Introdução Ao Guardião Ii
Introdução Ao Guardião Ii
Introdução Ao Guardião Ii
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É possível defender-se uma ideia de que a Constituição de 2004 não é uma continuidade da Constituição de
1990, olhando para um aspecto de fundo da sua aprovação, designadamente, que a Constituição de 2004 foi
adoptada por uma assembleia eleita por um sufrágio universal no contexto da democracia multipartidária, o que
lhe confere uma legitimidade maior para gerar consensos e abrir caminhos para uma reconciliação nacional,
baseada na pluralidade de ideias e valores. Diferente da Constituição de 1990, esta foi aprovada por uma
assembleia eleita por sufrágio universal. Mas no contexto de uma democracia popular totalitária, assente num
único partido.
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Preâmbulo da Constituição da República, publicada no Boletim da República, I Série, n.º 115, de 12 de Junho
de 2018.
A 16 de Novembro de 2004, o Antigo Venerando Presidente do Conselho
Constitucional (2011-2019), S.Exa. Dr. Hermenegildo Gamito, enquanto
Presidente da Comissão Ad Hoc para a Revisão da Constituição, ao apresentar o
Projecto da Constituição de 2004 ao Plenário da Assembleia da República,
expôs critérios de avaliação da longevidade da Constituição de 2004: “Vamos
avaliar esta Constituição da seguinte maneira: o tempo da sua vigência, a
capacidade que ela tem de abrir caminhos … se efectivamente ela é uma
Constituição virada para o futuro”3. Parece que o tempo deu-lhe razão, a
Constituição de 2004 continua ainda hoje actual, moderna e um verdadeiro
sistema aberto.
Os estudos que corporizam o volume II do Guardião constituem um ensaio
escrito a vinte mãos que introduz a análise que se pretende global e mais
abrangente da Constituição de 2004, que perdura até os dias actuais.
Começando com o artigo do Antigo Juiz Conselheiro do Conselho
Constitucional, Dr. Teodato Hunguana (2003-2009), o presente volume
apresenta onze estudos sobre a Constituição de 2004.
O Dr. Teodato Hunguana apresenta-nos um estudo sobre «Competências do
Conselho Constitucional e dos actos não normativos», que arranca de um caso
concreto de uma decisão política tomada que põe em debate as fronteiras das
competências do Conselho Constitucional como guardiã da Constituição. O
autor assinala que tem sido recorrente os Presidentes da República procederem
à nomeação e exoneração dos reitores e vice-reitores das universidades públicas
ignorando ostensivamente as propostas que lhes são apresentadas pelos
colectivos de direcção das universidades públicas, em inobservância do
condicionalismo fixado na alínea b) do n.º 2 do artigo 159 da Constituição , nos
termos da qual compete ao Presidente da República “nomear, exonerar e
demitir (…) os Reitores e Vice-Reitores das Universidades Estatais, sob
proposta dos respectivos colectivos de direcção, nos termos da lei”.
A tese central deste artigo, construída a partir da análise histórica das
constituições de 1975, de 1990 e da realidade constitucional presente, é a de que
a definição do Conselho Constitucional constante do n.º 1 do artigo 240 da
Constituição comporta um conteúdo útil que vai além da enunciação de suas
competências no artigo 243 da mesma Lei Mãe, sendo desse conteúdo útil que
decorrem as outras competências do Conselho Constitucional em matérias de
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Secretariado da Comissão Ad Hoc para a Revisão da Constituição da República, Texto de Apresentação do
Projecto de Revisão da Constituição ao Plenário, Assembleia da República, Maputo, 2004.
natureza jurídico-constitucional atribuídas pela Constituição e pela lei, o que
pode, do irrecusável múnus de interpretar a Constituição e dar-lhe máxima
efectividade em toda a sua extensão e ao princípio de Estado de Direito
Democrático, assente na subordinação do Estado à Constituição e à lei, da
prevalência das normas constitucionais sobre as restantes do ordenamento
jurídico e a separação e interdependência dos poderes, resultaria uma nova
reflexão sobre a jurisprudência passada que se denegou de conhecer os actos
não normativos dos órgãos do Estado, embora estes ponde em causa a
Constituição, escudando-se o órgão no facto de que os actos normativos não
estavam previstos nas competências do Conselho Constitucional vertidos no
artigo 243 da Constituição.
O segundo artigo pertence também ao Antigo Juiz Conselheiro do Conselho
Constitucional, Mestre João André Ubisse Nguenha (2003-2019), que,
abordando o tema «Pluralismo jurídico na Constituição Moçambicana», procura
situar os limites que a Constituição impõe ao reconhecimento dos sistemas
jurídicos e de resolução de conflitos não oficiais coexistentes na sociedade
moçambicana, em particular, os sistemas tradicionais. O autor, partindo pela
definição de «pluralismo jurídico», o desenvolvimento deste artigo passa pelo
exame da evolução histórica do fenómeno em Moçambique desde o período
colonial, pós colonial até 1990; analisa o pluralismo no contexto da
Constituição de 2004 e os seus limites.
A tese básica do artigo é a de que o posicionamento do poder político perante o
fenómeno do pluralismo jurídico tem variado nos diversos períodos históricos
de Moçambique. Portugal, enquanto potência colonizadora, praticou uma
política colonial que permitiu a coexistência, oficialmente reconhecida, do
Direito estatal com os Direitos tradicionais das comunidades autóctones. No
período pós independência, a primeira Constituição adoptou um regime político
de democracia popular totalitária, em que as estruturas da sociedade tradicional
incluindo as autoridades tradicionais foram rejeitadas, situação que propiciou o
monismo jurídico. A Constituição de 1990 e depois de 2004, com o Estado de
Direito Democrático e pluralista, definiram a afirmação da personalidade
moçambicana, das suas tradições e demais valores sócio-culturais,
comprometendo-se igualmente a promover o desenvolvimento da cultura e
personalidade nacionais e a garantir a livre expressão das tradições e valores da
sociedade moçambicana. Neste contexto, a Constituição de 1990 reconhecia
também o pluralismo jurídico embora de forma implícita. A Constituição de
2004 desenvolve o pluralismo jurídico enunciando-o no artigo 4, no qual se
proclama que «o Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução
de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que não
contrariem os princípios fundamentais da Constituição».
O terceiro artigo é da actual Veneranda Presidente do Conselho Constitucional,
Dutora Lúcia da Luz Ribeiro, com o tema «Sentido jurídico do princípio da
igualdade na ordem jurídica moçambicana», que com auxílio da doutrina, do
direito positivo e da escassa jurisprudência constitucional nacional, analisa o
tema em vários aspectos de fundo, mormente, quanto ao conteúdo da igualdade
que veda a hierarquização dos indivíduos e as discriminações infundadas,
impondo a neutralização das injustiças históricas, económicas e sociais, bem
como o respeito à diferença; analisa como é inicialmente incrustada a ideia de
igualdade entre o homem e a mulher na história recente de Moçambique,
quando em 1968, durante o processo libertário, uma mulher questiona «porquê
as mulheres não podiam ser comandantes quando reunissem as mesmas
condições que os homens»; no desenvolvimento do tema são apresentadas
várias persectivas de análise do princípio da igualdade: igualdade perante a Lei
e igualdade na lei; proibição do arbítrio, da discriminação e obrigação de
diferenciação; os limites à diferenciação; âmbito da igualdade de género e
vinculação da administração pública ao princípio da igualdade.
A tese central deste artigo é a de que o princípio da igualdade não funciona
apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei, mas implica
também a aplicação igual de direito igual, o que impõe a verificação e
valorização das circunstâncias casuísticas da diferença, de modo que recebam
tratamento semelhante os que se encontram em situações semelhantes e
diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação. Daí
decorre que é inconstitucional somente o tratamento desigual que aumenta a
desigualdade naturalmente já existente. Portanto, as exigências de igualdade
«não se limitam à igualdade jurídica na lei e na sua aplicação, mas projectam-se
igualmente enquanto igualdade fáctica, no plano da igualdade de oportunidades
e da disponibilização das condições materiais que, pelo menos, atenuem as
desigualdades de partida».
O quarto artigo é da lavra do Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional, Dr.
Manuel Henrique Franque, com o título «O processo no Conselho
Constitucional», onde o autor analisa com exaustão os procedimentos utilizados
pela jurisdição Constitucional na sua tarefa de «guardião» da Constituição;
expõe criticamente as espécies de processo constitucional vertidas nas Leis
6/2006, de 2 de Agosto, alterada pela Lei n.º 5/2008, de 2 de Agosto. O autor
analisa o processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade,
defendendo a tese geral de que só são sujeitos a este tipo de fiscalização
somente as leis aprovadas pelas Assembleia da República submetidas à
promulgação pelo Presidente da República, sendo este o único co legitimidade
processual activa; aprecia cum grano salis o processo de fiscalização sucessiva
abstracta da constitucionalidade e legalidade, adiantando que este tipo de
fiscalização incide sobre normas constantes de diplomas já promulgados e em
vigor, percorre todas as fases e etapas do processo até à tomada da decisão final
pelo Conselho Constitucional; examina o processo de fiscalização concreta da
constitucionalidade, observando que este tem início perante um feito submetido
a julgamento em qualquer tribunal, no qual o juiz aquo, que tem competência
para conhecer e apreciar, mas não decidir, a questão da constitucionalidade ou
legalidade, recusa a aplicação de uma norma com fundamento em violação da
Constituição ou de lei, como incidente do mesmo e não a título principal;
analisa, por fim, o processo de fiscalização prévia da constitucionalidade e de
legalidade dos referendos, afirmando que este processo só tem início se o
Presidente da República, após proposta da Assembleia da República, decidir
pela realização do referendo, momento em que aquele deve obrigatoriamente
submeter a decisão ao Conselho Constitucional para apreciação.
A tese central apresentada pelo Juiz Conselheiro Manuel Franque, no seu
estudo, é a de que o processo constitucional irradia-se a partir da Constituição,
pois o processo não é apenas um direito instrumental, mas uma metodologia de
garantias dos direitos fundamentais, sendo esta necessidade que propiciou o
surgimento do Direito Processual Constitucional consistente na condensação
metodológica e sistemática dos princípios constitucionais do processo.
O quinto ensaio é do Juiz Conselheiro do Tribunal Administrativo, Doutor
Paulo Daniel Comoane, com o título «O princípio constitucional da
independência do poder judicial». Neste estudo, o autor apresenta as dimensões
de abordagem do princípio da independência do poder judicial, substantiva,
institucional e processual ou funcional. Na perspectiva substantiva, diz o autor
que a independência do poder judicial situa-se no quadro do direito humano ao
julgamento justo, nos termos consagrados nas normas internacionais dos
direitos humanos, como direito de ser julgado por um tribunal independente e
imparcial, assegurando desta forma a confiança dos cidadãos numa jurisdição
com base na lei. Na dimensão institucional, a independência do poder judicial
traduz-se na separação entre órgãos legislativos, administrativos e judiciais,
bem como na gestão e disciplina dos magistrados e funcionários judiciais pelo
Conselho Superior das Magistraturas. Na dimensão processual, a independência
do poder judicial constitui o ponto de convergência de todas as vertentes em que
a independência e a imparcialidade dos magistrados se devem concretizar, daí a
ideia do direito ao devido processo legal se converteu num princípio
constitucional reforçado sobre o qual repousam outros princípios, pelo facto de
ser ela que actua de forma concreta para reprimir os abusos de poder.
A tese básica deste artigo é a de que o poder judiciário, como um dos três
pilares da democracia, o último refúgio do cidadão, deve ser uma instituição de
incontestável integridade, garantida por um código de conduta judicial assente
nos valores da independência e imparcialidade, que repousa na conduta dos
juízes, pois de contrário de nada servirão os arranjos normativos, institucionais
e processuais se os juízes não garantirem a integridade do sistema, pois um juiz
íntegro consegue fazer justiça mesmo diante de leis injustas; mas, sem
integridade do juiz, por muito boa que seja a lei, não haverá justiça.
O sexto artigo é da lavra do Venerando Juiz Conselheiro do Conselho
Constitucional, Doutor Mateus Saize, cujo tema é «O princípio unitário do
Estado Moçambicano». O autor aborda, no desenvolvimento do seu estudo, o
surgimento do Estado, elementos da sua existência e suas formas
contemporâneas, destacando as formas de Estado unitário ou simples e Estados
complexos ou compostos, concluindo que Moçambique é um Estado simples
unitário descentralizado; em relação ao Estado Moçambicano, o autor debruça-
se do princípio unitário, de unicidade do Estado, da descentralização e
subsidiariedade. O autor aborda sequencialmente as entidades de governação
descentralizada, nomeadamente as provinciais, distrito e autarquias locais,
discorrendo as suas atribuições, os seus órgãos e as formas de eleição.
A tese central deste artigo é a de que desde os primórdios do seu surgimento, o
Estado procurou sempre organizar-se de modo a desempenhar eficazmente os
seus objectivos, fins e funções, nesse contexto, o Estado moçambicano adoptou
o modelo unitário descentralizado, em que os princípios da descentralização e
de subsidiariedade são corolários do princípio democrático, demandando
sempre um permanente aperfeiçoamento dos seus modelos de implementação
resultantes das dinâmicas sociais.
O sétimo artigo é da nossa autoria com o tema «O princípio da Laicidade do
Estado e sua garantia através da liberdade religiosa». O objectivo deste estudo é
analisar a laicidade do Estado como princípio político e jurídico, que assegura a
separação institucional entre o Estado e as confissões religiosas, entendida
como a neutralidade do Estado perante as religiões e como garante da liberdade
religiosa. Com recurso ao Direito Positivo, à doutrina e à Jurisprudência
nacional e estrangeira, o artigo evidencia o conceito de laicidade; a sua
delimitação do laicismo e secularismo; o conteúdo e significado da laicidade, da
liberdade religiosa, de culto e de crença como direitos fundamentais invioláveis
e incondicionalmente garantidos pela Constituição; as possíveis restrições a que
se pode sujeitar a liberdade religiosa; e os limites da actuação dos poderes
públicos perante a laicidade do Estado.
A ideia central deste ensaio é a de que é a de que o princípio da laicidade
consiste na separação entre o Estado e as confissões religiosas, atribuindo aos
cidadãos a liberdade de praticar ou de não praticar uma religião, no quadro
traçado pela Constituição da República e pelas demais leis. A laicidade deve ser
compreendida no quadro do carácter republicano do Estado, com vista à criação
de um espaço público livre no qual é possível a todos os cidadãos manifestarem
as suas opiniões, convicções e crenças, com tolerância e aceitação da diferença
na diversidade. Deste modo, a neutralidade do Estado significa que este não
pode orientar a sua política pública por quaisquer preceitos religiosos. Do
exame da neutralidade do Estado em relação às confissões religiosas, embora
resultando o acantonamento das questões religiosas no foro privado, o Estado
não ignora nem é indiferente ao fenómeno religioso, devendo, por conseguinte,
reconhecer e valorizar as actividades das confissões religiosas para o
enobrecimento do ambiente de paz, solidariedade, tolerância e unidade nacional.
O oitavo artigo é da autoria do Doutor Justino Felizberto Justino, Professor
Auxiliar da Universidade Zambeze, com o tema «O princípio do Estado Social e
Democrático de Direito na Constituição Moçambicana». No seu estudo, o autor
aborda o Estado moçambicano como um Estado de Direito material, e procura
identificar a consagração deste princípio na Constituição e a sua densificação no
Direito Ordinário, assim como alguns sinais da sua concretização ou
inconcretização no plano da realidade constitucional. Diz o autor que na ordem
jurídica moçambicana, o princípio do Estado Social e Democrático de Direito
foi adoptado, pela primeira vez, na Constituição de 1990, tendo-se aprofundado
nas revisões de 2004 e 2018, já que, no período anterior a 1990, o Estado era de
orientação socialista. Para ele, o princípio do Estado de Direito, o princípio
democrático e o da socialidade, que formam, articuladamente, o princípio do
Estado Social e Democrático de Direito, reflectem-se ao longo do texto
constitucional moçambicano vigente e são densificados no Direito Ordinário; ao
mesmo tempo, notam-se, no plano da realidade constitucional, sinais de
preocupação do Estado moçambicano em concretizá-los.
A tese do artigo é a de que o Estado moçambicano é, constitucionalmente, um
Estado Social e Democrático de Direito desde o início de vigência da
Constituição de 1990, regime aprofundado nas revisões constitucionais de 2004
e 2018. Essa natureza do Estado é expressa pelo princípio do Estado Social e
Democrático de Direito, nas três dimensões que o comportam: a subordinação
do Estado ao Direito, a democracia e a socialidade, cuja consagração se reflecte
ao longo do texto constitucional vigente.
O nono ensaio é da autoria do Doutor Paulo Mateus Wache, Professor Auxiliar
da Universidade Joaquim Chissano, com o título «Da relação entre o Direito
Internacional e a Política Externa: Que implicações para a política externa de
Moçambique?». Começando pela relação entre o Direito Internacional e a
Política Externa, o desenvolvimento deste artigo percorre a sua análise desde o
ano de 1975, ano da Independência Nacional, momento em que Moçambique se
tornou actor da sua política internacional, até o ano de 2020, ano que
Moçambique completou 45 anos como membro da Organização das Nações
Unidas, uma organização incontornável no sistema internacional pela sua
relevância na formulação e implementação do Direito Internacional. O autor
analisa acto contínuo as implicações do Direito Internacional na Política externa
de Moçambique, dando exemplos que provam que o Direito Internacional
determinou a Política Externa de Moçambique, nomeadamente, através de
normas Direito Internacional, particularmente a Resolução 1761 (1962), de 6 de
Novembro, da Assembleia das Nações Unidas; a Resolução 3379 (1975), de 10
de Novembro, da Assembleia das Nações Unidas; a Resolução 253 (1968), de
29 de Maio, do Conselho de Segurança das Nações Unidas; a Convenção de
Viena de 1961; e a Resolução 1545 (2004), de 21 de Maio, do Conselho de
Segurança das Nações Unidas. Mas não se basta nisto, o autor narra um
conjunto de reacções de Moçambique em relação às normas elencadas, das
quais se contam os actos de ruptura e fricções entre Moçambique e outros
países, exemplificadamente, África do Sul do regime de Apartheid, Estados
Unidos da América e Portugal.
A tese central deste artigo é a de que abordar a temática da relação entre o
Direito Internacional e a Política Externa de Moçambique é preciso perceber-se
que, primeiro, o Direito Internacional tem a função vinculativa sobre os Estados
e segundo, que este determina a Política Externa de qualquer Estado, incluindo
de Moçambique. Da análise das normas do direito Internacional escolhidas,
resultou que a Política Externa de Moçambique foi determinada pelo Direito
Internacional e algumas das implicações para Moçambique foram: (i) o
engajamento, de forma exemplar, no combate ao Apartheid recorrendo a
medidas económicas, a denúncias e ao apoio aos movimentos de libertação; (ii)
o compromisso de apoiar incondicionalmente a Organização para a Libertação
da Palestina quando o Direito Internacional assim o prescrevia; (iii) o boicote ao
comércio internacional da Rodésia do Sul, mesmo incorrendo em elevados
prejuízos económicos; (iv)a declaração de persona non grata aos diplomatas
que violaram a Convenção de Viena de 1961 sobre as Relações Diplomáticas e
a manutenção de relações diplomáticas profícuas com Estados de todos os
continentes em observância à mesma norma e (v) a participação no processo de
pacificação no Burundi em observância das normas do Direito Internacional.
O último artigo é também da nossa autoria, com o título « Missão constitucional
das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, a sua sujeição ao poder político
civil e o seu papel no estado de paz e de guerra». Este ensaio procura analisar a
missão constitucional das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e a sua
sujeição ao poder político civil instituído como pedra-de-toque pela qual se
estrutura o Estado de Direito Democrático. Por um lado, o conceito de defesa
nacional adoptado determina o tipo de missões que são confiadas às Forças
Armadas; por outro, o tipo de sistema de governo determina a intensidade da
subordinação das Forças Armadas aos órgãos do poder político do Estado e a
sua direcção ou codirecção política (o Chefe do Estado, o Parlamento e o
Governo). Regra geral, da direcção política das Forças Armadas depende o
conteúdo do mando sobre elas. Analisa-se ainda a organização e actuação das
Forças Armadas nas situações de estado de guerra, os pressupostos e
implicações da declaração da guerra e o papel dos órgãos políticos no contexto
da guerra declarada.
A tese básica deste trabalho é a de que é Moçambique adopta um conceito
restrito de defesa nacional, onde a missão fundamental das Forças Armadas é a
defesa militar da república contra o inimigo externo, para que no futuro não se
possa fundamentar qualquer pretexto de apelo à intervenção militar para
solucionar crises políticas internas. Pelo sistema de governo vigente, o
Presidente da República é a entidade forte e carismática que garante a contenção
das Forças Armadas, visto que todos os poderes de direcção política e militar
estão, em si, fáctica e legalmente concentrados. Todavia, futuramente, impõe-se
estabelecer uma simetria entre as competências dos órgãos da soberania,
reequilibrando-se o sistema de governo, de modo que o Presidente da República
não continue como uma só cabeça para gerir todo o sistema político. A sujeição
das Forças Armadas ao poder político civil legitimamente instituído deve ser
feita, de iure condendo, num sistema de co-direcção política entre o Presidente
da República e o Parlamento, reservando-se a última palavra sempre ao
Parlamento sobre o uso das Forças Armadas em situações de profunda crise,
através do sistema de ratificação das decisões presidenciais. Por isso, para o
futuro, deve insistir-se na incorporação constitucional expressa das Forças
Armadas e na sua função de garantia do equilíbrio político do sistema político-
constitucional, e constituir-se como força dinamizadora das situações de crise
ou impasse institucional democrático. Mas isto não pode impedir que o
Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança tome medidas de carácter
urgente para a defesa da República, em situações de extrema necessidade
pública, como são os casos de invasão ou ameaça de integridade territorial de
Moçambique.
Albano Macie
Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional