Através Da Bahia
Através Da Bahia
Através Da Bahia
BIBLIOTECA
BRASILIANA
PEDAGGICA
Vol. 118
BRASILEIRA
ATRAVS DA BAHIA
Excertos da obra Reise in Brasilien
Trasladados a portugus pelos
Drs. Piraj da Silva e Paulo Wolf
Trabalho apresentado ao 5 Con gresso Brasileiro de Geogra fia e
aprovado com louvor.
Terceira edio
1938
COMPANHIA EDITORA NACIONAL
So Paulo Rio Recife Porto Alegre
NDICE
Introduo ........................................................................
03
Prembulo ........................................................................
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INTRODUO
PREMBULO
ideais mais nobres, e, agora conhecedores dos in calculveis tesouros encerados no solo baiano, possam,
cientes da sua natureza, sede e extenso, explor-los
para maior benefcio deste grandioso Estado e da Nao
Brasileira.
E so, os nossos sinceros votos que, se
realizados, fartamente nos recompensaro o esprito, por
esse afanoso trabalho, que nos consumiu grande cpia
de esforo, tempo e boa vo ntade.
Montanhas de ferro, grandes moles de mrmore e
de alabastro, ricos files do nobre metal, que sulcam as
entranhas da terra, poderosas jazidas, tudo enfim, no
mais quedar na impassibilidade improdutiva e latente.
Mais ao, menos verbalismo.
Faamos nossas as palavras do genial Rui
Barbosa: o domnio absoluto do verbalismo, esse
vcio atrofiador da energia mental das geraes
nascentes, que uma das maiores autoridades de Frana
nestes assuntos acusava, depois da catstrofe nacional
de 1870, como a chaga de que mais sofria a educao
naquele pas. (Prembulo s Primeiras lies de coisas
Calkins).
O brasileiro, sob pena de ingratido ou
ignorncia, no tem o direito de desprezar o concurso,
que as outras naes cultas lhe tm prestado para o
conhecimento e engrandecimento do seu pas.
Muito devemos Frana, representada por seus
sbios: Saint Hilaire, Bompland, Liais e outros;
Alemanha pela sua constelao de sbios: Martius, Spix,
Humboldt, von der Steinen, Koch Grnberg; ustria
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PREMBULO 2 EDIO
files, ricos de quartzo branco. proporo que subamos do vale, em forma de bacia, revestida de fresca
verdura e limitado por essa montanha, situad a perto do
Hospcio, reencontrvamos, a mais e mais, um carrasco
das mesmas plantas do Serro Frio, especialmente dos
planaltos de Minas Novas.
Em frente a ns branquejava a casaria bem caiada
h vinte anos, explorando, em grande escala, a cultura
rodeada de colinas, prometendo hospitaleiro abrigo aos
viajantes cansados.
Caetit
Caytet (Caetet ou Vila Nova do Prncipe) (5) ,
semelhante a Minas Novas, pelo clima e vegetao,
vem, h vinte anos, explorando, em grande escala, a
cultura do algodo e se tornou, por isso, um dos mais
ricos logradouros do serto baiano. Existem, ai,
atravessadores que, anualmente, remetem para a Bahia
mais de mil animais com cargas.
No prprio lugar, o preo da carga de 6 a 7
arrobas mantm-se entre 22$000 e 25$000 (66 at 69 1/3
florins), enquanto que na Bahia, durante a nossa estada,
se oferecia 5$200 e at 5$800, por arroba.
O algodo da despachado, no s produto dos
arredores, tambm vem do distrito de Minas Gerais,
situado mais para oeste.
A parte norte e leste dessa provncia manda o
algodo do lugar de origem, arraial do Rio Pardo, para a
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no Brumadinho, sem estratificao distinta, saltea damente, numa espessura de muitas centenas de ps.
Compe-se esta espcie de rocha, de grnulos
cinzentos claros de quartzo, nos quais esto encravados
pedaos de grs quartzfero avermelhado, e de xisto
psamtico vermelho, estando, freqentemente, a
formao misturada com grande quantidade de mica
prateada.
Serra da Itaubira
A essa formao, ou argila sobre ela colocada,
pertencem, provavelmente, certas massas de ferro
oxidado, argiloso, ocas, (11 ) contendo um p vermelho
muito fino, que, segundo a anlise do meu venerando
colega Conselheiro Vogel, se compe de xido de ferro,
alumina, slica, um pouco de cal e magnsia, sendo
usado pelos habitantes como tnico. O monte mais alto
desse distrito, a Serra da Itaubira, deve provavelmente
apresentar a mesma formao de grs vermelho, no
vrtice, em forma de cone e, a nordeste do Morro
Redondo, eleva-se de muito no firmamente azulado.
Calculamos a altura em cinco mil ps, pouco mais ou
menos.
Notam-se, muitas vezes, geadas no cimo dessa
montanha.
Na vila mostraram-nos grandes pedaos de
alabastro, suposto da vizinhana do Rio Santo Antonio,
onde dizem que se apresenta em rochedos inteiros.
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As camadas de gneiss estendem-se numa espessura de 1 a 8 ps, em direo de norte a sul, nas
horas 22, 23 e 24, e pendem para leste, formando
grandes ngulos.
Plantas forrageiras venenosas
A muito custo alcanamos o desfiladeiro da
montanha, pois, para cmulo de infelicidade, a maior
parte dos animais de carga haviam comido, durante a
noite, uma erva venenosa, tremiam, resfolegavam
tristemente e deitavam-se nos pontos mais ngremes do
caminho, obrigando-nos a levar as cargas at a ladeira
do lado oposto, pela qual desciam com menos esforo,
porque esta espcie de envenenamento dificulta,
principalmente a ascenso.
Com grande pesar de s muito ligeirame nte
termos podido observar esta interessante regio,
descemos, a custo a ladeira de leste, em forma de
terrao, ornada de magnficas flores alpinas e, nem ao
menos tivemos tempo de colecionar as plantas, que
constituem uma flora muito particular na cordilh eira.
Desenrolava-se diante de ns ampla vista de
colinas, cobertas de caatingas sem folhas, at descer
para um planalto mais baixo, onde est situada a fazenda
Carrapatos. (16 )
Pode considerar-se esta serra do Sincor, como a
ltima irradiao nordeste do grande macio da serra da
Mantiqueira, Traa o limite entre o planalto e as
baixadas da Provncia da Bahia.
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Pescaria de baleias
V-se ainda que nestas costas os esforos dos
baleeiros brasileiros do bons resultados.
Do Cabo de So Roque at o Rio da Prata
aparecem baleias (sem dvida Balaena Mystecetus e
Physalus, L.) em grande quantidade e os baleeiros
brasileiros pescam-nas de junho at agosto. Refinam o
leo nas fbricas (Armaes) da Bahia (onde se acham
contratos na Barra, entre o mar e a Ca pela de So
Bento), em Itaparica, Rio de Janeiro, Britioga, perto de
Santos, na ilha de Santa Catarina e no Rio Grande do
Sul. Esses pescadores no navegam os pontos nortes das
costas brasileiras em grandes navios, semelhantes aos
dos baleeiros escandinavo s ou de alguns empreiteiros
norte-americanos que, s vezes, a aparecem, mas em
barcos, a pequenas distncias e, muitas vezes, s vo ao
mar, quando de terra avistam a baleia.
Se bem que esse modo de pescar baleias exija
menores despesas pois o azeite no extrado, nem
embarricado em alto mar e as baleias mortas so, por
meio de cabos, puxadas para a costa e a preparado o
azeite, fora de dvida que este ramo de indstria, em
maior escala, poderia dar muito mais lucro, se fossem
empregados aparelhos mais apropriados.
Baleeiras
Os barcos, em que se perseguem as baleias, so
pequenos, geralmente equipados por um s arpoador e
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NOTAS
(1) Malhada Localidade baiana, situada margem direita do
rio So Francisco, donde partiram os naturalistas: Spix e Martius,
em direo cidade do Salvador Bahia. Nota do Tradutor, Piraj
da Silva.
(2)
RIO SO FRANCISCO
Todo o curso do rio So Fran cisco, desde sua nascente, na
encosta oriental da Serra da Canastra, at sua foz, j conhecido
dos brasileiros, pelo menos, de h 30 anos.
Aqum da juno com o Rio das Velhas, desde o comeo do
sculo passado, foi ele atravessado em vrios pontos, quan do os
paulistas e mineiros dilataram suas bandeiras para Oeste; e, de h
70 anos que navegado de So Romo em diante.
A lenda referida por Southey, (History of Brazil, I, pg.
534) segundo a qual ele devia nascer de um lago rico de ouro (de
um daqueles fabulosos lagos dourados, Mano, to falados na
Amrica do Sul), pertence, portanto, poca mais remota.
Outra notcia tambm transmitida pelo mesmo escritor, de
que o rio, perto do lugar Sumidouro, corre 11 a 12 lguas por um
canal subterrneo, no nos foi referida em parte alguma do Brasil,
e parece assentar em falsa informao. Dizem que as ltimas
nascentes provm de uma altura, cerca de 3.500 ps, sobre aquele
vastssimo altiplano, para o poente, o qual forma extensa vertente
dos rios que, ao Sul, desaguam no Rio Grande e, no Norte, no So
Francisco e que, por isto, mui apropriadamente, von Echwege a
chamou Serra das Vertentes. A altura do Rio So Francisco, perto
da balsa do Par, nas cercanias da foz do Rio Paraopeba, de
conformidade com as medies baromtricas procedidas pelo
referido amigo e de muito merecimento para a geografia bra sileira, orou por 1.777 ps parisienses;(1) da decresce at as
cachoeiras de Pirapora, formadas por bancos de grauwacke no rio,
94 ps, e algumas milhas adiante, para o Norte, na juno com o
Rio das Velhas corre ainda cerca de 81 ps, mais fundo, isto ,
1.602 ps acima do nvel do mar. Da em diante parece que a
correnteza se acelera muito menos, descendo do prprio planalto
de Minas, para as regies mais baixas; e, as curvas no largo leito
do rio so sempre mais numerosas nas fronteiras da Bahia, para
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ENTOMOLOGIA
As vrias espcies de abelhas de que tivemos notcias no
serto foram as seguintes: jatai grande e pequeno, por bravo e
manso, mumbues, mimbuquinha, marmeada preta e branca, uru
de cho e de pau, uru-boi, uru pequeno, tataira mandaquira,
que de preferncia visita as flores do jacarand, a cabea de lato,
caga fogo, cuja ferroada produz empolas e inflamaes perigosas,
razo pela qual, s noite, se arriscam a tirar o mel: sete -portas,
que faz colmeia muito artstica; iratim, sanhar grosso, sanhar
mido, (abelho) mandasaia, munduri preto, vermelho, legitimo,
mirim e munduri, papa-terra, vamos embora que enxamea bastante, cabiguara, xup, arapo, abelha do cupim, que fabrica cera
cor de rosa, preguiosa grossa, fina e mosquito.
A desconhecida a abelha europia.
Compare a respeito das abelhas da Guyana, van den Heuven,
in Sillimans northamerican Jouru. v. 3. p. 30.
FLORA MEDICINAL E INDUSTRIAL DO SO FRANCISCO
As plantas da Provncia de Minas, que passo a relatar pelas
propriedades teraputicas j conhecidas, ou ainda por expe rimentar, e outras, pela utilidade, so as seguintes:
1. Noz moscada do Brasil conhecida com este nome, nas
matas das montanhas, nas fronteiras orientais de Minas Gerais,
uma grande rvore de porte semelhante ao do loureiro. Possui
folhas oblongas, coriceas e bagas redondas, um tanto nervad as,
do tamanho de bala de espingarda, sobre pednculos axilares.
Pertence, provavelmente ao genero Litsae. As bagas,
maxim, quando maduras, so do sabor e cheiro excessivamente
aromticos. Talvez tenham efeito igual ao da fava pichurim.
2. Vicuia ou Bicuba Bicuba redonda, tambm noz
moscada do Brasil, Myristia officinalis, Mart. O arilo rubro
escarlate fornece uma espcie de noz moscada que, entretanto,
possui aroma. A semente mesma, do tamanho de bala de
espingarda, tem sabor amargo, aromtico e , es pecialmente,
usada nas clicas, atonia gstrica e dispepsia. Somente
suportada em pequena dose, pela notvel quantidade de leo. Esse
leo extrado por espremedura das sementes cozidas, aplica -se em
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SALITRE
Um exame qumico praticado pelo me prezado colega, Sr.
Cons. Vogel, em terra da Lapa Grande, revelou conter ferro e, em
verdade, nenhum salitre completamente formado, porm, azotato de
clcio com gesso e clorureto de clcio. O processo do sertanejo
preparar o salitre tem por fim combinar o cido ntrico ao po tssio
da lixvia de potassa, ajuntada durante a precipitao da terra
calcria, primitivamente unida quele cido. Alm disso, ficou
patente, pela nossa demonstrao, que a existncia em Formigas e
em regies anlogas, nem est de acordo com o que observou von
Barrow na fonte heptica (Hepatite Wells), no Sul da frica, onde o
salitre, como em Pulo Molfetia na Apulia, aparece em cristalizao
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(5)
(6)
NOSOLOGIA
As estadas que fizemos em Contendas e no Rio So Francisco
nos proporcionaram ensejos mais freqentes para observaes
mdicas; e, agora, ser oportuno relatar aquilo de mais interessante.
Quanto mais nos afastvamos do planalto de Vila Rica e
Tijuco, rumando o norte, tanto mais visvel e ntido se impunha o
caracterstico das doenas abdominais, ao revs do das torcicas, e
catarrais e reumticas, predominantes naquela regio.
Como receptividade geral para as doenas abdominais deve
tomar-se em considerao, certa meiopragia da d igesto,
freqentemente manifestada nos sertanejos, por anorexia ou bulimia
exagerada, pelas repetidas eructaes e freqentes indigestes,
trazendo como conseqncia a emisso de gases, considerado
menos inconvenincia, do que doena.
Essa fraqueza provocada, principalmente, por alimentos
pesados: feijo, milho, mandioca, toucinho, gua m, cachaa ruim,
clima quente e exagerado sensualismo, fatores estes predisponentes
a vrias doenas.
Diversas dermatoses, a princpio, aparecem ligadas a
perturbaes gstricas; e, com efeito, a erisipela, que descrevendo
com o nome de sarna, deve ser, talvez, o mais simples desses
estados mrbidos.
De carter grave se revestem essas dermatoses pelas
freqentssimas complicaes com as discrasias sifilticas.
extraordinria a variedade das manifestaes, da marcha e do
prognstico destes estados mrbidos e, muitas dessas dermatoses,
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SERENO
A precipitao sob a forma de orvalho, da umidade existente
no ar, pela evaporao, sobre os corpos resfri ados, em
conseqncia da irradiao do calor, parece oferecer, nos pases
tropicais, problemas ainda no explicados.
Porque sendo o sereno to freqente em certos pases, como
Angola e Benguela, onde conhecido por cazimbo, semelhante
chuva fina, durante os meses secos, constituindo a fonte nica de
vida para a vegetao, quase esturricada, , entretanto, das mais
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loureiros, hymenas, etc., as quais, conforme a teoria da irra diao do calor, semelhante a metais polidos, no produziriam,
pelo resfriamento, condensaes lquidas sobre si.
Alm disso, me lembro que os nossos arreeiros, nos sertes
secos de Minas Gerais e Bahia, preferiam deitar -se no cho, sobre
o capim seco, do que sobre couros de boi que, pela manh,
estavam umedecidos pelo orvalho da noite, como as nossas camas
de campanha; entretanto, eles se levantavam com as toupas
enxutas.
Por este fato, parece confirmar -se que o capim fresco,
abstrada a formao orgni ca do orvalho, umedece mais
facilmente, do que a palha que se tornou, alm disso, mais lisa
pelo dessecamento e queda dos pelos.
Como, porm, durante grande parte do ano, nas regies
secas do serto, a vegetao apresenta -se estorricada, esta
particularidade repercute, de modo geral, sobre a formao do
orvalho. O resultado dessas consideraes seria: que a ausncia ou
presena do orvalho em certos lugares, depende sempre de muitas
condies em ao recproca. Demais disto, daria tema
interessante para fsicos e gegrafos indagarem em que proporo
a prpria flora influi no clima de uma zona, pela formao
orgnica do orvalho e se o fato das plantas, diariamente,
eliminarem cerca de metade da gua, correspondente ao peso da
sua folhagem deveria ser tomado como base de cotejo da formao
da gua, na vegetao dos prados e das matas; e no certamente
para descurar que nessas, a prpria expirao seja novamente
modificada pelas muitas camadas de folhas cadas e superpostas.
N.A.
(9) A pequena quantidade desse metal tornou impossvel uma
anlise exata. Tratado pela chama do maarico sobre carvo, ficou
reduzido a uma prola amarelada cingida de resduo negro, o qual
era fortemente atrado pelo m.
A prola, reduzida a folha delgada por meio da laminao,
no era sensivelmente atacada pelo cido aztico: dissolvia -se, em
gua rgia deixando resduo muito diminuto.
Esta soluo no se turvara com o adicionamento do cloreto
de amnio.
Em geral parece ser uma liga igual a que os antigos
chamavam electro, da qual Plnio (L. XXXIII Cap. 4) nos diz o
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Limonito. N. T.
(12) FSSEIS
A respeito dos ossos fsseis que trouxemos da Lapa Grande, meu
prezado colega. Sr. Cons. Dollinger, teve a bondade de comunicar
a seguinte observao: os fsseis apresentados so: algumas
falanges dianteiras do p, com a apohyse que sustenta a unha e
com evidentes vestgios de estojo sseo; alguns ossos, aos quais
imediatamente se articulam estas falanges anteriores, tal qual o
que Cuvier, f. I, n 2, desenhou do Megalonys; vrias peas de
metatarso, das quais nenhuma, entretanto, se ajusta outra; um
fragmento do osso ilaco; algumas vrtebras, a maior parte
fraturada, peas de condylos da articulao coxo-femural e,
finalmente, ainda, alguns fragmentos que no podem ser
classificados com justeza. Os formatos das falanges, o modo de
juno, o fragmento do osso ilaco, no deixam a menor dvida
que todos os ossos pertencem a um animal aparentado com o
Megatherio, apenas no so eles to grandes. O animal a que
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96
99
Quando, ao deixarmos Itaparica, nos apro ximamos da ponta de terra fronteira, onde est situada a
antiga capital do Brasil, tivemos, ao primeiro lance de
vista, o ensejo de lhe observar a extenso e a grandeza
do seu comrcio.
Se bem que, de referncia s belezas de uma
natureza grandiosa e s obras da atividade humana, no
possa esta cidade ser comparada ao suntuoso Rio de
Janeiro, todavia, primeira vista, a Bahia despertar as
mais agradveis impresses ao viajante, que sentir
prazer em ligar suas contemplaes, s idias sobre a
dignidade do gnero humano e magnitude dos seus
esforos.
Bahia
A projeo de terra do continente, que limita a
leste o golfo, tem a costa de oeste recortada entre as
extremidades sul e norte, (ponta d e Santo Antnio e
ponta de Monserrate) em duas baas, estando a cidade
do Salvador, geralmente chamada Bahia, edificada sobre
a do norte, que a maior, na extenso de quase uma
lgua.
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O terreno to desigual e acidentado, principalmente para oeste, que ao longo da costa h apenas
espao para uma nica rua principal, cortada por
algumas vielas.
A outra parte da cidade eleva-se em terraos e a
maior ocupa o dorso montanhoso do promontrio, numa
altura de 100 a 200 ou mais ps, sobre o litoral.
Cidade Baixa
Largas fachadas de trapiches e armazns beira
mar, e, em cima, casas altas, tendo ao lado do mar
compridas varandas de madeira, denotam ser uma cidade
mais industrial e populosa do que belamente edificada.
Diversas ladeiras, sem casas, so revestidas de
bosquezinhos silvestres, de bananais e laranjais, que so
para, o europeu recm-chegado, os alegres anunciadores
de um pas tropical.
Na parte baixa da cidade, Praia ou Cidade Baixa,
ouve-se o borburinho do comrcio.
Forte do Mar
Numerosos navios de todas as naes, ancorados
muito perto da cidade, sob a proteo das baterias do
Forte do Mar e do Forte de So Felipe, que lhe fica
fronteiro, ao norte, descarregam para os espaosos
trapiches da alfndega e deles retiram grandes carre gamentos de produtos nacionais.
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Alfndega
Este trabalho e bem assim a condio da Alfndega (3 1) para os vizinhos trapiches pertencentes aos
negociantes ocupam, como no Rio de Janeiro, muito
negros semi-ns, que transportam a carga, dando gritos
compassados.
Lojas, armazns, livrarias e farmcias
As lojas abertas mostram abundncia incrvel de
mercadorias europias. So ricamente sortidas de
fazendas inglesas, chapus, artigos de cutelaria, artigos
franceses de modas, linho alemo, ferragens, artigos de
Nuremberg, fazendas portuguesas, grossas, de algodo
e, especialmente, pequenos chales milticores.
Mantimentos europeus e bacalhau (principal ar tigo de exportao dos norte-americanos) so oferecidos
em grandes quantidades.
As poucas farmcias parecem instaladas como em
Portugal e so providas, em abundncia, de especficos
ingleses e remdios secretos.
Algumas pequenas livrarias, onde, em vo, se
procuram as produes da literatura brasileira, no
levam a se fazer alto conceito das exigncias cientficas
dessa movimentada cidade comercial.
Entretanto, so grandes e numerosos os ar marinhos, onde se vendem pedras multicores de Minas
Novas, lapidadas, para fivelas, alfinetes, brincos,
pentes, etc., correntes de ouro e de prata de diversos
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sempre com gratido reconhecidos na Bahia, conseguiu se por meio de loterias uma valiosa coleo de
impressos novos sobre todas as profisses, de modo a se
possuir hoje para mais de doze mil volumes.
Esse instituto acha-se aberto durante a maior
parte do dia, sendo, porm, pouco visitado. (45)
Hospital Militar
A maior parte do Colgio dos Jesutas est
ocupado, atualmente, pelo Hospital Militar. (46 )
As demais igrejas da Bahia, em nmero superior a
trinta, so de arquitetura sem importncia. Somente a da
nova e agradvel igreja de zimborio dos capuchinhos
italianos merece referida, sendo de lastimar que as
pedras multicores da fachada lhe alterem o efeito. (47)
Convento de Nossa Senhora da Piedade
Dos conventos das outras ordens religiosas, que
existem em grande nmero, nenhum se distingue por
beleza de estilo arquitetnico, muitos porm, se fazem
notar pelos ornamentos esquisitos ou pelo tamanho.
Hospital Civil, Casa da Misericrdia, Escola Ci rrgica, Orfanato e Palcio Arquiepiscopal
O Hospital Civil (4 8 ) (Casa da Misericrdia), a
Escola Cirrgica, (49 ) instalada como a do Rio de Janeiro,
o Orfanato (50 ) para brancos, ultimamente construdo e o
108
Dique
No Dique (54) vivem numerosos pequenos jacars,
de focinho comprido (Jacaretinga moschifer. Spix,
Lacertae Bras. t. 1), que exalam forte cheiro de
almscar, preveninco assim ao passeante de sua perigosa
presena.
Forte do Barbalho
Do lado de terra existe, alm dessa fortificao, o
Forte do Barbalho, que domina, ao norte da cidade, a
estrada principal para o continente. O lado do mar est
protegido por diversos fortes e baterias, cuidadosamente
tratados e bem providos de peas.
Forte e Farol de Santo Antnio, Fortes de Santa
Maria, So Diogo e So Felipe
Na ponta extrema do sul esto: o Forte e o Farol
de Santo Antnio, depois as baterias martimas de Santa
Maria e So Diogo e, em frente extremidade sul da
cidade, numa ilhota de rochedos no mar, o Forte de
Santo Marcelo, comumente chamado Fortim do Mar.
Esta , indubitavelmente, a mais importante fortificao
da praa; suas duplas fileiras de canhes dominam a
Praia e a parte do porto mais ao sul, cuja extremidade
norte protegida pelos canhes do Forte de Santo
Felipe, na ponta de Monserrate.
111
Forte de So Bartolomeu
Na entrada da pequena baa de Itapagipe est o
Forte de So Bartolomeu.
Que estas fortificaes parecem suficientes para
proteger o ponto mais importante da costa norte do
Brasil prova-o a histria da defesa da cidade durante
dezoito meses, pelo general portugus Madeira, contra
as imperiais tropas brasileiras (at 2 de julho de
1823). (55 )
Criados mais alguns pontos fortes nas ilhas da
bahia, seria fcil impedir completamente uma ocupao
inimiga desse belo e importante golfo, pois, pa ra sua
segurana, muito concorre a prpria natureza.
Defesa natural da Bahia
A entrada na baa entre o cabo de Santo Antnio e
a costa leste da ilha de Itaparica, tem a largura de uma
milha alem, s na metade leste, oferecendo segurana
navegao dos grandes navios de guerra, por ser o fundo
do mar muito desigual para oeste.
A costa leste da ilha de Itaparica acha -se
circundada de arrecife submarino, que se estende por
1/4 de hora, em direo ao alto mar. Mesmo nas
imediaes do Forte do Mar existem alguns lugares
pouco profundos, onde, ignorando -se a topografia,
podem os grandes navios sofrer avarias.
112
Barra Falsa
Paralela a essa entrada principal, existe ainda
uma outra situada ao fundo da baa, formada pela costa
oeste da ilha de Itaparica e contine nte fronteiro: chamase Barra Falsa e muito freqentada por pequenas
embarcaes, que fazem o comrcio costeiro entre a
comarca de Ilhus e a Capital. Essas embarcaes
podem evitar o mar alto, desde o Morro de So Paulo.
Para os navios de maior calado no tem o canal
bastante profundidade, especialmente em sua e ntrada ao
sul e no fundo da baa a nordeste.
Baixios
Entre a ponta norte de Itaparica, da Ilha dos
Frades, situada tambm ao norte de Itaparica, nas
embocaduras do rio Sergipe dEl-Conde e do Paraguass, h lugares perigosos, entre os quais os Baixios
dAlva e Salamandra. Os rochedos prximos Ilha do
Medo gozam da pior fama.
Os perigos so tanto maiores, quanto mais
considervel a rpida costuma ser na baa a vazante,
com os movimentos das guas, que se dirigem para o
lado de leste da entrada principal.
A mar grande comea nas conjunes da lua, s
3 horas e 30 minutos e eleva-se de 9 a 10 ps.
O ancoradouro mais seguro est situado perto do
Forte do Mar, para os grandes navios, a oeste, e par a os
menores, entre o Forte e a cidade. As maiores esquadras
113
arrabaldes: Vitria e Bomfim. (5 6) Ao observador consciencioso, que estudar a mistura feita de trs raas
humanas, no escapar o fato de serem mais raras a as
fisionomias puramente europias, comparativamente ao
que se observa no Rio, para onde tm afludo muitos
brancos, depois dos ltimos acontecimentos polticos.
Mesmo nas classes mais elevadas, observam-se,
s vezes, traos que lembram a mistura de ind genas e
negros, principalmente em algumas famlias burguesas,
que se orgulham com razo da sua origem, considerando-se brasileiros legtimos.
Ufanam-se das glrias de seus avs, por ocasio
da fundao da cidade e da expulso dos holandeses,
sob as ordens do belicoso bispo Teixeira.
No obstante isso, h preconceito contra a
procedncia mestia. Assim, muitas pessoas querem
provar por certido de batismo, terem uma cor, que
dificilmente lhes poder reconhecer o julgamento
imparcial do estrangeiro.
Finalmente, as mais ligeiras variantes da cor no
fazem perder o prestgio na sociedade. Vem-se nela,
sem que isso cause estranheza, pessoas de cor
acentuadamente mestia, e somente ao incumbido da
estatstica, seria difcil verificar -lhes o nmero e traar
os limites entre brancos e homens de cor.
A disposio especial da cidade e dos seus
arredores d logo idia da populao que, na mesma
superfcie, excede do Rio e possui atividade triplicada.
Agricultura
116
Partidos polticos
Mais diferente ainda do que a educao dos
brancos a sua opinio poltica. Neste particular , se
distingue a populao da Bahia e Pernambuco, mais
rigorosamente, do que a de qualquer outra Provncia do
Brasil, em dois partidos, cujos atritos nestes ltimos
anos, infelizmente, j deram lugar a alguns movimentos
notrios: um mostra, a par de educao mais fica e mais
slidos conhecimentos, ligao maior a Portugal e
conservao das leis e formalidades existentes; o outro,
muitas vezes falho dos conhecimentos mais necessrios,
sem a experincia da vida e adepto de errneas
doutrinas das chamadas o bras liberais, esquece os
grandes mritos de Portugal e do atual governo, e
inclina-se a uma estima exagerada do atual estado de
desenvolvimento de certas provncias, que deseja de
boamente considerar, apenas como Estados federados.
Esta parte da populao olha com cime e desconfiana
os filhos do reino, portugueses imigrados e costuma dar lhes, por troa, o apelido de ps de chumbo.
No so somente os brasileiros natos que seguem
a opinio poltica acima aludida, seno tambm outros,
nos quais ela se desenvolve e se firma, por cir cunstncias especiais.
Como auxlio e meio de propaganda de tais
idias, podemos citar certos grmios criados sob o nome
de lojas manicas, as quais, em vez de guardarem o
carter social e caridoso de suas congneres na Europa,
aproveitam-se da inexperincia e da ociosidade para
118
difundir inclinao s novidades, despertando espe ranas e desejos de melhor estado civil.
A contra-gosto fazemos estas aluses. Julgamos,
porm, deve-las aos leitores, para ao menos ligeiramente
indicarmos o estado das opinies, das exigncias e
desejos recprocos, dos receios e das esperanas, que
intima e secretamente reinam, conservando -se ainda
ocultas, qual caixa fatdica de Pandora.
Como em todas as cidades comerciais, a so
insignificantes os esforos literrios e raros os homens
que, com prazer e vocao, se dedicam s cincias.
Dr. Paiva
Entretanto, os baianos estimam seus concidados
eruditos, entre os quais goza da mais alta considerao o
Dr. Manoel Joaquim Henrique de Paiva, distinto medic o
clinico, conhecido por vrios trabalhos de medicina
prtica, matria mdica, botnica e qumica.
A lngua francesa a, como no Rio de Janeiro,
muito mais difundida que a inglesa, bem que sejam mais
importantes as relaes comerciais com a Inglaterra.
Teatro
No teatro (57) raramente se rene uma assemblia
proporcional populao do lugar; s nas ocasies de
festas se enchem as trs ordens de camarotes do
espaoso edifcio, de senhoras e cavalheiros, luxuo 119
Msica
A orquestra no teatro bem ensaiada e executa,
com maestria, as protofonias de Pleyel, Girowetz,
Moyeldieu e Rossini, pois os brasileiros so todos
msicos natos.
Alm do teatro, ainda so freqentados alguns
lugares de divertimentos, onde a sociedade se distrai
com jogos de cartas, de prendas e vspora.
Jogos
Nos cafs, a maior tendncia para os jogos de
cartas e dados.
Em certas farmcias renem-se sociedades particulares para tais divertimentos.
Banquetes
Nas casas mais ricas do-se, de tempos em
tempos, grandes banquetes, nos quais o dono da casa
ostenta o esplendor real, muitas vezes antigo, de sua
moblia e loua. Os convidados, segundo os velhos
hbitos portugueses, com dourados espadins cinta e
sob as exigncias de certa etiqueta, gozam os prazeres
de uma pomposa mesa.
Em outras sociedades h mais liberdade. Antes de
se assentar mesa muda-se num quarto contguo uma
jaquetinha branca de fazenda muito fina, para se poder
121
Procisso religiosa
Tambm atraentes para o observador so as
particularidades das diferentes classes e raas, quando,
em acompanhamento a uma procisso religiosa, enchem
as ruas da Bahia.
O prestgio sunt uoso de numerosas irmandades de
todas as cores, querendo, porfia, sobressair na
preciosidade das suas capas, bandeiras e insgnias, alas
sucessivas de beneditinos, franciscanos, agostinhos,
carmelitas calados e descalos, mendicantes de Jeru salm, capuchinhos, freiras e penitentes, escondidos o
seu capuz, alm disso, as tropas portuguesas de linha,
com todo o porte marcial e as milcias da capital, de
aparncia modesta, a gravidade e altivez dos padres
europeus e todo o esplendor da antiga igreja romana , em
meio do barulho selvagem de negros exticos, isto ,
maio pagos, cercado do bulcio dos mulatos irrequietos, formam um quadro da vida, dos mais gran diosos que o viajante pode encontrar.
Como em espelho mgico, v o observador
admirado passarem diante de seus olhos, representantes
de todos os tempos, toda a histria da evoluo do
gnero humano, com os seus mais elevados ideais, suas
lutas, seus gros de progresso e de decadncia e este
espetculo nico, que mesmo Londres e Paris no po dem oferecer, aumenta ainda de interesse, considerandose o que poder trazer o quarto sculo, para um pas,
que em trs sculos apenas, pde assimilar todas as
123
Cachaa
So exportadas de 10.000 a 11.000 pipas de
cachaa, regulando cada uma cerca de 500 garrafas.
Caf
A produo do caf, at hoje ainda limitada a
poucos distritos, fornece no mximo 12.000 arrobas.
Os outros artigos j mencionados so exportados
em quantidades muito desiguais.
O valor total da exportao pode ser sem exagero
calculado em 13.800.000 florins, soma esta que, comparada ao valor da safra, prova a riqueza da Bahia.
Poucas praas existem com to ricas e g randes
casas comerciais e sabe-se que destas, algumas das mais
antigas, segundo os costumes da terra, guardam um
tesouro de 400.000 a 500.000 cruzados em espcie,
retirados da circulao.
Bancos
O banco, a estabelecido sob a garantia de
algumas casas co merciais, faz timos negcios com um
seu congnere no Rio de Janeiro. Tinha, antigamente, a
obrigao de vender com pequeno gio os saques do
tesouro da capital para essa praa. (6 3)
131
Observaes meteorolgicas
Durante a permanncia de algumas semanas na
Bahia, procuramos, em vo, obter notcias exatas sobre
o estado meteorolgico do ano inteiro.
O Sr. Bivar, o nico dos nossos conhecidos que
fizera observaes meteorolgicas, apenas nos podia dar
algumas informaes gerais, pois entregara suas tabelas
Sua Alteza o Prncipe Maximilian von Neuwied.
Afirmou-nos poder calcular a temperatura ao por do sol
durante os meses midos de maro a setembro, em 17 a
18 R., enquanto que, nos meses secos, a mdia devia
ser 16 a 17 R.
Ao meio dia, observamos um estado termomtrico
de 24 R., e tardinha, na altura do Passeio Pblico, um
estado baromtrico de 28,7,5 linhas.
Durante o dia, a cidade aquecida rpida e
fortemente pelo sol sem nuvens. Na estao mida a
chuva cai depois do meio dia, muitas vezes
torrencialmente. As manhs e as tardes, durante as quais
sopram os ventos do mar, so frescas; as noites, porm,
so mais quentes.
Esta temperatura e a construo da cidade, cuja
parte alta sempre muito mais fresca do que a praia,
acanhadamente construda, predispem s constipaes (64) . Da resulta dominarem as doenas catarrais e
reumatismos. Relativamente, se encontram, na Bahia
muito mais diarrias, hidropsias e tuberculoses, do que
em qualquer outra cidade do Brasil.
132
gua Inglesa
O costume de se recorrer logo, por pequena
indisposio, a um forte decoto de quina, a chamada
gua da Inglaterra, importada de Portugal em grande
quantidade, a causa de se produzirem, freqentemente,
as mais perigosas inflamaes, como conseqncia de
ligeiros incmodos, que poderiam ser curados com uma
simples limonada.
Doenas
As tuberculoses tm marcha muito aguda e so,
muitas vezes, contagiosas.
A erupo dolorosa, a sarna (Echhyma vulgare,
segundo Dr. Baterman?), tambm muito freqente e
tortura, especialmente, os europeus recm-chegados, por
causa da alimentao desacostumada, do calor e dos
resfriamentos.
Observam-se alm disso, nos hospitais, ainda
diversas espcies de exantemas: (Strophulus confertus,
Lichen pilaris, Ichtyosis, Achores, Herpes zoster e
phlyctaenodes, Elephantiasis, Framboesia, etc.).
Os ps elefantacos e as boubas aparecem
principalmente nos negros. Na Bahia observei-os menos
freqentemente, que no Rio de Janeiro.
As febres tifides so raras (65 ) . Ainda se no deu
um caso de tifo nosocomial, embora no hospital militar
sejam sempre admitidos muitos indivduos, que tra balham nas ruas, carregados de correntes ou como
133
Mantimentos
A administrao da casa est sob a direo de
uma comisso nomeada pelo conselho municipal. Essa
autoridade arrenda, ao arrematante, o abastecimento da
cidade em carne fresca, peixe e outros mantimentos; e,
em virtude de no haver concorrncia, a Bahia, sofre,
por vezes, a falta do fornecimento de boa carne verde.
Gado
As grandes distncias, donde so trazidas as reses
para o consumo, e, principalmente, as dificuldades
causadas pelo transporte, por ocasio de grandes secas,
tornam desejvel que agricultores instrudos aumentem
o gado nos campos e caatingas das comarcas vizinhas.
Atualmente, a Bahia recebe gado vacum, dos
campos do Rio Pardo, Ressaca e Valo, entre o Rio Pardo
e o Rio de Contas, e, principalmente, da provncia do
Piau, donde vem pela estrada de Juazeiro.
Durante uma longa falta de chuvas, os donos
dessas boiadas, comumente, perdem a metade do gado e
a cidade sente a falta de carne fresca, tanto mais quanto
a pescaria, na Bahia, e nas vizinhas costas do Oceano,
tambm arrendada e feita por negros, no satisfaz s
exigncias da grande populao.
Farinha de Mandioca
135
Legumes
As espcies de legumes europeus podem ser
cultivadas na sua maioria. So, porm, mais sujeitas
voracidade das formigas, caracis e pssaros do que as
plantas indgenas.
Formigas
As formigas devastam em poucas horas as mais
belas plantaes.
Para proteger as rvores contra elas, costumam os
jardineiros cuidadosos, logo na ocasio de plant-las,
colocar em baixo e ao redor do tronco um vaso de barro
cozido, que deve estar sempre cheio dgua.
Outros destrem esses hspedes nocivos,
(Formica harpax, destructor, perdit or, rufipes, Fabr, e
outras) ateando fogueiras em cima dos vastos
formigueiros.
Capinzais
Em Areia Preta, fazenda do Sr. Tschiffeli,
instrudo agricultor suo, vimos grandes plantaes de
capim para fornecerem forragem fresca aos cavalos da
cidade. (72 )
Esses prados artificiais, (73 ) formados de pntanos
secados, assemelham-se aos melhores prados da
Inglaterra pelo denso e vioso desenvolvimento. Do
lucro certo, pois a rao diria para um cavalo na
143
146
Cana de Cayena
Contra a chamada cana de Cayena, que
originria do Oceano Pacfico e tem nas Antilhas o
nome de Taiti ou de Bourbon, h tambm aqui
preveno to grande quanto no Rio So Francisco.
Afirmam os senhores de engenho que da garapa
da cana de Cayena a custo se obtm o acar, o qual
facilmente deliquesce e por isto se presta menos
exportao como acar bruto. (76)
Em muitos engenhos o estrangeiro ouve queixas
sobre o grande capital empregado, necessrio para o
custeio de uma fbrica de acar e sobre a diminuta
renda que ela d, assim mesmo, s depois de dois ou
trs anos.
O aumento da produo de acar na Guyana
Inglesa, nas pequenas Antilhas e na frica, para onde
antigamente se exportava tal gnero, diminuiu o
mercado e o valor do acar na Bahia. Por esse motivo,
ultimamente, muitos senhores de engenho empregaram
seus capitais no comrcio, onde esperam lucro mais
pronto; e outros viram-se obrigados a diminuir o luxo,
que de tempos em tempos ostentavam na cidade.
Riqueza dos senhores de engenho do Recncavo
Se chega um hspede aos engenhos do Re cncavo, encontra em toda a parte, nas grandes moradas,
comodidade e revelao de riqueza no modo de viver e
na criadagem numerosa.
147
148
NOTAS 31 a 76
para o polimento dos costumes, e aumento das operaes mer cantis, o fundar-se uma casa que servisse de praa do comrcio,
solicitou do governo, em 12 de abril de 1811, a faculdade de
poder construir aquele edifcio, no terreno que sobrava da bateria
de So Fernando, e anuindo o mesmo governo a tal requisio, em
aviso de 10 do ms seguinte, teve lugar o lanamento da primeira
pedra pelo mesmo governo, a 17 de dezembro de 1814, em cuja
noite a corporao dos negociantes deu um esplndido baile.
Para aquela obra, feita com a menor despesa da fazenda
pblica, e importante em 60:000$000 ris, concorreu o Conde dos
Arcos com o servio de dois pedreiros, e um car pina, alm de
200$000.
A abertura da nova praa do comrcio teve lugar a 28 de
janeiro de 1817.
Nesse mesmo dia a corporao do comrcio oferece ao
Conde dos Arcos uma espada de valor de 1:400$000 ris. e depois
a 6 de Outubro do mesmo ano colocou no salo um retrato em
corpo inteiro.
No jardim da Associao Comercial se acha o belo
monumento em homenagem aos Voluntrios da Ptria, Exrcito e
Armada Imperiais pelas vitrias alcanados no Paraguai.
O Corpo Comercial desta Praa representado pela sua
diretoria em 1872 foi quem o mandou erigir e o oferece ao Povo
Brasileiro.
Era Presidente da Provncia o Desembargador J.A. dAraujo
Freitas Henrique e era Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, o
Conde de So Salvador. N.T.
(33) Da Igreja de Nossa Senhora da Conceio da Praia diz
Domingos Rebello: A Matriz de Nossa Senhora da Conceio,
defronte do Arsenal em um pequeno largo, muito grande,
magnfica, e de muito valor por ser toda de cantaria europia,
tanto por dentro como a face de fora; edificada em 162 3: tem
todas as suas alfaias de tela de ouro; assim os paramentos de
celebrar em festividade, como cortinados e colchas de todas as
tribunas e coro e muita prata; tem carneiros para sepultura de
mortos.
Posso afirmar que depois de minuciosa busca a que p rocedi
na Igreja da Conceio da Praia, graas obsequiosidade do seu
Reverendo Vigrio, Sr. Cristiano Muller, verifiquei no mais
150
existir nem tradio dos tais quadros a que se refere von Martius.
N.T.
(34) Sobre o Arsenal escreveu Domingos Rebello: Arsenal e
Intendncia geral da Marinha, junto ao Estaleiro das Naus;
Intendente e Capito do porto; um belo Palcio de sua residncia,
unido ao mesmo Arsenal, Ribeira das Naus com os seus
empregados.
Um Estaleiro para construo de Naus e Fragatas, outro
mais pequeno chamado Ribeirinha para construo de Corvetas e
Brigues de guerra. Junto do Arsenal, margem do mar, est a
bateria da Ribeira.
O Governo Federal extingui os Arsenais da Bahia.
Os Arsenais da Bahia foram outrora bastante florescentes e
neles se armaram e consertaram muitos navios. Vejamos o que
escreveu o Contra-Almirante Antnio Alves Cmara, em seu
patritico trabalho A Bahia de Todos os Santos, com relao aos
melhoramentos do seu porto: Desde a mudana da metrpole para
o Rio de Janeiro e a vinda de D. Joo VI para o Brasil, em 1808,
principiou a declinar o arsenal da Bahia.
Depois da independncia centralizaram -se pouco a pouco e
de tal sorte a administrao e todos os empreendimentos no Rio de
Janeiro, que definhou inteiramente o arsena l da Bahia. Construiu
no tempo do Imprio os seguintes navios e procedeu a reparos
mais ou menos considerveis em quase todos os navios da nossa
esquadra, que a estacionaram ou passaram por esse porto,
merecendo de alguns comandantes muitos elogios pela e xecuo e
rapidez das obras e atividade de seus operrios.
Nau: Imperador do Brasil.
Fragata: Baiana.
Corvetas: Defensora, Dois de Julho, Unio, D. Januria,
D.Francisca e Izabel.
Brigue: Itaparica.
Brigue-escunas: Fidelidade e Canopo.
Patacos: Caravelas e Paquequer.
Escunas: Vitoria e Piraj.
Iates: Cair e Rio de Contas.
Cutera: Jacape e Penedo.
Canhoneira: Activa.
151
hoje no se pode assim dizer, por ter aumentado muito alm deste
lugar. Possui alm disso a do Forte do Francs no rio Paraguass,
e a do Morro.
Domingos Rebelo no fala do Forte do Mar.
Encontrei a seguinte nota sobre o forte do Mar, no Resumo
cronolgico e noticioso da Provncia da Bahia, por Jos lvares
do Amaral.
Em 16 de agosto de 1772 conclui-se a edificao, principiada em 4 de outubro de 1650 da fortaleza de Nossa Senhora do
Populo e So Marcelo (conhecida por Forte do mar), reinando El Rei D. Joo V de Portugal: colocando-se no porto principal uma
lpide comemorativa do ano em que comeou a ser edificada pelo
Vice-Rei dos Estados do Brasil D. Vasco Fernandes Cesar de
Menezes, Conde de Sabugosa, lendo-se ali a seguinte inscrio
latina:
Vasquius Fernandes Cesar Menesius totins Braziliae aus picatissimus Pro-Rex hane arcem coronavit, anno ab apprehenso
clavo et a Christo nato 1728.
Esta fortaleza estava at pouco tempo sujeita ao Coma ndo
das Armas, mas o Governo Imperial ordenou que ficasse
pertencendo ao Ministrio da Marinha, achando-se ali estabelecida
a Companhia de Aprendizes Marinheiros, criada por Decreto n
1.543, a qual consta atualmente 99 menores e 6 praas maiores.
Essa fortaleza incumbida do registro do porto e faz sinais
de entrada e sada dos navios e de socorros navais salvando nos
dias de gala, etc.
No livro do Centenrio 1500-1900, escreveu o General
Fontoura Costallat a propsito da Organizao militar, Exrcito e
Armada, Milcia Cvica e Fortificaes, o seguinte:
Das numerosas fortificaes que teve a Bahia, restam as
seguintes em sua maioria desguarnecidas e desarmadas; a
fortaleza da Gamboa, colocada ao Sul da Cidade e beira do mar;
do morro de So Paulo ao Sul da barra, na ilha de Tinhar; a de
So Loureno, na ilha de Itaparica, que representou brilhante
papel na guerra da Independncia, pelo que Pedro I deu ilha o
ttulo de Intrpida, o forte de So Marcelo ou forte do Mar, que
de forma circular, acha-se situado no meio do ancoradouro, em
frente do porto da cidade, e que notvel, principalmente, por
nele ter tremulado pela primeira vez na Bahia a bandeira nacional
no memorvel dia 2 de julho de 1822; e finalmente os fortes de
153
538.000
858.000
115.000
Fogos
Almas
Eng. Ass.
2.200
1.800
29.500
8.800
1.584
6.738
1.554
6.937
2.040
7.300
730
4.000
So Pedro de Muritiba
804
3.955
4
14 muita lavoura de
fumo
3 muita lavoura de
fumo
3 muita lavoura de
fumo
1 muita lavoura de
fumo
2 muito fumo e
algodo
4 muito caf
484
3.120
N. S. do Desterro do Oiteiro
Redondo
S. Tiago de Iguape
593
2.806
634
4.267
13.423
77.503
fumo e plant. de
algodo
8 fumo e plant. de
algodo
9 fumo e plant. de
algodo
167
173
Conforme diz Caminho, a laranja seleta possui duas sub variedades, a de umbigo e a sem umbigo.
Lembro a hiptese, bem possvel, que, tento algum
observado espcimes de laranja seleta de umbigo sem caroo,
procurasse firmar essa sub-variedade por enxertia.
Inclino-me a admitir essa hiptese, que prefiro quela
adotada pelos que atribuem a origem da laranja de umbigo a
produto de hibridao.
Afirmar ao certo como apar eceu, na Bahia, a laranja de
umbigo sem caroo no se tem at hoje conseguido. N.T.
(67) Fontes Pblicas
Julgo de vantagem dar algumas informaes, que pude
colher sobre as fontes existentes em 1829.
Muitas eram as fontes pblicas e particulares que naquela
poca abasteciam a cidade do Salvador. Umas desapareceram com
as modificaes por que passou a cidade, outras pelo desleixo.
Quando se refere s fontes da cidade, diz Rebello: H vinte
fontes pblicas a saber: So Pedro, Unho, Pereira, dos Padres ,
Chichi, Pedreiras, Mongagua, gua de Meninos, Camba das
Pedras. Queimado com trs chafarizes de tima gua, a das Pedras
que tima, So Miguel, Gravat, Gabriel, Barris, Toror, Santo
Antnio: alm destas h muitas particulares em roas e hortas
vizinhas Cidade; sendo pblica a Fonte dAlegria com trs
chafarizes de boa gua, ultimamente feita junto calada da
Alegria, antigamente do Bomfim. Destas fontes algumas possuem
gua medicinal como afirma o mencionado historiador.
notvel a especial gua frrea que existe em lugar
distante da Igreja da Vitoria e j muito experimentada.
Na roa do Hospcio dos Franciscanos dedicado Nossa
Senhora da Boa Viagem existe uma fonte de gua alambrada e que
lhe do o nome de salsa: medicinal e proveitosa.
Na Quinta, hoje do coronel Joaquim Bento Pires junto ao
Campo Grande de So Pedro, no stio Bom Gosto, h uma fonte de
gua frrea, a qual provada para certas enfermidades de que j
se tem tirado resultados felizes.
Seria de grande utilidade que se verificasse, por anlises
qumicas, a composio de tais guas reputadas medicinais.
Possvel que existam outras fontes particulares, entretanto,
so mais conhecidas as que mencionei. N.T.
176
ainda correo (1) ou que para Cuba, seja adotada como exagerada,
a relao das culturas, de vveres e das pastagens para o canavial.
Para a Bahia o clculo se funda nas declaraes dos admi nistradores de vrios engenhos que, em 16 ps quadrados, pelo
menos, 12 canas; logo, sobre a rea de 1.333.333 1/3 de ps
quadrados, tomada como unidade, 1.000.000 de canas.
Cada cana pesa, em mdia, 1 1/2 lbs.; o caldo bruto (vesoul)
espremido avaliado em metade do peso total e a riqueza calcula se em 24 2/3%, dos quais perfazem 13 1/3% do acar
cristalizvel e 11 1/3% incristalizvel. De sorte que 1.000.000 de
canas, pesando 1.500.000 lbs. do 750. 000 lbs. de vesoul =
183.175 lbs. de princpio sacarino = 88.632 lbs. de melao, mais
94.541 lbs. de acar cristalizvel. Do melao obtido da referida
quantidade de acar, o fabricante brasileiro prepara 6.000 gales
ingleses de aguardente, isto : 14,7 lbs. de melao rendem-lhe 1
galo de aguardente.(2)
Em nossa ptria, para a produo do acar de beterraba
podemos admitir, na pior hiptese, as propores computadas para
a Frana.
Uma tarefa de terra na Baviera = 40.000 ps quadrados
bvaros (2,9 geiras = 1 hectare) produziria, naquela proporo,
366,1 lbs. de acar e, se calcularmos as necessidades de acar
para a Baviera em 9.000.000 de lbs. bvaras = a cerca de
11.1218.300 lbs. Inglesas (3) seria necessria uma superfcie de
24.585 tarefas (= 1.526 milhas quadradas) para produzir esta
quantidade.
Tomemos, agora, (4) a rea do campo cultivvel (+
9.793.266 tarefas) como unidade e seriam assim os diferentes
campos de cultura nesse pas:
Campo cultivvel ............................ 1,0000
Prado ............................................ 0,2851
Floresta ......................................... 0,6581
Pastagem ....................................... 0,2382
Terra para produo de acar .......... 0,0025
194
Deficincia de mantimentos
A indolncia e a pobreza ali andam unidas. Os
habitantes de Ilhus, satisfeitos com o estado de
constante ociosidade, sem maiores necessidades,
descuidam-se tanto da agricultura que, eles prprios, e,
ainda mais, os estranhos que com eles se acham, esto
expostos fome.
Graas aos esforos do nosso prestimoso
companheiro, o Sr. Schlter, que se encarregou do
mister de chefe da viagem, e obrigou o juiz local a
mandar buscar mantimentos, numa fazenda situada a
algumas milhas de distncia, somente nos primeiros dias
da nossa estada, sofremos fome;
Atribui-se, talvez com razo, a visvel preguia e
a rusticidade dos habitantes, circunstncia de serem
eles em grande parte tapuyada, isto , de procedncia
indgena.
De mais disto, os portugueses a estabelecidos
pertencem s classes baixas: so marinheiros, carregadores e lavradores aborrecidos do trabalho, que, se
considerando iguais aos privilegiados, no podem elevar
a moralidade, nem a indstria dessa populao decada.
Invaso dos selvagens
Outrora (por exemplo, no s anos de 1660, 1670 e
1730) a aldeia esteve exposta a freqentes invases dos
Botucudos ou antigos Aymors, chamados Guerens,
nessas regies.
200
Fauna
Muitos frangos dgua, garas, mergulhes, etc.
(Gallinula martinicensis, Ardea virescens, Plotus
melanogaster e outros) do vida s matas.
A vida tranqila e o modo de viver dessas
espcies de aves esto de acordo com o caracter
selvagem da solido.
Devaneio
O viajante, remando vagarosamente, se entrega a
uma alternativa de admirao e melancolia, at que, de
repente, desperta pelo aparecimento de um jacar,
espreita, ou perturbado por um bando de lontras, que,
roncando, passam com a velocidade d e seta.
Bem que o fluxo e o refluxo da mar devessem
ser sensveis na parte superior do rio Itaipe, at sua
unio com a lagoa do Almada, observamos, apenas, a
vazante mui fraca, acima da nossa entrada no rio; ela
descobre as razes dos mangues, nas quais s e notam, ao
lado de um caranguejo terrestre comestvel ( Cancer
U, L.), uma espcie de camaro do mar ( Palaemon
Guaricur, Fabr.), que os habitantes comem, e so
muito gostosos, quando guizados com azeite e
vinagre. (78 )
Estes pequenos mariscos e peixes de gua salgada
constituem, com as bananas e a farinha de mandioca, os
alimentos comuns dos habitantes do litoral.
206
Dificuldades da lavoura
Muitos dos nossos ingnuos camponeses taxariam
de temeridade a empresa de opr a pacfica agricultura
armada de machado e fogo desordenada fora criadora
da terra.
Grandes e vrias so as dificuldades a que se
expe o temerrio agricultor nessas matas desertas,
afastado do mundo culto.
Alm do penoso trabalho de desbravar espessas
florestas, onde muitas rvores d e 10 at 12 ps de
dimetro ocupam dois machados, que trabalham durante
dias, onde, por vezes, a queimada insuficiente:
vermes, caracis, formigas e aves perseguem as plantas
de cultura, tanto mais quanto, estas a figuram de fracos
forasteiros.
Paludismo e Mosquitos
Demais, o recm-chegado est exposto, com os
seus serviais, a muitas doenas, como febre palustre e
erupes cutneas, entre outras, vendo -se perseguido
pelos mosquitos, que procurando os lugares sombrios,
os obrigam a fechar, cuidadosamente, as choupanas
durante o dia.
209
Negros fugidos
Falta-lhes, muitas vezes, o alimento sadio e
habitual, pois, todas as provises de carne, manteiga,
etc. so mandadas vir de longe. Finalmente, os escravos
so para ele constante motivo de cuidados, porque
qualquer desgosto lhes d ensejo de fugirem para as
imensas matas vizinhas, ou para as casas dos fa zendeiros distantes.
As leis, em verdade, pune, severamente os bra sileiros, que retm escravos alheios. Entretanto, no
raro acontecer isso. O agricultor incipiente, cujo capital
fica em parte improdutivo, sente necessidade de braos,
justamente no comeo dos trabalhos.
Colonizao estrangeira no sul da Bahia
O nosso amvel hospedeiro chamou-nos a ateno
para estas dificuldades, insuficientemente ponderadas na
Europa; fez-nos reconhecer quanta fora de carter e
quanta casualidade feliz so necessrias para empreender, naquelas regies, a colonizao alem e torn la proveitosa, o que ns, raramente, avaliamos com
exatido.
Senhores Schmid e Borell
Os dois vizinhos do Sr. Weyll, Sr. Fr. Schmid de
Stutgart, na colnia Luisa e o Sr. Borell, de Neufchatel,
em Castel-Novo, se bem que esperanados, fizeram-nos
210
211
Tupiniquins
Os restantes dos Tupiniquins foram para a
transferidos pelos Jesutas; mas, tal colnia, decadente
desde algum tempo, desapareceu completamente,
quando no ano de 1815 se abriu a estrada de Ilhus para
o Rio Pardo. O resto da populao foi ento enviada
para a Vila de So Pedro de Alcntara, recentemente
edificada margem da mesma estrada.
O Prncipe Maximilian von Neuwied
Sua alteza, o Prncipe Maximilian von Neuwied,
que h dois anos visitara os solitrios agricultores do
Almada, cativando-os com o mais profundo respeito do
seu amvel carter e com admirao do seu entranhado
amor Histria Natural, fora, ainda, testemunha ocular
dos ltimos Guerens.
Depois disso, morreu o velho ndio Manoel e
apenas alguns ndios civilizados, provavelmente da tribo
dos Tupiniquins, que nem mais sabiam se expressar na
lngua de seus pais, ficaram afim de servir de caadores
para os colonos.
Lagoa do Almada
Guiados por eles, visitamos, com o Sr. Weyll, a
chamada Lagoa do Almada, pequeno lago distante cerca
de lgua e meia do rio Almada, para nordeste, e ligado
ao rio Itaipe, por um afluente do mesmo.
212
Cobras venenosas
So freqentes pequenas cobras venenosas, que se
encontram, s vezes, escondidas nas cavidades dos ps
de gravats. Por isso o nosso guia evitou as baixas
muito profundas.
Quanto mais subamos as colinas, tanto mais
limpa e desprovida de baixos arbustos enco ntrvamos a
mata.
Raramente vimos aflorar o granito nas ladeiras ou
no leito dos riachos, mas, ordinariamente, uma camada
espessa de barro escuro, quase preto, cheia de
numerosos fragmentos de razes.
216
229
O uruc-orellan
Os Camacans, especialmente as mulheres,
preparam a cor vermelha com as sementes do uruc
(Bixa Orellana, L.), triturando-as na gua fria at que se
precipite o tegumento colorido.
Reduzem esta substncia, o orellan a pedaos
quadrados, que deixam secar ao sol e utilizam-na como
tinta cosmtica, depois de mo-la de mistura com leo
de rcino ou com uma gordur a animal.
Agricultura
Os assuntos agrcolas, em que so iniciados pelo
pastor cristo, cumprem tambm, especialmente, s
mulheres e, assim, tm sido plantadas diversas roas de
milho e mandioca. Isto, entretanto, no satisfaz o
abastecimento e, por ocasio da nossa visita, o governo
mandara fornecer, gratuitamente, no engenho Santa
Maria, dez arrobas de farinha de mandioca a cada pai de
famlia.
O estado precrio em que se achava a colnia e
especialmente as condies intransitveis da estrada de
Minas, (que foi o que motivou a colonizao a) fazem
recear que dure pouco tempo.
234
Catequese
O venerando Frei Ludovico cogitava de,
pessoalmente, penetrar nas florestas do oeste, para
chamar ao altar os Camacans dispersos. Era, talvez, uma
tarefa por demais difcil para o intrpido ancio.
Ele nos relembrava a idia da humanidade em
todo o seu esplendor, o que em vo buscvamos nos
seus tutelados; tinha a alma em constante elevao, pela
viva conscincia da dignidade do seu difcil mister, e,
ainda mesmo na velhice, conservava entusiasmo
suficiente para sentir as belezas do divino Dante e do
nobre Tasso, obras que, como tesouros da sua biblioteca, nos mostrava com sereno prazer.
Tais fatos diminuam a averso que sentamos
influncia da Europa no Novo Continente, onde a nossa
civilizao semeou tantos elementos de destruio.
Compenetrados destes sentimentos despedimo nos do excelente religioso.
Rio da Cachoeira
Descemos o Rio da Cachoeira, na ocasio, com
muito pouca gua, at uma pequena correnteza, entre
rochedos de granito: o Banco do Cachorro.
Novamente penetramos na mata virgem. (90 )
A passamos uma noite chuvosa, debaixo e
miservel rancho.
Finalmente alcanamos as hospitaleiras cabanas
do Almada, onde poderamos ter demorado, no s pela
235
Testudo Midas
Num desses encontramos uma grande tartaruga do
mar (Testudo Midas L.), provavelmente, ocupada na
escolha de lugar onde pudesse pr ovos, pois escapou s
nossas perseguies, arrastando-se apressadamente para
gua e mergulhando, o que, provavelmente, no teria
feito, se tivesse pondo, porque sabido que esses
animais no se perturbam na ocasio da postura. Os
ovos no so, como dizem, to gostosos como os da
grande tartaruga fluvial, que nos foi to til, durante a
viagem pelo Rio Amazonas.
Pouco a pouco anoiteceu e a virao fresca e viva
soprou, com gaudio para os viajantes cansados.
A lua surgiu brilhante no firmamento lmpido e as
labaredas dos roados distantes, nos quais se queimavam as florestas, enrubesciam o cu, nos longes do
poente.
Saudades e recordaes da Ptria
Assim caminhvamos pela agradvel fresca da
noite, com o corao dividido entre os gozos indizveis
de uma noite tropical e as felizes recordaes da ptria,
para a qual o Oceano, com sua intermitente voz de
trovo nos fazia volver o pensamento.
Felizes daqueles a quem o viajante pela narrao
de tais momentos recorda semelhantes vibraes da
alma!
239
240
Serra Grande
Chegados plancie norte, continuamos nosso
caminho nessa direo, ora por so bre dunas, onde
florejavam Surubas de caules esquisitos, Kielmeyeras
grandifloras e rvores do blsamo (Kielmeyera
corymbosa e Humirium floribundum, M. Nov. Gen. t. 72
e 199.) ora por entre palmeiras da praia, cujos ccos,
maduros nessa poca, atraam as araras e outras aves.
Conchas
Na praia encontramos numerosas conchas (Murex
Trapesium e Morio, Donax cuneata, denticulata, Mactra
striatula, Voluta hispidula e Oliva, Lam, etc.) e seixos
de quartzo de tamanha transparncia, que, primeira
vista, simulavam topzios.
Mais notvel ainda para ns era a existncia de
poderosos bancos, tendo 5 a 6 ps de altura, compostos
de substncia mole e preta como carvo, (92 ) que
comprimida entre os dedos os enegrecia e observada
com cuidado, se revelava composta de car vo e gros de
quartzo.
Carvo de pedra
Para os naturalistas que admitem formao
autnoma do carvo no mar antediluviano, seria esse
fenmeno de altssimo interesse, se isoladamente
observado; mas, como j tivssemos observado a
241
mangue, que, exposta desde algum tempo decomposio, no poro, exalava cheiro pestilencial.
Quando nos recolhemos sob o tombadilho, por
causa da chuva, enegreceram as moedas de prata que
tnhamos no bolso, o que nos causou grande admirao.
Acreditamos, por isto, dever existir na casca uma certa
poro de enxofre, que pela putrefao se tivesse
desprendido como gs sulfdrico. Uma anlise qumica
da casca, neste sentido, seria interessante.
Entretanto, o mau cheiro no foi o maior
incmodo que sofremos na viagem para a Bahia.
Achamos, ainda mais desagradvel, a mo rosidade
do nosso mestre de lancha, que, apesar de nos ter
prometido levar Bahia no prazo habitual de 24 horas,
gastou trs dias completos, demorando -se em alguns
lugares para negociar.
O viajante europeu nesta costa no tem que
esperar consideraes, mas s desprezo dos filhos de
Netuno, a cuja merc a sorte o atirou.
obrigado a suportar, como suposto ingls,
todos os caprichos de um dio nacional, que esses
marinheiros no podem, nem querem dissimular.
Ilha das Flores
A primeira demora que devamo s fazer, pelo
gosto do mestre, era na pequena ilha das Flores ou do
Chiqueiro, na sada da Bahia de Camam.
Essa ilha est coberta de frteis plantaes e
proporcionou abundante colheita de deliciosas goiabas.
249
253
NOTAS
(77) Pena que no se procure, enquanto tempo, conservar um
trecho de mata virgem pertencente ao Estado, em ponto mais
prximo Capital. Talvez para os lados de So Roque ou
Jaguaribe ainda se pudesse encontrar mata virgem verdadeira,
piaabas e muitas outras belezas.
Nos arredores de Ilhus no mais existem as lindas florestas
descritas por Martius. Tudo se procurou devastar, por vezes
inconscientemente, sem se guardar, ao menos, uma reserva de
madeira para o reparo das propriedades.
Porm, ainda existem matas no interior. Em Areia, Ca mam,
Valena, etc., encontram-se grandes extenses de florestas, que se
distancia, cada vez mais com as derrubadas.
Seria de grande interesse geral, que os governos pusessem
cobro a tamanho vandalismo, procurando, por meio de leis
coercitivas, regulamentos e fiscalizao, evitar uma tal cala midade. A destruio sistemtica das florestas j tem concorrido
para esterilizar grandes tratos do ter ritrio baiano, transformandoos em savanas e charnaas improdutivas, cobertas de fetos e
saps.
Nem se pense ser inesgotvel a nossa reserva de matas. Ao
esprito observador e previdente que se der ao cuidado de estudar
a distribuio das matas e de compar-las com as imensas
extenses de terras estreis, no interior do Estado, imediatamente
se impor a necessidade da reflorestao. por demais conhecida
a noo da benfica influncia das florestas sobre a regularizao
das estaes e o regime das guas.
de lastimar que, mesmo em nossa Capital, no se tenha
gosto esttico, ou mesmo, respeito pelas gigantescas e belssimas
rvores. As mangueiras, gameleiras e outros representantes da
flora estrangeira e indgena extasiam os nossos hspedes
forasteiros, muito mais do que tudo.
De bom grado, retiro a minha mal aparada pena, para ceder
lugar ao incomparvel pincel de Darwin.
Vejamos suas impresses escritas aqui na Bahia, em 29 de
fevereiro de 1832:
Que delicioso dia! Mas o termo delicioso ainda por
demais fraco para exprimir os sentimentos do naturalista que pela
primeira vez vagueia por uma floresta brasileira. A elegncia das
254
260
270
Doenas
Febres intermitentes, diarrias, gota e hidropsias
so as doenas dominantes. Mas, em geral se gaba o
lugar pela situao saudvel e dizem que, especialmente, os negros so ali muito fecundos.
A maior parte da populao bebe, sem inconveniente a gua do Paraguass, a qual s produz
febre perto da nascente.
Civilizao
As condies sociais e a civilizao nessa rica
vila se parecem s da Bahia, pois, entre os habitantes se
encontram muitos portugueses.
A escola de latim forma bons discpulos.
Orfanato
Para a fundao de um orfanato os habitantes
haviam subscrito a importante soma de 22:378$000.
Entrudo
O carnaval, que, segundo os costumes por tugueses pe toda a populao em movimento, coincidiu
com o tempo da nossa estada.
Sem dvida no se notava uma daquelas grotescas
mascaradas do carnaval romano ou veneziano, porm, o
273
Feira da Conceio
Depois a lavoura escasseia cada vez mais, at que
perto da Feira da Conceio, duas lguas distantes da
vila, desaparecem todos os vestgios de uma populao
industriosa e o viajante, de novo, se acha em pleno
serto.
Pernoitamos nesse lugarejo, formado de pobres
choupanas de barro, e nele passamos o dia imediato,
para arrumar a bagagem e organizar a caravana.
A nossa expedio foi alvo de viva curiosidade
por parte dos mulatos e negros, habitantes desse
pequeno povoado, que s estavam habituados a ver na
estrada, as boiadas do Piau.
Acharam muito perigosa a viagem pelo serto
naquela poca do ano e nos aconselharam de desistir,
porque as chuvas regulares de setembro at fevereiro
haviam faltado e, por isso, carncia geral de gua havia
despovoado as estradas.
Acostumados, porm, como estvamos, a no
confiar em tais afirmaes, quase sempre exageradas,
no mudamos de propsito e procuramos informaes
exatas sobre os pousos onde pudssemos encontrar gua.
Todas as notcias eram acordes em que
precisaramos fazer uma viagem de sete dias, por
terreno quase completamente privado de gua, at
Fazenda do Rio do Peixe, onde comearamos a
encontr-la em fontes e riachos e em que somente a
teramos, nos lugares recomendados como pousos,
convindo no nos afastarmos do caminho para procur 277
Algumas vezes abrimos esses esquisitos reser vatrios afim de procurar gua para os sedentos animais
de carga e, por vezes, encontramos mais de meio litro de
lquido numa s raiz.
A gua era, s vezes, clara, s vezes um pouco
opalescente. Se bem que morna e de gosto resino balsmico desagradvel, algum tanto amarga, era,
entretanto, potvel. (99 )
A fauna parecia ter completamente abandonado
esse deserto adusto. S observamos vida e
movimentao nas casas de cupim, de forma cnica,
tendo s vezes cinco ps de altura. Aves e mamferos
pareciam haver emigrado para regies mais r icas de
gua.
Feira de SantAnna
Por tais lugares montonos, continuamos a 1 de
maro a viagem de cinco lguas e meia at o arraial da
Feira de SantAnna.
Os moradores desse pobre lugarejo j nos
mostravam o tipo exato do sertanejo.
O fim de nossa viage m, tal como lhes
expunhamos parecia-lhes incrvel. O intrprete fez-lhes
ver, com palavras convincentes, que havia qualquer
inteno secreta nessa expedio.
Como acreditar que por causa de besouros e
plantas, possa algum se expor a morrer de sede? dizia
ele. Estes senhores procuram os blocos de prata de
282
Monte Santo e, sem dvida, no suportariam gratuitamente os incmodos de uma tal viagem.
Estas e outras observaes nos convenceram do
quanto era divulgada a lenda da riqueza mineral da
regio e nosso achamos especial interesse, porque
havamos resolvido visitar o meteorito do Bendeg, que
dera motivo a tais boatos, como soubemos depois.
A gua potvel, conservada em cacimbas, tem
geralmente gosto salgado e produz febre palustre,
quando bebida sem corretivo. (10 0) Contudo, fomos
obrigados a encher a nossa borracha.
A conselho dos moradores dividimos a tropa em
duas partes, afim de que os animais de carga, que
chegassem depois, encontrassem gua novamente
coletada nas fontes quase secas.
O Dr. Spix adiantou-se com a maior parte da
tropa e eu segui depois do sol posto, continuando a
viagem de cinco lguas, luz das estrelas.
Duas lguas a noroeste da Feira de SantAnna,
encontramos o pequeno arraial de So Jos, abandonado
por quase todos os habitantes, em virtude da falta de
gua.
Formigas e Santa Brbara
Abandonadas quase estavam tambm as fazendas
Formigas, Santa Brbara e Gravat, onde novamente se
reuniram as duas tropas.
No foi sem receito que repousamos um pouco,
pois era de temer que, continuando a seca, s com a
283
Rodeador e Bebedouro
Na fazenda Rodeador, a uma lgua de Queimadas,
encontramos gneiss avermelhado, estendendo-se de
N.N.E. para S.S.O. e, perto de bebedouro, uma lgua
adiante, granito branco em jazidas dispostas mais ou
menos de N. declinando para O. em direo a S.,
declinando para E.
Quanto mais nos aproximvamos da Serra da
Itiba, tanto mais, freqentemente, surgir no granito,
em vez de mica, um pistacito grosseiro, cor de alho, ora
em grnulos disseminados, ora atravessando a rocha, em
forma de faixa. Esse componente acessrio se encontra
com freqncia nessa rocha.
Delgadas camadas de horneblenda schistosa
aparecem em diversas direes entre o granito.
Na subida dos contrafortes, que se elevam suavemente, caram alguns aguaceiros. tardinha abrandou
a temperatura, porm, quando paramos na fazenda Olhos
dgua fazia, de novo, calor opressivo e o cu, para
oeste, era de cor violcea, indicando trovoada.
Trovoada
s 7 horas, j completamente escuro, comeou a
soprar um vento que nos parecia indicar o comeo da
tempestade.
Para resguadar da chuva a nossa bagagem,
escondemo-la depressa sob os arbustos.
294
Serra da Itiba
Da fazenda Olhos dgua, subimos a Serra da
Itiba, cujo dorso atravessamos numa altura de cerca de
200 ps, acima da base da montanha.
A rocha granito avermelhado, no estratificado,
que, s vezes, se transforma em sienito por conter muito
herneblenda preta ou esverdeada, encerrando tambm
camadas e veios muito pequenos da mesma substncia.
A desagregao d-se sob a forma de grandes pedaos
conchides, escamosos.
A estrada passa por sob despenhadeiros abruptos,
onde tais rochas, isoladas e desordenadamente dispostas,
umas sobre as outras, ameaam ruir. A propriedade, que
tm de tinir fortemente, quando nelas se percute,
considerada pelos habitantes como prova de sua riqueza
em metal. O som produzido por certos pedaos
realmente to claro e penetrante, que os causou
admirao. Explica-se muito simplesmente pela unio
ntima das partes componentes (o que sempre se d onde
existe horneblenda) e pela densidade resultante.
A montanha est revestida de florestas at o cume
e as rvores, longe de diminurem em grossura e altura,
aumentam; e assim pudemos observar (o que sempre se
confirmou no decurso da nossa viagem para o nort e), e
as florestas ocupam de preferncia os altos, enquanto as
capoeiras e os prados se acham no fundo dos vales,
justamente o contrrio do observado no interior das
296
Os cactos
As boiadas, que viajam, se aproveitam da
abundncia de cactos. Esses vegetais esquisitos e afilos,
dotados da capacidade particular de atrair e condensar a
umidade atmosfrica servem de refrigerante aos animais
sedentos. O gado cavum tira com o chifre ou com os
dentes uma parte da casca e chupa a seiva mucilaginosa,
um tanto amarga, que se conserva nessas extraordinrias
fontes vegetais, mesmo na mais seca estao.
Nessa ocupao os animais, no raras vezes, se
ferem nos espinhos compridos e nos pelos custicos de
que so armados os cactos, vendo -se, s vezes, os
focinhos inflamados e at gangrenados.
, pois, um dever de piedade do sertanejo, para
com as boiadas sedentas, facilitar um meio de obterem a
seiva do cacto. Assim, costumam, com os faces, cortas
as hastes ou talh-las lateralmente. As frutas dos cactos
tambm se comem, mas no tanto como no sul da
Europa.
Tapera
Descemos do alto da montanha para a fazenda
Tapera, situada na encosta de montes de granito macio,
num vale em forma de bacia. A nos foi oferecida, numa
espaosa casa, hospedagem mais cmoda do que
podamos esperar.
298
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302
O alicuri
A observamos a pobreza e a misria em toda sua
plenitude. Os habitantes eram obrigados pela falta
absoluta de mantimentos, conseqncia da seca, a
preparar da medula dos espiques da palmeira Alicuri
(Cocos coronata, Mart.) uma espcie de broa, que no
mais rica em princpio nutritivos do que o po dos
normandos, feito de cascas de pinheiro.
Os velhos caules so rachados longitudinalmente
e, depois de batidas e sacudidas as fibras lenhosas,
extrai-se o amido entre elas existente. Esta farinha,
naturalmente misturada de muitos fragmentos de fibras,
em seguida reduzida a bolas e cozida em gua,
comida, assim ou depois de seca ao sol.
Pode-se, facilmente, imaginar quo indigestas e
pobres em princpios nutritivos devem ser estas
miserveis broas, de gosto amargo, incapazes de
fermentar, pela absoluta falta de glten ao lado do
amido. Alguns dias depois de preparadas no valem
mais que p de serra.
A imbuzada
O caminho sobe pouco a pouco, at a fazenda
Cocho dgua, situada na encosta leste da serra da
Itiba. At l encontramos diversos trechos de caatinga,
onde havia abundncia de imbuzeiros (Spondias
tuberosa, Arr.), carregados de frutos que lembram as
ameixas (Rainha Claudia). Os oradores deram-nos,
303
304
Barriga-Mole
Na vizinha fazenda Barriga-Mole, foram desenterrados dos tanques ossos semelhantes, que
aparecem em grande quantidade, como afirmam os
habitantes.
No alcanamos a fazenda Morro, situada do lado
oposto, na entrada da Serra da Itiba e nos contentamos
em pernoitar ao ar livre.
O capim alto e seco, protegido por um couro de
boi, nos ofereceu boa cama.
Cobria-nos o firmamento recamado das constelaes do sul.
Era quente e agradvel a noite. Numerosas cigarras, inofensivos animais que os antigos veneravam,
ziniam monotonamente, nos convidando ao sono.
Morro, Pindova, Pilar, Caraba e Siloira
A 18 de maro, continuamos a viagem pelas bem
modestas fazendas: Morro, Caldeires, Pindo va, Pilar,
Caraba e Siloira.
Atravessamos s pressas esta regio, que se
estende plana e coberta da caatinga quase impenetrvel.
Ora grupos de rochedos, grotescamente arredondados e superpostos, produzem a mutao do quadro,
ora causam espanto interminveis paliadas de hastes de
cardos, completamente revestidos de cerdas brancas,
entre os quais serpeiam estreitos caminhos.
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317
A barriguda
Por entre os arbustos baixos e sem folhas,
notamos os grossos troncos das barrigadas (Bombaz
ventricosa, Arr.), que, despidos de folhas, se
destacavam como enormes colunas.
Inscries em rochedos Pictografias
Em cima de um rochedo pendente, perto da
terminao da Serra do Anastcio, encontramos sries
de desenhos primit ivos, grosseiros e esquisitos, que sem
dvida provm dos antigos aborgines dessa regio.
Consistem em linhas retas, curvas, crculos, pontos,
estrelas e parece, pela distribuio em srie, que tiveram
uma significao para os ndios, sendo agora de muito
difcil decifrao.
Eram feitos com tinta rubra, provavelmente
preparada com um barro vermelho misturado com uruc
e triturado no leo, parecendo pela aspecto datar de
muito tempo.
No queremos de modo algum tentar explicao
desses desenhos, porm, o leitor que observar a cpia
fiel do Atlas, se inclinar a no reconhecer neles um
divertimento de mos inexperientes, grosseiro e sem
significao, mas achar justificada a suposio de
representarem um pensamento, que seu autor procurou
simbolizar por aqueles sinais. (10 7)
Muito prximo a esse rochedo, havia grandes
montes de cacos de loua de barro vermelho e de
318
numerosos no litoral, abrangendo ainda diversas pe quenas hordas que se relacionavam com os forast eiros.
O serto da Provncia da Bahia, como o da
vizinha Provncia de Pernambuco, recebeu sua atual
populao de modo diverso do das Provncias mais ao
sul Minas e So Paulo.
Bandeiras
Os colonos penetravam pouco a pouco do litoral
para o interior, impelidos unicamente pelo amor
independncia, e suas empresas procediam todas de
indivduos isolados, de forma que se tornava prudente o
cruzamento com os ndios, que viviam esparsos.
Os recm-vindos encontravam tanto menor
resistncia hostil, quanto as correrias dos Paulistas e
Mineiros, que escravizavam os ndios ali domiciliados,
espalhando o medo e o terror, lhes faziam desejar a paz.
Muito diferente era o que se passava e Minas e
So Paulo, onde as incurses hostis dos europeus contra
os ndios mais numerosos, s foram feitas por grandes
bandeiras, havendo necessidade de proteger, mo
armada, as colnias situadas nos lugares ricos de ouro.
Como conseqncia dessa hostilidade gabava-se o
mineiros de sua pura descendncia europia.
Do mesmo modo que no int erior da Bahia,
formou-se a populao de Pernambuco, Rio Grande do
Norte e Cear, sendo, por isso, muito grande o nmero
das pessoas de cor.
321
Rio So Francisco
Sentimos o poder ditirmbico do verso pindrico:
a gua o que h de melhor para
reanimar o nosso esprito extenuado e, aps tantas
desventuras e tribulaes, chegamos margem do
hospitaleiro e abenoado rio.
NOTAS
(97) Mais uma vez e com razo, se ocupa o naturalista Martius
com os seus animais, pois que, naquela poca eram o nico meio
de transporte para os sertes brasileiros.
(98) A primeira notcia sobre o bloco de cobre de Cachoeira foi
dada por D. Vandelli nas Memrias da Academia Real das
Cincias de Lisba, como se segue: Um bloco de puro cobre foi
encontrado num vale, a duas lguas de Cachoeira e a quatorze da
Bahia.
Pesa 2.616 libras, de forma rombodrica irregular, tendo
muitas depresses e salincias.
A maior altura do bloco de 3,2, a largura na base de
261 e a maior espessura de 10.
A cor externa amarelo escuro tendo aqui e acol manchas
verdes azuladas, resultantes da oxidao do cobre; na base,
manchas amarelas formadas pelo limonito. Em diversos pontos e
principalmente na base notam-se pedaos maiores e menores que,
primeira vista, parecem ferro oligisto (ferrum micacium),
todavia examinados ao fogo, reagiram como ocre de cobre, dando
uma ona 6 1/2 oitavas de cobre puro.
Uma anlise qumica no revelou nem prata nem ouro e sim
97% de cobre puro.
No mesmo lugar encontrou-se um outro pedao muito menor
do mesmo metal.
327
338
ESTADA EM JUAZEIRO
Juazeiro
O arraial de Juazeiro, pequena aldeia de 50 casas
com 200 habitantes, deve sua origem misso, que
antigamente houve nos arredores, e sua atual
importncia ao trnsito pela estrada do Piau, que nessa
altura atravessa o rio.
O So Francisco (111) separa as duas capitanias,
Bahia e Pernambuco, e o posto Registro, situado
margem norte do rio em frente a Juazeiro, pertence a
Pernambuco.
O chefe desse posto, Sr. Manoel Luiz Ferreira,
antes da nossa chegada, havia mandado preparar uma
casa para nos hospedar. Graas a seus cuidados e aos do
Capito-Mor, Sr. Manoel Luiz da Costa, que morava em
Santo S, situado a vinte horas rio acima, se tornou mais
agradvel do que podamos supor, a nossa demora nesse
lugarejo, motivada pela doena dos animais de carga.
A prpria regio em que nos achvamos exercia
influncia reconfortante sobre o nosso esprito, pois o
majestoso So Francisco espalha todos os benefcios de
um grande rio e, ainda mais, lembra aos viajantes
alemes o Reno, l onde ele sai dos montes que o
constringem, deslizando da cidade de Bona, atravs de
frteis plancies.
342
343
pacta (mistura de albite e horneblenda) e de uma primit iva pedra calcria cinzenta, misturada com pe queninas granadas e muitas folhinhas de clorite
encontram-se nesta formao, que aparece perto da
fazenda Aldeia, onde fizemos nossas observaes, numa
srie de colinas baixas, ao longo do rio Salitre.
Salinas
Na plancie, artificialmente escavada entre esses
oiteiros e o rio Salitre, numa extenso de cerca de
60.000 ps quadrados, e ao longo do rio Salitre, em
muitos lugares semelhantes, se extrai da terra o sal que,
tendo algumas polegadas de espessura, jaz sobre a
rocha.
Essa terra amarela cor de oca, fina, s vezes
quase pulverulenta ao tato, misturada com resduos
vegetais e com seixos rolados, trazidos pelas enchentes
dos rios.
Fragmentos de quartzo, de horneblenda e da
brecha, por ns j observada na Ilha do Fogo, nela se
encontram com freqncia.
Logo que as chuvas e as inundaes dissolvem as
partes salinas e sobrevm o calor do sol, essa lixvia se
evapora e aparece uma eflorescncia alva, espessa ou
delgada, que crepita sob os ps e em que se podem
distinguir, com a vista desarmada, as pirmides retan gulares ocas e os cubos de sal.
Quanto mais delgada a camada de gua, quant o
mais rpida a evaporao de um lugar, tanto mais cedo
349
aparece esse depsito. Por isto, s podamos presen temente observ-lo nas pegadas do gado, onde os
lugares mais ricos j haviam sido trabalhados.
Como sempre, na terra e no mar, o sal no
aparece isolado, seno de mistura com gesso, clorureto
de clcio, clorureto de magnsio. O salitre tambm
encontrado nas eflorescncias.
O centro dessa produo de sal no se limita
regio do rio Salitre, mas estende-se dal, das salinas
situadas mais ao sul, sobre o grande vale do So
Francisco, at a Vila de Urub, numa extenso de mais
de trs graus de latitude e uma largura de 25 a 30
lguas.
O distrito limitado a L. pela continuao da
Serra das Almas (a Serra da Chapada, Morro do Chapu,
etc.) e por diversas montanhas isoladas, de pedra
calcria, que, como em Minas Gerais, encerram grandes
nitreiras.
Os rios que nascem nessas montanhas e o
desaguam no So Francisco (o Paramirim, Rio Verde e
Rio do Salitre) todos acarretam elementos salinos.
Para Oeste, as montanhas afastam-se ainda mais
do rio. O terreno uma plancie montona, rida,
coberta de capim ou de arbustos baixos.
Vem-se nas baixas, principalmente depois das
chuvas, surgirem crostas brancas de sal e os lugares
onde isto mais freqentemente se d (lagoas, salinas)
so chamadas minas de sal pelos habitantes, que afluem,
anualmente, de perto ou de longe, para aproveitar a
oferta da natureza. Algumas dessas salinas esto muito
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NOTAS
(111) Julguei de bom alvitre transcrever a transcrio complet a do
Rio So Francisco, feita por Manoel Ayres Cazal, presbtero
secular do Gro Priorato do Crato, na sua Corografia Brasilica, 2
ed., 1845. Martius citou, apenas alguns trechos desta descrio.
O rio So Francisco que o maior da provncia e recolhe
uma grande parte dos que a regam tem sua origem na vizinhana
da serra da Canastra. Depois de largo espao contra o nordeste,
em que recolhe vrios ribeiros por um e outro lado, recebe pelo
esquerdo o rio Bambu, que vem da raia, e traz consigo o rio da
Perdio, que principia na serra da Marcela; este o primeiro
abundante que o engrossa. Obra de 8 lguas abaixo se lhe junta
pela margem direita o rio Lambari, em que rega o extenso termo
da vila de Tamandu: e coisa de outras tantas ao norte recolhe
pela esquerda o rio Marmelada, que vem da serra dos Quatis.
Cinco lguas abaixo se lhe incorpora o considervel rio Par, que
vem do sueste com mais de 40 lguas de curso, e passa pela vila
de Pitangui: segue-se o Paraupba, que no tem menos de 60, e a
sua origem muito perto da vila de Queluz: suas adjacentes so
povoadas de gado grosso.
Sete lguas abaixo de confluncia do Paraupba fica a do
Andai, que vem da raia correndo ao longo de uma extensa e
pouco alta cordilheira, cuja poro meridional tem o nome de
serra da Saudade, e a setentrional o da serra dos Quatis, e trs
consigo o rio Funchal. Este rio, ao qual do para mais de 30
lguas de extenso, abundante de pedras preciosas, entre as
quais h muitos diamantes.
Pouco abaixo desgua, tambm pela esquer da, o rio Borrachudo, pouco inferior ao precedente, e corre tambm ao longo do
lado ocidental de uma cordilheira denominada serra das Araras,
que fica paralela com aquela outra.
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Cinco lguas adiante sai pelo mesmo lado o rio Abait, que
considervel, e formado por dois do mesmo nome, que se unem
muito acima da sua embocadura, e cujas origens distam mais de
30 lguas uma da outra: um vem do sudoeste, e trs o ribeiro do
Chumbo, que rega a base de um morro, onde h uma rica mina de
metal, que lhe d o nom e.
O terreno mdio dentre as origens dos Abaits h um bosque
denominado Mata da Corda, que exige braos agricultores, com
vrios intervalos de campina, onde pastam numerosas manadas de
gado vaccum, cujos donos vivem longe. Obra de 16 lguas mais
adiante se encontra a grande cachoeira de Pirapora: e, depois de 4,
a confluncia do considervel rio das Velhas, originalmente
Guayenhy, que na lngua dos aborgenes significa o mesmo, e cuja
origem est na vizinhana de So Bartolomeu, 6 milhas, ao poente
de Vila Rica. Tem grande nmero de cachoeiras, tortuosidades, e
mais de 60 lguas de curso. O Parana, o Pardo, o Curmata, que
se lhe unem pela direita, e o Bicudo pela esquerda so os seus
maiores tributrios.
Pouco abaixo saem o Jequeta e o Pacu, ambos pela direita:
suas adjacncias so povoadas de gado grosso. Mais adiante sai o
grande Paracat, cujas principais cabeceiras so o rio Escuro, e o
da Prata, incorporado com o dos Arrependidos, que limita por
algum espao as duas provncias. Estes rios unem -se poucas
lagoas acima do Crrego-Rico, que passa junto da vila de
Paracat: aqui toma ele este nome. O seu maior tributrio o rio
Preto, que sai da lagoa Feia, vizinha ao arraial dos Coiros na
provncia de Gois, e depois de ter recolhido grande nmero de
ribeiras junta-se-lhe pela margem esquerda, quase em igual
distncia das confluncias onde toma e perde o nome.
Pouco abaixo do rio Preto entra no que o recolhe, pela
margem direita, o rio do Sono, rico em pedras preciosas, e
incorporado com o rio das Almas, que se lhe une pela direita. O
Paracat navegvel at um pouco abaixo do mencionado
Crrego-Rico, e sua gua cristalina to leve, que nada largo
espao sobre o que a recolhe. As terras de um e outro lado so
povoadas de gado. Obra de 6 lguas ao nort e desgua, pelo mesmo
lado, o considervel Urucuia, navegvel por espao, cristalino,
estreito, profundo, e to rpido, que em todo o tempo atravessa o
de So Francisco, e vai roer o terreno da sua margem oriental.
Tem princpio na raia de Gois. O rio de Santa Rita, que se lhe
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