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Luanda Cidade e Literatura Tania Macedo

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LUANDA, CIDADE E LITERATURA, TANIA MACÊDO

Article  in  Revista Crioula · May 2009


DOI: 10.11606/issn.1981-7169.crioula.2009.54950

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Cristiane Santana Silva


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Maio de 2009 - Nº 5

Luanda, cidade e literatura

de Tania Macêdo

Cristiane Santana Silva1

Através de uma edição conjunta da Editora da Unesp e


Editorial Nzila (Luanda), veio ao público em 2008, o livro Luanda,
cidade e literatura, de Tania Macêdo, livre-docente pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP), e professora titular da Universidade São
Paulo, na área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua
Portuguesa, com destacada atuação e extensa produção sobre as
literaturas produzidas pelos países africanos de língua portuguesa,
sobretudo Angola (e é na literatura desse país que se concentra o livro).

Composto por artigos de diferentes períodos da trajetória


acadêmica da pesquisadora, estes foram organizados de maneira a
apresentar ao leitor, como a autora já enfatiza em sua introdução, uma
tese que percorre todo o livro: a de um processo de reafricanização da
cidade africana (Luanda), empreendida por diferentes autores, num

1 Mestranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela


FFLCH/USP, com o projeto: A palavra reinventada: recriação, resistência e violência em
João Guimarães Rosa e José Luandino Vieira, com bolsa da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Email: crissantana@usp.br
Revista Crioula – nº 5 – maio de 2009

período que abrange a literatura produzida no país nos últimos


cinquenta anos, que teria como seu correspondente, no plano político, a
construção não somente de uma nação, mas de uma especificidade
nacional, ou seja, de uma angolanidade.

Dentro de um total de cinco capítulos é possível


acompanhar diferentes contextos e ideologias a partir dos quais é
imaginada a cidade de Luanda: desde uma conceituação da cidade
africana (anterior à colonização – e retomada, sobretudo, por meio do
trabalho com a oralidade no pós-independência), passando pela cidade
portuguesa no além-mar e pela cidade colonizada (pensadas no
contexto da situação colonial) e chegando à cidade reafricanizada (que
emerge dos processos de libertação nacional e permanece na literatura
produzida atualmente).

Antes deste percurso, no entanto, a autora apresenta um


painel de reflexões, onde ademais de nos situar na perspectiva teórica
que orienta o livro, nos permite acompanhar como a cidade vem sendo
pensada literariamente. Desta primeira parte do livro, “Percorrendo
algumas ruas da teoria”, acreditamos ser importante destacar (para a
compreensão do percurso de análise) que a autora toma a cidade na
senda em que Bakhtin conceituou o signo, ou seja, a cidade é pensada
como signo ideológico, que irá refletir e refratar relações, histórias e
semioses, estabelecendo com a realidade relações que podem ser de
fidelidade, apreensão ou distorção, de acordo com pontos de vista e
intenções.

Para além disso, o primeiro capítulo segue demonstrando as


balizas teóricas do que seria uma leitura do intervalo, expressão
proposta por João Alexandre Barbosa, da qual a autora se utiliza para
construir em seu livro uma leitura pautada num olhar que busca
“apreender a tensão criada entre a formalização estética e a história de
um lado, e os valores sociais veiculados na obra por outro” ( p. 20).

Esse capítulo divide-se de acordo com as categorias são


analisadas no decorrer do livro, principalmente, questões referentes ao

Resenhas – Luanda, cidade e literatura


Revista Crioula – nº 5 – maio de 2009

espaço e suas conexões com as personagens, e desta maneira, temos


uma parte dedicada a questionar a lacuna existente nos estudos sobre
a cidade de uma focalização na relação entre cidade, literatura e
império, com destaque para uma leitura comparada de textos de Walter
Benjamin e Willi Bolle, de Raimond Williams e Edward Said, leitura
essa, em que é importante destacar o fato de os segundos (Bolle e Said)
questionarem em seus estudos a ausência do colonialismo nos argutos
textos dos primeiros, o que ainda que não deslegitime as contribuições
de Benjamin e Williams, estreita os limites de suas análises.

A autora passa, ainda neste capítulo, pelas contribuições de


estudos referentes ao espaço narrativo, dos quais merecem relevo os de
Lukács em “Narrar ou descrever? – a propósito da discussão sobre o
naturalismo e formalismo” - e os de Osman Lins em Lima Barreto e o
espaço romanesco, aos que soma o texto de Lotman, Estrutura do Texto
Artístico, importante para se pensar a oposição entre Baixa-Musseque, a
partir dos pares opositivos propostos pelo autor, chegando às reflexões
acerca da cidade literária, aproximando-se da interpretação que faz dos
discursos de Jorge Cunha Lima (a idéia de nação associada a uma
cidade) e Milton Santos (a cidade pensada como espaço resultado de
ações humanas através do tempo e não como paisagem geográfica, num
sentido estático), na medida em que tenta verificar o papel de Luanda
nas lutas de libertação, bem como o espaço preponderante que ocupa
na vida e no imaginário nacionais.

No segundo capítulo a autora começa a discutir a cidade


africana, compreendida num contexto anterior à colonização. Neste
sentido, o propósito do texto consiste em contrapor uma visão ocidental
de cidade, intimamente relacionada ao espaço urbano, a uma
conceituação de cidade que abarque as organizações africanas, onde
religiosidade, funcionalidade do espaço (em aspectos produtivos e
ecológicos), ancestralidade e valor hierárquico e simbólico do espaço
determinam a concentração populacional neste mesmo espaço. Dessa
maneira, a representação da cidade africana englobaria as

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Revista Crioula – nº 5 – maio de 2009

especificidades do continente, ligando-se a aspectos socioculturais que


escapam às caracterizações eurocêntricas.

Em sua continuidade, o capítulo detém-se sobre as


produções culturais da cidade africana, onde ganha relevo a questão da
oralidade; a partir daí, a autora busca compreender as possibilidades
que a literatura apresenta de encenar no corpo do texto a oralidade.
Para tal, temos inicialmente uma abordagem da oratura em Angola, que
parte da explanação de como ela se dá entre as narrativas tradicionais,
e vai até uma necessidade de repensar a oratura, considerando a
presença colonial, o que a coloca em tensão com a escrita, evidenciando
a impossibilidade de retorno a uma tradição pura (dadas as rupturas e
fissuras que acompanham a situação colonial) e apontando para a
criação de novas bases, isto é, a oratura é trabalhada, neste contexto,
“em meio às adversidades, sob o signo da busca, na luta pela
construção da independência (do país e de si própria)”, e assim, “a fala
torna-se escrita. E a escrita, a fala ritualizada no papel” (p. 55).

O capítulo se encerra ao debruçar-se sobre as produções


literárias destinadas ao público infantil e infanto-juvenil, por se
tratarem de textos privilegiados para se pensar a presença da oratura
na escrita. Além disso, a autora justifica a escolha deste corpus, para
além das razões acima mencionadas, porque estes textos congregam a
(re)escrita de tradições tendo como cenário principal a cidade de
Luanda: “reiterando o que afirmávamos quanto ao imaginário que a
cidade mobiliza quer para os autores, quer para o público de todas as
idades” (p.67).

Passemos, agora, ao terceiro capítulo, “A cidade portuguesa


no além-mar”, no qual Tania Macêdo trabalha a cidade portuguesa no
além-mar, ou seja, a constituição de cidades africanas a partir e em
função do colonialismo português. Aqui, é importante destacarmos que
o colonialismo, e neste caso o português, teve um primeiro momento
(século XV) a partir do qual o domínio se deu, primordialmente, pelo
mar, ao que a autora denomina, em acertada expressão, como a

Resenhas – Luanda, cidade e literatura


Revista Crioula – nº 5 – maio de 2009

'estrada líquida' que confirmaria um espaço privilegiado à Portugal


frente a outras nações européias no avanço e exploração de territórios
em África e nas Américas.

Diante deste quadro, a efetiva ocupação destes espaços


acontece a partir do surgimento das cidades-porto, que segundo
Macêdo:

(...) colocarão o território conquistado na dependência


dos interesses da metrópole, transformando-os em posse
portuguesa, em espaço inscrito na cultura ocidental,
submetido à Lei, à Ordem, à Língua e ao Deus do
colonizador. (p. 69)
Destarte, a cidade no espaço da colônia só passa a ser
considerada enquanto tal, na perspectiva do colonizador, no momento
em que serve aos interesses deste último, que privilegiarão a exploração
de mercadorias e de africanos para a escravização, ou seja, somente
como fonte de obtenção de lucros é que se inscreverá como espaço
preponderante da cultura ocidental.

Do ponto de vista literário, a representação da cidade


portuguesa no além-mar se dá através de documentos, relatos,
memórias e tratados sobre a terra, que pautados nesta lógica de
exploração e posse do território estariam com os olhos totalmente
voltados para a metrópole, procurando enfatizar e descrever o que
poderia ser aproveitado nestas novas terras. Nesse sentido, pouco dirão
sobre a cidade em si, sua estrutura e suas gentes, tanto porque estas
cidades foram construídas a partir de um desejo de duplicação da
metrópole, seriam como “cidade-réplica do espaço metropolitano” (p.
72), como porque o interesse era, na verdade, relatar as possibilidades
de ganho.

Dando continuidade ao período da cidade africana face ao


colonialismo, a autora nos apresenta o capítulo “A cidade colonizada”.
As cidades deste período são aquelas que apresentam as contradições
da efetiva presença do colonizador, fato que implica numa tentativa de
tornar a cidade europeizada, o que só é conseguido com a sua cisão. Por

Resenhas – Luanda, cidade e literatura


Revista Crioula – nº 5 – maio de 2009

um lado, ela apresenta uma arquitetura e um modo de vida tipicamente


europeus , por outro, a população nativa é aislada, segredada ao que
será chamada a cidade do colonizado, como bem aponta Fanon2, uma
cidade faminta, onde a falta é a tônica.

No que tange às manifestações literárias, a autora frisa que


este é um período de transformações, pois a cidade, que era
paulatinamente ocupada por colonos, interessados no tráfico de negros
africanos, interesse esse que a organizava em sua estrutura econômica
e social, vê-se obrigada a reconfigurar este espaço a partir do Trato
(1836) que termina com o tráfico. Neste contexto, muitos dos brancos
deixam o país e os que ficam precisam se reorganizar. Assim, ainda que
os olhos não deixem de estar voltados para a colônia, os textos literários
produzidos no período passam a ter um tom nativista (naturaes da
terra), são textos que embora revelem alguns problemas da colônia, tem
um tom de exaltação, tanto pela estrutura (vê-se, por exemplo, poemas
que seguem clara intertextualidade com textos como o de Gonçalves
Dias), como pela temática nativista.

Por fim, temos, no último e mais denso capítulo, uma


abordagem da cidade reafricanizada, que corresponde à literatura
produzida a partir do final dos anos 50, momento em que se inicia o
processo de consolidação de uma literatura nacional.

Já no início de capítulo, a autora bem frisa que: “(...) a 'fala'


de cada cidade articula-se a partir de uma semiose singular, de tal
forma que os produtos ali produzidos (de sua arquitetura à literatura)
podem ser lidos também como seus desejos e medos” (p. 109); e a partir
desta tônica de mapear as intersecções entre extratextual e o textual, de
modo a evidenciar a arquitetura da cidade (e do país), tanto de uma que
já esta posta, como daquela que se anseia, é que segue o capítulo.

Para isto a autora nos apresenta Luanda a partir de seus


personagens principais, elegidos também num espaço bastante

2 FANON, Frantz. Os condenados da terra. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1979.

Resenhas – Luanda, cidade e literatura


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específico: os musseques (com recorte para os mercados). Assim, as


mulheres (quitandeiras e prostitutas), as crianças (de monandengues –
num antigamente - , passando por pioneiros – no escopo das lutas de
libertação nacional - e chegando às crianças de rua – no contexto mais
atual) e os homens (sobretudo a figura do malandro em suas mais
variadas nuances) são analisados nas produções do período que acima
mencionamos, com o intuito de apontar continuidades e rupturas,
preservações e mudanças de um projeto que ademais de literário,
“animou e direcionou política e culturalmente a vida angolana” (p. 216).

Com isto, temos um livro que com rigor crítico e teórico nos
brinda com uma análise das intersecções entre os espaços da cidade e
da literatura que se produz neste contexto, e para além disso, nele
também é possível acompanhar a trajetória da formação de um sistema
literário, o angolano, e as suas intrínsecas relações com a formação do
próprio país.

MACÊDO, Tania. Luanda, cidade e literatura. São Paulo: Editora


Unesp; Luanda (Angola): Nzila, 2008 (240 p.).

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