Direito Dos Contratos I
Direito Dos Contratos I
Direito Dos Contratos I
A COMPRA E VENDA
Partindo para a noção de compra e venda, prevista no artigo 874º, é possível distinguir
dois elementos essenciais, que correspondem aos dois efeitos essenciais da compra e
venda (879º):
Efeito real: transferência da propriedade de uma coisa ou direito (transferência
da titularidade de um direito).
Efeitos obrigacionais: a. Obrigação de pagamento do preço. b. Obrigação
(pendente) sobre o vendedor de entregar a coisa vendida. Dentro destes limites
estabelecidos pelo Código, o fundamental é o princípio da liberdade contratual,
que se encontra consagrado no artigo 405º. Note-se, no entanto, que para além
destes limites “gerais”, existem outros limites respeitantes ao objeto,
concorrência, proteção do consumidor.
VENDA A RETRO
A venda a retro, prevista no artigo 927º do Código Civil, consiste num contrato no qual
o vendedor reserva para si o direito de reaver a propriedade da coisa ou o direito
vendido, mediante a restituição do preço (o vendedor reserva para si a possibilidade de
resolver o contrato – no qual se aplicam os artigos 432º e ss.).
Processam-se, em caso de o vendedor acionar este direito, os efeitos da resolução do
contrato: no caso de este não puder reembolsar o preço, o contrato não pode ser
resolvido.
Como distinguir, no entanto, a venda a retro do pacto de revenda/retrovenda?
(a) Venda a retro: uma única compra e venda, onde se estipula uma clausula acessória
que confere ao vendedor a faculdade de resolver o contrato.
(b) Pacto de revenda/retrovenda: verifica-se uma venda, por exemplo, de A a B, que,
no mesmo instante ou posteriormente, volta a vender a A.
a. Para a venda entre B e A (B volta a vender a A): aplicação das regras do contrato de
compra e venda e das perturbações – não há lugar à aplicação dos artigos 432º e ss.
PEDRO DE ALBUQUERQUE, para a justificação da figura, apresenta o seguinte
exemplo: Situação de quem, necessitando de dinheiro, não pretenda, todavia, valer-se
do crédito – por não desejar suportar os respetivos encargos – nem se desfazer
definitivamente dos seus bens. Em hipóteses como esta a venda a retro permite ao
vendedor a obtenção do dinheiro, conservando o direito e a esperança de recuperar os
bens vendidos O artigo 929º estabelece um prazo improrrogável para o exercício do
direito de resolução: dois ou cinco anos a contar da data da venda, consoante se trate de
bens móveis ou imóveis, salvo estipulação em contrário.
As partes mantêm, assim, a autonomia privada para prazos mais breves: na falta de
prazo, garante-se um não entrave ao comércio jurídico. Na decorrência desse prazo,
podem as partes estabelecer um prazo suspensivo.
Quanto a formalidades específicas relativas a bens imóveis: observar o previsto no
artigo 930º do Código Civil. Quando exista compropriedade da coisa: aplicação do
artigo 933º, os vendedores só podem exercer o direito de resolução em conjunto.
Pergunta-se, no entanto, o que acontece aos direitos adquiridos por terceiros?
Regra geral, a resolução não os atinge (435º/1). A esta regra exceciona-se o disposto no
artigo 932º: respeita ao registo da cláusula, enquanto oponível a resolução a terceiros.
Assim, quando se trate de bens imoveis e bens moveis sujeitos a registo, a clausula tem
eficácia real; nas outras situações, tem eficácia inter partes (artigo 435º/1).
Quanto ao risco:
Pedro Romano Martinez: pertence ao comprador – artigo 796º/3.
Pedro Albuquerque:
a. Contra a aplicação do artigo 796º/3: não estamos perante uma condição, mas perante
uma vontade unilateral do vendedor.
b. O comprador é apenas possuidor de boa fé: 1269º CC – apenas responde pela perda
ou deterioração se tiver procedido com culpa (em caso de negligencia ou dolo, querendo
o vendedor resolver, deve demandar o comprador pelos prejuízos produzidos).
c. Em caso de perda furtuita: a propriedade perde-se e o vendedor, em principio, não
quererá exercer o seu direito de resolver o contrato; o risco desta perda corre por conta
do comprador; - Se pretender exercer o Direito: Raul Ventura entende que não pode;
Pedro Albuquerque entende que pode e que caberá ao vendedor suportar os efeitos da
perda ou deterioração.
VENDA A PRESTAÇÕES
A venda a prestações vem regulada nos artigos 934º e ss. do Código Civil: na verdade,
não se tratam de várias prestações, há só uma prestação; a realização desta é que é feita
em parcelas.
Podem, no entanto, destrinçar-se regimes especiais:
Dividas: artigo 791º do CC - a não realização de uma das prestações importa o
vencimento de todas as outras.
Compra e venda: 886º (casos de não pagamento do preço pelo credor –
inadmissibilidade de resolução do contrato), 934º (afasta-se da solução prevista
no artigo 781º) e 935º.
Artigo 934º:
- i. vendida a coisa a prestações com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao
comprador, a omissão de uma prestação cujo valor excede a oitava parte do preço (todas
as quantias pagas ou a pagar pelo comprador ao devedor) ou de duas ou mais
prestações, independentemente do seu valor, dá ao vendedor o direito de resolver o
contrato de compra e venda;
1. Preço: noção alargada – engloba todos os valores
2. Apenas em relação à resolução:
Vasco da Gama Lobo Xavier/Nuno Pinto de Oliveira – uma interpretação literal
comportaria uma solução excessivamente gravosa.
PEDRO ALBUQUERQUE: não segue a posição anterior, logo, entende que se
deve aplicar tanto quando se verifique tradição, como quando não se verifique
tradição.
- ii. a falta de pagamento de uma prestação, com ou sem reserva de propriedade, a falta
de pagamento de uma prestação de montante inferior a um oitavo do preço não
determina a perda de benefício do prazo.
A propósito do regime previsto no artigo 781º, tem-se colocado a questão de saber se
se trata de um vencimento antecipado ou uma exigibilidade antecipada.
PEDRO ALBUQUERQUE entende que se está perante uma exigibilidade antecipada:
o credor passa a ter a faculdade de exigir ou não exigir o pagamento imediato e
enquanto não o fizer o devedor não está em mora. A mesma solução vale para o artigo
934º: faltando uma prestação superior a 1/8, o vendedor poderá interpela-lo – só a
partir desse momento estará constituído em mora relativamente a todas as
prestações em mora (artigo 808º).
A respeito do artigo 934º: PEDRO ALBUQUERQUE entende que a falta de
pagamento se refere a mora; no entanto, nos casos em que esteja em hipótese o
exercício do direito de resolução, há que se verificar a situação de incumprimento
definitivo.
A propósito do artigo 934º debate-se, ainda, a natureza imperativa ou supletiva.
No sentido da imperatividade: PEDRO ALBUQUERQUE , Menezes Cordeiro,
Pires de Lima e Antunes Varela, Pedro Romano Martinez.
a. Argumentos: caracter restritivo em relação ao regime geral e o objetivo de defesa
do comprador perante o vendedor, dos perigos e seduções da venda a prestações.
Outro problema, a propósito do artigo 934º: havendo venda sem reserva de
propriedade, a falta de pagamento de uma das prestações poderá permitir o
vendedor resolver o contrato, nos termos do artigo 886º?
Baptista Lopes, Teresa Anselmo Vaz, Lobo Xavier: não havendo reserva, ainda
que haja entrega da coisa, as partes podem convencionar uma clausula resolutiva
para a hipótese de o comprador faltar ao pagamento de alguma prestação (ainda
que o valo da prestação seja igual ou inferior a 1/8 parte do preço).
Romano Martinez: defende a imperatividade do artigo 934º CC, logo, discorda
da posição anterior.
Nuno Pinto de Oliveira: entende, criticando Romano Martinez, que o artigo deve
ser interpretado no sentido de o vendedor só não ter o direito potestativo de
resolução quando a coisa tiver sido entregue ou se o comprador faltar ao
pagamento de uma fração do preço que não exceda a oitava parte (este é o
sentido útil da imperatividade); entende que se aplica analogicamente quando
não haja reserva de propriedade.
PEDRO ALBUQUERQUE: entende a interpretação de Pinto de Oliveira muito
restrita e entende que este autor esquece o requisito da reserva de propriedade.
- Quanto à possibilidade de aplicação analógica aos casos de ausência de reserva:
apesar de ser uma norma excecional; não concorda, aparentemente, que as normas
excecionais sejam insuscetíveis de analogia.
- Entende que o sentido normativo é: mesmo a compra e venda com reserva de
propriedade está sujeita às condicionantes impostas pelo artigo 934º (argumento por
maioria de razão?).
Conclusão: inadmissibilidade da convenção de uma cláusula de resolução na compra
e venda a prestações, com entrega da coisa, mas sem reserva de propriedade, para a
hipótese de o incumprimento não respeitar a uma prestação superior à oitava parte
do preço ou à falta de duas, independentemente do valor.
CLÁUSULA PENAL
O regime da cláusula penal é definido no artigo 935º, em caso de o comprador não
cumprir (a respeito da venda a prestações).
Não obstante, note-se que a cláusula penal é admitida para todos os contratos (810º),
enquanto forma de indemnização prévia.
Quanto às limitações impostas pelo preceito:
a) Não pode exceder metade do preço.
b) Exceção: se as partes ajustarem o ressarcimento a todos os prejuízos sofridos.
Pergunta-se: o disposto no artigo 935º vale para as situações de resolução ou
para todas as situações de incumprimento (quando o alienante exige do
comprador o cumprimento do contrato, apesar do incumprimento)?
a) Vasco da Gama Lobo Xavier, Teresa Anselmo Vaz e Menezes Leitão: o
artigo 935º aplicase apenas na eventualidade de o alienante resolver o contrato.
- Menezes Leitão entende que o artigo 935º deve ser interpretado restritivamente,
porque a letra vai além do espirito: o artigo 934º respeita a interesse contratual
negativo e essa restrição só pode valer se o vendedor resolver o contrato fundado na
falta de cumprimento, pedindo a devolução da coisa e a indemnização pelo interesse
contratual negativo (801º/2).
b) Pedro Romano Martinez: posição intermédia.
c) Pires de Lima e Antunes Varela: aplicação do artigo 935º tanto para as
situações de resolução como para as situações em que se exige o cumprimento. a.
Problema: as clausulas penais têm diversas funções. i. A este propósito – Nuno
Pinto de Oliveira: podem distinguir-se clausulas penais moratórias (em mora) e
clausulas penais compensatórias (em incumprimento) – podem ser meramente
indemnizatórias (facilitar a reparação do dano), compulsórias (são autónomas do
montante de indemnização – funcionam como pena acrescida) ou penais stricto
sensu (visa compelir o devedor ao cumprimento, legitimando o credor a pedir um
valor em acréscimo).
d) Pedro Albuquerque:
a. Entende que a norma do artigo 806º não é imperativa: é supletiva, já que as
partes podem estipular um juro moratório diferente do legal.
b. Tem dúvidas sobre a limitação, ao interesse contratual negativo, da indemnização
quando haja resolução.
c. Se o vendedor pretender a manutenção do contrato: não aplicação do artigo
811º/1, se a clausula penal tiver natureza meramente compulsória (funcionam como
pena acrescida); mas vale, no entanto, o limite do artigo 935º - o vendedor pode
pedir o cumprimento da prestação e a indemnização (limitada – 935º) e a pena
(clausula pena compulsória)
d. Se a clausula penal for compensatória indemnizatória ou penal stricto sensu: não
aplicação do artigo 935º, se se destinarem a acautelar um incumprimento definitivo
e total e o comprador desejar manter o contrato (o alienante ficava privado da coisa
e só receberia metade do preço). Esta estará sempre sujeita ao artigo 812º.
NÃO ESTÃO ANALISADOS TODOS OS PROBLEMAS!
LOCAÇÃO VENDA
Este regime vem mencionado no artigo 936º/2 do Código Civil: na prática o
contrato concretiza-se de forma simples, ou seja, as partes estabelecem um contrato
de locação, no entanto, integram uma clausula que transforma o contrato em compra
e venda, findo o pagamento das prestações.
Assim, em termos práticos, o pagamento não tem como fundamento a locação, mas
sim a própria transmissão (desempenha a mesma função que a compra e venda com
reserva de propriedade).
Este contrato distingue-se da locação com opção de compra, já que nesta existe uma
verdadeira relação de locação, sendo que o locatário tem o direito potestativo de
efetivar a transferência da propriedade.
A falta de legitimidade
PEDRO ALBUQUERQUE: levanta a questão de saber se a existência de legitimidade
(ou, p.e., autorização judicial – 674º) para proceder à venda retira a natureza de venda
de bens alheios ao contrato – conforme defende alguma doutrina.
Entende que não: não deixaria, nestas situações, de se verificar uma compra e venda
de bens alheios, se o sujeito os vendesse como próprios, ainda que legitimado. Assim, as
hipóteses referidas pelo artigo 892º, de venda de bens alheios por sujeito legitimado,
apenas se referem às situações em que o sujeito vende os bens como alheios.
Questiona, ainda, se se aplica o regime da venda de bens alheios às situações em
que o alienante declara atuar como representante de outrem, mas sem possuir a
legitimidade necessária:
PEDRO ALBUQUERQUE: estas hipóteses estariam abrangidas pelo regime dos
artigos 892º e ss.
a. Argumentos (Romano Martinez): o regime da representação sem poderes, com a
possibilidade de rejeição do negócio, não pode conduzir a solução diversa da
estabelecida na venda de bens alheios; em termos indemnizatórios deve ficar na mesma
posição que o que vende coisas alheias; a ratificação compra um direito de exercício
transitório (268º/4) – na falta desta, aplica-se a venda da venda de bens alheios.
PEDRO ALBUQUERQUE: Estão também sujeitas à venda de bens alheios os casos
de venda em gestão não representativa (sem revelar a qualidade), no mesmo sentido,
exceto se o dono do negócio vier a ratificar os atos praticados. Revelando a qualidade, a
solução é distinta: não há venda de bens alheios.
Consequências do Regime
(1). Denúncia: o comprador tem de denunciar o defeito, nos termos previstos no artigo
916º (tendo em conta os prazos previstos e, ainda, o prazo especial para o regime da
compra e venda comercial – art. 471º do CC).
i. O que é? Declaração negocial recetícia, sem forma especial para ser emitida, mediante
a qual se comunicam, de forma precisa e circunstanciada, os defeitos de que a coisa
padece.
ii. Pode ser dispensada se o vendedor tiver agido com dolo (916º/1).
(2). Regime de incumprimento (venda de bens onerados – 903º): e não o regime da
anulabilidade (igualmente defendido pela jurisprudência); a prova do defeito incumbe
ao comprador (art. 342º/1) e a culpa do vendedor presume (relação obrigacional – art.
799º). Como pode o vendedor reagir?
i. Reparação/eliminação do defeito.
ii. Não sendo possível ou sendo excessivamente onerosa: substituição da coisa.
iii. Não sendo possível ou sendo excessivamente onerosa: redução do preço (911º ex vi
913º).
iv. Não sendo possível ou sendo excessivamente onerosa: resolução do contrato.
(3). Cumulação com a indemnização: tem em vista cobrir os danos não ressarcíveis
por estes meios, resultando do regime da venda de bens onerados (art. 562º e seguintes
+ 908º ex vi 93º/1).
NOTA: o vendedor tem um direito à reparação? Sim. O devedor (vendedor) entra em
mora quando entrega a coisa com defeito (tendo decorrido o prazo – 805º). Pode
oferecer a reparação, substituição ou redução do preço nos termos acima descritos.
Naturalmente, o credor (comprador) pode recusar: a recusa será legítima se o credor
tiver perdido o interesse objetivo na obrigação (808º); a recusa será ilegítima se tal não
se verificar, entrando o credor em mora (813º).