História Da Imprensa No Maranhão
História Da Imprensa No Maranhão
História Da Imprensa No Maranhão
( ) Reprovada
( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exempla res definitivos modificações sugeridas pela
banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar a data da defesa.
( ) Aprovada
( ) Aprovada com louvor
Banca Examinadora:
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
À minha família, pais, irmãs, irmão e sobrinhos – Ivonete, Basílio, Rei, Rose Elci, Cléa, Nelbe,
Wellington, Polliane e Heitor, pelo carinho e as vibrações positivas, mesmo eu estando longe da
nossa terra, a querida Manaus;
Ao orientador, Prof. Dr. José Marques de Melo, pelo confiança, pela acolhida em São Paulo, e
pelo seu exemplo de amor ao jornalismo e ao magistério;
Aos professores da Universidade Metodista de São Paulo, por tornarem esse projeto tão
produtivo e feliz;
À amiga e “irmã do coração”, Edvânia Kátia por ter abraçado a paixão pela história da imprensa
maranhense e estado à frente da organização do maior encontro sobre a temática no Maranhão, o
IV Encontro Nacional da História da Mídia, que ocorreu no período de 30 de maio a 2 de junho
de 2006, em São Luís-MA;
Ao carinho dos amigos e colegas do Mestrado: Bruna, Sandra, Lennine, Ingrid, Marcelle, Nayara,
Backer, Sirlei, Aline, entre tantos outros, por marcarem com alegria e companheirismo a minha
passagem pela pós-graduação e por São Paulo;
Ao prof. Dr. Sofiane Labidi, que inaugurou com destemor e humildade uma nova página da
história da pesquisa e da ciência no Estado do Maranhão.
Aos colegas historiadores do Maranhão, Marcelo Cheche, Wagner Cabral e Kelcilene Rose, pelo
incentivo e troca de idéias.
Ao Prof. Dr. Jorge Pedro, da Universidade Fernando Pessoa/Porto, que d’além mar me ajudou
com referências sobre a história de Portugal.
Ao fotógrafo Nael Reis, que registrou as capas dos jornais mais antigos do Maranhão, que estão
em anexo.
Ao prof. Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa pelo exemplo, garra e ousadia, ao orientar 12
bolsistas do Programa Especial de Treinamento-PET/Capes/MEC, entre 1993 e 1996 na
Universidade Federal do Amazonas, e plantar no meu coração o desejo de ser pesquisadora da
imprensa brasileira.
A todos que direta ou indiretamente colaboraram para a realização deste acalentado projeto.
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
CAPÍTULO I – A IMPLANTAÇÃO DA IMPRENSA NO
BRASIL E NO MARANHÃO 18
1. A chegada tardia da imprensa
aos territórios portugueses na América 18
1.2. A imprensa no Brasil: verso e reverso 18
1.3 A imprensa no Maranhão, um território autônomo 27
2. Região Norte 55
3. Região Leste 66
4. Região Sul 72
5. Região Central 77
6. Região Oeste 82
7. A evolução da imprensa no interior 86
e os fatores socioculturais
CONCLUSÕES 116
ANEXOS 129
A imprensa brasileira nasceu tardiamente, 276 anos após o início da ocupação da colônia
americana pela Coroa portuguesa. Investigando as singularidades desse processo na região
Nordeste, pretende-se resgatar a gênese das atividades tipográficas no Maranhão, cujo marco é o
jornal O Conciliador do Maranhão, que circulou entre novembro de 1821 e julho de 1823. O
objetivo é identificar os fatores socioculturais que explicam o retardamento da imprensa no
Estado. Para tanto, foi realizada uma pesquisa histórica adotando dupla estratégia metodológica:
a) qualitativa: destinada a compreender as circunstâncias que contribuíram para delongar a
chegada da imprensa à capital maranhense, condicionando a natureza da produção jornalística
nascente; b) quantitativa: visando reconstituir o perfil jornalístico, a política editorial e a estrutura
morfológica do jornal pioneiro, através da análise do conteúdo manifesto de uma amostra daquele
periódico.
La imprenta brasileña nació tardón, 276 años apues el começo de la ocupación de la colonia
americana por la corona portuguesa. Investigando lãs singularidades de eso proceso en la región
Nordeste, pretendese resgatar la génesis de lãs actividades tipográficas del Maranhão, cuyo
marco ès el periódico El Conciliador do Maranhon que circulou entre Noviembre de 1821 y Julio
de 1823. Lo objetivo ès identificar los fatores socioculturales que explican el retardamiento de la
imprenta en el Estado. Para tanto, fue realisada una pesquisa historica adaptando dupla estrategia
metodologica: a) qualitativa: destinada a comprender lãs circunstancias que contribuiran para
retarda la llegada de la imprenta a la capital maranhense, condicionando la naturaleza de la
produción periodística naciente; b) quantitativa: visando reconstituir el perfil periodistico, la
politica editorial y la estructura morfologica del periodico pionero, através de la analises del
contenido manifiesto de una amuestra de aquel periódico.
The Brazilian press was late born, 276 years after the start of the American colony occupation
by the Portuguese Crown. Investigating the particularities of this process in the Northeast region,
there is an intention to rescue the genesis of typographic activities in Maranhão, which milestone
is the newspapers O Conciliador do Maranhão that was issued between November 1821 and July
1823. The objective of this is to identify the sociocultural factors that explain the delay of the
press in the State. To do so, it was performed a historical research adopting double
methodological strategy: a) qualitative: in order to comprehend the circumstances that
contributed to delay the arrival of press to the maranhe nse capital, conditioning the nature of
arising journalistic production; b) quantitative: aiming to reconstruct the journalistic profile, the
editorial politic and the morphologic structure of the pioneer newspaper, through content analysis
of a sample from that periodic.
Key – words: Brazilian Media Identity; Press History; Maranhão; newspapers O Conciliador do
Maranhão; Centuries XIX and XX.
INTRODUÇÃO
Jornalismo Opinativo
a) Editorial: espaço da opinião institucional, sem autoria, mas com angulagem temporal
específica, marcada pelo imediatismo e continuidade;
b) Comentário: relato com angulagem temporal específica, caracterizada pelo
imediatismo e continuidade, tem autoria explícita;
c) Artigo: relato de autoria definida e que pode aborda fenômenos diferenciados, no
entanto não apresenta as características do imediatismo e da continuidade, podendo
aparecer aleatoriamente;
d) Resenha: relato com autoria informada e que descobre os valores de bens culturais,
mas não tem freqüência estabelecida.
À proposta dos gêneros, agregamos o estudo da morfologia do periódico, de acordo com
Kayser (1964, p. 42), determinando o registro de id entificação e os elementos da sua estrutura,
tais como espaço publicitário, material jornalístico, ilustrações e títulos.
Adotamos a amostragem não-probabilística de semanas compostas e selecionamos 23
edições do jornal, visando cobrir toda o período de circulação do mesmo, de abril de 1821 a julho
de 1823, com exceção de junho e outubro de 1821, sobre o qual não há exemplares disponíveis
para a consulta no acervo da Biblioteca Pública Estadual. Das 210 edições originais, há 181 que
podem ser consultadas pelo público, deste total 12% foram analisadas pela pesquisa,
contabilizando 112 matérias jornalísticas. O jornal O Conciliador, em função de ser obra rara,
não pode ser manuseado, mas seus exemplares podem ser lidos em microfilmes e na versão
digitalizada. Segue abaixo detalhamento da amostra escolhida:
Jornal O Conciliador do Maranhão
Período de circulação: abril de 1821 a julho de 1823
Universo: 181 exemplares
Amostra: 23 exemplares (12,7%)
Periodicidade: bissemanal (duas vezes por semana)
1821
ABR - 1ª semana (1º exemplar da semana)
MAI - 2ª semana (2º exemplar da semana)
NOV - 3ª semana (1º exemplar da semana)
DEZ – 4ª semana (2º exemplar da semana)
TOTAL: 04 exemplares
1822
JAN - 1ª semana (1º exemplar da semana)
FEV - 2ª semana (2º exemplar da semana)
MAR - 3ª semana (1º exemplar da semana)
ABR - 4ª semana (2º exemplar da semana)
MAI - 1ª semana (1º exemplar da semana)
JUN - 2ª semana (2º exemplar da semana)
JUL - 3ª semana (1º exemplar da semana)
AGO - 4ª semana (2º exemplar da semana)
SET - 1ª semana (1º exemplar da semana)
OUT - 2ª semana (2º exemplar da semana)
NOV - 3ª semana (1º exemplar da semana)
DEZ – 4ª semana (2º exemplar da semana)
TOTAL: 12 exemplares
1823
JAN –1ª semana (1º exemplar da semana)
FEV – 2ª semana (2º exemplar da semana)
MAR –3ª semana (1º exemplar da semana)
ABR – 4ª semana (2º exemplar da semana)
MAI – 1ª semana (1º exemplar da semana)
JUN – 2ª semana (2º exemplar da semana)
JUL – 3ª semana (1º exemplar da semana)
TOTAL: 07 exemplares
CAPÍTULO 1
IMPLANTAÇÃO DA IMPRENSA
NO BRASIL E NO MARANHÃO
Capítulo I
IMPLANTAÇÃO DA IMPRENSA NO
BRASIL E NO MARANHÃO
Administração débil
As constantes denominações do Estado do Maranhão dão pistas de uma política
administrativa débil e sem uma direção firme dos negócios. Pendendo ora para o abandono e para
a excessiva centralização, as medidas do governo lusitano desenharam um frágil projeto político
que colaborou para um povoamento tardio, um lento crescimento econômico e conseqüentemente
para a vinda atrasada das letras impressas. As principais medidas adotadas nos três primeiros
séculos de ocupação da colônia – as capitanias hereditárias, as companhias de comércio e a
abertura da economia com a vinda da Corte Portuguesa em 1808 – estiveram relacionadas às
conjunturas favoráveis no mercado externo e não refletem medidas administrativas consistentes.
QUADRO 02
Divisões administrativas do Maranhão
Ano Abrangência
1621 Estado autônomo do Maranhão (MA, PA e CE)
1652 Extinto Estado do Maranhão
1654 Estado maranhense restaurado
1656 Território perde região do Ceará
1700 Piauí é integrado ao MA e PA
1774 Divisão do Estado do Maranhão e Grão-Pará em dois governos
1811 Piauí se separa do Maranhão
1823 Integração ao Brasil
Fonte: Lacroix (2002), Libermann (1983), Lima (1981) e Chambouleyron (2005).
O primeiro regime para defender-se de inimigos e dinamizar as relações econômicas no
litoral, as capitanias hereditárias, foram gradativamente extintas até o governo pombalino e
resultaram em fracasso na capitania Maranhão, criada em 1534 (SILVEIRA, 2001, p.35). A
capitania não foi ocupada de imediato pelos proprietários, João de Barros, Fernand’Álvares de
Andrade e Aires da Cunha. O grupo enviou frotas e colonos para povoá-la, mas as dificuldades
de acesso e a resistência dos índios contribuíram para o abandono da capitania.
Eis os motivos que obstruíram o êxito do empreendimento português no Nordeste:
Nenhuma empresa particular poderia arcar com o ônus de tão vasto
empreendimento como o de tornar efetiva a ocupação de dezenas de léguas de
costa. O que se deu em todas ou quase todas as capitanias foi a dissipação
imediata da totalidade dos capitais destinados à colonização e conseqüentemente
impossibilidade do seu empreendimento (PRADO JÚNIOR, 1993, p.13).
No século XVII, a Coroa tomou para si as rédeas da vida colonial e criou os centros
autônomos, a exemplo do Maranhão e Grão-Pará, subordinados diretamente a Lisboa. A
Coroa empunha suas decisões a partir das ações de go vernadores nomeados, galvanizados pela
antipatia da população. Na primeira metade do século XVII, cedeu às pressões da Igreja
Católica, proprietária de grandes fazendas e detentora de escravos indígenas. A pobreza, o
abandono e as pretensões do Santo Ofício no Maranhão engendraram conflitos sociais. Nesse
cenário, a Coroa portuguesa tombava com suas decisões políticas inseguras e contraditórias.
Primeiro relegou ao abandono o Norte, só acordando um século depois do
descobrimento, com a invasão francesa. (...). Tudo era centralizado,
completamente dependente do Conselho Ultramarino, não havia uma legislação
ordenada, não se entendiam os governantes, nem se estimavam governadores e
povo, generalizando-se os conflitos entre leis e autoridades, a cobiça a todos
inflamava, e, no terreno religioso, mal disfarçada pelo tão enaltecido
apostolado, compulsava os sacerdotes uns contra os outros. (LIMA, 1981,
p.76).
Destaca-se a criação das companhias de comércio, efetivadas no século XVII com a
finalidade de somar dividendos para o governo português. É época de restrições à economia
colonial, o comércio da colônia com outros países é vetado em 1661, e em 1684 os navios saídos
do Brasil são proibidos de atracar em portos que não sejam os lusitanos. As companhias de
comércio detinham a exclusividade da importação e exportação, o estanco de alimentos e o
monopólio do pau-brasil. O estanco significou o monopólio do governo português no
fornecimento de gêneros e escravos para São Luís; em contrapartida os colonos deveriam vender
toda a sua produção à Coroa. No Maranhão, a companhia de comércio foi coberta de mais
privilégios, todo o fornecimento de produtos ficou a cargo da companhia, sem restrições. Para
Caio Prado Júnior (1993, p.36-37), “o regime das companhias foi lament ável para os interesses
da colônia”. Sob o regime dessas instituições a economia da colônia não prosperou e seus
dirigentes defenderam interesses particulares, bem diversos dos interesses dos colonos, alvo de
abusos e práticas desleais.
No século XVIII, os empreendimentos portugueses – o Brasil e os centros autônomos –
“se interligavam, se bem que de maneira fluida e imprecisa, através do extenso hinterland
pecuário” (FURTADO, 2002, p.90). A bonança econômica não costumava atingi-los da mesma
maneira. É notável que no final dos anos 1700, o território do Maranhão tenha atravessado um
período de crescimento, motivado por sua intensa produção algodoeira e as demandas da
Revolução Industrial, tratando-se praticamente do primeiro surto econômico desde sua fundação.
O mesmo não aconteceu com o Estado do Brasil, que atravessou depressão econômica com a
desvalorização do ouro e dificuldades na região pecuária. A situação é alterada com as medidas
de Dom João VI após a transferência da Corte para o Rio e a abertura da economia (FURTADO,
2002, p.91).
O progresso econômico maranhense concretizou-se sob uma nova companhia de
comércio, desta vez revigorada pela gestão pombalina, em 1755. No entanto, não atingiu 30 anos
de serviços, sendo extinta por D. Maria I, em 1778. Sustentada pelo algodão e o açúcar, com
elevados preços no mercado externo, os produtos maranhenses geraram lucros e dívidas até
meados de 1820, quando a produção de algodão norte-americana foi retomada. Após a nova
debilidade, a economia soergueu-se entre 1850-1870. Persistiram, contudo, as dificuldades da
economia agrícola:
O lavrador maranhense não tratou de modernizar seu padrão antiquado de
produção, organizando o trabalho conforme a mentalidade capitalista
prevalecente no mundo. A resistência senhorial parece que obnubilou
agricultores e comerciantes otimistas quanto à perenidade daquela riqueza fugaz,
sem levar em conta a estrutura do sistema produtivo e sua dependência de
fatores externos. (LACROIX , 2002, p.71)
A abertura econômica em 1808, o tratado de comércio com a Inglaterra de 1810 e a
enxurrada de produtos daquela nação no mercado interno brasileiro alteraram a fisionomia da
economia e colocaram a colônia no raio de influência britânica. Atordoada com os
acontecimentos na Europa, a invasão de Lisboa pelos franceses e as pressões de Napoleão, a
Metrópole cedeu ao governo inglês e promoveu reformas econômicas. Furtado (2002, p. 32)
analisou a questão: “Portugal compreendeu, assim, que para sobreviver como metrópole colonial
deveria ligar o seu destino a uma grande potência, o que significaria necessariamente alienar
parte da sua soberania”.
Novamente atropelado pelo contexto internacional e sem posição firme frente às questões
econômicas e políticas, o governo português deu um golpe de morte em sua própria economia
deflagrando a abertura dos portos e o fim do seu monopólio no fornecimento de manufaturas ao
Brasil ao se tornar importador das mercadorias vindas de portos ingleses. Em plena revolução
industrial e com os mercados europeus fechados em função dos conflitos e pendências políticas, a
Inglaterra vislumbrou nos territórios lusitanos os novos consumidores de suas mercadorias
(FURTADO, 2002, p.35).
A engrenagem do sistema colonial, sintetizada no monopólio comercial, vai sendo posta
abaixo. As restrições econômicas caem e mobilizam a elite portuguesa na defesa dos seus
interesses, movimento expresso na Revolução do Porto, de 1817, e nas tentativas de reordenar o
jogo de forças e trazer o Brasil à condição de colônia e não de reino unido a Portugal. A abertura
econômica, as melhorias na infra-estrutura do território, a montagem da burocracia estatal e as
revoluções nas províncias favorecem a emancipação brasileira em 1822 e a construção da
identidade nacional (PRADO JÚNIOR, 1993, p. 45).
A débil administração do território brasileiro por Portugal e a condução contraditória da
economia e da política frearam o desenvolvimento da colônia, bem como o fomento das
atividades fabris e industriais, sujeitas à preponderância da produção agrícola e aos interesses da
aristocracia rural e da elite portuguesa. No Maranhão, a indefinição do papel do território na
política econômica lusitana arrastou o centro autônomo ao marasmo, ao lento povoamento, aos
desmandos de governantes e comerciantes e aos conflitos sociais, quadro amenizado pela
valorização do algodão e do açúcar no exterior, no final do século XVIII. Anexado ao Brasil em
1823, após embates entre portugueses e brasileiros no reconhecimento da independência, o
destino do Maranhão ficará atrelado às prioridades do governo brasileiro, suas vitórias e
fracassos.
QUADRO 03
Ausência de infra-estrutura
A falta de infra-estrutura na capital maranhense e nos municípios da Província,
caracterizada pela precária urbanização e as deficientes estradas, contribuiu para o
retardamento do progresso econômico, o isolamento das comunidades, bem como dificultou a
circulação de idéias e a mobilização social, fomentadores da opinião pública, cuja amplitude
dos debates também mede-se pelos embates na imprensa.
O lento desenvolvimento econômico, pontilhado por progressos forjados a partir de
contextos favoráveis no mercado externo, esbarrou no pouco interesse governamental em
dotar o território de infra-estrutura. Lago (2001, p. 17) descreve de forma contundente o
estado das vias que interligavam os municípios, no princípio do século XIX: “ponte não há
uma só permanente, havendo tantos rios, e alguma que há, é de paus brutos, grosseiramente
ligados por meio de cipós. Não é melhor o estado das estradas, que a todas podemos chamar
de caminhos de vizinhança” (grifo do autor).
Verifica-se, como analisa Meireles (2001, p.256), que o modelo econômico sedimentado
na exportação e na escravidão da mão-de-obra, adotado no Maranhão, concentrou os lucros
das transações comerciais nas mãos de uma pequena elite econômica, que tampouco,
espelhando-se no governo local, se interessou em dotar o território de boa infra-estrutura.
Quando implantou projetos permanentes no sentindo de proporcionar melhorias nas
localidades, tais iniciativas foram delimitadas a determinados espaços das cidades, deixando a
maior parte da população excluída dos benefícios.
De acordo com Ribeiro Júnior (2001, p.63-64), as primeiras tentativas de promover o
calçamento das ruas de São Luís ocorreram em 1804, mas a iniciativa não se concretizou
porque se voltou no terceiro decênio daquele mesmo século a retomar o projeto, contudo
restrito às áreas nobres da capital. Configura-se neste episódio a tendência de “segregação
espacial na urbe ludovicense”, como aponta o autor (2001, p.64). Os chamados códigos de
posturas, organizadores da ocupação das áreas citadinas, foram implementados em São Luís
somente na segunda metade do século XIX com o objetivo de ajustar a organização da capital.
Data da mesma época a construção de estradas ligando o bairro central às periferias e a
construção do Cais da Sagração, além da criação da Companhia das Águas de São Luís, de
1874, e o assentamento de trilhos para os bondes (RIBEIRO JÚNIOR, 2001, p.68).
Concentrando o fausto econômico no Maranhão, a capital São Luís, mesmo assim,
somente amparou-se de uma via de expressiva importância apenas no século seguinte. A
Estrada de Ferro São Luís-Teresina, que margeou o rio Itapecuru, foi inaugurada em 1921,
contribuindo para a manutenção da cidade como ponto principal para escoamento da produção
(RIBEIRO JÚNIOR, 2001, p. 76). Essa tendência, com veremos adiante, mudou com a
implantação de projetos econômicos no interior do Estado e abertura de estradas federais,
principalmente na segunda metade do século XX.
Meireles (1992, p.16) confirma que no começo dos anos de 1900 não havia rodovias no
Maranhão e a Estrada de Ferro São Luís-Teresina, que custou cerca de 45 mil conto s, era a
única até então, situação que mostra o precaríssimo funcionamento das vias de comunicação.
É notável nesse período as dificuldades atravessadas pelo Maranhão, com o fim da escravidão
em 1888 e as mudanças políticas e econômicas desde a independência do Brasil. O Estado
lentamente recompunha-se diante dos desafios advindos da adesão à emancipação brasileira e
diante de todos seus desdobramentos.
No rastro da decadência econômica maranhense, retomamos Meireles (2001, p.306), em
sua obra sobre a História do Maranhão, para registrar o comentário do autor a respeito das
dificuldades enfrentadas pelo governo local durante as primeiras quatro décadas da vida
republicana. Um fato, sublinhado pelo historiador, ilustra a queda do Estado no quesito
economia, refletindo-se na infra-estrutura oferecida à população:
Nossa capital que fora das primeiras cidades, em todo país, a servir-se de
iluminação a gás e de transporte urbano a tração animal, e seria das últimas,
dentre a nossas metrópoles estaduais e cidades maiores, a poder substituir esses
serviços de utilidade pública, quando caíram em desuso, pelos de iluminação e
tração elétricas MEIRELES (2001, p.306).
No caso do Maranhão, o crescimento das cidades tem ligação direta com o surgimento da
imprensa. Na província, as localidades que apresentaram relativo crescimento econômico e
desenvolvimento social – como urbanização e estruturação de serviços públicos, foram as que
conheceram pioneiramente as atividades tipográficas: São Luís, Caxias, Viana, Codó e Barra
do Corda – situadas nas regiões Norte, Leste e Oeste (SILVA, 1981). Mas a ausência dessas
melhorias e a predominância de uma população rural e atrasada obstacularizaram a chegada
dos impressos em outras cidades maranhenses.
Pobreza da população
As profundas diferenças sociais, calcadas na divisão econômica da província do
Maranhão, marcaram o começo da sua colonização, fortalecida a partir dos anos 1600. Índios,
portugueses e negros compõem a população maranhense e protagonizam inquietações,
querelas e embates, ora como aliados, ora como antagonistas nos três primeiros séculos de
ocupação. De acordo com dados da inglesa Maria Graham, que viajou pelo Maranhão em
1821 (apud CALDEIRA, 2003, p.19): dos empregados na produção agrícola, 78% eram
escravos (69.534) enquanto 22% correspondiam aos homens livres (19.960). Segue quadro
com outros dados sobre a população total e suas condições sociais.
Quadro 4
Habitantes do Maranhão - 1821
Condição social População Total Trabalhadores na %
lavoura
Livres 35.618 19.660 29%
Escravos 84.434 69.534 71%
Total 120.052 89.494 100%
Fonte: Graham (apud Caldeira, p. 20, 2003)
Lago (2001, p.25), em sua obra sobre as estatísticas histórico-geográficas da Província do
Maranhão, apontou que as condições sociais eram precárias para as camadas pobres. Apesar
do crescimento econômico, no final dos anos 1700, o quadro é crítico. Há grande mortandade
de crianças e moléstias “que por diferentes modos abreviam a vida”. Sobre os escravos, ainda
conforme o autor, as atribulações são mais pesadas, “miséria, vício e castigo, pois bem é
sabido é que não há classe mais desprezada e miseravelmente tratada e que sofre castigos
mais duros e caprichosos”.
Os índios escravizados pelos colonos estrangeiros permanecem, desde os primeiros
contatos, na camada mais baixa da população e representavam um produto valioso e
disputado por eclesiásticos e portugueses até o século XVIII, quando foi abolida a escravidão
indígena e incrementado o tráfico negreiro. A posse de índios era lucrativa a tal ponto que
motivou uma disputa que engrossou os conflitos sociais e provocou a expulsão dos jesuítas
em 1661 e 1684 (LIMA, 1981, p.74).
Em 1819, de acordo com os viajantes Spix e Martius (apud CALDEIRA, 2003, p.76), o
número de índios aculturados era considerado baixo, somavam 9 mil, “extremamente pouco e
só se explica pelas terríveis devastações, feitas pelas bexigas e outras doenças importadas
pela Europa”. Quanto aos isolados, estes eram mais de 80 mil. De acordo com os
apontamentos desses autores, as nações existentes dividiam-se em timbiras, que habitavam
entre os rios Balsas e Itapecuru; os gamelas, que viviam nas áreas dos rios Pindaré e Turiaçu
e próximos às cidades de Viana e Monção; e Jês, moradores das margens dos rios Tocantins e
Capim (apud CALDEIRA, 2003, p.77-80).
A população africana estava, ao lado dos índios, nos estamentos sociais mais segregados.
O número de escravos cresceu a partir da segunda metade do século XVIII e se elevou
gradativamente, embora se precisar quantos foram permanece um desafio para os
pesquisadores dada a ausência de estatísticas concretas, porém Viveiros (1954, p.86-87)
destaca as seguintes: 3 mil antes de 1755, 12 mil no período da Companhia de Comércio
(1756-1777), 15 mil até o fim do século XVIII e 30 mil na centúria seguinte. O tratamento
destinado aos escravos era desumano e cruel, de acordo com informações de Magalhães
(2001, p. 20):
numerosos braços negros são tratados com tão bárbaro rigor, que até o
necessário lhes negam: uma espiga de milho é o seu almoço, arroz e farinha o
jantar, do mais lhes fornecem a rapina e a caça; andam nus ou cingidos com uma
pequena tanga, salva as poucas exceções; e por isso procuraram os escravos
subtrair-se ao jugo do senhorio. (MAGALHÃES, 2001, p. 20)
Os portugueses, descendentes e os estrange iros estavam no topo da pirâmide social. Eram
latifundiários, lavradores, funcionários públicos e comerciantes. Não constituíam uma
camada homogênea, seus elementos espalhavam-se pela capital – lugar de autoridades
consideradas despóticas e corruptas – e pelo interior, sede da aristocracia rural (LIMA, 1981,
p.127). Esses segmentos sociais, ligados à camada de maior poder econômico, enfrentaram-se
no processo de independência brasileira em razão dos interesses econômicos e políticos em
jogo, sintetizados na escolha entre a manutenção do pacto colonial ou o livre comércio.
Na confluência de diversas origens – portuguesas, indígenas e negras - a miscigenação é
um dos traços da sociedade maranhense em formação entre os séculos XVIII e XIX, fator de
tensões soc iais, fomentadas pelos interesses políticos e a concentração de poder econômico.
Aos índios, negros, cafuzos e mulatos, indivíduos das camadas mais baixas, a discriminação
costumava ser tratamento corrente, como ilustra uma passagem de O Mulato, romance de
Aluísio Azevedo sobre as diferenças sociais, ambientado em São Luís, no último quartel do
século XIX. A mentalidade segregadora de elementos das classes mais ricas é percebida em
uma das descrições da personagem Maria Bárbara, portuguesa de família abastada:
Maria Bárbara tinha o verdadeiro tipo das velhas maranhenses criadas na
fazenda. Tratava muito os avós, quase todos portugueses; muito orgulhosa;
muito cheia de escrúpulos de sangue. Quando falava nos pretos, dizia ‘sujos’ e,
quando se referia a um mulato, dizia ‘o cabra’. Sempre fora assim, e como
devota, não havia outra. Em Alcântara tivera uma capela de Santa Bárbara e
obrigava a sua escravatura a rezar aí todas as noites, em coro, de braços abertos,
às vezes algemados. Lembrava-se com grandes suspir os do marido ‘do seu João
Hipólito’, um português fino, de olhos azuis e cabelos loiros (AZEVEDO, 2003,
p. 23)
Essa mesma elite, formada principalmente por brancos, ao vivenciar um segundo surto de
crescimento econômico, registrado entre 1850 a 1870, como situa Lacroix (2002, p.71), erigiu
novos hábitos – inspirados nas capitais européias. O luxo, a prosperidade e a sofisticação
experimentados construíram a mentalidade de uma sociedade superior, afastada do legado
lusitano. Nas décadas seguintes, com as dificuldades econômicas, agravadas com a abolição da
escravatura, a perspectiva do sentimento aristocrático e da superioridade do homem da terra veia
à tona e deu fôlego à origem francesa, decantadas por historiadores do século XX e negada pelos
primeiros estudiosos da história maranhense.
A origem francesa é aplaudida e retificada por parte dos pesquisadores em fins do século do
XIX, consolidando a data comemorativa da fundação da cidade, 08 de setembro, que marca a
chegada dos franceses na região, apesar de não existirem edificações ou leis remanescentes do
breve período da ocupação das tropas de La Ravardière, que permaneceram três anos no território
maranhense, de 1612 a 1615. Os casarões ainda hoje existentes foram conseqüência de obras da
Coroa portuguesa, bem como as primeiras concepções referentes às habitações, as regras para uso
da terra e o ordenamento do comércio.
Será que a vitória de Bequimão consistiu em plantar a semente da rejeição ao
jugo português, a qual veio brotar quando a reação da qualquer idéia de
dominação e subordinação foi fortalecida pelo ideário da França de 1789? Ou
será que o mito da origem francesa, apoiado na idéia de singularidade, foi um
mecanismo de auto-afirmação do maranhense na fase de declínio econômico e
marasmo socia l? (LACROIX , 2002, p. 46)
Nesse panorama de pobreza, livros ou jornais não eram presença constante nos lares,
comércios e igrejas, principalmente até o final do século XVIII. Pensamentos, idéias ou
informações circulavam nas conversas ou nos panfletos manuscritos. A situação começou a
alterar-se com a primeira tipografia maranhense, que chegou em São Luís em 1821, mantida pelo
Erário Real, até 1830 foi a única a funcionar na província (SERRA, 2001, p.21).
Exclusão Social
O desenvolvimento socioeconômico do território maranhense foi marcado por duas
vertentes: a concentração de renda e de poder político. Como pontua Meireles (2001, p. 305), a
província escravocrata e agrícola testemunhou o alargamento de suas bases, formadas por
segmentos desprovidos de poder, escravos e homens livres, trabalhadores das propriedades
privadas, e manteve intacta, no topo da pirâmide social, uma diminuta classe formada por
portugueses e seus descendentes, detentora dos lucros e dos instrumentos políticos, que
potencialmente podiam influenciar o destino do território.
Neste quadro, a exclusão social acentuou-se, especialmente a partir do boom econômico
do século XIX, com elevada produção de arroz e algodão para o exterior. Tomou corpo um
abismo social, na qual as relações de classe caracterizavam-se pela subordinação acentuada e pela
predominância a ferro e fogo do pensamento da classe dominante sobre os segmentos mais
baixos. Essas diferenças sociais contundentes desaguaram em conflitos sociais entre dominados e
dominadores. Citemos os que entraram para a história maranhense: os conflitos entre colonos e
jesuítas nos anos 1600 (LIMA, 1981, p. 70); a Revolta de Beckman, no mesmo século
(LIBERMAN, 1983, p.83) e a Balaiada, entre 1831 e 1841 (PRADO JÚNIOR, 1993, p.78). Esses
acontecimentos sintetizaram os choques travados entre grupos sociais distintos em razão de
questões sociais, políticas e econômicas.
Um exemplo citado de conflito entre as classes sociais maranhenses personificou-se na
Balaiada, insurreição ocorrida nas regiões mais ricas da província, nas margens do Itapicuru e
Parnaíba. Não se tratou de um único levante, agregou pequenos movimentos, abrangendo desde o
litoral à ilha de São Luís. Seus personagens têm origens nas massas sertanejas e nos negros
escravos. Os embates simbolizam a luta entre liberais e conservadores, classes médias contra
grandes proprietários de terra, cidade versus interior (PRADO JÚNIOR, 1993, p.79). Na capital,
os liberais eram conhecidos como bem-te- vis, em função do nome do jornal O Bem-Te-Vi, que
reuniu os elementos democráticos. A insurreição não reuniu forças políticas consideráveis e
apresentava-se com certa desarticulação. Os ânimos arrefeceram em 1841 com a chegada do
coronel Luís Alves de Lima e Silva, duque de Caxias, e a reacomodação de forças políticas
locais.
A desigualdade social na província do Maranhão, assinala Assunção (2000, p. 37),
mostrava-se maior que nas demais províncias. Refere-se o autor ao fato de os comerciantes
portugueses serem riquíssimos, possuírem muitas terras e acumularem um número elevado de
escravos. Cita o exemplo do comerciante José Gonçalves da Silva, conhecido por “O Barateiro”,
dono de 1500 escravos e com fortuna calculada em 7 milhões de cruzados, e José Antonio
Meireles, que concedia empréstimos na praça no valor de 1.200 contos.
Esse empresariado rural mercantil, formado por representantes do modelo econômico,
grandes proprietários de terras e escravistas, pouco adequou sua produção agro-industrial, ao
final do século XIX, às mudanças tecnológicas, preferindo aplicar os vultuosos recursos
arrecadados em “padrão de vida suntuária” e “consumo ostentatório” (TRIBUZI, 1981, p.20). A
concentração de renda e a falta de visão política demarcaram um quadro social caracterizado pela
exclusão social, com a maioria da população à margem do processo decisório, e uma reduzida
parcela usufruindo da riqueza gerada e ditando as regras do jogo político vigente.
A imprensa demorou a vingar nesse contexto sócio-político por
conta do atraso econômico da província e da ausência de grupos sociais
organizados, capazes de mobilizarem-se de forma sistemática em torno de
causas coletivas e de proporem mudanças na estrutura política e no
modelo econômico adotado, ou seja, grupos capazes de aquecer os jornais
com a opinião e discutir propostas para os cenários que se formavam.
A DIFUSÃO DA IMPRENSA
NO MARANHÃO NOS SÉCULOS XIX E XX
Capítulo II
A DIFUSÃO DA IMPRENSA
NO INTERIOR
QUADRO 5