Entretanto, se isso configurou uma descontinuidade bastante


significativa nas práticas associativas independentes e autônomas,
originando formas associativas dependentes e altamente politizadas,
também é verdade que estas novas formas associativas colocavam
bastante ênfase em aspectos como o coletivismo e a participação. Neste
sentido, importa ressaltar a opção do governo moçambicano de
socialização dos meios de produção e coletivização da produção no
campo, através das cooperativas, no âmbito da implantação do sistema
socialista (CRUZ E SILVA, s/d).
A introdução do neoliberalismo no começo dos anos 1990 foi
acompanhada pelo recuo da ação do Estado nos vários domínios da vida
coletiva, o que criou um vazio, particularmente no domínio social. Esse
âmbito propiciou a emergência e crescimento acentuado de entidades
associativas e ONGs (nacionais e internacionais) que passaram a
ocupar-se dessa área. Este desenvolvimento contou com forte apoio da
comunidade internacional, que forneceu “recursos (informação, dinheiro
e capacidades) necessários para que a sociedade civil pudesse criar
organizações e grupos que se supunha poderem responder às
necessidades da população” (BIZA, 2008, p.56). Até 1984 havia um
registo associativo de muito pouca expressão, no entanto, no ano de
2003 o país já contava com quase 5000 instituições sem fins lucrativos
(FRANCISCO et al, 2008), sendo que o número poderá será bastante
superior, se atendermos que essa estatística diz respeito somente às
instituições formais, o que exclui uma parte bastante importante de
organizações informais, “mas que são aquelas que no quotidiano são
mais relevantes em termos sociais e de satisfação dos interesses comuns
dos seus participantes136” (FRANCISCO, 2010, p.69).

136
Por exemplo, organizações de interajuda agrícola (Kurhimela, Kurhimelissa,
Kuvekeseliwa), grupos de poupança (Male, Yakulahlana, Nssongo-nssongo,
105

Francisco et al (2008) observam, nesta sua pesquisa sobre a


sociedade civil em Moçambique, que em anos recentes registou-se um
deslocamento em relação à atuação da sociedade civil, que de mero
assistencialismo passou para participante ativo “em ações de pesquisa e
advocacia, visando exercer pressão sobre o Estado e as instituições
internacionais. Estas ações incidem sobre a necessidade de melhoria das
políticas públicas e de desenvolvimento das comunidades em
Moçambique e na África” (idem, p.19).
Contudo, interessa lançar um olhar sobre alguns dados desta
pesquisa, a qual revela que das cerca de 5000 organizações137
recenseadas pelo INE (2006), 53% são de caráter religioso, 25% de
caráter político, de advocacia e lei, apenas 2% são associações de
carácter educacional, menos de 10% são ONGs (3% nacionais e 4%
ONGs internacionais). Por estes números, segundo a mesma pesquisa,
concluiu-se que a diversidade de organizações na SC é fraca, isto é,
quase 75% pertencem a dois grupos de organizações: religiosas e
políticas (FRANCISCO et al, idem).
Outro dado ainda, segundo estes autores, citando o censo do INE
(2006138), indica que a relação entre o número de instituições e a
população residente é de 26.2 unidades por 100 mil habitantes, e que
estas organizações tinham em 2003 um número total de membros na
ordem das 140 mil pessoas, representando menos de 1% da população
do país. Também foram identificados problemas de representatividade
dos grupos sociais, uma vez que, em 10 categorias, constatou-se que
apenas grupos da classe alta/elite e as minorias religiosas possuíam
participação mais equitativa. E “em contrapartida, os grupos de pessoas
pobres, de idosos e de deficiente físicos foram considerados ausentes ou
excluídos” e o grupo de mulheres, a população rural, as minorias
étnicas, jovens e PVHS139 são vistos como sub-representadas ou
excluídas (FRANCISCO et al, 2008, p.33).
Este é um dado contraditório com o outro, no mesmo estudo, que
aponta que 42,4% das organizações estão na comunidade local

Kuphezana), Xitique, Tsima, Ntimo, Xitunga, ganho-ganho, etc (FRANCISCO


et al, 2008).
137
Além do caráter precário da maioria destas organizações, estas são
numericamente ainda reduzidas. Na África do Sul, por exemplo, a estimativa é
de que existam aproximadamente 100 mil organizações da sociedade civil
(AfriMAP, 2009).
138
CINSFLU (Censo de Instituições Sem Fins Lucrativos) 2006.
139
Pessoas vivendo com HIV-SIDA (AIDS).
106

(habitualmente também designadas como organizações de base, ou


comunitárias) e 33,5% estão no distrito. Entretanto, isto pode estar
associado ao fato de essas organizações estarem, segundo os mesmos
autores (2008, p.27), a desenvolver um “trabalho que não vai de
encontro às necessidades básicas e imediatas dos cidadãos”, ou ao fato
de as mesmas não estarem inseridas adequadamente junto da população.
Outro aspecto que reforça a existência desse vazio entre as
organizações e as bases sociais é a constatação de que o secretário do
bairro ou da aldeia e o chefe tradicional (24% contatam regularmente os
líderes comunitários140) sejam as entidades locais mais procuradas pelos
cidadãos, quando precisam resolver algum problema quotidiano, ou
ainda os líderes religiosos (em torno de 54% dos cidadãos inquiridos
recorrem ao seu apoio na solução de problemas141).
Por outro lado, existe um problema estrutural nas OSC
moçambicanas. Segundo os dados (INE 2006), cerca de 70% de seus
recursos provêm do estrangeiro, com forte envolvimento de ONGs
Internacionais ou ligações com entidades doadoras internacionais,
enquanto as empresas privadas e famílias contribuem com 25% e o
Governo/Estado com apenas 3%, sendo que 52% desses recursos
concentram-se na Cidade capital do país (Maputo) (apud FRANCISCO
et al, 2008). Isto faz com que, muitas vezes, as OSC se moldem em
função das agendas externas. A colocação de Francisco (2010, p.57) é
elucidativa,

Por isso aparecem imagens mais ou menos


sarcásticas dos representantes da sociedade civil
em algumas caricaturas, uma vez que eles são
vistos como pequeno grupo de ativistas,
predominantemente urbanos ou estrangeiros, ou
um grupo de ativistas, militantes ou voluntaristas,
especializados em retiros ou outdoors, realizados
nos melhores hotéis das principais cidades, ou nas
estâncias das mais belas praias moçambicanas.
Não obstante o seu carácter exagerado, tais
percepções não surgem do acaso. Parte das OSC
urbanas, as mais visíveis e com mais acesso a
recursos financeiros, desperdiçam enormes
energias em seminários e workshops, dando a
impressão que só existem para legitimar e avaliar

140
BRATTON; GYIMAH-BOADI; MATTES, 2009.
141
Id.
107

as políticas implementadas, sobre os mais


variados temas em voga – dívida externa,
epidemia do HIV-sida, pobreza absoluta,
empowerment da mulher, grupos desfavorecidos,
meio ambiente, para citar apenas alguns dos temas
mais apelativos - sem, de fato, se preocuparem
com a realidade vivida pelo povo moçambicano.

Outras questões são apontadas como impactando a intervenção da


sociedade civil no sentido de promover uma participação efetiva dos
cidadãos na governação e na formulação de decisões políticas que os
afetam, quais sejam o trânsito das lideranças entre as esferas
política/pública e associativa142 e ainda a democracia interna e
transparência.
Argumenta-se que parte importante das lideranças associativas
pertenceu, ou pertence ainda, ao setor público143 (com fortes conotações
com o partido no poder) e à FRELIMO, sendo que esta permeabilidade
entre o Estado e sociedade civil acabou por gerar uma situação na qual
as OSC tendem a acomodar-se ou conformar-se às práticas e
mecanismos de interação como o Estado144, no lugar de buscar alterá-
los. Este cenário deixa transparecer certa alienação de parte das OSC,
levando vários segmentos da sociedade, particularmente a oposição
política a questionar a legitimidade, acusando-as de dependência e/ou
vinculação ao partido no poder e ao governo (AfriMAP, 2009).
Em relação à democratização interna e à transparência, a história
do país e das próprias OSC é tida como parte da explicação para a
dificuldade de sua democratização e cultura de práticas transparentes.
Argumenta-se que a forma como o país chegou à democracia, a partir do
fim de uma guerra civil, onde nenhuma das partes reivindicava o
estabelecimento da democracia representativa, não ajudou na
consolidação de uma tradição democrática e pluralista no país, fazendo-
se sentir nos diversos espaços sociais, tanto públicos e privados, quanto
associativos. Ou seja, a ausência de pressão e mobilização popular pela

142
Embora se reconheça os riscos que tais contatos representam para a
autonomia das organizações, também é ressaltado que os mesmos podem
favorecer a inclusão e promover uma maior participação das OSC nos assuntos
públicos (AfriMAP, 2009).
143
Em um estudo realizado com 48 ONGs, Melluci apurou que mais de 70% da
amostragem (42 ONGs) possuía membros que haviam previamente trabalhado
na administração pública (apud AfriMAP, idem).
144
Id.
108

busca da democracia impactou negativamente a cultura de pluralismo e


abertura das práticas associativas no país, dai que, a necessidade de
democratização interna das organizações da sociedade civil ganhe
redobrada relevância, considerando o fato de elas serem vistas, por
muitos, como exemplos dos novos ideais democráticos (AfriMAP,
2009).
Portanto, se o período a partir de 1990 corresponde ao momento
em que se registra a intensificação da atividade associativa, com alguma
emancipação em relação ao poder político145, estas não conseguiram
desembaraçar-se dos questionamentos em torno de seu nível de
autonomia, tanto em relação ao poder político, quanto em relação às
agendas externas internacionais.
Como dizia um de nossos entrevistados, temos um problema com
a nossa sociedade civil, esta é bastante tênue e nalguns casos de
complicado conceito, constituída por organizações que nasceram de
fundos externos, sendo que, quando o fundo externo acaba, elas também
acabam. Dai que “mudam de agenda de um dia para outro, se hoje é sida
amanha pode ser ambiente, depois de amanha pode ser saúde, amanha
educação, dependendo do financiador”. Não têm agendas próprias, o que
dificulta um pouco a coesão do movimento da sociedade civil no distrito
e toda esta fragilidade também enfraquece a capacidade de as pessoas
discutirem com profundidade (informação verbal146).
Nesse contexto e considerando o caráter, essencialmente,
assistencialista das OSC (BIZA, 2008, FRANCISCO et al, 2008),
embora se tenha assinalado algum deslocamento para questões ligadas à
cidadania (FRANCISCO et al, idem), depreende-se que o seu impacto
como fatores relevantes na construção de uma cultura de cidadania e de
participação política não parece significativo. Para Hodges e Tibana
(2005) e Francisco e Matter (2007), o desempenho da sociedade civil
(SC) deve ser avaliado com cautela e intimamente associado com o
papel dos doadores e agências internacionais, particularmente quando se
sabe que o espaço conquistado pela SC é mais resultado duma
imposição de doadores internacionais, a quem o governo presta mais
contas, do que propriamente da iniciativa e afirmação das OSC
(HODGES; TIBANA, 2005). Posto isto, retomamos, em seguida, a
abordagem do processo de descentralização, enfocando na questão dos
Conselhos Consultivos (CCs).

145
“observa-se uma tutela conveniente” (FRANCISCO et al, 2008, P.59)
146
Entrevista com GOV2, em 14/03/13.
109

CAPÍTULO 4 – DESCENTRALIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO EM


MOÇAMBIQUE.

4.1 ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA

Como já mencionamos, a constituição de 1990 (revista em 2004)


estabeleceu as bases para que a sociedade aumentasse a sua participação
no controle social da gestão pública, através dos processos de
desconcentração e descentralização (artigos 262º e 271º, CRM147, 2004).
Os princípios de envolvimento do cidadão na gestão pública encontram
sua objetivação em leis ordinárias como a 2/97148, 8/2003149 (e
respectivo regulamento, Decreto 11/2005), etc. É neste âmbito que o
país tem adotado mecanismos formais e informais (no sentido de não
estarem ancorados em nenhuma norma jurídico-legal) de interação entre
a sociedade e o Estado. Os mecanismos formais concretizam-se através
de eleições nos municípios e da participação dos cidadãos, por via dos
Conselhos Consultivos, na gestão pública, particularmente no nível
distrital. Os níveis nacional e provincial são mais governados por
iniciativas informais, quais sejam o Observatório do Desenvolvimento
(níveis nacional e provincial), a Campanha da Terra, a Agenda 2025 e o
MARP (nível nacional) (AfriMAP, 2009).
O Observatório do Desenvolvimento (incialmente designado
Observatório da Pobreza) foi constituído em 2003 no nível nacional
(desde 2005, encontra-se representado nas províncias), pelo governo de
Moçambique150, com apoio financeiro do PNUD, estando inserido nos
esforços para avaliar e monitorar a implementação dos programas de
combate à pobreza (com enfoque no PARPA151). Este é um fórum
consultivo tripartite paritário (sociedade civil, governo e parceiros de
cooperação internacional – 20 membros de cada), onde se busca apontar
147
Constituição da República de Moçambique.
148
Aprova o quadro jurídico para a implementação das autarquias locais.
149
Estabelece a disposição e funcionamento dos órgãos locais do Estado.
150
Contudo, ressaltar que a demanda inicial para a sua institucionalização veio
dos parceiros internacionais, que buscavam maneiras de assegurar a prestação
de contas por parte do governo (FRANCISCO; MATTER, 2007).
151
Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta. Este é um instrumento
de política pública, adotado pelo governo de Moçambique no âmbito das
exigências do Banco Mundial e FMI para acesso a programas de financiamento,
particularmente aos tomadores que integram o grupo de países pobres altamente
endividados.
110

dificuldades e desafios na governação do país e propondo medidas para


sua mitigação ou resolução. A Campanha da Terra foi uma iniciativa
integrada nas discussões sobre a Lei de Terras em Moçambique, cujo
principal objetivo era conseguir uma lei que assegurasse os anseios dos
cidadãos e das comunidades, sobretudo a manutenção legal da Terra
como um bem comum, assegurando ainda que as comunidades tivessem
os seus direitos consuetudinários de uso e aproveitamento reconhecidos.
A iniciativa congregou em torno de 200 organizações, entre ONGs
nacionais e estrangeiras, organizações comunitárias de base, instituições
religiosas diversas, académicos e pessoas singulares. Após a aprovação
da Lei, seguiram-se campanhas de divulgação da mesma junto das
comunidades, particularmente as rurais e camponesas (AfriMAP, 2009).
Na sequência, surgia mais uma oportunidade de participação da
sociedade nos processos de governança. Foi no ano de 2003 que a
Assembleia da República aprovou, por unanimidade, a Agenda 2025152,
um instrumento que a partir de uma análise histórica do país buscou
traçar possíveis cenários que poderiam emergir nas décadas seguintes,
assim como os determinantes e as ameaças desses cenários. Nesse
sentido, o documento em causa desenhou um amplo perfil da sociedade
moçambicana, detalhando suas fraquezas e potencialidades em quatro
pilares: 1) capital humano, 2) capital social, 3) economia e
desenvolvimento e 4) governação, tendo contado, na sua elaboração,
com a participação de diversos segmentos sociais, entre académicos,
partidos políticos, organizações comunitárias, empresários, etc., através
de um processo de debate que incluiu uma ampla campanha de consultas
públicas em todo o país, com a finalidade de produzir uma visão
nacional do desenvolvimento do país, no horizonte temporal que vai até
2025 (ibidem).
O ano de 2003 foi um ano significativo para Moçambique, no
sentido em que foi o ano que testemunhou diversas iniciativas de
ampliação de espaços de participação da sociedade na governança do
país. Foi neste ano também que Moçambique aderiu ao Mecanismo
Africano de Revisão de Pares (MARP), uma iniciativa da Nova Parceira
para o Desenvolvimento (NEPAD153), da União Africana. Este

152
No âmbito do projeto African Futures, do Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), um projeto que foi implementado em outros vinte
e cinco países africanos.
153
É um programa da União Africana, funcionando com secretariado próprio,
sediado na África do Sul. Este é assumido como estratégico e estabelece “uma
visão para a renovação de África”. Seus objetivos são: erradicar a pobreza,
111

mecanismo busca promover a adesão e o cumprimento dos


compromissos assumidos pelos países membros, através da Declaração
sobre Democracia e Governança Política, Económica e Corporativa,
assinada em 2002, na cimeira da UA, em Durban. Assim, e nos termos
da Declaração, segundo Mosse e Pohlmann (2011), os Estados
participantes da NEPAD comprometeram-se a fazer redobrados esforços
para implementar, entre outras coisas,

[...] o Estado de direito; a igualdade de todos os


cidadãos perante a lei; as liberdades individuais e
coletivas; o direito de participar em processos
políticos livres, credíveis e democráticos; a adesão
à separação de poderes, incluindo a proteção da
independência do judiciário e a efetividade dos
parlamentos (p.4).

Estes são compromissos assumidos tendo como base a ideia de


governos justos, honestos, transparentes, participativos e que prestam
contas, assim de probidade na vida pública. Os países adotam o MARP
como forma de fazerem auto-avaliações periódicas de progressos em
relação aos princípios da NEPAD, enfocando as quatro principais áreas
temáticas da Declaração, quais sejam democracia e governança política,
governança e gestão económica, governança corporativa, e
desenvolvimento socioeconômico, sendo a sociedade civil coo-
implementadora do mecanismo (MOSSE; POHLMANN, idem).
Contudo, se esta multiplicação de iniciativas e de espaços de
participação sinaliza a vontade (political will) do governo em promover
uma governança mais inclusiva e participativa, a amplitude e
profundidade dessa participação demonstram, no mínimo, um fraco
comprometimento (political commitment) do governo para com um
envolvimento mais efetivo da sociedade nos processos de governança. O
ambiente institucional acaba por não favorecer o exercício efetivo do
poder por parte do cidadão.
Conforme Francisco e Matter (2007), Os moçambicanos são
frequentemente chamados a participar no exercício do seu direito de
cidadania, mas, na prática, o seu poder de influenciar políticas, decisões

promover crescimento e desenvolvimento sustentável, integrar a África na


economia global, e acelerar o empoderamento das mulheres, fundando-se nos
princípios básicos do compromisso com a boa governação, democracia, direitos
humanos e resolução de conflitos (MOSSE e POHLMANN, 2011, p.4).
112

relevantes ou mesmo de poder econômico e político, acaba por ser


limitado. Na escala de participação para o exercício do poder, o cidadão
fica geralmente entre o nível de auscultação ad hoc e informal,
informação sem mútuos compromissos, por vezes manipulação ou
terapia apenas, mas muito pouco em um nível de parceria efetiva,
responsabilizadora e poder cidadão efetivo. Francisco e Matter (2007)
dão o exemplo do Observatório do desenvolvimento, que, mesmo
detendo potencial para a integração dos cidadãos na discussão política,
acabou sendo transformado em um instrumento governamental para
realização de audiências públicas e consultas públicas desprovidas de
comprometimento, isto é, as pessoas conseguem nada além de
“participar na participação”.
Outro exemplo de participação sem impacto é apontado à Agenda
2025, a qual, embora tenha mobilizado uma quantidade significativa de
atores sociais e políticos e se revestir de uma relevância estratégica
inqualificável para o país, uma vez conter diretrizes que foram fruto de
consensos construídos de forma alargada, não tem merecido a atenção
devida. Os planos, programas e políticas nacionais não se referem a ela e
se o fazem é numa perspectiva bastante superficial.
Parceiros internacionais estratégicos de cooperação, com forte
influência nas políticas públicas nacionais, como o Banco Mundial,
também são, muitas vezes, omissos em relação a esta Agenda,
contrariamente ao que sucede com o PARPA, por exemplo. Mas a
sociedade, no seu todo, também tem pautado por um silêncio
comprometedor em relação a um instrumento que tantas expectativas
gerou, desde os objetivos que se propunha a alcançar, passando pelo
processo de sua construção, até os resultados conseguidos, isto é, o
documento final (AfriMAP, 2009).
Por seu turno, o processo de implementação e os resultados do
MARP são tidos como insatisfatórios, com a sociedade civil não
participando efetivamente (por um lado, devido à forma como o
processo foi conduzido, por outro, devido ao desinteresse e
incompreensão do processo). Também são apontados problemas de
transparência no processo de coleta e produção dos dados para a
produção do respectivo relatório de auto-avaliação, além de conter
lacunas nos resultados apresentados e enfrentar riscos de interferência
governamental154, o que pode afetar as conclusões da auto-avaliação
(AfriMAP, idem, MOSSE; POHLMANN, 2011).

154
O Secretariado do MARP, atualmente, está ligado ao Ministério de
Planificação e Desenvolvimento (organismo que coordena o processo), e
113

Portanto, o que se extrai do acima exposto é uma espécie de


“mudar para manter tudo igual”, isto é, responder às pressões por uma
governança aberta e inclusiva, sem no entanto, incluir. Isto apenas
confirma um dos riscos da participação, apontados pela literatura, e que
Wampler (2005) designaria de arenas de participação “vazias”, uma vez
que as mesmas não asseguram mecanismos institucionais que permitam
negociação e deliberação, com base em compromissos.

4.2 CONSELHOS CONSULTIVOS NO CONTEXTO DA


DESCENTRALIZAÇÃO

Falar da descentralização e respectivo processo de participação


em nível local em Moçambique remetem necessariamente ao processo
histórico moçambicano. Um dos fatos mais relevantes nisso é o caráter
multiétnico do Estado moçambicano. Este é composto por dezenas de
etnias, situação que se refletiu na formação da FRELIMO, que,
conforme vimos, foi produto de três movimentos (MANU155,
UDENAMO156, UNAMI157) cuja base social era étnica. Este fato
acabaria por influenciar decisivamente as estratégias e políticas seguidas
pelo país e pela própria FRELIMO, desde a sua formação, passando pela
luta de libertação, indo até ao momento atual.
Desse modo, as estratégias em torno da gestão e distribuição do
poder e benefícios entre as elites centrais e locais também têm sido
permeadas pela multietnicidade e regionalismo. Por exemplo, a ideia de
construção de uma moçambicanidade assente na unidade nacional,
associada aos objetivos de modernização da sociedade moçambicana,
via socialismo, foi uma das justificativas importantes para a
centralização do poder e práticas políticas de combate à multiplicidade
de identidades no país (buscava-se construir uma identidade nacional
desligada das considerações étnicas, daí a expressão “matar a tribo para

dirigido por um servidor público deste Ministério, situação que pode


comprometer a independência e imparcialidade do mecanismo, deixando espaço
para interferência indevida nas atividades do próprio Secretariado e,
consequentemente, nas atividades do Fórum Nacional, que deveria manter sua
independência em relação ao governo para melhor realizar as suas funções de
fiscalização (MOSSE; POHLMANN, 2011, p.20).
155
Mozambique African National Union
156
União Democrática Nacional de Moçambique
157
União Nacional de Moçambique independente
114

construir a nação”, um dos slogans do período revolucionário)


(MENESE, 2009, p.24).
Esse contexto explica de alguma maneira a falta de clareza que
caracteriza o processo de descentralização em Moçambique, o qual é
marcado por avanços e recuos (no entanto, por mais recuos que
avanços). Estas dificuldades, avanços e recuos também podem ser
reveladores do dilema de uma sociedade em que, por se encontrar em
processo de construção do Estado-nação (em meio a todas as heranças
coloniais, as consequências da guerra civil e mergulhada em uma
conjuntura de crise social e econômica, sobretudo ao longo da década de
1980), as elites políticas se vejam naturalmente impelidas à
centralização do poder, ao mesmo tempo em que pressões, tanto internas
(no seio das próprias elites), quanto externas, exigem movimento
contrário, isto é, na direção da descentralização.
Aspectos como a definição do distrito como a principal unidade
de planificação territorial (onde se instituíram também os CCs), o
reconhecimento das autoridades tradicionais e a alocação de fundos
descentralizados, como o Fundo de Desenvolvimento Distrital (FDD158),

158
Designa dotações financeiras que o governo central começou a transferir
para os distritos, a partir de 2006, com a orientação principal de que este deverá
servir para financiar iniciativas locais de investimento centrados na produção de
comida, geração de renda e criação de emprego. Este financiamento seria
concedido aos beneficiários em forma de empréstimo, que deveriam quita-lo
dentro de prazos acordados, em função do montante recebido. Nessa lógica, este
seria um fundo rotativo, que fosse realimentado pelos juros e capital devolvidos
pelos beneficiários. Contudo, a ideia de fundo rotativo não passou mesmo de
ideia, visto que os níveis de reembolso (quitação) dos empréstimos, por parte
dos tomadores, não ultrapassavam a média de 2% até o ano de 2009, o que se
deve, em parte, pela ausência de mecanismos e critérios claros de contratação
dos montantes e de imputação de responsabilidades e obrigações das partes,
vinculados à garantias sancionatórias, em caso de incumprimento (é uma gestão
meramente política, sem qualquer consequência jurídica). A sua sobrevivência,
de 2006 até ao presente, assente nas transferências anuais que o governo
continua fazendo para os distritos. No primeiro ano foi transferido um montante
equivalente a U$D 300.000, para cada distrito (num total em torno de U$D 36
milhões). Nos anos subsequentes o montante aumentou e foram alteradas as
modalidades de cálculo, passando a considerar aspectos como a extensão
territorial, população, etc., o que significa que os distritos deixaram de receber o
mesmo montante (em 2009, o total de transferências foi em torno de U$D 56
milhões) (ORRE; FORQUILHA, 2012). Para o governo esta iniciativa
enquadra-se nos seus esforços de aprofundar e aperfeiçoar a descentralização,
empoderando a governança local, impulsionando o desenvolvimento local, com
115

são alguns exemplos desse processo, em que parece buscar-se mais gerir
o “tensionamento” das relações entre as elites centrais e locais,
assegurando o controle das primeiras sobre as últimas, do que
propriamente devolver o poder ao cidadão (WEIMER; MACUANE;
BUUR, 2012).
O reconhecimento das autoridades comunitárias também é visto
como mais uma forma de o poder central controlar elites locais,
assegurando a manutenção do seu poder, em vez de assumi-las como
representantes dos interesses das comunidades locais159. Enquanto as
transferências de recursos para os níveis locais, através de fundos como
o FDD, são percebidas como estando a alimentar as redes clientelistas
locais, assegurando lealdades políticas. De acordo com o argumento de
Orre e Forquilha (2012), a transferência massiva de fundos para os
distritos não apresenta qualquer evidência de que possa converter-se em
fator de redução da pobreza, aprofundando a descentralização e
participação das comunidades, como defendido pelo governo e pela
FERLIMO, sendo que, a curto termo, o que se vislumbra é o acesso, por
parte da liderança local do partido no poder, de meios de clientelismo
político sem precedentes, além de colocar em risco pequenos ganhos em
termos de empoderamento popular que a planificação distrital
participativa, através dos CCs, poderá ter iniciado.
Ainda na ótica de Orre e Forquilha (idem) o FDD impactou
profundamente os CCs, uma vez que a introdução deste fundo retirou a
ênfase da planificação participativa ligada a infraestruturas sociais locais
– até então o enfoque do processo de planificação – passando os CCs a
deliberar, quase exclusivamente, sobre a aprovação dos projetos que
beneficiam de financiamento à luz do FDD. Weimer, Macuane e Buur
(2012, p.71), reforçam este cenário, ao defenderem que,

Moçambique tem testemunhado uma expansão do


sistema clientelista para os escalões mais baixos
do governo e da administração, com um centro
capaz de, a partir de um ponto de partida baixo,
mobilizar cada vez mais rendas suficientes
(incluindo aid rent), recursos do Estado e, com
uma capacidade de manobra distribucional,
cooptar ou ‘usurpar’ quaisquer concorrentes sérios
ou concorrentes ao poder (central), tanto partidos

a participação das comunidades (MPD, 2008 apud ORRE; FORQUILHA,


idem).
159
WEIMER; MACUANE; BUUR, 2012..
116

da oposição política, como elites culturais locais


ou governos locais fortes.

Outro aspecto sinalizador das tendências de controle e


fragilização das elites locais pelo poder central (entenda-se também por
elites centrais) e que compromete o aprofundamento da participação no
nível local é a chamada Presidência Aberta e Inclusiva (PAI160), que é
um instrumento de governança massivamente utilizado pelo atual
Presidente da República, Armando Guebuza, desde que assumiu o poder
em 2005. A PAI é uma instituição informal, uma vez que não está
regulada por lei. Esta estabelece uma ligação direta entre o governo
central (via Presidente da República) e a administração pública no nível
distrital e municipal. Acontece através de visitas presidenciais aos
distritos e municípios, onde o Presidente assume o papel de supervisão
política e de monitoria vertical dos órgãos locais do Estado, realizando
reuniões com dirigentes locais do Estado e com a população (incluindo
os membros dos CCs), que têm, neste momento, ocasião para apresentar
suas inquietações e demandas.
Esta é uma metodologia que interfere nos planos, programas e na
planificação, de modo geral, nos diversos níveis, distrital, provincial e
central, alterando, inclusive, agendas e prioridades. Exemplos dessa
interferência nas agendas e prioridades locais são vários, como o que
sucedeu no distrito de Inharrime, em 2012, onde, depois de ter
planificado, de forma participativa, a construção de seis infraestruturas,
no âmbito do PESOD, o governo do distrito viu-se forçado a desviar o
respectivo orçamento para a construção da casa que hospedaria o
Presidente da República, que escalaria o distrito, em mais uma PAI
(AMODE161, 2012). Esta conclui, dizendo, “a solicitação do poder
central subjugou o desejo popular legitimado pelas auscultações e
negociações realizadas no ano precedente junto às comunidades” (idem,
p.5).
Por outro lado, esse cenário ameaça marginalizar processos locais
de planificação institucionalizada, como os CCs, uma vez que suas
decisões podem, potencialmente, ser anuladas pelo Presidente, durante a

160
Segundo o governo a PAI tem o objetivo de garantir uma melhor presença do
Estado nas zonas rurais, através da capacitação das administrações locais e da
melhoria da prestação de serviços públicos e tornando os governos locais mais
responsáveis perante as populações (Gabinete de Estudos da Presidência da
República, 2009, apud LEININGER et al, 2012, p.217).
161
Associação Moçambicana para a Democracia e Desenvolvimento.
117

PAI, além de aumentar a influência do governo sobre tais instituições,


sendo que uma das principais funções destas instituições seria a
fiscalização deste mesmo executivo (LEININGER et al., 2012). Esta
abordagem também pode desenvolver no cidadão a ideia de que as
instituições locais não são competentes e eficazes na resposta aos seus
problemas, conduzindo ao seu enfraquecimento crescente, ao mesmo
tempo em que fortalece a posição das instituições centrais,
particularmente a posição do Presidente da República que, ao tornar-se
centro do processo político, cria condições para o reforço do culto à
personalidade e práticas populistas162.
Esse é um quadro que nos remete a concordar com o argumento
de Huntington (1977), que defende que a participação não é uma meta
em si mesma, mas sim um meio para alcançar algum, ou vários
objetivos. Nesse sentido, e considerando que esta depende muito das
elites políticas, a sua expansão vai depender da percepção que estas
tiverem sobre sua utilidade para promover ou manter o poder. Posição
similar é defendida por Schneider e Goldfrank (2005), para os quais a
participação é um instrumento partidário, visando objetivos políticos,
como a manutenção e alargamento da base de apoio, com a finalidade de
assegurar o poder. Portanto, todas as ações e atividades acima descritas,
como a questão da PAI, do FDD, etc., e que interferem nos resultados da
participação estão associados ao nível de compromisso governamental
para com a promoção de uma participação efetiva.

4.3 OS LIMITES DOS CCs: CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DA


LITERATURA

Embora aos CCs se lhes reconheça potencial democratizante, de


promoção da inclusão e de controle social (informação verbal163), a
literatura aponta vários limites à participação nestas instituições. De
entre eles, destacam-se problemas de representatividade, imprecisões da
legislação, a posição central dos agentes do poder público no interior
dos CCs, partidarização, fraco poder deliberativo, marginalização, a
falta de preparo dos membros/representantes, fraqueza dos mecanismos
de prestação de contas por parte dos representantes, etc. (MASSALA
CONSULT, 2009, FORQUILHA; ORRE, 2012). Forquilha e Orre

162
O que pode ser comparado com a experiência venezuelana, onde o governo
central se utilizou do espaço de organização comunitária para concretizar o seu
projeto de relação direta entre “líder” e “povo” (MENDES, 2011).
163
Entrevistas com SC2 e ONG1, em 14/03/2013, e com PCI2, em 07/05/2013.
118

(2012) também argumentam que os espaços de participação que têm


sido criados ao longo da democratização do país estão se tornando cada
vez mais controlados e até asfixiados pelo contexto de partido
dominante.
A questão da representatividade tem sido associada à
partidarização dos CCs e à posição central dos agentes do poder público
no interior dos CCs (estes respondem pela institucionalização dos CCs e
são os seus respectivos presidentes). Argumenta-se que esse contexto
faz com que a seleção dos membros dos CCs seja facilitada por
afinidades políticas, o que significa que as pessoas, ou organizações que
estiverem alinhadas com o partido no poder têm maiores probabilidades
de fazer parte dos CCs. O fato de os representantes do Estado (também
membros do partido no poder) controlarem tanto a constituição, quanto
o funcionamento destas instituições, aliada à omissão da lei em relação
aos critérios de seleção, potencia ainda mais o cenário de manipulação e
exclusão.
A partir de estudos de caso sobre CCs, em três distritos (Zavala,
Gorongosa e Monapo), Forquilha e Orre (2012) constataram a presença,
nos CCs, de segmentos significativos com afinidades com a FRELIMO,
tendo, no distrito de Gorongosa, o percentual de membros, com
afinidades políticas, alcançado 65%. Estes autores concluem que a
FRELIMO se transformou no vetor fundamental de participação no
nível local, tal como na era de partido único, uma influência e controle
que, para eles, reforça a exclusão política e impacta negativamente o
alargamento da base de participação (ibidem).
Outro estudo, embora tenha sido realizado ainda na fase inicial do
processo (2000164), apresenta conclusões que continuam válidas e é
reforçado pelas constatações de Forquilha e Orre, ao referir que as
estruturas de representação das comunidades nos CCs são maleáveis,
pouco representativas e potencialmente geradoras de conflitos (apud
BOROWCZAK et al, 2004). Esta situação permite verificar o
argumento de Pinto (2004), por exemplo, que as pessoas sem
representação partidária165 poderão tender a reproduzir sua condição de
exclusão nos espaços participativos.

164
Realizado pela School of Government da University of the Western Cape e a
Faculdade de Agronomia da Universidade Eduardo Mondlane.
165
Neste caso, podem até possuir representação partidária, mas, o fato de não
estar alinhada com o partido no poder pode afetar suas possibilidades de
participação.
119

Enquanto isso, a imprecisão da legislação, ao definir os CCs


como fóruns deliberativos e ao mesmo tempo consultivos166, abre
espaço para sua marginalização e esvaziamento, uma vez que diversos
administradores, na sua qualidade de presidentes dos CCs, se limitam a
realizar consultas informativas (onde os CCs são chamados a validar
decisões já tomadas e não a apreciarem e aprovarem os assuntos167 em
pauta), ou simplesmente não o fazem (existem diversas questões que
não passam pelos CCs, mesmo sendo referentes ao desenvolvimento
local). Isso, associado ao fato dos CCs serem dirigidos e orientados pelo
executivo distrital, o mesmo executivo que deverá prestar contas à
sociedade, através destas instituições que ela mesma preside, gera déficit
de transparência e afeta negativamente a accountability do governo
distrital para com a sociedade.
Ainda nesta lógica de falta de clareza dos instrumentos
normativos, o governo emitiu um documento168 orientador das
atividades dos CCs, o qual simplesmente omite a parte que refere o seu
caráter deliberativo, sendo que este documento é o mais divulgado e
mais usado como ferramenta de orientação nessas arenas169 e ressalta o
aspecto consultivo.
Estas ambiguidades, como as imprecisões contidas na legislação
estão associadas a uma questão ainda maior, que é a falta de clareza em
relação ao processo de descentralização, no seu todo, em resultado de
um projeto político difuso e não compromissado com a participação. Em
outras palavras, estamos dizendo que a situação, acima descrita, reflete a
estratégia da FRELIMO na condução do processo de descentralização, a
qual está baseada numa lógica de “keeping it vague, ou keeping it
unclear”, isto é, mantendo a falta de clareza (WEIMER, 2012). Esta
abordagem permite ao partido estabelecer compromissos flexíveis entre
suas elites, que divergem no entendimento da descentralização (uns,
reformista a favor da devolução e, outros, conservadores, que se opõem

166
artigos 111 e 122, inciso II (DECRETO 11/2005).
167
Um dos nossos entrevistados, dando exemplo dos planos distritais, dizia que
estes por vezes são apresentados prontos aos membros dos CCs, aos quais é
lembrada a importância de que se reveste a sua decisão de aprovar tais planos,
no entanto, aparecem sem orçamentos, com os membros detendo pouca ou
nenhuma informação sobre o processo que conduziu até aos planos que lhes é
solicitado sua aprovação (entrevista com ONG1, em 14/03/2013).
168
DM 67/2009, de 17 de Abril.
169
A lei 8/2003 e respectivo regulamento, Decreto 11/2005, não chegam aos
participantes/membros dos CCs.
120

à devolução, descentralização democrática), assegurando a unidade


interna do partido. De acordo com Buur (2009), essa é uma estratégia de
sobrevivência do regime, dado o conflito inerente no seio da elite da
FRELIMO em relação ao grau de partilha do poder entre os vários
níveis do Estado, e, por outro lado, busca prevenir a instrumentalização
da descentralização pela oposição política e por outras elites (locais)
excluídas para seu beneficio na sua luta pelo poder (apud WEIMER,
2012).
Mas, também esta estratégia busca sinalizar aos parceiros de
cooperação internacional a existência de vontade política (political will)
do governo para com a descentralização e participação170, sem, contudo,
ir além disso, isto é, sem passar para o political commitment
(compromisso político), que seria traduzido na operacionalização efetiva
do processo171, através da alocação de recursos ao processo, por
exemplo. O resultado desta conjuntura é ter-se um processo marcado por
descontinuidades e inconsistências, o que não contribui na necessidade
de aprofundamento das práticas participativas no país.
Por outro lado, fatores como a limitada capacidade e dinamismo
das comunidades locais (situação relacionada com baixo nível de
escolaridade, analfabetismo, ausência e/ou fraca capacitação e falta de
informação, o que afeta negativamente as habilidades dos
representantes) também impactam negativamente os processos
participativos.
Em relação aos desequilíbrios no acesso à informação, um dos
entrevistados, referia, por exemplo, que tal situação permitia aos atores
estatais selecionarem para a consulta questões de pequena dimensão
(baixa conflitualidade), ao mesmo tempo em que favorece o repasse, aos
CCs, de informações legitimadoras de decisões já tomadas (informação
verbal172). O Banco Mundial (2000) também reconhece que a redução
das assimetrias no acesso à informação pode empoderar as pessoas nos
processos participativos, defendendo, por isso, a necessidade de bons

170
Moçambique tem um déficit orçamental que nos últimos anos anda em torno
de 50/40%, o qual é financiado, particularmente, por um grupo de 19 países
(G19), que contribuem com valores que deverão rondar os 80% do total do
valor financiado. Este cenário coloca o país numa situação de elevada
dependência externa, o que igualmente o expõe a pressões externas para a
implementação de reformas políticas, econômicas e administrativas, dentro da
lógica neoliberal.
171
Entrevista com SC2, em 14/03/2013.
172
Entrevista com SC2, em 14/03/2013.
121

canais de informação entre os governantes e as comunidades como


condição para bons resultados. Sen (2000), por exemplo, fala de como o
acesso à informação permeia as escolhas sociais, referindo que a
ampliação do acesso à informação pode assegurar consistência na
avaliação social. Contudo, no caso das comunidades rurais
moçambicanas, embora a ampliação da informação seja importante, é
preciso considerar também a sua simplificação.
De acordo com outro dos nossos entrevistados, a
habilidade/capacidade crítica às matérias apresentadas nos CCs é
limitada, não apenas pelos fatores acima descritos, mas também pela
cultura política de veneração aos dirigentes (o conhecimento é associado
à hierarquia), o que se liga a um problema maior de cidadania, em que,
por as pessoas não contribuírem para o Estado (pagando impostos, por
exemplo), as ações deste são vistas como sendo de benevolência,
caridade e proteção, além da cultura que se implantou na sociedade, ao
longo da história, de que há pessoas destinadas a responder e resolver
seus problemas (lideranças locais e agentes do Estado), particularmente
quando se trata de tomar decisões (informação verbal173). Este contexto
reforça as visões de que a população é incapaz de tomar decisões
políticas, que pela sua complexidade, caberiam aos profissionais, isto é,
ao poder público (BAVA, 1994). Portanto, as dificuldades são várias,
por um lado, estão questões relativas ao contexto sociocultural, por
outro, está uma força política, cujo projeto político oscila entre a
descentralização e a centralização, colocando dilemas nos caminhos da
promoção de práticas participativas.
Posto isto, passamos, a seguir, para a análise dos CCs a partir dos
dados obtidos na nossa pesquisa de campo, começando por descrever o
desenho institucional e na sequência fazemos a respectiva leitura
analítica dos dados.

173
Entrevista com ONG1, em 14/03/2013.
122

CAPÍTULO 5 – CONSELHOS CONSULTIVOS: ANÁLISE


EMPÍRICA

5.1 DESENHO INSTITUCIONAL

A formalização da participação em Moçambique, conforme já


nos referimos, se dá através das Instituições de Participação e Consulta
Comunitária (IPCCs), com base na Lei 8/2003 e seu respectivo
regulamento (DECRETO 11/2005). Segundo o artigo 110º deste
regulamento, no processo de participação, as comunidades podem
organizar-se em Conselho Local, Fórum Local, Comitês Comunitários,
Fundos Comunitários e outras formas174. Em função dos objetivos deste
estudo, centraremos nossa atenção nos Conselhos Locais (CLs175), ou
Conselhos Consultivos (CCs), como são comumente designados, sendo
esta última (CCs) a designação adotada neste estudo. A escolha dos
CCs, como objeto de nossa pesquisa, deveu-se ao fato de, entre as
instituições acima elencadas, estas serem a arena formal de interlocução
direta entre o Estado e a Sociedade, enquanto as outras instituições
integram apenas as comunidades, ou, estas e suas lideranças locais. A
sua implantação formal iniciou no ano de 2006, após aprovação, em
2005, do regulamento que estabelecia as diretrizes do desenho
institucional e as normas de seu funcionamento (DECRETO 11/2005).
O desenho institucional dos CCs é igual em todo o país, uma vez
que estes são governados pelos mesmos instrumentos legais176 (a
uniformização das instituições de participação em um país tão diverso,
como Moçambique, encontra explicação nos vários fatores
exaustivamente referenciados neste estudo, destacando-se a questão da
descentralização em um contexto de centralização).
De acordo com esse desenho os CCs são compostos por
autoridades comunitárias177, representantes de grupos de interesse de
174
Decreto 11/2005.
175
Órgão de consulta das autoridades da administração local, na busca de
soluções para questões fundamentais que afetam a vida das populações, o seu
bem-estar e desenvolvimento sustentável, integrado e harmonioso das condições
de vida da comunidade local, no qual participam também as autoridades
comunitárias (artigo 111, DECRETO 11/2005).
176
Lei 8/2003, Decreto 11/2005 e DM 67/2009.
177
São as pessoas que exercem certa forma de autoridade sobre determinada
comunidade ou grupo social, tais como chefes tradicionais, secretários de bairro
ou aldeia e outros líderes legitimados como tais pelas respectivas comunidades
ou grupo social (artigo 105, DECRETO 11/2005).
123

natureza econômica, social e cultural, escolhidos pelos CCs ou fóruns de


escalão inferior em proporção da população de cada escalão
territorial178. Os seus membros representam os vários segmentos da
população, quer numa base geográfica das várias localidades, quer numa
base social dos vários grupos populacionais e de interesse, sendo que, o
percentual reservado às mulheres, nunca deverá ser abaixo de 30% e,
dos jovens, deverá ser de, pelo menos, 20%. Os CCs funcionam em
quatro níveis no distrito, os quais correspondem aos escalões político-
administrativos do território distrital, a saber, distrito, posto
administrativo, localidade e povoação. Em cada um destes escalões,
funciona um CC e o administrador distrital é o responsável pela
implantação dos CCs179, sendo o presidente do CC no nível do distrito.
Os representantes da administração do Estado nos escalões territoriais
inferiores ao distrito respondem pela constituição dos CCs nos
respectivos escalões180, sendo também seus presidentes. Vide, no quadro
abaixo, os órgãos locais e respectivos CCs, segundo a lei.

QUADRO 1: Órgãos Locais do Estado e Correspondentes CCs


Unidade Órgãos Locais Designação dos Conselhos
territorial do Estado Diploma Lei 8/2003-
(OLEs) MAE/MPD, 2009. Decreto 11/2005
Província Governo --------------------- -----------------------
provincial
Distrito Governo Conselho Conselho Local do
distrital Consultivo do Distrito (CLD)
Distrito (CCD)
Posto Posto Conselho Conselho Local do
Administrativo administrativo Consultivo do Posto
Posto Administrativo
Administrativo (CLPA)
(CCPA)
Localidade Administração Conselho Conselho Local da
da localidade Consultivo da Localidade (CLL)
Localidade (CCL)

178
Artigo 118, Decreto 11/2005.
179
Artigo 117, Decreto 11/2005.
180
No posto administrativo é o chefe do posto, na localidade é o chefe da
localidade e na povoação é a autoridade comunitária (que pode ser régulo, ou
secretário de bairro).
124

Povoação Autoridades Conselho Conselho Local da


comunitárias181 Consultivo da Povoação (CLP)
Povoação182
(CCP)
Fonte: adaptado a partir de Forquilha e Orre (2012, p. 337).

O Conselho Consultivo do Distrito (CCD) é o nível mais alto de


deliberação e é composto por 30 a 50 membros, seguido do Conselho
Consultivo do Posto Administrativo (CCPA), composto por 20 a 40
membros, depois o Conselho Consultivo da Localidade (CCL),
composto por 10 a 20 membros e, por fim, o Conselho Consultivo de
Povoação (CCP), composto por 5 a 10 membros183. Os seus membros
são selecionados pelas comunidades locais, tendo um mandato de quatro
anos184, com possibilidade de renovação. Contudo, apenas os membros
do CCP é que são selecionados diretamente pelas comunidades, sendo
que, nos restantes níveis, a seleção é feita entre pares. As comunidades,
através de organizações comunitárias (fóruns locais185, comitês
comunitários186), autoridades comunitárias e representantes de grupos de
interesse de natureza econômica, social e cultural, reúnem
separadamente e procuram em debates internos (sem interferência das
autoridades externas à povoação) indicar, dentre os seus membros, quem
reúne condições (idoneidade, responsabilidade, etc.) para representá-las

181
Compreende régulos, secretários de bairros, etc. Embora não sejam
formalmente reconhecidos como órgãos locais do Estado, estes integram a
estrutura administrativa do Estado e realizam várias funções de Estado.
182
É a subdivisão político-administrativa que compõe a localidade e pode
contemplar povoados, aldeias, etc.
183
Artigo 119, Decreto 11/2005.
184
“No caso de um membro do Conselho Local perder a confiança e a
legitimidade da sua respectiva comunidade ou grupo de interesse, pode o
Conselho Local decidir a revogação do seu mandato, sob a proposta desta
mesma antes do período referido no número 1 deste artigo” (inciso vi, artigo
36º, DM 67/2009).
185
São instituições da sociedade civil que têm como objetivo organizar os
representantes das comunidades e dos grupos de interesse locais para permitir
que eles definam as suas prioridades (artigo 112, Decreto 11/2005).
186
São formas de organização das populações para permitir que as comunidades
se mobilizem na identificação e procura de soluções dos seus problemas,
podendo encaminhar outras preocupações às estruturas pertinentes do sector
público (artigo 113, Decreto 2005).
125

no respectivo CC187. O chefe da povoação (normalmente, uma


autoridade comunitária) promove, apoia e monitora o processo de
realização de tais reuniões.
Depois de eleitos, os membros dos CCP elegem entre si aqueles
que vão constituir o CCL; estes também elegem entre seus pares aqueles
que vão constituir o CCPA, de onde, por fim, saem os membros que
compõe o CCD. Os CCs funcionam em forma de cascata, ou escadaria,
isto é, começam no CCP, nível mais baixo, até ao CCD, nível mais alto,
onde acontecem as deliberações finais. Dito de outra forma, o CCP faz o
levantamento das demandas e as prioriza, remetendo depois para o CCL,
que faz o agrupamento das demandas das várias povoações, ocorrendo
outra priorização e remetendo, em seguida, ao CCPA; este, por sua vez,
agrupa todas as demandas das localidades da sua área de jurisdição e faz
a respectiva priorização, encaminhando, na sequencia, o dossiê para o
CCD, onde ocorre a última deliberação, antes de enviar o dossiê para o
governo do distrito. Este último toma a decisão final, considerando a
deliberação do CCD188.
Nos quatro níveis dos CCs realizam-se duas reuniões ordinárias
por ano, mais as extraordinárias, sempre que necessário. As primeiras
sessões decorrem no primeiro semestre, até Abril, de cada ano, e são
destinadas à apreciação do relatório da implementação dos planos do
ano anterior, aprovação do plano do ano corrente e apreciação das
propostas do plano do ano seguinte. As segundas sessões decorrem no
terceiro trimestre do ano e se destinam a fazer o balanço preliminar da
implementação dos planos e, quando necessário, atualizá-los189. Quanto
à metodologia de tomada de decisão, a lei não é clara, no entanto, em
Angoche, nosso campo de pesquisa, usa-se o consenso e, na ausência
deste, a votação como métodos de decisão. A prestação de contas é feita
através de reuniões regulares com as comunidades (informação
verbal190).

187
Os membros indicados são apresentados em reunião popular, orientada
pelo chefe da Localidade, onde a população legitima ou ratifica a sua
condição de membros do CCP.
188
Decreto 11/2005.
189
Artigo 120, Decreto 11/2005.
190
Entrevista com GOV3, em 20/03/2013.
126

Os CCs são dirigidos por uma mesa, integrada pelo presidente


(representante local do Estado), um secretário e dois vogais191, eleitos
entre os membros192. São instituições ligadas ao gabinete do
administrador do distrito e dele dependem, recebendo apoio técnico e
organizativo da secretaria distrital193, durante e entre as sessões de
trabalho.
Estas instituições participam na elaboração e implementação dos
planos de desenvolvimento local, planos de ordenamento do território
ou dos planos de estrutura, gerais ou parciais, de urbanização e dos
planos de pormenor. Elas apreciam e dão parecer sobre os mais variados
assuntos relativos ao desenvolvimento local e estabelecem a ligação
entre o Estado e as comunidades194. Os seus membros trabalham com as
comunidades na identificação de problemas e necessidades, que são
priorizados e encaminhados para o Estado, através dos CCs. Mas
também mobilizam as comunidades para solucionar os problemas
localmente, quando e sempre que houver alternativas locais.
Para a realização de seu trabalho, os CCs podem estruturar-se em
comissões temáticas de trabalho, ou indigitar individualmente os
membros para cumprir determinadas tarefas, nomeadamente de
monitoria de atividades programadas, de obras ou de acompanhamento
de trabalhos ou mesmo para solucionar ou mediar questões localizadas.
Contudo, os principais momentos de intervenção destas instituições são
aqueles relativos à elaboração do Plano Estratégico do Desenvolvimento
Distrital (PEDD195) e do Plano Econômico e Social e Orçamento
Distrital (PESOD) e ainda do balanço do PESOD196.

191
São elementos escolhidos entre os membros e têm a função de auxiliar a
presidência da mesa, sendo encarregados de substituir o presidente, em caso de
impossibilidade.
192
Artigo 121, Decreto 11/2005.
193
Através da Equipa Técnica Distrital (ETD).
194
Artigo 122, Decreto 11/2005.
195
O plano distrital é o instrumento principal do desenvolvimento econômico,
social e cultural da República de Moçambique, e a base para a elaboração do
orçamento distrital, sendo que o processo de sua elaboração deve observar a
metodologia e as normas estabelecidas sobre a planificação participativa, de
forma a assegurar a participação comunitária em todas as suas fases (artigos
124, 125, Decreto 11/2005). Em termos mais precisos, teríamos que “os órgãos
locais do Estado devem assegurar a participação dos cidadãos, das
comunidades, das associações e outras formas de organização, que tenham por
objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem
respeito”, e que “os planos de desenvolvimento distrital são elaborados com a
127

O primeiro define as principais linhas de orientação para o


desenvolvimento do Distrito, a médio e longo prazo. Faz o levantamento
das potencialidades e necessidades de desenvolvimento do distrito, num
horizonte temporal de cinco anos. O segundo define os principais
objetivos econômicos e sociais do Distrito no ano econômico, as ações a
realizar para atingir aqueles objetivos e a afetação de recursos
orçamentais para esses fins, e é elaborado pelo Governo Distrital,
tomando como base o PEDD e as orientações que definem o nível
Provincial e Nacional de desenvolvimento197. Estes instrumentos
permitem a integração das preocupações dos vários segmentos sociais
nos planos de desenvolvimento do distrito198, ao mesmo tempo em que
permitem que estes segmentos possam monitorar e avaliar a realização
das ações planificadas. Esse processo ocorre através de auscultação
popular direta nas comunidades e por via dos CCs, tanto no momento de
concepção, quanto no de implementação dos planos. Vide, na figura
abaixo, a representação esquemática dos CCs e sua inserção na estrutura
do governo distrital.

participação da população residente através dos conselhos locais e visam


mobilizar recursos humanos, materiais e financeiros adicionais para a resolução
de problemas do distrito” (artigos 100, 103, Decreto 11/2005).
196
O Balanço do PESOD é um instrumento de monitoria e avaliação. Com ele, é
possível analisar o cumprimento do PESOD em relação aos objetivos traçados,
e identificar os problemas e constrangimentos que impediram a sua realização.
Também permite propor as ações corretivas a tomar para execução do PESOD
em curso ou de futuros PESODs.
197
GOVERNO DE MOÇAMBIQUE, 2008.
198
Os diversos segmentos têm a oportunidade de influenciar as decisões sobre
desenvolvimento que afetam suas vidas.
128

FIGURA 2: Representação Esquemática dos CCs e sua Inserção na


Estrutura Administrativa do Distrito

Fonte: elaborado pelo autor.

Tendo apresentado, descritivamente, o formato geral dos


Conselhos Consultivos, passaremos, no título seguinte, a fazer a leitura
analítica dos dados coletados no campo.

5.2 DISTRITO DE ANGOCHE

Em se tratando de um estudo de caso, cabe aqui uma breve


contextualização do distrito de Angoche.

5.2.1 Localização geográfica e limites

Este distrito situa-se no sudeste da província de Nampula,


localizada na região norte de Moçambique. O seu território é composto
pelo continente e pelas ilhas, com uma superfície total de 3.535Km2
(3,9% do total da província). Tem como limites, Norte: distrito de
Mogincual, através do rio Muthomoti; Sul: distrito de Moma, através do
rio Melúli; Este: Oceano Índico; Oeste: distrito de Mogovolas, por
129

intermédio de uma linha convencional de traçado irregular (GDA199,


2011b).

5.2.2 Subdivisão político-administrativa

Possui quatro postos administrativos (Angoche-sede – inclui a


parte urbana –município, Nametória, Namaponda e Aúbe), treze
localidades (Angoche-sede, Sangage, Mutucute, Aúbe-sede, Catamoio,
Nametória-sede, Muchepua, Naiculo, Napruma, Parta, Namaponda-
sede, Mepapata e Gelo) e quarenta e oito povoações (GDA, idem).

5.2.3 Características socioculturais da população

Como no resto da província de Nampula, o grupo


amakhua/macua é o grupo etnolinguístico de maior representatividade,
ocupando, na generalidade, a região continental do distrito. Contudo,
nas ilhas e parte da sede do distrito, predominam os Akoti, que
constituem um subgrupo, cujos traços culturais são produto de contatos
históricos remotos, especialmente com o mundo árabo-swahili,
refletindo-se atualmente nas fortes influências nos usos e costumes. O
distrito é caracterizado por uma sociedade predominantemente
matrilinear, preservando de alguma forma o sistema de lihnagem.
Entretanto, importa ressaltar a prevalência do papel dominante
dos homens no processo de tomada de decisões no seio das famílias e na
sociedade tradicional. Um aspecto muito comum no domínio da
economia local é o hábito (cultural) da população de plantar árvores de
fruta e de rendimento (citrinos, coqueiros, cajueiros, etc.) para benefício
próprio. Estas árvores constituem propriedade das pessoas que as
plantam. Normalmente, as árvores pertencem aos homens que as
transmitem às gerações seguintes dentro da norma tradicional de
herança, baseada no sistema de linhagem matrilinear. Quanto à religião,
predominam o Islão (46%) e o Cristianismo romano (católico) (33,7%),
sendo que maior parte dos que professam a religião islâmica se
encontram nas ilhas e no litoral (por razões hitóricas, em que os árabes
privilegiaram sempre a costa, por questões de estratégia comercial, e
tiveram poucos contatos com o interior) (GDA, 2011b).

199
Governo do Distrito de Angoche.
130

5.2.4 Características sociais e demográficas e econômicas

População em 2013, 316.783 (sendo 156.141 homens e 160.641


mulheres), o que representa 6,7% da população da província, densidade
populacional 101,8/km2. Tem uma taxa de urbanização de 37%, possui
16 unidades sanitárias, a razão de uma unidade sanitária por cada 19000
pessoas, um leito por cada 1800 habitantes, um profissional técnico de
saúde para cada 1500 habitantes; na economia predomina a agricultura
(agricultura, silvicultura e pesca representam 85% da ocupação por ramo
de atividades, dos quais 78% trabalham por conta própria); possui 67%
de taxa de analfabetismo, Possui 82 escolas (74 do ensino primário nível
1) e 115 centros de alfabetização, em relação aos meios de informação,
44,3% usam rádio e 2,2% usam TV, apenas 6% usa água canalizada,
apenas 5% usa energia elétrica, tem 80% de seu orçamento proveniente
do governo central, sendo que 45% do total deste orçamento é gasto em
despesas com pessoal (INE200, 2012, GDA, 2011b).
Passaremos, em seguida, a fazer a análise dos dados coletados no
campo (entre entrevistas, observação participante e documentos
oficiais). Com este exercício pretendemos compreender se os Conselhos
Consultivos estarão democratizando a gestão pública, promovendo o controle
social das políticas públicas, a inclusão e o empoderamento, particularmente
dos segmentos sociais mais desfavorecidos.
Desse modo, fazemos a nossa análise enfocando nas três
variáveis escolhidas neste estudo para fundamentar a avalição do
desempenho das instituições de participação, quais sejam a tradição
associativa, o desenho institucional e o compromisso governamental.
Em forma de introdução, fazemos uma contextualização muito breve do
histórico de participação no distrito, descrevendo em seguida o seu
desenho institucional, para na sequência adentramos na análise dos
dados.

5.2.5. Resultados e discussão

O distrito de Angoche reconstituiu os seus CCs, em 2006, por


forma a adequá-los à lei 8/2003 e respectivo regulamento (DECRETO
11/2005). Entretanto, ressaltar que este distrito já estava implementando
os CCs desde o ano de 1998, em resultado da evolução de práticas de
planificação participativa que vinham ocorrendo no distrito desde a
metade dos anos 1990. Em 1996, a SNV fixou-se no distrito e em

200
Instituto Nacional de Estatística.
131

coordenação com a direção provincial do plano e finanças, da província


de Nampula, deram início a um programa de desenvolvimento em
grupo, criando um Núcleo de planificação participativa (informação
verbal201).
Na fase inicial, o programa envolveu quatro distritos (Angoche,
Monapo, Mecuburi e Muecati). No ano seguinte, 1998, Angoche é
integrado no programa MAMM (Moma, Angoche, Mongicual,
Mogovolas), também através da SNV. Este programa criou as comissões
de desenvolvimento local (CDLs), integradas por pessoas das
comunidades, que eram eleitas e trabalhavam para resolver os problemas
das comunidades. As CDLs eram compostas por diversas comissões de
trabalho, entre elas, saúde, infraestruturas, saneamento, agricultura e
educação e os seus membros eram responsáveis pelo levantamento dos
problemas nas comunidades, mobilizá-las e trabalhar com elas para a
solução dos mesmos pelas comunidades, localmente. A SNV prestava-
lhes assistência técnica (informação verbal202).
Paralelamente, os distritos de Angoche e Mecuburi instituíram os
primeiros Conselhos Consultivos (CCs), nos níveis do posto
administrativo e do distrito, tendo, estes, participado, juntamente com as
CDLs, no processo de elaboração dos primeiros Planos Distritais de
Desenvolvimento (PDD203), os quais foram concluídos em 1999. O CC
do distrito era composto por 24 a 30 membros e o do posto
administrativo por 60 a 80 membros, tendo funcionado dessa forma até
2005, momento em que se fez a sua reconstituição e expansão para os
níveis da localidade e da povoação, com base no Decreto 11/2005.
Os CCs, com o novo formato, começaram a operar em 2006 e o
seu mandato expirou em 2010. Assim, em 2011, o distrito de Angoche
procedeu à nova reconstituição dos CCs. A partir de 2006, os CCs de
Angoche passaram a estruturar-se e funcionar segundo normas nacionais
(Lei 8/2003 e Decreto 11/2005), isto é, obedecendo a metodologias e
critérios nacionalmente uniformizados. Nesse âmbito, para a seleção dos
membros dos CCP foram realizadas reuniões públicas com as
comunidades nas povoações, orientadas pela Equipa Técnica Distrital
(ETD) (GDA, 2011, 2011a).
Assim, depois de eleitos, os membros dos CCP elegeram entre si
aqueles que passaram a integrar o CCL, na sequência, os membros dos

201
Entrevista com GOV3, em 20/03/2013.
202
Entrevista com GOV3, em 20/03/2013. .
203
Designados, a partir de 2004, Planos Estratégicos de Desenvolvimento
Distrital (PEDD).
132

CCL elegeram entre si aqueles que passaram a integrar o CCPA e estes,


por fim, também entre si, elegeram os membros do CCD. As reuniões
nos níveis de localidade, posto administrativo e distrito foram orientadas
pelo administrador distrital, pelo secretário permanente, pelos chefes dos
postos administrativos e de localidades, apoiados pela Equipa Técnica
Distrital (ETD). Nesse contexto, foram reconstituídos: a) um CCD; b)
quatro CCPA; c) treze CCL; e, d) quarenta e oito CCP. O CCD possui
50 membros, o CCPA possui 40 membros, o CCL 20 membros e o CCP
10 membros. Nessa base, o distrito possui 480 membros dos CCP, 260
membros dos CCL, 160 membros dos CCPA e 50 membros do CCD.
No atual CCD, cerca de 60% dos membros estão cumprindo seu
primeiro mandato. Existem no CCD cinco comissões de trabalho, a
saber, infraestruturas, assuntos ambientais, administração, plano e
orçamento, assuntos sociais e assuntos econômicos (GDA, 2011,
2011b).
No que respeita à composição dos CCs, a legislação estabelece
que os presidentes destes órgãos têm o direito de convidar
personalidades influentes da sociedade civil a integrar o Conselho de
modo a assegurar a representação dos diversos atores e setores (artigo
118, Decreto 11/2005). Isto tem sido apontado como favorecendo o
clientelismo e o controle do mecanismo pelos representantes do Estado
localmente. Entretanto, em Angoche, os 50 membros do CCD são
provenientes dos CCs a partir da base, sendo que, havendo convidados,
estes não integram os 50 membros e nem têm direito de voto. As
decisões nos CCs de Angoche são predominantemente tomadas com
base no consenso, sem, no então, se excluir a votação onde o consenso
não é possível. De acordo com a legislação, a periodicidade das reuniões
dos CCs está fixada em duas reuniões por ano204, em todos os níveis,
contudo, durante as entrevistas, foi possível constatar que em alguns
CCP os encontros têm sido mais regulares, chegando a ocorrer
quinzenalmente (informação verbal205).
Todavia, mesmo reunindo com alguma regularidade, o CCP
enfrenta obstáculos para fazer avançar as suas deliberações, uma vez
que estas devem ser remetidas sequencialmente para os níveis
hierarquicamente superiores. Isto é, o CCP remete para o CCL, que
também remete para o CCPA e este para o CCD. Nesse processo ocorre
um desfasamento, entre a frequência de reuniões dos CCP e a dos outros
níveis (CCL, CCPA, CCD), que, normalmente, reúnem duas vezes ao

204
Decreto 11/2005.
205
Entrevista com MEMB1, em 26/03/2013.
133

ano. Esta estrutura de funcionamento aponta para uma situação


paradoxal, em que um mecanismo que busca a descentralização produz,
como resultado, uma estrutura de hierarquia centralizadora. Vide, no
quadro abaixo, a lista completa dos CCs do Distrito de Angoche.

QUADRO 2: Lista dos CCs do distrito de Angoche (mandato 2011-2014)


Nº Designação Membros Povoações/Localidade
do CC
01 CCD206 50
02 CCPA207 de Angoche-sede 40
03 CCL208 de Angoche-sede 20 Uala, Nivuthe, Muapala,
Napopué, Curuchiua
04 CCL de Sangage 20 Topa
05 CCL de Mutucute 20 Naine, Murrupo, Moria
06 CCPA de Aube 40
07 CCL de Aube-sede 20 Raul
08 CCL de Catamoio 20 Sultane/Farlah
09 CCPA de Boila-Nametória 40
10 CCL de Nametória-sede 20 Elale, Muchirima,
Naweia, Merrussa,
Mulenvua, Muarrue
11 CCL de Muchepua 20 Mupacaue, Muluco,
Murruco
12 CCL de Naiculo 20 Sequere, Nacori, Mova,
Muharipueia,
Nampeche, Pacai
13 CCL de Napruma 20 Napita, Mucula,
Mucuala
14 CCL de Prata 20 Magiua, Mucaquiua,
Thaca
15 CCPA de Namaponda 40
16 CCL de Namaponda-sede 20 Muthempua, Cucune,
Warica, Cupete,
Mepaco, Muthulama,
Mucuna, Maiva
17 CCL de Mepapata 20 Uarica, Nacuzupa,
Mucuna
18 CCL de Gelo 20 Gelo-sede, Nanjojo,
Nanluco, Natempo,

206
Conselho Consultivo do Distrito.
207
Conselho Consultivo do Posto Administrativo.
208
Conselho Consultivo da Localidade.
134

Muaine
19 Total 470
Fonte: GDA (2011a).

Apresentada esta breve contextualização, passamos, em seguida,


à análise dos dados, começando pelo desenho institucional, onde
consideramos aspectos como o processo de produção das regras, quem
são os atores dos CCs, critérios de participação (individual e/ou
coletiva), critérios de seleção dos participantes, regime de
funcionamento.
Em relação às regras que governam os CCs, conforme referimos
neste trabalho, estas foram produzidas pelo poder central (Estado) (não
são produto de construção coletiva), sendo de aplicação obrigatória em
todas as instituições participativas nacionais (CCs). Estas, além de não
serem produto de processos dialógicos entre os diversos atores
interessados, não conseguem captar as especificidades e dinâmicas
sociais locais, correndo o risco de comprometerem os resultados da
participação.
O exemplo de Angoche é ilustrativo nesse aspecto. Este distrito,
conforme fizemos referência, fez parte do grupo dos distritos da
província de Nampula, que acolheram a experiência piloto de
planificação distrital participativa, que depois inspirou o modelo que
está sendo usado atualmente em todo o país. Nessa experiência, os CCs,
segundo nossos entrevistados, funcionavam em forma de pirâmide, isto
é, tinham uma base larga, o que permitia maior participação no nível da
base, reduzindo, de certa maneira, o seu caráter representativo
(informação verbal209). Contudo, a lei aprovada nacionalmente trouxe
uma lógica meio em contramão das práticas locais no que diz respeito ao
formato institucional, uma vez que ela inverteu a pirâmide, passando a
ter uma base fina e topo largo, aumentando o peso da representação, o
que compromete a participação, considerando que maior nível de
participação na base amplia as possibilidades de inclusão e até de
efetividade e eficácia do processo participativo.
Em relação ao funcionamento dos CCs, a lei estabelece que suas
reuniões devam ser públicas (DECRETO 11/2005), sendo necessária a
publicidade de suas agendas e decisões, através de anúncios em lugares
públicos e em meios de comunicação. Entretanto, na observação
realizada, constatamos que nenhum destes itens é cumprido, as reuniões

209
Entrevista com ONG1, em 14/03/2013.
135

apenas são do domínio dos membros do CCs, o que os torna em


instituições restritas. Ainda nesse contexto e mesmo estando
estabelecido o seu caráter público, o pesquisador, para participar de um
dos encontros, teve que enfrentar um processo de votação, para decidir
sobre sua permanência ou não na sala onde decorria a reunião, isto
porque uma parte dos membros era contra a presença do pesquisador e
outra a favor, tendo, nisso, corrido o risco de ser impedido de presenciar
a reunião. No entanto, no final, a maioria votou pela permanência do
pesquisador na sala. Este episódio reforça a falta de abertura dos CCs, o
que levanta questões de transparência e até de legitimidade, mas
também pode ser revelador de alguma falta de conhecimento das regras
que governam a instituição, uma vez que nenhum dos membros se
referiu à lei e ao que ela estabelece nessa matéria.
No que respeita ao quesito participação nos CCs a lei privilegia
formas coletivas de participação, através de representantes, como líderes
comunitários, grupos de interesse de natureza econômica, social e
cultural, etc. Na composição do CCD (Conselho Consultivo do Distrito)
de Angoche predominam quatro grupos, a saber governo (12%),
camponeses (16%), sociedade civil (20%), e régulos (8%), sendo o resto
do percentual correspondente a uma representação dispersa, chamando a
atenção a presença da OMM (braço feminino da FRELIMO) e de um
secretário de célula deste mesmo partido, quando está implícito o caráter
apartidário dos CCs. Algumas questões, ligadas à representatividade,
merecem o nosso reparo em ralação aos números apresentados.
Primeiro, o fato de não existir representação dos pescadores,
tratando-se de um distrito litoral, com uma atividade piscatória
assinalável (a par da agricultura, são as atividades econômicas
predominantes no distrito). Segundo, a concentração de
representatividade no grupo da sociedade civil, com 20%, acima da
representatividade dos camponeses, que é o grupo social mais
representativo localmente. Por outro lado, a sociedade civil é um grupo
que está presente em apenas dois dos quatro postos administrativos que
compõem o distrito, portanto, com uma expressão global menor do que
a que revela a sua representatividade no CCD.
Ainda em relação à representatividade e na linha do que a
literatura aponta, o CCD de Angoche apresenta um percentual elevado
de grupos ligados ou sob a influência do governo e do partido no poder,
o que indica, de alguma forma, a influência do partido FRELIMO no
CCD.
Dito de outra maneira, se somarmos os 12% dos representantes
do governo, aos 8% dos régulos e aos 20% da sociedade civil (esta é
136

composta por pessoas que exercem algum ativismo cívico, mas


associado ao partido no poder, pelo que, são aqui considerados como
estando sob a influência da FRELIMO, tal como os régulos), teríamos
um percentual de 40% de grupos representando o governo e/ou sob a
sua influência e do partido no poder. Podemos ainda somar os 4% da
OMM (ala feminina do partido no poder) e o percentual de membros do
CCD com ligações mais ou menos discerníveis ao partido no poder seria
de 44%.
Um dado interessante em relação à representatividade tem a ver
com o nível de escolaridade dos membros do CCD, como foi
apresentado no perfil. O que sucede é que para um distrito com uma taxa
de analfabetismo de 67%, apresentar membros de seu CCD com níveis
de escolaridade como os apresentados nos CCs, pode significar que
existem grupos significativos de pessoas que estão sendo excluídas do
processo por carecerem de instrução escolar, ou por serem analfabetas,
até porque na ultima seleção para membros dos CCs houve orientação
(não formal) para que se elegessem pessoas que soubessem ao menos ler
e escrever.
Outro aspecto que nos chama atenção, ao analisar os dados, é o
fato de a representatividade através de grupos, conforme está legislado,
não encontrar expressão no CCD de Angoche. Com a exceção dos
representantes do Estado/governo, líderes comunitários (régulos,
secretários de bairro e outros), mais uma ou outra associação, a maioria
dos membros do CCD não se acha vinculado a nenhum grupo de
interesse específico, participando como representantes da comunidade
na sua globalidade, fato que pudemos constatar a partir das entrevistas
(os entrevistados que não exerciam funções de liderança na comunidade
responderam que estavam ali representando sua comunidade e não
grupos). Os nossos entrevistados ainda se mostraram satisfeitos com a
composição do CCD e com a metodologia usada na tomada de decisões
(consenso e voto), o que, de acordo com eles, permite que sejam
escutados (se não concordam as decisões não avançam, argumentam).
No que respeita ao estabelecimento de prioridades das
necessidades e demandas, estas são negociadas nos diversos níveis dos
CCs (desde a povoação, passando pela localidade, posto administrativo,
até o distrito, onde é feita a última priorização e respectiva
homologação). A questão que emerge daqui está no fato de o governo
do distrito deter a prerrogativa de decidir, em última instância, fora do
alcance do CCD, que prioridades atender em cada plano anual, em
função da disponibilidade orçamentária. Portanto, o planejamento
137

realizado pelos CCs é feito sem orçamento, como mencionado neste


mesmo trabalho.
No seguimento da nossa análise, olhamos para os critérios de
seleção dos membros do CCD, tendo apurado que esta é feita através de
eleição, embora a legislação não seja específica em relação a esse
aspecto, em Angoche o processo é por eleição, conforme pudemos
confirmar através das entrevistas, todos afirmaram que tinham sido
eleitos pelas suas comunidades.
Em relação aos mandatos, a sua duração está fixada em quatro
anos, com possibilidade de revalidação ilimitada210. Esta é uma situação
que pode não favorecer a necessidade de ampliação da participação, isto
é, no sentido de ir incluindo mais pessoas, podendo inclusive produzir
um grupo intermediário especializado, como sucede com os políticos
profissionais. É certo que há o potencial de aprofundar o aprendizado
cívico e político, mas o potencial de gerar externalidades negativas é
maior, como a integração e acomodação em estruturas burocráticas e
clientelistas, reproduzindo o modelo convencional.
Como apontamos ao descrever o desenho institucional do CCD
de Angoche, 38% de seus membros estão cumprindo entre 2º e 3º
mandato, o que representa um número bastante expressivo,
considerando que cada mandato tem quatro anos, e coloca obstáculos á
necessidade de rotatividade. Também referimos que os CCs têm a
periodicidade de suas reuniões fixada em duas ao ano, o que é muito
pouco significativo para uma instituição que se pretende propositiva e
impactante nas políticas locais de desenvolvimento. Além de realizarem
duas reuniões ao ano, cuja duração não além de seis horas por dia, os
membros não têm acesso antecipado à documentação (muitas vezes é
distribuída no dia da reunião) que vai ser discutida. Referir que esta
duração, para uma instituição que vá discutir problemas de
desenvolvimento e com uma frequência tão baixa, é insignificante.
Por outro lado, a distribuição dos documentos para discussão no
dia e na hora das sessões é outro limite importante, uma vez que os
participantes não têm possibilidade de examinar de maneira detalhada os
assuntos em pauta, o que condiciona a sua capacidade de participação.
Aqui prevalece a velha máxima de que “informação é poder”. Portanto,
a constatação é que o desenho institucional apresenta alguns limites,
particularmente no que respeita à inclusão e controle de agendas
(sabendo-se que estes mecanismos são presididos pelos representantes
do Estado em cada nível territorial).
210
DM 67/2009.
138

Em seguida, estaremos analisando o compromisso governamental


para com o CCD. Para isso, buscaremos compreender o lugar que o
CCD ocupa na estrutura administrativa do distrito, o envolvimento do
executivo nas várias atividades do CCD, o montante de recursos
destinados à viabilidade do processo participativo; o comprometimento
com a realização das obras; a promoção de cursos de capacitação dos
membros.
Em relação ao lugar do CCD na estrutura administrativa,
depreende-se que, formalmente, este assume lugar de destaque, uma vez
que a lei estabelece que os planos de desenvolvimento distrital sejam
elaborados com a participação da população residente através dos CCs,
devendo, os órgãos locais do Estado, assegurar a participação de todos
os segmentos sociais na formação das decisões que lhes digam respeito
(artigos 100º e 103º, DECRETO 11/2005).
Contudo, na prática e a partir de nossas entrevistas com agentes
públicos, pudemos constatar a existência de outras formas de diálogo
entre o Estado e sociedade, quais sejam as reuniões com líderes
comunitários e religiosos (realizadas trimestralmente) e com acadêmicos
(também realizadas trimestralmente) (informação verbal211). Também
importa ressaltar o impacto dos planos nacionais sobre a planificação
local, os quais se manifestam através dos serviços distritais212, cujos
planos interferem de forma bastante significativa na estrutura local de
planificação participativa. Os encontros com os líderes comunitários e
religiosos ocorrem a coberto do decreto 15/2000, onde, no seu artigo 2º
estabelece, claramente, que, “no desempenho das suas funções
administrativas, os órgãos locais de Estado deverão articular com as
autoridades comunitárias, auscultando opiniões sobre a melhor maneira
de mobilizar e organizar a participação das comunidades locais, na
concepção e implementação de programas e planos econômicos, sociais
e culturais, em prol do desenvolvimento local”.
Enquanto isso, os encontros com os acadêmicos revestem-se mais
de caráter informal. Atentando-nos à periodicidade das reuniões, tanto
dos CCs, quanto dos líderes comunitários e religiosos e ainda dos
acadêmicos, os CCs (órgão participativo mais importante, pelo menos
teoricamente) são a instância que reúne menos vezes por ano (duas).

211
Entrevista com GOV1, em 04/04/2013.
212
Serviço Distrital de Planificação e infraestrutura, Serviço Distrital de
Atividades Econômicas, Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia,
Serviço Distrital de Saúde, Mulher e Assistência Social. Todos eles constituem
o desdobramento local de instituições centrais (ministérios).
139

Portanto, as outras formas de interação da sociedade com o Estado


reúnem trimestralmente, dispondo, por isso, de maiores probabilidades
de participar de forma mais ou menos contínua na construção das
políticas locais de desenvolvimento. No mínimo há aqui uma
contradição, uma vez que a legislação outorga aos CCs centralidade no
processo de planificação do distrito, sendo que na prática observa-se a
existência de outros mecanismos em melhor posição de intervenção na
gestão das políticas públicas no nível local.
A questão da disponibilidade de recursos para a viabilização dos
CCs é bastante problemática. Atualmente não existe orçamento
específico para funcionamento destas instituições, embora a legislação
estabeleça que os distritos devam inscrever nos seus orçamentos verbas
para o efeito213. Esta ausência de orçamento pode ser interpretada como
sendo resultado de baixo nível de compromisso do executivo para com
os CCs, tanto no nível distrital, quanto no provincial e nacional. No
nível do distrito, o executivo, por não achar os CCs prioritários,
simplesmente não inscreve as verbas no seu orçamento, ou, quando o
faz, o executivo provincial (que é quem decide sobre o orçamento do
distrito) entende o contrário e corta a verba inscrita pelo distrito.
Contudo, pensamos que o executivo nacional poderia ir além de
simplesmente permitir (autorizar) que os distritos inscrevessem verbas
para o funcionamento dos CCs, isto é, podia fixar uma parcela
específica do orçamento para esse fim (como sucede com as
Assembleias Provinciais214), sabendo-se que quase a totalidade do
orçamento das províncias e dos distritos provém de transferências feitas
a partir do nível central (Angoche em 80%215), estando, este, por isso,
em melhores condições de impulsionar as instituições de participação.
Até 2005, havia um orçamento (designado Fundo de
Desenvolvimento Distrital – FDD) que financiava os processos e as
atividades, isto é, os investimentos que eram decididos nos CCs. Este
fundo era financiado pelos diversos parceiros de cooperação, que

213
DM 67/2009.
214
São órgãos colegiais eletivos, compostos por organizações políticas, e
operam no nível da província, com a missão de fiscalizar o governo provincial.
Entretanto, são órgãos cuja legitimidade e eficácia tem sido questionada.
Questiona-se a sua relevância no contexto de um sistema político centralizador,
em que, mesmo sendo eleitas, a sua função é de fiscalizar o executivo
provincial, o qual é nomeado pelo governo central, que, por sua vez, tem a
possibilidade de dissolvê-la, caso reprovem duas vezes o plano provincial.
215
GDA, 2011b.
140

estavam apoiando o processo de descentralização (em Nampula, eram o


PNUD, a Embaixada da Holanda e a Suíça).
A partir de 2006, o processo de planificação participativa passou
a realizar-se sem vinculação orçamental, recebendo as respectivas
dotações apenas após o processo de planificação ter sido concluído, o
que faz com que muitas vezes os planos (PESODs) sejam irrealistas e de
realização quase impossível. Além de as dotações orçamentais
praticamente nunca cobrirem os planos, o conteúdo destes reflete menos
de 50% da planificação local participativa216, cabendo, a maior
porcentagem do conteúdo, às agências públicas setoriais no distrito.
Uma das consequências disto é que o cumprimento das metas fixadas
nos planos (PESODs) se situa, em média, abaixo de 50% (AMODE,
idem). Portanto, o fim do financiamento direto das atividades de
planificação distrital participativa e sua vinculação ao orçamento geral
do Estado, via distrito, fez com que se perdesse parte da capacidade de
resposta às demandas e prioridades das comunidades, uma vez que estas
passaram a diluir-se num plano maior e global do distrito, com um
orçamento não especificamente vinculado.
Na sequência, em 2010, o governo moçambicano, defendendo a
necessidade de promover maior transparência nas atividades de
descentralização, transformou os projetos regionais de descentralização
em programa nacional, o Programa Nacional de Planificação e Finanças
Descentralizadas (PNPFD), centralizando a gestão do processo. Estas
ações do governo também são vistas em como estando associadas ao
baixo compromisso governamental para com a descentralização. O
Banco Mundial (atual maior contribuinte do PNPFD), por exemplo,
argumenta que a participação foi sempre prioridade nos programas de
desenvolvimento local, no entanto, as evidências revelam resultados não
satisfatórios e atitudes como a de centralização da gestão da
descentralização revela que o país ainda não está preparado para abrir
espaços mais autônomos de desenvolvimento local (informação
verbal217), o que não favorece o empoderamento local. Não encontramos
nenhum relatório do Banco Mundial sobre a avaliação da
descentralização no país, com enfoque no CCs. Mas, em avaliação feita
em 2009, sobre o desempenho dos municípios (que é uma das duas

216
Entrevista com ONG1, em 14/03/2013. Para a Holanda, através de sua
Embaixada em Maputo, o processo de participação não alimenta os planos, isto
é, os planos distritais não são o resultado dos processos participativos
(entrevista em 07/05/2013).
217
Entrevista com PCI2, em 07/05/2013.
141

formas de descentralização seguidas no país), o Banco Mundial aponta


como alguns dos principais problemas da governança local os limites à
participação e a fraca accountability, associados, sobretudo a fraqueza
da sociedade civil e a fraca institucionalização de mecanismos de
prestação de contas, ao mesmo tempo em que refere que exemplos,
como o orçamento participativo no Brasil e o planejamento participativo
na Índia e Filipinas poderiam servir como modelos a seguir (WORLD
BANK, 2009).
A análise do compromisso do executivo para com a realização
das obras é algo que se torna bastante complicado, uma vez que a
planificação participativa não gera um plano de atividades independente,
além de não estar associado a um orçamento específico. Ou seja, as
necessidades e demandas geradas a partir da planificação participativa
são integradas nos planos e programas gerais de desenvolvimento
distrital, sendo resolvidos gradualmente, dentro das capacidades
orçamentais218. Contudo, as entrevistas com os membros dos CCs
revelam que estes, embora em alguns casos tenham demandas pendentes
(sem resposta do executivo) há mais de dois anos, classificam como
sendo satisfatório o desempenho dos CCs, bem como a resposta do
executivo às demandas das comunidades. No seu entendimento, os CCs
estão permitindo que os seus problemas sejam ouvidos e atendidos pelo
executivo.
Em relação à capacitação, constata-se a ausência de planos e
programas estruturados e contínuos para os membros dos CCs. Existe
alguma capacitação assegurada pelo executivo e ONGs (parceiras do
executivo, trabalhando na assistência às comunidades e no
desenvolvimento de capacidades para exercício da cidadania), no
entanto, ainda muito distante daquilo que seria desejável para fortalecer
as capacidades e desempenho dos membros dos CCs. O setor de
planificação do distrito, responsável pelo treinamento, reconheceu, na
reunião do CCD (realizado no dia 05/04/2013), na qual o pesquisador
participou que a capacitação estava centrada no nível do posto
administrativo (isto é, não inclui a localidade e a povoação). Este ponto
foi levantado pelo fato de alguns membros do CCD terem cobrado a
falta de capacitação. Nesse contexto, o administrador referiu a
necessidade de capacitar todos os níveis dos CCs, tendo sido assegurado
que tal iria suceder nas atividades de 2014, uma vez que já havia
recursos disponíveis para o efeito, através do Programa Nacional de
Planificação e Finanças Descentralizadas (PNPFD).
218
Entrevista com GOV1, em 04/04/2013.
142

Ainda em relação à capacitação, constatamos que cinco dos nove


entrevistados não tinham tido qualquer capacitação e que estes fazem
parte do grupo com menos anos de mandato, isto é, até três anos.
Enquanto os membros mais antigos, com mais de três anos de mandato,
revelaram ter tipo algum tipo de capacitação. Isto revela uma
descontinuidade bastante acentuada na capacitação dos membros e
significa que os mesmos estão se encaminhando para o final do mandato
(que é de quatro anos) sem terem tido acesso a qualquer forma de
capacitação. É uma situação que fragiliza ainda mais as possibilidades
de desempenho positivo destes atores nas instâncias de participação.
Alguns dos entrevistados entendem que a capacitação deve ser
permanente e contínua, uma vez que ela condiciona o seu desempenho
nos CCs. Nas suas palavras “... a outra questão, agora que já não temos
ONGs no distrito não temos capacitação dos membros, como acabei de
dizer na sua maioria são recém-eleitos, então, precisam de capacitação.
Nós os outros tínhamos capacidade de capacitação porque tinha SNV e
outros219”, ou, “o que vou pedir é que o nosso governo tivesse maneira
de nos capacitar220”. Nesse sentido, o entendimento é que a capacitação,
além de ser permanente e contínua, devia ser direcionada para todos os
níveis de atores envolvidos com os CCs, tanto do lado do executivo,
quanto do lado da sociedade, o que permitiria que todos tivessem a
mesma base de entendimento sobre as instituições de participação, além
de fortalecer as instituições de participação.
Buscando aferir o conhecimento dos membros dos CCs sobre os
dois principais instrumentos em que assenta o processo de planificação
distrital, questionamos aos nossos entrevistados se conheciam o PEDD e
o PESOD, tendo obtido sete respostas afirmativas (isto é, que
conhecem) e duas negativas. Dos sete que responderam que conheciam
ou já tinham ouvido falar, cinco responderam que já tinham participado
na sua elaboração e os restantes quatro não. Aqui, tal como sucedera em
relação à capacitação, os membros que responderam que conheciam os
instrumentos e já tinham participado de sua elaboração são aqueles que
estão cumprindo mandato há mais de três anos. É verdade que o último
PEDD (cobre um horizonte temporal de cinco anos) foi elaborado em
2010, antes da entrada em vigor dos atuais mandatos dos CCs, os quais
apenas começaram a vigorar a partir de 2011.
Entretanto, é estranho que estes membros não conheçam e nem
tenham mantido contato com o PESOD, que é o documento que orienta

219
Entrevista com MEMB7, em 27/03/2013.
220
Entrevista com MEMB6, em 27/03/2013.
143

as atividades anuais do distrito. De acordo com a legislação, o PESOD


não somente é elaborado de forma participativa, envolvendo os CCs,
como também estes são responsáveis pela sua aprovação, isto é, apenas
pode ser implementado depois que for aprovado no CCD, de acordo
com a legislação. Os membros que responderam que não conhecem e
nunca ouviram falar do PEDD, ou do PESOD são dos CCs abaixo do
CCD, o que pode estar indicando que esses CCs não participam
devidamente nos processos, ou a confirmação de que os CCs funcionam
de forma regular apenas nos níveis do distrito e do posto administrativo,
conforme constatação de Forquilha e Orre (2012). O fraco domínio dos
principais instrumentos de planificação participativa local (PEDD e
PESOD) também é um dos principais indicadores do impacto da
ausência ou fraco nível de capacitação.
Nas entrevistas procuramos também compreender, a partir da
perspectiva do governo local, o entendimento sobre os CCs, isto porque
pensamos que a forma como o Estado pensa e concebe a participação
localmente é fundamental para o desempenho destas instituições, até
porque vários estudos apontam que a personalidade do administrador
distrital (que é a pessoa que lidera todo o processo de participação) tem
sido determinante no desempenho dos CCs. Nesse sentido, procuramos
saber qual era a importância dos CCs no contexto da planificação
distrital. A resposta foi que os CCs eram fruto de uma nova abordagem
na planificação, feita a partir da base e não do topo para a base, o que
permite conhecer melhor as necessidades das comunidades, através da
consulta221. Daqui ressalta o fato de olhar-se para os CCs como espaços
de canalização de demandas, onde as comunidades solicitam e o Estado
responde em função de suas capacidades financeiras, o que não
considera a possibilidade de transformação das relações básicas entre o
Estado e a sociedade, em que ambos passam a atuar como parceiros
numa gestão pública partilhada, promovendo transparência e
accountability.
Por outro lado, colocamos a mesma questão aos membros dos
CCs, para obtermos o seu entendimento sobre a importância de que se
revestem estas instituições. Interessante notar que todos os entrevistados
responderam na mesma perspectiva do governo do distrito, isto é,
permite ouvir as comunidades e fazer chegar as suas necessidades e
demandas ao governo, bem como fazer chegar as preocupações do
governo às comunidades. Também não se revela na fala dos
entrevistados qualquer necessidade de aprofundar a transformação
221
Entrevista com GOV1, em 04/04/2013.
144

dessas relações entre o Estado e a sociedade, trazendo aspectos como


transparência, fiscalização, accountability, etc.
Esta visão, associada às respostas de que o desempenho dos CCs
e as respostas do governo às suas demandas são satisfatórios, conduz-
nos à conclusão de que os CCs, como arenas de participação,
correspondem às expectativas que os participantes depositam nelas, isto
é, há uma percepção de eficácia política. Todavia, importa olhar para
outros fatores que possam contribuir para aprofundar o entendimento em
relação ao desempenho dos CCs, particularmente quando as
informações apontam que o conteúdo dos planos distritais reflete menos
de 50% da planificação participativa local e que o nível de realização
desses planos, em média, não ultrapassa 50% das atividades
programadas.
Nesse sentido e tentando desconstruir a visão dos participantes,
podemos, por exemplo, nos reportar à história de um Estado bastante
centralizador, onde qualquer espaço de participação que se abra se torna
significativo, algo que se pode extrair da fala de um de nossos
entrevistados ao afirmar,

Nós antigamente não tínhamos acesso de ter um


sítio como esse para podermos colocar o que é
que nós somos, o que é que a comunidade é, nós
não tínhamos. Mas com a abertura dos conselhos,
temos acesso mesmo, temos direito e colocamos
qualquer preocupação, não temos qualquer
problema. E nosso problema sai resultado, nós
quando temos problema e vamos colocar o distrito
resolve de imediato, dentro das suas
possibilidades. Aquilo que ele não resolve não
porque está a resolver tudo, pelo menos aquilo
que tem possibilidade resolve tudo de imediato222.

Portanto, olhando para o ponto de partida, em que não havia


nenhuma abertura, qualquer espaço é significativo. Mas também, tais
posições podem indiciar algum tipo de proximidade, ou afinidade dos
participantes com o partido no poder. Por outro lado, podem ser
posições enviesadas pela condição de algum privilégio de que gozam os
participantes dos CCs, o qual está associado ao acesso a recursos, via
FDD. Os membros dos CCs são os responsáveis pela gestão e
distribuição desses recursos, decidindo sobre os projetos a serem

222
Entrevista com MEMB5, em 27/03/2013.
145

financiados por este fundo, situação da qual acabam por tirar vantagens
e benefícios.
Os CCs, a partir da introdução do FDD, em 2006, passaram a
centrar mais as suas atividades em torno de questões relacionadas com
estes recursos, desviando-se, inclusive, como já o mencionamos, das
atividades relativas à planificação do desenvolvimento local.
Nesse ponto, o distrito de Angoche confirma as constatações que
têm sido feitas por outros estudos (ORRE; FORQUILHA, 2012). Tanto
na avaliação das pautas constantes das atas, quanto na observação
participante, constatamos que as questões referentes ao FDD ocupam
grande parte das reuniões dos CCs, sendo que, no caso da observação
participante, através da participação em três reuniões nos níveis de
localidade, posto administrativo e distrito, o FDD (aprovação dos
projetos a financiar) constituiu a única pauta da reunião. Esta é uma
realidade também referida pelo Banco Mundial223, o qual entende que,
com o FDD, o foco dos CCs deixou de ser a discussão sobre
investimentos locais. Mas também, esta posição é partilhada por alguns
setores do governo, que, inclusive, se mostram preocupados com o
crescente enfoque dos CCs no FDD, em prejuízo de outras atividades.
Segundo nosso entrevistado224

[...] nesse conjunto de existência do FDD, as


pessoas ficam mais ligadas naquele fundo, deixam
de identificar algumas atividades, como o projeto
de desenvolvimento social local. Então, esta
maneira de trabalhar não esta catolicamente boa,
porque não podíamos estar a olhar como fonte
este dinheiro, sete bis, que olhar as nossas
atividades, o que nos falta nós para fazer, o que
teríamos feito. Então, isto é que está a faltar na
consciência dos membros [...] primeira coisa, ser
membro do conselho consultivo, pensa que é o
órgão de aprovação desse dinheiro [...].

É verdade que este fundo também trouxe outra dinâmica em


termos de interesse pela participação por parte do cidadão, contudo, esta
busca é mais no sentido dos ganhos que representa o fato de ser membro
do CC e não tanto pela consciência da necessidade de envolvimento no
desenvolvimento local.

223
Entrevista com PCI2, em 7/05/2013.
224
Entrevista com GOV3, em 20/03/2013.
146

Por último, temos o terceiro elemento do tripé, isto é, a tradição


associativa, que se apresenta como sendo a variável mais complexa e de
difícil leitura. Entretanto, como constatamos em relação ao país na sua
globalidade, o distrito de Angoche também apresenta fraca densidade e
diversidade associativa. Embora existam práticas associativas de
natureza cultural, de ajuda mútua e, particularmente, as de natureza
camponesa, isto é associações camponesas, o seu impacto, como fatores
constitutivos de valores, atitudes e comportamentos cívicos orientados
para uma vida pública ativa (na perspectiva tocquevilleana e de
Putnam), não é significativo, o que se pode concluir também a partir da
análise da composição dos CCs.
Foi referido, neste trabalho, que a representação nos CCs não se
acha muito vinculada a formas específicas de associação coletiva, como,
por exemplo, associações de camponeses, de pescadores, ou de qualquer
outra natureza. O registo dos participantes dos CCs não revela
predomínio de formas coletivas de representação, assim como os
próprios participantes não se identificam com tal perspectiva, admitindo,
regra geral, que estão lá em nome da comunidade. Como ocorre no resto
do país, as relações que predominam entre o Estado e a sociedade são de
natureza vertical e paternalista, algo que é produto da história do país,
conforme tem sido descrito ao longo deste trabalho.
Os padrões associativos que caracterizam o contexto
moçambicano questionam de alguma maneira a perspectiva
tocquevilleana e de Putnam. Por um lado, temos uma sociedade civil
muito mais ancorada em agendas externas e, tal como o país,
dependente do exterior para sua manutenção e desenvolvimento,
portanto, com pouca ou nenhuma capilaridade social, mas também esta
sociedade civil apresenta um déficit significativo de autonomia em
relação ao Estado. Ambos os fatores afetam a sua capacidade de se
assumir como elemento de pressão para transformação das relações
entre o Estado e a sociedade. Por outro, temos uma sociedade tradicional
cujos padrões de organização não são em nada semelhantes aos
ocidentais. Nestas sociedades, as relações verticais e hierárquicas
(diferente da perspectiva tocquevilleana e de Putnam) não são um
desvio, mas sim padrão e os seus sistemas de confiança e de
solidariedade (capital social) constroem-se muito na base das relações
tribais.
Assim, levando em conta o modelo de análise proposto neste
estudo, a nossa constatação é que a participação em Moçambique ocorre
em um contexto marcado por uma fraca combinação entre as variáveis
desenho institucional, compromisso governamental e tradição
147

associativa, uma situação que coloca muito mais limites que


possibilidades de promoção de mudanças sociais significativas através
das arenas de participação. Recorrendo a Luchmann (2006), a questão
que se põe é que, mesmo a combinação ótima entre estas variáveis,
parece ainda insuficiente para responder aos desafios de promoção de
transformações significativas da realidade social pelas instâncias
participativas.
148

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar as possibilidades e limites de instâncias participativas


como os CCs, em Moçambique, num contexto permeado por fatores
como pobreza, analfabetismo, autoritarismo, centralismo, etc., é uma
missão bastante desafiadora, que se torna muito mais, pela aplicação dos
recursos teóricos mobilizados neste trabalho (os quais foram concebidos
para explicar sociedades com contextos diferentes dos que caracterizam
Moçambique). Não obstante essas limitações, foi a partir desses recursos
que este estudo buscou fazer aproximações que ajudassem na
compreensão de mecanismos tão melindrosos, como são as instâncias de
participação.
O contexto histórico, social e político, moçambicano, acabaram
por conferir um peso maior ao compromisso governamental na
explicação do desempenho dos CCs em Moçambique. Essa situação
deve-se ao fato de as regras e/ou normas que governam estas instituições
participativas, diferente do que acontece no Brasil, serem de criação
exclusiva do Estado, de aplicação nacional, obrigatória e uniforme, isto
é, não resultam de processos dialógicos, com base em cooperação e
negociação, buscando acordos e consensos, como argumentam as
premissas das teorias democrático-participativas. Portanto, estas não
resultam de um padrão de mobilização e organização social, uma
ausência que reflete, em parte, a baixa densidade associativa, mas
também o centralismo político do Estado em Moçambique. Nisso, se
acordos e consensos envolvendo a partilha de poder (como o exigem as
arenas participativas) é algo difícil em quaisquer circunstâncias,
certamente, que é muito mais difícil em sociedades como a
moçambicana, que sofre patamares de formação convulsionada, na
busca de se constituir como Estado-nação. Este é um ponto de partida
que já começa questionando as nossas ferramentas analíticas.
Em função do acima exposto, o resultado foram instituições
participativas (CCs) em forma de pirâmide invertida, tornando-as mais
representativas do que participativas, o que coloca grandes desafios e
limites à necessidade de inclusão e de ampliação da participação no
processo de desenvolvimento local.
Além de resultar na pirâmide invertida, os CCs sugerem uma
extensão das instituições públicas, sobretudo, por conta da posição
central dos agentes do Estado dentro dos CCs, tanto na
institucionalização, quanto na direção dos CCs. Embora haja correntes
que defendam a importância do poder do Estado como fator para a
manutenção do equilíbrio no interior das arenas participativas e ainda
149

para o fortalecimento destes processos, a posição central dos atores


estatais na institucionalização e direção dos CCs apresenta, em muitos
casos, como demonstrado neste estudo, resultados contrários, do ponto
de vista destas correntes. Isto significa que, no caso dos CCs, os atores
estatais, muitas vezes, em vez de desempenharem um papel de
fortalecimento dos processos participativos, buscam, entre outras coisas,
assegurar o controle dos mesmos, interferindo nas suas agendas (por
essa via garantem também a participação de grupos sob sua influência
ou controle, afetando negativamente a inclusão e a representatividade
nos CCs).
Por outro lado, a constatação é que os CCs ocupam um lugar
marginal no contexto da gestão pública local. Esta constatação apoia-se
em três fatores, que permitem aferir de maneira bastante significativa o
nível de compromisso governamental para com os CCs. Os fatores em
referência são a periodicidade das sessões, o orçamento de que dispõem
e a relação que estabelecem com a Presidência Aberta Inclusiva (PAI).
Em relação à periodicidade, foi referido que os CCs realizam
duas sessões por ano, o que é manifestamente insignificante para
qualquer instituição impactar um processo de gestão de políticas
públicas (desenho, aprovação e acompanhamento do plano de
desenvolvimento local). Essas duas sessões tornam-se muito mais
questionáveis se consideramos, para o caso de Angoche, que existem
outras instituições que se reúnem de forma mais regular que os CCs no
distrito, como são os casos dos encontros do executivo do distrito com
os líderes comunitários (trimestralmente), com os acadêmicos (também
trimestralmente) e ainda o próprio executivo distrital que realiza
reuniões mensais, nas quais decisões importantes sobre o
desenvolvimento local são tomadas, deixando os CCs à margem.
O segundo aspecto é relativo à falta de orçamento destinado aos
CCs (tanto para funcionar, quanto para realizar os planos de suas
atividades), o que retira consistência e capacidade a estas instituições.
A PAI é o terceiro fator que, embora seja informal (por não ser
regulado por nenhuma norma específica), funciona como um processo
paralelo de planejamento a partir do centro (poder central). Este
mecanismo atravessa as instituições locais e tem um impacto perverso
sobre elas e sobre o planejamento local, uma vez que interfere nas suas
agendas, planos e programas, ao mesmo tempo em que aumenta a
influência do executivo central nessas instituições, além de marginalizar
os processos locais de planejamento.
Portanto, a partir da leitura dos fatores, acima expostos, a
conclusão é que os CCs, na prática, encontram-se bastante longe de se
150

assumirem como instituições centrais no processo de planejamento do


desenvolvimento local, contrariando o disposto na legislação. Isto traduz
também um fraco compromisso governamental em relação ao
aprofundamento da participação.
Perante isso, a principal constatação é que, atualmente, o formato
dos CCs, além de não favorecer a inclusão, efetividade e eficácia do
processo participativo, também diminui a importância da instituição
participativa como um vetor de transformação social e espaço público
deliberativo. Conforme vem sendo apontado por outros estudos, os CCs
mostram-se incapazes de transformar significativamente as relações
entre o Estado e a sociedade, baseadas nos pressupostos da democracia
representativa, construindo modelos que se assumam como verdadeiras
propostas alternativas, que democratizem os espaços públicos,
assegurando o controle social da gestão pública e empoderando a
sociedade.
Entretanto, vale ressaltar que existem aspectos positivos neste
processo. A institucionalização de espaços formais de participação (o
que assegura previsibilidade e estabilidade dos mecanismos
participativos) é por si só um ganho significativo, levando em conta o
ponto de partida e toda a história do país, marcada pela centralização e
pouca abertura política. Mas também a existência destas instituições de
participação pode favorecer o desenvolvimento de uma cultura cívica e
política maior nas comunidades locais, a socialização com processos
burocrático-administrativos estatais, a inclusão política, etc. Esta é uma
ideia partilhada por países como a Holanda (um dos parceiros de
cooperação internacional com longa história de apoio ao processo de
descentralização, trabalhando, sobretudo na província de Nampula), o
qual, embora não faça uma avaliação dos resultados do processo de
descentralização no seu todo, revela existirem muitos elementos
positivos e que são, por isso, motivos de satisfação. Entre os elementos
positivos apontados destacam-se o fato de a experiência piloto da
província de Nampula ter conduzido a um programa nacional de
descentralização, além da influência que esta experiência teve na
produção da lei dos órgãos locais do Estado (LOLE – 8/2003). Mas
também reconhece que falta efetividade aos espaços de participação.
Todavia, vale lembrar também que a participação é uma
experiência bastante recente em Moçambique, com menos de 10 anos de
existência, pelo que ainda terá muitos desafios pela frente. Desse modo
e considerando que há uma percepção de eficácia política dos CCs por
parte de seus membros, pode ser que estas instituições se encaminhem,
151

com o tempo, para níveis que permitam concretizar o seu potencial


democratizante.
Contudo, para que tal ocorra, entendemos que é preciso romper
com a lógica que governa as instituições participativas, onde
predominam relações do tipo carente (sociedade) e benfeitor (Estado),
isto é, existe a necessidade de ir além da discussão de necessidades e
demandas, a serem atendidas pelo poder público, passando para uma
situação em que se discutam opções políticas estruturantes, como, por
exemplo, o entendimento sobre o desenvolvimento a partir da
perspectiva das comunidades e da sociedade civil e como elas
interpretam os caminhos para lá chegar. Nesse sentido, é importante
uma orientação que busque a ampliação dos atuais modelos
participativos, promovendo-se relações fundadas em verdadeira
cooperação e gestão pública efetivamente partilhada, entre o Estado e a
sociedade.
Por outro lado, e levando em conta todas as constatações em
torno de nosso estudo, uma questão nos parece incontornável, ou seja,
será que as teorias democrático-participativas são aplicáveis em
contextos de Estados ainda em formação, como é o caso de
Moçambique e muitos outros Estados africanos, não seriam estas mais
adequadas para Estados estabilizados, com instituições já criadas e
sólidas? Tem como promover participação sem descentralizar, ou
descentralizar sem partilhar poder? Então, eis os dilemas que
Moçambique enfrenta, tal como muitos países africanos. A sua condição
de Estado em construção, com todas as crises inerentes (guerra colonial,
guerra civil, transição do socialismo para o capitalismo e ainda a
modernização – ainda prevalece a dicotomia tradicional/moderno),
impele-o à tendências de centralização política, ao mesmo tempo em
que é confrontado com pressões (internas e externas) pela
descentralização. Como descentralizar e partilhar poder em uma
sociedade que ainda não se curou das mazelas da guerra civil, com
ressentimentos e desconfianças presentes. Como promover o
empoderamento local nestas sociedades em formação e baseadas em
outros padrões de organização que não os europeus.
Para os pesquisadores, o desafio pode estar precisamente aqui, a
busca de teorias que possam explicar realidades como a moçambicana,
oferendo alternativas que permitam ir além do mero procedimento
participativo formal.
Posto isto, resta-nos propor algumas vias para seguir explorando
o vasto campo de estudos nesta área específica da democracia
participativa. Algumas das abordagens poderiam ser direcionadas para
152

avaliar o impacto dos CCs na cultura política e cívica das comunidades


e da sociedade civil, em geral, isto é, até que ponto estes espaços
contribuem na promoção do aprendizado político dos cidadãos e no
desenvolvimento de uma consciência maior de cidadania. Estudos sobre
o nível de inserção destas instituições no cotidiano das comunidades,
também seriam relevantes para ajudar a compreender as suas
possibilidades e limites. Também seria útil a ampliação do entendimento
do papel das autoridades comunitárias, como agentes intermediários
entre o Estado e a sociedade, e como isso impacta a agência coletiva e
individual nas comunidades. Não pretendemos elaborar uma lista
exaustiva sobre os possíveis estudos nesta área, pelo que não nos
alongaremos neste aspecto.
153

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http://www.mozambique.mz/pdf/constituicao.pdf, acesso em
20/10/2011.

_________________________________________________ 1990.
Assembleia da República, 02 de Novembro de 1990, publicada no BR, I
Série, n. 048, 3.º Suplemento, de 29/11/1990.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE


1975. Assembleia Popular, 25 de Junho de 1975, publicada no BR, I
Série, n. 001, de 25/06/1975.
167

DECRETO 11/2005. Regulamenta a Lei 8/2003, publicado no BR, I


Série, n. 23, de 10/06/2005. Disponível em:
www.portaldogoverno.gov.mz/Legisla/legisSectores/adminEst/regulame
nto%20da%20lei%20orgaos%20locais.pdf, acesso em 15/01/2012.

DECRETO 15/2000. Estabelece as formas de articulação dos Órgãos


Locais do Estado com as autoridades comunitárias, publicado no BR, I
Série, n. 24, de 20/06/2000.

DIPLOMA MINISTERIAL (DM) 67/2009. Aprova o Guião sobre a


organização e funcionamento dos Conselhos Locais, publicado no BR, I
Série, n. 015, 2º Supl. de 17/04/2009.

DIPLOMA MINISTERIAL (DM) 80/2004. Aprova o Regulamento de


Articulação dos Órgãos das Autarquias Locais com as Autoridades
Comunitárias, publicado no BR, I Série, n. 019, de 14/05/2004.

LEI 8/2003. Regula o funcionamento dos órgãos locais do Estado,


publicado no BR, I série, n. 020, de 19/05/2003.

LEI 2/97. Cria o quadro jurídico legal para a implementação das


autarquias locais publicada no BR, I série, n. 007, de 18/02/1997.

LEI 9/96. Emenda Constitucional sobre poder local, publicada no BR, I


Série, n. 047, de 22/11/1996.

LEI 3/94. Estabelece o quadro institucional dos distritos municipais,


publicada no BR, I Série, n. 037, 2°Suplemento, de 13/09/1994.

LEI 11/78. Altera a Constituição da República Popular de Moçambique,


de 1975, publicada no BR, I Série, n. 097, de 15/08/1978.
168

APÊNDICES

APÊNDICE A – ROTEIROS DE ENTREVITAS

Entrevista aos membros dos Conselhos Consultivos

1. Identificação pessoal
2. Acha os conselhos consultivos importantes, porquê?
3. Como é que se tornou membro do CC?
4. Representa algum grupo específico (exemplo, jovens,
agricultores, idosos, etc) no CC, como uma associação, grupo
de interesse, ou a comunidade em geral?
5. Concorda com a forma como as decisões são tomadas nos CCs
e está satisfeito com essa forma de tomar as decisões?
6. Acha que os CCs conseguem incluir todos os grupos que
existem na comunidade, estão todos representados nos CCs?
7. Como é que decidem onde vão mandar fazer uma determinada
atividade, como por exemplo, furo de água. Como decidem
colocar o furo aqui e não ali?
8. Quais são as dificuldades que enfrentam para participar das
sessões do CC?
9. Já ouviu falar e sabe o que é o plano estratégico de
desenvolvimento do distrito e o PES?
10. Já participou da sua elaboração?
11. Está satisfeito com os resultados conseguidos pelo vosso CC?
12. Está satisfeito com a resposta do governo aos problemas
encaminhados pelo Conselho?
13. Já recebeu alguma capacitação sobre os assuntos que são
discutidos no Conselho (em que áreas e quantas vezes)?
14. Acha que vale a pena continuar a participar do Conselho?
15. Sente que as suas contribuições são valorizadas no Conselho,
consegue influenciar as decisões do Conselho (acha que suas
opiniões são ouvidas e acolhidas)?
16. Tem alguma sugestão que gostaria de propor para ajudar a
melhorar o desempenho do conselho?

Entrevista ao GOV1

1. Quais são as razões que concorreram para a criação dos


Conselhos Consultivos?
169

2. Qual é o lugar dos CCs na estrutura de planejamento distrital,


isto é, o espaço que os CCs ocupam na estrutura de
planejamento no distrito?
3. Quais são os critérios para a definição das prioridades que serão
atendidas no plano de atividades anual (PESOD), tendo em
conta o universo alargado de solicitações/demandas canalizadas
pelos postos administrativos, através dos CCs?
4. Qual é a parcela, em termos percentuais, tanto no PEDD quanto
no PESOD, correspondente à participação popular, quer através
dos conselhos consultivos que através do diagnostico
participativo?
5. Tem alguma parcela definida do orçamento distrital destinada a
atender as demandas colocadas através dos Conselhos
Consultivos?

Entrevista ao GOV2 e GOV3

1. Pode falar-nos da história do processo de participação aqui em


Angoche?
2. Além dos conselhos consultivos e CDLs existe outra forma de
envolvimento das comunidades no processo de planificação?
3. Qual é o critério de tomada de decisões nos CCLs?
4. Quais são os critérios para a definição das prioridades que serão
atendidas no plano de atividades anual (PESOD), tendo em
conta o universo alargado de solicitações/demandas canalizadas
pelos postos administrativos, através dos CCs?
5. Qual é a parcela que cabe às comunidades no processo de
planificação, isto é, que percentagem dos planos distritais
corresponde a planificação participativa envolvendo as
comunidades, através dos conselhos consultivos?
6. Existe orçamento específico reservado às demandas das
comunidades, através dos conselhos consultivos, ou o
orçamento é único para todas as atividades constantes dos
planos anuais?
7. Como é que avalia o desempenho dos conselhos consultivos,
acha que estão a responder aos objetivos para os quais foram
criados?
8. Qual é a frequência e que em matérias são capacitados os
membros dos conselhos consultivos?
9. Alguma sugestão para melhorar o desempenho dos conselhos
consultivos?
170

Entrevista ao PCI1 e PCI2

1. Pode contextualizar-nos sobre o envolvimento da Holanda no


processo de descentralização?
2. Pode falar-nos da justificativa teórica e política do
financiamento que estão dando ao processo moçambicano de
descentralização e governação local?
3. Como é que avaliam a relação entre planificação e participação
a em nível local, olhando para instrumentos como plano
estratégico de desenvolvimento do distrito, plano econômico e
social e orçamento do distrito?
4. Como é que entendem a relação entre democracia e
descentralização, tendo sido este nexo uma das razões que
justificou a intervenção da Holanda no apoio a
descentralização. Como é que avaliam a realidade hoje, olhando
para estas duas variáveis?
5. Como é que avaliam os resultados do processo de
descentralização (planificação, orçamentação e participação)
tendo em conta as razões que apontaram como tendo justificado
a vossa intervenção no processo, acham que os objetivos foram
alcançados?

Entrevista às OSCs

1. Pode falar-nos da vossa experiência com os CCs, considerando


a sua institucionalização, funcionamento e resultados?
171

ANEXOS

ANEXO I – MAPA DE MOÇAMBIQUE-DISTRITO DE ANGOCHE

ANEXO II – MAPA DE ÁFRICA


172

ANEXO III – MAPA DO IMPÉRIO DE MWENEMUTAPA

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